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PSICOLOGIA E TANATOLOGIA: UM DIÁLOGO NECESSÁRIO PARA A PRÁTICA CLÍNICA


Cloves Antonio de Amissis Amorim
Cláudia Lucia Menegatti
Renate Brigitte Michel

> OBJETIVOS

Ao final da leitura deste capítulo, o leitor será capaz de

reconhecer os principais aspectos relacionados aos fenômenos de morte, perdas e luto;


descrever as formas de manejo de indivíduos, família e comunidades em situações de luto;
analisar os desafios à saúde mental que as experiências de luto podem gerar em diferentes pessoas e em diferentes momentos da vida.

> ESQUEMA CONCEITUAL

> INTRODUÇÃO

A tanatologia é uma área de conhecimento multidisciplinar que recebe contribuições de diferentes disciplinas, como medicina, enfermagem, antropologia, ciências sociais, filosofia, direito, farmácia e bioquímica, serviço social e psicologia.1,2

No Brasil, o pioneirismo da tanatologia coube às psicólogas Wilma da Costa Torres, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Maria Julia Kovacs, da Universidade de São Paulo (USP). O diálogo entre a psicologia e a tanatologia floresceu principalmente no campo da psicologia da saúde e, em especial, na psicologia hospitalar.1,2

O grande desenvolvimento da tanatologia no mundo ocorreu após as Guerras Mundiais. Pode-se ilustrar esse desenvolvimento pela publicação de Hermann Feifel, que organizou o livro The meaning of death, em 1959. Nessa publicação, autores de prestígio à época, como Jung, Marcuse e Schneidman, contribuíram com capítulos.3

Entre os temas que compõem a tanatologia, listam-se o processo da morte e do morrer, as violências urbanas, o luto, o suicídio, o cuidado ao paciente no fim da vida e os estudos de desastres e calamidades.

A dimensão histórica da forma como o homem lida com a morte foi objeto de estudos de autores como Edgar Morin, Norbert Elias, Atul Gawande, Marzio Barbagli, Philippe Ariès e Georges Minois. Em relação ao tema do luto, atribui-se o pioneirismo a Sigmund Freud, que, em 1917, publicou Luto e Melancolia. Pode-se realizar a assistência aos
enlutados com diferentes estratégias, como aconselhamento, assistência religiosa e psicoterapia.

Kellehear, autor de Uma história social do morrer, psicólogo da Unidade de Cuidados Paliativos da Universidade La Trobe (Sydney), afirma que4

Estudar o morrer é como olhar para uma poça d’água. Nela vemos o reflexo do tipo de gente que viemos a ser. Por trás das imagens frágeis e transitórias do nosso eu individual que aparecem na superfície, existem sugestões de companhia menos
familiar: estranhas marés de história, ressacas culturais que fluem e refluem abruptamente na vida. As ondulações dessas forças tangem e trabalham a nossa identidade, primeiro para criá-la, e depois para testá-la antes de sua destruição final na
morte. Tais influências são sutis, deveras tão íntimas na nossa vida cotidiana, que geralmente mal lhe notamos o funcionamento por baixo da obsessão moderna de nos apresentarmos aos demais como distintos e individuais.

A morte ainda é tratada como tabu, negada e expulsa e, mesmo assim, ela invade o cotidiano frequentemente. Algumas vezes, de forma mais discreta, como é o caso das autolesões, com ou sem intenções suicidas, entre adolescentes, ou quando pessoas próximas manifestam o medo da morte. Hueso5 afirma que o temor da morte é independente de
todo o conhecimento, pois o animal o possui ainda que não conheça a morte.

Hueso5 classifica o medo da morte como o maior dos medos, embora Tomás-Sábado6 afirme que a morte é igual ao nascimento, um fenômeno natural, inerente à condição humana. Ao longo da vida de um ser humano, esses dois eventos são, provavelmente, os que produzem mais emoções, ainda que as respostas emocionais e a consideração social
para cada um deles sejam muito diferentes.

Becker7 descreve a negação da morte como um fenômeno atual e apresenta os mecanismos para disfarçar e ocultar a morte, por exemplo, os cemitérios, antes cheios de esculturas, agora se tornaram jardins, discretos, silenciosos, como convém ao moribundo se comportar.

O tema da morte tem invadido o cotidiano com as estatísticas das vítimas da doença do coronavírus 2019 (COVID-19). Medo e ansiedade, muitas vezes aglutinados à solidão, têm causado muito sofrimento psicológico e a demanda por cuidados que a psicoterapia comumente oferece. Além do luto, da morte e do morrer, outros eventos que
demandam atuação dos psicólogos clínicos são a ideação suicida, a conduta suicida e os sobreviventes de um suicídio, seja o paciente, sua família ou acompanhantes.

Solomon8 afirma que, nos Estados Unidos da América, morrem mais estadunidenses, por ano, vítimas de suicídio do que por acidentes automobilísticos. Esses números subiram 25% nas duas últimas décadas com aumento em quase todos os estados. Segundo ele, são 45 mil mortes por suicídio registradas só no ano de 2016. O suicídio é uma das 10
principais causas de morte no país e uma das três principais entre adolescentes.

Solomom ainda enfatiza que “o suicídio é resultado de desespero, desamparo, da sensação de ser um fardo para os outros, pode ser alimentado por uma doença mental ou por circunstâncias da vida, mas quase sempre é o resultado das duas coisas”. O autor ainda destaca a necessidade de programas preventivos de saúde pública para o tratamento da
depressão e da ansiedade no estágio pré-crise, portanto o suicídio é um tipo de morte evitável.8

Na prática clínica, para além dos transtornos que podem ser secundários a uma perda ou que podem potencializar a autoeliminação, múltiplos desafios podem ter diferentes configurações, como abordar o tema da morte com crianças, por exemplo, sejam elas crianças enlutadas ou pacientes com patologias potencialmente fatais.

Torres,9 ao longo de três décadas, realizou pesquisas experimentais sobre o desenvolvimento do conceito de morte em criança e produziu um acervo monumental e heurístico para a compreensão do conceito e a realização de cuidados com as crianças moribundas ou enlutadas. Paiva10 propõe a literatura infantil como recurso para abordar a morte
com crianças e educadores, ao passo que Lewis e Lippman publicaram A criança perante a morte dos pais, em 2012,11 para oferecer ajuda quando uma criança é confrontada com a morte de seus pais.

Neste capítulo, dá-se ênfase aos fenômenos de maior frequência nos consultórios de psicoterapia e nas atividades de psicólogos clínicos, os quais representam grandes desafios, que consistem em luto por suicídio e a família e o luto.

> ELISABETH KÜBLER-ROSS

Em resenha publicada por Amorim em 2000, encontra-se a seguinte afirmativa:12

Elisabeth Kubler-Ross representa uma reação do subjetivo, do pessoal, do intuitivo, do feminino, contra o público, o masculino, o econômico e o racional; com essa afirmativa, Klass (1982) explicita o que ele próprio definiu como um conflito entre
dois sistemas de símbolos, ou seja: o da esfera privada, pessoal, subjetiva frente ao da esfera pública, tecnológica e racional.

Kübler-Ross ficou conhecida pela sistematização de cinco estágios no processo do morrer. Esses estágios estão ricamente descritos no livro Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes, publicado em São Paulo, pela Editora Martins Fontes, sendo a 10ª edição de
2017.13

Para maior compreensão do legado de Elisabeth Kübler-Ross para a tanatologia, para a prática dos psicólogos, para a assistência às famílias enlutadas e para a compreensão do morrer, indica-se a leitura da autobiografia intitulada A roda da vida.

O primeiro estágio do processo de morrer denomina-se negação e isolamento. Kübler-Ross descreve algumas atitudes de pacientes ao tomarem conhecimento da fase terminal de suas doenças. Frases como “não, eu não, não pode ser verdade” caracterizam uma negação inicial. Posteriormente, crenças de que radiografias foram trocadas, a
busca por segunda, terceira ou quarta opiniões levam o paciente a uma romaria de médico em médico, a fim de ouvir um diagnóstico oposto ao recebido, sempre na busca e na esperança de que a primeira afirmativa seja incorreta.13

Kübler-Ross afirma que “comumente, a negação é uma defesa temporária, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. A negação assumida nem sempre aumenta a tristeza, caso dure até o fim, o que, ainda, considero uma raridade”. O estado temporário de choque do qual o paciente poderá se recuperar gradualmente pode ser substituído pela
confirmação para si mesmo com frases do tipo “é comigo, não foi engano”.13

Do ponto de vista clínico, Kübler-Ross sugere que, se o terapeuta ficar lado a lado ouvindo, retornando mais vezes, mesmo que o paciente não tenha vontade de falar no primeiro ou no segundo encontro, desenvolver-se-á um sentimento de confiança pelo fato de o paciente encontrar alguém solícito, disponível e assíduo.13

O segundo estágio se denomina raiva. Esse estágio pode vir acompanhado de inveja e ressentimento, sendo frequentes perguntas como “por que eu? Por que comigo?”, olhando para outra pessoa e perguntando “não poderia ter sido com ele?” Kübler-Ross destaca que, se não houver uma análise do motivo da raiva do paciente, profissionais da equipe
poderão não compreender que se trata do mecanismo psicológico do segundo estágio, quando, na verdade, nada ou pouco tem a ver com as pessoas em quem essa raiva é descarregada.13

O terceiro estágio é denominado barganha. É o menos conhecido, mas igualmente útil ao paciente por um tempo muito curto. O paciente em fase terminal pode usar de um expediente, em função de experiências anteriores, quando sabe que existe uma leve possibilidade de ser recompensado por um bom comportamento e receber um prêmio por
serviços especiais. Segundo Kübler-Ross, a barganha na realidade é uma tentativa de adiamento, e essa estratégia tem de incluir um prêmio oferecido “por bom comportamento”. A maioria das barganhas são feitas com Deus e são mantidas geralmente em segredo, ditas nas entrelinhas ou no confessionário do capelão.13

O quarto estágio é a depressão. Quando o paciente se submete a procedimentos invasivos ou a uma hospitalização prolongada, quando começa a apresentar novos sintomas e a ficar mais debilitado, não podendo mais esconder a doença, a sua revolta e a raiva cederão lugar a um sentimento de grande perda. Segundo Kübler-Ross, quando o paciente,
em fase terminal, é obrigado a se submeter à preparação para a própria morte, caracteriza-se uma modalidade de depressão.13

Kübler-Ross encontrou dois tipos de depressão em seus pacientes, a depressão reativa e a depressão preparatória. A primeira caracteriza-se por dificuldade de aceitar as perdas trazidas pela situação de adoecimento e iminência da morte, ao passo que a segunda, em vez de se dar com uma perda passada, leva em conta perdas futuras, como
potenciais experiências, encontros e realizações que não serão vividos por causa do fim da vida.13

Na depressão reativa, é fundamental a intervenção dos profissionais para ajudar a elaboração dessas experiências, ao passo que, na depressão preparatória, as palavras são desnecessárias, pois se trata de um silêncio necessário para se alcançar um quinto e último estágio.13

O quinto estágio é a aceitação. Um paciente que tiver tido tempo necessário e tiver recebido ajuda para superar estágios anteriores não mais sentirá depressão nem raiva quanto ao seu destino. Ele pôde externar seus sentimentos, sua inveja pelos vivos e sua raiva por aqueles que não são obrigados a enfrentar a morte tão cedo. Estará cansado e
bastante fraco, na maioria dos casos. Sentirá também necessidade de dormir com frequência, mas não é um sono de fuga, nem um instante de descanso para aliviar a dor, um incômodo ou um prurido.13

Não se pode confundir aceitação com um estágio de felicidade. É como se a dor tivesse se esvanecido, a luta tivesse cessado e fosse chegado o momento do “repouso derradeiro antes da longa viagem”.13

Para além dos estágios, Kübler-Ross também apresenta a dimensão da esperança. Ela aponta algumas atitudes diante da morte e do morrer e descreve a dinâmica familiar do paciente, sendo que essas observações foram obtidas pelas reações dos participantes ao seminário por ela realizado.13

Kübler-Ross conclui no XII capítulo — Terapia com os doentes em fase terminal —, destacando que as necessidades do paciente em fase terminal podem ser atendidas. Para isso, é preciso que alguém esteja disponível, com tempo para se sentar, ouvir e descobrir quais são as inquietações do paciente. Acrescenta que o trabalho com o paciente
moribundo requer maturidade que só vem com certa experiência. “Temos de examinar detalhadamente nossa posição diante da morte e do morrer, antes de nos sentarmos tranquilos e sem ansiedade ao lado de um paciente em estágio terminal”.13

Para instrumentalizar as ações junto a pacientes terminais, recomenda-se a leitura de outras obras de Elisabeth Kübler-Ross, como Viver até dizer adeus;14 O túnel e a luz: reflexões essenciais sobre a vida e a morte;15 e Viva agora e além da morte.16

ATIVIDADES

1. Observe as afirmativas sobre a tanatologia.


I. A tanatologia é uma área de conhecimento da psicologia que pode receber contribuições de outras disciplinas, mas apenas psicólogos atuam no seu manejo.
II. A psicologia da saúde e a psicologia hospitalar representam áreas nas quais houve o florescimento do diálogo entre a psicologia e a tanatologia.
III. O processo da morte e do morrer, as violências urbanas, o luto, o suicídio, os cuidados paliativos e, ainda, os estudos de desastres e calamidades estão entre os temas que compõem a tanatologia.
IV. A morte ainda é tratada como tabu, negada e expulsa; ela invade o cotidiano frequentemente, mas é igual ao nascimento, um fenômeno natural e inerente à condição humana, então esse tabu não tem razão de ser.

Quais estão corretas?


A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a II, a III e a IV.
C) Apenas a III e a IV.
D) Apenas a I, a II e a III.
Confira aqui a resposta

2. Segundo Solomon, o suicídio é um tipo de morte evitável, e o autor aponta formas de atuar nessa prevenção. De acordo com Solomon, como se pode atuar na prevenção do suicídio?
Confira aqui a resposta

3. Qual dos seguintes estágios do processo de morrer definidos por Elisabeth Kübler-Ross geralmente faz a pessoa questionar o porquê de estar vivenciando a situação?
A) Depressão.
B) Barganha.
C) Raiva.
D) Negação.
Confira aqui a resposta

4. Observe as afirmativas sobre os cinco estágios do processo do morrer elaborado por Elisabeth Kübler-Ross.
I. O quinto estágio é a aceitação, um estágio de felicidade. É como se a luta tivesse sido vencida e fosse chegado o momento do repouso derradeiro antes da longa viagem.
II. O terceiro estágio é denominado de barganha. Esse estágio é o menos conhecido e dura um tempo muito curto.
III. O primeiro estágio denomina-se negação e isolamento e pode ser ilustrado com frases como “não, eu não, não pode ser verdade”.
IV. A longa hospitalização e a submissão a procedimentos invasivos podem levar o paciente a desenvolver quadros de depressão, a qual pode ser dividida em reativa e preparatória.

Quais estão corretas?


A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I, a II e a III.
C) Apenas a III e a IV.
D) Apenas a II, a III e a IV.
Confira aqui a resposta
5. Sobre os dois tipos de depressão definidos por Elisabeth Kübler-Ross, correlacione a primeira e a segunda colunas.
󰍜 1 Depressão reativa ___ Perda de potenciais experiências 󰐌 Como funciona o Secad? 󰂜 󰘥 RF

2 Depressão preparatória ___ Dificuldade de aceitar as perdas trazidas pela situação de adoecimento
___ Iminência da morte
Aa Busque dentro do artigo 󰍉 ___ Realizações que não serão vividas

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) 2 — 1 — 1 — 2
B) 1 — 2 — 1 — 2
C) 2 — 1 — 2 — 1
D) 1 — 2 — 2 — 1
Confira aqui a resposta

> SUICÍDIO

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS),17 cerca de 800 mil pessoas perdem suas vidas por suicídio no mundo anualmente, configurando-se um grave problema de saúde pública, ainda mais acentuado em países de média e baixa renda. A OMS apresenta a reflexão sobre a possibilidade de evitar essas mortes, pois, além do sofrimento
emocional da pessoa que acaba por se suicidar, há o dano emocional e social aos que são afetados pela perda.

Com base na revisão realizada por Botega,18 considerando a multideterminação e a complexidade do fenômeno do suicídio, o autor elenca vários fatores de risco. Utilizando o ponto de vista temporal, esses fatores de risco podem ser divididos entre predisponentes (que ocorrem ao longo da história do indivíduo e de seu grupo familiar) e
precipitantes (fatores com proximidade temporal ao ato).

O suicídio de um familiar está entre os fatores predisponentes, ou seja, representa um fator de risco a ser cuidado e avaliado.19,20

Quando se estabelece uma comparação com a população geral, há um risco de duas a três vezes mais elevado de comportamento suicida, bem como de outros problemas psiquiátricos, como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e abuso de substâncias entre as pessoas enlutadas por suicídio.19,20

A exposição ao suicídio tem relação com o aumento de ideação e de tentativas de suicídio entre jovens, e há uma “janela de risco” para esses jovens no período de 2 anos ou mais após a perda.21

/ LUTO POR SUICÍDIO

Ao se estudar tanatologia e os processos de luto, alerta-se para uma condição específica, que é o luto por suicídio.22

O luto por suicídio se refere à dor da perda de uma pessoa querida que deliberadamente decidiu interromper sua vida.22

Uma morte não esperada e por causas consideradas não naturais, de modo súbito e violento, é profundamente impactante aos que conviviam com a pessoa falecida e para a comunidade como um todo. O suicídio deixa muitas perguntas não respondidas e sentimentos a serem acolhidos por toda a rede de apoio. Naturalmente, isso representa
uma série de dificuldades à medida que se trata de um tema ainda carregado de estigmas e tabus, como falar de morte e falar de morte por suicídio.

O estudo de Pitman e colaboradores, após ampla investigação de dados demográficos, históricos, psicossociais e de saúde mental de 3.432 adultos jovens enlutados por suicídio, encontrou associação entre enlutamento por suicídio e tentativa de suicídio em adultos jovens. Além disso, alertou que os pares de quem se suicidou podem ter o mesmo
risco que os familiares próximos. Uma das hipóteses levantadas pelos autores se refere à faixa etária dessa investigação, na qual a ideação suicida pode ser bastante frequente — um luto por suicídio pode precipitar uma tentativa em pessoas que já apresentavam ideação anteriormente.22

/ QUEM SOFRE COM O SUICÍDIO

A primeira resposta sobre quem sofre com o suicídio se refere a toda a sociedade, pois um suicídio rompe com a expectativa de que mortes não sejam autoprovocadas. A notícia de um suicídio choca, principalmente, familiares e amigos, especialmente pela busca de explicações sobre o ocorrido.

Quando ocorre um suicídio, o efeito no grupo familiar e de pares pode se estender por longo prazo, e, para alguns, estender-se-á por toda a vida. Esses efeitos são marcas de elaboração difícil, pois envolvem sentimentos contraditórios, como a raiva, a vergonha e a culpa.

O suicídio é um ato traumático às pessoas que conviviam com o falecido, desde seus familiares, amigos e pares, inclusive aos profissionais da saúde.

As estimativas de pessoas afetadas por um suicídio são diversas e apontam, pelo menos, cinco pessoas diretamente atingidas. Dependendo da idade da pessoa que se suicida, do grupo familiar e social (um estudante, por exemplo), o número de pessoas enlutadas pode ser muito maior.18–20

Por mais frágil ou distante que um vínculo familiar seja, o suicídio é um rompimento drástico no equilíbrio das relações, podendo promover desestruturação do grupo familiar.20 Assim, considera-se o suicídio uma tragédia de amplas proporções, a ponto de, na literatura, os enlutados serem considerados sobreviventes ao suicídio.23

O termo “sobrevivente” (survivor) descreve a pessoa profundamente impactada por um suicídio e foi proposto por Shneidman.24 Na literatura, discute-se se o termo a ser usado é “sobrevivente” ou “sobrevivente enlutado”.24,25

Tanto a pessoa que se suicidou quanto o seu grupo de convívio compartilhavam de um mesmo ambiente social, em variadas interfaces — familiar, escolar, ocupacional, social, política e econômica. Da mesma forma que a falta será sentida em diferentes contextos, as tensões sociais que se apresentavam à pessoa que faleceu permanecerão no
cotidiano dos enlutados.22

Mesmo com a compreensão de que esses estressores (tensões) têm obviamente distintos impactos nas diferentes pessoas, uma vez que cada um estabelece interações idiossincráticas com o ambiente, há compartilhamento de riscos familiares e ambientais,22 que serão maiores quanto mais próximo afetivamente o enlutado for da pessoa que
faleceu.19

O suicídio também impacta na saúde mental dos profissionais de saúde mental, como psiquiatras, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais e cuidadores.26,27

Outro grupo intensamente afetado pelo suicídio são os profissionais envolvidos no cuidado da pessoa que se suicidou. Pacientes com comportamento suicida representam risco ocupacional à saúde mental dos profissionais envolvidos.27 Em geral, os profissionais relatam dificuldades na retomada de suas atividades, podendo revisar
incessantemente prontuários e buscar supervisão,26 ou mesmo duvidar da própria capacidade profissional e evitar atender outros pacientes com risco de suicídio.27

As reações após o suicídio de um paciente podem ser variadas, e a maioria dos profissionais apresentarão enfrentamento positivo. No entanto, um grupo menor poderá ter reações de luto breve ou complicado, ou mesmo reações que se configurem como estresse pós-traumático secundário.27

O estresse pós-traumático secundário diz respeito ao sofrimento decorrente de contato ou de exposição ao trauma experienciado por outros. Essa proposição foi detalhada por Figley e deu origem às discussões sobre o sofrimento dos profissionais que se expõem intensa e repetidamente ao sofrimento de seus atendidos.28

Pode-se observar o estresse pós-traumático secundário nos profissionais por meio de alterações cognitivas, emocionais, motoras e somáticas relacionadas ao evento traumatizante. Essa condição pode envolver lembranças recorrentes acompanhadas de muito sofrimento, alterações de humor importantes, desesperança, medo intenso de que
algo semelhante aconteça novamente, entre outras reações.28

Nesses casos, o profissional passa a ser considerado uma vítima secundária diante do falecimento de seu paciente por suicídio. O impacto é maior para profissionais que tenham muita proximidade com o paciente, com relações terapêuticas mais intensas, e que tenham pouco apoio de pares, bem como falta de treinamento para lidar com essas
situações.27

/ PROCESSO DE LUTO POR SUICÍDIO E SUAS COMPLICAÇÕES

O luto por suicídio é uma experiência complexa e dinâmica, vivida de diversas formas e em variados graus, por diferentes pessoas, para a qual não há prazo determinado.19,23 Há uma dependência entre as experiências anteriores de perda (o que pode funcionar como fator para o enfrentamento positivo), bem como variáveis de personalidade,
familiares, ambientais enquanto moduladoras do processo de luto.20,22

Outro fator que concorre para a possibilidade de luto prolongado se refere ao trauma da morte, com atenção aos sobreviventes que tiveram a experiência de testemunhar o suicídio ou de encontrar o corpo das vítimas e constatar o acontecido.23 Observa-se, então, que há vários fatores moduladores que colocam o luto por suicídio como um risco
para o luto prolongado.

Na revisão de Fukumitsu e Kóvacs,23 recorda-se o processo dialético do luto, que envolve a alternância entre a orientação para a perda (lamento e recordações) e para a restauração, em direção à vida, de envolvimento em novos projetos e relações. Nessa alternância, observa-se um processo desde o momento da notícia do suicídio, que, em geral,
inicia-se com as reações de choque e de emoções contraditórias que poderão se prolongar por muito tempo.24

É comum se observar sensações de perda de controle quando se recebe a informação trágica. É possível se observar também emoções como raiva, tristeza, impotência, desespero, vergonha, bem como sensações de abandono e morte. Essas reações são paradoxais e podem se agravar, a depender também das reações das pessoas da
convivência social do enlutado.24

Quando ocorre morte por suicídio, desencadeiam-se muitos sentimentos, por vezes contraditórios. Entre os sentimentos frequentes, destacam-se a culpa e todos os questionamentos a ela associados, como a fantasia de ter evitado, de ter compreendido a situação anteriormente, ou mesmo de um julgamento social por uma morte não evitada.20

Na pesquisa de Fukumitsu com 32 pessoas enlutadas por suicídio, o sentimento e o relato de culpa foram o eixo comum a todas as entrevistas realizadas. A autora levanta a hipótese de que os pensamentos de culpa possam funcionar como estratégia para manter sempre presente a pessoa que faleceu.24

Outro sentimento frequente é a vergonha sobre a forma como a morte ocorreu, a qual pode ser acompanhada e reforçada pelos efeitos sociais que provoca. Os estigmas sociais da morte por suicídio afetam familiares e amigos, que poderão relutar em falar abertamente sobre o que aconteceu e sobre suas dores.22,24

É comum que, para evitar a condenação e o julgamento social, o enlutado deixe de falar sobre o ocorrido, arriscando que o processo de luto se prolongue ainda mais.24 Falar da dor da morte por suicídio é uma experiência contraditória — a dor faz com que se fale sobre a morte, e as consequências dessa fala são invalidadas pela sociedade em função
dos tabus da morte por suicídio em várias esferas.25

Assim, a questão que se coloca é se a maior dificuldade está em falar ou em ser ouvido a respeito do problema.25 Isso poderá dificultar que o enlutado conviva com o próprio sofrimento e com todas as repercussões da perda, além da necessidade de tentar reconstruir a própria vida.20

O estresse e o sofrimento dos enlutados não se devem somente ao suicídio, pois se somam ao processo, muitas vezes longo, que decorre do suicídio em relação a aspectos legais, sociais, financeiros e afetivos. Isso se refere aos processos de reconhecimento do corpo e emissão de documentos, o estresse pelos tabus e pelas
estigmatizações sociais, as repercussões nas mídias sociais, até o processo de enfrentar os espaços sociais e financeiros deixados pelo falecido.23,24,29

Nesse sentido, embora ter filhos ou crianças em casa e/ou responsabilidade por uma família se configure como fator de proteção ao suicídio,18 essas pessoas próximas serão as mais afetadas pelo suicídio, não só do ponto de vista emocional, como também social e econômico.23

É nessa contradição permanente que se insere a família da pessoa que se suicida: por um lado, existe a culpa já comentada por não ter evitado a morte, por outro, a angústia e a raiva pela desproteção que a perda traz a todos.23 Inclusive, podem ocorrer sentimentos de raiva e traição em relação ao falecido, pois ele tirou a sua vida, que era fonte e
destino do amor do enlutado.24

Para isso, o enlutado frequentemente busca explicações, que nunca serão completamente satisfatórias, pois não recuperarão o falecido.24

“O enlutado se vê demandado por ter de se manter vivo apesar da sensação de estar morto e assim começa nele o paradoxo entre a vida e a morte”.24

No processo de luto, são frequentes os relatos de adoecimento dos enlutados. É necessário alto e desgastante investimento emocional em continuar a vida após um suicídio, destacando-se que situações não resolvidas com o falecido funcionam como agravantes do luto.24

Assim, o processo pós-morte pode ser prolongado e estressante, com consequências à integridade física do enlutado, que se torna vulnerável ao aparecimento de doenças.24 Esse fator, com os riscos anteriormente mencionados à saúde mental e física dos enlutados, abre espaço para a necessidade de um tipo específico de atenção, chamado de
posvenção.

ATIVIDADES

6. Com base nos fatores de risco para o suicídio definidos por Botega, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
___ Fatores de risco predisponentes são fatores com proximidade temporal ao ato.
___ Fatores de risco precipitantes são fatores com proximidade temporal ao ato.
___ Fatores de risco predisponentes ocorrem ao longo da história do indivíduo e de seu grupo familiar.
___ Fatores de risco precipitantes ocorrem ao longo da história do indivíduo e de seu grupo familiar.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) F — V — F — V
B) F — V — V — F
C) V — F — F — V
D) V — V — F — F
Confira aqui a resposta

7. Observe as afirmativas sobre o luto por suicídio.


I. O luto por suicídio refere-se a uma morte violenta e carregada de estigmas e tabus socialmente estabelecidos.
II. O luto por suicídio pode ser uma experiência traumática, principalmente para as pessoas que testemunharam o suicídio, encontraram o corpo ou tiveram que identificá-lo no Instituto Médico Legal (IML).
III. O maior problema em relação à morte por suicídio é a ausência de explicações sobre o que aconteceu.

Qual(is) está(ão) correta(s)?


A) Apenas a I.
B) Apenas a II.
C) Apenas a II e a III.
D) Apenas a I e a II.
Confira aqui a resposta

8. Por que se considera o suicídio uma tragédia de amplas proporções?


Confira aqui a resposta

9. Sobre os fatores que colaboram para o luto por suicídio prolongado, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
___ Testemunhar o suicídio.
___ Encontrar o corpo da vítima.
___ Apresentar estresse pós-traumático secundário.
___ Constatar o acontecimento.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) V — V — F — F
B) F — F — V — F
C) V — V — F — V
D) F — V — F — V
Confira aqui a resposta

10. Na morte por suicídio, desencadeiam-se muitos sentimentos. Cite os principais.


Confira aqui a resposta

> POSVENÇÃO

Segundo Fukumitsu,24 a posvenção se refere ao conjunto de esforços que se dirigem a “minimizar o impacto das consequências da morte autoinflingida”.

O termo “posvenção” foi cunhado por Edwin Shneidman, referindo-se às possíveis intervenções com enlutados por suicídio, seus cuidadores e profissionais de saúde.24 Essas intervenções devem procurar romper com os estigmas da tragédia do suicídio e realizar prevenção secundária pelo risco de futuros suicídios, luto prolongado e traumas
(Figura 1).23,26,30,31
󰍜 A posvenção tem abrangência que se considera transgeracional, pois a possibilidade da prevenção poderá afetar as próximas gerações.23 󰐌 Como funciona o Secad? 󰂜 󰘥 RF

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Programas de posvenção envolvem oferta de cuidados multiprofissionais e comunitários, por meio de cuidados à saúde mental, aos aspectos psicossociais e espirituais, à organização de serviços de saúde pública aos sobreviventes e de orientação burocrática e jurídica.26

A Figura 1 apresenta os objetivos da posvenção.

FIGURA 1: Objetivos da posvenção. // Fonte:


Adaptada de Mental Health America of Texas
(2015).29

Um plano de posvenção precisa ser elaborado de forma adequada para ser abrangente, eficaz e contínuo, bem como articulado por vários serviços.

De acordo com as recomendações do Center for Disease Control and Prevention (CDC),29 é necessário organizar um comitê gestor de crise e monitoramento de casos. Quando houver mortes por suicídio ou mortes traumáticas em uma comunidade, o comitê deve estudar e implementar intervenções, especialmente quando essas mortes forem de
adolescentes ou de adultos jovens. É necessário planejar intervenções individuais (para os diretamente enlutados) e amplas para a prevenção dentro da comunidade.

Do ponto de vista familiar e comunitário, uma das metas mais importantes da posvenção se refere à possibilidade de reduzir o risco de novos suicídios.19,21,22

Pelo risco maior entre adolescentes e jovens em relação ao contágio emocional do suicídio, as posvenções são extremamente importantes em escolas e em comunidades nas quais ocorreu um suicídio.19,21,22

O primeiro passo é a conscientização de que o suicídio não deve ser glorificado e nem ser alvo de sensacionalismo ou de processos de difamação do falecido; em seguida, deve-se identificar pessoas em risco de suicídio e conectá-las aos serviços de saúde mental oferecidos naquele contexto. O comitê gestor precisará estar atento aos possíveis
fatores de riscos ambientais, para especial atenção ao risco de modelagem social do comportamento suicida. Finalmente, um alerta do Mental Health America of Texas se refere à necessidade de que se efetuem vigilância epidemiológica e observação da eficácia de procedimentos e resultados.19,22,26,29

Essa postura é compartilhada por outros estudiosos da posvenção,19,22,26,29 que atestam a necessidade da busca de evidência científica nessa área e de sistematização dos trabalhos.

Ao buscar identificar quais pontos de uma posvenção são determinantes de sua efetividade, na revisão de Andriessen e colaboradores,19 ressalta-se também que há a necessidade de ampliação de pesquisas para que se ateste a efetividade de uma ou outra abordagem ao luto por suicídio, pela necessidade de pesquisas mais amplas e com grupos-
controle.

Andriessen e colaboradores19 elencaram os pontos mais frequentes nas posvenções por eles analisadas, consistindo em adequar o nível de suporte a depender da gravidade do sofrimento do enlutado, priorizando atendimentos individualizados às situações de maior intensidade de problemas. O apoio aos pares também foi indicado, inclusive com
alternativas de modelo on-line.

Outro ponto indicado por Andriessen e colaboradores19 é o foco no processo de luto, inclusive com a possibilidade de avaliar a gravidade de o enlutado decidir sobre a complexidade e a amplitude da intervenção a ser oferecida, dividida em indicada (aos mais vulneráveis, com histórico de problemas emocionais e/ou luto complicado), seletiva (com
médio a alto impacto pela perda) ou universal (amplo espectro, para a comunidade e para as pessoas menos impactadas pelo suicídio).

Na literatura brasileira, também se apontam intervenções dirigidas aos enlutados diretamente pelo suicídio e intervenções para grupos e instituições24,32 dirigidas a escolas e a empresas nas quais o falecido convivia, por meio de intervenções às crises e da valorização da vida. Outro ponto destacado é a necessidade de intervenções psicoeducativas,
por meio das quais os profissionais de diferentes setores se tornem atentos à questão do suicídio e do luto, como os professores32,33 e os profissionais da saúde.24

O estudo de Menz e Brito33 destaca a necessidade de um olhar dirigido aos próprios participantes dos cursos e às suas necessidades, naquele caso, os professores e as suas próprias vulnerabilidades emocionais.

/ PRINCÍPIOS E HABILIDADES PROFISSIONAIS APLICADAS À POSVENÇÃO

A posvenção pretende, do ponto de vista de indivíduos e grupos, auxiliar na ressignificação do ocorrido. Não se refere a esperar que o luto acabe ou a pressionar para que a pessoa volte a se sentir bem, mas consiste em acompanhar as pessoas no processo de transformar o trauma em lembranças e saudade. É a possibilidade de se relacionar de uma
nova forma com quem faleceu, inclusive permitindo-se lembrar dessa pessoa como um indivíduo com uma história, não como um suicida. Desvincular essa palavra do nome da pessoa que faleceu é um processo que deve ser respeitado e acolhido.23,24,30

Segundo Fukumitsu,24 os principais problemas a serem enfrentados por familiares e amigos após o suicídio se referem ao enfrentamento dos julgamentos e dos estigmas, aos medos de que os suicídios possam se repetir na história da família, à invasão e à exposição e ao desrespeito nas mídias sociais, bem como a todos os problemas de vida prática
a serem resolvidos. Esses problemas fornecem as primeiras pistas à formulação de programas de posvenção.

Um princípio fundamental para a posvenção é o não julgamento. Os sobreviventes se encontram fragilizados, e os profissionais precisam representar um apoio à sua fragilidade e aos seus sentimentos que parecem contraditórios.24

O cuidado com a linguagem utilizada pelos profissionais, a sua habilidade de ouvir e não emitir comentários moralistas são condições necessárias para iniciar qualquer abordagem aos enlutados.24

A atitude de não julgamento poderá facilitar o processo de aceitação, lembrando que o profissional trabalhará em contextos de intenso e profundo sofrimento. O conforto e a aceitação, por meio de escuta qualificada em cuidados psicológicos, poderão dar ao outro espaço de falar do que é tabu e de percorrer seu próprio caminho de restauração e
reconstrução da vida.24,30

Não se deve estabelecer metas cronológicas para algumas ações, como se desfazer dos pertences de quem morreu, por exemplo.24,30

Nesse período, deve-se dirigir a atenção aos sinais de risco de suicídio, desde o medo da repetição do suicídio até as fantasias de reencontro com o ente querido.24,30 Pessoas enlutadas com ideação suicida podem evitar se expor justamente por estarem lidando com a ambivalência dessa condição, ou seja, ao mesmo tempo em que
percebem a dor que um suicídio provocou nos sobreviventes enlutados, estão em profundo sofrimento emocional e com dificuldade de encontrar alternativas.18,25

Grupos de apoio aos enlutados podem ser muito úteis, pois poderão tornar mais fácil aceitar a ideia de que as razões para o suicídio de um ente querido nunca serão completamente explicadas,24 além disso a rede de apoio deverá ser estimulada.

O compartilhamento de histórias por outros sobreviventes, desde que voluntário e em contexto protegido e terapêutico, poderá ter função de referência e de quebra dos tabus ligados ao suicídio.23,25 Nesse ponto, cabe o alerta de Fukumitsu24 em relação à exposição dos sobreviventes, pois eles já vêm de uma história de perda trágica, que, ao chocar
as pessoas, pode ter provocado reações de sensacionalismo, exposição, bem como intenso julgamento.

Como recomendações práticas, a literatura sugere que, enquanto o processo de luto é acolhido com seus sentimentos intensos, sofridos e contraditórios, é importante lembrar os sobreviventes sobre práticas de autocuidado, estratégias que promovam relaxamento e autocompaixão, manutenção de rotinas adequadas de sono e alimentação, bem
como observar o risco de uso ou aumento do uso de álcool e drogas.29

As estratégias para atendimento individual ou em grupo de enlutados devem se dirigir a24,25,29

reduzir o estigma;
ampliar as possibilidades de comunicação;
facilitar a reconexão com a rede de apoio;
prover psicoeducação sobre prevenção de riscos futuros, sempre preservando os enlutados.

Na prevenção de riscos futuros, sugerem-se algumas medidas práticas, como a verificação do estado emocional dos enlutados e de seu acesso a meios letais. Tanto no Brasil quanto em outras realidades, verifica-se a necessidade de reduzir a desinformação sobre as questões emocionais, éticas e legais do suicídio, o que também pode ser realizado nas
posvenções.24,29

Outro foco de atuação das posvenções se refere aos profissionais que estiveram envolvidos no cuidado à pessoa que se suicidou, de modo que se facilite o manejo dessa experiência tão impactante. O objetivo é enfrentar positivamente a perda, tornando-a fonte de futuros aprendizados. Apesar desse conhecimento, é frequente que os profissionais
não validem ou reconheçam o impacto dessas perdas, tornando-se ainda mais vulneráveis aos efeitos adversos à sua saúde mental.

A posvenção dirigida a profissionais envolvidos no atendimento a pacientes que se suicidaram é indicada por Leaune e colaboradores27 como uma das etapas que envolverá tanto os profissionais diretamente afetados pela perda como as equipes das instituições de saúde. A base da intervenção é a oferta de primeiros cuidados psicológicos, no
próprio local, aos profissionais mais fortemente impactados pela perda.

No Quadro 1, propõe-se uma etapa de intervenção à equipe, com espaço para exposição de sentimentos e experiências e do seguimento do cuidado às pessoas enlutadas mais afetadas.

QUADRO 1

SÍNTESE DE AÇÕES INDICADAS PARA A POSVENÇÃO

Família e amigos Acolhimento do luto e aceitação das emoções e dos processos individuais, culturais e das tradições
Atenção aos mais vulneráveis emocionalmente
Reequilíbrio do grupo familiar
Redução do risco de novos suicídios
Ampliação da comunicação e da busca de rede de apoio
Encaminhamento especializado quando necessário
Psicoeducação e orientações práticas (jurídicas, financeiras, entre outras)

Escolas e instituições Organização de comitê gestor de crises


Reequilíbrio da instituição com intervenções desenhadas para a crise detectada
Atenção aos mais vulneráveis emocionalmente
Redução do risco de novos suicídios
Psicoeducação para prevenção de suicídio e valorização da vida
Encaminhamento especializado quando necessário

Profissionais de saúde Posvenção especializada aos profissionais diretamente afetados


Oferta de primeiros cuidados psicológicos
Trabalho em grupo com as instituições de saúde para expressividade emocional e psicoeducação
Atenção aos mais vulneráveis emocionalmente
Encaminhamento especializado quando necessário

// Fonte: Adaptado de Andriessen e colaboradores (2019);19 Fukumitsu (2019);24 Scavacini (2018);25 Erlich e colaboradores (2017);26 Leaune e colaboradores (2020);27 Mental Health America of Texas (2015);29 Fukumitsu (2018).30

A pesquisa em posvenção pode ser ampliada, e isso parece ainda estar impactado pelo tabu ligado à morte por suicídio. À medida que esse tabu possa ser quebrado, gradativamente, haverá pessoas mais encorajadas a sair da prisão de seus sentimentos não ditos, escondidos, não tratados, permeados de culpa e vergonha, em direção ao que atualmente
se chama de crescimento pós-traumático no luto por suicídio.19

O crescimento pós-traumático se refere a mudanças psicológicas positivas após período traumático e de grande sofrimento, como uma morte súbita por suicídio.19 A reconstrução da vida é o maior benefício possível em uma posvenção, na qual as pessoas possam encontrar outras formas de viver depois da perda trágica de alguém amado.

ATIVIDADES

11. Observe as afirmativas sobre a posvenção.


I. Refere-se ao conjunto de esforços que se dirigem a minimizar o impacto das consequências da morte autoinflingida.
II. Tem abrangência limitada, pois a possibilidade da prevenção impacta apenas as pessoas diretamente envolvidas.
III. Envolve intervenções com enlutados por suicídio, seus cuidadores e profissionais de saúde, que devem procurar romper com os estigmas da tragédia do suicídio e realizar prevenção secundária pelo risco de futuros suicídios, luto prolongado e traumas.

Qual(is) está(ão) correta(s)?


A) Apenas a I.
B) Apenas a II.
C) Apenas a II e a III.
D) Apenas a I e a III.
Confira aqui a resposta

12. Quais são os objetivos da posvenção?


Confira aqui a resposta

13. A respeito da posvenção e das habilidades dos profissionais envolvidos nessa atividade, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
___ A posvenção é uma tarefa multiprofissional dirigida a maximizar o impacto do suicídio em familiares, amigos e em comunidades enlutadas.
___ A prioridade da posvenção é o apoio aos enlutados, e a prevenção do sofrimento emocional e da vulnerabilidade dos indivíduos e da comunidade atingidos não faz parte de suas atividades.
___ A possibilidade de comunicação respeitosa dos enlutados em programas de posvenção deve atuar para a redução do estigma do suicídio e facilitar a reconexão com a sua rede de apoio.
___ O não julgamento, a capacidade de ouvir e não emitir comentários moralistas sobre o processo de morte e luto são importantes habilidades para se trabalhar com posvenção.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) F — F — V — V
B) F — V — V — F
C) V — F — F — F
D) V — V — F — V
Confira aqui a resposta

14. Entre as estratégias a serem adotadas para reduzir o risco de novos suicídios em uma comunidade, qual das etapas a seguir tem o intuito de não glorificar o suicídio, nem torná-lo alvo de sensacionalismo?
A) Identificar os fatores de risco ambiental.
B) Conscientizar.
C) Identificar pessoas em risco.
D) Efetuar a vigilância epidemiológica.
Confira aqui a resposta

15. Qual das seguintes ações é indicada para a família e os amigos enlutados por suicídio?
A) Organização de comitê gestor de crises.
B) Trabalho em grupo com as instituições de saúde para expressividade emocional e psicoeducação.
C) Ampliação da comunicação e da busca de rede de apoio.
D) Oferta de primeiros cuidados psicológicos.
Confira aqui a resposta
M., com 63 anos de idade, é divorciada e mãe de três filhos (J. com 30 anos, H. com 28 anos e M.M., que faleceu aos 22 anos). M.M. se suicidou há 3 anos com uma arma de fogo. Na época, M. era casada com J.J., pai dos seus filhos. J.J. era o proprietário da arma que M.M. utilizou, o que agravou os conflitos e as acusações entre o casal após a sua
󰍜 morte. 󰐌 Como funciona o Secad? 󰂜 󰘥 RF

O filho mais velho, J., naquela época, já morava na cidade vizinha, onde havia conseguido um emprego. No dia do suicídio, M.M. avisou que não se sentia bem para ir à faculdade e ficou em casa, enquanto todos saíram para os seus afazeres. Às 15h daquela quarta-feira, a vizinha telefonou para o trabalho de M. avisando que ouviu um estrondo em sua
casa, bateu na porta e ninguém abriu. Em desespero, M. pegou um táxi e chegou em casa em longos 20 minutos. Encontrou o corpo do filho e o cheiro de sangue queimado junto a garrafas vazias de cerveja e vodca.
Aa Busque dentro do artigo 󰍉
Essa imagem nunca lhe saiu da cabeça e volta, até hoje, em pesadelos, dos quais ela acorda assustada. Quando ouve sons altos, associa-os ao tiro, o seu coração dispara, as mãos tremem e ela sente sobressaltos. Relata que se sente muito culpada por ter permitido que o ex-marido comprasse aquela arma. O filho tratava uma situação de depressão, e
M. nunca imaginou que fosse tão séria a sua situação, o que acaba ainda mais incentivando suas sensações e pensamentos de culpa.

Após o suicídio do filho, sentiu-se desnorteada e com dificuldades de saber o que fazer, a quem telefonar, como proceder. As pessoas no seu entorno também se sentiram assim. Seu filho mais velho foi o último a chegar e relatou que M.M. lhe telefonou às 13h, mas ele não pôde atender à ligação em função do trabalho.

Os comentários das pessoas foram muito dolorosos no velório e nos dias seguintes, perguntando se eles não haviam percebido os sinais, se não haviam feito algo para evitar, se o filho era doente e não havia sido devidamente cuidado. Houve quem culpasse os pais, e isso sempre retorna aos pensamentos de M. Ela relata que, se tivesse sido uma boa
mãe, teria evitado isso. Ao mesmo tempo, não consegue compreender as razões pelas quais o seu filho se suicidou e pensa nesse acontecimento insistentemente durante anos.

M. tem poucas amigas e está se preparando para se aposentar, com medo do que fará de sua vida. Fala da sua vida “antes e depois do suicídio do meu caçula”, situação na qual estar trabalhando foi a melhor saída, pois “trabalho no automático e o tempo passa”. Os filhos J. e H. já não moram mais com ela e, quando se encontram, frequentemente
conversam sobre a falta que M.M. faz. Atualmente, M. também está em tratamento para psoríase, problema que iniciou há 1 ano.

ATIVIDADES

16. Observe as afirmativas sobre o processo de luto que M. está atravessando.


I. O fato de ter encontrado o corpo do filho tornou a experiência da perda ainda mais traumática para M., aumentando a chance de que o processo de luto seja mais doloroso.
II. O caso evidencia que os sentimentos de culpa estão presentes e foram reforçados por tabus e estigmas sociais do suicídio.
III. O fato de ter experimentado um suicídio na família protege os irmãos e os amigos de M.M. do risco de suicídio.
IV. O adoecimento por psoríase pode estar relacionado ao estresse contínuo vivido por M. desde o suicídio de seu filho.

Quais estão corretas?


A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I, a II e a III.
C) Apenas a III e a IV.
D) Apenas a I, a II e a IV.
Confira aqui a resposta

17. Sobre o processo de posvenção a ser proposto na situação descrita no exemplo clínico, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
___ A enlutada e os seus filhos, para um trabalho de posvenção, serão convidados a contar em detalhes todas as suas experiências para que logo voltem a se sentir bem.
___ A posvenção, nesse caso, precisará identificar, entre familiares, amigos e pares de M.M., quais podem ser mais vulneráveis do ponto de vista emocional e procurar direcioná-los a cuidados específicos.
___ O contexto requer um olhar cuidadoso e avaliação para possíveis intervenções psicoeducativas e de crise na faculdade de M.M.
___ Os enlutados precisam ser preservados de exposições excessivas e sensacionalismos em torno do suicídio.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) V — V — F — F
B) F — V — F — V
C) F — V — V — V
D) V — F — V — F
Confira aqui a resposta

> LUTO NA FAMÍLIA

A morte é um acontecimento familiar. Apesar de simples, essa premissa costuma ser muitas vezes negligenciada pelos terapeutas, os quais, geralmente, adotam uma perspectiva individual ou em bloco para tratar o luto em uma família. Segundo Walsh e McGoldrick,34 é nos padrões continuados de interação e influência mútuas entre os sobreviventes
e, inclusive, entre as gerações, que os legados da perda encontram expressão.

Todos os sobreviventes à morte de um membro da família são atingidos, e isso influencia suas relações entre si, podendo alguns nem terem conhecido a pessoa que morreu.

Medeiros e Lustosa35 ressaltam que o luto não é determinado exclusivamente pelo tipo da morte, mas ele sofrerá influência a partir da qualidade das relações familiares preexistentes, pela qualidade dos vínculos estabelecidos e será afetado pelas condições atuantes mais próximas à morte propriamente dita.

O luto, mesmo quando considerado normal, não implica em ausência de dor. Ele exige um investimento à adaptação às novas condições de vida, tanto por parte de cada um dos indivíduos afetados quanto de todo o sistema familiar, o qual também sofre impacto em seu funcionamento e em sua identidade.

Percebe-se, portanto, que diferentes membros sentirão e reagirão de maneiras diversas à morte de um familiar. Essa diferença depende de certos fatores, e alguns dos mais importantes podem ser indicados, como o ciclo vital da família no momento da morte, o relacionamento da pessoa enlutada com o morto, o tipo da morte e a capacidade de
organização da família.

/ CICLO VITAL DA FAMÍLIA

Carter e McGoldrick36 apresentam uma perspectiva dos estágios do ciclo de vida familiar a partir dos quais se pode perceber que a vivência do luto deve ser avaliada dentro de um contexto não apenas individual, mas de um sistema familiar, podendo ter, portanto, um significado diferente para cada um dos membros. Em cada ciclo da vida familiar, cada
membro tem tarefas desenvolvimentais diferentes. Os estágios do ciclo de vida familiar citados pelas autoras são

familiares saindo de casa — jovens solteiros;


união de famílias no casamento — o novo casal;
famílias com filhos pequenos;
famílias com adolescentes;
famílias lançando os filhos e seguindo em frente;
famílias no estágio tardio de vida.

A morte de J., pai de uma família, cujos filhos estão na fase de adultez jovem, terá diferentes repercussões nos membros desse grupo. M., a esposa que se encontra no estágio cinco — lançando os filhos e seguindo em frente — inaugurará a vivência de uma viuvez, coincidindo com o momento em que os filhos estão deixando a casa paterna. Já os filhos,
provavelmente, estarão envolvidos na construção de suas próprias famílias nucleares e podem ficar menos sensíveis à vivência da perda.

Caso essa morte desorganize significativamente a renda da família, pode ser necessário que a mãe tenha que morar com um dos filhos recém-casados. O novo casal vai ter o acréscimo da tarefa de incluir a sogra/mãe no seu sistema. O processo de luto terá conotações diferentes para cada integrante, dependendo ainda da bagagem que cada um traz
da sua família de origem, como crenças, padrões, mitos, segredos e legados familiares.

De maneira diferente, a vivência da perda de um dos pais na infância vai depender muito das consequências dessa perda em questões como estrutura da família e, inclusive, das consequências econômicas.

Além disso, a adaptação da criança a essa perda estará sujeita, em grande escala, à forma como os adultos ao redor lidarão com essa perda. Já esse mesmo acontecimento na adolescência pode ser vivido de maneira mais conflituosa por coincidir com uma crise desenvolvimental pessoal. Para um indivíduo adulto, as questões de autonomia e
responsabilidades por si mesmo e, talvez já por sua nova família nuclear, contribuem geralmente para um processo diferente, no qual se impõe o chavão “a vida continua”. A partir daí, a morte dos pais de certa forma é previsível, incidindo muito mais, nesses casos, em questões do vínculo que se tinha com esse progenitor.

Todas essas questões devem ser levadas em consideração no momento do diagnóstico em outras situações de morte, seja de um filho, de um cônjuge, de um irmão ou de outros familiares, lembrando sempre que o impacto da morte promove uma demanda em todo o sistema da família, tanto emocional como relacional.

/ RELACIONAMENTO DA PESSOA ENLUTADA COM O MORTO

Culturalmente, alguns papéis tendem a ser muito valorizados, atribuindo-se, quase que automaticamente, o tipo de luto e/ou sofrimento que cada pessoa deve ter a partir da perda de um familiar.37

O contexto social sanciona e até exige uma determinada emoção para a perda dos pais, do cônjuge ou de um filho. O mesmo contexto social coíbe a expressão de sentimentos para outras perdas, como se elas não pudessem merecer tamanho espaço na vida da pessoa enlutada, como no caso de um amigo ou de um animal de
estimação.37

No entanto, na realidade, nem sempre a perda de um dos pais, por exemplo, é vivida com o mesmo pesar por todos, inclusive dentro da mesma família. É comum que um filho mais próximo e mais identificado com esse familiar sinta a perda de maneira muito mais intensa, diferentemente de outro filho, que mantinha com o morto um relacionamento
mais distante ou até mais conflituoso.

Parkes,38 refletindo sobre os aspectos que concorrem para o tipo de luto, indica que alguns antecedentes são importantes de serem levados em conta. No caso da relação com o morto, o autor ressalta que é importante considerar parentesco, força do apego, segurança do apego, grau de confiança, envolvimento, intensidade da ambivalência (amor e
ódio).

Os conflitos familiares podem ser fator agravante para o luto complicado. Nesses casos, mesmo que inicialmente o membro pareça não apresentar grandes comprometimentos, com o passar do tempo, o sentimento de culpa por assuntos não resolvidos ou de mágoas não esclarecidas pode gerar sintomas de todas as ordens. Além
disso, os sentimentos de alívio pela morte de alguém, que não trazia muito conflito para alguém da família, não tem permissão cultural para ser expresso.

Quando a família apresenta um bom funcionamento, o apoio mútuo aos seus membros colabora para um melhor processo de ajustamento adaptativo à situação de perda. Por outro lado, quando a família expressa seus sentimentos e pensamentos, expondo suas diferentes opiniões, trazendo consigo requisitos para um bom funcionamento familiar, as
pessoas conseguem enfrentar situações estressantes, como a notícia de um óbito, podendo se ajustar a essa situação usando a colaboração uns dos outros.

A morte de um familiar leva o sobrevivente a refletir sobre sua própria percepção em relação à vida, à morte e à sua própria morte.

/ TIPOS DE MORTE

O tipo de morte pode ter grande influência no processo de luto dos sobreviventes. A morte por uma doença crônica costuma permitir uma antecipação desse trabalho psíquico, bem como possibilita a resolução de pendências e a redistribuição dos papéis entre os membros da família. As mortes ambíguas tendem a estar entre as mais complicadas pela
impossibilidade de se ter acesso ao corpo do familiar e, portanto, pela incerteza da realidade da morte. Já as mortes súbitas geralmente são mais desorganizadoras pelo inesperado da situação.

Mortes por suicídio podem ter efeitos nefastos nos membros da família, desde culpas, dúvidas e atribuições de responsabilidades entre eles.

Segundo Walsh e McGoldrick,34 as complicações na resolução do luto são mais prováveis em caso de perdas prematuras, coincidência de múltiplas perdas ou, dependendo do momento, de outro grande estresse familiar, além das perdas traumáticas não resolvidas no passado, incluindo replicações de aniversários transgeracionais.

L. e R. esperavam com alegria seu primeiro filho. No entanto, no início do terceiro mês de gravidez, ocorreu um aborto espontâneo. L. se sente muito triste, chora escondida, tem insônia e apresenta dificuldades de se concentrar no trabalho.

R., após alguns dias, volta a ficar alegre e a querer se divertir, mas seus convites são sempre recusados por L. O casal começa a se afastar emocionalmente. L. se sente sozinha, e R. se sente rejeitado e irritado. Eles não falam sobre o acontecido nem sobre os seus sentimentos.

L. acha que o aborto foi incompetência sua, pois nunca na sua família alguém abortou, e não quer aborrecer R. com as suas dúvidas. R. não acha o evento tão importante, pois, na sua família, muitas das mulheres tiveram abortos e depois conseguiram levar as suas gravidezes a termo tranquilamente, mas ele não fala com L. sobre o aborto, pois não
quer provocar a sua tristeza e não entende a sua reação.

/ CAPACIDADE DE REORGANIZAÇÃO DA FAMÍLIA

As reações de luto entre os membros de uma família são diversas, mas, de maneira geral, os sentimentos mais comuns vivenciados pelos que sobrevivem à perda são tristeza, raiva, culpa, solidão, desamparo, choque, alívio e torpor.

A morte chega em nossa casa, num dia qualquer, interrompe um projeto, engaveta sonhos, esvazia os abraços, emudece a voz, silencia os passos. Sua chegada não pede grandes acontecimentos, se espreita pelos cantos da casa em horários
corriqueiros – após o jantar, dormindo, antes do amanhecer, vendo um programa de TV, no meio de um filme, esperando o almoço de domingo – sem cerimônias, uma visita certa, mas ainda assim intrusa. A notícia alardeia, assusta, desses espantos
que acontecem quando somos tomados por notícias inesperadas. A casa se enche, vizinhos, familiares e amigos, surpresos, nos dizem palavras que nosso coração, esperançoso de viver num distanciamento confortável das separações, não assimila.
Pouco ajudam frases como “ele está melhor agora” ou “você tem de ser forte”, simplesmente porque precisamos de tempo para que o pensamento convença o coração sobre a vida, suas chegadas e partidas. Os dias passam, a casa esvazia, as
pessoas retornam à vida. As flores secam em nosso quintal, faltam mãos para as simplicidades do cotidiano, o cheiro do café desaparece, as roupas empilhadas não encontram sol, a poeira faz moradia nos móveis, sobramos nos vazios silenciosos
deixados por quem se foi. Nossos pés fazem paradas longas na cama, os olhos vazam paredes fazendo perguntas que aceitariam respostas que nos restituíssem ao dia de ontem, que nos devolvessem um lugar que não é mais nosso, um estado
anterior.39

Uma família mais integrada pode mostrar reações mais explícitas no momento da morte do seu membro, mas se adaptar rapidamente. Em contraste, outras famílias, que apresentam menor integração, podem demonstrar poucas reações imediatas, mas, posteriormente, apresentarem problemas físicos ou emocionais.

Uma onda de choque emocional pode repercutir pelo sistema muito tempo depois da perda de um membro. Essa onda costuma ocorrer mais frequentemente após a morte de um membro significativo da família e produz efeitos principalmente nos indivíduos que mantêm uma dependência emocional com o morto. Além disso, muitas vezes a família
não consegue relacionar os novos sintomas com o evento da morte já ocorrido há mais tempo.

Toda a reorganização familiar depende do tipo da morte, do momento do ciclo de vida familiar, das relações com a pessoa que morreu, além da rede de apoio e dos recursos da comunidade disponíveis para os enlutados.

/ TAREFAS NECESSÁRIAS

Walsh e McGoldrick prescrevem quatro tarefas fundamentais para a elaboração do luto na família, que são34

o reconhecimento comum da realidade da morte;


a experiência compartilhada da perda e sua colocação em contexto, a qual geralmente envolve rituais funerários e outras experiências por meio das quais as famílias podem compartilhar os sentimentos e pensamentos ligados à perda;
a reorganização do sistema familiar, que envolve a necessidade do realinhamento das relações e a redistribuição dos papéis;
o reinvestimento em outros relacionamentos e projetos de vida.

Nas famílias nas quais certos sentimentos, pensamentos e lembranças são proibidos por lealdades familiares ou tabus sociais, pode ocorrer o bloqueio da comunicação, o que contribui para o aparecimento de comportamentos sintomáticos ou a ocultação de certos sentimentos que podem reaparecer em outros contextos, desconectados de sua
origem.

De acordo com Worden,40 o processo de luto termina quando o enlutado deixa de ter necessidade da representação do falecido com uma intensidade exagerada no seu cotidiano. Ou seja, é necessário aceitar a morte e prosseguir com a vida, embora as lembranças existam para sempre.

O terapeuta deve incentivar a família a lembrar apenas dos momentos bons da família com o familiar morto para preservar a sua boa imagem.

ATIVIDADES

18. O luto não é determinado exclusivamente pelo tipo da morte, mas sofrerá outras influências. Observe as afirmativas sobre essas influências.
I. Qualidade das relações familiares preexistentes.
II. Qualidade dos vínculos estabelecidos.
III. Condições atuantes mais próximas à morte propriamente dita.
IV. Abordagem individualizada coerente com o processo de cada um.

Quais estão corretas?


A) Apenas a I e a II.
B) Apenas a I, a II e a III.
C) Apenas a III e a IV.
D) Apenas a I, a II e a IV.
Confira aqui a resposta

19. Sobre os diferentes estágios familiares e a forma de impacto do luto, marque V (verdadeiro) ou F (falso).
___ A vivência da perda de um dos pais na infância vai depender muito das consequências dessa perda em questões como estrutura da família e, inclusive, das consequências econômicas.
___ A adaptação do adolescente à perda de um dos pais estará sujeita, em grande escala, à forma como os adultos ao redor lidarão com essa perda.
___ A perda de um dos pais na adolescência pode ser vivida de maneira mais conflituosa por coincidir com uma crise desenvolvimental pessoal.
___ O impacto da morte de um dos pais promove uma demanda para os adultos no sistema da família, pois alguém precisa assumir o papel do progenitor.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta.


A) V — V — F — F
B) F — F — V — V
󰍜 C) F — V — F — V 󰐌 Como funciona o Secad? 󰂜 󰘥 RF

D) V — F — V — F
Confira aqui a resposta
Aa Busque dentro do artigo 󰍉
20. Quais são os fatores envolvidos no luto do familiar que mantinha convívio conflituoso com os demais?
Confira aqui a resposta

21. Qual dos seguintes tipos de morte tem características desorganizadoras pelo inesperado da situação?
A) Mortes por doença crônica.
B) Mortes ambíguas.
C) Mortes súbitas.
D) Mortes por suicídio.
Confira aqui a resposta

22. Segundo Walsh e McGoldrick, quais são as quatro tarefas fundamentais para a elaboração do luto na família?
Confira aqui a resposta

> DA TEORIA À PRÁTICA

Ampliar o repertório de conhecimentos em tanatologia seguramente instrumentalizará o clínico para intervir, individualmente ou em grupo, em consultórios ou em instituições, de forma competente e baseada em evidências.

Obras recentes, como Educação para a morte, de Kovács;41 Luto por perdas não legitimadas, organizado por Casellato,42 ou mesmo A Psicologia na Pandemia — compreender e enfrentar a COVID-19, coordenada por Paulino e Dumas-Diniz,43 podem contribuir para a atualização de grandes temas da tanatologia.

Worden compreende o processo do luto como a realização de algumas tarefas, como40

aceitar a realidade da morte;


vivenciar o pesar;
ajustar-se a um meio no qual o falecido não mais se encontra;
encontrar conexão duradoura com a pessoa morta em meio ao início de uma nova vida.

Essas quatro atividades receberam uma releitura segundo a perspectiva da análise do comportamento, em um artigo de Nascimento e colaboradores, Luto: uma perspectiva da Terapia Analítico-Comportamental.44

Cerentini e colaboradores afirmam que o luto é uma demanda frequente na prática clínica, mas que ainda há uma reduzida quantidade de publicações sobre o assunto dentro da abordagem da terapia cognitivo-comportamental (TCC). No mesmo capítulo, ainda destacam, ao tratar do modelo cognitivo do luto, que, “Durante o processo de luto, muitos
pensamentos e sentimentos são experimentados. O processo cognitivo de uma pessoa, porém, desempenha um papel importante na adaptação à perda”.45

Entre os recursos e estratégias psicoterapêuticas, além dos já citados, há os baralhos que facilitam a conversação sobre diferentes temas, inclusive sobre morte e luto. Cogo e colaboradores46 organizaram e publicaram o baralho Conversando sobre o luto e ressignificando perdas. O material vem em uma linda caixa, com sete cores correspondentes a
eixos temáticos (expressão, narrativa, reparação, informação, memorialização, reconstrução e autoanálise), com cartas que apresentam perguntas e que podem ser adaptadas pelo profissional. Junto às cartas, encontram-se um pequeno manual de orientação para o uso individual ou coletivo e a completa explicação da proposta.

ATIVIDADES

23. Sobre as atividades do terapeuta junto a uma família enlutada, é correto afirmar que
A) o terapeuta deve manter os atendimentos individuais com cada membro, para que um não contamine o outro com seu sofrimento.
B) o terapeuta deve evitar incentivar os membros da família a cumprirem os rituais funerários, pois cada membro deve saber do seu limite.
C) o terapeuta deve manter o foco das sessões no momento atual, para não provocar memórias de perdas passadas, causando maior estresse na família.
D) o terapeuta deve incentivar a comunicação e a livre expressão dos afetos, mesmo que eles sejam contraditórios entre os diferentes membros da família.
Confira aqui a resposta

> CONCLUSÃO

“É a transitoriedade da vida que engrandece o amor”.47 Entre os principais fenômenos da tanatologia com que o psicólogo clínico se depara na sua prática, está o luto, fenômeno que ocupou lugar central neste capítulo, sem esquecer da terminalidade e dos cuidados paliativos, do suicídio e também dos cuidados com o cuidador.

Franco e Polido destacam que existem diferentes manejos clínicos para se realizar a psicoterapia do luto, havendo, portanto, segundo as autoras, concordâncias e discordâncias à luz de diferentes abordagens teóricas. Todavia, elas são enfáticas ao afirmar que “os profissionais que se dispuserem a trabalhar com o luto devem buscar conhecimento,
capacitação, atualização [...]. Não esquecendo, contudo, suas próprias limitações”.48

É possível ainda destacar o que afirma Franco, pioneira no estudo do luto e, em especial, da psicoterapia do luto no Brasil, seja no Laboratório de Estudos do Luto (LELU), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), seja no Instituto Quatro Estações “Não há dois processos de luto idênticos, é um processo particular, específico e
subjetivo”. Também é uma contribuição da mesma autora “se conhece muito sobre o luto individual e pouco sobre o familiar, atribuindo essa lacuna no conhecimento pelo fato do luto ter sido estudado como conteúdo e não como processo”.49

Nesse momento histórico, a comunidade demanda especial atenção aos enlutados pela pandemia. Gabriel e Paulino apresentam material muito bem fundamentado em um capítulo intitulado Processo de luto: viver a perda em tempos de pandemia. Nesse material, afirmam que “para cada falecimento, existem cerca de seis pessoas em luto”.50

Finalmente, e parece que continuará demandando atenção, há o luto do imigrante. Jacobucci e Carvalho51 relatam que os fluxos migratórios fazem parte da história da Humanidade, sendo que atualmente, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais de 70 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a abandonar o seu local de
nascimento.

De acordo com as autoras,51 o imigrante é aquele que toma a decisão consciente de deixar sua casa e se mudar para um país estrangeiro com a intenção de lá se estabelecer. Migrar é uma experiência que impacta e traz mudanças significativas em todas as áreas da vida de um sujeito. Setim e Amorim52 analisaram o luto de 24 imigrantes no Brasil,
principalmente venezuelanos e haitianos, concluindo que a experiência dos participantes da pesquisa era de elevado estresse, sentimentos de vulnerabilidade e de luto.

Mesmo que a sociedade seja pragmática, exigindo eficiência, técnica, força e permanente estado de felicidade, de acordo com Kovács,53

O luto não elaborado pode gerar várias formas de adoecimento, inclusive o suicídio. Para os profissionais de saúde mental a autora sinaliza que o processo de luto necessita de tempo, reclusão, introspecção; porém, a sociedade atual demanda
rapidez e sentimentos positivos, forçando uma situação capaz de criar grandes conflitos, sobretudo no ambiente de trabalho. Cabe ressaltar que, em nosso país, não temos leis nem políticas públicas para enlutados.

Espera-se que os apontamentos apresentados e a revisão de literatura aumentem a disposição de profissionais para se aproximar do tema da morte e do morrer, reposicionando seus medos e angústias e acreditando que, embora seja um tema árduo, complexo e desafiador, existe uma demanda na comunidade identificada desde o início do século XX,
quando Freud publicou Luto e melancolia.

Mais recentemente, profissionais se deparam com a necessidade de construção de estratégias de enfrentamento e da construção de resiliência, desde os momentos iniciais das perdas, para que o indivíduo que a viva — ou o grupo familiar —, ressignifique sua perda e recupere o sentido à sua existência.

> ATIVIDADES: RESPOSTAS

Atividade 1 // Resposta: B
Comentário: A tanatologia é uma área de conhecimento multidisciplinar que recebe contribuições de diferentes saberes. No Brasil, floresceu na psicologia hospitalar e da saúde e, socialmente, ainda se mantém o tema da morte como tabu.

Atividade 2
RESPOSTA: Solomon destaca a necessidade de programas preventivos de saúde pública para o tratamento da depressão e da ansiedade no estágio pré-crise como forma de evitar o suicídio.

Atividade 3 // Resposta: C
Comentário: De acordo com Elisabeth Kübler-Ross, o segundo estágio no processo de morrer se denomina raiva. Esse estágio pode vir acompanhado de inveja e ressentimento.

Atividade 4 // Resposta: D
Comentário: De acordo com Elisabeth Kübler-Ross, não se pode confundir a aceitação com um estágio de felicidade. Na fase ou no estágio da aceitação, o indivíduo se recolhe, diminui a angústia e se prepara para a última viagem.

Atividade 5 // Resposta: A
Comentário: Elisabeth Kübler-Ross apresenta dois tipos de depressão: a depressão reativa e a depressão preparatória. A primeira caracteriza-se por dificuldade de aceitar as perdas trazidas pela situação de adoecimento e iminência da morte, ao passo que a segunda, em vez de se dar com uma perda passada, leva em conta perdas futuras, como
potenciais experiências, encontros e realizações que não serão vividas por causa do fim da vida.

Atividade 6 // Resposta: B
Comentário: A primeira afirmativa é falsa, pois fatores com proximidade temporal ao ato são fatores de risco precipitantes, e não predisponentes. A quarta afirmativa é falsa, pois fatores de risco que ocorrem ao longo da história do indivíduo e de seu grupo familiar são predisponentes, e não precipitantes. Em outros termos, com base na revisão
realizada por Botega, considerando a multideterminação e a complexidade do fenômeno do suicídio, o autor elenca vários fatores de risco. Utilizando o ponto de vista temporal, esses fatores de risco podem ser divididos entre predisponentes (que ocorrem ao longo da história do indivíduo e seu grupo familiar) e precipitantes (fatores com proximidade
temporal ao ato).

Atividade 7 // Resposta: D
Comentário: A morte por suicídio pode vir acompanhada de sentimentos contraditórios, como culpa, raiva, vergonha, traição e abandono, além da convivência com a ausência de explicações suficientes sobre o que aconteceu com o familiar falecido, contudo, não se pode classificar este último fator como o “maior” problema. É o conjunto de morte
trágica, traumática e sem explicações que confortem o enlutado, com os tabus e os estigmas sociais, que estabelece o contexto intenso e um contraditório sofrimento emocional.

Atividade 8
RESPOSTA: Por mais frágil ou distante que um vínculo familiar seja, o suicídio é um rompimento drástico no equilíbrio das relações, e esse acontecimento pode promover desestruturação do grupo familiar, por isso é considerado uma tragédia de amplas proporções, a ponto de, na literatura, os enlutados serem considerados sobreviventes ao suicídio.

Atividade 9 // Resposta: C
Comentário: A terceira afirmativa é falsa, pois estresse pós-traumático secundário diz respeito ao sofrimento decorrente do contato ou da exposição com trauma experienciado por outros. Há vários fatores moduladores que colocam o luto por suicídio como um risco para luto prolongado, como os sobreviventes que tiveram a experiência de
testemunhar o suicídio, ou encontrar o corpo das vítimas e constatar o acontecido.

Atividade 10
RESPOSTA: Entre os sentimentos mais frequentes diante de uma morte por suicídio, estão a culpa e todos os questionamentos a ela associados, a vergonha sobre a forma como a morte ocorreu, que pode ser acompanhada e reforçada pelos efeitos sociais que provoca, a dificuldade de falar da dor em função dos tabus da morte por suicídio, além de
sentimentos de raiva e traição em relação ao falecido, pois ele tirou a sua vida, que era fonte e destino do amor do enlutado.

Atividade 11 // Resposta: D
Comentário: A posvenção tem uma abrangência que se considera transgeracional, pois a possibilidade da prevenção poderá afetar as próximas gerações.

Atividade 12
RESPOSTA: Os objetivos da posvenção são apoiar os enlutados diretamente e de forma respeitosa, intervir na comunidade, observando e apoiando outras pessoas que apresentem vulnerabilidade ao suicídio, estimular a comunicação e a integração com serviços comunitários de forma atenta e respeitosa.

Atividade 13 // Resposta: A
Comentário: A primeira alternativa é falsa pois o objetivo da posvenção é minimizar o impacto do suicídio em familiares, amigos e comunidade enlutada. A segunda afirmativa é falsa, pois a prevenção do sofrimento emocional e da vulnerabilidade dos indivíduos e comunidade atingidos faz parte das atividades dos profissionais envolvidos na
posvenção, que terão mais sucesso se coordenadas por equipe multiprofissional e articuladas com serviços da comunidade, tanto serviços de saúde mental, quanto educativos e espirituais.

Atividade 14 // Resposta: B
Comentário: Do ponto de vista familiar e comunitário, uma das metas mais importantes da posvenção se refere à possibilidade de reduzir o risco de novos suicídios. O primeiro passo é a conscientização de que o suicídio não deve ser glorificado e nem ser alvo de sensacionalismo ou de processos de difamação do falecido. Em seguida, é necessário
identificar pessoas em risco de suicídio e conectá-las aos serviços de saúde mental oferecidos naquele contexto. O comitê gestor precisará estar atento aos possíveis fatores de riscos ambientais, para especial atenção ao risco de modelagem social do comportamento suicida. Finalmente, um alerta do Mental Health America of Texas se refere à
necessidade de que se efetuem vigilância epidemiológica e observação da eficácia de procedimentos e resultados.

Atividade 15 // Resposta: C
Comentário: A síntese de ações indicadas para a posvenção no grupo de família e amigos inclui acolhimento do luto e aceitação das emoções e dos processos individuais, culturais e das tradições, além de atenção aos mais vulneráveis emocionalmente, reequilíbrio do grupo familiar, redução do risco de novos suicídios, ampliação da comunicação e da
busca de rede de apoio encaminhamento especializado quando necessário, psicoeducação e orientações práticas (jurídicas, financeiras, entre outras).

Atividade 16 // Resposta: D
Comentário: O fato de ter ocorrido um suicídio na família não é um fator protetor de novos suicídios. Especialmente entre jovens, pode haver modelagem social para novos suicídios, especialmente se a comunidade tiver lidado com a situação de forma inadequada, tanto na mídia quanto nos grupos. Como os irmãos e os amigos de M.M. são jovens
adultos, é preciso observá-los com atenção, ouvi-los durante um trabalho de posvenção, a fim de evitar que o problema se repita. É importante destacar que o suicídio não é hereditário, o que pode ter componentes hereditários e ambientais se refere aos problemas emocionais (como transtornos de humor, por exemplo) e ao aprendizado (habilidades)
para lidar com situações adversas.

Atividade 17 // Resposta: C
Comentário: A primeira afirmativa é falsa, pois um aspecto importante no processo de posvenção é o respeito às experiências dos enlutados, que deverão ser relatadas de acordo com sua necessidade de relatá-las, e não por qualquer pressão ou demanda do grupo, pelo risco de que os enlutados passem por novas e excessivas exposições de suas
situações dolorosas. Um trabalho de posvenção deve contribuir para a ressignificação do ocorrido sem pressionar para que a pessoa volte a se sentir bem. Não há prazo determinado para o luto.

Atividade 18 // Resposta: B
Comentário: A morte é um acontecimento familiar. Apesar de simples, essa premissa costuma ser muitas vezes negligenciada pelos terapeutas, os quais, geralmente, adotam uma perspectiva individual ou em bloco para tratar o luto em uma família. Segundo Walsh e McGoldrick, é nos padrões continuados de interação e influência mútuas entre os
sobreviventes e, inclusive entre as gerações, que os legados da perda encontram expressão. Todos os sobreviventes à morte de um membro da família são atingidos, e isso influencia suas relações entre si, podendo alguns nem terem conhecido a pessoa que morreu.

Atividade 19 // Resposta: D
Comentário: A segunda afirmativa é falsa, pois a adaptação da criança, e não do adolescente, a essa perda estará sujeita, em grande escala, à forma como os adultos ao redor lidarão com essa perda. A quarta afirmativa é falsa, pois, para um indivíduo adulto, as questões de autonomia e responsabilidades por si mesmo e, talvez, já por sua nova família
nuclear contribuem geralmente para um processo diferente, no qual se impõe o chavão “a vida continua”. A partir daí, a morte dos pais de certa forma é previsível, incidindo muito mais, nesses casos, em questões do vínculo que se tinha com esse progenitor.

Atividade 20
RESPOSTA: Os conflitos familiares podem ser um fator agravante para o luto complicado. Em geral, com o passar do tempo, o sentimento de culpa por assuntos não resolvidos ou de mágoas não esclarecidas pode gerar sintomas de todas as ordens. Um agravante é o fato de que os sentimentos de alívio pela morte de alguém não têm permissão
cultural para serem expressados.

Atividade 21 // Resposta: C
Comentário: A morte por doença crônica costuma permitir uma antecipação do trabalho psíquico, bem como possibilita a resolução de pendências e a redistribuição dos papéis entre os membros da família. As mortes ambíguas tendem a se configurar entre as mais complicadas pela impossibilidade de o enlutado ter acesso do corpo do familiar e,
portanto, pela incerteza da realidade da morte. Já as mortes súbitas geralmente são mais desorganizadoras pelo inesperado da situação, e as mortes por suicídio podem ter efeitos nefastos nos membros da família, desde culpas, dúvidas e atribuições de responsabilidades entre eles.

Atividade 22
RESPOSTA: Segundo Walsh e McGoldrick, as quatro tarefas fundamentais para a elaboração do luto na família são o reconhecimento comum da realidade da morte, a experiência compartilhada da perda e sua colocação em contexto, a qual geralmente envolve rituais funerários e outras experiências, por meio das quais as famílias podem compartilhar
os sentimentos e pensamentos ligados à perda, a reorganização do sistema familiar, que envolve a necessidade do realinhamento das relações e a redistribuição dos papéis, e o reinvestimento em outros relacionamentos e projetos de vida.

Atividade 23 // Resposta: D
Comentário: As alternativas A, B e C justamente se colocam no caminho contrário à alternativa D que é a correta. Os rituais são muito necessários para a elaboração do luto, das lembranças passadas incluindo também as lembranças ruins. Todas são muito úteis para o processo de luto e para evitar a idealização da pessoa morta e o tabu sobre o
assunto. Além disso, é muito importante que a comunicação seja o mais livre possível para que todos os participantes da família possam sentir o espaço terapêutico como seguro e não se sintam induzidos a apresentar comportamentos supostamente desejados.

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/ COMO CITAR A VERSÃO IMPRESSA DESTE DOCUMENTO


Amorim, C. A. A., Menegatti, C. L., & Michel, R. B. (2022). Psicologia e tanatologia: um diálogo necessário para a prática clínica. In Sociedade Brasileira de Psicologia, R. Gorayeb, M. C. Miyazaki & M. Teodoro (Orgs.), PROPSICO Programa de Atualização em Psicologia Clínica e da Saúde: Ciclo 6 (pp. 91–129). Porto Alegre: Artmed Panamericana.
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