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SILÊNCIO EM LINGUAGEM E
AÇÃO
Audre Lorde
outro efeito. Estou aqui, como uma poeta negra lésbica, e o significado de
tudo isto reside no fato de que eu ainda estou viva, e poderia não estar. Há
que eu teria que passar por uma cirurgia de mama e que havia 60 a 80 por
Mas durante estas três semanas eu fui forçada a olhar para mim mesma e
para minha vida com uma clareza áspera e urgente, que me deixou abalada,
mas muito mais forte. Esta é uma situação enfrentada por muitas mulheres,
por algumas de você aqui hoje. Algo do que experienciei durante este tempo
que eu queria e desejava para minha vida, ainda que ela fosse curta, as
significar dor ou morte. Mas todas nós sofremos de tantas formas tão
diferentes, todo o tempo, e a dor ou se transforma, ou acaba. A morte, por
outro lado, é o silêncio final. E ela poderia chegar rapidamente, agora, sem
uma fonte de poder dentro de mim que vem do conhecimento de que, mesmo
que seja mais desejável não ter medo, aprender a colocar o medo em
Eu ia morrer, se não agora, mais tarde, quer eu tivesse falado, quer não.
contrário, a cada palavra real dita, a cada tentativa que eu fiz de dizer estas
– a partir desta guerra que todas estamos lutando contra as forças da morte,
sutis ou não, conscientes ou não – de que eu não sou apenas uma baixa, sou
Quais são as palavras que você ainda não possui? O que você precisa dizer?
Quais são as tiranias que você engole diariamente e tenta tornar suas, até
que você adoeça e morra delas, ainda em silêncio? Talvez, para algumas de
vocês aqui hoje, eu seja o rosto de um de seus medos. Porque eu sou uma
mulher, porque sou Negra, porque sou lésbica, porque sou eu mesma – uma
carregado de perigo. Mas, minha filha, quando eu contei a ela sobre nosso
tema e minha dificuldade com ele, me disse: “Diga a elas sobre como você
sempre um pequeno pedaço em você que quer ser dito e, se você continuar
ignorando-o, ele fica cada vez mais louco, cada vez mais quente, e se você
não o falar, um dia ele irá simplesmente se levantar e dar um soco na sua
penso, teme a visibilidade sem a qual não podemos realmente viver. Neste
país, no qual as diferenças raciais criam uma constante e não-dita distorção
ainda temos, por esta visibilidade que também nos deixa mais vulneráveis,
chamamos américa, temos que aprender esta lição fundamental e vital: que
nunca foi esperado que sobrevivêssemos. Não como seres humanos. E isto
visibilidade que nos torna mais vulneráveis é a que também é fonte de nossa
grande força. Porque a máquina irá tentar nos pulverizar de qualquer modo,
quer falemos, quer não. Podemos sentar nos nossos cantos, mudas para
faladas por outrem. Hoje é o terceiro dia do Kwanza, e o princípio para hoje é
Ujima – trabalho e responsabilidade coletivos – a decisão de construir e
Cada uma de nós está aqui agora porque, de uma forma ou de outra, nós
a retomada desta linguagem que tem sido usada para trabalhar contra nós.
silêncio durante minha vida toda para garantir minha segurança, ainda assim
eu teria sofrido, e ainda assim eu morreria. Isto é muito bom para estabelecer
uma perspectiva.
E, onde quer que as palavras das mulheres estejam gritando para serem
quais nós, com frequência, aceitamos como sendo nossas. Por exemplo, “Eu
ela teria a me dizer?” Ou, “Ela é uma lésbica, o que meu marido diria, ou meu
diretor?”. Ou ainda, “Essa mulher escreve sobre seus filhos e eu não tenho
filhos”. E todos estes outros meios infinitos pelos quais nós nos furtamos de
nós, porque não é a diferença que nos imobiliza, mas o silêncio. E há muitos
https://transformativa.wordpress.com/2017/01/31/a-transformacao-do-silencio-
em-linguagem-e-acao-audre-lorde/