Você está na página 1de 7

A ecologia profunda do sagrado1

Erin Geesaman Rabke em conversa com Francis Weller

O psicoterapeuta Francis Weller, autor de "O Limite Selvagem da Tristeza: Rituais de


Renovação e o Trabalho Sagrado do Luto" (The Wild Edge of Sorrow: Rituals of Renewal and
the Sacred Work of Grief), está na equipe do Commonweal Cancer Help Program em Bolinas,
Califórnia. Em seu trabalho, Weller fala do que ele chama de as cinco portas da dor. A dor
é mais do que uma emoção; é também uma característica humana central. Através dos ritos
da dor, amadurecemos como seres humanos, escreve Weller. O pesar nos convida para a
profundidade e para a solenidade em nosso mundo. Com a experiência, desenvolvemos a
capacidade de metabolizar a dor em algo medicinal para nossa alma e para o anima mundi, a
alma do mundo.
Francis Weller falou com os escritores de CATALYST Erin Geesaman Rabke e Carl
Rabke antes da próxima visita de Weller a Salt Lake City para uma reunião com a
Sociedade Junguiana de Utah em novembro.
CATALYST: Francis, fale a respeito das cinco portas do luto.
Francis Weller: Quando as pessoas chegam ao meu escritório, geralmente a queixa é
depressão. Quando me sento com elas por um período de tempo, torna-se claro que o que
elas sofrem não é tanto de depressão, mas de opressão. Elas se sentem sobrecarregadas pela
dor não metabolizada de uma vida inteira. Não conseguir identificá-la como luto, como
perdas, faz com que seja difícil lamentá-las de verdade.
O luto chega à nossa porta de muitas, muitas formas. Mas culturalmente, a única que é
realmente reconhecida é a morte de alguém ou o fim de algo que amamos - um
relacionamento, uma casa, ou um animal de estimação. Nestes casos, nossa tristeza é
legitimada pelos outros.
A primeira porta é que tudo o que você ama, você vai perder. Essa é uma maneira feroz
de começar. Porém, é uma verdade profunda e inerente o fato de que não podemos segurar
nada.
Tudo o que amamos, perderemos em algum momento do caminho, seja pelo nosso
próprio falecimento ou deles.
As outras quatro portas operam discretamente. Elas não emergem ao nível de serem
honradas. Assim, somos levados a carregar em nossas mochilas, que logo se tornam U-
Hauls [reboques], este enorme legado de tristeza.
A segunda porta são aquelas partes de nós que nunca conheceram o amor. Não sei sobre
sua vida, mas em minha família, na minha educação na Igreja Católica e no sistema
educacional, me disseram muito claramente quais partes de mim não eram aceitáveis.
Minha selvageria, minha exuberância, meu erotismo, minha imaginação, minha tristeza,

1. Traduzido de: Erin Geesaman Rabke. The Deep Ecology of the Sacred. 2019.
https://catalystmagazine.net/the-deep-ecology-of-the-sacred/

1
minha raiva... Tudo isso se transformou em pedaços de mim sobre os quais me disseram
explicitamente, através de punição ou humilhação, que não eram permitidos, portanto,
tinham que ser eliminados. A psique anseia pela plenitude. Ela quer que todas as suas
capacidades se manifestem e se expressem no mundo. Portanto, sempre que perde um
fragmento, isso é uma perda. E qualquer perda é digna de luto. Mas não podemos lamentar
algo que aprendemos a desprezar. Quando estas partes surgem em outra pessoa, também as
julgamos e menosprezamos ou, às vezes, também as invejamos.
A terceira porta é a dor do mundo. Esta porta está chegando até nós com tal intensidade
e velocidade que não podemos mais evitá-la: os incêndios na Amazônia, as geleiras
desaparecendo. Há apenas um mês, realizamos um ritual para cerca de 200 baleias que
chegaram à costa, do México ao Alasca. Estas baleias estavam morrendo de fome.
Estas são as tristezas do mundo. Elas nos tocam todos os dias. Durante muito tempo,
nós as vimos como algo externo a nós mesmos. Mas agora estamos começando a sentir o
quanto nossa experiência da psique é inseparável do que está acontecendo no mundo. Há
uma ansiedade coletiva sobre o que está acontecendo com o tecido não só da sociedade e da
cultura, mas também com o tecido do ambiente. Estamos em uma situação perigosa.
Esta é a terceira porta. A partir daqui não fica mais fácil.
A quarta porta é o que esperávamos e não conseguimos. Como você pode ansiar por algo
que nunca esteve lá? Bem, sempre esteve lá. É o que esperávamos e não recebemos. É como
se estivéssemos programados para uma experiência humana completa que nossos
antepassados conheceram com o coração, através da experiência.
Eles se reuniam para compartilhar rituais de dor e gratidão. Eles cantavam juntos. Eles
dividiam as refeições juntos. Eles compartilhavam sonhos. Eles caçavam juntos. Eles
recolhiam alimentos e lenha. Eles contavam histórias à noite. Eles conheciam os mitos,
conheciam o íntimo da terra em que estavam. Foi isto que nos moldou durante milhões de
anos, e mais precisamente nos últimos 300.000 anos, quando nos tornamos Homo sapiens.
E agora, num piscar de olhos, abandonamos quase todas essas coordenadas. Por isso nos
sentimos perdidos e vazios neste mundo. Falta-nos um senso de lugar, direção e
pertencimento. Mas ainda está programado dentro de nós.
A tragédia é que acabamos por nos culpar por este sentimento de vazio. "O que fiz de
errado para me sentir tão vazio?" Bem, e se este vazio não for uma falta pessoal, mas uma
ausência na qual a cultura falhou em materializar as coisas que os humanos necessitam para
se manterem saudáveis, vivos e exuberantes?
A última porta é o que eu chamo de dor ancestral. Quanto mais eu a encaro, mais
complexa ela se torna, porque começo a entender realmente que quase nenhuma das dores
que carrego são só minhas. A maior parte da tristeza que carrego começou, como diria
Rumi, "em alguma outra taverna". Começou há muito tempo quando certas rupturas
começaram a acontecer entre minha própria linhagem, meus próprios ancestrais, quando
houve alguma ruptura na conexão com um lugar, com uma cultura, com uma língua, com
uma tradição, com a comida, com as plantas, com os mitos. Quando tudo isso começou a
ser desgastado e corroído pela separação, começamos a viver uma vida de tristeza.

2
Outro fio condutor é o que aconteceu particularmente com você e comigo. Estou falando
de nossos antepassados europeus. Quando vieram para cá, não vieram como convidados
humildes. Eles vieram para dominar. A destruição das culturas nativas e da paisagem é algo
que ainda está acontecendo, 500 anos depois, é uma ferida profunda na psique desta cultura.
A importação da escravidão é outra marca grave na alma desta cultura que falhamos em
honrar. Ainda podemos ouvi-la todas as semanas nos atos e gestos de racismo e violência
contra afrodescendentes e povos indígenas. Não abordamos isto de forma satisfatória em
nenhum grau.
Estas cinco portas da dor nos impactam todos os dias. Então mais uma vez, outro
tampão para o entorpecimento e a negação, a menos que nos seja dado um recipiente
grande o bastante para termos a coragem de enfrentá-los e realmente reconhecer a dor.
Podemos criar este recipiente? Parece haver uma lacuna em nossa conexão cultural com o
ritual, mas talvez possamos criar este recipiente para nós mesmos ou para os outros.
Acho que isso é absolutamente correto. Nós somos criaturas rituais. Olhe para as crianças,
elas geram constantemente rituais de uma ou outra espécie. Estamos programados para isso.
Não precisa ser tão grandioso quanto ir a um ritual de luto com alguém que o lidere. Pode
ser muito modesto e humilde. O que tenho notado repetidas vezes é que as pessoas anseiam
pela permissão para falar sobre isso. Temos medo de falar sobre isso porque se tornou tão
privado e qualquer coisa que se torna privada carrega consigo um certo manto de vergonha.
É também um anseio secreto, porque se você andar pela rua e olhar com cuidado, você
poderá vê-lo nos olhos de todos. E se parássemos alguém e disséssemos: "Você está bem?",
se eles pudessem realmente confiar na pergunta, eles diriam: "Não, meu coração está
partido. Estou completamente perdido. Eu não sei o que fazer. Mas obrigado por
perguntar".
Precisamos de um lugar. Pode ser muito simples e pequeno: convide alguns amigos.
Sirva boa comida e bebida. Acenda uma vela, compartilhe um poema ou uma oração. Peça
algum apoio e ajuda para enfrentar o que às vezes nos parece avassalador, denso e impossível
de carregar sozinho. Já vi isto literalmente milhares de vezes com pessoas que vieram a estas
reuniões. Há esta sensação de amplitude que começa a se abrir ao redor do coração quando
podemos começar a reconhecer plenamente a profundidade das tristezas que carregamos.
Você acha que fazer um trabalho de luto pessoal torna uma pessoa mais disponível para
enfrentar estes tempos de luto no mundo? Diga-me como é o trabalho de luto pessoal.
Bem, justamente do que você está falando, por exemplo, encontrar os lugares que ainda
não conheceram o amor.
Se você for falar com um terapeuta, isso é a maior parte do que acontece naquela sala.
Você está falando sobre os lugares que não conheceram o amor. Ou você está falando sobre
o fim de seu relacionamento ou algo assim. É um trabalho de luto. Absolutamente. Nomeá-
lo como tal ajuda a identificar que o que você está falando é sobre tristeza.
Nós tendemos a patologizar estas coisas. "O que há de errado comigo?" E se pudermos
realmente ajudar, podemos apenas dizer, sabemos que o que você está experimentando é
perda. Você sente um profundo sentimento de pesar. Costumo dizer à maioria das pessoas

3
com quem me sento que nosso trabalho é aprender a tolerar o contato com os lugares onde
vive o luto. Mas, em última análise, você precisará de um espaço de espera maior porque o
que a psique quer e o que a psique espera, para realmente aliviar a dor, é um recipiente
maior, com mais corpos, mais som, mais mãos, mais engajamento, chorando lado a lado.
Mesmo que você nunca tenha feito isso em sua vida, quando você tem essa experiência, uma
parte de sua psique diz: "Isso foi bom. Eu não estava sozinho em meu quarto chorando. Eu
estava ao lado dos meus semelhantes fazendo a mesma coisa, expressando sua própria versão
da mágoa".
Mas todos nós temos tristezas. Temos pessoas vindas [à Califórnia] da Austrália e da
Inglaterra e eu digo: "É maravilhoso que você esteja aqui". Mas sua presença, por si só, é
um sintoma das mágoas no âmago de nosso pesar. Você sabe que isto não está acontecendo
em todas as comunidades. Então, você tem que literalmente viajar 10.000 milhas para ter o
privilégio de poder chorar ao lado de outra pessoa sem se constranger.
Portanto, o luto pessoal funciona sim, faça-o, mas como um meio de desenvolver sua
coragem para entrar num espaço maior com os outros, e ser corajoso o suficiente para falar a
verdade de sua própria experiência. Depois de um tempo, você começa a reconhecer que em
realidade é uma taça comunitária, uma taça compartilhada de dor que estamos
compartilhando.
A ficção heroica de que eu posso, de alguma forma, fazer meu caminho através da vida
sozinho é bruscamente confrontada quando se tem câncer. Este diagnóstico tem uma beleza
estranha. E se formos honestos, somos confrontados por essa mesma realidade de que não,
eu não posso fazer isso sozinho. Eu preciso de outros. Preciso de companheirismo. Eu
preciso de apoio. Preciso que as pessoas acompanhem isto comigo.
Há uma parte de mim que quer destacá-la como algum tipo de graça que convida a um
resultado diferente.
Não creio que nenhum de nós saiba o que vai acontecer. O fio da esperança que carrego,
por mais fino que seja, é que a dor nos salvará; que o coração partido terá a capacidade de
nos lembrar do que é que amamos. E em vez de fechar e ficar paralisado ou passivo, ele
desperta algo que Pema Chodron chama: "a coragem ultrajante do coração bodhi"; que de
alguma forma a quebra da negação e a ilusão de respostas heroicas realmente gera uma
versão mais sincera e mais plena de coragem.
Uma resposta sincera inclui o sofrimento, a ferida e o dano. Há aquela antiga frase grega
que diz "em sua ferida está seu gênio".
Com sorte, o que é gerado é uma resposta sincera. Primeiro, de luto. E, talvez por nosso
luto, haverá gestos de afeto quando começarmos a construir algo pequeno, humilde, íntimo
e próximo do chão, que não seja tão arrogante e tão presunçoso de autoridade.
Parece-me ser um processo muito orgânico. Há essa mente impaciente e moderna que quer
chegar ao lado bom ou fazer algo, sabe? Já ouvi você dizer anteriormente que essa dor é
como o enteado que é ignorado ou desvalorizado em nossa cultura. Quero lhe perguntar
novamente sobre a importância de dar tempo para a dor e também se você confia que esses
gestos surgem da dor ou poderíamos acabar dando voltas e chorando juntos sobre como

4
tudo isso pode dar merda? Como fazemos essa transição para gestos amorosos do coração
sem contornar a descida necessária?
A ação sem afeto é, em parte, como chegamos a este problema em primeiro lugar. Wendell
Berry diz que tudo isso se baseia no afeto. O que nós amamos? Se realmente escutamos o
que é a dor, ela está quase sempre emaranhada com o que amamos.
Outra coisa que eu queria acrescentar antes que eu esqueça é não reduzir o luto às
lágrimas. O luto também é um ultraje. É um protesto. É uma recusa direta de permitir que
as coisas continuem como estão.
James Hillman, um dos meus melhores e mais queridos professores, disse: "O sinal mais
seguro de uma alma desperta é que ela está indignada". Quando fazemos o trabalho de luto,
abrimos muito espaço durante o fim de semana para esse ultraje - para urrar e para outros
sons que vêm das vísceras. Há um clamor em nós e eu posso senti-lo querendo fazer algo,
mas primeiro tenho que reconhecê-lo. Tenho que senti-lo primeiro. Tenho que ficar de
joelhos e gritar.
E algo acontece. Mesmo na invocação da oração que fazemos antes de iniciar o ritual,
que não é de memória, mas ditada de momento, digo muitas vezes que estamos fazendo
isso não apenas por nós mesmos, mas para que nossos corações possam se abrir mais, para
que possamos amar este mundo mais plenamente, para que possamos nos comprometer
mais plenamente com a reparação, a restauração, a cura de nossos rios; para que possamos
trazer de volta o salmão; para que possamos fazer um pequeno gesto que ajude a trazer a
vida de volta ao anima mundi, à alma do mundo.
Nossa dor é uma porta de entrada para um afeto mais profundo e um compromisso mais
forte de estar presente. É também, paradoxalmente, a porta de entrada para uma alegria
muito maior! O coração que é oprimido pela tristeza inquebrantável não é um coração
muito feliz. É um coração taciturno, um coração cansado. Mas tenho visto tanta alegria
emergir nos últimos momentos do ritual de luto. Uma alegria, que é inconfundível, entra na
sala. Não é uma alegria simulada. É verdadeiramente sincera. É o tipo de alegria: "Oh meu
Deus, estou vivo!
O luto não é apenas uma emoção, mas uma faculdade humana. Precisamos ser
habilidosos para que possamos mantê-lo em movimento e continuar metabolizando-o em
algum tipo de medicina que possamos levar à comunidade.
O luto tem a capacidade de remodelar você. Em um treinamento prolongado - digamos
que seu treinamento é como carpinteiro - você estaria varrendo as aparas para o canto
durante o primeiro ano ou no segundo, depois você poderia cortar uma tábua para seu
professor, seu mestre. Mas, eventualmente, você passaria por todo o processo e, no final,
seria declarado um mestre carpinteiro. No trabalho da alma, a longa linhagem de
aprendizagem com tristeza não leva à maestria. Leva à maturidade. Um ancião é alguém
que digeriu os remédios amargos da vida e os metabolizou em algo curativo para a
comunidade. Esta é outra tristeza que temos neste momento: há tão poucas pessoas que
realmente digeriram suas mágoas e transmutaram em algo significativo e que possa
realmente responder à perplexidade nos olhos dos jovens.

5
Francis, conte-nos mais sobre a quinta porta do luto ancestral. Para aqueles de nós criados
em uma cultura que não presta muita atenção a qualquer tipo de relacionamento vivo com
os ancestrais, você pode oferecer algumas maneiras de trabalhar com os ancestrais?
Vivemos em uma cultura que idealiza perpetuamente o progresso. Estamos sempre
avançando. No entanto, no processo, muitas vezes abandonamos a história. Em certo
sentido, abandonamos os mortos. Mas os mortos ainda estão conosco. Grande parte da
tristeza em nosso corpo é herdada. Há este novo termo: "transmissão transgeracional do
trauma".
Nós somos os atuais curandeiros da tristeza. Ela não necessariamente começou com a
minha vida, começou há gerações. Ela poderia ter começado como resultado de uma
conexão quebrada com um país de origem. Talvez nossos ancestrais tenham começado a
beber, talvez o alcoolismo tenha se tornado uma forma de lidar com isso. A ferida desse
alcoolismo não parou na vida dessa pessoa. Isso afetou seus filhos e talvez eles se tornaram
alcoólatras ou aprenderam a lidar com o alcoolismo, basicamente abandonando suas
próprias vidas. E isso é transmitido de geração em geração.
Então, por que é útil falar sobre os antepassados? Bem, em parte porque queremos
compreender a profundidade e amplitude do que nos pedem para enfrentar e lidar.
Há também outra parte. Precisamos da ajuda deles. Eles precisam de nossa ajuda. Nas
antigas ecologias, entendia-se muito claramente que os mortos não desaparecem. Eles
continuam vivendo em nossos sonhos e em nossos corpos, em nossos humores e
sentimentos, nos lugares onde temos dificuldades. Pedir-lhes para participar de nossos
rituais faz parte do restabelecimento dessa profunda ecologia do sagrado.
Somos uma das poucas culturas que têm uma relação quase inexistente com os mortos.
Mas se tornou uma parte vital do meu trabalho pessoal e uma parte significativa do trabalho
que fazemos em torno do luto. Faz parte do conserto. Também sinto que a cura que sai do
trabalho de luto vai em todas as direções. Sabe, não é apenas "me sinto melhor"; parece que
de alguma forma conserta as mágoas e as perdas que não foram tratadas, inclusive as
mortes. Como diria Martin Prechtel, há tantos ancestrais não lamentados que lotam as ruas
e será que podemos finalmente ajudá-los a chegar a um lugar tranquilo? Assim, eles podem
tornar-se mais presentes como ancestrais benéficos.
Nos últimos minutos do nosso tempo juntos, quero voltar ao que você disse sobre um
coração que reprime as tristezas ininterruptas de uma vida também não é muito alegre. E a
alegria? É bom sentir alegria ou é nossa obrigação? Faz parte de um oferecimento? Ser
realmente alegre é uma falsidade caricata perante o que está acontecendo no mundo?
Não. Eu não diria que é uma obrigação. Acho que é um resultado, um resultado
inevitável de se viver plenamente neste momento. A intenção de trabalhar o luto é nos
atualizar. Gosto desta palavra "corrente" de várias maneiras: "corrente" no sentido de
"vigente, momento presente". A maior parte de nossas vidas são realmente gastas
mastigando ossos velhos, velhas mágoas, velhas dores, velhas feridas. Raramente damos a
volta e entramos em nossa vida atual. Outra parte dessa palavra é entrar na corrente, a
eletricidade, a vitalidade da vida; entrar na corrente como um rio, o fluxo da vida. Portanto,
essa palavra é muito rica em sua sintaxe e em seus muitos significados. Quando nós

6
realmente honramos nossa dor, é inevitável sentir alegria. Lembro-me de dizer a uma
mulher africana em Burkina Faso: "Você tem tanta alegria". E a sua resposta foi: "Isso é
porque eu choro muito".
A alegria é uma consequência da plena aceitação de nossa natureza humana e de não
esquecer a beleza exuberante que ainda nos rodeia e os gestos doces que vêm de nossos
filhos e nossos amigos, os atos de bondade de estranhos. Há muitos motivos para ficar
triste. Entretanto, há também um número correspondente de coisas pelas quais devemos ser
extremamente gratos. Transformar esses momentos em momentos de alegria faz parte do
que, por sua vez, nos inspira a amar esse mundo de uma forma muito mais completa. Por
que guardar qualquer coisa para o final?

Você também pode gostar