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Introdução
A morte domada
Ariès (1975/2003) denominou de morte “domada” a concepção vigente no
período do século V ao XVII, na qual o homem mantinha uma atitude de resignação
diante da sua finitude, o que impedia que a morte se apoderasse de sua vida. A
morte das pessoas era precedida por sinais que os próprios moribundos
pressentiam. Não que fossem dotadas de clarividência, mas todos sabiam que iam
morrer. O aviso era captado por signos naturais ou, ainda com maior frequência, por
uma “convicção íntima” ou reconhecimento espontâneo, mais do que por uma
premonição sobrenatural ou mágica. Não havia meios de blefar ou de fazer de conta
que nada viram. Eram observadoras dos signos e, mais do que tudo, de si mesmas.
Não tinham pressa de morrer, mas quando viam chegar sua hora, estavam prontas,
sem precipitação nem atraso, como deviam morrer os cristãos. Diante de tal clareza,
o moribundo reunia toda a família e os amigos, ao redor do seu leito, e, desta forma,
iniciavam-se os ritos pré-fúnebres. Inicialmente, o moribundo fazia um lamento das
coisas e dos seres amados que seriam perdidos, isto é, lamentava a vida que
perderia em breve. Depois, o moribundo recebia o perdão dos amigos e dos
familiares, despedia-se deles e os encomendava a Deus. Em seguida, recebia a
absolvição sacramental do sacerdote (“extrema unção”) e partia. Nesta época, os
corpos ainda eram enterrados dentro das igrejas (“campo santo”). Toda a cerimônia
que acompanhava o moribundo era pública, simples e familiar. Havia, no entanto,
um tipo de morte temido e vergonhoso, naquela época, que Ariès denominou de
“mors repentina” (morte repentina). As pessoas desejavam uma morte lenta e
avisada para que todos os rituais de adeus e de perdão pudessem ser
concretizados. Quando a morte repentina acontecia, era vergonhosa, pois
significava castigo ou maldição para os descendentes da família.
Assim, percebemos uma atitude de resignação ao inevitável, traduzida numa
relação de naturalidade, familiaridade e publicidade diante da perda, que era
característica daquele período. Assim,
a) A morte era esperada no leito;
b) A morte era uma cerimônia pública e organizada pelo próprio moribundo, que
a presidia e conhecia seu protocolo;
c) Tratava-se, também, de uma cerimônia pública. Todos podiam entrar nos
aposentos do moribundo livremente, inclusive as crianças; e
d) Os ritos de morte eram simples, sendo aceitos e cumpridos de modo
cerimonial, mas sem caráter dramático ou gestos excessivos de emoção.
A morte do outro
A partir do século XIX, o homem das sociedades ocidentais passou a dar à
morte um novo sentido, exaltando-a, dramatizando sua finitude e, desejando que
fosse impressionante e arrebatadora. Mas, ao mesmo tempo, já se ocupava menos
de sua própria morte, e, assim, a morte romântica, retórica, passou a ser, antes de
tudo a morte do outro. Como o ato sexual, a morte passou a ser considerada, a
partir de então e cada vez mais acentuadamente, uma transgressão, que arrebatava
o homem de sua vida quotidiana, de sua sociedade racional e de seu trabalho
monótono, para lançá-lo em um mundo irracional, violento e cruel. Naturalmente, a
expressão de dor dos sobreviventes era devida a uma nova intolerância com a
separação. A simples ideia da morte comovia as pessoas: choravam, desmaiavam,
desfaleciam e jejuavam. Confiando nos que lhe eram próximos, o moribundo
delegava-lhes parte dos poderes que havia ciosamente exercido até então, por meio
de testamentos amplos. O acúmulo de corpos nas igrejas, também reconhecido
como um problema de saúde pública, devido às emanações pestilentas e aos
odores fétidos, tornou-se intolerável. A exposição dos corpos corrompia a dignidade
dos mortos e parte da sociedade se voltou contra a Igreja, por ter feito tudo pela
alma e nada pelo corpo. Com a ideia de visitar o morto, era preciso que ele tivesse
uma morada própria, de propriedade da família: o jazigo no cemitério.
A morte interdita
Durante o século XX, ocorreu um fenômeno inaudito: a morte, tão presente
no passado, de tão familiar, começou a se apagar e a desaparecer, tornando-se
vergonhosa e objeto de interdição. Sem dúvida, encontramos no cerne desta
mudança um sentimento já presente no século XIX: aqueles que cercavam o
moribundo tendiam a poupá-lo e ocultar-lhe a gravidade de seu estado. A verdade
começava a ser problemática. Entre 1930 e 1950, a evolução se precipitou. Tal
aceleração se deveu a um fenômeno material importante: o deslocamento do lugar
da morte. Já não se morria em casa, em meio aos seus, mas no hospital, sozinho.
As pessoas passaram a morrer no hospital porque ele se tornou o local no qual se
presta os cuidados com o moribundo, pois já não se pode proporcioná-los em casa.
Antes, asilava miseráveis e peregrinos; depois, tornou-se um centro médico, no qual
se cura e se luta contra a morte. Hoje, continua tendo tal função curativa, mas
passou, também, cada vez mais, a ser considerado um lugar privilegiado da morte:
morre-se no hospital porque os médicos não conseguiram curar; não vamos mais ao
hospital para sermos curados, mas, precisamente, para morrer. A morte no hospital
não é mais ocasião de uma cerimônia ritualística, presidida pelo moribundo, em
meio à assembleia de seus parentes e amigos. Atualmente, a morte é um fenômeno
técnico, causado pela parada dos cuidados, ou, de maneira mais declarada, por
decisão do médico e da equipe hospitalar. Inclusive, em muitos casos, há muito, o
moribundo perdeu a consciência. A morte foi dividida, parcelada em pequenas
etapas, dentre as quais, definitivamente, não se sabe qual a verdadeira morte,
aquela em que se perdeu a consciência ou aquela em que se perdeu a respiração.
Nas novas regiões da morte, procura-se reduzir ao mínimo decente as
operações destinadas a fazer desaparecer o corpo. Antes de tudo, é importante que
a sociedade, a vizinhança, os amigos, os colegas e as crianças se apercebam, o
mínimo possível, que a morte ocorreu. Se algumas formalidades são mantidas, e se
uma cerimônia ainda marca a partida, devem permanecer discretas e evitar todo
pretexto a uma emoção qualquer: assim, as condolências à família são, agora,
suprimidas, no final dos serviços do enterro. As manifestações aparentes de luto
são condenadas e desaparecem. Não são mais usadas roupas escuras e não se
adota mais uma aparência diferente daquela do cotidiano. Uma causalidade
imediata aparece, prontamente: a necessidade da felicidade, o dever moral e a
obrigação social de contribuir para a felicidade coletiva, evitando toda causa de
tristeza e mantendo um ar de estar sempre feliz, mesmo que se esteja no fundo da
depressão. Ao demonstrar algum sinal de tristeza, peca-se contra a felicidade, que é
posta em questão, e a sociedade arrisca-se a perder sua razão de ser.
Sobre a relação com a morte no Brasil, DaMatta (1984/2011) destaca que
falar dos mortos é como negar a própria morte, pois, na sociedade brasileira, o
morto continua existindo, voltando, sistematicamente, para pedir ajuda e dar lições
de humildade cristã; enfim, permanece em lugar privilegiado em sua comunidade e
na sua família: “no Brasil, a morte mata, mas os mortos não morrem” (p. 57). Esta
relação de proximidade com o mundo dos mortos também se alterou em nosso país
(em prol da medicalização), como destacou Ariès (1975/2003). Assim como
observamos o movimento de institucionalização e de medicalização da morte,
também percebemos tal processo em relação às manifestações de luto. Como
trataremos adiante, o pesar não é apenas vergonhoso ou um sinal de fraqueza: é
considerado doença. Como tal, torna-se objeto dos especialistas e deve ser
prevenido, diagnosticado e tratado.
b. Pelo menos um dos seguintes sintomas de intenso luto agudo deve estar presente
por um período maior do que o esperado por outras pessoas de seu círculo social e
cultural:
- Anseio ou espera intensa e persistente pela pessoa que morreu;
- Sentimento frequente e intenso de solidão ou de que a vida é vazia ou sem
sentido sem a pessoa que morreu;
- Pensamentos recorrentes de que é injusto, sem sentido ou insuportável ter que
viver sem a pessoa que morreu, ou um desejo recorrente de morrer para se reunir
com o falecido;
- Pensamentos frequentes e preocupantes sobre a pessoa que morreu (por
exemplo, pensamentos ou imagens intrusivas sobre quem faleceu), interferindo em
atividades e no funcionamento normal do enlutado;
c. Pelo menos dois dos seguintes sintomas devem estar presentes, durante, no mínimo,
um mês:
- Ruminação excessiva e problemática sobre as circunstâncias ou as
consequências da morte, por exemplo, preocupações sobre como e por que a
pessoa morreu, ou sobre não ser capaz de gerenciar a própria vida sem o ente
querido, pensamentos sobre ter decepcionado o falecido etc.;
- Sentimentos recorrentes de descrença ou incapacidade de aceitar a morte (por
exemplo, a pessoa não consegue acreditar ou aceitar que seu ente querido
realmente se foi);
- Sentimento persistente de estar em choque, assombrado, atordoado ou
emocionalmente entorpecido desde a morte;
- Sentimentos recorrentes de raiva ou ressentimento relacionados com a morte;
- Dificuldade persistente de confiar ou de se preocupar com outras pessoas ou
sentimento intenso de inveja de outros que não tenham experimentado perda
semelhante;
- Dor ou outros sintomas frequentes que o falecido apresentava, ou ouvir a voz ou
ver a pessoa falecida;
- Experiência de reação emocional ou psicológica intensa a memórias da pessoa
que morreu ou lembranças da morte;
- Mudança de comportamento decorrente de evitação ou busca de proximidade
excessiva (por exemplo, evitar ir a lugares, fazer coisas ou ter contato com coisas
que lembram a perda, ou sentir-se atraído por lembranças da pessoa, como querer
ver, tocar, ouvir ou cheirar coisas relacionadas ao falecido). Algumas pessoas
experimentam ambos os sintomas contraditórios.
Jean-Paul Sartre admitia sua compulsão pela escrita e construiu sua vasta
obra ao longo do século XX. O filósofo existencialista escreveu livros, ensaios,
peças e roteiros. Um fio condutor da sua produção é o conceito de liberdade. Para
Sartre (1946/2010), não há natureza humana que possa fundamentar, de fora dele,
o ser do homem. O homem surge no mundo, se depara com a facticidade, e apenas
depois, se define a partir de suas escolhas: “o homem nada é além do que ele se
faz” (p. 25). A falta de uma base biológica (ou qualquer que seja) para justificar a
vida do homem é a essência do conceito de liberdade e se contrapõe, diretamente,
a qualquer processo de patologização da conduta humana e, neste mesmo
contexto, à do luto. O enlutado não tem liberdade para fazer reviver um ente
querido, pois a morte do outro é uma situação-limite vivida por ele, mas o caminho
percorrido por cada enlutado é seu, fruto de sua liberdade e, portanto, de sua inteira
responsabilidade. Para Sartre (1943/2011), as reações físicas não podem jamais ser
apreendidas isoladamente. São sempre atravessadas por um para-si: “o corpo, de
modo algum, é captado por si mesmo; é um ponto de vista e um ponto de partida”
(p. 418). Acrescenta que
o Para-si deve ser todo inteiro corpo e todo inteiro consciência: não poderia
ser unido a um corpo. Similarmente, o ser-para-outro é todo inteiro corpo; não
há aqui ‘fenômenos psíquicos’ a serem unidos a um corpo; nada há detrás do
corpo. Mas o corpo é todo inteiro ‘psíquico’ (p. 388).
Ainda que se conceba reações puramente fisiológicas em sua gênese, ou seja,
como reflexos, estão sempre inseridos num tempo, num espaço e num indivíduo
particular, que os significa em sua liberdade e em seu projeto de ser.
Desde sua constituição como ciência, a psicologia esteve às voltas com o
dilema da dicotomia objetividade versus subjetividade. Como se moldar ao modelo
científico positivista e, ao mesmo tempo, dar conta de toda a riqueza e
profundidade da experiência humana? A multiplicidade de abordagens, de métodos
e até mesmo de objetos é uma marca inconteste deste esforço. Outro grande
impasse à pesquisa psicológica concerne à separação positivista entre sujeito e
objeto, noção cara a quem pretende uma ciência pura. Para tal concepção, é
preciso eliminar todo e qualquer rastro de subjetividade do pesquisador e das
interferências do meio. Assim, isolado, o homem se ofereceria à análise de sua
verdadeira natureza, expressa na mais límpida forma de leis. Foi em reação a este
quadro que, no início do século XX, Edmund Husserl (1900-1901/1980; 1910-
1911/1952) lançou as bases da fenomenologia. Em seu livro “A Cerimônia do
Adeus”, Simone de Beauvoir (1974/1984) descreveu a exultação de Sartre, quando,
por meio de Raymond Aron, tomou contato com a fenomenologia de Husserl e com
o mundo que se abria diante dele, a possibilidade de fazer filosofia a partir de uma
taça na mesa do café, do homem comum, de sua experiência no mundo. Ainda
que, ao longo de sua trajetória como pensador, Sartre tenha contestado, em muitos
momentos, as ideias de Husserl, suas contribuições estão indelevelmente
marcadas pelo período em que ele esteve com o mestre, em Berlim, nos anos de
1933 e 1934.
Em seu livro “Para um Esboço de uma Teoria das Emoções”, Sartre
(1939/2006) fez duras críticas à ciência psicológica e, particularmente, ao
psicologismo. Para Sartre, os psicólogos de então teimavam em partir de um
amontoado de fatos agrupados sob seu olhar, pretensamente neutro, considerando
fenômenos isolados, universais e descontextualizados: “os psicólogos não se dão
conta de que, com efeito, é tão impossível atingir a essência amontoando os
acidentes quanto chegar à unidade acrescentando indefinidamente algarismos à
direita de 0,99” (p. 16-17). Conforme o filósofo existencialista, os fenômenos
humanos não se manifestam de forma “pura”, pois não se tratam do espelhamento
de uma essência ou natureza humana universal, mas são frutos do homem em
situação, que reage, em sua liberdade, ao e no mundo. Portanto, para compreender
os “fatos psíquicos” ou os fenômenos humanos, não cumpre isolá-los e analisá-los,
mas situá-los no tempo, no espaço e no projeto individual, considerando, ainda, a
situação do próprio pesquisador. Para Sartre (1960/1966), a única teoria do
conhecimento que pode ser válida é a que se funda sobre a verdade de que o
experimentador faz parte do sistema experimental. Compreender é modificar-se, ir
além de si mesmo:
os fatos psíquicos com os quais nos deparamos nunca são os primeiros. Eles
são em sua estrutura essencial reações do homem contra o mundo; portanto,
supõe o homem e o mundo, e só podem adquirir seu sentido verdadeiro se
inicialmente elucidarmos essas duas noções (Sartre, 1939/2006, p. 21).
Influenciado, também, pelo marxismo, Sartre propôs a construção de uma
antropologia estrutural e histórica, uma totalização perpetuamente em curso:
mas o psicólogo não se compromete: ele ignora se a noção de homem não é
arbitrária. Ela pode ser muito vasta: nada diz que o primitivo australiano pode
ser incluído na mesma classe psicológica que o operário americano de 1939.
Seja como for, o psicólogo proíbe-se rigorosamente de considerar os homens
que o cercam como seus semelhantes. Essa noção de similitude, a partir da
qual se poderia talvez construir uma antropologia, lhe parece irrisória e
perigosa (Sartre, 1939/2006, p. 15).
Os fatos, por si mesmos, não são nem verdadeiros nem falsos, pois não têm
significado, a não ser se referidos a diferentes sistemas parciais de mediação.
Assim, não podemos tratar do luto sem situar a morte no contexto social e cultural
em que ocorre, bem como sem refletir sobre o sistema médico e axial que o
aprisiona e que tem suas bases ideológicas tão eficazmente fincadas em nossa
sociedade que já forma parte de nossa forma de conceber o homem e o mundo. É
neste sentido que destacamos a importância da contextualização sociohistórica da
morte e do processo de transformação do luto em categoria clínica.
Crer que exista um modelo “normal” de luto é negar a liberdade do homem: é
acreditar que a expressão do luto, como em Freud (1917/2010), Lindemann (1944),
Bowlby (1973/1998) e outros, é genérica, fruto da genética ou de reações
fisiológicas ainda não localizadas pela ciência. Somente acreditando num modelo
rígido de luto, podemos conceber as concepções de melancolia, de luto patológico
e, mais recentemente, de luto complicado (LC). A patologização das reações de luto
significa, também, negar a situação sociohistórica do homem, desconsiderando toda
a complexa rede de fatores na qual ele está imerso, ou seja, seu tempo histórico,
sua cultura e sua família, entre outros aspectos de sua existência concreta. Supor
que todos os homens devam experimentar seu luto em conformidade com critérios
diagnósticos é, para usar uma expressão cara a Sartre (1954/1966), dar-lhes um
“banho de ácido sulfúrico” (p. 41), no sentido de retirar deles todo resquício de
individualidade e de liberdade. Quando os manuais que orientam os profissionais de
saúde mental determinam um rígido parâmetro de “normalidade”, retiram do homem
a responsabilidade pela sua conduta. O luto complicado deixa de ser seu luto,
passando a ser considerado doença, determinada pelo mau funcionamento de
sistemas que deveriam ter cumprido determinadas fases, realizado certas tarefas e
feito o “trabalho de luto”. Neste sentido, escreveu Sartre (1943/2011):
assim, não há acidentes em uma vida; uma ocorrência comum que irrompe
subitamente e me carrega não provém de fora; se sou mobilizado em uma
guerra, esta guerra é minha guerra, é feita à minha imagem e eu a mereço (p.
678).
De todo modo, a retirada da responsabilidade e a “incapacidade” da escolha têm um
papel fundamental na tentativa de diminuição da angústia: já que não há mais
escolha, nem liberdade, mas doença, restaria ao homem entregar-se, de bom
grado, nas mãos dos especialistas e se lançar, cegamente, rumo a um tratamento.
Mas, ainda assim, se trataria de uma escolha, a escolha de entregar-se, ou de fingir
para si mesmo que não pode escolher. Estaríamos diante do fenômeno da má-fé,
que, para Sartre, trata-se da tentativa do homem de escapar da angústia, buscando
fora de si mesmo algo que o fundamente e que o justifique, num movimento similar
ao de mentir para si mesmo: “na má-fé, não há mentira cínica, nem sábio preparo
de conceitos enganadores. O ato primeiro da má-fé é fugir do que não se pode fugir,
fugir do que se é” (p. 118). Assim, podemos perceber que o projeto da má-fé é um
projeto de fracasso, já que não há como o homem fugir da própria condição do seu
ser, da sua liberdade. Deste modo, a patologização do luto é um empreendimento
fracassado, mas também complexo, como advertiu Frances (2013), pois se articula
com questões relativas não apenas à saúde, mas à política, ao mercado de
consumo e às relações de poder.
Finalmente, a partir da fenomenologia existencial de Sartre (1960/1966;
1939/2006; 1946/2010; 1943/2011), consideramos que o luto, como os demais
fenômenos psíquicos humanos, deve ser compreendido como uma construção
própria, produto e produtora da liberdade individualizada e, ainda assim, universal,
no sentido de que é contextualizada no meio sociocultural, no tempo histórico e na
vida concreta do enlutado.
Referências Bibliográficas