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EM TANATOLOGIA
Brasília – DF
2018
LUÍS FERNANDO BERTOL
Brasília – DF
2018
A DESSACRALIZAÇÃO E A INDIFERENÇA DIANTE DA MORTE: Reflexos da
Contemporaneidade na visão da morte e do morrer na sociedade Brasileira1
2
Luís Fernando Bertol
Aline Freire Bezerra Vilela 3
RESUMO
A morte é considerada um tabu dos tempos atuais, algo a ser mascarado, escondido. Partindo
da história da morte na sociedade e cultura brasileira desde o período colonial, demonstra-se
as várias formas sob as quais ela foi vista até o presente contexto dos hospitais, funerárias e
igrejas, desmistificando seu sentido e introduzindo a relação comercial entre os atores do
processo. Como resultado observável constatam-se patologias que demandam soluções
terapêuticas na tentativa de resgate da humanização das relações e da compreensão do
processo do morrer com naturalidade para os moribundos, bem como da evolução das crenças
no post mortem como lenitivo das dores e frustrações enfrentadas pelos sobreviventes.
ABSTRACT
Death is considered a taboo in present time, something to be masked, hidden. Starting from
the history of death in Brazilian society and culture from the colonial period, the various
forms under which it has been seen up to the present context of hospitals, funeral homes and
churches are demonstrated, demystifying their meaning and introducing the commercial
relationship between the actors of the process. As an visible result, there are pathologies that
demand therapeutic solutions in an attempt to rescue the humanization of relationships and the
understanding of the process of dying naturally for the dying, as well as the evolution of post-
mortem beliefs as a mitigation of the pains and frustrations faced by the survivors.
Demonstrar que o processo de cura das perdas relacionadas à morte está diretamente ligado à
maneira como se trata esta realidade.
1.4 Justificativa
A sociedade brasileira tomada pela ânsia da prosperidade e do conforto que a vida pode
proporcionar a partir de uma situação econômica mais favorável, tem transformado
paulatinamente seus paradigmas éticos e religiosos, tem preterido seus valores morais e
inferiorizado a importância do momento da morte como realidade última do ser humano em
sua vida terrena, inclusive rejeitando abertamente a vida espiritual como parte da existência
humana.
Em decorrência disso, o tratamento com os mortos tem assumido caráter cada vez mais
superficial, primando pela estética do tratamento dos corpos preparados pelas técnicas de
tanatopraxia, as quais evoluíram significativamente nos últimos anos, porém, mitigação
radical de elementos que permitam aos enlutados lidar naturalmente com os impactos de sua
perda, o que vem trazendo sequelas emocionais que desembocam em transtornos variados,
somatizados em enfermidades diversas.
É fundamental que os envolvidos no processo, desde o corpo médico e família, passando
pelos profissionais de funerárias e cemitérios e, também, os religiosos das mais diversas
correntes, possam compreender a naturalidade da morte como parte da vida, sem desprezar a
dor de cada pessoa enlutada, mas agindo no sentido de proporcionar soluções aos complexos
de culpa e outros sofrimentos advindos da incompreensão e não aceitação da realidade da
morte do ente querido.
1.5 Metodologia
Para trabalhar o tema proposto serão combinadas pesquisa de campo a partir dos dados
coletados por questionários, conjuntamente a consulta de referência bibliográfica
especializada relativa ao assunto a ser analisado.
No tocante ao instrumental a ser utilizado nessa abordagem, serão feitas entrevistas com os
diversos atores do processo, desde os profissionais de saúde, passando por empresas
funerárias e religiosos e chegando aos enlutados, no sentido de compreender como tratam a
fenomenologia da morte no seu dia a dia.
Do ponto de vista de método, a pesquisa proposta seguirá a análise indutiva, que conforme
ROMÃO (2004) propõe não haverá preocupação em buscar evidências que comprovem
hipóteses definidas antes do início dos estudos, sendo que as abstrações se formam a partir da
inspeção dos dados do processo. A inexistência de hipóteses ou questões específicas
formuladas a princípio não implica na ausência de um quadro teórico que oriente a coleta e a
análise dos dados.
Segundo Ott (1966, p.648), a questão das indulgências e sufrágios pelos mortos foi muito
recorrente a partir da Idade Média. Ele define a indulgência como sendo a remissão
extrassacramental, válida perante Deus, das penas temporais restantes devidas pelos pecados (já
perdoados enquanto à culpa) e que a autoridade eclesiástica, dispondo do tesouro satisfatório da
Igreja, concede para os vivos sob a forma de absolvição e para os mortos sob a forma de sufrágio:
A preocupação com a pessoa toda, através do cuidado do corpo de uma pessoa falecida,
na prática da Igreja antiga, foi, neste sentido, cedendo espaço para o cuidado da alma,
principalmente. Tudo que se fazia com o corpo tinha o objetivo de livrar a alma do terror do
inferno. Entre os monges dos conventos da Idade Média, tornou-se praxe rezar missas pelos
mortos. Seguindo costumes religiosos antigos, essas missas eram realizadas no 3º, 7º e 30º dias
após o falecimento e no aniversário do dia da morte.
A liturgia dos defuntos foi refinada na Idade Média, ganhando cerimônias bem
específicas como o Ofício de Defuntos, a Absolvição e a memória dos defuntos. Esta
prática influenciou culturalmente o Brasil Colônia e Império. Isso denota a elaboração da
ritualística católica para o fato mais importante segundo a sua própria doutrina, ou seja, o
reencontro com Deus na glória e o destino eterno da alma. Nesse sentido, muito bem
afirma Coelho (1941, p.624):
Esses fatos demonstram que a morte fazia ainda parte do cotidiano das
pessoas, já que vivos e mortos dividiam o mesmo espaço. Aos poucos, todavia, os
cemitérios foram empurrados para as periferias das cidades, ocupando um espaço longe
dos olhos e consequentemente do cotidiano e da realidade. Assim, a morte é negada e
banida do discurso contemporâneo.
Os enlutados já não demonstram mais sua tristeza e recolhimento por meio das
vestimentas pretas, comportamento que é reprimido por uma sociedade contemporânea em
que não se pode demonstrar tristeza. Conforme afirma Áries (2003, p.87), “uma dor
demasiado visível não inspira pena, mas sim repugnância; é um sinal de perturbação
mental ou má educação, é mórbido”.
Os enterros cada vez mais estão sendo substituídos pela cremação. Áries
(2003, p.256) afirma que é certo que, no Oriente, a cremação faz parte dos ritos de morte,
porém, no Ocidente, essa é uma prática recente que exclui o culto aos cemitérios e a
peregrinação aos túmulos, apesar dos crematórios oferecerem um espaço para as famílias
venerarem seus mortos, tal como os cemitérios tradicionais. Poucos aproveitam essa
oportunidade, o que faz pensar que alguns vêem a cremação com um meio seguro de
livrar-se do culto aos mortos.
Por fim Hennezel & Leloup (2002, p.40) questiona o que pensar dos velórios
virtuais, onde parentes, que se encontram em locais distantes, podem agora assistir e até
participar, mandando mensagens via internet? O velório solitário, pois você não mais se
reúne para compartilhar e ser solidário. A sociedade ocidental de hoje desapropriou o
lugar da morte, não só no espaço concreto, mas também no espaço psicológico. Hoje se
morre sozinho, sem as mãos que seguravam as do moribundo dando-lhe coragem para
enfrentar o momento mais difícil para o ser humano, que é o momento do morrer. Aqueles
que ficam já não têm mais espaço para expressar o sofrimento, fazendo com que o temor
da morte e do morrer seja cada vez maior.
É significativo o papel que assume a educação para a morte como forma de evitar
as patologias inerentes ao processo. Este trabalho educativo perpassa vários segmentos nos
ambientes de saúde (hospitais, clínicas e casas de recuperação) e também em ambientes
funerários, religiosos e de educação, nos quais o tema deve ser tratado com a devida
relevância que a tanatologia deve ter diante da relativização dos procedimentos e
mercantilização, o que parece ter influenciado na desumanização do tratamento relativo à dor
e ao luto da perda. Segundo Werlang et al (2012) o profissional que trabalha com tanatologia
(médico, psicólogo, assistente social, enfermeiro, entre outros) é um especialista em doentes
terminais, o qual deve curar a dor do processo de morrer do doente, da família, dos membros
da equipe de saúde, processo este que não termina com a morte do paciente, mas que se
estende até que o familiar tenha concluído seu trabalho de luto.
A morte costumeiramente tem sido vista com angústia por grande parte das
pessoas, porque traz em si a dor da separação, o receio do sofrimento, bem como a incerteza
da realidade pós vida, esta última carregada de toda a informação provinda das tradições
religiosas experienciadas pelos indivíduos. Por vezes constatam-se manifestações de sonhos e
visões no período de luto do indivíduo. Não se tratam de situações sobrenaturais, mas de
reações do inconsciente diante do impacto da perda.
De acordo com JUNG (p.50, 2005), os sonhos têm uma correlação forte com a
realidade e envolvem um mergulho profundo na identidade do ser:
Os sonhos algumas vezes podem revelar certas situações muito antes de elas
realmente acontecerem. Não é necessariamente um milagre ou uma forma de
previsão. Muitas crises da nossa vida têm uma longa história inconsciente.
Caminhamos ao seu encontro passo a passo, desapercebidos dos perigos que se
acumulam. Mas aquilo que conscientemente deixamos de ver é, quase sempre,
captado pelo nosso inconsciente, que pode transmitir a informação através dos
sonhos.
Acredita-se que, por ela ser breve, estruturada, focal, tende a ter uma importante
contribuição para o alívio dos sintomas gerados pela perda repentina. De acordo com os
teóricos embasadores da TCC, os comportamentos são regidos pelos pensamentos, que na
maioria das vezes apresentam-se disfuncionais, desadaptativos, causam sofrimento aos
indivíduos, inabilitando e incapacitando na reorganização de suas vidas, em grau maior se
influenciados por um evento estressor que é a perda repentina de um ente querido. Portanto,
podem ser utilizados alguns instrumentos como estratégias e técnicas psicoterapêuticas que
colaboram para o alívio de sintomas e a melhora do paciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A morte deve ser vista naturalmente, sem neuras, preconceitos e, sobretudo, sob a
perspectiva da solidariedade manifestada tanto nos conceitos religiosos da Esperança, quanto
nos cuidados paliativos como os doentes terminais e no auxílio psíquico aos enlutados.
Além disso, percebe-se que o processo de cura das perdas relacionadas à morte
está diretamente ligado à maneira como se trata esta realidade, ou seja, os vários fatores
envolvidos (psicológicos, sociais, religiosos) permitem que o indivíduo possa seguir adiante,
digerindo estas informações absorvidas durante este processo impactante em sua existência e
se tornando uma pessoa melhor para si mesmo e para a sociedade.
Diante de tudo que foi exposto, pode-se averiguar que os conceitos da sociedade
contemporânea desmistificam a relação do homem com a morte na medida em que a tornam
mais um apêndice comercial, em que o ser humano em sua humanidade é esquecido em
detrimento de regramentos médicos e de direitos e obrigações financeiras. O resgate da pessoa
humana deve ser visado pelo profissional que trabalha com a tanatologia tanto aos pacientes
terminais, quanto às famílias enlutadas, a fim de que prevaleçam sentimentos que levem à
restauração de todos e sua “ressurreição” diante do poder destrutivo que a morte possui.
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