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with the consequent banalisation of life has led to the downplaying and
lack of control of the pandemic in Brazil. This study utilized a method
of social analysis, in dialogue with authors dealing with the topics of
social denial and the banalisation of death. It reaches the conclusion
that Western culture denies death to avoid confronting it or thinking
about it as a personal event. Its trivialisation reveals contempt for life.
Keywords: Life; Death; Social denial of death; Trivialisation of death;
Pandemic Covid-19.
Introdução
A morte é uma certeza que pulsa na interioridade da vida humana.
A morte entrou no mundo juntamente com a vida. Por isso, dizer vida
é referir-se a uma vida que é mortal. Desde seu nascimento, o ser hu-
mano está condenado a morrer. Trata-se de uma verdade impressa na
condição humana do sujeito. A vida está circunscrita e delimitada pela
morte. Não se trata de uma questão marginal, mas capital da existência
humana. A morte é uma questão central, porque a vida humana é reves-
tida de valor supremo e inegociável. Em razão do valor da vida humana,
nenhum ser humano pode morrer como um alguém ou um ninguém.
A morte significa que a vida humana tem um prazo e limite. Viver é
confrontar-se cotidianamente com a morte. O ser humano nasce e vai
morrendo lentamente.
O artigo seguirá o seguinte percurso metodológico: 1) abordará a di-
mensão doméstica, familiar e social da morte, que perdurou, no ociden-
te cristão, até o final do século XIX. No século XX, a morte passou de
um evento doméstico a um fato privado e individualizado. Antes, mor-
ria-se em casa, no aconchego da família. Atualmente, morre-se na soli-
dão do leito hospitalar; 2) mostrará como no século XX, no Ocidente,
se assistiu um fenômeno paradoxal sobre a morte humana: afirmação
e visibilidade no campo das ciências humanas (filosofia, teologia, psi-
cologia, sociologia etc.) e negação social e cultural. Rejeita-se falar e
pensar na morte como uma realidade pessoal; 3) demonstrará como a
negação social da morte está presente na cultura do culto ao corpo, na
rejeição do envelhecimento, na cultura do vitalismo, do ativismo e do
sucesso econômico; 4) enfatizará como a negação social se contrasta
com a audiência que a morte conquistou nos meios de comunicação.
A morte é um produto que dá audiência e vende bem; 5) apresentará
522 R.A. de Oliveira. Negação social da morte e sua banalização na Pandemia
mea culpa, ‘Deus, me arrependo pela tua graça dos meus pecados’, uma
forma abreviada do futuro confiteor [...]. A segunda parte da oração é
a commendacio animae, paráfrase de uma oração antiquíssima, inspira-
da, talvez, dos hebreus da sinagoga” (Ariès, 1978, p. 23). O enfermo
demonstrava lucidez, controle da situação e aceitação da morte. Uma
vez cumprido o ritual coletivo, o moribundo se entregava nos braços
da morte. Alguns gestos típicos de alguém que se reconhecia na proxi-
midade da morte: “despia-se das armas, deitava traquilamente por ter-
ra: deveria ser em seu leito [...] Abria os braços em forma de cruz [...]
Mas, eis o costume: deitado de modo que a cabeça ficava voltada para
o Oriente, para Jerusalém” (Ariès, 1978, p. 21). Esses momentos finais
eram precedidos de simplicidade, tranquilidade, aceitação, emotivida-
de, sem dramaticidade.
A morte era vista vinculada com a biografia e a história pessoal de
cada um; cada pessoa fazia uma “revisão de toda a sua vida no momento
do morrer, em um só instante. Acreditava-se de fato que sua postura
naquele instante daria à sua biografia um sentido definitivo, uma con-
clusão” (Ariès, 1978, p. 40). Essa recapitulação pessoal, em que o mo-
ribundo tinha em suas mãos uma síntese de sua história vital, fazia de
seus últimos instantes de vida um verdadeiro juízo individual. Na visão
do historiador Ariès, o quadro do moribundo, instantes antes de sua
morte, era constituído de uma verdadeira antecipação da representação
do que aconteceria no dia do juízo particular:
Mas acontece alguma coisa que perturba a simplicidade da cerimônia
e que os presentes não veem, um espetáculo somente reservado ao mo-
ribundo, o qual o contempla com um pouco de inquietude e muita
indiferença. Os seres sobrenaturais invadem o quarto e se aglomeram na
cabeceira do moribundo. De uma parte, a Trindade, a Virgem e toda a
corte celeste e, da outra, Satanás e o exército dos demônios monstruosos
(Ariès, 1978, p. 38).
Outra mudança que se verifica é referente à relação do moribundo
com sua família. A relação do enfermo com sua morte era condividi-
da com a família. Quando alguém se percebia na iminência da morte
procurava exteriorizar suas ideias, seus pensamentos, seus sentimentos
e seus desejos religiosos por meio de um testamento. Na visão de Ariès,
o testamento, em sua compreensão inicial, tinha um caráter mais exis-
tencial e religioso:
524 R.A. de Oliveira. Negação social da morte e sua banalização na Pandemia
transmitida pela televisão, pela internet, pelo cinema e por outros meios
de comunicação. Segundo Ancona, os meios de comunicação transfor-
maram a morte em um espetáculo, gerando cenas de formas impactos
coletivos e pessoais:
A espetacularização da morte [...] sustenta significativamente cifras de
audiência e de lucros; porque é um produto que se vende bem! Atra-
vés dos media, que assediam de um modo constante o viver cotidiano
do homem contemporâneo, a morte e o morrer, reduzidos existencial-
mente às assim chamadas cenas de forte impacto emotivo (violências,
acidentes individuais e coletivos, guerras, catástrofes, genocídios etc.),
alcançam milhões de pessoas e se apresentam como puros e simples
fatos vistos comodamente sem alguma participação direta e sem um
envolvimento pessoal (Ancona, 2007, p. 20).
A morte se tornou um produto comercializável pelos meios de co-
municação. As mortes que geram lucro e altos picos de audiência são
as mortes trágicas ou de pessoas famosas, de personalidades nacional
ou internacionalmente conhecidas, que geram comoção popular; as
mortes por acidentes trágicos, guerras e pandemias. Quanto mais trá-
gica a morte ou mais famosa aquela pessoa que morre mais comoção
e audiência produz. Porém, trata-se de uma morte cuja comoção é
momentânea e suave. É uma morte que não impacta existencialmente
como a morte de um familiar ou de uma pessoa querida. Não é uma
morte que gera um luto permanente e intenso. Trata-se da morte do
outro, anônimo ou famoso.
Com a ampliação dos meios de comunicação, a morte conquistou
um caráter público. Entretanto, esse não é um fenômeno exclusivo da
contemporaneidade. O caráter público da morte tem raízes distantes e
cada cultura ofereceu o seu espetáculo (desde as arenas em que os cris-
tãos padeciam o martírio, as execuções públicas nas fogueiras, as cru-
cifixões e outros tipos de morte que ocorriam nas praças públicas). Po-
rém, atualmente, com o clima frenético das técnicas de comunicação, o
fenômeno da morte assume dimensões mais notórias e alcança milhões
de espectadores. A morte-espetáculo dos meios de comunicação con-
siste num produto de consumo coletivo que não ajuda o ser humano a
entender ou sentir em profundidade a relevância da morte para a vida.
Trata-se de um fenômeno midiático que não toca existencialmente o ser
humano e o deixa indiferente. A morte-espetáculo dos meios de comu-
nicação “está em linha com o processo cultural da remoção da morte,
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realizar os rituais finais, muitas pessoas viram seus familiares sendo en-
terrados indignamente em valas comuns devido ao aumento vertiginoso
no aumento de sepultamento e do colapso no sistema funerário. Trata-se
de uma experiência trágica que deixa cicatrizes psicológicas profundas.
A vivência dos rituais de despedida é importante como momento
preparativo para a elaboração do luto. “Sabe-se que os rituais de despe-
dida são organizadores importantes para um processo de luto normal
dos indivíduos e o impedimento de viver esse momento pode trazer
intensos sentimentos de raiva, horror, choque” (Fiocruz, 2020). Como
fazer a experiência do luto de uma morte privada da vivência dos rituais
finais e da ausência de velório? O luto é um processo natural de respos-
ta diante do rompimento de um vínculo, ou seja, diante da perda de
alguém ou de algo significativo. No caso da perda de alguém, o luto se
caracteriza pelo período de elaboração, aceitação e acolhida da morte do
outro. Não há uma regra geral sobre o período de duração e a intensida-
de do luto. Cada pessoa experimenta do luto de uma forma particular
e pessoal. A experiência do luto depende do vínculo afetivo, do tipo de
morte e da faixa etária da pessoa falecida. A morte da pessoa com que
se tem um vínculo afetivo intenso e a morte de criança ou adolescente
podem gerar lutos prolongados. Há pessoas que passam a vida toda en-
lutadas enquanto outras elaboram e superam o luto rapidamente.
No contexto da pandemia, o desafio consiste em elaborar o luto de
uma pessoa a quem foi impossível visitar no hospital, de quem foi im-
possível despedir-se e participar de seu velório. Parece que a pessoa é for-
çada a viver o luto de alguém que foi abruptamente retirado do mundo
dos vivos. O luto já é uma experiência de dor e sofrimento; porém, no
contexto pandêmico, tornar-se uma vivência ainda mais dolorida. No
período pandêmico, o luto é “complicado”, podendo ocorrer de forma
mais intensa e duradoura do que o habitual, pelo fato de o/a enlutado/a
“não ter conseguido processar a situação nem se despedir de forma que
lhe permita ter um senso de realidade e concretude” (Fiocruz, 2020).
Conclusão
A negação social da morte refere-se a uma imagem anônima, pessoal
e genérica da morte. Trata-se da morte do outro, do alguém e do nin-
guém. Evita-se afrontar a morte como um evento pessoal. Procura-se ne-
gar a morte, tratando-a como um fato periférico e marginal à existência.
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