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Morte: Uma visão psicossocial

Resumo
Para o ser humano, o ato de morrer, além de um fenômeno biológico natural, contém
em si uma dimensão simbólica, relacionada tanto à psicologia como às ciências sociais. Esse
valor simbólico é apresentado de diferentes modos dependendo do contexto histórico e sócio-
cultural.

Willian Osler, um dos pioneiros nos estudos sobre a morte, abordou, em 1904, os
aspectos físicos e psicológicos da morte buscando amenizar o sofrimento das pessoas no
processo de morte. No pós segunda guerra a tanatologia desenvolveu-se mais; foi um marco
importante a obre de Feifel, meaning of death (sentido da morte: tradução livre), que buscou a
conscientização das pessoas sobre o tema em um contexto no qual o tema da morte era
proibido. Em 1969, Kübler-Ross, psiquiatra, em sua obra Sobre a Morte e o Morrer faz uma
análise dos estágios pelos quais passam as pessoas no processo terminal: negação e
isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Kübler diz que a externalização dos
sentimentos pelo paciente e a compreensão destes afetos pelos que o acompanham são
fundamentais para a sua aceitação. Mesmo assim, nesse processo de terminalidade a autora
ressalta a esperança, que dá sentido e faz suportar; o que não faz com que os profissionais
mintam, mas compartilhem o mesmo sentimento.

No Brasil,os seguintes trabalhos merecem destaque: Estudos e Pesquisas em Tanato-


logia (Wilma Torres); os trabalhos de Maria Helena Pereira Franco e os da professora Maria
Júlia Kovács.

1 A Morte na Civilização Ocidental


No contexto do ocidente moderno, a morte é sinônimo de fracasso, impotência e
vergonha, onde tenta-se vencê-la a qualquer custo. Durante muitos seculos, na idade média, a
morte era entendida com naturalidade, fazendo parte do ambiente doméstico. Oque causa,
hoje, repugnância e temor, causava, no mundo medieval, riso, intimidade e familiaridade.

No ambiente do desenvolvimento do capitalismo, excluir os mortos dos vivos passou a


ser um empreendimento fundamental; o foco era colocar os mortos, juntamente com o lixo,
cada vez mais longe do meio urbano e do convívio social. Com o progresso técnico e
científico da medicina, a visão da morte e interação com o paciente moribundo modificaram-
se radicalmente. A morte agora desloca-se para os hospitais, e em alguns caso para a UTI.

Baseada no positivismo, a formação e atuação de profissionais da saúde lidam coma


morte e com a doença do ponto de vista estritamente técnico. Assim, o investimento em
recursos tecnológicos servem apenas para prolongamento da vida do paciente e para evitar o
contato com a morte. Segundo Maranhão, nisso, ocorre-se a coisificação do homem, na
medida em que se nega a experiencia da morte e do morrer.

Até mesmo os ritos religiosos mais tradicionais, deram lugar às organizações funerá-
rias; a presença dos familiares, amigos e vizinhos junto ao moribundo foram substituídos pelo
ambiente frio e isolado do hospital.

O profissional evita contato com a morte do ouro e com suas próprias emoções. Se o
mesmo não estiver preparado, estará sujeito à síndrome do esgotamento, ou burn out.

2 Desigualdade na Morte
A duração de vida e a maneira de morrer são diferentes; dependem da classe
socioeconômica à qual pertence. Até o séc. XVIII, pessoas importantes eram enterradas perto
dos santos ou dos mosteiros com cortejos fúnebres e processos religiosos, enquanto que os
pobres eram jogados em valas. Atualmente vemos a diferença entre os mortos na configuração
geográfica, no tipo de caixão, na qualidade das sepulturas e no tipo de cortejo.

3 Morte em Vida
Nas experiencias vivenciadas ao longo do desenvolvimento humano são apresentadas
algumas analogias com a ideia de morte: separação, desemprego, doença e até mesmo,
acontecimentos que trazem alegria, mas que provocam algum tipo de ruptura.

A separação(de casais, pais, namorados) envolve aspectos semelhantes ao luto, mas


sem a morte concreta de alguém; apesar do que “é preciso matar o outro dentro de si”. O risco
disso é perder o sentido da vida junto com o perdido. A doença, que era vista como um
refinamento (na fase glamourosa da doença), agora é vista como punição e fraqueza, pois faz
o indivíduo perceber-se enquanto ser mortal. A passagem de cada fase da vida caracteriza-se
por um processo de morte simbólica ou morte em vida, na medida em que se perde
características e atividades de uma fase para iniciar em uma outra. A ausência de controle e
poder sobre a realidade é uma possibilidade de morte em vida. Embora não ocorra morte
concreta, essas experiencias possibilitam a reorganização e a ressignificação da vida. O luto, é
claro, é um outro exemplo de morte em vida.

Segundo Bowlby (1970/ 1997) há quatro fases do luto, que se dão de diferentes nos
indivíduos: (1) fase do torpor ou aturdimento (pode durar algumas horas ou semanas,
desespero e raiva podem acontecer); (2) saudade e busca da figura perdida; (3) fase de
desorganização e desespero ( choro, raiva, acusações, sentimento de que nada mais tem
valor); (4) fase de organização (aceitação, iniciação de “uma nova vida”), nesta fase podem
retornar a saudade, a necessidade do outro e a tristeza. Um processo de luto é gradual e nunca
totalmente concluído.

São determinantes desse processo: identidade e papel da pessoa que foi perdida; o
vínculo (tipo); causas e circunstancias (tipo de morte); idade, gênero, religião e personalidade
do enlutado; contexto sócio-cultural e psicológico (do enlutado); estresses secundários.

4 A Ciência e a Morte
Depois do contributo metodológico de Descartes, a medicina, que antes do mesmo,
preocupava-se com a interação corpo e alma, passa a se concentrar no corpo, agora
comparado a uma máquina, descuidando dos aspectos psicológicos, sociais e culturais da
pessoa.

Ao concentrar-se em pastes cada vez menores do corpo, a medicina moderna perde


frequentemente de vista o paciente como ser humano. A morte é entendida como somente
como uma contraposição contraditória da vida. Mas a morte possui seu significado simbólico
positivo; é um aspecto particular do ser. Para a ciência a morte consiste na paralisação total da
maquina corpo. O profissional, assim, é formado para lidar com a doença, não com a pessoa.

Uma alternativa a esse modelo são os cuidados paliativos, que têm como objetivo: (1)
promover o alívio da dor e outros sintomas de angustia; (2) afirmar a vida e considerar a
morte um processo natural; (3) não apressar nem postergar a morte; (4) integrar os aspectos
espirituais e psicológicos no cuidado do paciente; (5) oferecer um sistema de suporte que
ajude o paciente a viver ativamente tanto quanto possível até sua morte; (6) oferecer um
sistema de suporte para ajudar no enfrentamento da família durante a doença do paciente e (7)
utilizar uma equipe profissional para identificar as necessidades dos pacientes e suas,
incluindo a elaboração do luto, quando indicado.

Segundo Pessini (2004), esse cuidado deve promover “o bem estar global e a
dignidade do doente crônico e terminal e sua possibilidade de não ser expropriado do momen-
to final de sua vida, mas viver a própria morte”.

5 Considerações Finais
O estudo mostra que a morte é um fenômeno complexo. Em cada tempo e cultura
existe uma forma de lidar, uma cultura e um significado atribuído a ela. Quando discutimos
sobre a dificuldade dos profissionais da saúde em lidar com a paciente terminal em sua
integralidade, devemos analisá-la na sua historicidade e na sua essência. É também preciso
entender que significado a morte teve na cultura do profissional e quanto ele foi influenciado
por ela na sua formação pessoal e profissional.

Vários estudos mostram que a humanização da morte e do processo de morrer é uma


condição que poderia repercutir positivamente não só para o doente como também para o
profissional da saúde. A falta de preocupação com a saúde do cuidador tem sido apontada
como principal fator que leva o profissional, principalmente o enfermeiro, a desenvolver
distúrbios psicoemocionais, tentativas de suicídio, altas taxas de absenteismo além de
síndrome de burn out. o suicídio entre os médicos é superior ao da população.

É um forte opositor da humanização do adoecimento o paradigma mecanicista da


medicina. Há necessidade de uma transcendência integrada para vencer esse paradigma
mesmo sem negar as conquistas positivistas.

No caso mais específico do morrer, tendo em vista este novo paradigma, caberia à
psicologia reintroduzir, através de uma aproximação científica, os aspectos emocionais e
simbólicos presentes na manifestação desse fenômeno.

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