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ARTIGOS
Os povos que mais tinham medo da morte, talvez porque pouco crentes numa
vida futura, como eram os egípcios e os etruscos, sempre se destacaram pela
sua belicosidade e pelo seu espírito guerreiro, que era a sua maneira de
procurar voluntariamente a sua morte. Eles uniam à prática a honra do
suicídio voluntário, pela luta e pela guerra. É o caso dos assírios e dos
romanos que, mesmo com seus freqüentes esconjuros em relação à morte,
não dispensavam uma bela batalha; ou ainda os suicídios dos japoneses
kamikases, para os quais a honra máxima era o suicídio em nome da sua
etnia e de seu país.
Até a prática do terrorismo suicida dos homens bomba se alimenta de uma
dinâmica na qual a angústia da auto eliminação é uma escolha baseada no
sentimento de fazer parte integrante de um todo coletivo e onipotente. Os
modernos psiquiatras, tendo estatísticas à mão, parecem se espantar com o
contínuo crescimento de uma patologia psíquica que definem como “síndrome
do pânico”. Esta síndrome se caracteriza por um terrível medo incontido,
psíquico e somático: tremores, suores, aceleração da pulsação, e, sobretudo
uma grande angústia pela morte eminente. Eles sentem todos estes sintomas
quando estão sozinhos e sem um porto seguro a que se apeguem: por
exemplo, a possibilidade de ligar para uma pessoa querida que, além ser um
refúgio psicológico, poderá aplacar a crise de imediato.
Tais considerações, de tão ilustres colegas, que nos parecem tão sábias
quanto racionais, mostram o propósito de não ferir, de nenhum modo, a
dignidade da pessoa humana, seu único e verdadeiro valor, um direito natural
e que deve orientar todo o pensamento médico. A eutanásia apareceu e se
transformou, a partir de um simples caso, em um problema coletivo e social,
em paralelo com o aumento numérico do fenômeno. Além disso, também
apareceram novas formas de eutanásia, que vão dos casos “clássicos”,
aplicados aos pacientes terminais e às vítimas de atrocidades dolorosas, até à
moderna eutanásia, relacionada a crianças nascidas disformes e a anciãos,
sem considerar também os casos de eutanásia pré-natal e os ligados ao
crescimento demográfico em certos países. Os argumentos para a aplicação
da eutanásia são variados e contraditórios, e levam os médicos a passar da
sua condenação à mera tolerância, da aceitação à sua promoção, e, no que
respeita à sua motivação, se passa da piedade humanitária à “vida sem valor”,
do estorvo social de alguns pacientes terminais ao slogan radical e libertário
que assim se expressa: “a vida é minha e eu posso fazer dela o que quiser”.
Deste modo nos vemos face a uma situação na qual a eutanásia parece
navegar com todas as velas desfraldadas, devido a uma atitude cultural, típica
dos nossos tempos, que prefere, pelo menos na aparência, a morte à vida. O
conceito de morte é, assim, de importância fundamental: na Idade Média, o
ato extremo de pôr fim à vida era reconhecido, quando a pessoa tinha sérios
problemas de consciência, e a passagem para a vida eterna era um direito
basilar no Corpus dos deveres humanos. Deste modo, o morto se reconciliava
com Deus e a sua morte era um acontecimento social que envolvia toda a
comunidade, religiosa e não religiosa.