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MINICURSO ONLINE

FUNDAMENTOS DA
PSICOLOGIA AFRICANA
WADE NOBLES

Profª Ma. Roberta M. Federico


Psicoterapeuta - CRP 05/37.813
Minicurso Online Fundamentos da Psicologia Africana -Wade Nobles

ÍNDICE

Introdução 01
Por Roberta M. Federico

1. Rumo a uma Psicologia Preta: teorias 02


brancas ignoram o estilo de vida do gueto
de Joseph White;

2. Wade Nobles: o intelectual como 03


curandeiro
de DeReef F. Jamison

3. Voodoo ou Q.I.: Uma introdução à 04


Psicologia Africana
de Wade Nobles e Na'im Akbar

4. Filosofia Africana: Fundamentos da 05


Psicologia Preta
de Wade Nobles

5. Consciência Estilhaçada, Identidade Fraturada: 06


Psicologia Preta e a Restauração da Psiquê
Africana
de Wade Nobles
Minicurso Online Fundamentos da Psicologia Africana -Wade Nobles 01

INTRODUÇÃO

Hotep!

Este ebook contém um compilado dos textos abordados no mini-


curso “Fundamentos de Psicologia Africana | Wade Nobles”, organizado
pelo Sankofa Instituto de Psicologia. Alguns são capítulos de livros e
enquanto outros são artigos publicados em periódicos científicos.
Numa linha histórica, temos textos trazendo discussões vivenciadas na
década de 70, quando a Psicologia Preta se debruçava sobre as
pesquisas em torno dos testes comparativos de inteligência
produzidos pela Psicologia tradicional, enquanto outros trazem
questões mais contemporâneas acerca dos paradigmas de pesquisa
científica e o desenvolvimento de uma Psicologia (Pan)Africana. As
traduções foram feitas com fins didáticos, objetivando a transmissão e
a ampliação dos debates sobre o tema nos países cuja língua oficial é a
portuguesa.

Profª. Ma. Roberta M. Federico


Psicoterapeuta - CRP 05/37.813
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles 02

ESTUDO 1

Rumo a uma Psicologia


Preta: teorias brancas
ignoram o estilo de vida
do gueto
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles

Referência bibliográfica da publicação original


WHITE, J.L. Toward a Black Psychology:
White theories ignore ghetto life styles. Ebony
Magazine. Vol XXV, n. 11, 45-52, 1970.

Traduzido para fins didáticos por:


Roberta Maria Federico

Independentemente do que as de que as pessoas negras, de acordo


pessoas pretas ultimamente com seus resultados de pesquisa, são
decidiram sobre as questões de geneticamente inferiores aos brancos
em potencial intelectual desde o
separação, integração, segregação,
nascimento. A maioria dos psicólogos
revolução ou reforma, é de
e cientistas sociais têm o ponto de
importância vital que desenvolvamos, vista liberal que em síntese afirma
na autêntica experiência das pessoas que as pessoas negras são
pretas neste país, uma teoria acurada culturalmente privadas e
e viável de Psicologia Preta. É muito psicologicamente desajustadas por
difícil, senão impossível, entender os conta do ambiente em que foram
estilos de vida das pessoas pretas criadas e onde continuam a criar seus
filhos, e que não têm as primeiras
usando as teorias tradicionais
experiências necessárias para nos
desenvolvidas por psicólogos brancos preparar para a excelência na escola,
para explicar as pessoas brancas. Além comportamentos dos papéis sexuais
disso, quando essas teorias apropriados, e, falando
tradicionais são aplicadas às vidas de genericamente, alcançar o padrão de
gente preta, muitas conclusões referência da classe média branca.
incorretas, direcionadas para a Em resumo, somos cultural e
psicologicamente privados porque
fraqueza e inferioridade podem surgir.
nossa experiência fornece-nos uma
Com toda justiça, deveria ser dito que
preparação inferior para avançar
apenas poucos psicólogos brancos efetivamente dentro da cultura
aceitaram publicamente o avanço branca dominante.
mais recente das idéias do Dr. Jensen
(ver a revisão de Carl Rowan ao
trabalho de Jensen na edição de maio
da Ebony Magazine),
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Uma simples jornada com um pesquisador branco em um lar negro pode nos dar
uma visão sobre como são tiradas conclusões tão importantes, mas um tanto
errôneas. Durante uma visita ao lar negro o pesquisador pode não encontrar
aspectos familiares da cultura branca como a Revista Seleções, gravações de
peças da Broadway, clássicos, revistas como a Harpers, Atlantic Monthly ou a New
York Review of Books. Ele também poderá observar um nível de barulho alto,
continuamente reforçado por entradas de blues, e estações de rádio tocando
músicas, programas de TV e alguns conjuntos de conversas acontecendo ao
mesmo tempo. Este tipo de observação leva ele a presumir que os lares de
crianças negras são muito fracos em conteúdo intelectual, desinteressantes e
lugares geralmente confusos para se crescer. De alguma forma ele falha em ver a
estimulação intelectual que pode ser fornecida pelos jornais pretos locais, os raps
informativos, as revistas Jet, Ebony e as músicas da Motown e da Sepia. Crianças
negras nestes mesmos lares que supostamente não podem ler (até pré-escolares)
podem cantar algumas músicas de rock e blues a partir da própria memória e
identificar corretamente músicas de entretenimento popular. Estes mesmos
pesquisadores ou psicólogos educacionais, ouvindo o jeito preto de falar,
assumem que nosso uso de um Inglês oral não padronizado é um exemplo de má
gramática, sem reconhecimento da possibilidade de termos um dialeto
alternativo válido e legítimo.
Como o psicólogo educacional branco continua com o que para ele se tornou
uma análise padrão, o próximo passo se torna um dos programas que ofertam às
crianças negras com o tipo de reforço que ele acredita ser necessário para superar
e compensar sua privação cultural. Como consequencia deste tipo de
pensamento, nos anos recentes, de Headstart, New Horizons a Upward Bound,
nós temos repetidamente testemunhado as falhas dos programas de
compensação e reforço escolar. Possivelmente, se os cientistas sociais, psicólogos
e educadores parassem de tentar compensar as chamadas debilidades da criança
negra e tentassem desenvolver uma teoria que potencializasse suas capacidades,
poderiam ser criados programas que, desde o início, pudessem ser mais
produtivos e bem-sucedidos.
Muitos deste jovens taxados como culturalmente privados desenvolveram um
tipo de resistência mental e habilidades de sobrevivência em termos de lidar com
a vida que os torna de muitas maneiras superiores aos seus colegas brancos da
mesma idade e que estão crescendo com riqueza material nos subúrbios da Little
League. Estes jovens negros sabem como lidar efetivamente com cobradores de
contas, superintendentes de construção, mercearias de esquina, pessoas hype,
cafetões, prostitutas, doença e morte. Eles sabem como enrolar conselheiros
escolares, diretores, professores, assistentes sociais, autoridades juvenis e, fazendo
isso exibem muita inteligência e criatividade psicológicas. Eles reconhecem
muito cedo que vivem em um ambiente que às vezes é complicado e hostil.
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Eles podem não estar aptos para verbalizar isso, mas já têm domínio do que os
psicólogos existencialistas declaram ser as condições humanas básicas, ou seja,
que nesta vida, dor e luta são inevitáveis e que o senso completo da identidade de
alguém só pode ser alcançado através do reconhecimento e do enfrentamento
direto de uma existência cruel e difícil.
A família preta representa outra arena na qual o uso dos modelos psicológicos
tradicionais brancos conduzem-nos a uma análise essencialmente inapropriada e
doentia. Quando a família preta é vista a partir de um padrão classe média como
referência, que assume que a família psicologicamente saudável contém dois
pais, um homem e uma mulher, que permanecem com a criança até ele ou ela se
tornar um jovem adulto, o fato de um homem preto não ser consistentemente
visível para um observador branco de uma família preta conduz a conclusão de
que a unidade familiar preta tem uma estrutura matriarcal. Uma vez que a idéia
de família matriarcal é aceita, é muito tentador usar as teorias psicológicas
freudianas para explicar porque as crianças pretas, especialmente os meninos
pretos, que são criados neste tipo de família monoparental com o pai ausente,
desenvolvem dificuldades de identidade e psico-sexuais. Ainda mais prejudicial, a
descendência masculina e feminina da família matriarcal carrega suas
dificuldades para a próxima geração, tendo o ciclo matriarcal se repetindo
novamente. De fato, um cientista social branco fazendo o estudo de caso da
família preta para uma ação em nível nacional, leva em vista que o maior
problema com que as pessoas negras se confrontam é ter que organizar nossas
famílias em unidades de dois pais.
Um olhar mais próximo da família preta poderia mostrar que a visão matriarcal ou
monoparental falha em levar em consideração a natureza extendida da família
preta. Olhando para o número de tios, tias, madrinhass, namorados, irmãos e
irmãs mais velhas, diáconos, pastores, e outros que operam dentro e fora do lar
preto, uma observação mais válida pode compreender a variedade de adultos e
crianças mais velhas que participam do cuidado de qualquer criança preta. Além
disso, no processo de cuidado da criança, essa variedade de adultos juntamente
com os irmãos mais velhos criam um tipo de família extendida que intercambia
papéis, trabalhos e funções familiares de tal maneira que a criança não aprende
uma distinção extremamente rígida entre os papéis masculinos e femininos. Um
caso me vem à mente, de um jovem assistente social branco, que após observar
um menino preto de dez anos que cozinhava, limpava a casa, lavava as roupas e,
obviamente ajudando sua mãe a cuidar das crianças mais novas da família,
escreveu em seu relatório que o desenvolvimento masculino poderia ser
prejudicado por aquelas atividades obviamente femininas. O que o assistente
social falhou em ver foi que este menino de dez anos em particular não separava
rigidamente os papéis masculinos e femininos em sua cabeça, e o mais
importante, ele também ajudava sua mãe no trabalho de meio-expediente, foi
membro da equipe de atletismo no ensino médio, um estudante capaz, teve uma
vida sexual muito saudável com algumas moças da vizinhança e era respeitado
pelos irmãos das ruas na cultura de gangs quando se tratava de suas habilidades
de briga quando era necessário.
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Se o modelo de família extensa se mostra mais preciso do que a concepção


matriarcal que descreve a família negra, isso significa que podemos desviar nossa
atenção da descrição contínua dos conflitos de papéis psico-sexuais e sociais
doentios em crianças negras e adultos jovens e seguir em direção a caminhos de
fortalecer a família extensa, em oposição a alguma reorganização básica da
família negra. Além disso, se o conceito de família extensa for preciso, nossos
adolescentes e jovens adultos poderão ter potencialmente menos conflitos de
identidade do que aqueles que provêm de famílias que os expõem a distinções
extremamente rígidas entre papéis e deveres masculinos e femininos. Talvez as
pessoas que querem fazer do negro um argumento para a ação nacional devam
parar de falar em transformar a família negra em uma família branca e, em vez
disso, dedicar suas energias para remover a opressão óbvia da comunidade negra,
que é responsável por vivermos neste inferno.
Esses exemplos da hipótese da privação cultural e do modelo da família
matriarcal foram usados para ilustrar a necessidade de uma explicação
psicológica e análise dos estilos de vida negros que emergem da estrutura da
experiência negra. Não apenas a compreensão dos padrões negros de referência
nos permitirá fornecer explicações mais precisas e abrangentes, mas também nos
permitirá criar os tipos de programas no mundo negro que potencializam os
pontos fortes dos negros. Isso é especialmente crítico no campo da educação,
porque os modelos educacionais mais bem-sucedidos tendem a capitalizar as
experiências que a criança traz para a sala de aula, em vez de lembrar
constantemente a criança de suas fraquezas. Nem toda teoria psicológica branca
tradicional é inútil. Já está implícito que os pontos de vista dos psicólogos
existenciais, com seus ensinamentos sobre dor e luta como condição inevitável,
são aplicáveis para a vida dos negros. Os pontos de vista comumente avançados
por um grupo de psicólogos chamados teóricos do self podem ser úteis, porque
estes teóricos consideram que, para entender o que é uma pessoa e a maneira
como ela vê o mundo, você deve ter alguma consciência de seu contexto
experiencial, especialmente porque pode incluir experiências com instituições
como o lar, a família, a vizinhança imediata e os órgãos de ambas as culturas que
afetam diretamente a vida da pessoa. Para continuar nossa discussão, em vez de
argumentar que as pessoas negras são psicologicamente peculiares, pareceria
que nossa experiência e gerenciamento de conceitos psicológicos importantes, no
que dizrespeito à manipulação de contradições, papel do herói, sistemas de
linguagem, significado do trabalho e um saudável senso de desconfiança difere
profundamente quando comparamos a experiência negra com a experiência
branca.
Em uma cultura orientada para o sentimento, aparentemente e examinada de
perto, as contradições lógicas superficiais não têm o mesmo significado que
poderiam ter na cultura de base eurocêntrica. Um estudante de psicologia branco
ficou completamente confuso quando teve a oportunidade de observar um irmão
em particular num domingo, no que o estudante pensava serem três conjuntos
muito diferentes e contraditórios. O estudioso, mediante acordo prévio, foi
autorizado
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a assistir o irmão interagir com o contexto de um comício nacionalista negro aos


moldes do que ocorria em 1968. O irmão na fila era um participante muito ativo
na platéia. Ele parecia gostar da retórica ativista, gritou e bateu palmas no
momento e deu aos oradores respostas repetidas de "Isso mesmo".
Imediatamente após a manifestação, esse mesmo irmão atravessou a rua até uma
igreja preta pentecostal, pegou um pandeiro, vibrou com as irmãs, chamou o
Espírito Santo e cantou de improviso um solo intitulado "Onde eu estarei quando
a primeira trombeta soar". Em seguida, caminhou até um bar a uma quadra de
distância, bebeu pouco mais que uma dose de gim e começou a cantarolar e
acompanhar a letra de "Chain of Fools"; de Aretha Franklin. Durante a entrevista
que ocorreu, o psicólogo branco iniciou perguntando "Você não vê nenhuma
contradição básica entre a participação em uma manifestação nacionalista negra,
uma visita à igreja e sentar neste bar bebendo gim (e devo acrescentar: estalando
os dedos)" O irmão respondeu à pergunta dizendo que não apenas ele não via
nenhuma contradição, mas também aguardava ansiosamente os três eventos
todos os domingos, porque basicamente "curtia muito". O que poderia ter
representado uma contradição para o psicólogo branco, nada significa para o
irmão, no sentido de que todos os três eventos faziam parte da mesma
experiência para ele em um nível de sentimento. Como parte do mesmo conjunto
de experiências, com diferenças superficiais sem importância, o irmão se sentiu
em casa durante as três atividades. A igreja preta pode ser vista como uma arena
de força ou movimento. O importante é que essas duas visões não se neguem e
possam existir na mesma pessoa lado a lado. Ao lidar com as contradições, pode-
se afirmar também que os negros têm maior tolerância a conflitos, estresse,
ambiguidade e ambivalência. Os psicólogos brancos falharam ao não levar isso
em consideração quando assumem que, por ter uma formação de classe baixa, os
negros são, portanto, mais impulsivos, imaturos e menos tolerantes ao estresse.
Em termos da história do herói, a cultura branca dominante, aprofundada na
tradição de um herói infalível, marca seus triunfos com uma habilidade divina,
segue em termos da história do herói, a cultura branca dominante, aprofundada
na tradição de um herói infalível, marca seus triunfos com uma habilidade divina,
segue todas as regras e se aposenta invicto. Toda a psicologia do herói nas
culturas preta e branca é diferente. Na cultura negra, o herói é em geral o irmão
que mexe com o sistema e se safa dele. Os negros em geral poderiam se importar
menos com algumas figuras políticas que festejam nas Índias Ocidentais às custas
dos outros. Eles podem buscar e se identificar. Enquanto esse mesmo herói,
segundo os psicólogos brancos, é interpretado como o vilão. Na literatura, dois
temas dos heróis se reúnem no romance de John O. Killens "And Then Heard the
Thunder". Solly Saunders, como o nobre selvagem, é um graduado negro da
faculdade que serve como oficial do Exército durante a Segunda Guerra Mundial.
Ele encontra um irmão em sua roupa que, como o vilão, responde aos oficiais,
ignora as regras e segue sua própria mente orientada para a autodeterminação.
Por causa desse irmão mau, Solly passa por algumas mudanças e, no final do livro,
o "mau-negro" surge como o herói.
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Atualmente, o negro está muito em voga como o herói da comunidade negra,


mas os brancos continuam a perceber essa pessoa como o vilão e não conseguem
entender por que os negros estão atualmente rejeitando o Tio Tom favorito dos
brancos. Como povo, temos que confiar em nossos próprios tipos de percepção e
não absorver as expectativas brancas de super-heróis e vilões.
Os negros têm uma compreensão genuína de Eldridge Cleaver. Eldridge tornou-
se um tipo de herói cultural nos Estados Unidos. Muitas pessoas brancas,
incluindo radicais brancos, ficaram decepcionadas porque ele não foi julgado.
Disseram que ele havia renunciado à responsabilidade por seu povo e não era "um
orgulho para sua raça". Mas qualquer um que tenha ouvido Eldridge, lido seus
livros ou que sabia alguma coisa sobre sua vida e por onde ele passou sabia que
ele não voltaria para lá novamente.
Os heróis também são importantes porque servem como modelos para crianças
e, nos livros infantis produzidos por editoras brancas, o modelo negro geralmente
é notoriamente ausente. As crianças negras no processo de crescimento precisam
se ver realisticamente refletidas em livros, filmes, rádio, TV e afins. Ao se verem
refletidos, confirma que eles existem e fornece figuras e imagens de identificação.
Depois de uma profunda reprovação por parte dos educadores negros, uma
editora de literatura infantil e produtora de TV deve lentamente corrigir a situação.
Vamos dar uma breve olhada em seus esforços. Uma história infantil típica pode
começar com alguns meninos brancos jogando beisebol. No início do jogo, uma
criança negra fica à margem assistindo. No meio do jogo, a mãe de um garoto
branco o faz voltar para casa para almoçar, os jogadores brancos conversam sobre
o assunto e finalmente convidam o jovem negro para participar do jogo. O irmão
passa a atacar seis pessoas seguidas, acerta quatro home runs, escolhe um
corredor na segunda base e na linha, acerta quatro home runs, escolhe um
corredor na segunda base e depois vence o jogo fazendo um jogo duplo.
Psicologicamente, o que essa história faz é projetar a imagem de um "super-
negro" e implica que está tudo bem ter só um ou dois negros na história. Por
outro lado, não é preciso que um garoto branco seja "super" para se tornar
membro da equipe ou ter uma posição respeitável na vida. O garoto branco
comum todos os dias se vê refletido em toda a cultura branca em fotos, livros,
filmes, rádio, TV durante o processo de crescimento. Enquanto a criança negra
tem que se contentar com imagens distorcidas - recentemente a imagem do
super-negro e, antes disso, as imagens projetando o nobre selvagem, animalesco e
outras figuras caricatas. Do ponto de vista psicológico negro, temos que trabalhar
para fazer o tipo de avanço que coloca as crianças negras em situações típicas, em
vez de em mundos irreais distorcidos.
No que diz respeito ao uso da linguagem, a tradição oral, com seu rap pesado,
contos populares, blues, versos espirituais e sermões caseiros, têm um impacto
vital na experiência negra. Historicamente falando, qualquer discussão sobre a
experiência negra com a linguagem é ainda mais complicada pelo fato de que as
palavras foram usadas para expressar e ocultar ao mesmo tempo. Certas idéias
tiveram que ser transmitidas aos irmãos e as mesmas idéias tiveram que ser
escondidas do homem branco.
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O senhor de escravos no sul pré-conflito, ouvindo os "niggers" do campo cantando:


"Roube, roube a Jesus, roube a casa", foi enganado e acreditou que os irmãos
pensavam apenas em ir pro céu. A verdadeira mensagem era sobre roubar e
dividir o Norte. A língua negra também é muito profunda em significados ocultos,
intuição e nuances. Um poema como "Signifying Monkey" confunde até o mais
revolucionário dos dias de hoje, mas irmãos que não sabem ler ou escrever sabem
exatamente o que o poema significa - é tolice, se não suicídio e, para combater
um inimigo poderoso por si próprio e neutralizar vantagens óbvias, que o macaco
pratica truques eficazes, enganos e uma forma negra de guerra psicológica
conhecida como "signifying (significante)". Esses mesmos irmãos chamados
analfabetos também sabem intuitivamente quando a estrutura do poder branco
está sendo desonesta, e se engajam em truques. Como parte de nossa tradição
oral, batalhas de rimas, como um jogo de homem-a-homem, no qual trocam-se
comentários sobre as mães, tias e avós dos concorrentes, causam aos psicólogos e
linguistas brancos apenas confusão.
Supondo que as rimas façam parte de nossa bolsa matriarcal, eles literalmente
acham que queremos ter encontros sexuais destrutivos com nossas mães. Uma
história alternativa, engano e uma forma negra de guerra psicológica conhecida
como "signifying". Esses mesmos irmãos chamados analfabetos também sabem
intuitivamente quando a estrutura do poder branco está sendo desonesta, dando
e se engajando na “trucologia”. Uma explicação histórica alternativa da
experiência negra pode ser que os irmãos e as irmãs usem as rimas como um jogo
para ensiná-los a manter a calma e a pensar rápido sob pressão, sem dizer o que
realmente estava pensando. Ao traduzir as formas da linguagem preta para o
inglês oral padrão, devemos lembrar que parte do significado será
automaticamente perdido porque essas palavras e expressões são acompanhadas
por um rico histórico de gestos, movimentos corporais e alterações de voz. Apesar
da perda na tradução, os educadores negros devem continuar seus esforços para
escrever programas de linguagem preta com equivalentes padrão em inglês.
Como as crianças negras são expostas a duas culturas, elas devem se expressar
em mais de um dialeto do idioma inglês.
O folclore da cultura americana branca enfatiza repetidamente o valor e as
virtudes do trabalho duro. O trabalho deve nos purificar, avançar
economicamente e nos permitir avançar para posições de maior prestígio e
autoridade. Em certo sentido, o trabalho árduo compensa e gerações de
americanos foram criadas para acreditar na idéia de que, através do esforço
pessoal, poderia-se ir de farrapos à riquezas. Stokely Carmichael afirmou
repetidamente que se o trabalho árduo fosse a chave para o progresso"Os negros
seriam as pessoas mais ricas do país. Trabalhamos nos campos do nascer ao pôr
do sol, trilhos demarcados, algodão colhido, pisos encerados, relações com
gangues das cadeias, cuidar dos filhos dos outros e no final de três séculos, temos
muito pouco a mostrar por esse esforço monumental de trabalho duro. Como o
trabalho duro não alterou drasticamente o futuro dos negros,
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temos evidências para acreditar que o que acontece com uma pessoa é mais
relacionado à sorte ou ao acaso do que ao trabalho árduo.
Planejar com a crença no futuro é planejar decepções e desgostos. Portanto, o
povo negro fez o possível para lidar com as realidades e necessidades concretas
do presente. Isso não significa que os negros sejam orientados pelo presente no
sentido de que são dominados por impulsos ou incapazes aguardar gratificações.
Mas significa que os benefícios do sonho branco do trabalho duro não valeram a
pena para nós. Sendo esse o caso, como um grupo, nossa gestão do tempo não é
limitada ou guiada por uma orientação futura e o tempo não é medido nos
valores das unidades de trabalho da cultura branca dominante.
Parte da condição objetiva dos negros nessa sociedade é a de uma condição
paranóica. Existe e houve, injustificadamente, perseguição e exploração
sistemática das pessoas negras enquanto um grupo. Uma pessoa preta que não
desconfia da cultura branca nega, patologicamente, certas realidades objetivas e
básicas da experiência negra. O falecido sociólogo E. Franklin Frazier abordou isso
muito bem em "Buguesia Preta" e os autores de "Black Rage" discutem o valor da
paranóia negra saudável. Psiquiatras e psicólogos brancos geralmente têm uma
dificuldade considerável em trabalhar construtivamente com a hostilidade e
desconfiança dos pacientes negros. Isso ocorre porque seu quadro de referência
lhes diz que suspeitas excessivas são psicologicamente prejudiciais. Se um cara
branco dissesse a um psiquiatra branco que as pessoas o atacavam
sistematicamente na porta de sua casa, o psiquiatra o diagnosticaria como um
estado psicótico e paranóico e o internaria. Usar um quadro de referência preto
com um paciente preto não deve resultar no mesmo diagnóstico e,
possivelmente, psiquiatras brancos devem parar de nos diagnosticar e passar
algum tempo trabalhando para mudar o sistema que persegue as pessoas pretas.
Uma teoria abrangente da Psicologia Preta terá que explicar com muito mais
detalhes a dinâmica do lar negro, a família, o herói, modelos, sistemas de
linguagem, gestão do trabalho e do tempo e a natureza da suspeita. Muitas outras
áreas terão que ser incluídas e, esperançosamente, o desafio da excelência será
enfrentado por uma geração mais jovem de estudantes pretos profundamente
comprometida com o desenvolvimento de uma verdadeira representação
psicológica da experiência preta.
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ESTUDO 2

Wade Nobles:
O intelectual
como curandeiro
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Referência bibliográfica da publicação original:


Jamison, D. (2017). Wade Nobles: the intellectual
as healer. Journal of Black Studies, 48(6), 535-550.

Traduzido para fins didáticos por:


Roberta Maria Federico

Resumo
Curandeiros e sacerdotes eram arquétipos de intelectuais na África Ocidental que
foram mantidos na memória cultural dos africanos na diáspora, apesar da
escravização. A presença desses intelectuais / curandeiros contrariou a
perpetuação do pensamento eurocêntrico porque eles eram guardiões da cultura
africana e possuíam a capacidade de transferir e transmitir a memória histórica e
cultural coletiva. Wade Nobles posiciona seu trabalho intelectual e seu ativismo na
tradição dos curandeiros que combateram a hegemonia cultural européia
enquanto afirmavam a humanidade do povo africano. Nobles define o Sakhu
como o processo de iluminação do espírito humano e utiliza as várias
manifestações e funções do Sakhu para demonstrar as intrincadas conexões entre
espiritualidade, ciência e cultura. Através da busca, definição, desbloqueio e
aplicação do Sakhu, Nobles articula uma visão de mundo baseada na
espiritualidade africana que tenta curar as mentes e os espíritos do povo africano.

Palavras-chave:
Psicologia Afrocentrada, História Intelectual Afrocentrada, Pensamento
Afrocêntrico, Sakhu, Wade Nobles
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Introdução

Wade Nobles iniciou suas primeiras pesquisas e estudos sobre saúde mental
africana no Westside Community Mental Health Center, onde colaborou com Bill
Hayes, Thomas Hilliard, Asa Hilliard e Patricia Butler para criar o Urban Institute (H.
Nobles, 2008). Ele é professor emérito de Estudos Africanos da Universidade
Estadual de São Francisco e fundador e diretor executivo do Institute for the
Advanced Study of Black Family Life and Culture. Nobles é um dos psicólogos
pretos mais destacados e uma figura importante no movimento psicológico
afrocentrado. Seu livro African Psychology: Toward Its Reclamation, Reascension
and Revitalization” (W. Nobles, 1986) é considerado um clássico da literatura
psicológica afrocentrada. Nobles é fundador da The Association of Black
Psychologists (ABPsi), ex-Presidente Nacional da ABPsi, ganhador do Prêmio
Distinguished Psychologist da ABPsi e o primeiro ganhador do Prêmio Anual
ABPsi de pesquisa acadêmica extraordinária.
Este exame do trabalho de Wade Nobles está fundamentado na definição que
William Banks (1996) tem de intelectuais como "indivíduos reflexivos e
críticos, que agem conscientemente para transmitir, modificar e criar idéias e
cultura" (p. xvi). Dentro do contexto histórico das tradições intelectuais
africanas, a definição de Banks abrange os vários papéis de curandeiros,
sacerdotes e conjuradores. Curandeiros, sacerdotes e conjuradores eram
arquétipos de intelectuais na África Ocidental, mantidos na memória cultural dos
africanos na diáspora. W. Banks (1996) opina que foram os curandeiros /
sacerdotes que assumiram a tarefa de interpretar o universo, codificar e
racionalizar valores culturais” (p. 7). Ele afirma ainda que “como trabalhadores
intelectuais, ambos os grupos desempenharam papéis chave na reprodução dos
códigos cognitivos e espirituais de suas aldeias” (W. Banks, 1996, p. 4). Os
sacerdotes eram curandeiros que não se encaixavam na mistura da vida cotidiana
das plantações. De acordo com W.Banks (1996), foram indivíduos que desafiaram
o status quo porque representavam a idéia inimaginável e inconcebível "de um
escravo reflexivo e não trabalhador" (p. 4). W. Banks (1996) argumenta que, dentro
da realidade cultural de uma instituição escravocrata baseada na morte espiritual
e social (Patterson, 1982), não há necessidade de pensadores profundos que
inspirem e motivem as pessoas a refletir sobre sua condição porque “símbolos e
lembretes de uma existência anterior devem ser eliminados ”(p. 4). Esses
intelectuais eram guardiões da cultura e possuíam a habilidade de transferir e
transmitir memória cultural e histórica coletiva. A tentativa dos escravizadores de
eliminar a pequena população de sacerdotes e curandeiros serviu para
desconstruir os sistemas de crenças culturais africanos e substituir essas
construções culturais pelos padrões culturais europeus. Em combinação com a
missão de Nobles de resolver os problemas que impactam as almas e mentes das
pessoas de ascendência africana, Smith (1994) afirma que existem dois benefícios
psicossociais na formulação de um paradigma intelectual que busca curar.
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A esse respeito, Smith sustenta que as pessoas de ascendência africana precisam


de uma filosofia / psicologia que interrogue os conflitos inerentes à dupla
consciência afro-americana e examine a luta intelectual, social e política pela
integridade cultural. Argumenta-se aqui que, ao procurar o Sakhu, o Wade Nobles
constrói uma psicologia cultural que examina esses conflitos e articula uma visão
de mundo enraizada na espiritualidade africana que tenta curar as mentes e os
espíritos do povo africano.

Em busca do Sakhu
De acordo com Nobles, sua busca pelo Sakhu começou quando ele nasceu e tem
sido uma jornada ao longo da vida. Em relação a essa missão de vida, Nobles
lembra que sua avó trabalhava no Hospital Estadual de Boston para doentes
mentais e contava aos familiares as histórias de negros "loucos", médicos brancos
e o tratamento daqueles diagnosticados como portadores de transtornos mentais
(H. Nobres, 2008). Essas histórias despertaram o interesse de Nobles em
psicologia. Semelhante à experiência de Malcolm X com um sistema educacional
que o desencorajou a perseguir seus objetivos de se tornar um advogado, Nobles
foi desencorajado a se tornar um psicólogo. Seu conselheiro do Ensino Médio o
aconselhou a estudar marcenaria em vez de psicologia, porque marcenaria "cairia
melhor" para pessoas negras (H. Nobles, 2008). No entanto, Nobles não deixaria
que as expectativas definidas pela supremacia branca alterassem e ajustassem
seu compromisso de encontrar e cumprir sua vocação como curandeiro.
Existiram vários fatores críticos durante os estágios cruciais de seu
desenvolvimento como pessoa e como acadêmico que foram importantes para
levar Nobles a buscar o Sakhu. Enquanto cursava a graduação, Nobles teve a sorte
de estar cercado por colegas e mentores que influenciaram e inspiraram suas
tentativas de analisar e entender o espírito. Enquanto estava no Merritt College,
Nobles frequentou a escola com os membros fundadores do Partido dos Panteras
Negras, Huey P. Newton e Bobby Seale. Ele também foi professor assistente da
turma de Sylvia Obradovitch, que abordou psicologia e pessoas de cor (H. Nobles,
2008). Como estudante da Universidade Estadual de São Francisco, Nobles esteve
envolvido em uma greve estudantil e teve a oportunidade de estudar com alguns
dos pioneiros da Psicologia Preta, Joseph White e Gerald West. White (1991), que é
freqüentemente chamado de "Pai dos Psicólogos Pretos" (Guthrie, 1998), escreveu
o artigo clássico "Rumo a uma Psicologia Preta", que enfatizava a
importância de não apenas desconstruir a Psicologia Eurocêntrica, mas também
construir uma psicologia do povo negro e que fosse baseada em suas experiências
culturais particulares. A matrícula de Nobles no estado de São Francisco também
incluiu relações com acadêmicos e artistas como Amiri Baraka, Sonia Sanchez e
Nathan Hare (H. Nobles, 2008). As conexões de Nobles com esses colegas
moldaram e formaram sua visão da psicologia em relação às pessoas de
ascendência africana. Nesses contextos, Nobles conseguiu entender como a
psicologia, a cultura, a espiritualidade e o ativismo social estavam interligados.
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Essas relações plantaram sementes que permitiram que Nobles crescesse como
psicólogo afrocentrado, uma vez que ele entrou em contato com Cedric Clark
(Syed Khatib), Phillip McGee, Luther X/ Weems (Na'im Akbar) e o lendário
antropólogo St. Clair Drake na Universidade de Stanford. Suas colaborações
ideológicas e conceituais com Khatib, McGee e Akbar resultaram em "Vodun ou
QI: Uma Introdução à Psicologia Africana" (Clark, McGhee, Nobles & Weems,
1975), um artigo que definia os parâmetros fundamentais da nascente, mas
florescente disciplinada de Psicologia Africana.
Drake incentivou Nobles a desenvolver uma subvenção que pudesse apoiar seu
interesse em estudar transe psicológico com curandeiros tradicionais em Gana.
Além dessas influências, Nobles também foi influenciado pelo intelectual
orgânico John Henrik Clarke, com quem aprendeu uma valiosa lição de vida sobre
o papel e a função do intelectual como curador (H. Nobles, 2008). Clarke
aconselhou Nobles que “apenas com humildade... o acadêmico ou intelectual
pode manter em equilíbrio a disposição de ser um servo de seu povo e a clareza
de visão para falar honestamente e a buscar a verdade sobre o povo” (H. Nobles,
2008, p. 154, itálico adicionado). Nobles aderia às sábias palavras de seu mais velho
e dizia a verdade para emponderar enquanto buscava uma nova abordagem para
entender a psicologia do povo preto.
A pesquisa de Nobles para articular a Psicologia Africana está fundamentada no
que ele refere-se como Sakhu. Sakhu significa a iluminação da alma/espírito,
aquilo que inspira (W. Nobles, 1986). W. Nobles (2006a) resume a essência do
trabalho de sua vida quando afirma: “Dedico-me ao desenvolvimento de uma
ciência do espírito em que possamos iluminar e entender as condições e
requisitos para ser, tornar-se, pertencer e iniciar a humanidade como Africanos ”(p.
xxxi). Juntamente com seus companheiros na jornada da vida: Na'im Akbar e
Asa Hilliard, Nobles tem buscado, definido, desbloqueado e aplicado o Sakhu. Um
dos aspectos mais interessantes de Sakhu é que a definição do termo invoca o
espírito como a essência da psicologia. A invocação do espírito na discussão da
psicologia contrasta diretamente com visões ocidentais da psicologia que
tendem a se concentrar em comportamentos mensuráveis e observáveis. É visto
como heresia em muitos círculos psicológicos abordar a psicologia a partir de
uma orientação espiritual, em vez de focar principalmente no comportamento
mensurável e observável (Kwate, 2005). No entanto, dentro de uma estrutura de
visão de mundo africana, Sakhu é o fundamento da psicologia que nos permite
entender o comportamento humano. Portanto, o que é observado no
comportamento humano é na verdade uma manifestação física do espírito
humano.
A jornada de Nobles como um intelectual que tenta pensar profundamente sobre
a condição do povo africano o levou a buscar o Sakhu. Enquanto buscava Sakhu,
W. Nobles (2006a) lutou com “os parâmetros de pensamento, teoria e terapia na
Psicologia Preta” e opinou que “um entendimento completo e pleno do povo
africano deveria ser governada por uma profunda... busca, estudo e domínio do
processo de iluminação” (p. xxv).
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Nesse mesmo sentido, W. Nobles (2006a) afirma que buscar o Sakhu o inspirou a
"procurar uma compreensão profunda e penetrante da psicologia do povo
africano, independentemente da conceitualização não africana" (p. xxv). Nobles
levanta a questão de saber se a Psicologia Preta é simplesmente uma resposta
reacionária aos efeitos negativos da psicologia eurocêntrica ou de uma psicologia
culturalmente específica que serve como uma abordagem distinta para entender
as experiências vividas de pessoas de ascendência africana. A Psicologia Africana é
apenas uma versão enegrecida da psicologia branca? É uma nova abordagem
e/ou paradigma sobre as almas do povo africano? Se é o Sakhu, então a origem
deve começar na África. Como buscador do Sakhu, Nobles tenta olhar além do
nível superficial do que parece ser a psicologia do povo preto e mergulhar no que
Du Bois (1989) classificou como as almas do povo preto.

Definindo Sakhu
O foco em Sakhu exige uma mudança de paradigma na psicologia e muda
quais perguntas são feitas e como questões específicas são estudadas. Sakhu
fornece uma abordagem holística para entender a natureza da personalidade.
Partindo da sabedoria coletiva observada nas declarações culturais que os
africanos fizeram ao mundo, Nobles tenta delinear uma estrutura teórica
culturalmente específica que pode ser utilizada como uma lente conceitual para
examinar a africanidade. Nobles definiu que era necessário recuperar e revitalizar
uma epistemologia africana para reconstruir um paradigma africano. W. Nobles
(1997 / 2006d) sustenta que algumas das características distintivas de um
paradigma africano são as seguintes: (a) o universo é cosmos, (b) a natureza última
da realidade é espiritual; (c) que os seres humanos estão organicamente
relacionados a tudo no universo; (d) que o conhecimento vem da participação e
da experiência no universo; (e) que o relacionamento humano é a práxis de nossa
humanidade; e (f) que participação, parentesco e unidade são os modos de um
método epistemológico africano. O conceito de consubstanciação, que W. Nobles
(1986) define como significando "eu sou, porque somos", contrasta diretamente
com o axioma do filósofo francês René Descartes, "eu penso, logo existo". O ditado
atribuído a Descartes enfatiza a capacidade cognitiva do indivíduo de pensar
racionalmente sobre suas experiências, enquanto a consubstanciação se
concentra no coletivismo.
Portanto, o que emerge no paradigma africano é um conceito estendido de self
que não se baseia apenas no pensamento racional de um indivíduo, mas no
relacionamento de uma pessoa com o Criador, os ancestrais e outros seres
humanos (W. Nobles, 1986). Para que esse discurso seja impactante, a africanidade
das pessoas de ascendência africana deve ser estabelecida. A esse respeito, W.
Nobles (1997 / 2006d) estende o comentário perspicaz de Asa Hilliard de que a
questão cultural mais crítica que as pessoas de ascendência africana podem se
perguntar é se são africanas ou não W. Nobles (2000 / 2006c) reconhece a
dificuldade envolvida
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em navegar por esse atoleiro cultural quando afirma que a questão fundamental
se concentra em "como alguém prova que um elemento, construto ou disposição
psicológica em particular foram mantidos" (p. 341). Implícitos nesta pergunta estão
questões como o modo como os africanos e outros membros da diáspora africana
tornaram-se afro-americanos após o desenraizamento cultural que ocorreu
durante a escravização. A escravidão apagou toda a memória histórica e cultural
da África de suas mentes? São ardósias culturais em branco que tiveram suas
crenças e práticas limpas? O surgimento desses tipos de perguntas entre os
intelectuais criou um discurso que produzia narrativas e contra-narrativas sobre
quem e o que deveria ser considerado africano (Harris, 1993; Walker, 2001).
Os debates sobre até que ponto as pessoas de ascendência africana na diáspora
ainda mantêm pensamentos e comportamentos influenciados por africanos têm
uma longa história dentro do pensamento intelectual africano (Holloway, 2005).
Estudos recentes expandiram o foco dos debates tradicionais, chamando a
atenção para as formas dinâmicas de agência cultural demonstradas na
construção da identidade, uma vez que os descendentes de africanos interagiam
com diferentes grupos étnicos e navegavam em novas paisagens culturais (Gilroy,
1993; Hay, 2007). Não obstante essas perspectivas críticas, W. Nobles (2000 /
2006c) escolhe concentrar seu pensamento nessa área nos debates fundamentais
e destaca a arqueologia do saber que se concentrava nos africanismos. Ele
reconhece o trabalho e contribuições importantes de estudiosos pioneiros como
Lorenzo Turner (1968), Melville Herskovits (1990) e E. Franklin Frazier (1974). A escola
de pensamento de Frazier assumiu a posição de que a escravidão destruiu a
cultura africana, enquanto as escolas de pensamento de Turner e Herskovits
argumentaram que a África sobreviveu à travessia do Atlântico e que há uma
abundância de africanismos a serem encontrados se os estudiosos soubessem
onde e como procurá-los (W.Nobles, 2000 / 2006c). Saber para onde olhar implica
conhecimento de pessoas, lugares, coisas, idéias e instituições que possam lançar
luz sobre os africanismos. Por outro lado, saber como olhar implica o
conhecimento de uma visão de mundo específica e como essa visão de mundo se
expressa sob várias condições sociais, políticas e culturais. Nobles percebe onde e
como olhar as pessoas, lugares, coisas, idéias e instituições que são africanas como
um dilema epistemológico (W. C. Banks, 1999; W. Nobles, 2000 / 2006c). Nesse
cenário, o dilema epistemológico é uma situação em que, dependendo da
orientação epistemológica do acadêmico, eles podem perceber o mesmo
fenômeno de maneira diferente. Assim, mesmo que os estudiosos saibam onde
procurar, se não souberem como procurar, ainda assim não conseguirão ver a
África.
Quando Wole Soyinka (1990) sugeriu que a África não termina onde a água
salgada começa, ele defendia a expansão não apenas das fronteiras geográficas
da África, mas também de suas fronteiras culturais e conceituais. Da mesma
forma, Nobles faz o trabalho intelectual de expandir as fronteiras culturais e os
parâmetros conceituais relativos ao que é considerado africano.
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W. Nobles (1986) define cultura como "um processo que dá ao povo um projeto
geral de vida e padrões para interpretar sua realidade" (p. 126). É neste contexto
que Nobles aborda o que significa ser africano com a diáspora diversa de pessoas
descendentes de África. Nobles formula uma discussão sobre as estruturas
superficiais e profundas da cultura (Kambon, 1998; W. Nobles, 1978). O nível
superficial da cultura contém comportamentos, valores e atitudes expressos por
pessoas de ascendência africana ao longo da diáspora. Esses comportamentos,
valores e atitudes são as manifestações da cultura no nível da superfície. No nível
superficial, eles podem ser conceituados como estando fora do que é classificado
como comportamentos africanos “tradicionais”.
Em outras palavras, eles se manifestam como comportamentos que se
apresentam exclusivamente americanos ou, pelo menos, não africanos. Portanto,
são percebidos como nulos de quaisquer antecedentes africanos que possam ter
influenciado suas manifestações particulares. Em contraste, a estrutura profunda
consiste em aspectos culturais, como ideologia, ethos e visão de mundo. A
estrutura profunda também contém construções do paradigma da cosmovisão
que incluem ontologia, cosmologia e axiologia que ilustram as declarações
culturais comuns e os fundamentos filosóficos da cosmovisão (Kambon, 1998; W.
Nobles, 1978).
Qual é o processo através do qual esses comportamentos, valores e atitudes são
transmitidos? O nível profundo da estrutura se torna aberrante ou está totalmente
perdido na confusão criada pelo choque cultural entre as visões de mundo
africanas e européias? Ele se adapta e/ou se ajusta ao novo ambiente cultural e
produz visões de mundo inteiramente novas? A explicação de Nobles é sobre a
continuidade cultural entre pessoas de ascendência africana, apesar das
tentativas históricas de assassinar espiritualmente a integridade cultural do povo
africano e fazê-lo incorporar os conceitos de substância cultural e valores culturais
de outros povos. A substância cultural dá sentido às manifestações abertas da
cultura, e os valores culturais fornecem ordem e direção à maneira pela qual esses
princípios são aplicados (W. Nobles, 1986). O dilema de saber se as pessoas de
ascendência africana na diáspora são ou não africanas é abordado aplicando a
abordagem superficial e profunda dos níveis estruturais da cultura. Isso significa
que, independentemente de como os africanismos apareçam e se apresentem
eles mesmos baseados em manifestações superficiais, a essência dos
componentes e elementos fundamentais das várias culturas da diáspora africana
é fundamentalmente africana no nível profundo da cultura. Essa mudança
paradigmática afeta o ângulo de visão e muda a lente conceitual do que é
considerado africano, de uma abordagem continental/geográfica estreita para
uma análise mais abrangente e diaspórica que inclui a amplitude e profundidade
da humanidade africana.
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Desbloqueando Sakhu

Embora a definição do Sakhu seja crítica, também é importante desbloquear o


Sakhu removendo as barreiras intelectuais e ideológicas que proíbem os
intelectuais e potenciais curadores de pessoas de ascendência africana de
identificar e reconhecer o Sakhu. À medida que as várias escolas de pensamento e
abordagens críticas da Psicologia Preta evoluíram, W. Nobles (1986) enfatizou a
necessidade de aplicar as abordagens críticas identificadas por W. C. Banks (1982)
como um componente crítico para o processo de desbloqueio do Sakhu. Para
desbloquear o Sakhu, as abordagens críticas de desconstrução, reconstrução e
construção (W. C. Banks, 1982; W. Nobles, 1986) devem ser praticadas
simultaneamente. Para Nobles, esse é outro dilema epistemológico que surge
como um resultado do raciocínio dicotômico. Na estimativa de W. Nobles (1978 /
2006e), esse tipo de pensamento maniqueísta que molda e forma como os
cientistas sociais abordam a metodologia pode ser substituído por um
entendimento da (a) conexão entre o pensamento crítico da ciência e a cultura,
particularmente em seu aspecto ideológico e (b) da relação entre o pensamento
crítico, a cultura e a transformação humana de um povo. O entendimento de
Nobles de como essas variáveis se relacionam é resumido quando ele comenta
Assim como a ciência serviu a essa sociedade na criação e uso do
poder técnico e industrial, ela também serviu na criação e no uso de teorias e idéias
projetadas para controlar o uso do poder pelos oprimidos.
(W. Nobles, 1978 / 2006e, p. 76)

Aqui, Nobles enfatiza a relação entre ciência, cultura e opressão. A conexão entre
essas três variáveis é imprescindível para entender como Nobles desbloqueia o
Sakhu.
Dois conceitos-chave emergem da discussão de Nobles sobre o relacionamento
entre ciência, cultura e opressão. Compreender o conceito de transubstanciação é
a primeira chave necessária para desbloquear o Sakhu. Transubstanciação é "um
processo em que a substância de uma cultura é transformada na substância de
outra cultura" (W. Nobles, 1978 / 2006e, p. 79). Nobles comenta sobre o conceito de
transubstanciação e o impacto que isso pode ter no pensamento Africana e na
construção de paradigmas com a seguinte declaração:

Quando o cientista social ou pesquisador não respeita a integridade da perspectiva


cultural de um povo. . . ele é propenso a ser vítima do que definimos como erro
transubstancial, um erro em que alguém define ou interpreta o comportamento e/ou
meio de uma cultura com significado apropriado e consistente com outra cultura. (W.
Nobles, 1978 / 2006e, p. 79)

O conceito de transubstanciação também é observado em como o sistema


espiritual de Ifa é visto por muitos pensadores ocidentais. Dentro do sistema Ifa,
existem orixás que são considerados manifestações do Ser Supremo na natureza
e personificados através dos seres humanos.
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De uma perspectiva psicológica afrocentrada, esses orixás podem ser entendidos


como tipos de personalidade que orientam a maneira particular de uma pessoa
de abordar os fenômenos humanos. Esu-Elegba é o orixá que fica na encruzilhada
e é responsável por ajudar as pessoas a fazer escolhas de vida apropriadas em
momentos difíceis de suas vidas (Karade, 1994). Às vezes, Esu-Elegba prega peças
nas pessoas. Dentro da visão de mundo européia, os truques de Esu-Elegba,
projetados para ensinar lições valiosas, são frequentemente vistos no mesmo
contexto que as ações do diabo na teologia cristã. Na conceituação ocidental, o
diabo tenta separar os seres humanos do Criador, expondo-os a conhecimentos
que são contrários ao seu eu espiritual. No entanto, na tradição Ifa, Esu-Elegba se
esforça para expôr a falsidade e desafiar os seres humanos a se conectarem com
seu ser superior, reconhecendo e compreendendo seu eu interior (Fatunmbi,
1992). Assim, Esu-Elegba também fornece recursos aos seres humanos com a
oportunidade, através de várias escolhas possíveis, de aprimorar e afiar suas
habilidades de tomada de decisão analíticas e críticas. Neste exemplo, a
transubstanciação ocorre quando as contradições culturais entre as visões de
mundo africanas e européias se chocam e resultam em má interpretação e/ou
distorção do conceito original.
Outra chave importante para desbloquear o Sakhu é o colonialismo científico (W.
Nobles, 1986; 1987). Jacob Carruthers (1972/1996) levanta várias questões relativas à
relação entre ciência e opressão. As questões levantadas por Carruthers centram-
se no uso, mau uso e / ou abuso do método científico quando aplicados a pessoas
de ascendência africana. O foco de Carruthers em como os dados brutos são
usados é o cerne do colonialismo científico. Da mesma forma, Semaj (1981/1996)
apresenta os princípios mínimos de uma ciência cultural que inclui, mas não se
limita a (a) primazia do autoconhecimento, (b) ausência de divisões artificiais por
meio da disciplina; (c) nenhuma restrição sobre questões e metodologias; e (d)
nenhum colonialismo científico. A posição de Nobles sobre ciência cultural
combina as abordagens de Carruthers e Semaj. O trabalho da Nobles nesta área
chama a atenção para a importância da desconstrução de disciplinas acadêmicas
que dicotomizam a experiência humana e o uso do saber para empoderar.
Semelhante a Carruthers e Semaj, W. Nobles (1986) explica o colonialismo
científico como "um processo em que o controle político do conhecimento é
realizado por um sofisticado processo de falsificação da produção de informações
e idéias" (p. 19). Um aspecto importante do colonialismo científico é o
encarceramento conceitual. W. Nobles (1986) define encarceramento conceitual
da seguinte maneira:
O conhecedor recebe um conjunto de "conceitos" e definições pré-determinados para
utilizar no "processo de conhecimento". Os conceitos estranhos ou incorretos ... inibem
o processo de saber e o conhecedor se torna prisioneiro dessas "idéias alienígenas". A
noção de encarceramento conceitual nos permite entender ... conceitos errôneos
fornecidos no processo de entendimento científico. (pp. 19-20)
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Casos de encarceramento conceitual podem ocorrer ao conduzir pesquisas que


não se baseiam nas experiências culturais vividas pelas pessoas que estão sendo
observadas. Esforços acadêmicos para inserir teorias culturalmente relevantes em
relação às pessoas de ascendência africana são vitais para estabelecer paradigmas
de pesquisa culturalmente competentes. Um exemplo de encarceramento
conceitual clássico em pesquisa por e/ou sobre pessoas de ascendência africana
está na área da família afro-americana. A principal pesquisa sobre famílias afro-
americanas centrou-se na discussão do quanto as famílias afro-americanas se
afastam ou aproximam-se das famílias americanas européias (W. Nobles, 1987). W.
Nobles (1987) sustenta que, em vez de enfatizar as famílias americanas européias
como norma, as pesquisas com famílias afro-americanas devem focar em sua
capacidade de praticar os seguintes princípios: (a) amor incondicional, (b)
reciprocidade, (c) limites, (d) responsabilidade, (e) adaptabilidade, (f) inclusão e (g)
respeito. Ele ainda afirma:
A capacidade dos pais e mães pretos de criar crianças afro-americanas competentes e
confiantes. . . resistir aos efeitos debilitantes e desumanos do racismo e da opressão,
está diretamente relacionado à nossa capacidade de recuperar nossa tradição cultural
e restabelecer nossos próprios e únicos códigos de conduta familiar. (W. Nobles, 1987,
p. 51)

Nobles sustenta que a psicologia das pessoas de ascendência africana começa na


África. Portanto, com base na concepção de W. Nobles (1976 / 2006b), o estudo de
famílias afro-americanas deve examinar a raiz africana da fruta americana.
Esses exemplos de transubstanciação e encarceramento conceitual são as
consequências de (a) má interpretação e deslegitimação da realidade africana e
(b) uso de conhecimento criado a partir de uma ciência inconsistente com a
cultura africana (W. Nobles, 1978 / 2006e). Além disso, W. Nobles (1978 / 2006e)
argumenta que as pessoas de ascendência africana colaboram e participam de
sua própria opressão e agem como agentes de auto-desumanização ao (a) adotar
a ciência de outro povo, que é inconsistente com a cultura africana e (b) falhar no
desenvolvimento de uma ciência que represente e expresse a realidade do povo
africano. Ao reconhecer seu próprio encarceramento conceitual e reconhecer
quando ele se destaca no pensamento de outros cientistas sociais, os psicólogos
pretos começaram o processo de desbloquear os impedimentos intelectuais que
os proibiam de avançar em uma ciência cultural autêntica que é congruente com
as experiências Africanas vividas. Um intelectual / curandeiro deve ser capaz de
abordar as experiências vividas do povo africano com conceitos culturalmente
apropriados, se quiser escapar e se libertar dos limites do encarceramento
conceitual. Caso contrário, o saber não apenas errará o alvo e perderá seu valor,
mas permanecerá suspenso no universo de idéias (Diop, 1974) e nunca atualizará
sua função libertadora.
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Aplicando Sakhu
O Sakhu lida com o espírito, que é a essência da existência, e define o que
significa ser humano (W. Nobles, 1986, 2006a), mas os seres humanos vivem suas
vidas cotidianas em um nível físico e lidam com questões da vida real. Como o
Sakhu é aplicado em um nível prático que afeta a qualidade de vida vivida por
pessoas de
ascendência africana? Como intelectual / curandeiro, Nobles sempre combina o
sagrado e o secular de uma maneira que demonstra que a espiritualidade não é
uma entidade abstrata e separada, mas uma dinâmica subjacente que envolve e
influencia todos os aspectos do envolvimento de estudiosos / ativistas. Nobles
aborda a construção de teorias e agendas de pesquisa culturalmente específicas
(Kambon, 2006), pioneiro na construção e articulação de uma Psicologia Africana
exclusiva das experiências africanase através de sua pesquisa sobre abordagens
culturalmente específicas para o abuso de substâncias (W. Nobles, 1984) e políticas
públicas pertinentes para famílias afro- americanas (W. Nobles & Goddard,
1987). A mistura de academia / ativismo, cultura, psicologia e espiritualidade no
trabalho da Nobles também é vista em suas atividades de desenvolvimento
profissional. Em seu papel de presidente da ABPsi, ele enfatizou que os psicólogos
pretos são "curandeiros e, como tal, devem ter uma visão e uma práxis centradas
na África" (H. Nobles, 2008, p. 146). Em um esforço para se envolver em uma
prática eficaz em relação à espiritualidade africana e à arte de curar, Nobles
iniciou um relacionamento entre a ABPsi e a Associação Nacional de Curandeiros
Tradicionais do Gana (GNATH). Em conjunto com o GNATH, foi formado um Pacto
da Associação Africana de Curandeiros que buscava “guiar compromisso mútuo
com a promoção e avanço das ciências tradicionais da cura africana ”(H. Nobles,
2008, p. 146). Através da institucionalização desse projeto de cura, Nobles opina
que “podemos estimular o Ngolo Zandiakana (potencial de autocura) ... e refinar o
melhor da ciência e das técnicas de cura africanas” (H. Nobles, 2008, pp. 146-147).
Embora Nobles tenha contribuído imensamente para o desenvolvimento da
Psicologia Africana através de sua articulação com o Sakhu, sua abordagm não foi
isenta de críticas. Mesmo dentro dos círculos de psicológos pretos, a praticidade
dos conceitos psicológicos afrocentrados já foi questionada. Por exemplo,
Fairchild (2004) identifica as seguintes limitações da Psicologia Africana: (a) o uso
de idiomas e termos africanos que criam mais confusão do que compreensão; (b)
a promoção de aspectos tradicionais / pré-coloniais da cultura africana que
podem não valer a pena reter e/ou recuperar, (c) a generalização de alguns
sistemas de crenças africanos para toda a África que produz uma compreensão
monolítica, enganosa e falsa das culturas africanas; e (d) a falha em articular as
dimensões práticas e implicações da Psicologia Africana. No entanto, Nobles
enfatiza que, para pensar profundamente sobre a cultura africana, é imperativo
que os acadêmicos afrocentrados utilizem uma linguagem africana que reflita a
orientação da cosmovisão do povo africano. Para Nobles, o uso da língua africana
é mais do que uma excursão semântica.
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Sua utilidade reside em sua capacidade de fazer os estudiosos pensarem dentro


da estrutura de visão de mundo apropriada, sem preconceitos implícitos de
outras visões de mundo que possam comprometer a integridade cultural de suas
análises. De acordo com sua compreensão das visões de mundo africanas, W.
Nobles (2013) identifica o termo Sakhu Sheti como significando a prática de
Sakhu. Ele explica que o Sakhu Sheti "é oferecido como uma pesquisa penetrante,
estudo e compreensão, exigindo uma abordagem, aplicação e implementação
que sempre busque o significado mais profundo dos fenômenos e explore os
aspectos visíveis e invisíveis da realidade" (W. Nobles , 2013, p. 295). Sakhu Sheti
envolve “domínio do processo de iluminar o espírito humano” (W. Nobles, 2013, p.
294) por meio de ações que incluem o seguinte: (a) “esclarecer” a definição
humana, significado e posição / propósito resolutos no mundo;(b) “analisar e
descrever” as condições humanas concretas que afetam e influenciam nosso
desenvolvimento e consciência humanos coletivos; e (c) soluções e ações
“prescrevendo e estimulando” soluções e ações que libertarão a humanidade da
degradação material e espiritual (W. Nobles, 2013).

Conclusão

A busca de Nobles por Sakhu começa com uma investigação abrangente da


história das idéias que culminaram na disciplina conhecida como Psicologia (W.
Nobles, 1986). No entanto, o exame da origem e da essência da psicologia não está
estagnado nem restrito aos arquivos da história. Uma consideração cuidadosa dos
saberes de Nobles revela que seu trabalho é uma tentativa de tornar a cultura
relevante para as realidades psicológicas contemporâneas. A prática de Sakhu
envolve atender às necessidades atuais das pessoas de ascendência africana (a)
refletindo e protegendo sua integridade humana, (b) facilitando seu crescimento
e desenvolvimento futuro e (c) utilizando uma fonte de energia e entendimento
que melhorará seu bem-estar espiritual, mental e físico (W. Nobles, 2013). Além
disso, o praticante de Sakhu procura ajudar as pessoas de ascendência africana a
dar sentido ao seu ambiente e a criar significado em meio à loucura e confusão
que experimentam sob condições de racismo institucional, opressão psicológica e
hegemonia cultural. A produção intelectual de Nobles funciona de maneira
semelhante aos sacerdotes das tradições africanas e, portanto, situa seu caminho
acadêmico/ativismo em um contexto mais amplo de curandeiros que contribuem
para a transmissão intergeracional e a aplicação de conhecimento cultural.
Se forem utilizadas as definições padrão de psicologia propriamente, as
conceituações de Nobles podem não ser consideradas psicologia. No entanto,
Nobles se sente à vontade com essa interpretação de seu trabalho. Ele argumenta
que a disciplina da psicologia tem sido e continua sendo um tanto problemática
para as pessoas de ascendência africana.
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Assim, Nobles sugere que o termo psicologia talvez deva ser reconsiderado
quando aplicado a pessoas de ascendência africana. Segundo Nobles, existem
palavras em outras línguas africanas que colaboram com o conceito kemético de
Sakhu Sheti. Por exemplo, a palavra Nkindi é definida como “Especialista ou
estudioso da arte / maneira de pensar” (W. Nobles, 2013, p. 297). W. Nobles (2013)
explica que “Nkindi é um Shushukulu (uma pessoa que vê os componentes físicos
e espirituais da vida) na arte ou maneira de "fazer, construir, desenvolver, tecer,
esticar, estender, estender, expandir, criar, criar e inventar "pensamentos ou idéias"
(p. 297). W. Nobles (2013) elabora mais,

Um shushukulu, um nkinda. . . não são apenas qualificados para lidar com os


problemas físicos, mas são capazes de se comunicar e resolver problemas
espirituais: eles têm “olhos” nos dois mundos. Eles não são apenas homens e
mulheres sábios, são terapeutas e curandeiros. (p. 297)

Qual o impacto que o constructo do Sakhu tem para a Psicologia Preta e para a
Psicologia Afrocentrada, em particular? Enquanto Nobles tenta revitalizar e
recuperar o lugar da Psicologia Africana como um antídoto e ferramenta de cura
das mentes e espíritos adoecidos do povo africano, as implicações de seu trabalho
têm profundas conseqüências sobre como a psicologia é conceitualizada e
praticado. O trabalho de Nobles levanta várias questões relativas ao objetivo,
escopo e direção da psicologia. Como você mede e observa o mundo espiritual? O
estudo do espírito humano é uma dimensão mais profunda da psicologia ou é
outro tipo de investigação? Na busca do Sakhu, Nobles participa do que
McDougal (2014) chama de conceitualização disruptiva. Uma conceitualização
disruptiva força uma ruptura epistemológica que desmascara algumas das
suposições fundamentais mantidas pelas disciplinas tradicionais, desestabiliza
abordagens dominantes do pensamento e transfere a humanidade das pessoas
de ascendência africana para o centro das abordagens empregadas para estudar
o mundo africano (McDougal, 2014).
A articulação de Nobles com Sakhu propõe que o estudo do espírito humano
inclua, mas não se limite, aos parâmetros conceituais e metodológicos da
psicologia tradicional. Não descarta a investigação empírica como antagônica a
uma análise de cosmovisão africana. Fazer isso seria ignorar a vasta tradição
intelectual africana de coletar e registrar informações obtidas através da
observação da realidade. Em vez disso, a abordagem de Nobles expande as
maneiras de conhecer, reconhecendo diferentes níveis de interpretação e
incentiva os psicólogos negros a desenvolver e disseminar novos conceitos e
paradigmas para a investigação de fenômenos humanos. É uma abordagem
holística e multifacetada para entender o que significa ser humano. A articulação
e a implementação diferenciadas de Nobles de vários métodos, nos dos papéis
intersticiais de estudioso, ativista, professor, psicólogo, teórico, terapeuta e
curandeiro, o posicionam como o praticante por excelência de Sakhu.
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04

ESTUDO 3

Voodoo ou Q.I.:
Uma Introdução
à Psicologia Africana
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Referência bibliográfica da publicação original:


NOBLES, Wade. Voodoo or I.Q.: An Introductionn to
African Psychology (1976). In: Seeking the Sakhu:
Foundational writings for an African Psychology.
Chicago: Third World Press, 2006. p. 87-108

Traduzido para fins didáticos por:


Roberta Maria Federico

Definição e Fundamentação
Psicologia Africana é o reconhecimento e a prática de um corpo de
conhecimentos que é fundamentalmente diferente em origem, conteúdo e
direção do que o reconhecido e praticado pelos psicólogos euro-americanos. As
diferenças entre a psicologia africana e a psicologia euro-americana refletem as
diferenças entre negros e brancos ou, em termos de cultura básica, entre africanos
e europeus.
É uma daquelas muitas anomalias da tradição científica euro-americana (ou
branca, ocidental) que, embora as diferenças entre negros e brancos sejam
reconhecidas o suficiente para justificar um estudo sistemático e a formulação de
políticas públicas únicas relativas a cada uma dessas mesmas diferenças, não são
reconhecidos o suficiente para impedir medições com instrumentos comuns e
para garantir a formulação de orientações disciplinares distintas dedicadas à sua
explicação. Essa anomalia é devida, em parte, à natureza peculiar da investigação
social e psicológica. Ao contrário das ciências físicas, as ciências do
comportamento ainda não chegaram a acordo sobre padrões uniformes pelos
quais o comportamento pode ser julgado adequadamente. Também,
diferentemente das ciências físicas, as ciências do comportamento empregam
conceitos derivados não de critérios universalmente acordados, mas da experiência
cultural peculiar dos próprios cientistas.
Essas são, é claro, questões com as quais os melhores cientistas comportamentais
euro-americanos estão bem cientes; portanto, muitas vezes ficam envergonhados
com as tentativas de alguns de seus colegas (por exemplo, Jensen) de comparar
conceitos como "inteligência" a conceitos físicos como “eletricidade” - com o
argumento de que, como ninguém sabe o que esses fenômenos “realmente são”, é
bastante apropriado adotar “definições operacionais” que sirvam a fins utilitários, se
não como “verdade”.
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O constrangimento desses cientistas mais bem treinados ainda não foi articulado
de uma forma que contrariasse efetivamente as ações tomadas, sob o nome de
ciência, por seus colegas menos bem-dotados. Parte da razão disso pode ser
atribuída ao fato de que, embora os cientistas mais bem treinados possam
encontrar sérias falhas na lógica e nos métodos de seus colegas mais conhecidos,
eles estão de acordo com alguns dos fins utilitários procurados.
É esse "acordo comum sobre fins" que, em áreas sensíveis como a inteligência
racial, permitiu que questões científicas e filosóficas legítimas fossem traduzidas
como questões relativas à "liberdade de expressão" ou "direitos civis".
Os cientistas brancos responsáveis estão, por exemplo, bastante familiarizados
com o lembrete de Thomas Kuhn de que toda revolução acarreta uma revolução
concomitante no paradigma científico. E muitos desses cientistas provavelmente
reconheceriam que agora estamos vivendo no meio de uma revolução social
caracterizada por uma mudança substancial nas relações raciais, não apenas na
América, mas em todo o mundo.
Tais mudanças nas relações sociais são invariavelmente acompanhadas por
mudanças na esfera mental ou conceitual, um ponto que Marx e Mannheim
apontaram muito antes de Kuhn apresentar a seus colegas cientistas. Tais
mudanças na esfera conceitual questionam algumas das suposições básicas sob
as quais os cientistas, como todos os outros participantes de uma determinada
cultura, operam.
Algumas mudanças, no entanto, não são facilmente absorvidas no mundo
científico. E isso é um fato que mesmo aqueles que conhecem apenas
nominalmente a história das revoluções científicas têm conhecimento.
Em deferência à probabilidade de a maioria dos leitores serem ignorantes em
relação da História das Ciências, podemos observar que, assim como a maioria
dos cientistas do século 14 achou difícil deixar de ver a Terra como o centro do
universo físico, muitos dos cientistas (comportamentais) de hoje acham difícil
deixar de ver a raça caucasiana ou a cultura européia como o centro do universo
social. É por esse motivo que a psicologia euro-americana adota, como padrão
conceitual e comportamental, as características de uma minoria (menos de 10%)
da população mundial. De fato, se a história é um juiz, seria uma ocorrência
notável se os participantes da hegemonia euro- americana reconhecessem e
aceitassem mudanças conceituais que prejudicariam suas posições privilegiadas
em relação a outros. Isso é particularmente verdadeiro para os participantes cujas
próprias ocupações estão intimamente envolvidas com a manutenção de um
universo conceitual estabelecido; ou seja, educadores, cientistas e políticos.
Esse universo conceitual já foi delimitado pelas questões de "integração versus
segregação". Esses parâmetros conceituais orientaram a maior parte do
pensamento científico e da pesquisa na área de relações raciais; além disso,
políticas públicas foram adotadas nesse quadro de referência.
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Esse quadro de referência (ou o que Kuhn chama de “paradigma”) foi


praticamente destruído pela maioria dos negros; de fato, é questionável se, de
fato, foi assim que a maioria dos negros via o mundo. Particularmente, se os
estudiosos pretos (distintos dos porta-vozes pretos) refletissem com precisão o
pensamento da maioria das pessoas pretas. Os escritos do romancista- ensaísta
James Baldwin são particularmente relevantes nesse sentido. Baldwin, mais de
uma década atrás, fez uma pergunta que atingiu um acorde profundo e
responsivo na mente de muitas pessoas pretas, mas foi quase completamente
desconcertante para a maioria dos brancos. Sua pergunta era: "Quem quer se
integrar em uma casa em chamas" Deve-se enfatizar que essa pergunta foi feita
muito antes do lançamento dos documentos do Pentágono, dos crimes de
Watergate e seu encobrimento, das crises de energia e de todos os outros
fenômenos que, hoje, tornam a questão talvez menos desconcertante para os
brancos. Há uma lição importante que pode ser aprendida com esse exemplo, ou
seja, que as pessoas pretas veem coisas sobre as pessoas brancas que elas não
veem sobre si mesmas. Um cínico pode observar que isso ocorre porque eles
passam mais tempo olhando para as pessoas pretas do que para si mesmos - uma
observação que talvez seja menos reconfortante para a comunidade científica,
porque talvez seja mais relevante para ela.
É por causa dessa diferença de percepção que os universos conceituais e seus
paradigmas resultantes diferem para os brancos e negros. Essa diferença
finalmente se manifesta nos tipos de perguntas que as pessoas fazem na área das
relações raciais.
Enquanto muitos brancos questionam se a integração ou segregação é melhor
para a América, muitos negros questionam se a América é melhor para os negros.
O paradigma conceitual que governa a primeira questão é delimitado por uma
dicotomia "integração versus segregação", enquanto o paradigma conceitual que
governa a última questão é delimitado por uma dicotomia "libertação versus
controle". As diferenças entre os dois paradigmas são importantes para qualquer
solução pacífica da questão racial.
O paradigma euro-americano de “integração versus segregação” carrega uma
importante dimensão comum, a saber, o controle dos brancos, enquanto que a
“libertação x controle” se dirige diretamente ao que muitos negros acreditam ser a
questão crítica: autocontrole ou o outro no controle. O fracasso da psicologia euro-
americana em reconhecer e / ou apreciar esse paradigma alternativo é o que leva
muitos estudantes pretos pensantes a descartar muitas pesquisas
contemporâneas como "irrelevantes".
Os cientistas brancos, se eles estão realmente interessados em ciência (diferente
da política), não devem assumir que apenas porque George Gallup não perguntou
aos negros se eles queriam ou não integrar na sociedade branca que, portanto,
eles queriam; nem esses cientistas tampouco deveriam supor que apenas porque
alguns políticos e cientistas sociais negros promovem esquemas como "educação
compensatória" ou "ação afirmativa" que, portanto, a maioria das pessoas pretas
acredita estar precisando de compensação e afirmação.
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Estes programas e políticas refletem decisões políticas baseadas em conveniência


social; eles não refletem necessariamente a opinião pública negra nem, aliás, um
pensamento científico sólido.
Em resumo, a Psicologia Africana reconhece, talvez mais do que a psicologia euro-
americana, que a maneira pela qual uma pergunta é feita predetermina o leque
de respostas possíveis. Se a pergunta for feita em termos de "integração x
segregação", a resposta exclui forçosamente "separação". Se a pergunta for feita
em termos de "O que é mais importante na determinação da inferioridade
intelectual dos negros, os genes ou o ambiente?", A resposta exclui forçosamente
a possibilidade de que os negros não sejam intelectualmente inferiores. Se a
pergunta for feita: “Os negros são iguais em inteligência aos brancos?”, a resposta
exclui forçosamente a possibilidade de os negros serem superiores em
inteligência aos brancos.
Devido ao reconhecimento de que as questões científicas são, ao mesmo tempo,
frequentemente respostas políticas e sociais, a Psicologia Africana é bastante
sensível aos problemas relacionados à história e filosofia da própria ciência. Assim,
vê-se não apenas diferente da psicologia euro-americana, mas como superior a
ela da mesma maneira que a filosofia é superior à ciência, na medida em que a
última só é válida se certas suposições da primeira forem aceitas.

O conteúdo enfatizado pela Psicologia Africana

Tanta coisa então, para "o por quê?" da Psicologia Africana; vamos
voltar nossa atenção para o "o quê?" tendo em mente que suas
diferenças de conteúdo são resultado de diferenças conceituais ou de paradigma.
Antes de prosseguir com esta discussão do conteúdo, devemos primeiro
reconhecer, em deferência a paradigmas alternativos, a natureza essencialmente
radical da Psicologia Africana. É radical não tanto no sentido político, mas no
sentido científico e filosófico; ou seja, é "radical" porque se dirige, em primeiro
lugar, às raíze (radicais) do pensamento humano. Pois, acreditamos, somente
quando essas raízes são expostas e examinadas criticamente é possível construir
uma base sólida para a investigação subsequente de fenômenos psicológicos
específicos.
Consistente com este conteúdo de perguntas “raiz”, a primeira questão que a
Psicologia Africana tenta entender é:

1. Qual é a raça original, a caucasiana ou a africana?

Muitos psicólogos euro-americanos, sem dúvida, considerariam essa questão


teológica na melhor das hipóteses e irrelevante na pior. Essa aparente
despreocupação com questões de origem é bastante peculiar, dada a grande
preocupação atual com o papel dos fatores genéticos no comportamento
humano.
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Claramente, se alguém quiser ser consistente com qualquer tese genética,


certamente deve dar atenção pelo menos nominal à natureza do primeiro pool
genético humano, pois é desse pool genético original que todos os genes
contemporâneos foram derivados. Se, então, devemos nos preocupar com a
transmissão genética da inteligência humana, devemos admitir apenas uma das
duas possibilidades: ou a raça branca é evolucionária antes da negra, caso em que
qualquer inteligência (ou falta dela) que os negros têm foi herdado dos brancos;
ou a raça negra é evolucionária antes da branca; nesse caso, o inverso seria
verdadeiro. (Talvez devêssemos observar, novamente em deferência a paradigmas
alternativos, que qualquer uma das posições anularia efetivamente as conclusões
de alguns teóricos da inteligência genética da atualidade).
Talvez devêssemos observar a esse respeito que muitos psicólogos euro-
americanos e treinados a partir do olhar euro-americano tendem a minimizar a
importância dessa questão de origem. Alguns adotam uma perspectiva
neodarwinista e afirmam que houve uma melhoria evolutiva nas espécies, de
modo que a raça caucasiana representa o final mais alto da escala evolutiva. Essa
perspectiva equipara a superioridade tecnológica à intelectuale superioridade
moral.
O honorável Elijah Muhammad, o mensageiro de Allah, foi o primeiro a levantar e
responder a essa questão de origem racial. A psicologia africana trabalha no
pressuposto de que a raça africana evoluiu antes da raça caucasiana; portanto, a
raça africana é a fonte original de quaisquer fatores genéticos responsáveis pelo
comportamento branco e preto contemporâneo no mundo. Assim, a psicologia
africana atribui o declínio das civilizações pretas não às fraquezas genéticas, mas a
uma decadência espiritual que deixou em seu rastro, no entanto, um alto
testemunho de sua supremacia intelectual original na forma de monumentos de
pedra espalhados pelos monumentos da África que refletem um domínio da
matemática, geometria, física e todas as outras ciências conhecidas pelo homem.
A construção das pirâmides africanas, até hoje, confundiu os cientistas ocidentais
a tal ponto que a explicação mais recente é que eles foram construídos, não pelos
próprios africanos, mas por criaturas espaciais alienígenas!
Embora a psicologia africana aceite como "dado" que a raça original era africana e
não européia, ela tenta validar essa hipótese por outros motivos que não a
suposição ou autoridade. Por que essas outras fontes de validação são necessárias
para a psicologia africana e não a psicologia euro-americana dizem mais sobre a
dinâmica do racismo no mundo ocidental do que sobre qualquer outra coisa. Tão
arraigado é esse racismo nas instituições educacionais americanas que muitos
livros de geografia, até hoje, separam o Egito da África, a fim de promover a idéia
de que a civilização egípcia foi construída por não africanos. Hollywood
desempenhou um papel importante em garantir a percepção dos africanos como
não civilizados.
Devido à maneira pela qual a mídia de massa e as instituições educacionais
tentaram apresentar o mundo como branco,
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a Psicologia Africana reconhece sua necessidade de validar algumas de suas


próprias suposições na medida em que é possível validar suposições com
pesquisa empírica.
Essa validação é feita não apenas para convencer os brancos (uma tarefa que
reconhecemos virtualmente impossível), mas também para convencer as pessoas
pretas, particularmente aqueles que recebem educação em instituições brancas.
De fato, esse eleitorado educacional em particular é muito importante aos olhos
da psicologia africana, pois é precisamente esse grupo de pessoas que
frequentemente é reconhecido pelas instituições brancas estabelecidas como
“líderes” de outras pessoas pretas. Essas pessoas se tornam "porta-vozes", embora
(ou talvez porque) não possuam o ingrediente educacional mais essencial de
todos: o conhecimento de si. A importância desse elemento do conhecimento é
discutida em parágrafos posteriores.
O ponto que desejamos destacar nesse contexto é que, por mais que possamos
lamentá-lo, ainda é fato que muitos negros americanos continuarão sendo
educados por brancos e, sendo esse o caso, é natural para essas pessoas
desenvolver uma concepção de si como inferior aos brancos. Essa autoconcepção
negativa se estende a outros negros e, como resultado, é mais provável que essas
pessoas sejam influenciadas pelo que os brancos têm a dizer sobre eles do que
pelo que seu próprio povo tem a dizer. De fato, essa tendência é frequentemente
associada a "sucesso" e "inteligência" na sociedade americana.
Por isso, a Psicologia Africana reconhece a necessidade de apoiar suas premissas,
referindo-se a pesquisas publicadas dentro da tradição euro-americana. Assim,
em apoio à nossa suposição de que a raça original era africana, não europeia,
chamamos a atenção para a pesquisa do professor Louis Leakey, um antropólogo
britânico. Em breve após a morte de Leakey, há alguns anos, seu filho, Dr. Richard
Leakey, fez uma descoberta arqueológica que revolucionou completamente o
pensamento científico sobre a origem do homem. Ele encontrou remanescentes
do homem primitivo na África Oriental, datados de três milhões de anos.
Embora os estudiosos muçulmanos negros saibam que esta data está errada em
um sentido absoluto (as origens do homem remontam muito além disso), a
descoberta de Leakey está correta. Estabelece claramente a prioridade biológica
do africano em relação ao europeu.
Além disso, sabemos pela ciência da biologia que é biologicamente impossível
que os brancos produzam descendência de cor, enquanto é bem possível que os
negros produzam descendentes brancos. Assim, no que diz respeito à psicologia
africana, não há dúvida de que a raça original era africana.

2. Qual é o Mistério da Melanina?

Se, então, o primeiro homem na Terra era escuro em oposição à luz, então uma
das questões substantivas de conteúdo que a Psicologia Africana deveria se
preocupar é o papel da substância produtora de cor da pele chamada melanina.
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Embora a palavra "melanina" venha da palavra grega "melanos", que significa


"preto", na ciência biológica é usada para designar um pigmento cuja cor natural
no ser humano varia de amarelo pálido a marrom avermelhado a quase preto.
A melanina é sintetizada e dispersa por células especializadas chamadas
melanócitos. Os melanócitos sintetizam a melanina através de uma série de
reações bioquímicas, começando com o consumo do aminoácido fenilalanina.
Cada reação bioquímica subsequente na cadeia é controlada por uma enzima
específica. Se todas as enzimas essenciais estiverem presentes, o pigmento
melanina é produzido em quantidade considerável. Quando isso ocorre, um
indivíduo tem uma pele de cor escura, cabelos pretos e olhos marrons. Se alguma
das enzimas for relativamente inativa, a produção de pigmentos é
correspondentemente reduzida e o indivíduo manifesta uma cor de pele pálida,
cabelos claros ou loiros e olhos azuis. A ocorrência define um estado de
despigmentação; isto é, a incapacidade genética de produzir quantidades
suficientes de melanina. Vale ressaltar, no entanto, que todos os organismos
humanos produzem algum grau de melanina; ocorre variação em relação ao nível
específico de atividade da melanina que ocorre dentro do citoplasma do
melanócito.

Melanina e o sistema nervoso central

Grande parte da pesquisa empírica realizada na Psicologia Africana envolve um


exame sistemático da relação entre melanócitos e as células nervosas do sistema
nervoso central. Sabemos, por exemplo, que ambos são derivados
embriológicamente de um único neuroblasto na crista neural do feto humano em
desenvolvimento. Esse fato nos leva a investigar sistematicamente os padrões de
interdependência neural que neurônios do cérebro, neurônios da medula
espinhal e melanócitos se manifestam nos processos metabólicos humanos e no
funcionamento do sistema nervoso. Sabemos que o sistema nervoso central do
homem desempenha um papel crítico no processamento da informação,
essencial para o funcionamento neurológico e metabólico ideal. Os danos no
sistema nervoso central podem potencialmente prejudicar a atividade nervosa,
essencial para a sensibilidade e consciência.
Nossa pesquisa discerniu uma alta correlação positiva entre níveis específicos de
acuidade sensorial e estados de pigmentação. Um exame de dados neuro-
fisiológicos, neuro-químicos e neuro-humorais revela essa correlação claramente.
Foram encontradas relações entre a melanina e o cerebelo; entre a melanina e o
núcleo vermelho; e entre a melanina e a formação reticular. Nossa pesquisa ainda
não foi capaz de definir a natureza exata desses relacionamentos, mas somos
levados a acreditar (em concordância com a professora Welsing, da Universidade
Howard) de que a melanina refina o sistema nervoso central e, ao fazê-lo, produz
uma rede sensório-motora altamente sensibilizada.
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É interessante notar, nesse contexto, que a doença de Parkinson, uma doença


hereditária do sistema nervoso central, está associada à perda de pigmento
melanina pelas células da substância negra. É por esse motivo que é uma doença
amplamente confinada aos brancos. As lesões na substância negra (literalmente,
"substância negra") produzema síndrome motora complexa (Paralysis agitans e
akinsesia) comumente observada na doença de Parkinson. A substância negra
está localizada no meio do cérebro (mesencéfalo), próximo ao cerebelo; faz parte
dos pedúnculos cerebrais próximos ao núcleo vermelho. Pesquisas sugerem que a
substância negra tem uma relação crítica com a formação reticular, no sentido de
fornecer impulsos iniciais que facilitam as contrações musculares fásicas. As
contrações musculares são importantes para o ajuste postural e movimento
rápido e exato de grupos musculares específicos.
Outra evidência da importância da melanina na prevenção de distúrbios do
sistema nervoso central é encontrada em pesquisas relacionadas à doença
hereditária conhecida como fenilcetonúria ou PKU. Esta doença, mais uma vez
mais comum entre brancos do que negros, é caracterizada por movimentos sem
propósito, como movimentos da mão para rolar comprimidos e movimentos
irregulares do tipo tique.
A ocorrência de PKU é causada pela ausência ou desempenho ineficaz de uma
enzima chamada fenilalanase. Essa enzima, quando presente em humanos,
catalisa o aminoácido fenilalanina e forma uma das matérias-primas das quais a
melanina é formada.
Quando a fenilalanase está ausente, a fenilalanina é convertida em ácido
fenilpirúvico, que é excretado na urina. Esse processo de má conversão também
resulta em certos problemas mentais associados à doença da PKU (idiotice
hereditária).
Assim, estamos convencidos de que a ausência de melanina está diretamente
associada ao mau funcionamento do sistema nervoso central. No entanto,
também estamos convencidos de que a presença de melanina está diretamente
associada ao bom funcionamento do sistema nervoso central. Deve-se admitir, no
entanto, que os processos bioquímicos envolvidos nesse último relacionamento
são bastante complexos e pouco compreendidos. (É sempre mais fácil explicar o
que é "errado" do que o que é "certo", uma vez que a ciência tende a se concentrar
nos desvios da normalidade em oposição à própria normalidade).
Em qualquer caso, podemos tentar explicar esse funcionamento "normal"
observando que, em condições normais, o aminoácido tirosina é formado a partir
da ação enzimática da fenilalanase na fenilalanina. A enzima tirosinase então
catalisa a tirosina para produzir dopamina. A dopamina é oxidada em
norepinefrina e norepinefrina é convertida em epinefrina. Finalmente, a epinefrina
(ou adrenalina) é convertida em melanina. Norepinefrina e epinefrina estão sob o
controle do sistema nervoso autônomo. A medula adrenal as secreta em resposta
a condições de emoção ou mudanças na descarga de neurônios no sistema
nervoso autônomo. Parte do sistema nervoso autônomo (o simpático) acelera a
atividade de todos os órgãos vitais essenciais através da secreção de
noradrenalina.
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A partir desses fatos, concluímos que existe uma correlação positiva entre a
intensidade da excitação emocional e a excreção urinária de epinefrina e
norepinefrina.
Está implícita nesta conclusão a crença de que a excitação emocional é uma
característica positiva; isso pode ser estranho para a maioria dos euro-americanos,
na medida em que a excitação emocional tende a ter uma conotação negativa na
tradição psicológica ocidental. De fato, essa diferença de atitudes é uma das
características básicas que diferenciam a psicologia africana da psicologia euro-
americana. Acreditamos, em suma, que os não-brancos são realmente "mais
emocionais" que os brancos e, além de isso ser positivo por si só, está diretamente
relacionado ao fenômeno que chamamos de "inteligência". De fato, o “mistério” da
melanina, como vemos relaciona-se diretamente ao fato de que, embora
tenhamos uma boa idéia das propriedades bioquímicas da melanina e como elas
estão relacionadas ao funcionamento do sistema nervoso, ainda não sabemos as
especificidades disso em relação à inteligência humana. No entanto, temos
nossos palpites, e estes são articulados em mais detalhes abaixo.

3. Qual é a natureza da inteligência preta?

A partir de nossas pesquisas sobre melanina, somos levados a acreditar que o


conceito de sensibilidade é de fundamental importância para a inteligência
humana. Um outro conceito relacionado, consciência, também é considerado
importante em nossa consideração da inteligência humana.
A consideração desses dois conceitos, sensibilidade e consciência, ressalta o fato
de a Psicologia Africana adotar uma base filosófica diferente da Psicologia Euro-
americana contemporânea. Nossa posição ontológica afirma que há mais no
mundo do que nossos olhos materiais (que são sempre limitados pelo estado
atual da tecnologia). Nesse sentido, concordamos com os físicos modernos que
reconhecem uma realidade não material ou espiritual subjacente a todos os
fenômenos materiais observados. Se alguém prefere chamar essa realidade não
material de "energia", "espírito", "mana"; ou qualquer outro termo é de pouca
importância; o que é importante é o reconhecimento de que existe. Acreditamos
que qualquer psicologia digna de seu nome deve incorporar essa realidade em
suas premissas filosóficas, se não no domínio do conteúdo. A Psicologia Africana, é
claro, faz as duas coisas e, por essa razão, os conceitos de sensibilidade e
consciência são de suma importância.
A palavra "consciência" significa "com ciência; com conhecimento"; e, na medida
em que a inteligência está relacionada ao conhecimento, os conceitos estão
fundamentalmente relacionados.
O tipo de conhecimento com o qual a Psicologia Africana está preocupada não é,
contudo, aquele tipo comumente associado à psicologia tradicional. Está mais
intimamente associado a uma tradição esotérica oriental que reconhece o
autoconhecimento como a fonte última de todo conhecimento.
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Assim, nossa posição epistemológica também difere de Psicologia euro-


americana ocidental. Ou seja, nossa posição reconhece a supremacia do
conhecimento interno (ou próprio), em oposição ao conhecimento externo.
Embora existam alguns estudiosos ocidentais treinados que concordam conosco
a esse respeito (notavelmente Michael Polanyi), o impulso dominante da
psicologia ocidental tem sido a aceitação de uma posição epistemológica que
aceita fontes externas como as únicas fontes de conhecimento válido. Essa
posição está incorporada nos próprios fundamentos da psicologia empírica
positivista.
Isso, é claro, não significa que a Psicologia Africana rejeite a pesquisa empírica: de
fato, nossa pesquisa sobre a questão da melanina está em forte contradição com
essa posição. O que isso significa, porém, é que tipos de conhecimento empíricos
externos representam apenas uma fonte e, no que diz respeito à disciplina da
psicologia, uma fonte relativamente insignificante. É insignificante no sentido de
que não contribui para a aquisição do autoconhecimento que, na nossa opinião, é
mais importante.
De acordo com a tradição esotérica oriental, a Psicologia Africana reconhece o
campo total do (auto) conhecimento como composto de 360 graus. O
conhecimento completo de si expressa todos os 360 graus e é freqüentemente
chamado de "sabedoria".
Existem em todas as sociedades e em todos os momentos várias instituições que
foram criadas para orientar estudantes na busca pelo autoconhecimento.
Naturalmente, essas não são "escolas" no sentido que a maioria dos americanos as
reconhece; ou seja, eles não são apoiados publicamente, nem fornecem
treinamento nas várias disciplinas que são características das universidades
estabelecidas. A maioria dessas instituições (denominadas lojas, templos, ordens,
etc) são projetados para "elevar o nível de consciência" de seus alunos
para 32 graus ou mais. A busca por esses graus pode ocupar a vida inteira de uma
pessoa, mas o tipo de conhecimento adquirido é considerado digno do esforço.
É importante reconhecer que a “inteligência”, medida por “graus de consciência”
ou autoconhecimento, é completamente independente do sucesso nas escolas
públicas ou no ranking ocupacional. Portanto, não é surpreendente encontrar
uma pessoa altamente "inteligente" (como a definimos) com menos de um
diploma do ensino médio e talvez trabalhando em uma ocupação de status
muito baixo. Isso não é surpreendente para aqueles familiarizados com as
tradições intelectuais orientais, porque é reconhecido que dinheiro, status e
prestígio (cujas características são geralmente associadas à inteligência neste país)
têm pouco a ver com inteligência, como concebido fora do mundo ocidental.
Os correlatos que devemos procurar com relação à inteligência não são os
materiais, mas os espirituais: felicidade, paz de espírito, boa saúde, longevidade,
humor, etc.
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Há um aspecto da tradição psicológica euro-americana que se relaciona com as


concepções oriental e africana de inteligência. Esse aspecto envolve um campo
de
investigação psicológica que só recentemente recebeu legitimidade científica.
Genericamente, esse campo é conhecido como parapsicologia.
Devido à posição peculiar do povo negro na America (geneticamente oriental e
socialmente ocidental), é a área da parapsicologia que achamos mais útil para
construir a ponte na lacuna leste-oeste e, ao mesmo tempo, fornecer uma
orientação empírica adicional na pesquisa psicológica africana.
O campo da parapsicologia está relacionado à concepção africana de inteligência
no seguinte sentido: à medida que o autoconhecimento (consciência) aborda 360
graus, o indivíduo se torna mais bem equipado para manifestar as habilidades
mentais associadas à parapsicologia. Essas habilidades podem ser classificadas
em duas categorias gerais: mente sobre a matéria” ou psicocinese e “leitura da
mente” ou pré-cognição. (clarividência, ou "ver o futuro", é um derivado deles.)
A Psicologia Africana, se solicitada a fornecer uma definição operacional de
"inteligência" ou "consciência", citaria como representativa a manifestação dessas
habilidades psíquicas. É claro que as tradições psicológicas orientais há muito
reconhecem essas habilidades, mas apenas recentemente começaram a ser
aceitas no Ocidente. (Curiosamente suficiente, essa aceitação está mais nas mãos
dos físicos e de outros "cientistas duros" do que dos psicólogos).
Na medida em que consciência e sensibilidade estão relacionadas à presença de
melanina, e estas, por sua vez, ao desenvolvimento de habilidades psíquicas, a
Psicologia Africana espera que a inteligência (como a definimos) esteja
diretamente relacionada à presença de melanina. É essa hipótese que está sendo
investigada em nossos laboratórios, tanto na América e em outras partes do
mundo.
Pode ser útil para nós mencionar algumas das razões que nos levaram à
formulação dessa hipótese, relacionando a melanina às habilidades psíquicas. O
mais significativo deles é derivado de pesquisa antropológica na África
subsaariana, onde é encontrado o maior número de pessoas com alto teor de
melanina. Esta pesquisa documentou, por mais de um século, os poderes para-
normais possuídos por um grande número de africanos. Esses poderes têm sido
freqüentemente referidos como vodoo e / ou bruxaria; mas, sem essa rotulação
(em grande parte pejorativa), o fenômeno observado representa nada mais que
omanifestação de psicocinese e precognição. Nem todos os africanos possuem
essa capacidade, é claro; pode-se suspeitar que eles estejam distribuídos de
maneira Gaussiana, assim como outros traços humanos, mas as evidências
certamente parecem impressionantes de que tais habilidades são mais
característica do povo africano do que de outras pessoas na Terra. Embora se
possa sugerir que fatores geográficos, culturais ou religiosos sejam responsáveis
por isso, nossa própria posição sugere que o fator dominante é genético e está
relacionado à presença de melanina. Portanto, uma das principais áreas de
conteúdo da psicologia africana diz respeito a essa relação entre melanina e
capacidade psíquica, esta última concebida como a manifestação material
essencial da inteligência humana.
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4. Qual é a natureza do Self preto e da personalidade negra?

Como o autoconhecimento é considerado um elemento importante da


consciência e da inteligência, a Psicologia Africana o define como uma
importante área de conteúdo, a natureza do self.
Como muitas outras áreas relacionadas aos povos africanos e ao comportamento
dos negros, a pesquisa nessa área de auto-concepção é caracterizada por várias
tendências subjetivas importantes. Em primeiro lugar, a pesquisa sobre pessoas
africanas (pretas) foi e está sendo produzida em grande parte por pessoas não-
negras. Em segundo lugar, a orientação da maior parte desta pesquisa foi e é
apoiar a noção pré- concebida de que os africanos são desviados e, portanto,
anormais para os brancos. A terceira tendência, relacionada à segunda, é a adoção
de pressupostos a priori característicos da filosofia euro-americana, em oposição à
filosofia africana. A quarta e última tendência é a quase total ausência de África e
Africanidade nas teorias e pesquisas sobre o chamado autoconceito dos negros.
Essas tendências nos levaram a concluir que, se alguém aceita as suposições euro-
americanas sobre a realidade africana, as perguntas e respostas sobre os negros
estarão de maneira predeterminada em resposta à realidade euro-americana.
Por mais valioso que esse exercício possa ser, não é nossa intenção explicar por
que ou como os pesquisadores euro-americanos criaram uma pseudo-realidade
de autoconceito "negro" negativo. Nossa intenção é, antes, sugerir algumas razões
para considerar uma estrutura alternativa para entender a concepção dos povos
africanos (pretos) de si mesmos.

Autoconceito africano: o self estendido

Tendo implícito ao longo deste artigo que a Psicologia Africana está enraizada na
natureza de uma cultura preta que é fundamentalmente africana (em oposição à
européia), argumentamos que um aspecto dominante da mentalidade preta
reflete o princípio polivalente da "Unidade do Ser". Se alguém representasse a
Psicologia Africana, seria melhor descrito como a filosofia do ritmo ou da
harmonia.
As modalidades comportamentais características do estilo de vida africano em
toda a diáspora baseiam-se em várias suposições filosóficas e em uma concepção
de realidade” que, quando analisada, reflete um senso de harmonia ou ritmo
ontológico.
Relacionado a isso, há uma orientação filosófica africana que enfatiza a noção de
interdependência. Essa noção concebe o homem e todos os outros elementos do
universo como parte de um todo unificado e integrado. A tradição filosófica
africana, por sua vez, determina duas ordens de operação fundamentais ou
crenças orientadoras. A primeira crença é que o homem faz parte do ritmo
natural da natureza ou que está com a natureza.
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A segunda é uma concepção do universo como um "pneumaticismo vitalista".


Esta última concepção significa uma crença no sentido de "solidariedade vital" ou
sobrevivência da tribo. Descritivamente, refere-se a um tipo de atitude vital sobre
a existência de alguém ou o que os ocidentais chamam de senso de "destino
comum".
De acordo com essas duas noções, o africano pensa na experiência como uma
intensa conexão rítmica complementar (ou síntese) entre a pessoa e a realidade.
Como isso se relaciona com a autoconcepção africana é tão importante quanto
difícil de expressar no idioma inglês. Primeiro, devemos reconhecer que a
orientação filosófica determina tanto o que é "real" quanto como se define ou
valida sua realidade.
Em termos de auto-concepção, a tradição filosófica africana, diferentemente dos
sistemas filosóficos ocidentais, não enfatiza o "indivíduo" ou a "individualidade". De
fato, pode-se dizer que, em certo sentido, não permite "indivíduos". Reconhece,
antes, que apenas em termos de povo o “indivíduo” se torna consciente do próprio
ser.
De fato, é somente através dos outros que se aprende seus deveres e
responsabilidades em relação a si mesmo e ao eu coletivo (tribo). Historicamente,
os ritos de iniciação foram projetados para incutir esse senso de responsabilidade
corporativa e destino coletivo.
Quando examinamos de perto a tradição filosófica africana, reconhecemos que a
partir dessa tradição uma definição extensa de self evoluiu. Ou seja, o
autoconceito africano é, por definição filosófica, o "nós" em vez do "eu".
Os africanos acreditam, assim, que o que quer que aconteça com o eu "individual",
o "eu", também acontece com o corpo corporativo, o "nós" e vice-versa. O ponto
principal, portanto, na compreensão da concepção tradicional africana de si
mesmo, é a crença de que “eu sou porque somos; e porque somos, portanto, eu
sou”. Essa crença ressalta até que ponto o africano se sente parte de todos os
outros povos africanos. Descritivamente, essa relação de interdependência pode
ser denominada "self estendido".
Essa noção de "nós" (em oposição ao "eu") pode se tornar mais clara através de
uma análise ontológica do eu. É geralmente aceito na tradição psicológica euro-
americana que o estabelecimento do eu é realizado pelo reconhecimento nos
outros de qualidades ou características semelhantes a si mesmo e / ou negação
de qualidades e características semelhantes a si mesmo. O "eu", portanto, ocorre
como conseqüência de qualquer um dos dois processos - oposição e / ou
aposição. A maneira pela qual os povos africanos se estendem a si mesmos, no
entanto, não é completamente explicada por esse tipo de distinção. O que é
preciso distinguir são os "níveis da realidade": o material (nível inferior) e o
espiritual (nível superior).
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A “unicidade do ser” se baseia no fato de o homem ser uma parte integrante e


indispensável do universo. Estar no mundo também significa participar de seu
tempo social. Portanto, ser é ser o que você é por causa de sua parte histórica,
bem como o que você espera ser seu futuro histórico. Ao reconhecer o
fundamento histórico do ser, é preciso também aceitar o sentido coletivo e social
da história. O "self" coletivo não está contido apenas em sua presença física em
tempo finito. As noções gêmeas de interdependência e unicidade do ser
permitem uma concepção do eu que transcende, através da consciência histórica
do povo, a finitude do espaço e do tempo newtonianos.
A autoconsciência não se limita, portanto, apenas à consciência "cognitiva" da
singularidade, individualidade e finitude histórica (como na tradição euro-
americana). É a consciência do si mesmo como consciência da consciência
histórica de alguém (espiritualidade coletiva) e o sentido de "nós" sermos um.
Se o "nós", no entanto, retrata as propriedades do eu como apenas coletivamente
intersubjetivos ou como únicos individualmente, distorcemos a totalidade da
noção. O eu africano refere-se tanto à fundamentação do ser que transcende
entidades empíricas ou físicas, quanto às entidades discretas capazes de se
localizar no espaço e de ter propriedades reconhecíveis (e mensuráveis). O eu não
é apenas uma entidade física permanentemente determinada. Ou seja, não é
redutível, ou apenas equivalente, ao organismo biológico. É importante, no
entanto, tornar clara essa distinção de “propriedade” para fins analíticos.
A propriedade mais convincente, é claro, é a fundamentação ontológica do self no
sentido coletivo e social da história. É nesse sentido que o self é retratado como
uma "transcendência em extensão" (a palavra não é real). Ou seja, a concepção do
eu transcende e se estende à consciência coletiva do povo. No entanto, a auto-
concepção também está relacionada às propriedades fisicamente reconhecíveis
das entidades discretas. E este é um ponto crítico para a consideração do
autoconceito dos "negros americanos".
A situação física em que os africanos - particularmente nas Américas - se
encontram envolve a dominação e imposição de um sistema europeu
fundamental de “realidade”; a um povo africano. Essa situação naturalmente
causa confusão porque nega a propriedade mais convincente da concepção
africana de si. É essa situação que produziu a entidade referida como o “Negro”; -
um conceito referente à pessoa africana que tenta (ou é forçado a) negar a base
filosófica de sua africanidade, mesmo que não possa negar as propriedades
reconhecíveis (fatos fisiológicos) disso. Ser um “negro”, portanto, é estar em um
estado de confusão. A imposição da tradição filosófica euro-americana, no que se
refere à autoconcepção (individualidade, separação etc.) para os povos africanos,
faz com que muitos acreditem falsamente que seu temperamento natural,
tendências e espírito característico estavam e estão “errados”...” Tais conclusões
foram criadas e sustentadas pela tradição psicológica euro-americana.
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Os resultados de tais crenças naturalmente levam a concepções negativas de si e


atitudes de auto-ódio. Isso, por sua vez, tem implicações para outras doenças que
afetam a personalidade negra, uma área de conteúdo da qual voltamos nossa
atenção abaixo.

5. Qual é a natureza da personalidade preta?

Todas as teorias tradicionais (isto é, euro-americanas) do funcionamento da


personalidade adotam, como norma, os comportamentos derivados do estilo de
vida europeu. As discussões acima sobre inteligência e melanina já sugeriram
algumas das diferenças normativas básicas entre as personalidades preta e
branca. Se essas diferenças existem, e o meio social recompensa
sistematicamente os comportamentos que estão de acordo com as normas da
sociedade, não é de surpreender que uma criança possa responder
negativamente às suas tendências naturais quando não está de acordo com a
ordem social existente. Uma associação repetida das tendências naturais de
alguém com estímulos dolorosos ou negativos leva a uma inibição condicionada
dessas tendências em si mesmo e a uma rejeição de tendências semelhantes em
outros.
Isso resulta em uma forma de condicionamento psicologicamente prejudicial que
a maioria dos brancos (e muitos negros de educação branca) confunde com
"sucesso". Os exemplos mais extremos são as tentativas de alteração física em que
os negros tentaram alterar sua aparência por cremes clareadores, alisadores de
cabelo etc., para harmonizar sua aparência física com a norma social de
atratividade física. (Alguns teóricos populares da inteligência de raça equiparam
esse comportamento imitativo dos detentores do poder como evidência da
superioridade inerente à raça branca. Curiosamente, esses mesmos teóricos não
se preocupam com tais "anomalias", como os esforços de pessoas brancas para
produzir melanina via bronzeamento).
A forma mais sutil, porém mais insidiosa, dessa auto-rejeição condicionada é sua
manifestação psicológica, bem documentada na volumosa pesquisa sobre o
autoconceito preto. A baixa auto-estima é quase uma condição sine qua non de
viver em um ambiente de opressão. Um grande problema dessa pesquisa, é claro,
é que ela concentra a atenção nos resultados da opressão, e não em suas causas.
A atenção também se
concentra mais nos efeitos da baixa auto-estima do que nas origens da baixa
auto-estima.
Talvez mais importante do que apenas diferenças de orientação, a psicologia
africana difere radicalmente da psicologia euro-americana nos pressupostos
relativos à natureza básica do homem. Nesse sentido, nos alinhamos
descaradamente com a maioria da população mundial em nossa rejeição da
dualidade cartesiana e em nossa aceitação do homem como um ser divino
(espiritual).
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Embora os observadores ocidentais tenham descrito historicamente essas


suposições como primitivas, supersticiosas ou pagãs, permanece o argumento de
que, sem exceção, o comportamento das pessoas pretas é mais claramente
entendido pelo povo preto como extensões de um núcleo espiritual. Uma
suposição de um núcleo espiritual implica a existência de um elemento
irredutível no homem que tem uma origem divina, um destino eterno e uma
função moral.
Com tais diferenças nas suposições básicas sobre a natureza do homem,
encontraremos necessariamente grandes disparidades na organização das
sociedades e nos comportamentos que são considerados normativos para aquelas
pessoas. Se seguirmos a história do povo preto das sociedades da África Ocidental
(como referido recentemente) através das experiências da escravidão e da neo-
escravidão americanas, encontra-se, como fio de continuidade, a natureza
religiosa do homem preto. A intrusão do europeu na sociedade africana foi
permitida sem resistência, em grande parte porque o africano assumiu que ele
vivia em um mundo religioso e que estrangeiros deveriam ser aceitos como
criaturas de origem divina semelhante e com alta intenção moral. A falha dessa
suposição é evidenciada nos quatrocentos anos seguintes da história do homem
preto após essa intrusão. No entanto, mesmo essa condição (da escravidão) se
tornou uma experiência religiosa para os pretos. A adaptação do cristianismo à
experiência religiosa preta manteve e cultivou a idéia de um plano divino em
ação. O problema continuou sendo aquele que assumia a universalidade dessa
divindade que, vista retrospectivamente, frequentemente permitia uma
adaptação passiva a um modo de vida estranho.
O modo de vida estrangeiro (euro-americano) supunha que o homem era antes
de tudo um ser material em busca de gratificação física. O comportamento
normativo é, portanto, visto em termos da gratificação máxima das ambições
materiais de uma pessoa (motivação, domínio territorial, poder político, etc.). A
exploração de pessoas e recursos é considerada de pouca importância, na medida
em que se acredita que o núcleo de tudo isso seja material dispensável. Assim,
pode-se perceber prontamente a incompatibilidade da vítima, assumindo que
mesmo sua exploração seja de qualidade espiritual, com o opressor vendo o
espiritual como material.
A ênfase no núcleo espiritual resume a perspectiva psicológica africana da
personalidade preta. Todas as descrições da personalidade preta que funcionam
normalmente são vistas no contexto desse núcleo. Por exemplo, o recente
aumento de homicídios de negros, uso de drogas, transtornos mentais e a
desintegração virtual da sociedade preta no contexto americano pode ser
sistematicamente correlacionada com a deterioração da função religiosa na
personalidade preta. A crescente adoção pelos pretos de suposições alienígenas
do materialismo resultou na adoção concomitante de estilos de vida europeus.
Esse estilo de vida adotado é disfuncional quando superficial e contrário ao estilo
de vida natural dos pretos. Essa adoção é vista como superficial porque, embora o
homem preto consiga imitar o estilo de vida branco, freqüentemente resulta em
neurose ou outras formas de auto-rejeição implícitas.
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As tendências espirituais do povo africano são antitéticas às tendências materiais


dos europeus e a aceitação de um exige quase sempre a rejeição do outro.
A personalidade preta que se ajustou ostensivamente à sociedade ocidental é
caracterizada pelo que os psicólogos euro-americanos chamariam de ajuste
"esquizóide". Isso significa que ele vive em dois mundos que diferem
diametralmente em muitas dimensões-chave. Ele trabalha para promover uma
imagem que o torne aceitável para o mundo material da Europa (por exemplo,
motivação para grandes realizações, ênfase na cognição com exclusão da
experiência afetiva, e o individualismo). Por outro lado, ele tentará manter pelo
menos laços tênues com suas origens pretas opostas. O crescente fracasso desse
ajuste esquizóide é visto no aumento das taxas de suicídio entre as pessoas pretas
da classe média, bem como na crescente incidência de depressão e
descontentamento geral.
A Psicologia Africana, em suma, não assume que os comportamentos
semelhantes da maioria branca e da classe média preta tenham as mesmas
origens. Por isso, reconhecemos que uma renovação do núcleo espiritual do
homem preto é a terapia mais eficaz para seus distúrbios de ajuste. Talvez isso
comece a explicar o nível muito alto do sucesso alcançado pelos seguidores do
honorável Elijah Muhammad na resolução dos problemas do povo preto, onde
psicólogos tradicionalmente treinados foram fracassos absolutos. Isto tem sido
particularmente verdadeiro no caso da toxicodependência e de outras condições
“incorrigíveis”.
Finalmente, depois de quatrocentos anos, podemos começar a entender que as
soluções para os problemas do homem preto são diferentes das soluções para os
problemas dos descendentes de europeus. Pessoas de origem africana não
podem ser cidadãos do mundo agindo de acordo com o modelo europeu de
comportamento, apesar dos incentivos materiais para fazê-lo. O preço é muito
alto e as recompensas finais são muito baixas.

Conclusão

As cinco áreas de conteúdo discutidas acima não esgotam, é claro, a lista de vários
assuntos com os quais a Psicologia Africana está preocupada. Os cinco que foram
discutidos, no entanto, representam os fundamentos de nossa investigação sobre
a natureza psicológica do homem preto.
Talvez devêssemos mencionar, neste contexto, que temos poucas ilusões sobre a
dificuldade do trabalho intelectual que temos pela frente. Também não temos
ilusões a respeito da extensão que alguns irão na tentativa de impedir nosso
progresso. De fato, alguns de nós já tiveram seus empregos acadêmicos recusados
ou foram demitidos por causa de nossos esforços determinados para forjar uma
psicologia que valida a experiência do povo preto.
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Se a história americana é algum tipo de reflexo preciso do que é reservado para


nós, talvez devêssemos considerar-nos afortunados por não sermos mortos ou
presos por nosso trabalho - tão amarga é a resistência dos brancos ao
pensamento preto independente.
Apesar dos obstáculos esperados (brancos e pretos), temos a certeza do sucesso
final. Isso ocorre porque nosso trabalho não representa uma reação a nada, mas
uma resposta a certas coisas. É uma resposta ao chamado de homens pretos
encarcerados que buscam respostas para o porquê e qual a razão de sua
condição miserável; é uma resposta às mulheres pretas vítimas da política de
controle populacional realizada em nome da América do Norte. É uma resposta a
essas e muitas outras chamadas que emanam da boca do povo preto. É, em
suma, uma resposta a algo que poucos brancos entendem - uma resposta a um
chamado divino. Sendo assim, é ao mesmo tempo divinamente inspirado,
divinamente guiado e (esperançosamente) divinamente expresso.
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ESTUDO 4

Filosofia Africana
Fundamentos da
Psicologia Preta
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Referência bibliográfica da publicação original:


NOBLES, Wade. African Philosophy: Foundations for
Black Psychology. In: Seeking the
Sakhu: Foundational writings for an African Psychology.
Chicago: Third World Press,
2006. p. 5-22

Traduzido para fins didáticos por:


Roberta Maria Federico

Psicologia Africana é o reconhecimento e a prática de um corpo de


conhecimentos que é fundamentalmente diferente em origem, conteúdo e
direção do que o reconhecido e praticado pelos psicólogos euro-americanos. As
diferenças entre a psicologia africana e a psicologia euro-americana refletem as
diferenças entre negros e brancos ou, em termos de cultura básica, entre africanos
e europeus.
É uma daquelas muitas anomalias da tradição científica euro-americana (ou
branca, ocidental) que, embora as diferenças entre negros e brancos sejam
reconhecidas o suficiente para justificar um estudo sistemático e a formulação de
políticas públicas únicas relativas a cada uma dessas mesmas diferenças, não são
reconhecidos o suficiente para impedir medições com instrumentos comuns e
para garantir a formulação de orientações disciplinares distintas dedicadas à sua
explicação. Essa anomalia é devida, em parte, à natureza peculiar da investigação
social e psicológica. Ao contrário das ciências físicas, as ciências do
comportamento ainda não chegaram a acordo sobre padrões uniformes pelos
quais o comportamento pode ser julgado adequadamente. Também,
diferentemente das ciências físicas, as ciências do comportamento empregam
conceitos derivados não de critérios universalmente acordados, mas da experiência
cultural peculiar dos próprios cientistas.
Essas são, é claro, questões com as quais os melhores cientistas comportamentais
euro-americanos estão bem cientes; portanto, muitas vezes ficam envergonhados
com as tentativas de alguns de seus colegas (por exemplo, Jensen) de comparar
conceitos como "inteligência" a conceitos físicos como “eletricidade” - com o
argumento de que, como ninguém sabe o que esses fenômenos “realmente são”, é
bastante apropriado adotar “definições operacionais” que sirvam a fins utilitários, se
não como “verdade”.
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Os negros americanos derivam sua autodefinição mais fundamental de várias


premissas culturais e filosóficas que compartilhamos com a maioria das "tribos" da
África Ocidental. Ao explorar o caráter dessas premissas, que são concepções
básicas da natureza do homem e sua relação com outros homens e seu ambiente,
esperamos estabelecer uma base sobre a qual uma Psicologia Preta possa ser
construída. Assim, será argumentado que a Psicologia Preta é algo mais que a
psicologia dos chamados povos desfavorecidos, mais que a experiência de viver
em guetos e mais que a atrocidade genocida de ser forçada à condição
desumanizante da escravidão. É mais do que a "dimensão mais escura" da
Psicologia geral. Seu status único deriva não dos aspectos negativos de ser negro
na América branca, mas das características positivas da Filosofia Africana básica,
que ditam os valores, costumes, atitudes e comportamento dos africanos na África
e no Novo Mundo.
A noção de experiência comum ou ethos comum parece quase fictícia se aceita
acriticamente a descoberta de muitos supostos africanistas que argumentam que
o território da região oeste da África mantinha e ainda mantém dentro de seus
limites muitas "tribos" diferentes com sua própria língua, religião e costumes. No
entanto, é preciso observar a orientação desses muitos africanistas cuja brancura
incidental colore muito do que eles têm a dizer. É preciso, portanto, estar
consciente da dialética social inerente. Isto é, enquanto a maioria dos estudantes
estrangeiros da África sustenta que as "tribos" ocidentais têm pouca experiência
compartilhada porque cada uma possui uma língua e religião distintas e muitos
costumes únicos, ignoraram "as semelhanças da floresta para focar atenção nas
diferenças entre as árvores. Nesta visão, sugere-se que a ênfase excessiva dada às
diferenças tribais pelos brancos nas investigações seja a versão antropológica ou
científica da estratégia imperialista de "dividir e conquistar". Portanto, é provável
que muitos etnógrafos brancos sejam predispostos por suposições racistas
conscientes ou inconscientes para se concentrarem em diferenças superficiais e,
portanto, estejam cegos às semelhanças subjacentes na comunidade experiencial
dos povos africanos. Felizmente, porém, esse análogo antropológico da estratégia
"dividir e conquistar" foi corrigido por estudiosos negros e por alguns estudiosos
brancos. Esses estudiosos sustentam que as diferenças "tribais" na África eram
menores em comparação com a qualidade vinculativa de sua comunidade. Este
autor sugere que o que apoiou essa comunidade regional foi um conjunto de
crenças orientadoras - um ethos. Um exame mais detalhado da região indica que
esse ethos determinou duas ordens operacionais. A primeira é a noção de que as
pessoas faziam parte do ritmo natural da natureza: elas eram uma com a
natureza. A segunda ordem é a noção de sobrevivência do povo - isto é, a "tribo".
Portanto, a experiência africana define o lugar ou o papel do homem no esquema
da natureza.
Contudo, diferentemente de uma constituição escrita, o ethos é mais parecido
com uma disposição espiritual e provavelmente poderia ser melhor descrito como
consciência coletiva.
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Embora o ethos não possa ser examinado cientificamente / empiricamente com a


metodologia atual, acredita-se que uma maneira de entender a natureza
essencial e difundida do ethos africano / preto seja explorar e entender a Filosofia
Africana. Daqui resulta que, na medida em que o ethos africano / preto é distinto
do ethos branco predominante sobre o qual a psicologia tradicional é fundada,
uma Psicologia Preta baseada no ethos preto também deve ser diferente da
Psicologia branca. É esse princípio que permite que a Filosofia Africana ocupe seu
lugar como fundamento da Psicologia Preta.

Religião e Filosofia

John Mbiti define Filosofia Africana como "o entendimento, atitude mental, lógica
e percepção por trás da maneira pela qual os povos africanos pensam, agem ou
falam em diferentes situações da vida". O que é central na definição do irmão
Mbiti de "disposição espiritual", "consciência coletiva", em uma palavra, é o ethos.
Deveria ser explicitado que o ethos pode ser considerado a definição operacional
da Filosofia Africana. Mais especificamente, essa "consciência coletiva"
pode ser descrita como uma atitude vital. Ou seja, um tipo de fé em uma força
transcendental e um senso de solidariedade vital.
O exame da África pré-escravidão sugere que havia centenas de povos ou tribos
africanas, que alguns sugeriam, cada um ter seu próprio sistema filosófico. Os
acadêmicos mais sofisticados indicam que os africanos ocidentais, em geral,
compartilhavam um sistema filosófico dominante. Foi através da religião, no
entanto, que esse sistema filosófico foi expresso. Nesse sentido, religião e filosofia
são o mesmo fenômeno. Portanto, para entender a essência da existência dessas
pessoas, é preciso examinar sua religião, provérbios, tradições orais, ética e moral -
tendo em mente que, subjacente às diferenças em detalhes, existe um sistema
filosófico geral que prevaleceu na África. A religião, no entanto, é o fenômeno mais
observável e, como tal, permeia todos os aspectos da vida do africano. Foi, em um
sentido muito real, não algo para a melhoria do indivíduo, mas algo para a
comunidade da qual o indivíduo era parte integrante. Para os africanos
tradicionais, ser humano era pertencer a toda a comunidade.
Curiosamente, muitas línguas africanas não tinham uma palavra para religião
como tal, porque a religião era uma parte tão integral da existência do homem
que ela e ele eram inseparáveis. A religião acompanhava o indivíduo desde a
concepção até muito tempo após sua morte física.
Como atestam a maioria dos pesquisadores da religião africana, uma das maiores
dificuldades no estudo da religião e da Filosofia Africanas é que não existem
escrituras sagradas dessa sociedade. No entanto, essas crenças e / ou tradições
foram transmitidas de pai para filho, geração após geração. Como tal, e de acordo
com a tradição oral predominante, as crenças eram corporativas e os atos
comunais. A religião tradicional na África não foi proselitizada. O povo era sua
religião. Assim, os indivíduos não podiam "pregar" sua religião a "outros".
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Como foi observado acima, a religião era o fenômeno observável e, na maior parte,
as tribos eram aparentemente diferentes pela observação. Por exemplo, a
concepção Dogon do universo é baseada, por um lado, no princípio das vibrações
da matéria e, por outro, em um movimento geral do universo como um todo. Para
os Dogon, a proliferação da vida era dirigida por uma perpétua alternância de
opostos: direita-esquerda, alto-baixo, ímpar-par, homem-mulher - todos refletindo
seres gêmeos, imagens vivas do princípio fundamental do gêmeo na criação.
Cada um equipado com dois princípios espirituais de opostos. Cada um deles era
um par. Essa noção de unidade do homem com o universo se reflete na crença
Dogon de que "o homem é a semente do universo". Portanto, a organização do
sistema da terra é reproduzida em todos os indivíduos.
Outras tribos não deixaram de acreditar na existência e na conexão do homem
com a terra. Os Fon de Daomé acreditavam que, no começo do mundo atual,
havia os gêmeos, Mawu-Lisa-Mawy, a mulher, e Lisa, a organização do mundo. Os
Mende, também da África Ocidental, acreditavam que cada pai dava aos seus
filhos algum aspecto da constituição unificada da criança. Por exemplo, o Mende
acreditava que a parte física de um indivíduo é fornecida pelo pai através do
sêmen que ele coloca na mãe.
O espírito da criança (Ngafa) é contribuído por sua mãe. Ao contrário do Mende,
os Ashanti acreditavam que o ser humano é formado a partir do sangue (Mogya)
da mãe e do espírito (Ntoro) do pai. Ambos os povos, no entanto, acreditavam que
a separação inicial do espírito, o corpo físico e o sangue se unem como um na
criação de um novo ser humano. Nesse sentido, cada tribo tinha seu próprio
sistema religioso e, se alguém propagasse sua religião, envolveria a propagação de
toda a vida das pessoas envolvidas.
No entanto, a substância básica de cada sistema de vida tribal não era diferente.
Os africanos tradicionais não fizeram distinção entre o ato e a crença. "O que as
pessoas fazem é motivado pelo que elas acreditam, e o que elas acreditam
decorre do que elas fazem e experimentam". A ação e a crença na sociedade
tradicional da África Ocidental não foram separadas. Eles pertenciam a um único
todo. Consequentemente, as crenças tradicionais não fizeram distinção concreta
entre o espiritual e o físico. Note que os Mende perceberam os componentes
físicos e espirituais unidos como são os dedos humanos. O conceito de vida após a
morte é encontrado em todas as sociedades africanas. No entanto, a crença na
continuação da vida após a morte não representava uma esperança para o futuro
ou possivelmente para uma vida melhor. Para os africanos, uma vez mortos, não
havia o céu a ser esperado, nem o inferno a ser temido. Novamente, isso reflete a
idéia de força vital. Toda a existência de alguém era um fenômeno religioso
ontológico. O africano era um ser profundamente religioso, vivendo em um
universo religioso. Para ele, viver era envolver-se em, fazer parte de um cenário
religioso. Como observado, a religião tradicional africana era uma ontologia
religiosa. Como tal, a ontologia era caracteristicamente muito antropocêntrica -
tudo era visto em termos de sua relação com o homem.
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A ontologia antropocêntrica era uma unidade completa, que nada poderia


quebrar ou destruir. Tudo estava funcionalmente conectado; destruir
completamente uma das cinco categorias causaria a destruição de toda a
existência, incluindo o Criador. Deus foi visto como o criador e sustentador do
homem. Os espíritos explicavam o destino do homem. O homem era o centro da
ontologia. Os animais, plantas e fenômenos naturais constituíam o ambiente em
que o homem vivia. Além das cinco categorias, existia uma força, um poder ou
energia que permeava todo o universo. Nesse tipo de ordem natural (isto é,
unidade), Deus era a fonte e o controlador final da energia, mas os espíritos
também tinham acesso a ela. Alguns seres humanos como o xamã (ou seja,
curandeiros, sacerdotes e fazedores de chuva) possuíam o conhecimento e a
capacidade de explorar, manipular e usar, em um grau limitado, essa energia
poderosa. Para os Dogon, a ordem social foi projetada no indivíduo. Uma célula
indivisível que, por um lado, é um microcosmo do todo e, por outro lado, tem uma
função circunscrita. Uma pessoa não era apenas o produto de suas instituições,
ele também era seu poder motivador. No entanto, sem qualquer poder especial
em si mesmo, ele era o repressivo do todo. O indivíduo afetou a ordem cósmica,
que ele também exibiu. Como afirmado anteriormente, uma crença
predominante (Dogon) era que a organização (unidade) do sistema terrestre era
reproduzida em todos os indivíduos. Essa noção de unidade das coisas estava tão
arraigada que os Mende, por exemplo, desenvolveram um senso de
responsabilidade coletiva. Também arraigada nessa noção de unidade está uma
concepção particular de tempo.

Conceito de tempo

A filosofia africana preocupava-se com duas dimensões do tempo, o passado e o


presente; e essa concepção de tempo ajudou a explicar o sistema de vida geral
dos africanos tradicionais. A direção do sistema de vida de uma pessoa era de
voltar para a dimensão passada. Para as pessoas, o próprio tempo era
simplesmente uma composição de eventos passados. Pouca preocupação foi
dada ao tempo em si. Havia tempo para os africanos, mas o conceito era (é) muito
elástico. Abrangia eventos que já haviam ocorrido, aqueles que estavam
ocorrendo e aqueles que ocorriam imediatamente. O que não tinha possibilidade
de ocorrer imediatamente ou não havia ocorrido se enquadrava na categoria "sem
tempo". O tempo foi contado pelos fenômenos. "Tempo real" era onde
os eventos estavam presentes ou passados e, como o tempo se movia para trás e
não para frente, o africano tradicional não se concentrou nas coisas futuras, mas
principalmente no que havia acontecido. Assim, o entendimento da África
Ocidental sobre coisas que são, o indivíduo, a tribo (comunidade) e os cinco
personagens do universo - era governado ou dominado por essas duas dimensões
(passado e presente) do tempo.
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Para que a África Ocidental fizesse sentido, ou realizasse o tempo, ele tinha que
ser experimentado; e a maneira pela qual alguém experimentou o tempo foi em
parte através da vida do indivíduo e em parte através da vida da tribo que
remonta a muitas gerações. Dessa forma, o tempo era considerado pelos
fenômenos "em vez dos calendários numéricos, havia o que se chamaria de
calendários dos fenômenos, nos quais os eventos ou fenômenos que constituíam
o tempo eram considerados ou considerados em suas relações uns com os outros
à medida que aconteciam". Os Mandingo, por exemplo, tinha (possui) um
calendário "sazonal" distinto, que refletia a mudança das estações. Portanto, as
mudanças fenomenais do ambiente constituíram o tempo. Para a maioria dos
africanos, o tempo era significativo no momento do evento e não no momento
matemático. Assim, na vida tradicional, qualquer período de tempo era
considerado, tendo sido vivenciados seus eventos significativos.
Reconhecendo as associações e conotações que as palavras inglesas passadas,
presentes e futuras têm, o irmão Mbiti usa duas palavras suaíli (Sasa e Zamani)
para representar presente e passado. Sasa tem o senso de imediatismo,
proximidade e atualidade. É o período de preocupação imediata para as pessoas,
porque é onde ou quando elas existem. Para os africanos, é o período de
lembranças pessoais de eventos e fenômenos. O período Sasa não é
matematicamente ou numericamente constante.
Cada membro da tribo tem o seu próprio e, portanto, quanto mais velha a pessoa,
maior o seu período Sasa. Cada tribo (sociedade, nação), portanto, também tem
seu próprio período Sasa.
O período Zamani não se limita ao que os europeus chamam de passado. Ele se
sobrepõe e geralmente abrange o Sasa, tornando os dois inseparáveis.
O Sasa sente ou desaparece no Zamani. No entanto, antes que os eventos sejam
incorporados ao Zamani, eles precisam ser realizados ou atualizados dentro da
dimensão Sasa. Assim, eventos (pessoas) retrocedem da dimensão Sasa para a
dimensão Zamani. Em certo sentido, Zamani é o cemitério do tempo. Onde a
dimensão Sasa une todas as coisas criadas, tudo é abraçado dentro do Zamani.
Tudo tem seu centro de gravidade no período Zamani, com nada terminando. Os
povos da África Ocidental esperam que a história humana continue para sempre,
porque também faz parte do ritmo natural que vai de Sasa a Zamani. Os Mende
aparentemente acreditam em renascimento ou reencarnação. Às vezes, as
crianças recebem o nome de um ancestral específico, especialmente quando há
uma semelhança distinta. Esse comportamento demonstra inevitavelmente que
os Mende, como outros povos da África Ocidental, têm uma noção de que o ciclo
de vida é renovável. A vida humana faz parte do ritmo da natureza e, assim como
os dias, meses, estações e anos não têm fim, há uma continuidade definida no
ritmo do nascimento, puberdade, iniciação, casamento, procriação, velhice, morte,
entrada na comunidade dos mortos (mortos-vivos) e entrada na companhia dos
espíritos. A vida é um ritmo ontológico, e a anormalidade ou o incomum é o que
interrompe a harmonia ontológica.
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Morte e Imortalidade

Em muitas tribos africanas, uma pessoa não era considerada um ser humano
completo até ter passado por todo o processo rítmico de nascimento físico,
cerimônia de nomeação, puberdade, ritos de iniciação (às vezes na forma de
renascimento cerimonial) e, finalmente, casamento e procriação. Então, e só
então, alguém nasceu completamente - uma pessoa completa. Da mesma forma,
a morte iniciou o processo rítmico sistemático através do qual a pessoa foi
gradualmente removida do período Sasa para o Zamani.
Portanto, a morte e a imortalidade têm um significado especial nas tradições da
África Ocidental. Após a morte física, desde que uma pessoa fosse lembrada e
reconhecida (por nome) por parentes e amigos que a conheciam (ou seja,
lembrassem de sua personalidade, caráter e palavras e incidentes de sua vida), ela
continuaria a existir em o período Sasa. Quando, no entanto, a última pessoa que
o conhecia também morresse, a primeira desapareceu do horizonte do período
Sasa e, com efeito, ficou completamente morta. Ele não tinha mais reivindicações
de laços familiares. Ele entrou no período Zamani; isto é, ele se tornou membro da
companhia de espíritos.
A pessoa que partiu que foi lembrada (reconhecida) pelo nome era o que o irmão
Mbiti chama de mortos-vivos. Ele foi considerado em estado de imortalidade
pessoal. Os Mende acreditavam que uma pessoa sobrevive após a morte e que sua
personalidade sobrevivente vai para a terra dos mortos. Aqueles em imortalidade
pessoal foram tratados simbolicamente como os vivos. Os Mende acreditavam
que o ciclo de um ancestral individual durou enquanto a pessoa morta fosse
lembrada em orações e sacrifícios. Por isso, eles eram respeitados, recebiam
comida e bebida na forma de libações, eram ouvidos e obedecidos.
Ser lembrado (reconhecido) e respeitado na imortalidade pessoal era importante
para o africano tradicional, fato que ajuda a entender a importância religiosa e a
importância do casamento e da procriação nas sociedades da África Ocidental. A
procriação era a maneira mais segura de garantir que alguém não fosse cortado
da imortalidade pessoal. De uma maneira multiplicativa, a poligamia reforçava o
este senso de segurança.
Inevitavelmente, como afirmado anteriormente, houve um momento em que não
havia mais descendentes vivos que pudessem reconhecer e dar respeito à pessoa
(morta-viva). Nesse ponto, o processo de morrer foi concluído. No entanto, ele não
desapareceu da existência. Ele então entrou no estado de imortalidade coletiva.
Agora, na companhia dos espíritos, ele finalmente havia entrado no período
Zamani. A partir de então, os que morreram tornaram-se espíritos sem nome, sem
comunicação pessoal ou vínculos com famílias humanas.
Em termos de ontologia, a entrada na companhia dos espíritos é o destino final
do homem. Paradoxalmente, a morte está "na frente" do indivíduo; é um evento
"futuro" das sortes. Mas, quando alguém morre, entra no estado de imortalidade
pessoal e gradualmente "volta" ao período Zamani. Deve-se enfatizar que a
ontologia africana era interminável; e essa visão do destino do homem não deve
ser interpretada como o fim. Nada acaba.
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Parentesco: Unidade Coletiva

Antes de concluir esta breve e superficial revisão da Filosofia Africana, algumas


palavras devem ser dedicadas aos parentes da África Ocidental, especialmente
porque o parentesco unia o sistema de vida pessoal. Antes de se separarem e
colonizarem a África Ocidental, os europeus não tinham idéia de onde uma tribo
terminava e outra começava.
O número de pessoas que constituíam, o que poderia ser considerado uma tribo,
variou bastante. Dependendo do etnógrafo ou do escritor muitas tribos foram
classificadas como únicas e distintamente separadas ou simplesmente retratadas
como unificadas.
Estudos de crenças e práticas religiosas africanas demonstram que entre as
muitas tribos chamadas distintas havia mais semelhanças do que diferenças. Esse
autor afirma que todas as tribos compartilhavam crenças básicas na
"sobrevivência da tribo" e no fato de que a tribo era uma parte integrante e
indispensável da natureza. A crença na sobrevivência tribal foi refletida e
sustentada por um profundo senso de parentesco - provavelmente um dos
dispositivos coesivos mais fortes da vida tradicional. O parentesco controlava todos
os relacionamentos na comunidade. Inclui animais, plantas e objetos não vivos.
Com efeito, o parentesco uniu todo o sistema de vida da tribo.
O sistema de parentesco se estendia lateralmente (horizontalmente) em todas as
direções e também verticalmente. Portanto, cada membro da tribo estava
relacionado não apenas aos ancestrais tribais (mortos-vivos e espíritos), mas
também a todos os que ainda não nasceram. Além disso, cada um era irmão ou
irmã, pai ou mãe, avó ou avô, primo ou cunhado, tio ou tia, ou possuía alguma
relação com todos os outros. Os africanos ainda têm muitos termos de parentesco
que definem o relacionamento preciso que liga duas pessoas. O conhecimento da
genealogia tribal de alguém, vertical e horizontal, foi extremamente importante.
Importou um senso de obrigação sagrada de estender a linha genealógica. Por
meio de genealogias, as pessoas (indivíduos) no período Sasa estavam firmemente
ligadas àquelas que haviam entrado no período Zamani.
Esse link também se manifestou nos vivos. "Na vida tradicional, o indivíduo não
existia e não podia existir sozinho". O indivíduo devia sua própria existência a
outros membros do grupo, não apenas aos que o conceberam e nutriram, mas
também aos mortos e ainda por nascer. O indivíduo não existia a menos que fosse
corporativo ou comunitário; ele era simplesmente parte integrante da unidade
coletiva. Os africanos acreditavam que a comunidade (tribo) fazia, criava ou
produzia o indivíduo; assim, não se imaginava que a existência da comunidade
dependesse da entrada individual.
Diferentemente dos sistemas filosóficos ocidentais, a tradição Filosófica Africana
não coloca forte ênfase no "indivíduo". De fato, pode-se dizer que, em certo
sentido, não permite indivíduos. Reconhece que "somente em termos de outras
pessoas o indivíduo se torna consciente de seu próprio ser".
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Somente através dos outros é que se aprende seus deveres e responsabilidades


para com ele e com os outros. A maioria dos ritos de iniciação foi projetada para
instilar um senso de responsabilidade corporativa e destino coletivo. Assim,
quando um membro da tribo sofria, toda a tribo sofria; quando um membro da
tribo se alegrava, todos os seus parentes - vivos, mortos e ainda por nascer -se
alegravam com ele. Ele não estava sozinho, nem sua esposa "pertencia" a ele. Até
os filhos eram considerados sidos a partir de uniões pertencentes ao corpo
coletivo.
Quaisquer que sejam as experiências ou circunstâncias que acontecessem com o
indivíduo, aconteceriam com o corpo corporativo, a tribo e o que quer que tenha
acontecido com a tribo, aconteceria com o indivíduo. Um conceito que os Ashanti
compartilham com todos os outros povos Akan é que os mortos, os vivos e os que
ainda nascerão da "tribo" são todos membros de uma família. "Um ponto
fundamental para entender a visão tradicional do próprio africano, seu
autoconceito é que ele acredita: "Eu sou porque nós somos; e porque nós somos,
portanto, eu sou".
Comunalidade Experiencial: Configuração Cultural

Qualquer texto básico de antropologia cultural dará a alguém um sentimento


geral sobre por que e como o homem começou a viver em grupos. No entanto, o
que não é discutido na maioria dos textos na interação entre o homem no grupo
é o ambiente particular do homem. A noção de ambiente particular é importante
para esta apresentação, pois determina os elementos comuns das experiências de
vida do grupo. Por exemplo, as pessoas primitivas que vivem no deserto do Saara
respondiam diferentemente ao seu ambiente do que os habitantes das zonas
geladas ou regiões polares. E aqueles que vivem nas regiões tropicais do Congo
responderiam ainda de outra maneira aos elementos em seu ambiente. Um
exemplo mais detalhado é fornecido pelas diferenças entre pessoas que vivem
em ambientes pós-industriais e pré-industriais.
Claramente, pode-se dizer que a singularidade do ambiente determina os
parâmetros de sua experiência. Comunalidade experiencial é definida aqui como
o compartilhamento de uma experiência em particular por um grupo de pessoas.
Em última instância, ajuda a determinar como as pessoas serão e,
concomitantemente, qual ethos ou conjunto de crenças orientadoras as pessoas
seguirão. As crenças orientadoras, por sua vez, ditam a criação e a adoção de
valores e costumes, que na análise final determinam que comportamento social
um povo expressará em comum - sua configuração cultural. Assim, a
comunalidade experiencial é importante para determinar os princípios
fundamentais da sociedade, suas crenças sobre a natureza do homem e que tipo
de sociedade o homem deve criar para si mesmo.
Os povos da África tradicionalmente viviam em unidades ou aglomerados
comumente chamados de "tribos". Durante séculos, a África Ocidental
caracteristicamente consistiu em trechos ondulantes de altas planícies cobertas
de grama, com florestas intermitentes e florestas tropicais dispersas.
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Dentro dessa região, os povos (tribos) tradicionais estavam intimamente


relacionados, mas ainda assim mantinham sua distinção. Cada tribo tinha sua
própria linguagem distinta, relacionada às línguas de todas as outras tribos da
região. As línguas africanas foram classificadas como pertencentes à família
sudanesa e ao níger-Congo. As línguas bantus estreitamente relacionadas, as mais
conhecidas do grupo Níger-Congo, eram faladas principalmente da costa oeste
até a maior parte da África Central e Austral. Claramente, assim como havia um
sabor geográfico comum na região, seus habitantes também desenvolveram e
mantiveram comportamentos comuns. A natureza física da comunalidade
experiencial é importante principalmente porque quanto mais singular ou
distinto for, maior a probabilidade de que os limites físicos impeçam o influxo de
elementos culturais vizinhos. Da mesma forma, também permite o
desenvolvimento e manutenção protetora de elementos culturais nativos. Tão
importante quanto, no entanto, é a interação do homem comum com seu
ambiente único. A quintessência desse fenômeno é que ele resulta em um
conjunto de crenças orientadoras, que ditam os valores e costumes que as
pessoas adotam. Por fim, esse conjunto (ou conjuntos) de valores determina o
comportamento social do homem.
Como observado anteriormente, um exame atento do ethos africano sugere duas
ordens operacionais: sobrevivência da tribo e unidade com a natureza; sendo esse
o caso, é seguro dizer que esse ethos é provavelmente o ponto focal da Psicologia
Preta e do objeto na qual esta pesquisa se baseia. Essa pesquisa é dedicada a
oferecer evidências que apontem para a continuidade de um ethos africano em
funcionamento.

Realidade africana e pressupostos psicológicos

A Psicologia Preta é mais do que a dimensão "mais escura" da psicologia geral. A


Psicologia Africana (Preta) é pioneira na natureza da cultura negra, que se baseia
em determinadas suposições filosóficas nativas (originalmente nativas da África).
Tornar a Psicologia Preta a temida dimensão mais escura da psicologia geral
equivaleria a distorcer a realidade africana, para que ela se ajustasse às teorias e /
ou suposições psicológicas ocidentais. Por exemplo, um estudo da história da
psicologia geral revela que o controverso problema mente-corpo decorre dos
primeiros mitos gregos conhecidos como Mistérios Órficos. Oyth relata como
Dionísio foi morto pelos maus Titãs e Zeus salvou o coração de Dionísio e matou
os Titãs. Zeus então criou o homem a partir das cinzas "malignas" de Titã e do
coração de Dionísio. Portanto, o homem tem uma natureza dupla: ele é ao
mesmo tempo mau e divino. No entanto, as suposições decorrentes desses
primeiros mitos causaram um problema. Tinha que haver uma avaliação do que
era "bom" e do que era "ruim". Supondo uma dicotomia entre a mente e o corpo,
os primeiros filósofos sugeriram que o corpo era o "mau" e a mente eram as
crenças "boas" e aceitas sem dúvida durante o período inicial do surgimento da
psicologia geral como uma "ciência".
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Surpreendentemente, a psicologia escolheu a mente (boa) como o domínio de


sua investigação.
O conceito africano de homem é fundamentalmente diferente. Dogon, Mende e
Ashanti assumem a natureza dual do homem, mas não tentam dividir "mente" de
"corpo" ou referem-se ou implicam um bem ou mal inerente em qualquer
aspecto da dualidade. As proposições da "noção de unidade", "uma com a
natureza" e a "sobrevivência do povo" negam a possibilidade de uma dicotomia
artificial e arbitrária. O que é aparentemente dualista é o conceito de
"gêmea". No entanto, como afirmado anteriormente, os componentes
gêmeos se unem para formar o homem unificado. Para os africanos, que
acreditavam que o homem, como o universo, é um todo complicado, integrado e
unificado, preocupações como a controvérsia mente-corpo nunca surgiriam e
desenvolvimentos e / ou análises teóricas baseadas apenas na explicação da
"mente" o "corpo" como entidades separadas seriam inúteis.
Embora a mente-corpo seja um exemplo único, acredita-se que seja suficiente
para demonstrar como as suposições filosóficas determinaram a investigação
científica da psicologia. Certamente povos específicos não podem ser
significativamente investigados e compreendidos se suas suposições filosóficas
não forem levadas em consideração.

Para uma Psicologia Preta


Isso nos aproxima da evolução da Psicologia Preta a partir da Filosofia Africana. A
questão restante é como saber ou como "provar" que os africanos que vivem no
mundo ocidental e nos tempos contemporâneos ainda têm ou mantêm uma
definição filosófica africana. O desenvolvimento da Psicologia Preta depende
primeiro da análise das ligações entre períodos experimentais distintos na vida
dos africanos, e da demonstração das maneiras particulares pelas quais a Filosofia
Africana, interagindo com filosofias alienígenas (particularmente euro-
americanas), determinou percepção da realidade das pessoas africanas (negras)
contemporâneas.

Sobre a questão da prova

“A história é um esforço para uma melhor compreensão e, consequentemente, um


movimento de coisas. Limitar-se a descrever a ciência como ela é, sempre será traí-
la.”

Para a Psicologia Preta - e as muitas outras áreas das ciências sociais que tentam
"enegrecer" a si mesmas para "explicar" os povos africanos contemporâneos - a
questão das provas centra-se em mais do que determinar se um elemento
cultural específico (por exemplo, um artefato) foi retido. O foco deve estar nas
ligações filosóficas-psicológicas entre africanos e afro-americanos (ou afro-
americanizados).
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Para determinar se - e em que medida - a orientação africana persistiu, deve-se


perguntar "Como poderia ter sido mantida?" "Que mecanismo ou circunstâncias
permitiram sua manutenção" Uma orientação decorrente de uma filosofia
africana indígena em particular só poderia ser mantida quando seus portadores
culturais fossem isolados (e / ou isolados) da interação cultural alienígena e se a
expressão comportamental da orientação não conflitasse abertamente com o
elemento cultural-comportamental da sociedade "anfitriã". Se as circunstâncias
da transplantação dosnegros do Novo Mundo atenderam a uma ou a ambas as
condições, é muito provável que a orientação africana tenha sido mantida. Este
escritor afirma que um fator que muitas vezes facilitou a retenção da orientação
africana foram as características físicas da região em particular. E a acessibilidade
dos escravos à doutrina ocidental provavelmente estava diretamente relacionada
ao grau de retenção da orientação africana. O isolamento rigidamente imposto
dos negros permitiu que os africanos do Novo Mundo mantivessem sua definição
(orientação). Assim, o sistema opressivo de escravidão incentivou indiretamente a
retenção, e não a destruição, da orientação filosófica africana.
Em todo o Novo Mundo, um grande número de africanos viveu segregado em
determinadas áreas. Lorenzo Turner observa que "onde quer que os negros
estivessem na maioria, os elementos culturais africanos tinham melhores chances
de sobreviver". Nos Estados Unidos, a política de segregação racial deve ter
frequentemente ajudado a manter viva a influência africana. Propõe-se aqui que
uma análise histórica comparativa de áreas como Brasil, Jamaica, Guiné
Holandesa, o Sul dos Estados Unidos e o Norte revelaria uma impressionante
correlação direta entre (1) fator ecológico e geográfico e acessibilidade da
interação com os ocidentais e (2) manutenção da orientação africana.
Até a "explosão" da televisão no início dos anos 50 a orientação africana teve
pouco contato intensivo com a população ocidental. Estilos (euro-americanos) de
comportamento e a maneira americana de comportamento expressivo e as
modalidades culturais são determinados pela definição filosófica. Pode-se
observar "Africanês" em todo o Novo Mundo porque a orientação de que um povo
pôde desenvolver ou utilizar elementos culturais específicos não foi interferida.
Assim, a afirmação "Somos um povo africano" é válida porque, na maioria das
vezes, as condições do Novo Mundo não permitiam a orientação africana.

Considerações para uma Psicologia Preta

A comunalidade experiencial dos povos africanos pode ser subdividida em


períodos. Para os africanos que vivem no mundo ocidental, particularmente na
América do Norte, o corte usado aqui é (1) a experiência africana (anterior a 1600),
(2) a experiência de escravidão (1600 a 1865) e (3) a América negra contemporânea
(1865) até o presente.
No entanto, em vez de tratar algumas transições comportamentais específicas, a
discussão se concentrará em várias posições filosóficas importantes e
modalidades comportamentais correlativas.
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O primeiro é a sobrevivência do povo. A partir dessa posição filosófica, uma


definição estendida de auto-evolução. Ou seja, o eu era, por definição filosófica, o
"nós" e não o "eu". Tribal se tornou a identidade mais importante. A identidade de
alguém estava assim enraizada em ser um Ashanti, ou um Igbo, e não na pessoa,
Lodagaa Nyakyusi, que por acaso era um Igbera. Lançada em uma cultura
alienígena, a noção de "nós" aparentemente sofreu um ataque severo. Muitos
estudiosos observam, por exemplo, a prática predominante durante a escravidão
(segundo período distinto de comunidade experiencial) de separar
propositadamente membros da mesma tribo para quebrar o reforço coletivo de
uma definição comum. Entretanto, informações adicionais sugerem que na
América do Norte o sistema de escravidão era extremamente desestruturado em
seu início. No entanto, o sistema acabou se definindo em termos de pessoas
pretas. Durante esse mesmo período, a noção de tribo ou povo, que é crucial para
a noção de "nós", sofreu uma modificação particular. Claramente, os africanos
reconheciam e respeitavam as distinções da tribo e o entendimento de que
alguém era um Igbira, ou um Igbo, sugeria muitas coisas. Contudo, a posição
filosófica dentro de cada tribo era o conjunto de crenças orientadoras, que
prescreviam a sobrevivência datribo como de primeira ordem. Quando o sistema
da escravidão americana começou a definir a escravidão em termos de africanos,
a tribo foi definida mais amplamente nas mentes dos africanos. Portanto, vê-se
que os africanos não estão mais dando ao Igbo, ou Igbira, sua distinção anterior,
mas adotando categorias mais amplas. Assim, à medida que a escravidão se
aproximava cada vez mais de sua definição final, os próprios escravos eram
movidos aproximando-se dos termos genéricos de africano ou preto como a
definição final da tribo. Assim, a noção de sobrevivência da tribo não foi alterada
ou modificada durante a experiência da escravidão. De fato, alguém poderia
sugerir que a experiência da escravidão permitiu que a comunidade subjacente
da África Ocidental aparecesse e se definisse como africana. Portanto, na
escravidão, o ponto principal: "Eu sou porque somos; e porque somos, portanto,
sou" não foi destruído, mas fortalecido. Nos tempos contemporâneos, pode-se
notar a prevalência de sociedades beneficentes e o papel da igreja negra como
manifestando uma clara preocupação pela sobrevivência da tribo.
A segunda posição filosófica que sobreviveu aos efeitos de diferentes períodos
experienciais é a idéia do homem como parte integrante do "ritmo natural da
natureza", ou um com a natureza. Claramente, isso pode ser visto na experiência
africana em termos da ontologia antropocêntrica. A expressão desse ritmo natural
nos ritos de iniciação deu definição a muitos dos períodos dentro da dimensão
Sasa de uma pessoa. Essa noção de ritmo também foi expressa nos "tambores
que falam". Na sociedade africana tradicional, o ambiente de vida era a própria
comunidade e a ênfase foi colocada em viver nessa comunidade, não em uma
família em particular. Mesmo nos tempos contemporâneos, a "comunidade"
parece manifestar essa mesma percepção. Alguém poderia propor que se ver
como parte integrante de uma comunidade é a definição contemporânea de que
o homem é parte integrante do ritmo natural da natureza.
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A tradição oral foi claramente transmitida ao longo dos três períodos


experimentais. Como indicado anteriormente, crenças e tradições foram
transmitidas de pai para filho por gerações e gerações. Essa tradição deu
tremenda importância à mente ou à memória. Lembrar-se de eventos fenomenais
no período Sasa era muito importante, se não crucial. A tradição da escravidão
aparentemente permitiu que essa tradição continuasse. Ou seja, porque a
comunicação oral era o único sistema aceitável - leis proibiam os escravos de
serem ensinados a ler e escrever - sem saber que permitiam a transmissão cultural
da ênfase tradicional africana da oração e que seus conseqüentes efeitos na
mente ou na memória permaneceram praticamente intactos. O irmão Dr. Joseph
White sugere que brincar com as "rimas" como parte da tradição oral é um jogo
usado pelos jovens negros para aprender a manter a calma, pensar rápido sob
pressão e não dizer o que realmente está pensando. Rituais verbais como batucar
e rimar versos (dozens) também podem ser vistos como ritos de iniciação ou,
possivelmente, casos em que o poder "da palavra é usado para fazer o" indivíduo
"se sentir psicologicamente melhor. Por exemplo, as batalhas de rima de Avogan e
o Lobi Singi são orações ritualizadas e cerimônias de dança em que o ofendido é
liberado de emoções reprimidas ridicularizando o outro. Da mesma forma, os
Dogon têm uma prática muito interessante, na qual certas relações são
caracterizadas por trocas, freqüentemente, de insultos e gestos obscenos.
Freqüentemente o recebimento de um nome é um evento especial na vida da
criança. Portanto, como uma pessoa pode adquirir nomes associados a diferentes
experiências especiais, uma pessoa pode ter muitos nomes. Basta examinar os
nomes dos negros para revelar a tenacidade histórica nessa orientação - por
exemplo Bojangles, Brown Bomber, Stepin Fetchit, Wilt-the-Stilt, Muddy Waters,
Iceberg Slim.
Com certas modificações, os tribalismos foram transmitidos na forma de
africanismos ao longo dos períodos experimentais do Novo Mundo. O esforço
cooperativo (tribalismo) foi expresso na experiência da escravidão. Os "Cavaleiros
dos Sábios" simbolizavam essa noção, juntamente com a noção de sobrevivência
da tribo. Os funerais da América negra contemporânea são muito simbólicos do
costume de reafirmar os laços de parentesco. Hábitos motores distintos também
foram mantidos até o presente. Por exemplo, a análise fotográfica de uma dança
em particular no rito de Ashanti Kwaside ilustra um exemplo perfeito do
"Charleston". A moral era ensinada nos tempos tradicionais através do uso de
histórias de animais. Parábolas foram amplamente prevalecentes durante a
escravidão, sendo as mais notáveis as "Brer Fox, Brer Rabbit Tales". Nos tempos
contemporâneos, observa-se simplesmente o uso de nomes de animais para
denotar certas qualidades. Nas comunidades negras (vilarejos) de todo o país,
apelidar as mulheres e os homens como “urubus”, "raposas", "vacas", ursos",
"cachorros" é um hábito comum. O estilo de falar (pausas dramáticas, entonação e
coisas do gênero) lembra tudo de um povo em sintonia com o ritmo natural da
natureza - em sintonia com a unicidade da natureza.
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O conceito de tempo é claramente ilustrativo. Pode-se demonstrar que a atitude


de que o tempo é fenomenal e não matemático persiste ao longo dos períodos
experimentais sugeridos. A noção de CPT (CPT – Colored People Time - Horário
das pessoas de cor) foi traduzida para significar trinta minutos a uma hora depois
do horário agendado da reunião. No entanto, na mente dos africanos (negros), o
tempo é flexível e o evento começa quando alguém chega lá. Este autor sugere,
assim, que uma enunciação mais apropriada da CPT é o "Tempo Potencial
Comunitário", enfatizando assim o aspecto comunitário do tempo.
A Psicologia Preta deve se preocupar com a questão do "ritmo". Ele deve discutir,
em grande parte, "a tradição oral", e deve desvendar os mistérios da energia
espiritual agora conhecida como "alma". Deve explicar a noção de "eu estendido"
e a orientação "natural" dos povos africanos para garantir a "sobrevivência da
tribo". Resumidamente, deve examinar os elementos e as dimensões das
comunidades experienciais dos povos africanos.
É minha opinião, portanto, que a Psicologia Preta deve se preocupar com o
mecanismo pelo qual nossa definição africana foi mantida e qual o valor que sua
manutenção ofereceu aos negros. Portanto, a tarefa da Psicologia Preta é oferecer
uma compreensão da definição comportamental da Filosofia Africana e
documentar quais modificações, se houver alguma, sofreram durante períodos
experimentais específicos. [1972]
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ESTUDO 5

Consciência Estilhaçada,
Identidade Fraturada:
Psicologia Preta e a
Restauração da
Psiquê Africana
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Referência da publicação:
NOBLES, W. Shattered Consciousness, Fractured Identity:
Black Psychology and the Restoration of the African
Psyche. Journal of Black Psychology, n. 39(3) p. 232-242,
2013.

Traduzido para fins didáticos por:


Roberta Maria Federico

Na época da violência européia, vocês, cujo trabalho contava nossa narrativa,


foram cortados do nosso futuro, suspensos como numa sentença de morte, e
foram jocosamente descritos como meros griots, cantores de louvor de
tempos já mortos. E nós, que crescemos na violência partriarcal da tutela dos
pilhadores, fomos nutridos nas narrativas mais estranhas, enraizadas no
sangue, regadas com mentiras. Aquela narrativa estranha dizia que só uma
história era humana, a “História Européia”. Era dito que uma história estreita
teria que explicar tudo: o começo da humanidade, seu progresso, seu
destino… Nos campos de poder triunfante, deixamos nossas mentes mortas.
E ainda sob o caos do matadouro de almas, às vezes uma mente aqui, outra
ali, se recusava a morrer.

– Ayi Kwei Armah (2002)

Ayi Kwei Armah adverte os Africanos sobre ver a realidade apenas através da
perspectiva da academia Européia e o quanto uma narrativa alienadora nos
seduz para acreditar que uma história estreita explica tudo. Em um trabalho
recente, eu apresentei o conceito de encarceramento conceitual (Nobles, 1978)
para também alertar sobre a adoção não crítica de idéias Européias e Americanas
para examinar a realidade Africana e Afro-Americana. Jamison (2008) observou
corretamente que a colocação das concepções e fórmulas Euro-americanas
como padrão universal pode encarcerar conceitualmente o exame das coisas
Africanas. Mais especificamente, eu expliquei que no caso do “encarceramento
conceitual”, o conhecedor recebe um conjunto de conceitos e definições
predeterminados para usar no processo de conhecer. Isso equivale à hegemonia
européia. Nesse sentido, idéias alienígenas ou Eurocêntricas nos impedem de um
entendimento pleno da realidade Africana. O pensador Africano é, de fato,
conceitualmente encarcerado.
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Psicologia Preta, Desumanização e Desenvolvimento Africano

A Psicologia Preta não só expôs a hegemonia eurocêntrica das teorias psicológicas


tradicionais, como também começou a focalizar diretamente suas pesquisas na
criação de novos paradigmas e metodologias que derivam de "uma base
epistemológica e ontológica orgânica, autenticamente Africana" (Harrell,
1999, p. 45). É mais do que a psicologia dos chamados povos desprivilegiados, mais
do que a experiência de viver em guetos ou de ter sido forçado a condição de
desumanização da escravidão ou colonização. É mais do que a “dimensão escura”
da psicologia geral. Seu status único é derivado não dos aspectos negativos de ser
o povo “Preto” no continente ou em qualquer lugar da diáspora, mas sim das
características positivas da Filosofia Africana básica que determina os valores,
costumes, atitudes e comportamentos dos Africanos na África e no Novo Mundo
(Nobles, 1980).
Os efeitos psicológicos que a ideologia da supremacia Branca e o imperialismo
Europeu, na forma da escravidão e do colonialismo, tiveram sobre a África e seu
povo nunca foram totalmente abordados e entendidos. O desenvolvimento do
campo acadêmico da Psicologia Preta, no entanto, introduziu um novo respeito
pela legitimidade de várias apreciações étnicas do funcionamento psicológico. De
fato, a Psicologia Preta tem forçado o campo global da psicologia a reconhecer
que não existe uma realidade psiquiátrica universal e que, em termos de
conhecimento e prática psicológica, a única perspectiva válida é aquela que
reflete a cultura das pessoas atendidas. Os paradigmas funcionalistas, refletindo
ideologias dos métodos de cura ocidentais hegemônicos e das ciências sociais
positivistas, não mais se posicionam como o modelo universal de todas as
comunidades humanas. Dizendo de maneira mais simples, não há realidade
psiquiátrica universal (Gaines, 1992). Seja moderna (profissional) ou tradicional
(popular), todos os aspectos do conhecimento e da prática psicológica são um
reflexo do mundo construído de um determinado povo.
Um imperativo constante na Psicologia Preta é o reconhecimento do impacto
prejudicial do colonialismo e da escravidão na mente e consciência Africanas. Este
reconhecimento é conjugado com uma compreensão profunda do que significa
ser Africano, tanto para Africanos do continente como os diaspóricos, e é prescrito
nos reinos visíveis e invisíveis da realidade. No entanto, nossa compreensão do que
significa ser Africano é pautada apenas pelas concepções europeias da realidade
material baseadas no pensamento Greco-Romano, Judaico-Cristão.
Em “Peles negras, máscaras brancas”, o psiquiatra preto martinicano Frantz Fanon
(1967) legitimamente apontou que o colonialismo era simplesmente um outro
estágio ou forma de escravidão. As relações colonizador-colonizado e mestre-
escravo, são idênticas.
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Com efeito, a colonização e a escravização da África por meio da diáspora são os


dois males gêmeos que não são abordados e que infectam a ordem mundial
moderna. A escravidão teve um impacto psicológico destrutivo nos Africanos da
diáspora, e o colonialismo teve um impacto psicológico destrutivo nos Africanos
do continente. Eles foram, em conjunto, os instrumentos desumanizadores da
transformação e/ou destruição das idéias Africanas e do funcionamento humano.
Remontando aos tempos pré-históricos, foram estabelecidos sistemas de servidão
humana e trabalho escravo. A escravidão floresceu nos tempos clássicos e
declinou na Europa após a queda do Império Romano. A escravidão nos Estados
Unidos teve suas origens com a primeira colonização inglesa da América do Norte,
no estado da Virgínia em 1607 e permaneceu como uma instituição legal até a
aprovação da décima terceira emenda à Constituição dos Estados Unidos em
1865. Embora a servidão existisse em África, o status e a relação dos servos
Africanos com os senhores Africanos era muito diferente daquela entre escravos
Africanos e seus senhores Europeus.
As idéias de Hegel (1966) sobre a dinâmica da escravidão influenciaram quase
todas as formulações posteriores da opressão humana. Essencialmente, Hegel
argumenta que o homem se torna consciente de si mesmo apenas pelo
reconhecimento do outro. A frustração do desejo de alguém em ser reconhecido
é a fonte das lutas e dos conflitos humanos. Hegel afirma que aquele que alcança
o reconhecimento sem necessidade de reciprocidade se torna o "mestre".
Enquanto que aquele que reconhece o outro, mas não é reciprocamente
reconhecido, torna-se o "escravo". Hegel observa ainda que não somente o
"mestre" ganha reconhecimento do "escravo", mas o "mestre" também reduz o
escravo a um instrumento da vontade dele. Basicamente, Hegel está sugerindo
que aquele cuja "humanidade" é reconhecida, mas que não reconhece a
"humanidade" do outro, torna-se o mestre enquanto aquele que reconhece a
"humanidade" do outro enquanto sua própria "humanidade" não é
reconhecida torna-se o escravo. Quando a humanidade de alguém não é
reconhecida, o escravo carece tanto de confirmação objetiva quanto de certeza
subjetiva, não apenas do próprio eu e do seu valor humano, mas de sua
humanidade em si.
Bulhan (1985) observa ainda que a linguagem filosófica e intelectual de Hegel
realmente obscurece o impacto psicológico da formulação mestre-escravo. Ele
nota que, em uma série de palestras sobre Hegel, Alexander Kojeve (1969) revisa a
a dialética mestre-escravo de Hegel e tenta articular os fundamentos psicológicos
das relações mestre-escravo. Kojeve nota que a auto-consciência diferencia o
homem do animal e que se é auto-consciente na medida em que se conscientiza
de sua identidade, dignidade e realidade humana. Os animais, ele afirma, só têm
"sentimento" ou um sentimento impensado sobre si mesmos. De acordo com
Kojeve, o desejo determina o comportamento. Em relação aos seres humanos, o
desejo determina as ações humanas e está vinculado à realidade e à preservação
da vida.
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Em relação aos animais, a sensação, o sentimento impensado associado à vida, dá


à luz ao desejo animal de ser reconhecido por outro ser humano. Kojeve sugere
que "é apenas por ser reconhecido por outro que um ser humano é realmente
humano" (p. 9). Assim, a humanidade de um povo é validada porque outros a
reconhecem.
A autoconsciência, refletida na busca pelo reconhecimento, implica uma luta
perigosa entre duas forças opostas que exigem reconhecimento um do outro. A
dinâmica de mestre / escravo realmente envolve uma luta até a morte pela
humanidade. Ele sugere ainda que os complexos psicológicos de "inferioridade" e
"dependência" formam dois eixos fundamentais e mutuamente exclusivos nos
quais a personalidade e a cultura se desenvolvem. O “complexo de dependência”,
argumenta Mannoni (1962), gera estagnação socioeconômica e tecnológica e
promove a submissão e a "necessidade de ser governado". Enquanto o "complexo
de inferioridade" gera alto desenvolvimento de personalidade e cultura e promove
o domínio e a "necessidade de governar". Não é de surpreender que Mannoni
afirme que o "complexo de dependência" está profundamente arraigado na
consciência coletiva do Africano, representada pelo povo Malgaxe. Nesse sentido,
ele conclui ainda que o "não civilizado", isto é, o homem Africano, é
totalmente inadequado para um padrão de vida ausente de completa
subjugação e, de fato, precisa de dominação colonial para satisfazer seu complexo
de inferioridade natural.
Hegel e Mannoni postulam complexos psicológicos particulares associados a
características imutáveis dos grupos ou traços inerentes que distinguem o mestre
e o escravo.
Provavelmente porque foi um membro dos "condenados da terra", Frantz Fanon
desvenda a psicologia dos oprimidos com maestria. Ao contrário de Hegel ou
Mannoni, Fanon aponta cirurgicamente que o problema da opressão é um
problema de violência. Fanon nos ajuda a ver que, embora a opressão exija o
medo da morte física, o medo é criado através do exercício e da ameaça de
violência. Como teórico intelectual e psicológico, Fanon ofereceu uma análise
mais profunda dessa questão da violência. É a violência, como parte integrante do
processo de escravização, que é tão difundida e estruturada e que é
frequentemente vista como a ordem natural da vida. Fanon afirma que existem
diferentes formas de violência que são destrutivas para o espírito do povo
Africano. Ele observa, por exemplo, que há violência que é simplesmente violência
vulgar, violência histórica, "violência além da violência" ou o que alguns estudiosos
(Perimbaum & Perimbaum, 1983) chamam de "violência sagrada". Essa violência
sagrada, onde a Europa é vista como o padrão universal ou exemplo da
humanidade, é fundamental para entender a desestabilização da África, a
desumanização do povo Africano e a erosão ácida da consciência Africana.
Ao dominar essas dimensões primárias da psiquê, a escravidão e a experiência
colonial criaram fissuras e rachaduras na consciência e na identidade africanas.
Com efeito, a consciência e a identidade Africanas foram destruídas por uma
dominação generalizada do espaço, tempo, energia, mobilidade, vínculo e
identidade dos ancestrais.
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Uma Barreira Mental para o Desenvolvimento Africano

A complexidade do dano psicológico para o povo Africano pode ser melhor


capturada com a noção de descarrilhamento. Descarrilhamento é uma metáfora
importante porque, assim como o descarrilhamento de um trem, ele continua em
movimento mesmo fora de seu curso. O descarrilhamento cultural e psicológico
do povo Africano é difícil de ser detectado porque a vida e a experiência Africanas
continuam. A experiência de movimento humano (ou progresso) continua e o
povo Africano acha difícil perceber que está fora da própria trajetória de
desenvolvimento.
A África Preta perdeu milhões de almas para o tráfico de escravos. Este
descarrilhamento humano foi experimentado em nível pessoal como terrorismo
psíquico e tortura física. Seres humanos foram acorrentados juntos e empilhados
um em cima do outro, como carga, onde eles tinham que deitar e dormir nos
próprios excrementos bem como nos de pessoas abarrotadas próximas a eles, por
semanas a fio. Um ciclo vicioso de doenças se seguiu com as pessoas Africanas
amontoadas juntas, chorando, gritando,
vomitando e defecando incontrolavelmente. Ao longo desta corrente humana de
miséria, onde alguns morreram e alguns viveram, a flutuação de corpos
apodrecidos adicionava mais mal cheiro. Não havia escapatória para as doenças. A
vida nas plantações simplesmente continuou o terror e a tortura. Só podemos
imaginar o estado da saúde mental daqueles que foram presos neste pesadelo
acordado. Pânico, ansiedade e histeria devem ter prevalecido. Raiva pura
alternada com uma profunda depressão coletiva manifestada em motins,
rebeliões a bordo, e revoltas escravas constantes e contínuas.
No nível coletivo ou corporativo, os capitais humano e intelectual da África, de
discernimento e imaginação, foram esgotados e / ou descarrilharam no exato
momento da história em que a humanidade estava se movendo para uma nova
era.
A colonização continental da África resultou em terror e tortura psicológicas
similares. A dissecação avarenta e arbitrária e a destruição da África resultaram em
conflitos de situações aparentemente intermináveis devido a lealdades rasgadas
e/ou pluralidades étnicas doentias, com diferentes nações disputando o poder do
governo com base no Ocidente. O legado da colonização se tornou o câncer não
tratado da África sob o disfarce do desenvolvimento.

Choque de consciência e cultura

A dominação psicológica européia da mente Africana pode ser compreendida


como um choque de consciência e cultura. Este choque é centrado no significado
de ser humano e na questão das relações humanas, ambas as quais podem ser
ilustradas pela utilização da “análise mimética”.
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Dawkins (1989) define “memes” como uma unidade de herança cultural que é
naturalmente selecionada em virtude de sua conseqüência fenotípica na própria
sobrevivência e replicação da cultura em particular. O meme é por si só uma
unidade de informação residente no cérebro. Eu também expliquei em outro
momento (Nobles, 2012) que “memes” são “estruturas de informação sensorial”
que são padrões de informação contagiosa que se reproduzem infectando
simbioticamente as mentes humanas e alterando seu comportamento, levando-
os a propagar certos padrões de comportamento. Funcionalmente, memes são
quaisquer padrões de informação contagiosos, na forma de símbolos, sons e / ou
movimentos, que são capturados por qualquer um dos sentidos e replicados ao
entrar simbioticamente na "mente" do ser humano e, dessa forma, alterar o
comportamento de uma pessoa em uma maneira que se auto-propaga. De
maneira simplista, portanto, um meme é uma ideia orientadora que age como
um nexo auto-replicante para a propagação e legitimidade 1 de disposições
comportamentais. O "padrão de informação contagiosa" pode ser resumido ou
referido como uma ideia orientadora. Um meme pode ser pensado como uma
unidade do discurso cultural que, ao influenciar a consciência humana, direciona
e determina significado para os agentes culturais que o carregam (Piper-Mandy
& Rowe, 2010). Eu sugeri (Nobles, 2012) que memes são "idéias que refletem a
substância do comportamento". estruturas de informação sensorial, os "memes"
precisam ser capazes de transmitir para a próxima geração seu conteúdo
principal ou o significado e a capacidade de preservar o comportamento alterado.
Quanto mais fundamental é a idéia orientadora embutida na estrutura da
informação sensorial, mais ela serve como um germe do processo e, com efeito,
funciona para influenciar o próprio processo de conhecer a si mesmo. Esses
memes fundamentais, por sua vez, servem como "nós meméticos epistêmicos",
que moldam e apóiam uma estética, um código moral e um conjunto de relações
humanas particulares.
O processo pelo qual as estruturas de informação sensorial infectam
simbioticamente a mente ou a consciência , assim como reforçam e/ou
propagam o sensorial, eu chamo de “ideação memética”. Portanto, pode-se
classificar tipos deconsciências ou mentalidades (p. ex. Mentalidade
escravizada/colonial, Consciência Negra, Franco-Anglófona, neo-colonialista, etc.)
pela natureza definidora do agrupamento memético fundamental para seu
caráter. Memes ou estruturas de informação sensorial podem ser propagados na
forma de idéias, símbolos, imagens, sentimentos, palavras, costumes, sons,
práticas, ou qualquer outro item ou outra idéia reconhecível ou perceptível.
Religião, dogma político, filosofias ou movimentos sociais, estilos estéticos ou
artísticos, tradições, costumes, e cada componente que envolva e sirva em uma
relação como um meme complexo. O complexo integrado de cultura pode ser
visto como uma "ideação memética".

1 Quanto ao ato de legitimidade, o leitor deve examinar o trabalho inovador de Syed Khatib
sobre o "Conceito de Legitimidade" na Psicologia Preta.
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A essência conceitual da psiquê de um povo está distorcida quando nós


começamos a pensar em um caminho cognitivo baseado no esquema de outro
povo. Ao invés de ver a nós mesmos nos termos da tradição Africana do princípio
ontológico da consubstanciação que faz com que sejamos feitos iguais, nós
começamos a achar que o que fez quem nós somos, são aqueles atributos e
características. Nós pensamos que, porque atingimos alguma riqueza material e
status, que nós também alcançamos um nível mais elevado de ser que exige que
nos separemos do povo comum. Por exemplo, podemos ouvir dizer: “Eu não tenho
mais que morar no gueto porque tenho dinheiro; portanto, sou melhor que o
resto ‘deles’”; ou “eu frequentei escola na América ou na Europa e, portanto, sou
melhor que esses "nativos". Consequentemente, a consciência continental e a
diaspórica refletem limitações na capacidade Africana de pensar de uma maneira
que seja congruente com o caleidoscópio de uma visão de mundo
epistemológica Africana.

Rumo a uma nosologia Africana: estratégias para restaurar


a consciência e identidade Africanas

Quando o espírito humano está bem, íntegro, e saudável, o ser humano é


caracterizado pela confiança, competência, e um senso de plenas possibilidades e
potencialidade ilimitada. (Nobles, 2010, p.13)

O efeito psicológico mais profundamente duradouro da escravidão e do


colonialismo para o povo Africano foi um senso de alienação humana resultante
da infecção pelas agressões a longo prazo e ainda em andamento, das estruturas
de informação sensorial que representam a escravidão e colonização, que
significam a coisificação e a desumanização do povo Africano. A alienação
humana para o povo Africano é a sensação de estar desconectado do espírito de
alguém (embora sejam altamente espirituais) e ter a sensação de não ser
verdadeira ou completamente humano (e não saber disso). Classifiquei isso como
"dano espiritual" ou "sofrimento do espírito".
Seres espirituais, hospedados em um recipiente físico que possuem uma
experiência humana, experimentam sua "espiriticidade" simultaneamente como
um estado metafísico e como uma extensão ou conexão etérea no, e entre, o
mundo supra (superior) das Divindades, o inter (intermediário) mundo com outros
seres e o mundo inner (interior) do eu. De acordo com essas idéias, está a
necessidade de uma classificação espiritual do que é o Desconforto. Guiado pelo
caráter informativo do pensamento Africano profundo, o desenvolvimento de
uma classificação de doenças centrada na África, isto é, uma nosologia, deveria no
mínimo: (a) usar a linguagem e a lógica Africanas; b) explorar a aplicação e a
relevância dessas idéias e noções na iluminação (clarificação e estudo) do
"sofrimento do espírito".
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O "sofrimento do espírito" (essencialidade do ser), proponho, pode ser evidenciado


na experiência de ser humano; na expressão de ser humano e na essência de ser
humano em si. Esses três domínios ou caminhos representam as arenas de
sofrimento espiritual e desequilíbrio ou desarmonia refletidos em nossa
consciência estilhaçada e identidade fraturada.
Para desenvolver uma autêntica nosologia centrada em África, gostaria de
oferecer como um ponto de partida preliminar o exame das noções BaNtu de
Kingongo, Tunda Milongo, Kizongo Zongo, Sumuna, Nsumununu a Nkisa /
Kinkongo (Fu-kiau, 1991) e a noção Kemética de Serudja Ta. Cada uma dessas
noções ou idéias deve ser examinadas contra o requisito de que as relações
restaurativas (de cura) representem uma relação de base espiritual e carregam a
relação entre o curador e o curado, estabelecendo um compromisso vinculativo
entre o curador e o curado para ativar ativamente o processo de restauração
(cura), e refletem um esquema ou história conceitual que fornece uma explicação
culturalmente congruente para o desconforto e o procedimento ou ritual de sua
resolução, incluindo o reconhecimento de que o local ou a localização da cura
deve ser guiado / preenchido pelo espírito.
A habilidade para revelar ou expôr a verdade da realidade Africana determinará,
em última análise, o valor e a utilidade da Psicologia Preta como disciplina e
prática profissional. Em resposta específica ao estilhaçamento da consciência
Africana e à fraturada identidade negra (Nobles, 2007), propus um processo de
recuperação chamado "reciprocal srwd ta"2 (Re-nascimento) da espiritualidade
Africana. A idéia de "Re-nascer" requer uma aplicação mutuamente interativa das
tradições de saberes tradicionais, história, cultura, filosofia e pensamento
profundo Africanos para iluminar, informar, e desenvolver tanto a espiritualidade:
(a) da pessoa (caráter pessoal) e (b) da comunidade (caráter ambiental), tocando
na raiz do núcleo mais fundamental e essencial para inspirar a saúde e eliminar o
desequilíbrio e a discórdia e restabelecer e / ou restaurar a harmonia e o
funcionamento humano ideal. Isso, necessariamente, exigirá um diálogo contínuo
com os sábios tradicionais (não necessariamente com educação ocidental)
Nganga, Sangoma e assim por diante.

Na convenção da Associação de Psicólogos Pretos (ABPsi), na Filadélfia, fui eleito


presidente e, em meu discurso presidencial, perguntei:

Curamos toda a comunidade ou iremos assistir ao desaparecimento final de


nosso grande povo? O espírito ancestral exige que nós curemos. É o nosso
destino. Quando enfrentarmos esse desafio, o nome da ABPsi terá um sabor
doce na boca dos filhos dos filhos de nossos filhos para sempre e no dia
seguinte para sempre. Juntos, devemos responder. Ninguém mais pode fazer
isso além de nós. (Nobles, 1994, p. 5)

2 Maulana Karenga define Serudja Ta como “Srwd ta” um processo para “tornar seguro, consertar
(um erro), fornecer, cumprir (um contrato)”; “Restaurar, reparar, renovar”; “fazer crescer, florescer”
(Karenga, 2006, p. 397).
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Em resposta parcial à minha própria pergunta, observo agora que a medida


fundamental da qualidade moral de uma sociedade e da obrigação moral é
consertar e reparar constantemente o mundo, tornando-o mais bonito do que
quando o herdamos. Como prática profissional e processo, acredito que resgatar e
recuperar as noções Africanas de Sakhu Sheti / Djaer e Serudja Ta permitirá que os
seres humanos iluminem, curem, reparem e transformem o mundo com a
compreensão de que, no processo, curamos, reparamos e transformamos a nós
mesmos.

FIM
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