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PRÓLOGO

Apesar da tradução em espanhol de algumas obras de Frankl, a logoterapia


ainda é pouco conhecida por nós, tanto em sua aplicação terapêutica como em sua
doutrina que, por outro lado, não é de todo bem entendida.

A atualidade e a importância da logoterapia se faz cada vez mais evidente,


desde o momento em que enfrenta os problemas da “identidade” do homem e dos
“significados” existenciais, que são sempre mais sentidos em uma sociedade técnico-
industrial e de “consumo”. É indubitável que, há mais de 20 anos, Frankl tem posto o
dedo na ferida denunciando e evidenciando claramente os perigos do “vazio
existencial”, que a chamada civilização do bem-estar acentua mais que soluciona; em
muitos países, durante os últimos anos, tem-se descoberto a importância de suas
observações e a validade não só de suas previsões, senão também dos meios para
combater – em vários níveis- o mal-estar do homem de hoje. Também nos estados
Unidos, impregnados há décadas pela concepção psicanalítica – mais ou menos
revisada ou integrada com elementos behavioristas - , o interesse pelo pensamento de
Frankl só aumenta.

A logoterapia se apresenta, pois, sob o duplo aspecto de um método


psicoterápico e de uma concepção geral do homem, antitética à marca reducionista da
psicanálise.

A importância do aspecto terapêutico me havia impressionado desde os


primeiros trabalhos de Frankl, tanto que o citei em minha monografia de 1949 (Bini-
Bazzi, Le psiconevrosi) e a ampliei recentemente em um volume editado em Rizzoli (Le
psicoterapie, 1970). Além do aspecto puramente terapêutico que se concretiza com
algumas técnicas específicas, como a “intenção paradoxal”, a aproximação da
logoterapia é de uma maior amplitude: esta “psicoterapia que provém do espírito” –
para usar uma expressão de Frankl – pode ser corretamente compreendida e
validamente aplicada, no vasto âmbito do sofrimento humano, apenas com base no
conhecimento dos fundamentos doutrinários; Não devemos esquecer que “a imagem
do homem” frankeliano nasce diretamente dos sofrimentos que o seu autor
experimenta, entre outros, no campo de concentração: somente o conhecimento do
“homem-Frankl”, de sua biografia, nos permitirá recorrer plenamente à gênese e à
essência de sua doutrina.

Na literatura atual faltava uma síntese que nos mostrasse os diversos aspectos
da logoterapia: e precisamente a obra de Fizzotti sana essa falta. Expôs
maravilhosamente bem, com estilo acessível, tanto as fontes que Frankl se inspirou
como os aspectos originais de seu pensamento e de suas aplicações práticas.

O fato de que o autor desse trabalho, além de ser um profundo conhecedor da


obra de Frankl, seja também um teólogo, lhe permitiu recorrer, muito melhor que se
contasse apenas com uma formação médico-psicológica, as afinidades e diferenças
entre a logoterapia e a religião. Descobre-se – pela leitura da obra- a superficialidade
das críticas feitas às vezes a Frankl e se evidencia claramente que a logoterapia,
entendida como a “cura médica da alma”, não é, nem quer ser, um equivalente da
religião e que o logoterapeuta não é nem quer ser um sacerdote. A chamada à
dimensão espiritual do homem jamais representou para Frankl nem uma “descoberta”
nem uma panaceia para os males de cada um ou da sociedade; E a logoterapia,
entendida como “aperfeiçoamento” do homem não espera fazer dele um santo, senão
apenas um ser consciente e responsável, capaz de tirar o maior proveito da “margem
de liberdade” impressa na condição humana.

Tullio Bazzl.
Primeira Parte

Aspectos Históricos
DADOS BIOGRÁFICOS

Encontrei o significado da minha vida ajudando aos demais a encontrarem em


suas vidas um significado

FRANKL

A) Introdução

Os acontecimentos da vida de cada homem, tomados singularmente e em sua


globalidade, não são nunca insiginificantes. O lento progresso da personalidade
está ligado intimamente a acontecimentos, encontros, conversas. Não existe,
em geral, uma ruptura ente os episódios dispersos de uma existência humana.
Existe, antes disso, um desenrolar harmônico, embora atravessado por
momentos de euforia ou de depressão. A vida do homem não é o resultado da
união exterior de cada acontecimento. A vida requer uma interdependência
contínua.
Na vida do próprio Frankl encontramos esse fio condutor, essa continuidade
entre sua obra atual, seu pensamento, tal como se desenvolveu ao largo dos
anos, e os acontecimentos da sua vida. E realmente sua vida é extraordinária
por muitos aspectos. Se Marcel, no prólogo de uma de suas obras, o definiu
como “o enviado de outro mundo”, referindo-se à dolorosa experiência de
Auschwitz, isto quer dizer que efetivamente os sucessos “excepcionais” da vida
de Frankl não podem ser esquecidos.
Conhecer a logoterapia nos obriga necessariamente a encontramos com seu
fundador, que é o primeiro a experimentar em sua carne o tormento e a
angústia de uma vida privada de sentido, reunindo os episódios que compõem
essa vida fascinante e misteriosa.
Por isso, creio que a biografia de Frankl é indispensável, ou ao menos muito
importante, para uma melhor compreensão da logoterapia. Ter estado como
ele, viver vários meses com ele na Policlínica de Viena foi uma experiência
inesquecível em minha vida. E com imensa gratidão começo essa obra, com a
esperança de que “uma fé incondicional em um significado incondicional da
existência” seja para todos os leitores um valor e um compromisso.
B) Uma juventude intensa
Nos arredores de Prater, o maior parque de atrações de Viena, encontra-se
Czerningasse, uma pequena rua que une o majestoso andar de Prater com o
canal do Danúbio. No número 6, interior 25, a família frankl acolhe com
entusiasmo o nascimento de victor Emil, em 26 de março de 1905. Naqueles
tempos, Viena representava o centro da vida artística e cultural da Europa.
Ainda não se suspeitava o futuro doloroso e atormentado que teria, deposta de
seu pedestal de cristal, a rainha das capitais europeias. Nesse contexto, o
senhor Frankl, judeu, ocupava um cargo importante. Efetivamente, seu
trabalho no Ministério da Educação, como secretário, era muito apreciado. Sua
obra em favor da juventude, ainda que limitada, obtinha lisonjeira apreciação.
A presença de sua esposa, de nobre ascendência polonesa, dava à sua vida um
tom senhoril de seriedade e, preponderantemente, de respeito e serenidade.
Victor encontrou, pois, um cálido clima de afeto, pressuposto indispensável
para o crescimento e maturação humana e espiritual. Assim, uma de suas
primeiras recordações, que guarda vivamente impressa em sua mente, refere-
se a uma imensa sensação de paz e alegria interior, que experimentou uma
manhã ao acordar-se: olhando ao seu redor, viu com surpresa que seu pai,
sentado junto a ele, olhava-o com profunda serenidade.
Seu ensino médio transcorre na inocente inconsciência do que sucedia ao seu
derredor, em um mundo que, dilacerado pela Primeira Guerra Mundial,
começava a descobrir com facilidade a disputa pelo poder, a luta de classes, a
frustração mais profunda, o absurdo de uma vida vazia de significado. Eram os
anos em que dominava a cena da Psiquiatria uma grande estrela: Sigmund
Freud. E sentar-se nos bancos que antes haviam acolhido ao Pai da psicanálise
era o sonho de muitos jovens vienenses. Por isso, com sensação de reverência
e às vezes de temor, o jovem Victor entra na Universidade, desejando
aproximar-se da pessoa que o havia precedido naquelas aulas.
Todo o seu empenho se dirigia para essa figura nobre do estudioso e
psiquiatra. Lhe escreve com temor, temendo perturbar inutilmente ao
professor. No entanto, para sua surpresa, recebeu um convite para continuar a
correspondência. Era tudo o que desejava! E assim o jovem estudante de
dezenove anos enviou a Freud um pequeno artigo sobre a mpimica da
afirmação e da negação, fruto de algumas observações feitas em uma tarde
enquanto passeava pelos barracões do Prater. E, em menos de dois anos,
apareceu seu artigo nada menos que na Revista Internacional de Psicanálise.
Era a confirmação das atenções de Freud com respeito ao jovem Frankl.

Qualquer movimento de afirmação ou de negação se expressa por meio de


nossa cabeça: conhecemos perfeitamente bem o que queremos indicar agitando
lateral ou frontalmanete nossa cabelça. Agora, então, Frankl busca o motivo que
justifica tal movimento. Isto não está arraigado num nível intelectual, senão a algo
essencialmente emocional. E para deixar clara tal afirmação, se refere a dois impulsos
vitais elementares: o alimento e o impulso sexual. Partindo, como hipótese de
trabalho, de tal duplicidade de impulsos os aplica praticamente ao problema que lhe
interessa.

O movimento que se realiza ao mastigar o aplica simbolicamente à deglutição


do alimento, ao impulso correspondente, ao sentimento de fome e também do esforço
de consumir o objeto comestível. Finalmente o aplica à tensão por apoderar-se
geralmente de qualquer objeto: se aceita, consequentemente, tal tensão. Com essa
aplicação simbólica do movimento de mastigação, os movimentos da mandíbula
inferior se transformam nos movimentos mais espetaculares de toda a cabeça. Depois
disto, o gesto da cabeça se aplica como símbolo da aceitação e, por extensão, a
afirmação de um pensamento.

O movimento do coito encontra a mesma explicação: se refere ao ato sexual,


ao impulso correspondente, à excitação sexual e, consequentemente, também ao
desejo de realizar tal ato. Finalmente o relaciona à tensão de apoderar-se geralmente
de qualquer objeto: se aceita, pois, a tensão. Aceitando assim o movimento em forma
simbólica, a realização é atribuída à cabeça, quase manobrada por ela.

NO que se refere à mimica da negação, o agitar da cabeça volta-se á aplicação


simb[ólica do movimento correspondente a algo que causa repulsa. A ampliação da
aplicação, tal como se dizia para a afirmação, nos leva ao movimento mímico da
negação.
Frankl considera, além disso, como causas do movimento de repulsa, tanto a
um objeto comestível como a um objeto sexual. E, consequentemente, no que se
refere à afirmação, a diferença das hipóteses se estabelece em que os dois impulsos
diversos são reunidos em uma unidade conceitual no sentido da “libido”. Finalmente,
o movimento da mão, que simbolicamente toma a atitude de negação, é considerado
por Frankl como posterior e, dessa forma, de origem secundária.

A publicação do artigo foi um convite para começar com seriedade o estudo da


psicologia. Dessa forma, o jovem Victor publica vários artigos sobre psicologia em um
jornal vienense, na seção dedicada aos jovens. No entanto, em seu interior,
permanecia uma certa insatisfação sobre alguns pontos da doutrina de Freud. A
vivacidade das descobertas do inconsciente dava lugar, inexoravelmente, a uma
estaticidade de formulações conceituais, que reduziam o homem a um esquema de
simplicidade, excluindo-lhe todos os elementos de decisão e compromisso pessoal.

A isso adiciona-se o ensino acadêmico marcado por uma tendência orgânica. O


mesmo Frankl recorda que uma vez um professor de historia natural explicava na aula
que a vida de todo organismo e, portanto, também do homem, no fim das contas, não
era mais que um processo de combustão e oxidação. De repente, Frankl levantou-se e
assustou ao professor e aos companaheitos de sala com essa obersvação: “Se é assim,
qual é o sentido da vida?”

Já então havia compreendido que a vida do homem é muito distinta à de uma


vela que se queima totalmente em um processo de combustão.

O imenso desejo de compreender o sentido da vida levou o jovem Frankl a


incluir-se no reduzido círculo que se havia criado em Viena em torno de Alfred Adler. A
psicologia individual, da qual Adler era o fundador, aparentemente, oferecia
elementos de maior compreensão do homem em sua totalidade, em comparação com
a psicanálise de Freud. Sua contribuição foi apreciada e valorizada: em 1926, diante de
um grupo de estudantes e trabalhadores, palestra numa conferencia sobre o sentido
da vida. Em 22 de março do mesmo ano falou na seção vienense da Associação
Internacional de Psicologia Individual: e em 27 de setembro participou do III Congresso
|Internaiconal de Psicologia Individual, cekebrado em Dusseldorf, falando sobre “A
neurose como expressão e medo”.

Infelizmente, nem todas as ideias expostas foram do agrado de Adler: nunca


aceitaria que a neurose pudesse expressar uma necessidade profunda de
significatividade. Por esse motivo, a conferencia não foi publicada.

Em 1927, Frankl funda e dirige a revista Der Mensch in Altag. Nela, além de
comentar uma breve introdução à teoria adleriana, repete a necessidade, já
apresentada em escritos anteriores, de criar na Austria centros de consulta para jovens
necessitados de ajuda psíquica e moral. Tal necessidade havia sido indicada já desde
1914 por Hugo Sauer, arquivista do Dresdner Bank em Berlim, que projetou e
organizou alguns centros de ajuda psíquica em Berlim, Nurnberg, Breslau e
Magdeburg, ilustrando os resultados positivos de sua atividade com a publicação de
um folheto explicativo em 1923.

O estado de intranquilidade e extrema necessidade da juventude vienense


acentuava a cada dia mais a causa das notícias alarmantes dos jornais, que publicavam
repetidamente as tentativas de suicídio, as depressões, os confrontos entre os jovens.
Também como era consultor em favor dos trabalhadores jovens, não duvidou Frankl
em apresentar uma vasta lista de acontecimentos com o fim de chamar a atenção das
autoridades competentes e dos responsáveis do movimento individual psicológico,
oferecendo-lhe um amplo campo de trabalho com êxito positivo seguro. A adesão dos
grandes investigadores adlerianos, Oswald Schwarz e Rudolf Allers, convenceu mais
ainda o jovem Frankl da bondade de sua iniciativa, apesar as oposições que lhe
chegava de todas as partes e muito particularmente de h. Soffner, que apontava a
origem das perturbações juvenis, principalmente, nas privações sociais e econômicas
e, consequentemente, preferia intervenções sólidas no campo das estruturas
organizacionais, familiares e escolares. Sem embargos, a ideia seguiu adiante e Frankl
conseguiu fundar o primeiro centro. A propaganda foi feita pelos jornais locais, bem
como nas portas dos colégios em que se pregavam cartazes com as direções dos
consultores (entre os quais se encontravam o próprio Adler, além de Allers), o horário
das consultas e seu caráter gratuito.
Os centros se situavam, estrategicamente, nos pontos de maior necessidade,
principalmente nas residências dos consultores, de tal modo que permitiam um
encontro agradável e aberto, em um clima de confiança e intimidade. A tática de situar
os centros junto aos principais colégios, na época de finais de curso, em que sempre
eram mais frequentes os casos de tentativa de suicídio, permitiu resolver casos difíceis:
e assim, depois do primeiro ano de atividade, em Viena a porcentagem de suicídio é
quase nula.

É significativa a noticia publicada por Dienlet (1959), que descrevendo os


méritos da iniciativa tomada por Frankl, indica que nos jornais de 13 de julho de 1931
não se encontrava nenhuma tentativa de suicídio. Também havia o comentário de um
redator chefe: “ A atividade de consulta e preparação escolar para jovens necessitados
foi uma feliz ideia do doutor Frankl, fundador e responsável direto do centro de
consulta vienense”.

Seguindo o exemplo de Viena, surgem muitos outros centros nas mais variadas
cidades da Europa. O êxito é amplo: muitos eram os jovens que, afetados por
problemas sexuais, conflitivos, desavenças familiares, distúrbios neuróticos ou
psicológicos, necessidades econômicas ou questões puramente médicas, pediam
conselhos. De tal modo que, Frankl, além da riqueza casuística, amplia o campo de
suas experiências com a diversidade dos problemas apresentados. Basta recordar que
em 1935 publica uma resenha dos problemas, com as indicações para suas possíveis
soluções, baseando-se nos 900 casos tratados pessoalmente.

As intuições do jovem Frankl eram felizes: seu interesse pela psicoterapia e pela
filosofia existencial crescia constantente. Oswald Schwarrz o incentiva a escrever
sistematicamente suas ideias. E frankl se imbui totalmente nesta obra: prepara
centenas de páginas em que ressalta a necessidade de enfrentar, sob o aspecto de
tratamento terapêutico, a frequente problemática existencial e filosófica apresentada
pelos pacientes. Schwarz se entusiasma com isso e prepara uma breve apresentação
em que iguala a contribuição dos escritos de Frankl, no setor da psiquiatria, com as
contribuições de Kant no âmbito da filosofia, com sua Crítica da razão pura. Juízo
verdadeiramente lisonjeiro.
Porém a ideia apresentada já no Congresso de 1926 e enfatizada neste escrito
não foi agradável ao fundador da psicologia individual. As suspeitas de Adler com
respeito a Frankl e seus amigos Schwarz e Allers aumentavam.

E então, em uma tormentosa reunião dos membros da sociedade adleriana,


decidiu-se expulsar aos “hereges” obstinados em defender suas próprias ideias; A ele
se uniu Frankl ,mais entusiasta da direção humanista destes autores que da ortodoxia
adleriana, baseada no sentimento de inferioridade e a vontade de vlaer. Logicamente,
a casa editorial Hirzel, à que a sociedade adleriana havia entregado o manuscrito, lhe
retirou a permissão de publicação. A falta de fundos econômicos impediu a publicação
em outras editoras e o folheto foi relegado ao silêncio até 1939, ano em que foi
publicado numa revista suíça.

O pensamento de Frankl, no mencionado folheto, estava sistematizado em


quatro aspectos. O primeiro trata da crítica filosófica à teoria psiquiátrica de Freud.
Frankl afirma que a psicanálise se limita somente ao aspecto erótico do homem,
esquecendo os elementos de significado e moralidade. Pelo contrário, a psicoterapia
deve inferir na imagem do homem psiquicamente enfermo uma visão do homem
considerado como unidade corpórea-psiquica-espiritual e, conseuqentemtne, um
conceito mais abrangente e unitário.

O segundo aspecto se refere à atitude pessoal do terapeuta ante a um


determinado sistema filosofico. É obvio que tal ponto de partida não necessita rejeitar
a Weltanshauung (visão de mundo) de um individuo pelo simples fato de ter uma
psicose. 2+ 2 = 4, mesmo que seja afirmado por um sujeito que sofre de paralisia
progressiva, afirma Frankl. O terapeuta deve responder às perguntas filosóficas que lhe
façam com argumentos filosóficos.

O terceiro se refere À relação entre o tratamento psicoterapêutico e os valores.


Se o fim principal de um psiquiatra é conduzir um enfermo a um estado de saúde
mental, se compreende facilmente como tal conceito, enquanto reflita um dever-ser é
um conceito de valor: então, a psicoterapia deve fazer absolutamente uma valoração,
é dizer, deve conhecer os valores éticos, pondo-se a serviço da ética. O fato de que a
neurose resida ultimamente na esfera espiritual, quer dizer que está condicionada por
uma determinada posição para a vida, ou seja, por uma específica Weltanshauung
(visão de mundo) e, consequentemente, a cura da neurose empenha o terapeuta com
toda sua preparação e formação filosófica. No entanto, isso não autoriza a nenhum
médico influenciar na percepção filosófica de seus pacientes: somente se trata de
educar ao indivíduo para que perceba sua própria responsabilidade. Desta maneira,
sendo o ser responsável um conceito eticamente xxxx, o homem estabelecerá por si
mesmo uma hierarquia de valores sobre os quais modelará a sua própria existência
futura.

O último aspecto se refere À necessidade de uma educação para a


responsabilidade, ao final do tratamento psicoterapêutico. O homem ferido necessita
reconhecer a própria e específica responsabilidade diante das tarefas singulares e
especificas que deve realizar. Deve ver sua posição única e individual no mundo e a
missão que está intimamente ligada a sua existência pessoal. A consciência de uma
tarefa especificia que deve realizar, adquire deste modo um valor enorme para a
compreensão integral do ser-homem e para superar as dificuldades apresentadas
pelas situações particulares.

Seguindo os estudos no Alma MAter, a Universidade de Viena, Frankl se licencia


em medicina em 1930 e exerce a medicina na seção neurológica da clinica da
Universidade, sob o comando do professor O Potzl. Depois passa à clinica psiquiátrica
de Steinhof, onde observa casos de neuroses, fobias e obsessões. Em 1936 se
especializa em neurologia e psiquiatria e desde 1940 dirige a saeção de neurologia do
Rothschildpital, dedicada unicamente a pacientes judeus.

C) O Experimento Crucis do numero 119.104

Enquanto isso, a guerra era iminente. A subida de Hitler ao poder e a invasão


da Áustria pelos nazistas situava o povo sob um regime de terror e de perigo
contínuo, Começava a feroz perseguição contra o povo judeu, com o qual Frankl
compartilhava a origem e a religião. Assistia-se À progressiva destruição das
sinagogas e a prisão de milhares de vítimas inocentes.
Cada um tratava de fugir como podia. A família Frankl estudava diversos
planos. Sua irmã Stella conseguiu emigrar para Austrália, onde ainda vive. Seu irmão
tentou refugiar-se na Itália, mas as SS o capturaram e enviaram junto com sua esposa
ao campo de concentração de Auschwitz, Restava apenas Victor com seus pais, de
idade avançada.
Em seu interior havia uma luta de sentimentos opostos: fugir ou ficar. Ele
mesmo nos descreve seu estado de ânimo:
“Tratei de conseguir o visto para emigrar aos Estados Unidos. Finalmente o
consegui. Era livre para mudar-me, desenvolver e defender minha teoria. Meus pais
estavam contentes e compartilhavam comigo a alegria de ver-me salvo no
estrangeiro. Sem dúvida, não me decidi a utilizar o desejado passaoirte, pois sabia
que em pouco tempo após me mudar, meus velhos pais seriam deportados a
qualquer campo de concentração. A dúvida me corroía...
Naqueles dias tive um sonho estranho, que ainda hoje forma parte das
experiÇencias mais profundas no reino dos sonhos. Sonhei que uma grande multidão
de psicóticos e pacientes era formada para ser conduzida às câmaras de gás. O
sentimento de compaixão experimentado foi tão forte que decidi unir-me a eles.
Pensava que deveria fazer algo: atuar como psicoterapeuta num campo de
concentração tinha sido mais significativo que ser um dos psiquiatras de manhattan.
Depois desse sonho a dúvida aumentava...
Uma tarde, cobrindo-me com a estrela amarela que devíamos levar na roupa,
fui à catedral. Havia um concerto de órgão. Disse a mim mesmo que deveria ouvir a
música e tratar de refletir sobre o assunto em questão. Relaxe, Victor, estás muito
distraído. Trata de meditar e contemplar, distante do tumulto de Viena. Perguntava-
me o que deveria fazer: Sacrificar minha família por amor da causa a que havia
dedicado a minha vida, ou sacrificar tal causa por amor de meus pais? Quando se
está em tal dilema, se devia certamente ceber uma resposta do céu.
Deixei a catedral e voltei para casa. Tudo era normal. Vi sobre o radio uma peça
de mármore e perguntei ao meu pai o que era. O senhor Frankl era um judeu piedoso
e havia recolhido aquela peça dentre os escombros da grande sinagoga; fazia parte
da Tábua que continha os Dez Mandamentos e tinha uma letra hebraica escrita. Meu
pai me explicou que aquela frase representava a forma abreviada de um dos
mandamentos, mais especificamente o que diz: “Honra teu pai e tua mãe, para que
se prolonguem os teus dias sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará (Êxodo
20:12). Bastou insto para que me decidisse a permanecer na Austria, deixando vencer
o passaporte americano.
O sinal do céu, tão desejado, havia chegado finalmente: jpa estava decidido a
não me opor ao destino que me aguardava, consciente dos perigos aos quais
enfrentaria. Mas lhe sustentava a fé e o respeito ais seus pais e a secreta esperança
de poder fazer algo por seus pacientes.
A prática psiquiátrica exercida ate aquele momento havia confirmado algumas
de suas intuições juvenis sobre a relação terapeuta-paciente, e lhe havia
proporcionado sugestões úteis, tanto a nível prático como teórico. Começou, então,
a preparar um breve artigo que foi obrigado a abandonar no campo de Auschwitz.
Nele a riqueza humana e a fina sensibilidade alimentava a casuística, apresentada
como tratamento relativo.
Nos primeiros meses de 1942 se casou com a jovem Tilly, à qual estava ligado
afetivamente desde muito tempo. Ela foi sua companheira e apoio nos poucos meses
que viveram juntos e depois, nos anos seguintes, a imagem que mais se recorda nos
longos momentos de solidão, engajando com ela silenciosos e íntimos diálogos
afetuosos.
Por fim, chega o momento mais temido: Ao final de 1942 a Gestapo prendeu a
família Frankl: Theresien-stadt, Turkheim, Kaufering e Auschwitz foram as etapas de
sua “via crucis”, da sua experiencia da Ceuz, estapas percorridas não pelo psiquiatra,
nem muito menos pelo médico, mas por um preso, um de tantos, um homem
qualquer, um número: O 119.104. Trabalhou como escavador, construindo sozinho
um túnel, projetado pelos nazistas para dar saída a uma grande fábrica subterrânea
de projeteis.
Tratou inutilmente de conseguir no´ticias de sua família: somente em uma
tarde, olhando por um buraco da parede de madeira do alojamento, descobriu à
distância, no campo vizinho, um grupo de mulheres recolhidas em oração. Passou seu
olhar sobre cada uma e, finalmente, conseguiu ver a sua mãe: sua atitude era de
profundo recolhimento. Com as mãos unidas em sinal de oração e com os olhos
voltados ao céu, rezava. A impressão produzida por tal visão foi enorme: em sua mãe
via encarnada a fé sólida e inquebrantável de seus pais, a mesma fé que, durante
aquela desumana perseguição, sustentava a milhões de judeus.
Dela e de seu pai nunca sobe nada. Somente que sua mãe foi levada à câmara
de gás, Mas já era tanta sua experiÇencia na dor que, na separação material,
mantinha com as pessoas queridas uma íntima união espiritual.
Basta ler as considerações que Frankl escreve à volta dos campos de
concentração: “|Enquanto caminhávamos, deslicanso sobre a nesse, apoiando-nos
mutuamente, ajudando-nos uns aos outros a seguir adiante, ninguém fala, mas
sabíamos muito bem que naqueles momentos cada um pensava em sua esposa. De
vez em quando, vendo o céu, onde aparecem as estrelas, ou ali, onde começava a
aurora, detrás de uma cortina de nuvens.
Falo com minha mulher, sinto que ela responde docemente, vejo seu olhar que
brilha mais que o sol nascente. De repente, um pensamento me sobressalta: pela
primeira vez em minha vida comprovo a verdade do que nossos muitos pensadores
disseram ser o cúmulo da sabedoria; o que muitos poetam têm cantado:
experimento em meu ser a verdade do amor, que é, em certo sentido, o ponto final,
o mais alto ao que o ser humano pode elevar-se. Compreendo, assim, o sentido do
segredo mais sublime, que a posia, o pensamento humano e ainda a fé podem
oferecer: a salvação das criaturas pelo amor e no amor.
Compreendo que o homem, ainda quando não lhe reste nada nesse mundo,
pode experimentar a felicidade suprema – ainda que seja por um momento – na
contemplação interna do ser humano

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