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FUNDAMENTOS DA LOGOTERAPIA

“Quem é então o homem?


Nós o conhecemos no campo de concentração,
onde tudo o que não lhe era essencial foi jogado fora...
Sobrou o que ele não pode ‘ter’, mas o que ele deve ‘ser’.
O que ficou foi o próprio homem, em sua essência, queimado pela dor,
dissolvido pelo sofrimento, o elemento humano em sua quintessência.”
(Frankl)

1. Introdução
2. A psicologia e as diferentes visões e abordagens de homem
3. O homem Viktor Frankl e o seu percurso científico inicial
4. A logoterapia: um estudo antropológico
5. Os conceitos fundamentais
5.1 A vontade de sentido
5.2 Frustração existencial
5.3 O vazio existencial
5.4 O sentido da vida
5.5 A essência da existência
5.6 O sentido do amor e do sofrimento
5.7 Transitoriedade da vida
5.8 As chamadas “técnicas” ou “assertivas da logoterapia”
5.9 O credo profissional segundo Frankl
5.10 A tese do otimismo trágico
5.11 Situações clínicas
5.11.1 Na literatura
5.11.2 Experiência pessoal
6. Considerações finais
7. Bibliografia
8. Anexos

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1. Introdução

O meu percurso até a psicologia foi um longo caminho. Interessado em muitas áreas,
iniciei um curso de Comunicação Social, não satisfeito iniciei medicina e, em crise com a
medicina passei a pensar na psiquiatria como alternativa, mas já neste tempo a minha busca
era por uma ciência que privilegiasse o relacionamento como caminho para a saúde. Foi neste
contexto que conheci a psicologia, da qual passei a ser um entusiasta.

Os anos ’80 eram ainda marcados pelos fortes movimentos estudantis e movimentos
de massa. Na sociedade, tudo era passível de questionamentos e a tônica era o feminismo, a
sexualidade como um todo e os questionamentos abalavam as estruturas ou qualquer que
fosse a ordem estabelecida. Na faculdade, porém, a Psicologia já não me parecia responder às
questões fundamentais do Homem. Na medida em que os valores (família, a religião, o “ser”
substituído pelo “ter”) perdiam espaço na sociedade, eu percebia uma Psicologia por
demasiado centrada no passado do indivíduo, nas situações de causa e efeito e pouco atenta à
situações do “presente” e mesmo “desatenta”, eu diria, do “futuro” enquanto projeto ou
mesmo perspectivas de um vir a ser do homem.

“Esta psicologia não resolve as questões fundamentais do homem”, era uma minha
certeza. Um primeiro contato com Martin Buber - “Eu e Tu” – foi um primeiro sinal que a
Psicologia poderia ser diferente. Na faculdade, dentro de uma mesmice entre os professores,
percebia que um deles tinha uma postura profissional diferente. Competente e reconhecido
entre os estudantes, não por isso deixava de ser próximo e disponível e não por isso deixava de
expressar um quase permanente sorriso. “Realizado”, pensava eu. Pois foi ele quem me
chamou a atenção para um evento a ser realizado na universidade, o I Congresso Internacional
de Logoterapia, com a presença de Viktor Emil Frankl.

O congresso foi um sucesso e mais que o congresso, a figura de Frankl foi uma
resposta. “A vida sempre tem um sentido”, afirmava ele, com convicção de quem tinha feito –
possivelmente – uma das experiências mais dolorosas da humanidade. Foram mais de três
anos nos campos de concentração nazistas e as condições sub humanas, a fome, a miséria
extrema, o trabalho escravo e as condições próprias da guerra, com mortes e destruição de
inteiras cidades não foram suficientes para mudar esta convicção mas, ao contrário, a
reforçaram. De fato, Frankl percebeu que o sentido da própria existência não pode ser
atribuído, mas deve ser permanentemente descoberto. Como ele próprio conta, o perceber a
importância e o sentido de escrever as suas convicções para a posteridade da ciência o
mantiveram vivo. Para muitos, assegura Frankl, a vida no campo de concentração tinha um
sentido enquanto havia esperança de reencontrar os familiares ou esperança de reconstruir a
própria vida no pós-guerra. Para os prisioneiros, o saber que os familiares, sentido e razão da
própria existência, não estavam mais vivos ou, por qualquer motivo, o não perceber o sentido
da própria existência era razão para “atirar-se nos fios” da cerca elétrica. Em outras palavras,
porque viver se a vida não tem um sentido? Frankl cita Nietzsche, quando diz “quem tem um
porquê viver suporta qualquer como”.

Agrada-me ressaltar dois ambientes culturais em que eu vivia: em um deles, uma


experiência onde a dimensão de um cristianismo vivenciado em um grupo com fortes raízes
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também sociais, dava a necessária resposta para a minha busca do transcendente, do
relacionamento que ia além das aparências, de um relacionamento que buscava ser resposta
também ao “outro”; no outro grupo, percebia uma academia e uma militância política onde o
transcendente (segundo a minha percepção) era negado quase em absoluto. Para minha
surpresa, a Logoterapia tornou-se uma resposta para ambos os grupos, pois eu percebia que
ambas eram militâncias com um sentido. E, em ambos os casos, tanto os colegas de um grupo
como de outro, podiam viver uma dimensão máxima de transcendência, “vivendo pelo outro,
vivendo por uma causa”, como sustentava Frankl. Sendo o ser humano, “único e irrepetível”,
cabe a cada um uma específica missão neste mundo, uma sua, que nenhuma outra pessoa é
capaz de realizar com a mesma qualidade. A Logoterapia foi, portanto, uma espécie de
“bálsamo”, uma resposta clara e consistente, também para as minhas perguntas de
adolescente: me parecia muito estranho o “acordar, ir para a escola, estudar, jogar, voltar pra
casa, dormir e acordar mais uma vez”, em uma sequência aparentemente interminável e sem
sentido. Na verdade, o sentido eu já havia descoberto na vivencia de um cristianismo que
mostra-se compromissado com o outro, com a sociedade. A novidade estava no descobrir que
cabe a cada indivíduo, na sua individualidade, fazer a sua descoberta de sentido e para muitos
a participação política, por exemplo, era e é “o” sentido que realiza a própria vida.

Em termos de sociedade e momento cultural que vivemos, com certeza hoje os


tempos são outros, se comparado aos anos 80, mas não por isso diminui a importância da
proposta da Logoterapia. A leitura do livro “Em busca de sentido”, que conta a história de “um
psicólogo no campo de concentração”, me fazia pensar o Brasil e a América Latina, pela sua
pobreza e em função da(s) ditadura vigente(s), como um grande campo de concentração. “E,
apesar disso, a vida tem um sentido, sempre”. Como pensar uma população, vivendo “á
mercê” de um salário mínimo ou menos, com escola, saúde, lazer e habitação precária e ser
feliz? A que custas sobrevive uma população que percebe a injustiça social gritante, se não na
dimensão da esperança? E é Frankl quem nos fala de esperança, não como resignação, mas ao
contrário, como uma dimensão que ainda está por ser construída, que pode ser transformada.
É a mesma esperança que move cristãos, socialistas e comunistas, embora com raízes e
motivações diferentes. Em última análise, é o transcendente que nos move, e é também um
algo “a construir” o “combustível” que alimenta o ser humano. Hoje o Brasil ou a América
Latina talvez não possam mais ser comparados a um “campo de concentração”, mas a busca
de sentido e a busca de realizar valores permanecem como um desafio, talvez maior e mais
forte.

2. A psicologia e as diferentes visões e abordagens de homem

A psicologia não pode não refletir o pensamento da sua época, visto que não somente
o “objeto” do estudo da Psicologia é o próprio Homem, mas o ‘pesquisador’, ou seja, aquele
que busca conhecer o homem estará sempre inserido em um contexto cultural que dá
também ao ‘pesquisador’ – o homem – as ‘ferramentas’ a serem utilizadas nesta ‘pesquisa’.

Podemos considerar ainda que as diferentes compreensões do homem partem, o mais


das vezes, de compreensões já existentes e que a compreensão sobre o homem e de modo
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particular sobre o “EU” tem uma forte aceleração no século XX, tendo como resultado diversas
correntes, ou também chamadas “escolas” de pensamento e de metodologia.

Nos anos 50, a cultura do pós-guerra buscava respostas para as muitas questões
pendentes e forma um ótimo fermento para o proliferar de novas idéias a respeito do homem.
Tanto que em contraposição às concepções de homem vigente então na Psicologia –
determinista e condutivista – consolidaram-se duas novas grandes correntes: uma
denominada Psicologia Humanista, com berço nos EUA e outra Psicologia Existencial, com
berço na Europa. Em ambas as escolas existem experiências ou pensamentos anteriores, como
que “precursores” desta própria escola. (García Pintos, 1988).

Embora existam semelhanças em ambas as escolas, pois ambas nascem como fruto de
um questionamento à psicologia vigente, ao seu ‘modus operandi’ – existem também
diferenças significativas. (As semelhanças, porém, permitem que passem a coexistir os
chamados “existenciais-humanistas”, ou seja, quem identifique como correta ou completa
uma visão do Homem que integra aspectos de ambas as teorias.) (** poderia simplesmente
cancelar a afirmação acima, mas, ver o texto abaixo ... e ver Pintos, pg 49 e seg) Segundo
Pintos, o existencialismo europeu é gerado em uma raiz cultural fortemente filosófica,
característica da cultura européia e “simultaneamente, na América cresce um movimento com
semelhantes inquietudes e orientações parecidas, que concluirá constituindo a corrente
humanista”. Possivelmente, conclui o Autor, aspectos sociais fizeram com que o movimento
americano se desenvolvesse sem interrupções, ao contrario do movimento europeu, no qual
“analistas existenciais do porte de Biswanger, Boss, Caruso e o próprio Frankl (entre outros),
seguiam suas investigações em meio a fortes perseguições políticas.”

Garcia Pintos cita o processo histórico europeu, as origens e formação de Frankl para
apresentá-lo “inequivocamente como um autor existencial (...) com uma base filosófica muito
forte que dá substancia ao corpo teórico”. Segundo Garcia Pintos, porém, “poderia dizer-se
que Frankl é o mais “humanista” de todos os existencialistas europeus pelo seu aspecto ou
matiz cheio de esperança e otimista da sua teoria e o critério pragmático da sua terapia”. (C. G
Pintos, pg 52.)

Historicamente, embora a psicologia humanista se consolide nos EUA entre os anos 50


e 60, ela tem uma história anterior, que remonta á década de 30 e se associa ao “espírito da
época”. Quem o demonstra é Roosevelt, ao assumir o terceiro mandato como presidente:
“Uma nação, igual a uma pessoa, tem uma mente (...) E uma nação, igual que uma pessoa, tem
algo mais profundo, mais permanente, maior que a soma de suas partes. É esse algo que se
refere em maior medida ao seu futuro”. Este novo espírito, marcado pelo “New Deal”,
programa político americano da época, mostra-se também uma profunda reforma cultural,
com a valorização do indivíduo em prol da comunidade e “é assim que se passa de uma
depressão (econômica, de 1929) a um otimismo pragmático e humanístico”. Pintos chama a
atenção que o pragmatismo otimista americano se enriquece, aos poucos, com a contribuição
cultural dos europeus migrados para os EUA, citando Adler, Reich, Fromm, K. Goldstein, Otto
Rank, Fritz Perls, Karen Horney, entre outros. Em 1939 Rogers esboça a sua “terapia relacional,
(...) em 1941 E. Fromm publica “Medo da liberdade” (...) em 1949 Maslow se encontra com

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Sutich e juntos começam um movimento convocando colegas a trabalhar em temas como o
amor, a criatividade, a autonomia, a auto realização, a liberdade. Autores como Rollo May,
Murray, Allport, em torno de 1950 terminam conformando uma escola que denominam
Psicologia Humanista, que aparece como uma “terceira força”, que pretende ser uma resposta
aos erros do condutivismo e da psicanálise freudiana. Em 1959 se organiza o “I Simpósio de
Psicologia Humanista” e em 1961 aparece o “Journal of Humanistic Psychology”. O Jornal de
Psicologia Humanista, em 1964 coloca os cinco princípios básicos da psicologia humanista:

1. O homem, como homem, supera a soma de suas partes.

2. O homem tem a sua essência em um contexto humano.

3. O homem vive de forma consciente.

4. O homem tem capacidade de escolha.

5. O homem é intencional, vive orientado em direção a uma meta, um objetivo ou


valores que formam a base de sua própria identidade pessoal.

O existencialismo europeu, por sua vez, tem raízes mais antigas. Kierkegaard (1813 –
1855, considerado o pai do existencialismo) Husserl (1859 – 1938, criador da fenomenologia),
e Heidegger (1889 – 1976, possivelmente a grande figura do existencialismo contemporaneo),
todos nasceram no século XIX, mostrando o quanto o existencialismo se constrói em uma
longa historia e no contexto europeu, de guerras e luta quase permanente pela sobrevivência.
Frankl assinala que a Logoterapia condivide importantes conceitos de Karl Jaspers (1883 –
1969), Max Scheler (1874 – 1918), Nicolai Hartmann (1822 – 1950), que serão abordados
oportunamente.

É grande a diversidade, dentro do existencialismo, de autores e escolas e grande o


percurso, primeiro como escola filosófica e mais tarde como escola psicológica. Considerando
que também a filosofia, como a psicologia, sofre influencia da época, Raissa Maritain cita
Bergson (1859 – 1941) como um crítico do reducionismo vigente na sua época e afirma assim
uma distinção entre ciência e a filosofia:

“Bergson restitui à filosofia o seu domínio mostrando que a ela não se podiam
aplicar de forma alguma os progressos que eram próprios da ciência” (R.
Maritain, 1952). Por sua vez, o filósofo alemão Edmund Husserl (1859 – 1938)
chamou de fenomenologia o seu trabalho, com grande repercussão também
na psicologia. Entre os discípulos alemães podemos destacar Martin
Heidegger, Edith Stein, Max Scheler e Nicolai Hartmann. Na França,
destacaram-se Jean Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Gabriel Marcel e na
Espanha cabe destacar José Ortega y Gasset. (in Xauza, pg 60 e 61).

Heidegger afirma que a análise da existência deve tomar o método fenomenológico.


Escreve Xauza:

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“Embora, em sua origem grega, a palavra fenômeno significa aparência, a
fenomenologia busca ultrapassar as aparências e chegar ás essências. Seu
método trata de descobrir o fenômeno, isto é, aquilo que se dá
imediatamente. O fenômeno de que fala ela não é a aparência e sim a
manifestação da coisa mesma, do ser em si.”

Mas talvez a mais clara distinção entre humanismo e existencialismo refere-se ao fato
que os humanistas percebem no homem uma capacidade interior de crescimento, de auto-
superação, de auto-atualização e colocam o exemplo da semente, que contém em si um todo
completo, capaz de constituir-se por si só. Os existencialistas, por sua vez, consideram como
fundamental o fato que o homem se constitui na própria existência, ou seja, existe somente o
nada, a partir do qual o homem se constitui, como um “ser-ai”, conforme Heidegger.

Ressaltada esta diferença fundamental, podemos também colocar em relevo as


semelhanças: tanto o humanismo como o existencialismo fundamentam o Homem como um
ser livre, capaz de decidir, de escolher; o existencialismo em diversos autores, marcadamente
em Sartre, colocará esta liberdade de modo radical, desconsiderando de modo absoluto todo e
qualquer outro fator que possa interferir neste quesito. Junto com este quesito, a consciência
é reconsiderada, embora tome diversas variantes, mas fundamentalmente o homem é um ser
que decide, que escolhe.

Dentro deste contexto, gostaria de considerar uma Escola em particular, a Logoterapia,


ou a “terapia do sentido da vida”, como Frankl costumava salientar, esclarecendo que ‘logo’
está para ‘sentido, propósito, significado’.

3. O homem Viktor Frankl e o seu percurso científico inicial

É oportuno conhecer o personagem que foi capaz de quebrar antigos paradigmas na


Psicologia.

Em 1985 Frankl ressaltava: “A quebra das tradições deixa um vazio, pois o homem de
hoje não tem mais a orientação clara do que fazer.” Paralelamente, sendo o homem um “ser-
em-relação”, no vazio das tradições, que anteriormente mostravam um caminho e podiam dar
um sentido para o quotidiano, na ausência destas, entram novas possibilidades, como
riquezas, entre as quais a qualidade do relacionamento interpessoal. Frankl irá descobrir,
vivenciando o clima da I Guerra Mundial e o doloroso pós-guerra e mais tarde a II Guerra
Mundial e os campos de concentração, o quanto a questão dos valores e do sentido permeiam
a realização do homem, podendo ser um “sinal” de esperança ou desespero, de vida ou de
morte.

Da infância Frankl recorda uma família afetuosa, citando o fato de acordar-se com a presença
do pai que o contempla carinhosamente. Desde muito pequeno dizia que seria médico, mas
um médico diferente, que “não usaria remédios para curar as pessoas”. Os questionamentos
intelectuais, a curiosidade permanente, a profundidade das suas reflexões deram-no o título,
ainda na infância, de “o pensador”.
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Frankl, nascido em 1905, tinha 9 anos no inicio da I Grande Guerra. O pós-guerra
trouxe dificuldades também para a família Frankl, a ponto de mendigar pão e realizar qualquer
trabalho. Ingressou no Realgymnasium, por onde transitou também o autor do paradigma da
época, Sigmund Freud; se interessa pelas ciências naturais, pelos primeiros trabalhos de
psicologia experimental e autores como W. Oswald e G. T. Fechner. A inquietude do
“pensador” se reflete em questionamentos como este, relatado pelo próprio Frankl:

“Recordo bem a reação que tive aos treze anos, quando fui submetido á um
ensinamento redutivo. Nosso professor de ciências naturais estava explicando
que a vida, em última análise, não era que um processo de combustão, um
processo de oxidação. Então fiquei de pé em um salto e exclamei ‘Professor
Fritz, se é assim, que sentido tem a vida?’”

Esta inquietude não foi alimentada somente pelos ensinamentos reducionistas, mas
também pelo clima reinante em Viena, no qual o suicídio de jovens desesperados e destruídos
moralmente era um fato cotidiano. Pintos sinaliza que a época foi marcada por três
“convulsões”: uma convulsão política, com uma paz instável, uma convulsão social, com a
destruição, desemprego e diferentes demandas sociais e um clima de convulsão científica, com
os trabalhos realizados por Freud. Neste contexto, três episódios são marcantes e mantém
particularmente viva a inquietude do jovem Frankl, então com 16 anos: primeiro, o suicídio de
um colega, com um livro de Nietzsche em mãos; um fato de forte impacto, mas que o leva a
confirmar a sua suspeita de estreita relação entre o filosófico cosmovisional e o modo pessoal
de enfrentar as situações de vida. Como segundo fato, interessado pela compreensão do
fenômeno humano e o seu significado, Frankl se anima a escrever uma carta ao “mestre”
Sigmund Freud. Com grande excitação recebe uma resposta e um convite a continuar a
correspondência. Como terceiro e último fato, o periódico “Der Tag”, o convida, em 1923, a
escrever quatro artigos com referencia aos problemas existenciais da juventude crescida no
clima depressivo do pós-guerra, um tema muito afinado com os seus interesses.

Destes fatos, podemos nos deter no segundo. Conta Frankl: “Ele respondia
imediatamente as minhas cartas. Um dia coloquei no papel tudo o que me vinha em mente
acerca da gênese da mímica da afirmação e da negação, anexei uma carta e mandei tudo a
Freud; assustei-me quando me escreveu dizendo que tinha apresentado na Internationale
Zeitschrift fur Psychoanalyse (Revista Internacional de Psicanálise), onde de fato, o texto foi
publicado em 1924”. O primeiro encontro pessoal com Freud, porém, foi casual “e demasiado
tarde”, segundo o próprio Frankl. Adler já havia se separado de Freud, um episódio de grande
repercussão na sociedade científica e Frankl, naquele momento, simpatizava com os princípios
adlerianos. “Eu havia entrado na esfera de influencia de Adler e já tinha decidido publicar o
meu segundo trabalho cientifico na ‘Revista Internacional de Psicologia Individual’”, o que
ocorreu em 1925.

Os questionamentos em relação á psicanálise coincidiam também com o tempo em


que Freud passou a desvalorizar a busca por um sentido da vida, enquanto que Adler
começava a colocar com a Psicologia do Indivíduo uma maior atenção aos problemas
existenciais. O aumento dos suicídios entre os jovens, não somente em Viena mas em toda a

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Austria e na Europa em geral, fortalecia em Frankl o desejo de encontrar uma resposta prática
– não somente filosófica ou cosmovisiva – para a questão do sentido da vida, que pudesse
ajudar à geração em crise.

Em 1926 Frankl é convidado a expor o seu pensamento na “Juventude Obrera


Socialista”, em Frankfurt e em setembro participa do “III Congresso Internacional de Psicologia
Individual” em Dusseldorf, com o tema “A neurose como expressão e meio”, que desagrada a
Adler. Frankl, então com 21 anos, sustenta que a neurose, além de ser uma expressão de um
complexo psíquico não resolvido, poderia ser, também, a manifestação expressiva de um
insuficiência motivacional, ou seja, expressão de uma profunda necessidade de sentido,
dissonante com a proposta e conceitos adlerianos. Apesar das diferenças, no mesmo ano
Frankl, com o apoio de Adler, funda a revista “Der Mensch im Alltag” 1, onde expõe as suas
idéias e atrai o interesse de duas personalidades do mundo adleriano, Oswald Schwarz e
Rudolph Allers. Em 1930 se concretiza o projeto de ajudar os jovens, com a abertura do
primeiro centro de atendimento, o primeiro de uma série, todos eles próximos a colégios,
absorvendo o atendimento aos alunos dos últimos cursos, os mais propensos a vivenciar
depressões e o suicídio. A iniciativa contou com um altíssimo grau de aceitação, ao ponto de
que em um ano de funcionamento o índice de suicídio chegou a ser nulo e ser publicado em
um periódico de Viena, no dia 13 de Julho de 1931: “A atividade de consulta (...) foi uma feliz
idéia do Dr. Frankl, fundador e responsável direto do centro”. Em 1935, Frankl contava com
uma casuística pessoal de 900 casos e os centros de atendimento estavam presentes em
outros países europeus. A valorização do trabalho de Frankl é contundente: para Schwarz a
contribuição de Frankl é comparável à de Kant para a filosofia, mas para Frankl a preocupação
era não cair em um psicologismo ou reducionismo, fragmentando a natureza do homem. Em
1926 Frankl usa pela primeira vez o nome “logoterapia”.

O ano de 1927 foi de profunda crise na sociedade adleriana. O fato mais marcante foi a
expulsão de Allers e Schwarz. Frankl passou a ser ignorado por Adler e seu livro 2 – pronto para
ser impresso – deixado de lado. Embora não visse motivo para deixar a associação, Frankl foi
expulso alguns meses mais tarde. Em 1939 uma revista suíça publicou uma síntese do não
impresso livro “Philosophie und Psychotherapie”, uma tentativa de aproximação da filosofia
com a psicoterapia, que aborda quatro temas fundamentais: 1) sustenta que a psicanálise
atende especialmente as pulsões do homem, esquecendo, no entanto, a totalidade corporal,
psíquica e espiritual da pessoa humana. 2) coloca uma crítica à atitude do psicoterapeuta que
se esquiva na abordagem dos problemas existenciais dos pacientes. 3) estabelece que o
paciente “deve” ser interpelado plenamente em sua liberdade e responsabilidade, no que
podemos reconhecer um gérmen do futuro “modus operandi” da logoterapia, ou seja,

1
Embora não seja possível uma tradução exata, significa “O homem no quotidiano”. Interessante notar
que Frankl afirmava ser o homem, por ser portador de espírito, capaz de perceber os valores e portanto,
intuir e distinguir o melhor para si. Desvelar os valores para que o homem do quotidiano possa assumir
o próprio caminho era o objetivo da revista.

2
Em 1939 uma revista suíça publicou uma síntese do livro “Philosophie und Psychotherapie”, uma
tentativa de aproximação da filosofia com a psicoterapia, que aborda quatro temas fundamentais (ver
pg 26 livro G Pintos).
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apelando para a liberdade e responsabilidade do paciente o motivamos para que modifique a
sua atitude diante da situação que se coloca como um problema. 4) enuncia a importância de
não descuidar-se na clínica o tema dos valores.

Frankl conclui o curso de medicina em 1930, tempo no qual havia fundamentado o seu
núcleo teórico estudando Max Scheller. O pensamento de Frankl consistia em crer que a
pessoa humana tem em si mesma – à semelhança com o humanismo – a possibilidade de dar a
si mesma um significado à sua própria existência e que o terapeuta tem a função de sustentar
o paciente na busca e realização deste significado. Em 1936 Frankl conclui uma dupla
especialização em neurologia e psiquiatria.

A insistência de Frankl na temática dos valores continuaria mais tarde, intensificadas


na experiência da “morte iminente”, ao longo dos mais de três anos nos campos de
concentração. Se a vida carece de sentido, porque sobreviver ao internamento? Ainda, qual o
sentido de todo este sofrimento, se o não sobreviver ao campo é o mais evidente? É certa a
teoria que o homem não é mais que o produto de muitos fatores ambientais condicionantes?
Frankl responde no seu livro “Em busca de sentido”, o “mais” autobiográfico de todos, o
autobiográfico por excelência:

“Foram poucos em número, mas ofereciam prova suficiente de que ao homem


se pode arrebatar tudo, com exceção de uma coisa: a última das liberdades
humanas – a eleição da atividade pessoal ante um conjunto de circunstancias –
para decidir o seu caminho” (Frankl, 1982).

Frankl poderia ser questionado em muitos aspectos, menos o da coerência. As suas


convicções o levaram – contra o conselho dos seus amigos – a prestar serviço como médico em
enfermaria para vitimas da febre tifóide, pois assim daria algum sentido á sua morte. Ficava
patente que o tipo de pessoa em que se convertia o prisioneiro era (também) resultado de
uma decisão intima. Muitos morreram antes da condenação á morte, alguns, porem,
caminharam para o forno de cabeça erguida, ao que Frankl chamou de poder de resistência do
espírito.

“Qualquer homem podia, inclusive sob tal circunstancia, decidir o que seria
dele – mental e espiritualmente – pois mesmo no campo de concentração se
pode conservar a dignidade humana. É esta liberdade espiritual, que não nos
podem arrebatar, que faz que a vida tenha sentido e propósito” (1982).

Convidado pela Sociedade de Medicina de Viena a fazer um discurso, em 25 de março


de 1949, em homenagem aos associados mortos, Frankl indaga sobre o homem:

“Quem é então, o homem?

(...) Nós o conhecemos no campo de concentração, onde tudo o que não lhe
era essencial foi jogado fora... Sobrou o que ele não pode ‘ter’, mas o que ele
deve ‘ser’. O que restou foi o próprio homem, em sua essência, queimado pela
dor, dissolvido pelo sofrimento – o elemento humano em sua quintessência”
(Frankl, 1978).
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WWWWWWWWWW*****wwwwwww*****WWWWWWWW (REVISADO)

4. A Logoterapia: um estudo antropológico

O fato que Frankl chama a sua teoria de “logo”, ou terapia centrada no sentido,
propõe o quanto o ‘sentido’ tenha um caráter exponencial para Frankl. De fato, este é, já, o
primeiro indicativo do ‘eu’ em Frankl: o ‘eu’ frankleano não é movido pela busca do prazer ou
do poder, referindo-se às duas grandes correntes da sua época, preconizadas por Freud e
Adler. Hoje, no contexto das demais correntes marcadamente existenciais, podemos
completar que o ‘eu’, segundo Frankl, vive “a” angustia de encontrar um sentido para a
própria existência, enquanto que para os demais (Sartre, Heidegger) o homem vive a angustia
do nada, do ‘não-ser’ ou a angustia do permanente ‘decidir’. Quis o destino que Frankl fizesse
em primeira pessoa o que ele chamou de “experimentum crucis”, ou seja, tres anos prisioneiro
em campos de concentração, onde a finalidade dos algozes não era somente ganhar uma
guerra, mas sim destruir um grupo, uma raça e onde a existência passava a ser “um número”
(Frankl, "Em busca de sentido", Vozes).

Frankl testemunha que os campos de concentração tornaram-se uma espécie de


‘laboratório’, onde aqueles que tinham, mesmo no sofrimento, um sentido e com este um
motivo para viver, foram capazes de suportar as situações mais atrozes; é marcante o relato
onde Frankl cita que os prisioneiros tinham por costume ter alguns cigarros para o dia seguinte
e perceber um prisioneiro fumar todos os seus cigarros era um indicativo de desistência, de
entregar os pontos e o mais das vezes, atirar-se na cerca elétrica. Como cita García Pintos
(1988), caiu por terra a teoria das hierarquias das necessidades, por exemplo, pois “a fome, a
necessidade mais primitiva, não impediu a expressão altíssima da espiritualidade e nem a
busca incessante de sentido, mais que de pão”.

Neste ponto cabe ressaltar que caíram muitos “determinismos”, não somente os
psíquicos, mas também os sociais e aparece com força a “vontade de sentido” como coloca
Frankl.

O ‘eu’ frankleano supõe a presença de um elemento – o espírito – que, justaposto ao


‘bio-psíquico’, torna o Homem o que ele é: espiritual. Aqui cabe ressaltar uma diferença sutil
mas fundamental, comparando com o ‘eu’ em Kierkegaard: enquanto este sustenta que o
“homem é espírito”, Frankl sustenta que o Homem é um ser bio-psico(sócio)-espiritual. Frankl
considera o biológico (por sinal, Frankl é neurologista) e o psicológico como condicionantes,
mas não determinantes do Homem.

O Homem, enquanto um ser portador de ‘espírito’ busca o sentido da própria


existência. Visto que o Homem é, fundamentalmente livre, ele decide, escolhe, mas esta
liberdade chama para si outro aspecto, ou seja, a responsabilidade, motivo pelo qual o Homem
busca também realizar valores. Em outras palavras, sendo livre, podendo optar por A, B ou C,
ele percebe que existem valores e deve escolher, o que o torna responsável. Podemos
perceber uma eventual contradição no afirmar a responsabilidade e negar a existência de
valores, visto que estes estão profundamente ligados. Cabe ressaltar que os Valores devem ser
descobertos como tal e esta é uma experiência única e exclusiva do indivíduo.

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García Pintos, ao comentar as “10 teses sobre a Pessoa”, de Frankl, coloca
apropriadamente que devemos estar atentos a “não cair em um reducionismo espiritualista,
tão negativo quanto o biologista ou o psicologista” e continua: “a espiritualidade do homem
não é somente uma sua característica, mas um constituinte: o espiritual não é algo que
somente caracteriza o homem, assim como o fazem o biológico e o psíquico, que são também
próprios do animal, mas o espiritual é algo que distingue o homem, que corresponde a ele e
antes de tudo a ele”. Frankl ressalta ainda que no homem, o bio, o psico e o espiritual são
dimensões e não extratos, ou seja, existe uma continuidade, de maneira que o instinto é
“espiritualizado”, ou ainda, podemos acrescentar, “permeado do espírito”. Diferenciando dos
demais seres, “o homem tem instintos, o animal é os seus instintos". Ainda, considerando a
realidade psicofísica e espiritual do homem, podemos dizer que o “homem é (tal como é)
graças aos seus instintos, herança genética, do meio e, mais ainda, apesar de tudo isso”.

Consciente que as questões do sentido e dos valores estão entre os tópicos mais
polêmicos, cito uma experiência clínica freqüente, quando coloco a seguinte questão para o
cliente: busco que recorde, da sua memória, duas disciplinas do curso médio que lhe eram
uma, a mais fácil e agradável e outra, a mais difícil; supondo que tenham sido História e
Matemática, faço imaginar que ele, cliente, está em um período de exames/testes e que
recebe, neste momento, estas duas provas e em ambas a mesma nota: 8,0! O momento
seguinte é ‘clássico’: qual das duas notas lhe dá mais satisfação? Bem, deveria deixar um
momento para reflexão, mas antecipo que em grande parte – não na totalidade e por isso
cabe um esclarecimento – as respostas são que a nota 8,0 para a disciplina mais difícil tem
mais ‘valor’! E por que teriam mais valor? Porque significaram mais esforço e este esforço
confere um ‘valor’, mesmo se a nota é a mesma para ambas as disciplinas! Bom, esta resposta
não é absoluta, pois algumas pessoas não percebem em um primeiro momento esta questão
do valor intrínseco no esforço. Significa que não existe ‘valor’ no esforço? Eu não diria tanto,
mas poderia confirmar que os ‘valores’ sempre serão únicos e exclusivos de cada indivíduo.
Exemplificando ainda, chamo a atenção para as muitas situações de consultório, onde
encontramos filhos adolescentes que tiveram as suas dificuldades (crises e dificuldades na
escola, por exemplo) sempre resolvidas pelos pais. Que resultados nós encontramos?
Adolescentes com as necessidades materiais satisfeitas, mas que buscam um algo, seja o
próprio limite, seja o valor que lhe foi negado, por não realizar o esforço que a vida lhe
colocou.

Retomando, o Homem busca a realização de valores e a não realização destes implica


em um “vazio existencial, a doença do Século XX”, como usava citar Frankl e – poderíamos
acrescentar – ‘que se difunde em alta velocidade no Século XXI’.

Uma das contribuições mais significativas de Frankl tem a ver com a ‘estrutura’ do Eu e
Frankl usa a proposta de Freud para introduzir um novo conceito de ‘inconsciente’, sem antes
redimensionar também o EU ou o Ego. Segundo Frankl, Freud faz com que o ID apareça como
o verdadeiro EU, ou seja, ocorre uma “Ideificação”, visto que o Ego é subjugado, e o Homem
um ser fundamentalmente ‘impulsionado’; afirmando o Homem como um ser
fundamentalmente livre, Frankl afirma também que o Inconsciente contém em si um elemento

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‘espiritual’, elemento este que confere uma capacidade de auto-transcendência que lhe são
específicas e únicas.

Em termos de clínica, estas afirmações são fundamentais, visto que, sendo o homem
um ‘buscador de sentido’, pode o terapeuta perceber a eventualidade de ‘propor’ um valor,
que poderá ou não ser percebido como tal pelo cliente. Frankl conta um dos seus casos clínicos,
mostrando que tal valor pode ser percebido: um senhor de idade avançada, relata tristeza e
depressão após o falecimento da esposa, com a qual convivera muitos anos; percebendo a
presença do amor que uniu o casal, Frankl questiona:

“Como estaria ela se o senhor tivesse falecido antes?”. “Muito mal, não sei se teria
forças para superar”, responde o cliente.

- Entendo. O teu amor por ela justifica este sofrimento, que o somente o senhor pode
vivenciar e assim fazendo, o teu sofrimento é suficiente e necessário para que não seja
ela a pagar por isso.

Como resultado, o cliente em questão percebe no próprio sofrimento um sentido real


e concreto, fundamentado no relacionamento existente no casal.

Um dos principais conceitos frankleanos está, possivelmente, entre aqueles de mais


difícil descrição, visto que o espírito foge a condições de aferimento na metodologia científica.
Frankl, baseado nas descrições ontológicas de Nicolai Hartmann e na antropologia de Max
Scheler elabora uma sua síntese antropológica, onde evidencia em primeiro lugar o
reducionismo do qual é passível a descrição do ser humano e a partir desta evidencia, Frankl
elabora a sua “imago hominis”.

Nicolai Hartmann (1882 – 1950) rejeita tanto o reducionismo organicista como o


reducionismo psicologista e trabalha sobre a idéia de uma espiritualidade irreduzível ao
psicológico e ao biológico. Dedicando-se á análise fenomenológica das diferenças ontológicas
do ser humano, descreveu quatro dimensões: inorgânica, orgânica, psicológica e espiritual.
(Diccionario de Logoterapia, Marta Guberman & E. P. Soto, Ed. Lumen, Bs As, 2005). Por outro
lado, segundo o próprio Frankl, foi Max Scheler (1874 – 1928) o filósofo que mais o influenciou
o pensamento e a visão de mundo. (Vial, 1999 in Martínez, 2011). Scheler foi o primeiro
filósofo a fazer uma análise fenomenológica dos aspectos emotivos e práticos da consciência.
Considera que a experiência emotiva é onde se apresentam os valores, para os quais está
aberto o homem. Frankl coincide com Scheler ao afirmar que a pessoa está aberta ao mundo e
dirigida para algo ou para alguém diferente de si mesma. Ambos preservam a unidade da
pessoa, em que pesem as diferenças ontológicas e ambos também defendem a abertura para
a transcendência através da consciência, fato este que caracteriza a pessoa como um ser
essencialmente dialogal (Guberman & Soto, 2005).

Frankl (Quadrante, 2003) em sua “imago hominis”, define o homem como “unidade
apesar da pluralidade: porque há uma unidade antropológica, apesar das diferenças
ontológicas”. Frankl propõe uma imagem de homem baseada em analogias geométricas.

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“Trata-se de uma ontologia dimensional, caracterizada por duas leis: Se tomarmos um
objeto (tridimensional) e o projetamos em várias dimensões inferiores àquela que lhe é
própria, as figuras obtidas opõem-se uma às outras; como exemplo, um copo cilíndrico,
projetado no sentido horizontal, resultará um retângulo e projetado no sentido vertical
resultará em um círculo, ambos como um corpo fechado, embora o copo seja um corpo
aberto;

Objetos distintos, como um cilindro, um cone e uma esfera, quando projetados em


uma única dimensão, inferior, teremos em todos os casos a projeção de um círculo, dando
uma interpretação equivocada e parcial do objeto original.

A que conclusão nós chegamos no que concerne o homem? Também o homem,


tomado em dimensões reducionistas, apresentará projeções reducionistas. A projeção no
plano biológico terá por resultado fenômenos somáticos e a projeção no plano psicológico terá
por resultado fenômenos psíquicos. Resulta que poderemos encontrar o Homem não em suas
projeções, mas somente em uma dimensão mais elevada, na dimensão do especificamente
humano. Frankl ressalta que não necessariamente possamos “resolver o problema psicofísico,

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mas pode ser que a ontologia dimensional projete sobre o problema certa luz, mostrando-nos
por que o problema é insolúvel (pg. 44)”.

Um tema específico é o livre arbítrio. Se “projetamos” o homem, ele é representado


no plano biológico como um sistema fechado de reflexos fisiológicos e no plano psicológico
como um sistema de reações psicológicas, caindo por terra a condição de homem como ser
livre. Heidegger, mas também Max Scheler e outros, mostram o homem como “aberto ao
mundo”. Ser homem significa, já de si, “ser para além de si mesmo” (Frankl), ou “ser-com”
(Heidegger).”

Frankl visualiza aí a essência do Homem: o dirigir-se ou ordenar-se para algo ou


alguém fora de si. O conceito “essência”, porém, causa muito temor na Psicologia. Com razão,
pois todo e qualquer enquadramento é reducionista e o homem não se sujeita a
reducionismos. Entretanto, na medida em que o “dirigir-se ao outro” não é em absoluto
estático, mas dinâmico, a ‘essência’ deste homem não é em absoluto, uma essência estática,
mas uma essência que se justifica e se concretiza no “agora”, no momento da atuação.
Heidegger expressa o homem como o “ser-ai”, jogado no mundo e este homem “é” em relação
com o meio, com o outro, e nisto ele se constrói continuamente.

Para concluir, Frankl ressalta que “á luz da ontologia dimensional, o caráter fechado do
sistema de reflexos fisiológicos e de reações psicológicas não está em contradição nenhuma
com a humanidade do homem. Parece-nos igualmente claro que os resultados obtidos nas
dimensões inferiores continuam a ter a mesma validade que antes, dentro dessas dimensões.”
E neste contexto, Frankl recorda algumas pesquisas unilaterais como a reflexologia de Pavlov,
o behaviorismo de Watson, a Psicanálise de Freud e a Psicologia Individual de Adler. Em se
tratando de projeções ou de reducionismos, conclui-se que deva existir uma dimensão
“superior” ou “mais compreensiva, que inclui e abarca uma dimensão inferior” de maneira a
encontrarmos o homem em sua totalidade. Esta dimensão superior ou mais compreensiva é
aquela que abarca ou compreende o espírito, ou o espiritual, como Frankl prefere chamar.
Continuando a justificar a sua ontologia dimensional, Frankl diz (Quadrante, 2003, pg 47):

“Se eu, em vez de projetar figuras tridimensionais em um plano de duas dimensões,


projeto figuras como Fedor Dostoievski ou Bernadette Soubirous no plano psiquiátrico, para
mim, enquanto psiquiatra, Dostoievski não passa de um epilético e Bernadette não é senão
uma histérica com alucinações visionárias. O que são para alem disso não se reflete no plano
psiquiátrico. (...) Tanto a criação artística de um quanto a entrevista religiosa da outra ficam
fora do plano psiquiátrico.”

O homem, portanto, como o entende Frankl, deve ser entendido como um ser bio-
psico-espiritual. Chegamos ao ponto, no entanto, de nos perguntarmos: o que Frankl fala
sobre e como define “espírito”?

“Como o espírito não é uma substancia, Frankl prefere evitar o uso do substantivo
“espírito”, referindo-se a ele, então, como “o espiritual”. O espiritual contém dois aspectos:
um enquanto dimensão constitutiva do ser humano e outro enquanto manifestação desta
dimensão.

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Como dimensão constitutiva, é o essencialmente humano que dá unidade à
pluridimensionalidade do homem. Como manifestação, o espírito deve encarnar-se na
manifestação psicofísica, a qual tem uma função instrumental em relação ao primeiro, visto
que o espírito a necessita para expressar-se. A linguagem do espiritual é a liberdade, porque
todas as suas manifestações são livres. O espiritual não é transmissível, pois o que herdamos é
o elemento corporal e o psíquico. Outro sinônimo de espírito3 é “persona”. (Guberman &
Soto).

5. Considerações finais

Por motivos já vistos, a logoterapia se distancia de alguma forma da maioria das


escolas de psicologia. Distancia-se tanto da psicanálise quanto do comportamentalismo, mas
também do humanismo e do existencialismo, embora tenha elementos destas duas escolas de
pensamento.

Além disso, possivelmente a morte seja um dos temas mais “perturbadores” entre os
tantos abordados pela psicologia. Mas o que a psicologia pode dizer aos prisioneiros e
particularmente aos condenados á morte? Frankl relata em uma entrevista, (Xauza, 1988) uma
sua experiência a respeito, mostrando um pouco o porque deste distanciar-se de outras
escolas.

“Há alguns anos a revista americana Newsweek publicou a primeira entrevista dada
por Benigno Aquino (filipino, líder político), contando sobre como tinha sido possível suportar
o isolamento por tanto tempo. Ele responde ter recebido, na prisão, um livro de um psiquiatra
vienense. Era o meu livro, onde eu explicava como, em qualquer situação, uma pessoa sempre
conserva a liberdade para escolher esta ou aquela atitude. Aquino respondeu que foi o livro
quem deu a força necessária para suportar o isolamento. (...) Fui convidado pelo diretor do
presídio San Quentin (EUA), para fazer uma conferencia, a pedido dos prisioneiros, que haviam
lido o meu livro. Na ocasião, ainda havia uma camara de gás e prisioneiros condenados á
morte, que também ouviram minhas palavras. Eu estava acompanhado por professores da
Universidade da California e ao fim da conferencia, eles perguntaram aos presos o que haviam
achado, queriam saber as reações destes homens que iam morrer dentro de algum tempo. Os
prisioneiros disseram que se beneficiaram muito com a conferencia. Disseram ter ouvido
dezenas de psiquiatras, psicólogos e psicanalistas, que vinham a San Quentin. Eles diziam aos
presos sempre a mesma coisa, que eles estavam ali porque eram vítimas, seja do seu passado,
de sua situação social, vítimas da educação, vítimas dos guetos negros. “E nós odiamos ouvir
isto”, disseram os prisioneiros

3
(*No original consta: “Otro sinônimo de lo espiritual es “persona”, o que em tradução literal significa
que o Autor coloca “persona” como equivalente a “espiritual”, conforme a preferência de Frankl, citada
anteriormente. No português, porem, “espiritual” ficaria muito identificado com o adjetivo.)

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