Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
FUNDAMENTOS DA
PSICOLOGIA AFRICANA
WADE NOBLES
ÍNDICE
Introdução 01
Por Roberta M. Federico
INTRODUÇÃO
Hotep!
ESTUDO 1
Uma simples jornada com um pesquisador branco em um lar negro pode nos dar
uma visão sobre como são tiradas conclusões tão importantes, mas um tanto
errôneas. Durante uma visita ao lar negro o pesquisador pode não encontrar
aspectos familiares da cultura branca como a Revista Seleções, gravações de
peças da Broadway, clássicos, revistas como a Harpers, Atlantic Monthly ou a New
York Review of Books. Ele também poderá observar um nível de barulho alto,
continuamente reforçado por entradas de blues, e estações de rádio tocando
músicas, programas de TV e alguns conjuntos de conversas acontecendo ao
mesmo tempo. Este tipo de observação leva ele a presumir que os lares de
crianças negras são muito fracos em conteúdo intelectual, desinteressantes e
lugares geralmente confusos para se crescer. De alguma forma ele falha em ver a
estimulação intelectual que pode ser fornecida pelos jornais pretos locais, os raps
informativos, as revistas Jet, Ebony e as músicas da Motown e da Sepia. Crianças
negras nestes mesmos lares que supostamente não podem ler (até pré-escolares)
podem cantar algumas músicas de rock e blues a partir da própria memória e
identificar corretamente músicas de entretenimento popular. Estes mesmos
pesquisadores ou psicólogos educacionais, ouvindo o jeito preto de falar,
assumem que nosso uso de um Inglês oral não padronizado é um exemplo de má
gramática, sem reconhecimento da possibilidade de termos um dialeto
alternativo válido e legítimo.
Como o psicólogo educacional branco continua com o que para ele se tornou
uma análise padrão, o próximo passo se torna um dos programas que ofertam às
crianças negras com o tipo de reforço que ele acredita ser necessário para superar
e compensar sua privação cultural. Como consequencia deste tipo de
pensamento, nos anos recentes, de Headstart, New Horizons a Upward Bound,
nós temos repetidamente testemunhado as falhas dos programas de
compensação e reforço escolar. Possivelmente, se os cientistas sociais, psicólogos
e educadores parassem de tentar compensar as chamadas debilidades da criança
negra e tentassem desenvolver uma teoria que potencializasse suas capacidades,
poderiam ser criados programas que, desde o início, pudessem ser mais
produtivos e bem-sucedidos.
Muitos deste jovens taxados como culturalmente privados desenvolveram um
tipo de resistência mental e habilidades de sobrevivência em termos de lidar com
a vida que os torna de muitas maneiras superiores aos seus colegas brancos da
mesma idade e que estão crescendo com riqueza material nos subúrbios da Little
League. Estes jovens negros sabem como lidar efetivamente com cobradores de
contas, superintendentes de construção, mercearias de esquina, pessoas hype,
cafetões, prostitutas, doença e morte. Eles sabem como enrolar conselheiros
escolares, diretores, professores, assistentes sociais, autoridades juvenis e, fazendo
isso exibem muita inteligência e criatividade psicológicas. Eles reconhecem
muito cedo que vivem em um ambiente que às vezes é complicado e hostil.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Eles podem não estar aptos para verbalizar isso, mas já têm domínio do que os
psicólogos existencialistas declaram ser as condições humanas básicas, ou seja,
que nesta vida, dor e luta são inevitáveis e que o senso completo da identidade de
alguém só pode ser alcançado através do reconhecimento e do enfrentamento
direto de uma existência cruel e difícil.
A família preta representa outra arena na qual o uso dos modelos psicológicos
tradicionais brancos conduzem-nos a uma análise essencialmente inapropriada e
doentia. Quando a família preta é vista a partir de um padrão classe média como
referência, que assume que a família psicologicamente saudável contém dois
pais, um homem e uma mulher, que permanecem com a criança até ele ou ela se
tornar um jovem adulto, o fato de um homem preto não ser consistentemente
visível para um observador branco de uma família preta conduz a conclusão de
que a unidade familiar preta tem uma estrutura matriarcal. Uma vez que a idéia
de família matriarcal é aceita, é muito tentador usar as teorias psicológicas
freudianas para explicar porque as crianças pretas, especialmente os meninos
pretos, que são criados neste tipo de família monoparental com o pai ausente,
desenvolvem dificuldades de identidade e psico-sexuais. Ainda mais prejudicial, a
descendência masculina e feminina da família matriarcal carrega suas
dificuldades para a próxima geração, tendo o ciclo matriarcal se repetindo
novamente. De fato, um cientista social branco fazendo o estudo de caso da
família preta para uma ação em nível nacional, leva em vista que o maior
problema com que as pessoas negras se confrontam é ter que organizar nossas
famílias em unidades de dois pais.
Um olhar mais próximo da família preta poderia mostrar que a visão matriarcal ou
monoparental falha em levar em consideração a natureza extendida da família
preta. Olhando para o número de tios, tias, madrinhass, namorados, irmãos e
irmãs mais velhas, diáconos, pastores, e outros que operam dentro e fora do lar
preto, uma observação mais válida pode compreender a variedade de adultos e
crianças mais velhas que participam do cuidado de qualquer criança preta. Além
disso, no processo de cuidado da criança, essa variedade de adultos juntamente
com os irmãos mais velhos criam um tipo de família extendida que intercambia
papéis, trabalhos e funções familiares de tal maneira que a criança não aprende
uma distinção extremamente rígida entre os papéis masculinos e femininos. Um
caso me vem à mente, de um jovem assistente social branco, que após observar
um menino preto de dez anos que cozinhava, limpava a casa, lavava as roupas e,
obviamente ajudando sua mãe a cuidar das crianças mais novas da família,
escreveu em seu relatório que o desenvolvimento masculino poderia ser
prejudicado por aquelas atividades obviamente femininas. O que o assistente
social falhou em ver foi que este menino de dez anos em particular não separava
rigidamente os papéis masculinos e femininos em sua cabeça, e o mais
importante, ele também ajudava sua mãe no trabalho de meio-expediente, foi
membro da equipe de atletismo no ensino médio, um estudante capaz, teve uma
vida sexual muito saudável com algumas moças da vizinhança e era respeitado
pelos irmãos das ruas na cultura de gangs quando se tratava de suas habilidades
de briga quando era necessário.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
temos evidências para acreditar que o que acontece com uma pessoa é mais
relacionado à sorte ou ao acaso do que ao trabalho árduo.
Planejar com a crença no futuro é planejar decepções e desgostos. Portanto, o
povo negro fez o possível para lidar com as realidades e necessidades concretas
do presente. Isso não significa que os negros sejam orientados pelo presente no
sentido de que são dominados por impulsos ou incapazes aguardar gratificações.
Mas significa que os benefícios do sonho branco do trabalho duro não valeram a
pena para nós. Sendo esse o caso, como um grupo, nossa gestão do tempo não é
limitada ou guiada por uma orientação futura e o tempo não é medido nos
valores das unidades de trabalho da cultura branca dominante.
Parte da condição objetiva dos negros nessa sociedade é a de uma condição
paranóica. Existe e houve, injustificadamente, perseguição e exploração
sistemática das pessoas negras enquanto um grupo. Uma pessoa preta que não
desconfia da cultura branca nega, patologicamente, certas realidades objetivas e
básicas da experiência negra. O falecido sociólogo E. Franklin Frazier abordou isso
muito bem em "Buguesia Preta" e os autores de "Black Rage" discutem o valor da
paranóia negra saudável. Psiquiatras e psicólogos brancos geralmente têm uma
dificuldade considerável em trabalhar construtivamente com a hostilidade e
desconfiança dos pacientes negros. Isso ocorre porque seu quadro de referência
lhes diz que suspeitas excessivas são psicologicamente prejudiciais. Se um cara
branco dissesse a um psiquiatra branco que as pessoas o atacavam
sistematicamente na porta de sua casa, o psiquiatra o diagnosticaria como um
estado psicótico e paranóico e o internaria. Usar um quadro de referência preto
com um paciente preto não deve resultar no mesmo diagnóstico e,
possivelmente, psiquiatras brancos devem parar de nos diagnosticar e passar
algum tempo trabalhando para mudar o sistema que persegue as pessoas pretas.
Uma teoria abrangente da Psicologia Preta terá que explicar com muito mais
detalhes a dinâmica do lar negro, a família, o herói, modelos, sistemas de
linguagem, gestão do trabalho e do tempo e a natureza da suspeita. Muitas outras
áreas terão que ser incluídas e, esperançosamente, o desafio da excelência será
enfrentado por uma geração mais jovem de estudantes pretos profundamente
comprometida com o desenvolvimento de uma verdadeira representação
psicológica da experiência preta.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles 03
ESTUDO 2
Wade Nobles:
O intelectual
como curandeiro
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Resumo
Curandeiros e sacerdotes eram arquétipos de intelectuais na África Ocidental que
foram mantidos na memória cultural dos africanos na diáspora, apesar da
escravização. A presença desses intelectuais / curandeiros contrariou a
perpetuação do pensamento eurocêntrico porque eles eram guardiões da cultura
africana e possuíam a capacidade de transferir e transmitir a memória histórica e
cultural coletiva. Wade Nobles posiciona seu trabalho intelectual e seu ativismo na
tradição dos curandeiros que combateram a hegemonia cultural européia
enquanto afirmavam a humanidade do povo africano. Nobles define o Sakhu
como o processo de iluminação do espírito humano e utiliza as várias
manifestações e funções do Sakhu para demonstrar as intrincadas conexões entre
espiritualidade, ciência e cultura. Através da busca, definição, desbloqueio e
aplicação do Sakhu, Nobles articula uma visão de mundo baseada na
espiritualidade africana que tenta curar as mentes e os espíritos do povo africano.
Palavras-chave:
Psicologia Afrocentrada, História Intelectual Afrocentrada, Pensamento
Afrocêntrico, Sakhu, Wade Nobles
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Introdução
Wade Nobles iniciou suas primeiras pesquisas e estudos sobre saúde mental
africana no Westside Community Mental Health Center, onde colaborou com Bill
Hayes, Thomas Hilliard, Asa Hilliard e Patricia Butler para criar o Urban Institute (H.
Nobles, 2008). Ele é professor emérito de Estudos Africanos da Universidade
Estadual de São Francisco e fundador e diretor executivo do Institute for the
Advanced Study of Black Family Life and Culture. Nobles é um dos psicólogos
pretos mais destacados e uma figura importante no movimento psicológico
afrocentrado. Seu livro African Psychology: Toward Its Reclamation, Reascension
and Revitalization” (W. Nobles, 1986) é considerado um clássico da literatura
psicológica afrocentrada. Nobles é fundador da The Association of Black
Psychologists (ABPsi), ex-Presidente Nacional da ABPsi, ganhador do Prêmio
Distinguished Psychologist da ABPsi e o primeiro ganhador do Prêmio Anual
ABPsi de pesquisa acadêmica extraordinária.
Este exame do trabalho de Wade Nobles está fundamentado na definição que
William Banks (1996) tem de intelectuais como "indivíduos reflexivos e
críticos, que agem conscientemente para transmitir, modificar e criar idéias e
cultura" (p. xvi). Dentro do contexto histórico das tradições intelectuais
africanas, a definição de Banks abrange os vários papéis de curandeiros,
sacerdotes e conjuradores. Curandeiros, sacerdotes e conjuradores eram
arquétipos de intelectuais na África Ocidental, mantidos na memória cultural dos
africanos na diáspora. W. Banks (1996) opina que foram os curandeiros /
sacerdotes que assumiram a tarefa de interpretar o universo, codificar e
racionalizar valores culturais” (p. 7). Ele afirma ainda que “como trabalhadores
intelectuais, ambos os grupos desempenharam papéis chave na reprodução dos
códigos cognitivos e espirituais de suas aldeias” (W. Banks, 1996, p. 4). Os
sacerdotes eram curandeiros que não se encaixavam na mistura da vida cotidiana
das plantações. De acordo com W.Banks (1996), foram indivíduos que desafiaram
o status quo porque representavam a idéia inimaginável e inconcebível "de um
escravo reflexivo e não trabalhador" (p. 4). W. Banks (1996) argumenta que, dentro
da realidade cultural de uma instituição escravocrata baseada na morte espiritual
e social (Patterson, 1982), não há necessidade de pensadores profundos que
inspirem e motivem as pessoas a refletir sobre sua condição porque “símbolos e
lembretes de uma existência anterior devem ser eliminados ”(p. 4). Esses
intelectuais eram guardiões da cultura e possuíam a habilidade de transferir e
transmitir memória cultural e histórica coletiva. A tentativa dos escravizadores de
eliminar a pequena população de sacerdotes e curandeiros serviu para
desconstruir os sistemas de crenças culturais africanos e substituir essas
construções culturais pelos padrões culturais europeus. Em combinação com a
missão de Nobles de resolver os problemas que impactam as almas e mentes das
pessoas de ascendência africana, Smith (1994) afirma que existem dois benefícios
psicossociais na formulação de um paradigma intelectual que busca curar.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Em busca do Sakhu
De acordo com Nobles, sua busca pelo Sakhu começou quando ele nasceu e tem
sido uma jornada ao longo da vida. Em relação a essa missão de vida, Nobles
lembra que sua avó trabalhava no Hospital Estadual de Boston para doentes
mentais e contava aos familiares as histórias de negros "loucos", médicos brancos
e o tratamento daqueles diagnosticados como portadores de transtornos mentais
(H. Nobres, 2008). Essas histórias despertaram o interesse de Nobles em
psicologia. Semelhante à experiência de Malcolm X com um sistema educacional
que o desencorajou a perseguir seus objetivos de se tornar um advogado, Nobles
foi desencorajado a se tornar um psicólogo. Seu conselheiro do Ensino Médio o
aconselhou a estudar marcenaria em vez de psicologia, porque marcenaria "cairia
melhor" para pessoas negras (H. Nobles, 2008). No entanto, Nobles não deixaria
que as expectativas definidas pela supremacia branca alterassem e ajustassem
seu compromisso de encontrar e cumprir sua vocação como curandeiro.
Existiram vários fatores críticos durante os estágios cruciais de seu
desenvolvimento como pessoa e como acadêmico que foram importantes para
levar Nobles a buscar o Sakhu. Enquanto cursava a graduação, Nobles teve a sorte
de estar cercado por colegas e mentores que influenciaram e inspiraram suas
tentativas de analisar e entender o espírito. Enquanto estava no Merritt College,
Nobles frequentou a escola com os membros fundadores do Partido dos Panteras
Negras, Huey P. Newton e Bobby Seale. Ele também foi professor assistente da
turma de Sylvia Obradovitch, que abordou psicologia e pessoas de cor (H. Nobles,
2008). Como estudante da Universidade Estadual de São Francisco, Nobles esteve
envolvido em uma greve estudantil e teve a oportunidade de estudar com alguns
dos pioneiros da Psicologia Preta, Joseph White e Gerald West. White (1991), que é
freqüentemente chamado de "Pai dos Psicólogos Pretos" (Guthrie, 1998), escreveu
o artigo clássico "Rumo a uma Psicologia Preta", que enfatizava a
importância de não apenas desconstruir a Psicologia Eurocêntrica, mas também
construir uma psicologia do povo negro e que fosse baseada em suas experiências
culturais particulares. A matrícula de Nobles no estado de São Francisco também
incluiu relações com acadêmicos e artistas como Amiri Baraka, Sonia Sanchez e
Nathan Hare (H. Nobles, 2008). As conexões de Nobles com esses colegas
moldaram e formaram sua visão da psicologia em relação às pessoas de
ascendência africana. Nesses contextos, Nobles conseguiu entender como a
psicologia, a cultura, a espiritualidade e o ativismo social estavam interligados.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Essas relações plantaram sementes que permitiram que Nobles crescesse como
psicólogo afrocentrado, uma vez que ele entrou em contato com Cedric Clark
(Syed Khatib), Phillip McGee, Luther X/ Weems (Na'im Akbar) e o lendário
antropólogo St. Clair Drake na Universidade de Stanford. Suas colaborações
ideológicas e conceituais com Khatib, McGee e Akbar resultaram em "Vodun ou
QI: Uma Introdução à Psicologia Africana" (Clark, McGhee, Nobles & Weems,
1975), um artigo que definia os parâmetros fundamentais da nascente, mas
florescente disciplinada de Psicologia Africana.
Drake incentivou Nobles a desenvolver uma subvenção que pudesse apoiar seu
interesse em estudar transe psicológico com curandeiros tradicionais em Gana.
Além dessas influências, Nobles também foi influenciado pelo intelectual
orgânico John Henrik Clarke, com quem aprendeu uma valiosa lição de vida sobre
o papel e a função do intelectual como curador (H. Nobles, 2008). Clarke
aconselhou Nobles que “apenas com humildade... o acadêmico ou intelectual
pode manter em equilíbrio a disposição de ser um servo de seu povo e a clareza
de visão para falar honestamente e a buscar a verdade sobre o povo” (H. Nobles,
2008, p. 154, itálico adicionado). Nobles aderia às sábias palavras de seu mais velho
e dizia a verdade para emponderar enquanto buscava uma nova abordagem para
entender a psicologia do povo preto.
A pesquisa de Nobles para articular a Psicologia Africana está fundamentada no
que ele refere-se como Sakhu. Sakhu significa a iluminação da alma/espírito,
aquilo que inspira (W. Nobles, 1986). W. Nobles (2006a) resume a essência do
trabalho de sua vida quando afirma: “Dedico-me ao desenvolvimento de uma
ciência do espírito em que possamos iluminar e entender as condições e
requisitos para ser, tornar-se, pertencer e iniciar a humanidade como Africanos ”(p.
xxxi). Juntamente com seus companheiros na jornada da vida: Na'im Akbar e
Asa Hilliard, Nobles tem buscado, definido, desbloqueado e aplicado o Sakhu. Um
dos aspectos mais interessantes de Sakhu é que a definição do termo invoca o
espírito como a essência da psicologia. A invocação do espírito na discussão da
psicologia contrasta diretamente com visões ocidentais da psicologia que
tendem a se concentrar em comportamentos mensuráveis e observáveis. É visto
como heresia em muitos círculos psicológicos abordar a psicologia a partir de
uma orientação espiritual, em vez de focar principalmente no comportamento
mensurável e observável (Kwate, 2005). No entanto, dentro de uma estrutura de
visão de mundo africana, Sakhu é o fundamento da psicologia que nos permite
entender o comportamento humano. Portanto, o que é observado no
comportamento humano é na verdade uma manifestação física do espírito
humano.
A jornada de Nobles como um intelectual que tenta pensar profundamente sobre
a condição do povo africano o levou a buscar o Sakhu. Enquanto buscava Sakhu,
W. Nobles (2006a) lutou com “os parâmetros de pensamento, teoria e terapia na
Psicologia Preta” e opinou que “um entendimento completo e pleno do povo
africano deveria ser governada por uma profunda... busca, estudo e domínio do
processo de iluminação” (p. xxv).
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Nesse mesmo sentido, W. Nobles (2006a) afirma que buscar o Sakhu o inspirou a
"procurar uma compreensão profunda e penetrante da psicologia do povo
africano, independentemente da conceitualização não africana" (p. xxv). Nobles
levanta a questão de saber se a Psicologia Preta é simplesmente uma resposta
reacionária aos efeitos negativos da psicologia eurocêntrica ou de uma psicologia
culturalmente específica que serve como uma abordagem distinta para entender
as experiências vividas de pessoas de ascendência africana. A Psicologia Africana é
apenas uma versão enegrecida da psicologia branca? É uma nova abordagem
e/ou paradigma sobre as almas do povo africano? Se é o Sakhu, então a origem
deve começar na África. Como buscador do Sakhu, Nobles tenta olhar além do
nível superficial do que parece ser a psicologia do povo preto e mergulhar no que
Du Bois (1989) classificou como as almas do povo preto.
Definindo Sakhu
O foco em Sakhu exige uma mudança de paradigma na psicologia e muda
quais perguntas são feitas e como questões específicas são estudadas. Sakhu
fornece uma abordagem holística para entender a natureza da personalidade.
Partindo da sabedoria coletiva observada nas declarações culturais que os
africanos fizeram ao mundo, Nobles tenta delinear uma estrutura teórica
culturalmente específica que pode ser utilizada como uma lente conceitual para
examinar a africanidade. Nobles definiu que era necessário recuperar e revitalizar
uma epistemologia africana para reconstruir um paradigma africano. W. Nobles
(1997 / 2006d) sustenta que algumas das características distintivas de um
paradigma africano são as seguintes: (a) o universo é cosmos, (b) a natureza última
da realidade é espiritual; (c) que os seres humanos estão organicamente
relacionados a tudo no universo; (d) que o conhecimento vem da participação e
da experiência no universo; (e) que o relacionamento humano é a práxis de nossa
humanidade; e (f) que participação, parentesco e unidade são os modos de um
método epistemológico africano. O conceito de consubstanciação, que W. Nobles
(1986) define como significando "eu sou, porque somos", contrasta diretamente
com o axioma do filósofo francês René Descartes, "eu penso, logo existo". O ditado
atribuído a Descartes enfatiza a capacidade cognitiva do indivíduo de pensar
racionalmente sobre suas experiências, enquanto a consubstanciação se
concentra no coletivismo.
Portanto, o que emerge no paradigma africano é um conceito estendido de self
que não se baseia apenas no pensamento racional de um indivíduo, mas no
relacionamento de uma pessoa com o Criador, os ancestrais e outros seres
humanos (W. Nobles, 1986). Para que esse discurso seja impactante, a africanidade
das pessoas de ascendência africana deve ser estabelecida. A esse respeito, W.
Nobles (1997 / 2006d) estende o comentário perspicaz de Asa Hilliard de que a
questão cultural mais crítica que as pessoas de ascendência africana podem se
perguntar é se são africanas ou não W. Nobles (2000 / 2006c) reconhece a
dificuldade envolvida
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
em navegar por esse atoleiro cultural quando afirma que a questão fundamental
se concentra em "como alguém prova que um elemento, construto ou disposição
psicológica em particular foram mantidos" (p. 341). Implícitos nesta pergunta estão
questões como o modo como os africanos e outros membros da diáspora africana
tornaram-se afro-americanos após o desenraizamento cultural que ocorreu
durante a escravização. A escravidão apagou toda a memória histórica e cultural
da África de suas mentes? São ardósias culturais em branco que tiveram suas
crenças e práticas limpas? O surgimento desses tipos de perguntas entre os
intelectuais criou um discurso que produzia narrativas e contra-narrativas sobre
quem e o que deveria ser considerado africano (Harris, 1993; Walker, 2001).
Os debates sobre até que ponto as pessoas de ascendência africana na diáspora
ainda mantêm pensamentos e comportamentos influenciados por africanos têm
uma longa história dentro do pensamento intelectual africano (Holloway, 2005).
Estudos recentes expandiram o foco dos debates tradicionais, chamando a
atenção para as formas dinâmicas de agência cultural demonstradas na
construção da identidade, uma vez que os descendentes de africanos interagiam
com diferentes grupos étnicos e navegavam em novas paisagens culturais (Gilroy,
1993; Hay, 2007). Não obstante essas perspectivas críticas, W. Nobles (2000 /
2006c) escolhe concentrar seu pensamento nessa área nos debates fundamentais
e destaca a arqueologia do saber que se concentrava nos africanismos. Ele
reconhece o trabalho e contribuições importantes de estudiosos pioneiros como
Lorenzo Turner (1968), Melville Herskovits (1990) e E. Franklin Frazier (1974). A escola
de pensamento de Frazier assumiu a posição de que a escravidão destruiu a
cultura africana, enquanto as escolas de pensamento de Turner e Herskovits
argumentaram que a África sobreviveu à travessia do Atlântico e que há uma
abundância de africanismos a serem encontrados se os estudiosos soubessem
onde e como procurá-los (W.Nobles, 2000 / 2006c). Saber para onde olhar implica
conhecimento de pessoas, lugares, coisas, idéias e instituições que possam lançar
luz sobre os africanismos. Por outro lado, saber como olhar implica o
conhecimento de uma visão de mundo específica e como essa visão de mundo se
expressa sob várias condições sociais, políticas e culturais. Nobles percebe onde e
como olhar as pessoas, lugares, coisas, idéias e instituições que são africanas como
um dilema epistemológico (W. C. Banks, 1999; W. Nobles, 2000 / 2006c). Nesse
cenário, o dilema epistemológico é uma situação em que, dependendo da
orientação epistemológica do acadêmico, eles podem perceber o mesmo
fenômeno de maneira diferente. Assim, mesmo que os estudiosos saibam onde
procurar, se não souberem como procurar, ainda assim não conseguirão ver a
África.
Quando Wole Soyinka (1990) sugeriu que a África não termina onde a água
salgada começa, ele defendia a expansão não apenas das fronteiras geográficas
da África, mas também de suas fronteiras culturais e conceituais. Da mesma
forma, Nobles faz o trabalho intelectual de expandir as fronteiras culturais e os
parâmetros conceituais relativos ao que é considerado africano.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
W. Nobles (1986) define cultura como "um processo que dá ao povo um projeto
geral de vida e padrões para interpretar sua realidade" (p. 126). É neste contexto
que Nobles aborda o que significa ser africano com a diáspora diversa de pessoas
descendentes de África. Nobles formula uma discussão sobre as estruturas
superficiais e profundas da cultura (Kambon, 1998; W. Nobles, 1978). O nível
superficial da cultura contém comportamentos, valores e atitudes expressos por
pessoas de ascendência africana ao longo da diáspora. Esses comportamentos,
valores e atitudes são as manifestações da cultura no nível da superfície. No nível
superficial, eles podem ser conceituados como estando fora do que é classificado
como comportamentos africanos “tradicionais”.
Em outras palavras, eles se manifestam como comportamentos que se
apresentam exclusivamente americanos ou, pelo menos, não africanos. Portanto,
são percebidos como nulos de quaisquer antecedentes africanos que possam ter
influenciado suas manifestações particulares. Em contraste, a estrutura profunda
consiste em aspectos culturais, como ideologia, ethos e visão de mundo. A
estrutura profunda também contém construções do paradigma da cosmovisão
que incluem ontologia, cosmologia e axiologia que ilustram as declarações
culturais comuns e os fundamentos filosóficos da cosmovisão (Kambon, 1998; W.
Nobles, 1978).
Qual é o processo através do qual esses comportamentos, valores e atitudes são
transmitidos? O nível profundo da estrutura se torna aberrante ou está totalmente
perdido na confusão criada pelo choque cultural entre as visões de mundo
africanas e européias? Ele se adapta e/ou se ajusta ao novo ambiente cultural e
produz visões de mundo inteiramente novas? A explicação de Nobles é sobre a
continuidade cultural entre pessoas de ascendência africana, apesar das
tentativas históricas de assassinar espiritualmente a integridade cultural do povo
africano e fazê-lo incorporar os conceitos de substância cultural e valores culturais
de outros povos. A substância cultural dá sentido às manifestações abertas da
cultura, e os valores culturais fornecem ordem e direção à maneira pela qual esses
princípios são aplicados (W. Nobles, 1986). O dilema de saber se as pessoas de
ascendência africana na diáspora são ou não africanas é abordado aplicando a
abordagem superficial e profunda dos níveis estruturais da cultura. Isso significa
que, independentemente de como os africanismos apareçam e se apresentem
eles mesmos baseados em manifestações superficiais, a essência dos
componentes e elementos fundamentais das várias culturas da diáspora africana
é fundamentalmente africana no nível profundo da cultura. Essa mudança
paradigmática afeta o ângulo de visão e muda a lente conceitual do que é
considerado africano, de uma abordagem continental/geográfica estreita para
uma análise mais abrangente e diaspórica que inclui a amplitude e profundidade
da humanidade africana.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Desbloqueando Sakhu
Aqui, Nobles enfatiza a relação entre ciência, cultura e opressão. A conexão entre
essas três variáveis é imprescindível para entender como Nobles desbloqueia o
Sakhu.
Dois conceitos-chave emergem da discussão de Nobles sobre o relacionamento
entre ciência, cultura e opressão. Compreender o conceito de transubstanciação é
a primeira chave necessária para desbloquear o Sakhu. Transubstanciação é "um
processo em que a substância de uma cultura é transformada na substância de
outra cultura" (W. Nobles, 1978 / 2006e, p. 79). Nobles comenta sobre o conceito de
transubstanciação e o impacto que isso pode ter no pensamento Africana e na
construção de paradigmas com a seguinte declaração:
Aplicando Sakhu
O Sakhu lida com o espírito, que é a essência da existência, e define o que
significa ser humano (W. Nobles, 1986, 2006a), mas os seres humanos vivem suas
vidas cotidianas em um nível físico e lidam com questões da vida real. Como o
Sakhu é aplicado em um nível prático que afeta a qualidade de vida vivida por
pessoas de
ascendência africana? Como intelectual / curandeiro, Nobles sempre combina o
sagrado e o secular de uma maneira que demonstra que a espiritualidade não é
uma entidade abstrata e separada, mas uma dinâmica subjacente que envolve e
influencia todos os aspectos do envolvimento de estudiosos / ativistas. Nobles
aborda a construção de teorias e agendas de pesquisa culturalmente específicas
(Kambon, 2006), pioneiro na construção e articulação de uma Psicologia Africana
exclusiva das experiências africanase através de sua pesquisa sobre abordagens
culturalmente específicas para o abuso de substâncias (W. Nobles, 1984) e políticas
públicas pertinentes para famílias afro- americanas (W. Nobles & Goddard,
1987). A mistura de academia / ativismo, cultura, psicologia e espiritualidade no
trabalho da Nobles também é vista em suas atividades de desenvolvimento
profissional. Em seu papel de presidente da ABPsi, ele enfatizou que os psicólogos
pretos são "curandeiros e, como tal, devem ter uma visão e uma práxis centradas
na África" (H. Nobles, 2008, p. 146). Em um esforço para se envolver em uma
prática eficaz em relação à espiritualidade africana e à arte de curar, Nobles
iniciou um relacionamento entre a ABPsi e a Associação Nacional de Curandeiros
Tradicionais do Gana (GNATH). Em conjunto com o GNATH, foi formado um Pacto
da Associação Africana de Curandeiros que buscava “guiar compromisso mútuo
com a promoção e avanço das ciências tradicionais da cura africana ”(H. Nobles,
2008, p. 146). Através da institucionalização desse projeto de cura, Nobles opina
que “podemos estimular o Ngolo Zandiakana (potencial de autocura) ... e refinar o
melhor da ciência e das técnicas de cura africanas” (H. Nobles, 2008, pp. 146-147).
Embora Nobles tenha contribuído imensamente para o desenvolvimento da
Psicologia Africana através de sua articulação com o Sakhu, sua abordagm não foi
isenta de críticas. Mesmo dentro dos círculos de psicológos pretos, a praticidade
dos conceitos psicológicos afrocentrados já foi questionada. Por exemplo,
Fairchild (2004) identifica as seguintes limitações da Psicologia Africana: (a) o uso
de idiomas e termos africanos que criam mais confusão do que compreensão; (b)
a promoção de aspectos tradicionais / pré-coloniais da cultura africana que
podem não valer a pena reter e/ou recuperar, (c) a generalização de alguns
sistemas de crenças africanos para toda a África que produz uma compreensão
monolítica, enganosa e falsa das culturas africanas; e (d) a falha em articular as
dimensões práticas e implicações da Psicologia Africana. No entanto, Nobles
enfatiza que, para pensar profundamente sobre a cultura africana, é imperativo
que os acadêmicos afrocentrados utilizem uma linguagem africana que reflita a
orientação da cosmovisão do povo africano. Para Nobles, o uso da língua africana
é mais do que uma excursão semântica.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Conclusão
Assim, Nobles sugere que o termo psicologia talvez deva ser reconsiderado
quando aplicado a pessoas de ascendência africana. Segundo Nobles, existem
palavras em outras línguas africanas que colaboram com o conceito kemético de
Sakhu Sheti. Por exemplo, a palavra Nkindi é definida como “Especialista ou
estudioso da arte / maneira de pensar” (W. Nobles, 2013, p. 297). W. Nobles (2013)
explica que “Nkindi é um Shushukulu (uma pessoa que vê os componentes físicos
e espirituais da vida) na arte ou maneira de "fazer, construir, desenvolver, tecer,
esticar, estender, estender, expandir, criar, criar e inventar "pensamentos ou idéias"
(p. 297). W. Nobles (2013) elabora mais,
Qual o impacto que o constructo do Sakhu tem para a Psicologia Preta e para a
Psicologia Afrocentrada, em particular? Enquanto Nobles tenta revitalizar e
recuperar o lugar da Psicologia Africana como um antídoto e ferramenta de cura
das mentes e espíritos adoecidos do povo africano, as implicações de seu trabalho
têm profundas conseqüências sobre como a psicologia é conceitualizada e
praticado. O trabalho de Nobles levanta várias questões relativas ao objetivo,
escopo e direção da psicologia. Como você mede e observa o mundo espiritual? O
estudo do espírito humano é uma dimensão mais profunda da psicologia ou é
outro tipo de investigação? Na busca do Sakhu, Nobles participa do que
McDougal (2014) chama de conceitualização disruptiva. Uma conceitualização
disruptiva força uma ruptura epistemológica que desmascara algumas das
suposições fundamentais mantidas pelas disciplinas tradicionais, desestabiliza
abordagens dominantes do pensamento e transfere a humanidade das pessoas
de ascendência africana para o centro das abordagens empregadas para estudar
o mundo africano (McDougal, 2014).
A articulação de Nobles com Sakhu propõe que o estudo do espírito humano
inclua, mas não se limite, aos parâmetros conceituais e metodológicos da
psicologia tradicional. Não descarta a investigação empírica como antagônica a
uma análise de cosmovisão africana. Fazer isso seria ignorar a vasta tradição
intelectual africana de coletar e registrar informações obtidas através da
observação da realidade. Em vez disso, a abordagem de Nobles expande as
maneiras de conhecer, reconhecendo diferentes níveis de interpretação e
incentiva os psicólogos negros a desenvolver e disseminar novos conceitos e
paradigmas para a investigação de fenômenos humanos. É uma abordagem
holística e multifacetada para entender o que significa ser humano. A articulação
e a implementação diferenciadas de Nobles de vários métodos, nos dos papéis
intersticiais de estudioso, ativista, professor, psicólogo, teórico, terapeuta e
curandeiro, o posicionam como o praticante por excelência de Sakhu.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
04
ESTUDO 3
Voodoo ou Q.I.:
Uma Introdução
à Psicologia Africana
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Definição e Fundamentação
Psicologia Africana é o reconhecimento e a prática de um corpo de
conhecimentos que é fundamentalmente diferente em origem, conteúdo e
direção do que o reconhecido e praticado pelos psicólogos euro-americanos. As
diferenças entre a psicologia africana e a psicologia euro-americana refletem as
diferenças entre negros e brancos ou, em termos de cultura básica, entre africanos
e europeus.
É uma daquelas muitas anomalias da tradição científica euro-americana (ou
branca, ocidental) que, embora as diferenças entre negros e brancos sejam
reconhecidas o suficiente para justificar um estudo sistemático e a formulação de
políticas públicas únicas relativas a cada uma dessas mesmas diferenças, não são
reconhecidos o suficiente para impedir medições com instrumentos comuns e
para garantir a formulação de orientações disciplinares distintas dedicadas à sua
explicação. Essa anomalia é devida, em parte, à natureza peculiar da investigação
social e psicológica. Ao contrário das ciências físicas, as ciências do
comportamento ainda não chegaram a acordo sobre padrões uniformes pelos
quais o comportamento pode ser julgado adequadamente. Também,
diferentemente das ciências físicas, as ciências do comportamento empregam
conceitos derivados não de critérios universalmente acordados, mas da experiência
cultural peculiar dos próprios cientistas.
Essas são, é claro, questões com as quais os melhores cientistas comportamentais
euro-americanos estão bem cientes; portanto, muitas vezes ficam envergonhados
com as tentativas de alguns de seus colegas (por exemplo, Jensen) de comparar
conceitos como "inteligência" a conceitos físicos como “eletricidade” - com o
argumento de que, como ninguém sabe o que esses fenômenos “realmente são”, é
bastante apropriado adotar “definições operacionais” que sirvam a fins utilitários, se
não como “verdade”.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
O constrangimento desses cientistas mais bem treinados ainda não foi articulado
de uma forma que contrariasse efetivamente as ações tomadas, sob o nome de
ciência, por seus colegas menos bem-dotados. Parte da razão disso pode ser
atribuída ao fato de que, embora os cientistas mais bem treinados possam
encontrar sérias falhas na lógica e nos métodos de seus colegas mais conhecidos,
eles estão de acordo com alguns dos fins utilitários procurados.
É esse "acordo comum sobre fins" que, em áreas sensíveis como a inteligência
racial, permitiu que questões científicas e filosóficas legítimas fossem traduzidas
como questões relativas à "liberdade de expressão" ou "direitos civis".
Os cientistas brancos responsáveis estão, por exemplo, bastante familiarizados
com o lembrete de Thomas Kuhn de que toda revolução acarreta uma revolução
concomitante no paradigma científico. E muitos desses cientistas provavelmente
reconheceriam que agora estamos vivendo no meio de uma revolução social
caracterizada por uma mudança substancial nas relações raciais, não apenas na
América, mas em todo o mundo.
Tais mudanças nas relações sociais são invariavelmente acompanhadas por
mudanças na esfera mental ou conceitual, um ponto que Marx e Mannheim
apontaram muito antes de Kuhn apresentar a seus colegas cientistas. Tais
mudanças na esfera conceitual questionam algumas das suposições básicas sob
as quais os cientistas, como todos os outros participantes de uma determinada
cultura, operam.
Algumas mudanças, no entanto, não são facilmente absorvidas no mundo
científico. E isso é um fato que mesmo aqueles que conhecem apenas
nominalmente a história das revoluções científicas têm conhecimento.
Em deferência à probabilidade de a maioria dos leitores serem ignorantes em
relação da História das Ciências, podemos observar que, assim como a maioria
dos cientistas do século 14 achou difícil deixar de ver a Terra como o centro do
universo físico, muitos dos cientistas (comportamentais) de hoje acham difícil
deixar de ver a raça caucasiana ou a cultura européia como o centro do universo
social. É por esse motivo que a psicologia euro-americana adota, como padrão
conceitual e comportamental, as características de uma minoria (menos de 10%)
da população mundial. De fato, se a história é um juiz, seria uma ocorrência
notável se os participantes da hegemonia euro- americana reconhecessem e
aceitassem mudanças conceituais que prejudicariam suas posições privilegiadas
em relação a outros. Isso é particularmente verdadeiro para os participantes cujas
próprias ocupações estão intimamente envolvidas com a manutenção de um
universo conceitual estabelecido; ou seja, educadores, cientistas e políticos.
Esse universo conceitual já foi delimitado pelas questões de "integração versus
segregação". Esses parâmetros conceituais orientaram a maior parte do
pensamento científico e da pesquisa na área de relações raciais; além disso,
políticas públicas foram adotadas nesse quadro de referência.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Tanta coisa então, para "o por quê?" da Psicologia Africana; vamos
voltar nossa atenção para o "o quê?" tendo em mente que suas
diferenças de conteúdo são resultado de diferenças conceituais ou de paradigma.
Antes de prosseguir com esta discussão do conteúdo, devemos primeiro
reconhecer, em deferência a paradigmas alternativos, a natureza essencialmente
radical da Psicologia Africana. É radical não tanto no sentido político, mas no
sentido científico e filosófico; ou seja, é "radical" porque se dirige, em primeiro
lugar, às raíze (radicais) do pensamento humano. Pois, acreditamos, somente
quando essas raízes são expostas e examinadas criticamente é possível construir
uma base sólida para a investigação subsequente de fenômenos psicológicos
específicos.
Consistente com este conteúdo de perguntas “raiz”, a primeira questão que a
Psicologia Africana tenta entender é:
Se, então, o primeiro homem na Terra era escuro em oposição à luz, então uma
das questões substantivas de conteúdo que a Psicologia Africana deveria se
preocupar é o papel da substância produtora de cor da pele chamada melanina.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
A partir desses fatos, concluímos que existe uma correlação positiva entre a
intensidade da excitação emocional e a excreção urinária de epinefrina e
norepinefrina.
Está implícita nesta conclusão a crença de que a excitação emocional é uma
característica positiva; isso pode ser estranho para a maioria dos euro-americanos,
na medida em que a excitação emocional tende a ter uma conotação negativa na
tradição psicológica ocidental. De fato, essa diferença de atitudes é uma das
características básicas que diferenciam a psicologia africana da psicologia euro-
americana. Acreditamos, em suma, que os não-brancos são realmente "mais
emocionais" que os brancos e, além de isso ser positivo por si só, está diretamente
relacionado ao fenômeno que chamamos de "inteligência". De fato, o “mistério” da
melanina, como vemos relaciona-se diretamente ao fato de que, embora
tenhamos uma boa idéia das propriedades bioquímicas da melanina e como elas
estão relacionadas ao funcionamento do sistema nervoso, ainda não sabemos as
especificidades disso em relação à inteligência humana. No entanto, temos
nossos palpites, e estes são articulados em mais detalhes abaixo.
Tendo implícito ao longo deste artigo que a Psicologia Africana está enraizada na
natureza de uma cultura preta que é fundamentalmente africana (em oposição à
européia), argumentamos que um aspecto dominante da mentalidade preta
reflete o princípio polivalente da "Unidade do Ser". Se alguém representasse a
Psicologia Africana, seria melhor descrito como a filosofia do ritmo ou da
harmonia.
As modalidades comportamentais características do estilo de vida africano em
toda a diáspora baseiam-se em várias suposições filosóficas e em uma concepção
de realidade” que, quando analisada, reflete um senso de harmonia ou ritmo
ontológico.
Relacionado a isso, há uma orientação filosófica africana que enfatiza a noção de
interdependência. Essa noção concebe o homem e todos os outros elementos do
universo como parte de um todo unificado e integrado. A tradição filosófica
africana, por sua vez, determina duas ordens de operação fundamentais ou
crenças orientadoras. A primeira crença é que o homem faz parte do ritmo
natural da natureza ou que está com a natureza.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Conclusão
As cinco áreas de conteúdo discutidas acima não esgotam, é claro, a lista de vários
assuntos com os quais a Psicologia Africana está preocupada. Os cinco que foram
discutidos, no entanto, representam os fundamentos de nossa investigação sobre
a natureza psicológica do homem preto.
Talvez devêssemos mencionar, neste contexto, que temos poucas ilusões sobre a
dificuldade do trabalho intelectual que temos pela frente. Também não temos
ilusões a respeito da extensão que alguns irão na tentativa de impedir nosso
progresso. De fato, alguns de nós já tiveram seus empregos acadêmicos recusados
ou foram demitidos por causa de nossos esforços determinados para forjar uma
psicologia que valida a experiência do povo preto.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
ESTUDO 4
Filosofia Africana
Fundamentos da
Psicologia Preta
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Religião e Filosofia
John Mbiti define Filosofia Africana como "o entendimento, atitude mental, lógica
e percepção por trás da maneira pela qual os povos africanos pensam, agem ou
falam em diferentes situações da vida". O que é central na definição do irmão
Mbiti de "disposição espiritual", "consciência coletiva", em uma palavra, é o ethos.
Deveria ser explicitado que o ethos pode ser considerado a definição operacional
da Filosofia Africana. Mais especificamente, essa "consciência coletiva"
pode ser descrita como uma atitude vital. Ou seja, um tipo de fé em uma força
transcendental e um senso de solidariedade vital.
O exame da África pré-escravidão sugere que havia centenas de povos ou tribos
africanas, que alguns sugeriam, cada um ter seu próprio sistema filosófico. Os
acadêmicos mais sofisticados indicam que os africanos ocidentais, em geral,
compartilhavam um sistema filosófico dominante. Foi através da religião, no
entanto, que esse sistema filosófico foi expresso. Nesse sentido, religião e filosofia
são o mesmo fenômeno. Portanto, para entender a essência da existência dessas
pessoas, é preciso examinar sua religião, provérbios, tradições orais, ética e moral -
tendo em mente que, subjacente às diferenças em detalhes, existe um sistema
filosófico geral que prevaleceu na África. A religião, no entanto, é o fenômeno mais
observável e, como tal, permeia todos os aspectos da vida do africano. Foi, em um
sentido muito real, não algo para a melhoria do indivíduo, mas algo para a
comunidade da qual o indivíduo era parte integrante. Para os africanos
tradicionais, ser humano era pertencer a toda a comunidade.
Curiosamente, muitas línguas africanas não tinham uma palavra para religião
como tal, porque a religião era uma parte tão integral da existência do homem
que ela e ele eram inseparáveis. A religião acompanhava o indivíduo desde a
concepção até muito tempo após sua morte física.
Como atestam a maioria dos pesquisadores da religião africana, uma das maiores
dificuldades no estudo da religião e da Filosofia Africanas é que não existem
escrituras sagradas dessa sociedade. No entanto, essas crenças e / ou tradições
foram transmitidas de pai para filho, geração após geração. Como tal, e de acordo
com a tradição oral predominante, as crenças eram corporativas e os atos
comunais. A religião tradicional na África não foi proselitizada. O povo era sua
religião. Assim, os indivíduos não podiam "pregar" sua religião a "outros".
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Como foi observado acima, a religião era o fenômeno observável e, na maior parte,
as tribos eram aparentemente diferentes pela observação. Por exemplo, a
concepção Dogon do universo é baseada, por um lado, no princípio das vibrações
da matéria e, por outro, em um movimento geral do universo como um todo. Para
os Dogon, a proliferação da vida era dirigida por uma perpétua alternância de
opostos: direita-esquerda, alto-baixo, ímpar-par, homem-mulher - todos refletindo
seres gêmeos, imagens vivas do princípio fundamental do gêmeo na criação.
Cada um equipado com dois princípios espirituais de opostos. Cada um deles era
um par. Essa noção de unidade do homem com o universo se reflete na crença
Dogon de que "o homem é a semente do universo". Portanto, a organização do
sistema da terra é reproduzida em todos os indivíduos.
Outras tribos não deixaram de acreditar na existência e na conexão do homem
com a terra. Os Fon de Daomé acreditavam que, no começo do mundo atual,
havia os gêmeos, Mawu-Lisa-Mawy, a mulher, e Lisa, a organização do mundo. Os
Mende, também da África Ocidental, acreditavam que cada pai dava aos seus
filhos algum aspecto da constituição unificada da criança. Por exemplo, o Mende
acreditava que a parte física de um indivíduo é fornecida pelo pai através do
sêmen que ele coloca na mãe.
O espírito da criança (Ngafa) é contribuído por sua mãe. Ao contrário do Mende,
os Ashanti acreditavam que o ser humano é formado a partir do sangue (Mogya)
da mãe e do espírito (Ntoro) do pai. Ambos os povos, no entanto, acreditavam que
a separação inicial do espírito, o corpo físico e o sangue se unem como um na
criação de um novo ser humano. Nesse sentido, cada tribo tinha seu próprio
sistema religioso e, se alguém propagasse sua religião, envolveria a propagação de
toda a vida das pessoas envolvidas.
No entanto, a substância básica de cada sistema de vida tribal não era diferente.
Os africanos tradicionais não fizeram distinção entre o ato e a crença. "O que as
pessoas fazem é motivado pelo que elas acreditam, e o que elas acreditam
decorre do que elas fazem e experimentam". A ação e a crença na sociedade
tradicional da África Ocidental não foram separadas. Eles pertenciam a um único
todo. Consequentemente, as crenças tradicionais não fizeram distinção concreta
entre o espiritual e o físico. Note que os Mende perceberam os componentes
físicos e espirituais unidos como são os dedos humanos. O conceito de vida após a
morte é encontrado em todas as sociedades africanas. No entanto, a crença na
continuação da vida após a morte não representava uma esperança para o futuro
ou possivelmente para uma vida melhor. Para os africanos, uma vez mortos, não
havia o céu a ser esperado, nem o inferno a ser temido. Novamente, isso reflete a
idéia de força vital. Toda a existência de alguém era um fenômeno religioso
ontológico. O africano era um ser profundamente religioso, vivendo em um
universo religioso. Para ele, viver era envolver-se em, fazer parte de um cenário
religioso. Como observado, a religião tradicional africana era uma ontologia
religiosa. Como tal, a ontologia era caracteristicamente muito antropocêntrica -
tudo era visto em termos de sua relação com o homem.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Conceito de tempo
Para que a África Ocidental fizesse sentido, ou realizasse o tempo, ele tinha que
ser experimentado; e a maneira pela qual alguém experimentou o tempo foi em
parte através da vida do indivíduo e em parte através da vida da tribo que
remonta a muitas gerações. Dessa forma, o tempo era considerado pelos
fenômenos "em vez dos calendários numéricos, havia o que se chamaria de
calendários dos fenômenos, nos quais os eventos ou fenômenos que constituíam
o tempo eram considerados ou considerados em suas relações uns com os outros
à medida que aconteciam". Os Mandingo, por exemplo, tinha (possui) um
calendário "sazonal" distinto, que refletia a mudança das estações. Portanto, as
mudanças fenomenais do ambiente constituíram o tempo. Para a maioria dos
africanos, o tempo era significativo no momento do evento e não no momento
matemático. Assim, na vida tradicional, qualquer período de tempo era
considerado, tendo sido vivenciados seus eventos significativos.
Reconhecendo as associações e conotações que as palavras inglesas passadas,
presentes e futuras têm, o irmão Mbiti usa duas palavras suaíli (Sasa e Zamani)
para representar presente e passado. Sasa tem o senso de imediatismo,
proximidade e atualidade. É o período de preocupação imediata para as pessoas,
porque é onde ou quando elas existem. Para os africanos, é o período de
lembranças pessoais de eventos e fenômenos. O período Sasa não é
matematicamente ou numericamente constante.
Cada membro da tribo tem o seu próprio e, portanto, quanto mais velha a pessoa,
maior o seu período Sasa. Cada tribo (sociedade, nação), portanto, também tem
seu próprio período Sasa.
O período Zamani não se limita ao que os europeus chamam de passado. Ele se
sobrepõe e geralmente abrange o Sasa, tornando os dois inseparáveis.
O Sasa sente ou desaparece no Zamani. No entanto, antes que os eventos sejam
incorporados ao Zamani, eles precisam ser realizados ou atualizados dentro da
dimensão Sasa. Assim, eventos (pessoas) retrocedem da dimensão Sasa para a
dimensão Zamani. Em certo sentido, Zamani é o cemitério do tempo. Onde a
dimensão Sasa une todas as coisas criadas, tudo é abraçado dentro do Zamani.
Tudo tem seu centro de gravidade no período Zamani, com nada terminando. Os
povos da África Ocidental esperam que a história humana continue para sempre,
porque também faz parte do ritmo natural que vai de Sasa a Zamani. Os Mende
aparentemente acreditam em renascimento ou reencarnação. Às vezes, as
crianças recebem o nome de um ancestral específico, especialmente quando há
uma semelhança distinta. Esse comportamento demonstra inevitavelmente que
os Mende, como outros povos da África Ocidental, têm uma noção de que o ciclo
de vida é renovável. A vida humana faz parte do ritmo da natureza e, assim como
os dias, meses, estações e anos não têm fim, há uma continuidade definida no
ritmo do nascimento, puberdade, iniciação, casamento, procriação, velhice, morte,
entrada na comunidade dos mortos (mortos-vivos) e entrada na companhia dos
espíritos. A vida é um ritmo ontológico, e a anormalidade ou o incomum é o que
interrompe a harmonia ontológica.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Morte e Imortalidade
Em muitas tribos africanas, uma pessoa não era considerada um ser humano
completo até ter passado por todo o processo rítmico de nascimento físico,
cerimônia de nomeação, puberdade, ritos de iniciação (às vezes na forma de
renascimento cerimonial) e, finalmente, casamento e procriação. Então, e só
então, alguém nasceu completamente - uma pessoa completa. Da mesma forma,
a morte iniciou o processo rítmico sistemático através do qual a pessoa foi
gradualmente removida do período Sasa para o Zamani.
Portanto, a morte e a imortalidade têm um significado especial nas tradições da
África Ocidental. Após a morte física, desde que uma pessoa fosse lembrada e
reconhecida (por nome) por parentes e amigos que a conheciam (ou seja,
lembrassem de sua personalidade, caráter e palavras e incidentes de sua vida), ela
continuaria a existir em o período Sasa. Quando, no entanto, a última pessoa que
o conhecia também morresse, a primeira desapareceu do horizonte do período
Sasa e, com efeito, ficou completamente morta. Ele não tinha mais reivindicações
de laços familiares. Ele entrou no período Zamani; isto é, ele se tornou membro da
companhia de espíritos.
A pessoa que partiu que foi lembrada (reconhecida) pelo nome era o que o irmão
Mbiti chama de mortos-vivos. Ele foi considerado em estado de imortalidade
pessoal. Os Mende acreditavam que uma pessoa sobrevive após a morte e que sua
personalidade sobrevivente vai para a terra dos mortos. Aqueles em imortalidade
pessoal foram tratados simbolicamente como os vivos. Os Mende acreditavam
que o ciclo de um ancestral individual durou enquanto a pessoa morta fosse
lembrada em orações e sacrifícios. Por isso, eles eram respeitados, recebiam
comida e bebida na forma de libações, eram ouvidos e obedecidos.
Ser lembrado (reconhecido) e respeitado na imortalidade pessoal era importante
para o africano tradicional, fato que ajuda a entender a importância religiosa e a
importância do casamento e da procriação nas sociedades da África Ocidental. A
procriação era a maneira mais segura de garantir que alguém não fosse cortado
da imortalidade pessoal. De uma maneira multiplicativa, a poligamia reforçava o
este senso de segurança.
Inevitavelmente, como afirmado anteriormente, houve um momento em que não
havia mais descendentes vivos que pudessem reconhecer e dar respeito à pessoa
(morta-viva). Nesse ponto, o processo de morrer foi concluído. No entanto, ele não
desapareceu da existência. Ele então entrou no estado de imortalidade coletiva.
Agora, na companhia dos espíritos, ele finalmente havia entrado no período
Zamani. A partir de então, os que morreram tornaram-se espíritos sem nome, sem
comunicação pessoal ou vínculos com famílias humanas.
Em termos de ontologia, a entrada na companhia dos espíritos é o destino final
do homem. Paradoxalmente, a morte está "na frente" do indivíduo; é um evento
"futuro" das sortes. Mas, quando alguém morre, entra no estado de imortalidade
pessoal e gradualmente "volta" ao período Zamani. Deve-se enfatizar que a
ontologia africana era interminável; e essa visão do destino do homem não deve
ser interpretada como o fim. Nada acaba.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Para a Psicologia Preta - e as muitas outras áreas das ciências sociais que tentam
"enegrecer" a si mesmas para "explicar" os povos africanos contemporâneos - a
questão das provas centra-se em mais do que determinar se um elemento
cultural específico (por exemplo, um artefato) foi retido. O foco deve estar nas
ligações filosóficas-psicológicas entre africanos e afro-americanos (ou afro-
americanizados).
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
ESTUDO 5
Consciência Estilhaçada,
Identidade Fraturada:
Psicologia Preta e a
Restauração da
Psiquê Africana
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Referência da publicação:
NOBLES, W. Shattered Consciousness, Fractured Identity:
Black Psychology and the Restoration of the African
Psyche. Journal of Black Psychology, n. 39(3) p. 232-242,
2013.
Ayi Kwei Armah adverte os Africanos sobre ver a realidade apenas através da
perspectiva da academia Européia e o quanto uma narrativa alienadora nos
seduz para acreditar que uma história estreita explica tudo. Em um trabalho
recente, eu apresentei o conceito de encarceramento conceitual (Nobles, 1978)
para também alertar sobre a adoção não crítica de idéias Européias e Americanas
para examinar a realidade Africana e Afro-Americana. Jamison (2008) observou
corretamente que a colocação das concepções e fórmulas Euro-americanas
como padrão universal pode encarcerar conceitualmente o exame das coisas
Africanas. Mais especificamente, eu expliquei que no caso do “encarceramento
conceitual”, o conhecedor recebe um conjunto de conceitos e definições
predeterminados para usar no processo de conhecer. Isso equivale à hegemonia
européia. Nesse sentido, idéias alienígenas ou Eurocêntricas nos impedem de um
entendimento pleno da realidade Africana. O pensador Africano é, de fato,
conceitualmente encarcerado.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
Dawkins (1989) define “memes” como uma unidade de herança cultural que é
naturalmente selecionada em virtude de sua conseqüência fenotípica na própria
sobrevivência e replicação da cultura em particular. O meme é por si só uma
unidade de informação residente no cérebro. Eu também expliquei em outro
momento (Nobles, 2012) que “memes” são “estruturas de informação sensorial”
que são padrões de informação contagiosa que se reproduzem infectando
simbioticamente as mentes humanas e alterando seu comportamento, levando-
os a propagar certos padrões de comportamento. Funcionalmente, memes são
quaisquer padrões de informação contagiosos, na forma de símbolos, sons e / ou
movimentos, que são capturados por qualquer um dos sentidos e replicados ao
entrar simbioticamente na "mente" do ser humano e, dessa forma, alterar o
comportamento de uma pessoa em uma maneira que se auto-propaga. De
maneira simplista, portanto, um meme é uma ideia orientadora que age como
um nexo auto-replicante para a propagação e legitimidade 1 de disposições
comportamentais. O "padrão de informação contagiosa" pode ser resumido ou
referido como uma ideia orientadora. Um meme pode ser pensado como uma
unidade do discurso cultural que, ao influenciar a consciência humana, direciona
e determina significado para os agentes culturais que o carregam (Piper-Mandy
& Rowe, 2010). Eu sugeri (Nobles, 2012) que memes são "idéias que refletem a
substância do comportamento". estruturas de informação sensorial, os "memes"
precisam ser capazes de transmitir para a próxima geração seu conteúdo
principal ou o significado e a capacidade de preservar o comportamento alterado.
Quanto mais fundamental é a idéia orientadora embutida na estrutura da
informação sensorial, mais ela serve como um germe do processo e, com efeito,
funciona para influenciar o próprio processo de conhecer a si mesmo. Esses
memes fundamentais, por sua vez, servem como "nós meméticos epistêmicos",
que moldam e apóiam uma estética, um código moral e um conjunto de relações
humanas particulares.
O processo pelo qual as estruturas de informação sensorial infectam
simbioticamente a mente ou a consciência , assim como reforçam e/ou
propagam o sensorial, eu chamo de “ideação memética”. Portanto, pode-se
classificar tipos deconsciências ou mentalidades (p. ex. Mentalidade
escravizada/colonial, Consciência Negra, Franco-Anglófona, neo-colonialista, etc.)
pela natureza definidora do agrupamento memético fundamental para seu
caráter. Memes ou estruturas de informação sensorial podem ser propagados na
forma de idéias, símbolos, imagens, sentimentos, palavras, costumes, sons,
práticas, ou qualquer outro item ou outra idéia reconhecível ou perceptível.
Religião, dogma político, filosofias ou movimentos sociais, estilos estéticos ou
artísticos, tradições, costumes, e cada componente que envolva e sirva em uma
relação como um meme complexo. O complexo integrado de cultura pode ser
visto como uma "ideação memética".
1 Quanto ao ato de legitimidade, o leitor deve examinar o trabalho inovador de Syed Khatib
sobre o "Conceito de Legitimidade" na Psicologia Preta.
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
2 Maulana Karenga define Serudja Ta como “Srwd ta” um processo para “tornar seguro, consertar
(um erro), fornecer, cumprir (um contrato)”; “Restaurar, reparar, renovar”; “fazer crescer, florescer”
(Karenga, 2006, p. 397).
Minicurso Online Fundamentos de Psicologia Africana - Wade Nobles
FIM
PRÓXIMOS MINICURSOS ONLINE
FUNDAMENTOS DE PSICOLOGIA
AFRICANA
26 E 27/06 24 E 25/07
FU KIAU NA'IM AKBAR
CONTATO
sankofa.psi@gmail.com
facebook.com/SankofaPsicologia
instagram.com/SankofaPsicologia