*A inserção do psicólogo no ambiente hospitalar deu-se em 1954.*
Qualquer visão do significado da morte será multifacetada, composta por fatores predeterminantes de ordem cultural, histórica, ética, religiosa e psicológica. A interação desses fatores contribui para tornar ainda mais complexa e abrangente qualquer tentativa de compreensão da morte e do morrer. Além disso, a forma como a morte é encarada tem influência direta sobre a forma de seu enfrentamento. (...) uma vez que o significado das coisas tem um papel organizador nos seres humanos, é crucial a investigação sobre o tema da morte para o psicólogo hospitalar, já que está circunscrita em sua atuação profissional cotidiana, influenciando a qualidade de vida do trabalhador, e a maneira como ele interage na sua atividade laboral. Conforme apontam Bromberg (1994) e Brown (2001), a fim de se obter uma melhor compreensão acerca dos efeitos do luto dentro do círculo familiar é preciso considerar uma série de aspectos que incluem: a) a relação existente com a pessoa que morreu e o quanto ela era significativa dentro da família; b) a idade e o gênero; c) a natureza da morte (acidente, doença, repentina); d) as vulnerabilidades pessoais; e) o contexto social e étnico da morte; e f) a história de perdas anteriores. Nessa mesma direção, Parkes (1998) acrescenta que, a previsibilidade e a imprevisibilidade, bem como as oportunidades de preparação para a perda também podem afetar a intensidade e magnitude da reação ao luto, uma vez que a morte tranquila e silenciosa de um idoso acarreta em um sofrimento distinto daquele decorrente de uma morte trágica e repentina de um jovem. (...) quando a morte é conflituosa, quando há um acúmulo de perdas ou quando a morte é cercada de sigilo, a recuperação da família e de seus membros é prejudicada, pois, “a morte sempre deixa um legado, quer ele seja de fortalecimento ou de trauma, que fecha um sistema e distorce os relacionamentos dos sobreviventes”. O trabalho do profissional de saúde é socialmente valorizado na cultura ocidental pela ajuda e assistência dada a quem está sofrendo. O hospital existe para a cura, entretanto, ali a morte se faz presente a todo instante. Esta constatação, por sua vez, muitas vezes é fonte de angústia. Aliada a essa rotina de grande exigência emocional em função da proximidade com a dor e a morte, a precária situação do sistema de saúde brasileiro intensifica o sofrimento do profissional de saúde, visto que este se depara cotidianamente com insuficiência de recursos humanos, baixos salários, precariedade de infra- estrutura, falta de medicamentos, entre outras situações (Pitta, 2003; Bruscato, 2004). A morte no ambiente hospitalar é identificada como fracasso da instituição e do profissional. A medicina contemporânea negligencia os aspectos psicossociais do processo saúde-doença. A vida biológica foi aumentada, mas muitas vezes ocorre a morte social, com isolamento, abandono e uma vida de perdas. Assim, no adoecimento são potencializadas angústias, medos, inseguranças, raivas, revoltas, não só para doentes e familiares, mas também para o próprio profissional da saúde, sempre preparado para a cura, mas em constante tensão diante da morte. Nesse sentido, o psicólogo hospitalar tem como foco de sua atuação a subjetividade da tríade paciente - família - equipe de saúde, servindo como mediador das relações, considerando o homem como um ser integral e sistêmico, que abrange os aspectos biopsico-afetivo-cultural e espiritual. O homem não é só um corpo, e diante da urgência orgânica que leva à hospitalização, surge também uma urgência psíquica, e é nesse contexto que o psicólogo hospitalar realizará o seu trabalho, perpassado por uma questão central: a morte e as várias formas que o sujeito encontra para lidar com essa possibilidade (Granha, 2000). Segundo Oliveira (1998), quando o sujeito está internado no hospital: o doente torna-se um paciente, sem trocadilhos, uma pessoa resignada aos cuidados médicos, que deve esperar serenamente a melhora de sua doença. Esse paciente, desnudado por uma instituição total, perde sua identidade, transforma-se em número, em um caso clínico, deixa de ser responsável por si mesmo, sua doença e vida. O paciente é vulnerável, submisso e dependente. No hospital, não apenas seu corpo, mas tudo o que significa o controle da própria existência passa a ser controlado pela equipe de saúde, e a família, cuidador original, atua como mero expectador. Diante de tantos estressores, podem surgir mecanismos de defesa como a regressão e o calar-se, sendo que este é bem visto pela equipe, já que o bom paciente é aquele que aceita as orientações médicas sem questionar (Oliveira, 1998). A atuação do psicólogo hospitalar é voltada à atenção a pessoa integral, ele procura dar voz ao sujeito hospitalizado, possibilitando a compreensão e o tratamento dos aspectos psicológicos, permitindo a abertura de um canal de contato com a equipe. Diante de um paciente terminal, fora de possibilidades terapêuticas, percebe-se que a equipe de saúde, em sua maioria, tenta aplacar sua angústia empregando um modo impessoal no tratamento: utiliza termos técnicos que inviabilizam o entendimento real da situação do paciente, de modo que ele fica perdido na linguagem científica; ou emprega expressões amenas (como melhora sensível, resultados são lentos, exames estão se normalizando, etc.). Essas posturas de negação, falso otimismo, superproteção e intelectualização podem ser encaradas como processos contra transferenciaisdiante do indivíduo que está morrendo. O que impera são as decisões da equipe, o querer do paciente já não é mais próprio. É como se não fosse dada a esse “sujeito passivo” (ou objeto?) a oportunidade de elaborar suas autênticas possibilidades, apoderando-se de seus recursos de enfrentamento para revelar-se como um ser-para-a-morte ( Kovács, 2002). Os membros da equipe muitas vezes não se permitem olhar para sua condição de seres humanos, sua vulnerabilidade, suas limitações, e aceitar sua própria mortalidade. No hospital, o psicólogo se depara com situações inesperadas, acontecimentos que podem destituir o sujeito de seu ancoramento significante, emergindo a angústia e o desamparo. O adoecimento pode ser visto como um momento de crise, no qual são vivenciadas inúmeras situações de perda – de sua rotina e hábitos; da condição de saúde para a doença; da autonomia e independência; afastamento da família e do trabalho; da condição de “inteiro” para uma cirurgia, que pode deixar marcas, cicatrizes, mutilações, ou ainda causar a morte da pessoa. Assim, o ser humano, que já nasce incompleto, ao adoecer revela sua falta a ser de forma escancarada, revelando sua fragilidade, para si e para os outros. Frente a essas rupturas, a morte ocupa o lugar do interdito, sendo encarada como vergonhosa, o que dificulta sua elaboração (Moura, 2000; 2003). Sirlei (2008) em sua pesquisa sobre a representação da morte para o profissional da psicologia hospitalar elenca como aptidões necessárias para o psicólogo ante a iminência de morte: autoconhecimento e consciência de suas limitações; que o profissional tenha para si bem elaborado a morte e o controle de suas emoções; conhecimento teórico; supervisão de outro profissional de psicologia; atitudes como doação, compaixão, acolhimento, empatia, aceitação. Intervenção do psicólogo hospitalar em processos de terminalidade e morte no ambiente hospitalar, em situações de terminalidade e morte, o processo psicoterápico deve enfatizar a expressão dos sentimentos, a melhora da qualidade de vida e a facilitação da comunicação (Kovács, 1992). Beneficiam- se, dessas intervenções, tanto a pessoa em processo de terminalidade quanto seus familiares, o que diminui a probabilidade de ocorrência de sintomas psicopatológicos futuros, como depressão e ansiedade, decorrentes da perda ou luto não elaborados (Bowlby, 1998; Brown, 2001). O ritual de despedida entre familiares e pacientes contribui tanto para a prevenção do surgimento desses sintomas psicológicos quanto para a reaproximação da família e para a definição de questões do relacionamento familiar que estejam pendentes (Bowlby, 1998; Imber-Black, 1998; Lisbôa & Crepaldi, 2003). A partir dele, é possível abrir espaços para o compartilhamento de sentimentos entre os membros da família, incluindo as crianças nesse processo (Bowlby, 1998; Walsh & McGoldrick, 1998). A morte de pessoas gravemente enfermas, no contexto hospitalar, pode ser considerada previsível, de forma que o próprio paciente “prepara-se” psicologicamente para esse evento, assim como seus familiares (Brown, 2001). As doenças progressivas, como o câncer em situação avançada ou não, trazem a expectativa de morte dentro de um período de tempo, permitindo que alguns planejamentos familiares sejam revistos, favorecendo a intervenção psicológica (Parkes, 1998). (...) Em alguns grupos sociais há uma associação do câncer como enfermidade punitiva, com conotação moral e religiosa (Aquino & Zago, 2007). Esse sentimento de culpa parece relacionar-se ao fato de a doença ser percebida como punição em diversas culturas, conforme indicam Sebastiani e Maia (2005). Como estratégia de enfrentamento da doença, a religião também gera alívio ao sofrimento, oferece o conforto que toma o espaço da fatalidade. Isso se relaciona ao fato de que a explicação oferecida sobre a doença pelos sistemas religiosos se aproxima mais do contexto sociocultural dos pacientes do que aquelas explicações, muitas vezes de uma forma reducionista, oferecidas pela medicina. Em virtude disso, é importante que os profissionais da saúde –destacando-se dentre eles os psicólogos – levem em conta a religiosidade do sujeito enfermo ao planejar e executar suas intervenções, contribuindo para a manutenção de uma relação de respeito e confiança com essa clientela (Aquino & Zago, 2007). O psicólogo pode estender sua intervenção à equipe profissional da instituição, ao invés de restringi-la apenas ao doente e aos seus familiares. Frequentemente membros da equipe mobilizam-se em situações de terminalidade e morte de pessoas hospitalizadas. O trabalho do psicólogo junto aos outros profissionais deve ocorrer no sentido de uma participação ativa na definição de procedimentos e tratamentos a serem realizados. Para que a prática profissional do psicólogo em ambientes complexos – como é o caso do hospital, onde atuam profissionais de diferentes formações e especialidades – seja bem-sucedida, é imprescindível que o relacionamento entre os membros da equipe seja caracterizado por um diálogo cooperativo e aberto, no qual haja objetividade e clareza na proposição e justificativas de procedimentos técnicos relativos a cada especialidade (Tonetto & Gomes, 2007). A revisão bibliográfica mostrou que a morte é vista pela instituição como um fracasso e que a cultura biomédica, ainda dominante, foca-se em prolongar a vida biológica em detrimento dos aspectos biopsicossociais, o que pode levar à morte social (Bruscato, 2004). Sabe-se que o processo de luto não começa com a morte e sim com as relações existentes antes dela, que serão determinantes na qualidade do processo de luto. Com a experiência profissional, o psicólogo vai percebendo que seu papel não é fazer com que os familiares parem de chorar, saiam bem dali, tampouco dizer coisas para promover conforto, o que é a visão do senso comum. Pelo contrário, é justamente o de propiciar um espaço acolhedor para que as pessoas expressem seus sentimentos e comecem a elaborar seu luto. A maturidade profissional confere ao profissional maior segurança, menos medo; permite que ele se conheça mais; trace seus limites; crie recursos de enfrentamento; maneiras de abordar a situação; o conhecimento acerca do que fazer em determinadas ocasiões; a sensibilidade sobre quando é o momento de ficar quieto, calado, apenas presente, à disposição; escutando tranquilamente, o que geralmente não é suportado pelos demais; quando deve fazer alguma consideração pertinente, entre outras situações. Com o decorrer do tempo, vai percebendo que lidar com a morte não é “nenhum bicho de sete cabeças” (sic). Para tal, teoria e prática são fundamentais e se complementam. A dor é um sintoma e uma das causas mais frequentes da procura pelos serviços de saúde, o objetivo da avaliação da dor é identificar a sua causa, bem como compreender a experiência sensorial, afetiva, comportamental e cognitiva que ela representa para a pessoa, tendo em vista a promoção de seu alívio e cuidado. O enfrentamento da dor exige o uso de medicamentos analgésicos, enquanto o sofrimento pede acolhida para fortalecer o espírito e as noções de significado e sentido da vida, pois a dor sem explicação geralmente se transforma em sofrimento. E o sofrimento é uma experiência humana profundamente complexa, na qual intervêm a identidade e subjetividade da pessoa, bem como seus valores socioculturais e religiosos. Um dos principais perigos em negligenciar a distinção entre dor e sofrimento é a tendência dos tratamentos de se concentrarem somente nos sintomas e dores físicas, como se esses fossem a única fonte de angústia e padecimento para o paciente. Tende-se a reduzir o sofrimento a simples fenômeno físico, que pode ser mais facilmente identificado, controlado e dominado por meios técnicos. Dimensão física: no nível físico, a dor funciona como claro marcador, alertando que algo não está funcionando normalmente no corpo. Dimensão psíquica: emerge à consciência quando é preciso enfrentar a inevitabilidade da morte; quando os sonhos e esperanças se esvaem e surge a necessidade urgente de redefinir o mundo que está para deixar. Dimensão social: é a dor do isolamento, que surge quando a pessoa que está para morrer percebe que deixará de viver, mas o mundo tal como conhece continuará existindo. É o sofrimento de sentir-se inexoravelmente tocado por um destino que não gostaria de experimentar, e da solidão por saber que é impossível compartilhar plenamente essa realidade que obriga a redefinir os relacionamentos e as necessidades de comunicação. Dimensão espiritual: surge da perda do sentido, objetivo de vida e esperança. Todos necessitam de um horizonte de sentido – uma razão para viver e uma razão para morrer. O conceito de espiritualidade é encontrado em todas as culturas e sociedades. Ela se expressa na busca individual por um sentido último, mediante a participação na religião ou na crença em Deus, família, naturalismo, racionalismo, humanismo e artes. Todos esses fatores podem influenciar o modo como os pacientes e profissionais da saúde percebem a saúde e a doença e como eles interagem uns com os outros. Quando a morte é abrupta, as pessoas entram em choque, não têm sentimento elaborado nenhum, não estavam preparadas para isso. Sendo uma interrupção, parece ser mais cruel, pois o falecido não teve tempo de fazer nada, se despedir, resolver conflitos, dizer eu te amo... Kovács (2002) diz que se a morte “ocorre de maneira brusca e inesperada tem uma potencialidade de desorganização, paralização e impotência.” (p.154). Em contraponto, apesar de se achar que não há um preparo para a morte, quando a pessoa vivencia um longo processo de hospitalização, seus familiares e amigos vão de antemão se despedindo, o que é chamado de “luto antecipatório”. (...) Todos sabemos que inevitavelmente morreremos, mas não pensamos nisso nem lidamos com isso até que aconteça conosco ou com alguém muito próximo. Daí a importância dos ritos funerais, como o enterro, por exemplo, que permitem que você veja a pessoa que faleceu e lhe ensinam que acabou, que aquele é o fim. Em relação ao princípio da autonomia, Goldim (1998) salienta que o terapeuta necessita estar atento no que concerne ao respeito às escolhas do indivíduo e a sua liberdade de ação. No entanto, dependendo da etapa do ciclo vital do indivíduo, a autonomia pode estar reduzida, como no caso das crianças e adolescentes ou em decorrência de doenças orgânicas ou mentais, bem como por condições sociais. Após dar entrada em uma instituição hospitalar, o paciente é absorvido por ela, que assume o controle por praticamente todos os aspectos de sua vida. Além da perda de controle, os pacientes passam por um fenômeno conhecido como despersonalização, nele o sujeito se torna apenas mais um doente, perde completamente sua identidade e subjetividade. Para Borges e colaboradores, a percepção da morte na visão do paciente terminal é diferente em cada fase do ciclo de vida. Segundo os autores, na infância, a morte pode ser representada conforme se modificam o pensamento e a linguagem. Para o adulto, a morte pode depender da experiência física e psicológica pela qual se está passando. Já, para o idoso, a morte pode ser configurada em uma perspectiva de maior resignação, quanto mais jovem o paciente, mais difícil lidar com a situação. A morte é evento “previsível” para as pessoas idosas e, por isso, o grau de aceitação da morte desses pacientes é maior, dado ser encarada como a fase final do ciclo da vida. A morte não atinge a equipe de saúde do mesmo modo, porque a percepção da perda é determinada por fatores como idade, circunstância da morte e, sobretudo, pelo grau de envolvimento com o paciente. Contudo, embora a morte faça parte do contexto da vida e da rotina do ambiente hospitalar, os integrantes da equipe multiprofissional de saúde – em geral – não estão preparados para enfrentar a morte e lidar com a perda de pacientes. Somente os indivíduos seguros em relação aos seus sentimentos, e com atitudes naturais diante da vida e da morte, terão atingido o estágio que lhes outorga capacidade de compreensão para auxiliar terceiros. Conforme sustentam Costa e Lima, para que se possa dar assistência adequada aos pacientes terminais, é necessário compreender as reações e comportamentos que tanto os pacientes quanto os familiares podem apresentar diante da proximidade da morte. O paciente poderá reagir de várias maneiras em relação à sua doença e à terminalidade de sua vida. Poderá aceitar ou negar; poderá ter o conhecimento de que está morrendo, mas emocionalmente se sentir incapaz de aceitar; ou poderá aceitá-la, mas não conseguir verbalizar a situação. Segundo Kübler-Ross, o diagnóstico de uma doença potencialmente terminal é fator de desestruturação psicológica, fazendo com que pacientes e familiares passem por algumas fases emocionais características. Sem necessariamente constituir um processo linear, de sequência rigorosa, já que nem todos os pacientes o vivenciam da mesma forma, os estágios sistematizados por Kübler-Ross permitem acompanhar o processo de morrer dos pacientes terminais, minorando seu sofrimento. O mais sensato seria falar sobre a morte com pacientes e familiares antes que ela ocorra de fato e desde que o queiram, até porque é mais fácil para a família discutir esses assuntos em tempos de relativa saúde e bem-estar do paciente. Ademais, adiar esse tipo de conversa não beneficia o doente em nenhum aspecto. (...) Kübler-Ross chega à conclusão de que, no último estágio, os pacientes que viveram a doença e receberam apoio podem chegar a essa fase aceitando o processo. Na maioria das vezes, o paciente manifesta grande tranquilidade e pode permanecer em silêncio. Já não experimenta o desespero nem rejeita sua realidade. Esse é o momento em que os familiares mais precisarão de amparo, ajuda e compreensão, devendo a equipe responsável ter ciência do estágio pelo qual o paciente está passando. É importante conhecer os principais fatores implicados no processo do adoecer e morrer. Não se pode desistir do tratamento do paciente, porque, ao sentir-se abandonado ou sem assistência, ele se entrega e desiste também. O paciente se sentirá confortado em saber que não foi esquecido, mesmo quando não houver mais nada a se fazer por ele. Nesse momento, os cuidados paliativos vão ao encontro das necessidades do paciente terminal, uma vez que podem, isso sim, minimizar a dor e o sofrimento, e ao mesmo tempo atender às suas necessidades básicas de higiene, nutrição e conforto, ajudando-o a manter sua dignidade como pessoa. PROCESSO DE LUTO E HUMANIZAÇÃO DA MORTE Ruiz (2008) aponta que apesar da Política Nacional de Humanização (PNH) oferecer processos que visem à construção de serviços humanizados, ela não aborda a assistência humanizada em meio ao processo de morte, fazendo-se necessária uma reflexão sobre cuidado prestado durante esse processo, pois exige também uma assistência humanizada. Assim sendo, uma nova temática tem sido levantada no que se refere à questão da humanização é a assistência prestada ao paciente em fase terminal, pois tem sido discutido como fazer acolhimento de forma humanizada no processo de morte em meios aos espaços de saúde. O cuidado paliativo que segundo Silva e Hortale (2006) é reconhecido como toda abordagem que visa melhora da qualidade de vida dos indivíduos e familiares na presença de doenças terminais. Embora ocorra, a humanização nem sempre está envolvida nesse processo, Santana et al. (2009) apontam que é fundamental unir os cuidados paliativos a uma proposta de ação mais humanizada, não como obrigação, mas sim como um ato de respeito e de solidariedade. Sob a ótica da Política Nacional de Humanização (PNH) “Humanizar é, então, ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais” (Brasil, 2004). No entanto, ao refletir sobre esse conceito na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), é notório que essa prática nem sempre é constante, visto que a UTI conforme apontado por Salicio e Gaiva (2006, p. 371) é: Uma unidade preparada para atender pacientes graves ou potencialmente graves, apesar de contar com assistência médica e de enfermagem especializadas e contínuas e dispor de equipamentos diferenciados, expõe o paciente a um ambiente hostil, com exposição intensa a estímulos dolorosos, onde a luz contínua, bem como procedimentos clínicos invasivos são constante em sua rotina de cuidados. Diante do exposto anteriormente, a questão a ser respondida é a possibilidade de assistência humanizada ao paciente em fase terminal, visando o atendimento individualizado em todo o processo de perda.humanização remete a um conjunto de iniciativas que visam à produção de cuidados em saúde, que englobam desde a melhor tecnologia disponível, a promoção de acolhimento, respeito aos valores e culturas do paciente, ambiente de trabalho favorável, bom exercício técnico até a satisfação dos profissionais de saúde e os usuários. Segundo Ferreira (2000) humanizar significa tornar humano, dar condição humana, tornar afável e tratável. A humanização da assistência requer conscientização e preparo da equipe para um cuidado diferenciado, entendendo o paciente como um ser humano. Alguns estudos na área da medicina intensivista apontam para a necessidade de mudar o enfoque predominantemente tecnicista, paciente-doença, para uma abordagem mais humana, que engloba o paciente de forma holística, ou seja, percebendo-o como um ser inserido num contexto, e que necessita será atendido nos aspectos físicos, psicológicos, sociais e espirituais. A filosofia dos cuidados paliativos: a) afirma a vida e encara o morrer como um processo normal; b) não apressa nem adia a morte; c) procura aliviar a dor e outros sintomas angustiantes; d) integra os aspectos psicológicos e espirituais nos cuidados com o paciente; e) oferece um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viver ativamente o máximo possível até a morte; f) oferece um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e seu próprio luto. (PESSINI, 2003 apud PESSINI, 2006). Essa nova perspectiva constitui desafio para os profissionais de saúde visto que, o paciente no processo de morte deixa de ser aquele por quem nada se pode fazer e passa a ser considerado como aquele que não responde mais as medidas terapêuticas de cura. Desta forma, sob a filosofia dos cuidados paliativos, temos muito que fazer para proporcionar uma morte mais digna, decente ou aceitável para um ser humano. A humanização do morrer apoia a concepção de que a morte não é um inimigo a ser combatido, ela faz parte do ciclo vital e do adoecer. A proposta dos cuidados paliativos é permitir que a pessoa viva intensamente seus dias finais de vida com controle da dor, e sendo assistido de forma holística. Partindo da ideia de que “mais vale acrescentar vida ao tempo do que tempo à vida”. A inclusão da família no processo de cuidado em Unidade de terapia Intensiva (UTI) é indispensável para podermos atender o paciente de forma holística. Humanizar significa a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito com o outro, acolher o desconhecido e reconhecer os limites. A humanização requer uma interação harmoniosa entre o cuidado técnico e científico. Requer também compromisso ético de todos os profissionais envolvidos na assistência, desde os atendentes da recepção até a equipe envolvida diretamente com a assistência do paciente e família. Humanizar de acordo com os valores éticos consiste fundamentalmente, em tornar uma prática bela, por mais que ela lide com o que tem de mais degradante, doloroso e triste na natureza humana, o sofrimento, a deterioração e a morte. Refere-se, portanto, a possibilidade de assumir uma posição ética de respeito ao outro e de reconhecimento dos limites. O ponto chave do trabalho de humanização está no fortalecimento desta posição ética de articulação do cuidado técnico científico, já construído, conhecido e dominado, ao cuidado que incorpora a necessidade, a exploração e o acolhimento do imprevisível, do incontrolável, ao indiferente e singular. 1.1 Concisões sobre o morrer A compreensão sobre a morte influencia na qualidade de vida da pessoa e na forma como ela interage no seu dia a dia com o processo de morte e morrer. O profissional com melhores condições de compreender e apoiar as famílias na dor permite-lhes o sentimento de amparo, bem como proporciona a validação dos sentimentos e emoções do enlutado (Ramírez, 2011; Reverte, García, Penas, & Barahona, 2014). A desmistificação do tema da morte auxilia os profissionais a conviver melhor com aqueles pacientes que não respondem mais aos tratamentos que visam a cura, permitindo à equipe aceitar melhor seus próprios limites de intervenção e dedicar-se a outros tipos de cuidado, como o paliativo. Os cuidados paliativos (CP) surgiram como uma necessidade da sociedade que perdeu as infraestruturas que lhe permitiam cuidar dos doentes graves e dependentes que requeriam cuidados constantes, sem que necessariamente a morte estivesse próxima. O PAPEL DO PSICÓLOGO HOSPITALAR (...) junto com a equipe multidisciplinar surge a figura do psicólogo com o intuito de escutar e acolher o sofrimento do indivíduo frente as suas principais dificuldades na fase de hospitalização. O objetivo do psicólogo hospitalar é auxiliar o paciente em seu processo de adoecimento, visando à minimização do sofrimento provocado pela hospitalização, devendo prestar assistência ao paciente, seus familiares e a toda equipe de serviço, levando em conta um amplo leque de atuação e a pluralidade das demandas (CHIATTONE, 2011). A atuação do profissional da psicologia no contexto hospitalar não se refere apenas à atenção direta ao paciente, refere-se também a atenção à família e a equipe de saúde, com o objetivo de promover mudanças, atividades curativas e de prevenção, além de possibilitar a diminuição do sofrimento que a hospitalização e a doença causam no sujeito. A psicologia hospitalar por ser uma área que lida diretamente com a subjetividade e sofrimento do outro exige que o psicólogo entenda os limites de sua atuação para não se tornar um dos elementos invasivos provenientes da hospitalização, bem como promover a humanização e a transformação social no ambiente hospitalar, sem ficar preso nas teorizações que isolam conflitos mais amplos (ESTIVALET, 2000). Conjuntamente com o enfoque da humanização e do atendimento em saúde, a interdisciplinaridade é uma das bases da tarefa do psicólogo que adentra no hospital, pois partindo desse pressuposto o sujeito doente deve ser considerado biopsicossocial (TAVARES et al., 2012). Contudo, é um desafio para o profissional da psicologia adentrar em um contexto onde se predomina o olhar biomédico, onde há limites institucionais regidos por regras, condutas e normas, além disso, o trabalho do psicólogo é muitas vezes deficiente no contexto hospitalar, pois a ausência de estrutura física impossibilita o espaço de cuidado do psicólogo (CHIATTONE, 2011). Ainda é muito presente o modelo tradicional de atuação do mesmo nesse contexto, porém, na verdade, mesmo que se busquem novas formas de cuidados psicológicos, nos deparamos com situações onde o profissional obriga-se a exercer seu trabalho nos corredores e entre macas (SEBASTIANI, 2011). **A atuação do psicólogo brasileiro se consolidou primeiramente no âmbito privado com o objetivo da prática psicoterápica clínica, assim para Marcon, Luna e Lisboa (2002) após a década de 60, a área da saúde pública abriu o espaço para a absorção dos profissionais em diversos segmentos, fazendo com que sua atuação nos hospitais se tornasse então uma nova área de atuação. Todavia, sabe-se que somente em 1962 a profissão de psicólogo foi regulamentada no Brasil e o primeiro curso de Psicologia foi implantado na universidade de São Paulo, quando logo mais tarde em 1987 a 1ª Conferência de Saúde Mental aprovou a redução progressiva de leitos em hospitais psiquiátricos e sua substituição por serviços alternativos à internação psiquiátrica, em seguida no ano de 1992 a 2ª Conferência de Saúde Mental aprovou a rede de atenção integral à saúde mental, com o objetivo de substituir os hospitais psiquiátricos. No âmbito de sua atuação, embora já se visualizasse a passagem para um modelo de atenção integral, o psicólogo era visto ainda exercendo seu trabalho clínico e não um trabalho ligado à saúde ou ao biopsicossocial e que em relação a sua formação os psicólogos não a tiveram pautados na área da saúde (MARCON; LUNA; LISBOA, 2002). Um aspecto importante em relação ao papel dos profissionais da psicologia no hospital é que este profissional deve estar pautado nos aspectos do adoecer, das crenças e das fragilidades dos pacientes e de seus familiares, assim para os autores o psicólogo deve promover a diminuição da angústia e da tensão para então mudar a impressão que as pessoas têm sobre o hospital, em contrapartida fazendo os usuários perceberem o hospital como um lugar que tenta oferecer condições para uma manutenção ou recuperação da saúde, ficando claro que a atuação do psicólogo hospitalar consiste de uma rápida capacidade de ação emergencial e para a construção de uma política qualificada em relação à saúde a humanização deve ser vista como uma das dimensões indispensáveis nesse processo, onde tenha função de mostrar que além de um programa, sua aplicação tem objetivo de torna-se uma política que opere em toda rede dos hospitais brasileiros (MOTA, MARTINS e VÉRAS, 2006). PACIENTES EM CRISE E O PAPEL DO PSICÓLOGO HOSPITALAR Ao trabalhar com o paciente enfermo, o psicólogo lida com o sofrimento físico e psíquico, tendo que compreender o sujeito em sua integralidade, entendendo e considerando o conflito determinado pela situação da doença e da hospitalização, o sofrimento físico, a dor e o mal-estar, destacando que a necessidade do atendimento psicológico muitas vezes não é percebida pelo paciente, pois diante da situação em si, todas as preocupações estão voltadas para o corpo doente, fazendo necessário então que a atuação preventiva no contexto hospitalar se torne real, com o objetivo de oferecer ajuda para que os pacientes possam alcançar o reconhecimento das motivações que estão subjacentes a seus problemas, dedicando-se precocemente ao diagnóstico de transtornos psicológicos do paciente e seus familiares, em trabalho diário com o objetivo de decodificar suas dificuldades. Com um perfil mais emergencial e focal, a intervenção pode ser feita pela psicoterapia breve ou pela psicoterapia de emergência, dando total apoio e suporte ao paciente, considerando o momento de crise vivenciado pelo mesmo na situação especial e crítica da doença e sua hospitalização, sendo assim, tanto a psicoterapia de emergência como a intervenção em crise são caracterizadas como técnicas breves advindas da psicanálise com especificas adaptações no nível estratégico para situações de emergência ou crise (CHIATTONE, 2011). Chiattone (2011) ressalta ainda a importância do olhar do psicólogo em relação aos pacientes hospitalizados, devendo levar em consideração alguns aspectos importantes nos processos de resolução da crise, sendo eles: os traços de personalidade dos pacientes, suas atitudes frente a vida, a maturidade interna e o grau de integração psíquica, as crenças que o mesmo possui sobre sua doença, suas reações a crises passadas e suas perdas significativas, os sinais psicológicos ou físicos de depressão, a presença de reações ou sinais paranóides e por fim a doença instalada, onde a psicoterapia emergencial surge como um apoio caracterizando-se de um processo de superação dos problemas ligados a situações de natureza traumática, onde dependendo do olhar que a pessoa tem sobre a situação permite que a mesma possa expressar livremente seus sentimentos em relação ao seu estado, sendo indicada a pacientes que passam por sobrecarga emocional muito grande, auxilia o paciente a atravessar o período crítico em que se encontra, determinado pelo processo da doença e hospitalização, permitindo-lhe buscar a elaboração e integração subjetiva dos acontecimentos. Considerando que o hospital é uma instituição marcada pela luta constante entre a vida e a morte. Um dos princípios significativos da psicologia no contexto hospitalar é a atuação conjunta do psicólogo e as equipes de saúde, onde o objetivo é maximizar nos pacientes a esperança de melhora, cura e minimização ou suspensão do sofrimento em si, já que a maioria das pessoas tem uma imagem negativa relacionada ao ambiente hospitalar, marcada por mortes e sofrimentos, sendo um local onde excita uma batalha constante diante das condutas terapêuticas. Sendo assim, para Chiattone (2011), a tarefa do psicólogo se define pela capacidade de apoio, compreensão e direcionamento humanizado das diferentes situações pelas quais passam esses pacientes e seus familiares, e culminar para que todo programa terapêutico eficaz e humano deva incluir apoio psicológico para o enfrentamento de todo o processo de doença e possibilidade de morte, pois o manejo de pacientes hospitalizados inclui a adaptação fisiológica e medica e a adaptação psicológica e existencial frente a situação traumática em si. Em relação aos pacientes e seus familiares, o psicólogo deve estruturar um trabalho de psicoterapia pautado num modelo comunicativo, reforçando o trabalho estrutural e de adaptação dos pacientes e seus familiares no enfrentamento da problemática vivenciada por ambos, direcionado, então, em um nível de apoio, atenção, compreensão, suporte ao tratamento, clarificação dos sentimentos, esclarecimentos sobre a doença e o fortalecimento dos vínculos pessoais e familiares. Em segundo plano, o psicólogo hospitalar pode ainda realizar a formação de grupos com o objetivo de informar, culminando num espaço de reflexão e expressão dos sentimentos, minimizando o impacto emocional e estresse vivenciados por eles. Em relação às equipes de saúde, o psicólogo hospitalar pode sistematizar a realização de grupos operativos, realizando um treinamento e clarificando o papel de cada profissional, além de estimular a realização de atividades para a diminuição do estresse visto que em profissionais da área da saúde o nível de estresse é elevado (CHIATTONE, 2011). (...) Desse modo, para Salman e Paulauskas (2013), o atendimento psicológico ao paciente pode ser caracterizado por intervenção focal pautado na psicoterapia breve de apoio, consistindo em avaliar sua situação, analisar a maneira de enfrentamento e a manifestação do paciente no momento presente, bem como construir opções de pensamento e, consequentemente, o comportamento. O que é levado em conta e o que se espera do terapeuta é que o mesmo possua uma postura ativa no manejo da assistência, com o intuito de permitir continência das manifestações, expressando concordância com ideias e atitudes do paciente, assim também reforçar as funções adaptativas do ego, reassegurando a boa percepção da realidade, além disso, o psicólogo tem como papel favorecer a percepção de novas formas de enfrentamento da situação, promovendo o devido suporte para o momento de instabilidade emocional, favorecendo o vínculo de confiança com a equipe multiprofissional. SOBRE LUTO Para Worden (1998), é essencial que a pessoa enlutada realize quatro tarefas básicas, antes que o processo de luto possa ser completado. Segundo ele, tarefas de luto não elaboradas podem prejudicar o crescimento e desenvolvimento futuros. Diz que essas tarefas não precisam ser necessariamente seguidas, em ordem específica, mas ele sugere a seguinte ordem: I – Aceitar a realidade da perda; II – Elaborar a dor da perda; III – Ajustar-se a um ambiente onde está faltando a pessoa que faleceu; IV – Reposicionar, em termos emocionais, a pessoa que faleceu e continuar a vida. De acordo com Freud (1913, p.65) “o luto tem uma tarefa física que precisa cumprir: a sua missão é deslocar os desejos e lembranças da pessoa que faleceu”. Assim, como a criança passa por etapas para seu desenvolvimento saudável as etapas do luto também precisam ser vivenciadas para que não ocorram traumas ou danos futuros. Sugestões de intervenções psicológicas na elaboração do luto: Identificar o conflito como foco; Identificar em que estado se encontra a pessoa enlutada; Pensar em estratégias de mudanças; Encorajar o paciente a dividir sua experiência de perda com outras pessoas; Desenvolver habilidades para novos relacionamentos no âmbito social. Ainda sobre luto, de acordo com Gambatto et al. os profissionais da saúde têm a tendência de adotar muitas vezes, inconscientemente mecanismos de defesa, como: negação da situação, distanciamento, manutenções de relações superficiais com os doentes, instituição de rotinas e protocolos, argumentando falta de tempo e de disponibilidade para ouvir e estar junto dos doentes. Neste contexto o psicólogo hospitalar pode ajudar a conter os sentimentos da equipe que lida com a morte, promovendo “encontros de equipe”, onde há espaço para os profissionais poderem falar e trocar suas experiências. Segundo Costa et al. o psicólogo tem por objetivo estimular a equipe a perceber e falar sobre suas dificuldades, facilitando assim uma melhor elaboração de seus medos e angústias, permitindo que a equipe de saúde tenha uma expressão livre de seus sentimentos. Os profissionais da saúde não são preparados para lidar com a morte, uma falha que vem desde a sua formação, onde não são ministradas aulas a respeito desta temática, o que acaba colocando no mercado de trabalho, profissionais preparados apenas tecnicamente e despreparados psiquicamente. É necessário investir em uma formação continuada, em criação de grupos de apoio aos profissionais da saúde para favorecer as despedidas, prepará-los para o processo de separação, comunicação e suporte, estimulando assim os participantes a falar sobre os problemas, as dificuldades e angústias que surgem no cuidado de clientes terminais, suas famílias e seus sentimentos