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Supremacia branca = A mãe da crise climática1

Eu sou uma cientista do clima. Eu sei que, no nível da física, as emissões de dióxido de
carbono e outros gases que retêm o calor causaram nossa atual crise climática.
(Respire. Essa parte foi fácil.)
Eu também sou budista. As tradições indígenas e orientais, incluindo o Budismo, fazem
questão de ressaltar que, em nível espiritual, não somos apenas interconectados ou
interdependentes, somos "Interser", uma palavra cunhada pelo professor budista Thich
Nhat Hanh para descrever: "Você sou eu e eu sou você". Quando se está neste estado de
consciência de "Interser", não se pode prejudicar outro ser ou poluir as águas e os solos. Não
há "outro" - há apenas "Um corpo". Então, do ponto de vista espiritual, nosso sentido
delirante de separação entre nós, outras espécies e a "natureza" é a causa raiz da crise
climática.
(Você é linda. Obrigada por ler isso. Respire fundo novamente.)
O ponto que quero destacar aqui é que, em nível cultural, a supremacia branca é a mãe
da crise climática. Em última análise, algumas pessoas podem não se sentir confortáveis
com essa analogia; eles poderiam argumentar que a fonte da crise ecológica é a oligarquia
que lucra ao nos dividir com base em raça, casta e religião de uma forma desumanizante e
que a supremacia branca é apenas um motor que está alimentando a crise climática.
Independentemente de analogias ou metáforas, os brancos devem enfrentar o racismo em
todos os níveis.
(Como seu corpo se sente agora? Essa mentalidade é nova para você? É simplesmente pesada?
Respirações profundas farão você se sentir um pouco melhor.)
Não, a supremacia branca não é sobre pessoas brancas individuais e suas intenções,
palavras, epítetos ou ações racistas individuais. Não se trata de amantes de armas que
claramente não gostam do BIPOC [Pretos, Indígenas e Pessoas de Cor] e parecem não
hesitar em prejudicar o BIPOC. A supremacia branca é mais sobre nosso sistema político,
cultural e econômico geral que afeta a capacidade das pessoas de cor de acessar alimentos
nutritivos, saúde, aluguel/moradia longe da poluição, empregos, assim como o tratamento
dado pela polícia. A supremacia branca é o domínio da cultura branca. O colonialismo
europeu, ou a conquista de outros continentes e culturas indígenas, foi resultado direto da
supremacia branca. A supremacia branca é necessária para justificar tanto as guerras quanto
a violência ociosa sofrida por pessoas de cor e os ecossistemas com os quais viveram em
harmonia.

1. Traduzido de: Kritee Kanko, White Supremacy = Mother of Climate Crisis, 2020.
http://boundlessinmotion.org/white-supremacy-mother-of-climate-crisis/

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(De que cor são as paredes do seu quarto? Você pode nomear e tomar outro fôlego?
Independentemente da sua identidade, eu me importo com você. Nosso futuro está ligado um ao
outro)
Aqui está o cerne do meu argumento: a supremacia branca (às vezes chamada de
supremacia europeia) prejudicou sistematicamente as culturas negras, indígenas e outras
pessoas de cor (BIPOC) – as mesmas culturas que souberam honrar a verdade do “interser”
em sua vida diária e viver em harmonia com a terra e todos os seres em um ecossistema.
Quando os humanos esquecem como honrar a interdependência e o interser, eles
sucumbem ao hiper individualismo insustentável e traumatizante (ou seja, eu só preciso
cuidar de mim mesmo).
O uso da palavra 'mãe' pode parecer duro para alguns, mas talvez seja esse o meu ponto:
a supremacia branca vem arrulhando, embalando, alimentando, nutrindo, cuidando e
defendendo meticulosamente a destruição ecológica por meio do dano sistêmico que ela
trouxe a maioria global (BIPOC).
Outra maneira de dizer isso é que a ganância desregulada das corporações multinacionais
de petróleo e gás, muitas vezes apontada como uma das razões da emergência climática, está
enraizada e é o resultado de séculos de minimização, ridicularização e guerras trazidas às
culturas BIPOC. O atual sistema econômico foi facilitado pela supremacia branca. Este
sistema econômico desequilibrado que ignora o bem-estar dos humanos, dos animais não
humanos e do mundo natural em favor de um maior crescimento econômico (PIB e todos
os indicadores do capitalismo neoliberal, etc.) está enraizado no deslocamento e obliteração
de culturas brancas. A exigência de que todo o ser humano trabalhe de forma contínua e
infinita como uma máquina com anonimato impessoal (oposto de conexão calorosa) para
produzir mais valor para a economia com salários ou ajuda não humanizados também é
resultado da supremacia branca.
A mentalidade de dominação que escravizou, ridicularizou, minimizou, silenciou ou
tornou invisíveis os corpos e/ou mentes do BIPOC é necessária para derrubar árvores, tratar
animais, destruir ou poluir ecossistemas, extinguir insetos, pássaros e outros animais
selvagens e causar crise climática.
(Se você ainda estiver lendo isso, lembre-se de continuar respirando fundo, especialmente
exalações longas.)
Você pode se perguntar qual é o papel da China e de outros países em desenvolvimento
habitados por pessoas de cor na contribuição para a emergência climática? Sim, a China
tem mais emissões anuais de gases de efeito estufa do que os EUA e a Europa hoje. No
entanto, tanto as emissões por pessoa quanto as emissões acumuladas ao longo do último
século dos países em desenvolvimento são minúsculas em comparação com as emissões
acumuladas dos EUA e da Europa (veja os dados nesta palestra sobre mitos climáticos).
Também é importante lembrar que os brancos não sofrem exclusivamente com a
supremacia branca. Indivíduos e culturas BIPOC estão se tornando cada vez mais hiper
individualistas devido à vergonha e ao trauma do racismo internalizado. Precisamos curar e
libertar mentes brancas e BIPOC dos impactos do colonialismo.

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(A supremacia branca machuca a todos nós, independentemente da cor da nossa pele. Sim, você e
eu. Pode matar pessoas de cor, mas mata corações/almas brancos)
Negros, indígenas e outras pessoas de cor ao redor do mundo estão na vanguarda de
nossa crise ecológica, mesmo quando se alinham com a supremacia branca: eles vivem perto
dos lugares mais poluídos deste país e muitas vezes combatem eles mesmos a tirania sem a
ajuda do mundo privilegiado. Eles sofrem mais com a crise climática e ambiental quando
coletivamente contribuem menos para a poluição. Eles também têm ensinamentos antigos
que devemos usar para lidar com nossa dor, caos e trauma coletivos. Essas comunidades
BIPOC da linha de frente pediram a devolução de terras e dinheiro como reparação pela
cura do trauma racial e dos impactos do colonialismo. Esta questão não é "política de
identidade". Compreender e honrar este pedido não pode acontecer se ambientalistas
brancos envolvidos no movimento climático acharem que se envolver em racismo é “uma
questão de escolha”. Falar sobre a cura racial de traumas passados é sistematicamente
necessário se quisermos curar as feridas históricas e atuais entre BIPOCs e brancos e
construir o poder que o movimento ambientalista precisa.
(Quando foi a última vez que você bebeu água e esticou seu corpo? Por favor, vamos respirar
fundo novamente.)
Quando algumas organizações do movimento climático dizem que seu foco é mitigar a
crise climática e que alguma outra entidade deveria estar trabalhando em questões de justiça
racial, elas apagam a verdade das pessoas de cor neste país e da maioria global em todo o
mundo. É racista dizer: "A raça nos divide, então vamos nos concentrar no que nos une".
Temos que projetar nosso movimento de tal forma que possamos resolver simultaneamente
a justiça racial e a crise climática. Não acreditamos que qualquer movimento climático possa
ter uma abordagem de "foco único". Um cardiologista, especialista em coração, é treinado
nos fundamentos da medicina por anos antes de poder realizar uma cirurgia em um coração
humano. Todo médico precisa estudar a complexidade do corpo humano antes de se tornar
um especialista no tratamento de um órgão. Assim como você não faz uma cirurgia cardíaca
sem entender como o sangue flui em suas artérias e veias, você não pode trabalhar na
emergência climática sem reconhecer e confrontar o racismo e a supremacia branca.
(Quase lá. Eu gosto de cantar para mim mesma para acalmar meus nervos. Ou respirar fundo.
De novo e de novo.)
Um movimento climático global sábio, compassivo e saudável se sintonizará com as
preocupações das comunidades BIPOC da linha de frente e abordará a supremacia branca
dentro do movimento. Você não pode lidar com a emergência climática sem enfrentar o
racismo de frente. Se a supremacia branca for ignorada, um motor fundamental da
emergência climática será ignorado. Se você esquecer o colonialismo, esquecerá o que nos
trouxe a este ponto da sexta extinção em massa em andamento. Caso isso não seja óbvio,
todos os sistemas de opressão (incluindo o patriarcado e a supremacia humana ou o
especismo) muitas vezes se manifestam juntos, reforçam-se mutuamente e precisam ser
abordados simultaneamente.
Quero terminar enfatizando que é essencial para a cura racial e ecológica “compostar”
traumas, tanto para BIPOCs quanto para brancos, além de estar inserido em uma

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comunidade saudável, usando o que chamo de “poder de pertencimento” para estabelecer os
três pilares da sanidade. Também precisamos prestar contas às pessoas dentro e fora do
nosso círculo de entes queridos. Nossa situação climática é uma emergência, mas não pode
ser resolvida com uma mentalidade apressada. Temos que ser determinados, mas não
apressados. A busca pela hipereficiência foi o que nos levou ao estado traumatizado em que
nos encontramos hoje. Como diz o Dr. Kyle Powys Whyte: “Quando se trata de uma
população não nativa tentando salvar o mundo de hoje... com urgência, eles não
reconhecem que há um problema com o mundo que estão tentando salvar. Na verdade, eles
estão tentando salvar... distopia."
A coisa mais importante que podemos fazer para enfrentar a emergência climática é
enfrentar bravamente a supremacia branca dentro e ao nosso redor; será um processo longo
e complicado, mas nada menos do que isso vai funcionar.
Compreendi profundamente a relação da supremacia branca com a crise climática através de
muitos pensadores/autores indígenas e negros, incluindo, mas não limitados a Robin Wall
Kimmerer, Kyle Powys Whyte, Rev. Lynice Pinkard, Mary Heglar, Asia Dorsey, Adam Elliott-
Cooper e Anthony Rogers-Wright. Recentemente também fui profundamente influenciada pelo
trabalho de Ian Haney Lopez.
Aqui está uma lista de leitura sobre como a crise climática e o racismo estão em “simbiose
sinistra”, uma frase que ouvi pela primeira vez em uma palestra de Anthony Rogers-Wright.

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