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Do abismo à plenitude: homenagem a Viktor Frankl

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Reproduzo aqui texto que publiquei em 21 de março de 2005 no site “Abacaxi Atômico” a respeito de Viktor
Frankl e a logoterapia. Lembro-me, com muita saudade, do curso “Renascer Jovem”, ministrado pelo Padre
Tonico, que era baseado na literatura desse grande psiquiatra austríaco. Boa leitura a todos!
Aos homens não basta saber que existem, mas para quê existem.

Viktor Frankl em Psicoterapia e Sentido da Vida.

No próximo sábado, dia 26 de março [de 2005], uma das figuras humanas mais extraordinárias do século XX estaria
fazendo aniversário de 100 anos. Estou me referindo a Viktor Frankl, psiquiatra austríaco. Provavelmente você
nunca ouviu falar deste cara, mas certamente conhece a expressão “vazio existencial” – foi ele quem a criou nos
idos dos anos cinqüenta. Embora seja um ilustre desconhecido em nosso país, seu principal livro Em Busca de Um
Sentido (Man’s Search for Meaning) vendeu mais de cinco milhões de cópias apenas nos Estados Unidos e foi
considerado, segundo matéria do New York Times de novembro de 1991, um dos dez mais influentes livros nos
EUA.
Frankl nasceu em Viena. Aos 14 anos, na escola, fez a um professor uma pergunta que mudaria o curso de sua vida.
Enquanto estudante de 14 anos no ginásio, eu fiz algo que era muito incomum na ocasião. Eu tive um
professor de Ciências Naturais que era muito distante, que ensinava do modo como uma pessoa
esperaria que os cientistas o fizessem. Um dia ele afirmou que a vida é simplesmente um processo de
combustão, nada além de um processo de oxidação. Levantando repentinamente eu o questionei, “Mas
Professor, então que sentido a vida têm?”

Claro que um reducionista/materialista não é capaz de responder a esta pergunta, porque para ele não existe nada
mais que a matéria. O absurdo é, nas palavras de Frankl, “promover sua própria incredulidade sob a aparência de
ciência”. Quantos sabichões estufam o peito, orgulhosos de tanto saber, mas cuja arrogância é ainda maior que a
inteligência que possuem. O fato de a ciência materialista não conseguir uma resposta para isso, não quer dizer que
essa inquietação não exista. Mais que isso, negar uma resposta para essa pergunta é negar a própria humanidade do
ser humano.
E afinal, qual é o sentido da vida? Frankl sempre buscou encontrar e extrair um significado de todos os eventos que
aconteciam em sua vida. Oportunidades não faltaram. Formou-se médico em 1930 e trabalhou em um hospital
psiquiátrico em Viena, sendo responsável por milhares de pacientes suicidas. Perdeu o melhor amigo executado
pelo regime nazista. Judeu, foi prisioneiro nos campos de concentração nazistas de Auschwitz e Dachau, onde ficou
por quase três anos. Ao ser libertado, descobriu que havia perdido quase toda sua família: foram mortos seu pai e
sua mãe, além de sua esposa e seu irmão. Somente sua irmã, que fugiu da Europa antes da guerra, permanecia viva.
Ao invés de se deixar consumir pelo rancor, a amargura, o ódio e o ressentimento, Frankl reconstruiu sua vida, pois
tinha objetivos a cumprir – metas traçadas durante sua experiência nos campos de concentração, onde, nos
momentos mais duros, ele se lembrava de sua esposa e seus familiares, na esperança de revê-los novamente, e
carregava consigo a determinação de terminar um livro cujo manuscrito havia sido destruído ao ser preso. Após a
sua libertação, ele retomou o trabalho interrompido e reescreveu o manuscrito perdido, de onde publicou o livro The
Doctor and the Soul. Em seguida, lançou Man’s search for Meaning (Em Busca de Um Sentido, lançado no Brasil
pela editora Vozes), livro em que narra sua experiência pessoal nos campos de concentração – e daí retira lições de
fundamental importância para o desenvolvimento de sua teoria psicoterapêutica: a logoterapia.
Durante o cativeiro, Frankl observou que aqueles que sobreviviam à violência, aos maus tratos, aos trabalhos
forçados e à fome, quase sempre eram justamente aqueles que conseguiam encontrar um significado para seu
sofrimento e mantinham uma esperança de saírem com vida dos campos, seja porquê almejavam reencontrar seus
entes queridos ou voltar a trabalhar naquilo que os realizava. Mesmo aqueles prisioneiros fisicamente mais fortes e
mais saudáveis, se perdessem a esperança e a vontade de viver, morreriam logo. A determinação de Frankl em sair
do campo para continuar a escrever seu livro e para reencontrar sua família ajudam a explicar como ele próprio
sobreviveu a condições subumanas de tratamento, aos trabalhos forçados, à subnutrição – para completar, conseguiu
se reestabelecer de um ataque de febre tifóide no final da guerra.
Ao contrário de Sigmund Freud, que dizia que a força motivadora do ser humano era o “princípio do prazer”, e de
Alfred Adler, outro psiquiatra austríaco (autor da expressão “complexo de inferioridade”), que dizia que a “busca de
superioridade” (”vontade de poder”) era o que determinava as ações dos indivíduos, Frankl afirmava sem titubear: a
sua teoria, a logoterapia, “concentra-se no sentido da existência humana, bem como na busca por este sentido”. O
desejo de encontrar um significado para a própria vida é o que faz a vida valer a pena. O homem é livre para
escolher seu caminho e encontrar o sentido para sua existência. A vontade de sentido é o que move o ser humano.
Frankl diz que o ser humano é livre para assumir uma postura frente à realidade que o cerca. Todo ser humano é
livre – e ninguém pode tirar do ser humano esta liberdade.
Até mesmo numa situação onde você não tem nenhuma liberdade externa, quando as circunstâncias não
lhe oferecem qualquer escolha de ação, você retém a liberdade para escolher sua atitude ante uma
situação trágica. Você não se desespera porque esta escolha está sempre com você até seu último
momento de vida.

Mas esta liberdade deve ser precedida pela responsabilidade.


É por isso que eu recomendei nos EUA que, além da Estátua da Liberdade na Costa Leste, deveria haver
a Estátua da Responsabilidade na Costa Oeste.

Ou seja: somos livres para assumirmos uma postura frente ao mundo, mas somos responsáveis por esta escolha.
Temos que assumir então, em conseqüência de nossa liberdade, a responsabilidade por tais escolhas, com as
conseqüências que advêm de nossas ações. Cabe a cada ser humano perceber e superar as suas culpas. Se
percebemos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros. “Ser um ser
humano é trabalhar por algo além de si mesmo.”
Assim sendo, o sentido da vida pode ser encontrado por uma pessoa através de três caminhos:
1) o exercício de um trabalho que seja importante, ou a realização de um feito, uma missão, que dependa de seus
conhecimentos e de sua ação, e que faça com que a pessoa se sinta responsável pelo que faz;
2) o amor a uma pessoa ou a uma causa, uma idéia, o que estabelece uma responsabilidade para com a pessoa amada
ou à causa defendida;
Um pensamento me traspassou: pela primeira vez em minha vida enxerguei a verdade tal como fora
cantada por tantos poetas, proclamada como verdade derradeira por tantos pensadores. A verdade de que
o amor é o derradeiro e mais alto objetivo a que o homem pode aspirar. Então captei o sentido do maior
segredo que a poesia humana e o pensamento humano têm a transmitir: a salvação do homem é através
do amor e no amor. Compreendi como um homem a quem nada foi deixado neste mundo pode ainda
conhecer a bem-aventurança, ainda que seja apenas por um breve momento, na contemplação da sua
bem-amada. Numa condição de profunda desolação, quando um homem não pode mais se expressar em
ação positiva, quando sua única realização pode consistir em suportar seus sofrimentos da maneira
correta – de uma maneira honrada -, em tal condição o homem pode, através da contemplação amorosa
da imagem que ele traz de sua bem-amada, encontrar a plenitude. Pela primeira vez em minha vida, eu
era capaz de compreender as palavras: “Os anjos estão imersos na perpétua contemplação de uma glória
infinita”.

3) diante de um sofrimento inevitável, assumir uma postura de buscar um significado e utilidade para a dor, pois
através da experiência cada pessoa pode contribuir para a vida de outras pessoas.
Frankl foi submetido, junto com outros milhões de pessoas, à experiência degradante e desumanizante dos campos
de concentração, onde os indivíduos eram reduzidos a um nível infra-humano, sendo considerados menos ainda que
animais. O prisioneiro era desprovido de todos os seus bens, suas roupas, seus objetos e até de seus nomes. Mas
ainda assim ele e outros se mantiveram firmes no propósito de sobreviverem – porque suas vidas tinham um
sentido. E, ao assumirem seu sofrimento com dignidade, Frankl e tantos outros deram ao mundo um inestimável e
vivo testemunho de transcendência. O ser humano existe para transcender, para ultrapassar limites.
Num mundo assolado pelo consumismo materialista, pela negação da humanidade do ser humano, pela banalização
pura e simples do prazer (pois, segundo os niilistas, a vida não tem nenhum significado) e pelo vácuo de sentido
experimentado por milhões e milhões de pessoas que simplesmente não conseguem encontrar uma utilidade para
sua existência, a voz quase solitária de Viktor Frankl tornou-se referência para tantas outras pessoas. Sua coragem,
determinação, caráter e despreendimento levaram-no às alturas do espírito humano, bem acima de Freud, Adler,
Skinner, entre outros pioneiros, dos quais, diga-se de passagem, com elegância inaudita, ele próprio reconhece as
contribuições e seus méritos. Mas as teorias destes precursores são incompletas, porque não abarcam o ser humano
em sua totalidade, em sua potencialidade de realizar-se, transcender-se e doar-se. Finalizo este texto com palavras
de Viktor Frankl:
Dentro de cada um de nós há celeiros cheios onde nós armazenamos a colheita da nossa vida. O
significado está sempre lá, como celeiros cheios de valiosas experiências. Quer sejam as ações que
fizemos, ou as coisas que aprendemos, ou o amor que tivemos por alguém, ou o sofrimento que
superamos com coragem e resolução, cada um destes eventos traz sentido à vida. Realmente, suportar
um destino terrível com dignidade e compaixão pelos outros é algo extraordinário. Dominar seu destino
e usar seu sofrimento para ajudar os outros é o mais alto de todos os significados para mim.

Viktor Frankl faleceu em 2 de setembro de 1997, aos 92 anos.


A MENSAGEM DE VIKTOR FRANKL
por Olavo de Carvalho

No dia 2 de setembro [de 1997] morreu, aos 92 anos, um dos homens realmente grandes deste século. Acabo de
escrever isto e já tenho uma dúvida: não sei se o médico judeu austríaco Viktor Frankl pertenceu mesmo a este
século. Pois ele só viveu para devolver aos homens o que o século XX lhes havia tomado - e não poderia fazê-lo se
não fosse, numa época em que todos se orgulham de ser "homens do seu tempo", alguém muito maior do que o
século.
Viktor Emil Frankl, nascido em Viena em 26 de março de 1905, foi grande nas três dimensões em que se pode
medir um homem por outro homem: a inteligência, a coragem, o amor ao próximo. Mas foi maior ainda naquela
dimensão que só Deus pode medir: na fidelidade ao sentido da existência, à missão do ser humano sobre a Terra.
Homem de ciência, neurologista e psiquiatra, não foi o estudo que lhe revelou esse sentido. Foi a temível
experiência do campo de concentração. Milhões passaram por essa experiência, mas Frankl não emergiu dela
carregado de rancor e amargura. Saiu do inferno de Theresienstadt levando consigo a mais bela mensagem de
esperança que a ciência da alma deu aos homens deste século.
O que possibilitou esse milagre singular foi a confluência oportuna de uma decisão pessoal e dos fatos em torno. A
decisão pessoal: Frankl entrou no campo firmemente determinado a conservar a integridade da sua alma, a não
deixar que seu espírito fosse abatido pelos carrascos do seu corpo. Os fatos em torno: Frankl observou que, de todos
os prisioneiros, os que melhor conservavam o autodomínio e a sanidade eram aqueles que tinham um forte senso de
dever, de missão, de obrigação. A obrigação podia ser para com uma fé religiosa: o prisioneiro crente, com os olhos
voltados para o julgamento divino, passava por cima das misérias do momento. Podia ser para com uma causa
política, social, cultural: as humilhações e tormentos tornavam-se etapas no caminho da vitória. Podia ser,
sobretudo, para com um ser humano individual, objeto de amor e cuidados: os que tinham parentes fora do campo
eram mantidos vivos pela esperança do reencontro. Qualquer que fosse a missão a ser cumprida, ela transfigurava a
situação, infundindo um sentido ao nonsense do presente. Esse senso de dever era a manifestação concreta do amor
- o amor pelo qual um homem se liberta da sua prisão externa e interna, indo em direção àquilo que o torna maior
que ele mesmo.
O sentido da vida, concluiu Frankl, era o segredo da força de alguns homens, enquanto outros, privados de uma
razão para suportar o sofrimento exterior, eram acossados desde dentro por um tirano ainda mais pérfido que Hitler
- o sentimento de viver uma futilidade absurda.
Frankl tinha três razões para viver: sua fé, sua vocação e a esperança de reencontrar a esposa. Ali onde tantos
perderam tudo, Frankl reconquistou não somente a vida, mas algo maior que a vida. Após a libertação, reencontrou
também a esposa e a profissão, como diretor do Hospital Policlínico de Viena.
Assim ele registra, no seu livro Man's Search for Meaning, uma das experiências interiores que o levaram à
descoberta do sentido da vida:
"Um pensamento me traspassou: pela primeira vez em minha vida enxerguei a verdade tal como fora cantada por
tantos poetas, proclamada como verdade derradeira por tantos pensadores. A verdade de que o amor é o derradeiro e
mais alto objetivo a que o homem pode aspirar. Então captei o sentido do maior segredo que a poesia humana e o
pensamento humano têm a transmitir: a salvação do homem é através do amor e no amor. Compreendi como um
homem a quem nada foi deixado neste mundo pode ainda conhecer a bem-aventurança, ainda que seja apenas por
um breve momento, na contemplação da sua bem-amada. Numa condição de profunda desolação, quando um
homem não pode mais se expressar em ação positiva, quando sua única realização pode consistir em suportar seus
sofrimentos da maneira correta - de uma maneira honrada -, em tal condição o homem pode, através da
contemplação amorosa da imagem que ele traz de sua bem-amada, encontrar a plenitude. Pela primeira vez em
minha vida, eu era capaz de compreender as palavras: 'Os anjos estão imersos na perpétua contemplação de uma
glória infinita'."
Frankl transformou essa descoberta num conceito científico: o de doenças noogênicas. Noogênico quer dizer
"proveniente do espírito". Além das causas somáticas e psíquicas do sofrimento humano, era preciso reconhecer um
sofrimento de origem propriamente espiritual, nascido da experiência do absurdo, da perda do sentido da vida: "O
homem, dizia ele, pode suportar tudo, menos a falta de sentido."
Das reflexões de Frankl sobre a experiência do absurdo nasceu um dos mais impressionantes sistemas de terapia
criados no século dos psicólogos: a logoterapia, ou terapia do discurso - um conjunto de esquemas lógicos usados
para desmontar os subterfúgios com que a mente doentia procura eludir a questão decisiva: a busca do sentido.
Mas o sentido não teria o menor poder curativo se fosse apenas uma esperança inventada. A mente não poderia
encontrar dentro de si a solução de seus males, pela simples razão de que o seu mal consiste em estar fechada dentro
de si, sem abertura para o que lhe é superior. Em vez de criar um sentido, a mente tem de submeter-se a ele, uma
vez encontrado. O sentido não tem de ser moldado pela mente, mas a mente pelo sentido. O sentido da vida, enfatiza
Frankl, é uma realidade ontológica, não uma criação cultural. Frankl não dá nenhuma prova filosófica desta
afirmativa, mas o caminho mesmo da cura logoterapêutica fornece a cada paciente uma evidência inequívoca da
objetividade do sentido da sua vida. O sentido da vida simplesmente existe: trata-se apenas de encontrá-lo.
Universal no seu valor, individual no seu conteúdo, o sentido da vida é encontrado mediante uma tenaz investigação
na qual o paciente, com a ajuda do terapeuta, busca uma resposta à seguinte pergunta: Que é que eu devo fazer e que
não pode ser feito por ninguém, absolutamente ninguém exceto eu mesmo? O dever imanente a cada vida surge
então como uma imposição da estrutura mesma da existência humana. Nenhum homem inventa o sentido da sua
vida: cada um é, por assim dizer, cercado e encurralado pelo sentido da própria vida. Este demarca e fixa num ponto
determinado do espaço e do tempo o centro da sua realidade pessoal, de cuja visão emerge, límpido e inexorável,
mas só visível desde dentro, o dever a cumprir.
Em vez de dissolver a individualidade humana nos seus elementos, mediante análises tediosas que arriscam perder-
se em detalhes irrelevantes, a logoterapia busca consolidar e fixar o paciente, de imediato, no ponto central do seu
ser, que é, e não por coincidência, também o ponto mais alto. Eis aí por que é inútil buscar provas teóricas do
sentido da vida: ele não é uma máxima uniforme, válida para todos - é a obrigação imanente que cada um tem de
transcender-se. Discutir o sentido da vida sem realizá-lo seria negá-lo; e, uma vez que começamos a realizá-lo, já
não é preciso discuti-lo, porque ele se impõe com uma evidência que até a mente mais cínica se envergonharia de
negar.
A logoterapia tem uma imponente folha de sucessos clínicos. Porém mais significativa do que suas aplicações
médicas talvez seja a função que ela desempenhou e desempenha - a missão que ela cumpre - no panorama da
cultura moderna. Num século que tudo fez para deprimir o valor da consciência humana, para reduzi-la a um
epifenômeno de causas sociais, biológicas, lingüisticas, etc., Frankl nadou na contracorrente e ninguém conseguiu
detê-lo. Ninguém: nem os guardas do campo nem as hostes inumeráveis de seus antípodas intelectuais - os inimigos
da consciência. Frankl apostou no sentido da vida e na força cognoscitiva da mente individual. Apostou nos dois
azarões do páreo filosófico do século XX, desprezados por psicanalistas, marxistas, pragmatistas, semióticos,
estruturalistas, desconstrucionistas - por todo o pomposo cortejo de cegos que guiam outros cegos para o abismo.
Apostou e venceu. A teoria da logoterapia resistiu bravamente a todas as objeções, sua prática se impôs em
inúmeros países como o único tratamento admissível para os casos numerosos em que a alma humana não é
oprimida por fantasias infantis mas pela realidade da vida. Por isto mesmo a crítica cultural de Frankl, parte
integrante de uma obra onde o médico e o pensador não se separam um momento sequer, tem um alcance mais
profundo do que todas as suas concorrentes. Desde seu posto de observação privilegiado, ele pôde enxergar o que
nenhum intelectual deste século quis ver: a aliança secreta entre a cultura materialista, progressista, democrática,
cientificista, e a barbárie nazista. Aliança, sim: seria apenas uma coincidência que o século mais empenhado em
negar nas teorias a autonomia e o valor da consciência também fosse o mais empenhado em criar mecanismos para
dirigi-la, oprimi-la e aniquilá-la na prática? Dirigindo-se a um público universitário norte-americano, Viktor Frankl
pronunciou estas palavras onde a lucidez se alia a uma coragem intelectual fora do comum:
"Não foram apenas alguns ministérios de Berlim que inventaram as câmaras de gás de Maidanek, Auschwitz,
Treblinka: elas foram preparadas nos escritórios e salas de aula de cientistas e filósofos niilistas, entre os quais se
contavam e contam alguns pensadores anglo-saxônicos laureados com o Prêmio Nobel. É que, se a vida humana não
passa do insignificante produto acidental de umas moléculas de proteína, pouco importa que um psicopata seja
eliminado como inútil e que ao psicopata se acrescentem mais uns quantos povos inferiores: tudo isto não é senão
raciocínio lógico e conseqüente." (Sêde de Sentido, trad. Henrique Elfes, São
Paulo, Quadrante, 1989, p. 45.)
Com declarações desse tipo, ele pegava pela goela os orgulhosos intelectuais
denunciadores da barbárie e lhes devolvia seu discurso de acusação,
desmascarando a futilidade suicida de teorias que não assumem a
responsabilidade de suas conseqüências históricas. Pois o mal do mundo não
vem só de baixo, das causas econômicas, políticas e militares que a aliança
acadêmica do pedantismo com o simplismo consagrou como explicações de
tudo. Vem de cima, vem do espírito humano que aceita ou rejeita o sentido da
vida e assim determina, às vezes com trágica inconseqüencia, o destino das
gerações futuras.
Frankl era judeu, como foram judeus alguns dos criadores daquelas doutrinas materialistas e desumanizantes que
prepararam, involuntariamente, o caminho para Auschwitz e Treblinka. Se ele pôde ver o que eles não viram, foi
porque permaneceu fiel à liberdade interior que é a velha mensagem do Sentido em busca do homem: "SE ME
ACEITAS, Israel, Eu sou o Teu Deus."
08/10/97
(Publicado na revista Bravo! de novembro de 1997,
e reproduzido em "O Imbecil Coletivo II")

Vazio existencial
Definição:
Cada época tem a sua neurose e cada época requer um tipo de psicoterapia peculiar. Atualmente, não observamos
mais na clínica, com muita   freqüência, as formas clássicas de neurose, mas principalmente, um novo tipo delas, em
cuja sintomatologia predominam a ausência de interesse e a falta de iniciativa. Não se trata, pois, tanto de uma
sintomatologia clínica manifesta, quanto de uma perturbação da motivação. A neurose atual caracteriza-se pelo
enfraquecimento da motivação. Frankl assinala que ela se baseia em um sentimento insondável do absurdo. Pode-se
igualmente afirmar que, atualmente, as neuroses não aparecem como no tempo de Freud.
Esse sentimento de absurdo anda quase sempre associado a um sentimento de vazio - a que Frankl denominou o
"vazio existencial". Pelos vários indícios que se multiplicam, esse vazio existencial expande-se cada vez mais. Sua
presença é, além disso, comprovada tanto pelos psicanalistas puros como pelos marxistas. Tanto assim que em um
encontro internacional dos seguidores de Freud, os participantes concordaram, logo de início, que cada vez mais se
defrontavam com pacientes cujos distúrbios decorriam essencialmente de um sentimento de absurdo total. Alguns
colegas chegaram mesmo a dizer que tinham a impressão de que em bom número de casos "intermináveis", o
tratamento psicanalítico transformava-se em si próprio, por falta de coisa melhor, no único sentido da vida.
Site relacionado: http://www.redepsi.com.br/portal/modu ... ook/entry.php?entryID=847

Entrevista com Liriam Estephano


Vivendo de Propósito

Em seu mais novo livro, O Poder do Propósito (Mercuryo), o psicólogo Richard J. Leider fala da importância
de ouvir os desejos e chamados da vida para descobrir a própria missão, que, ligada à dos outros, resultará
na era do propósito, centrada na ajuda mútua. Liriam Estephano, representante de Leider no Brasil, fala
sobre a obra.
Por Fátima Afonso

Carmina Sophia

PLANETA – Em O Poder do Propósito, Richard J. Leider afirma que o homem foi criado com um propósito para
manifestar seus talentos e assim dar a sua contribuição ao mundo. É impressão minha ou a maioria das pessoas
passa pela vida sem se dar conta dessa incumbência que lhe foi atribuída?
Liriam – Esta questão me faz lembrar de um fato que aconteceu comigo quando da morte de Ayrton Senna. Nessa
época, vivenciei um sofrimento muito grande; doía muito pensar em sua morte. Comecei a questionar o porquê
disso. Está certo que foi uma morte trágica, ele era um ídolo, foi uma comoção nacional, nosso inconsciente coletivo
estava ligado a esse fato. Mesmo assim, achava que ainda tinha algo além disso. Questionei durante muito tempo o
que estava ocorrendo, até que me dei conta de que eu fazia parte de um processo histórico. No futuro, ao escreverem
sobre a morte do maior piloto de Fórmula 1, eu, de alguma maneira, estaria presente. Percebi então que, apesar de
eu ser um grão de areia, fazia parte da grande praia chamada história. E isso me fez pensar que, por mais
insignificante que possa ser um grão de areia, são dessas “insignificâncias” que se faz uma praia, que, por menor
que seja a minha contribuição, com certeza ela fará parte da história humana.
É verdade que a grande maioria das pessoas não sabe a que veio, qual é a sua missão. O mundo ocidental está cada
vez mais materialista, menos preocupado com nosso propósito, nossa meta, nosso desejo, nosso sonho. Somos
direcionados o tempo todo para conquistar, conquistar. A conquista é muito importante, só que não basta conquistar
algo externo; temos de “nos conquistar”. Temos de aprender a ouvir nossos desejos, necessidades, etc. Precisamos
acreditar que existe uma força acima de nós que, aliada à nossa força pessoal, nos impulsionará a descobrir qual é a
nossa verdadeira missão. Como diz nosso velho poeta: “Quem passou por esta vida e não viveu pode ser mais, mas
sabe menos do que eu.” Não podemos esquecer que a nossa missão ajudará a missão do outro. Somos uma grande
cadeia perfeitamente interligada e esse continuum resultará num mundo pior ou melhor – isso dependerá de como
cada um de nós viver. O importante não é sobreviver neste mundo, mas, sim, viver.
PLANETA – Para manter-se em equilíbrio, segundo Leider, devemos descobrir aquilo que é capaz de nos motivar.
Qual seria a motivação, por exemplo, de um político corrupto e antiético? Poderíamos falar, nesse caso, em
motivação negativa?
Liriam – Descobrir aquilo que nos motiva, muitas vezes, não é fácil. Já que desde pequenos ouvimos frases do tipo
“quando você crescer, será um grande engenheiro”, “quero que estude piano porque eu não o fiz”, “minha filha,
cuidado com os homens, eles não prestam”, “mulher hoje é muito fácil, meu filho; preste atenção!” Crescemos
ouvindo essas coisas e, conseqüentemente, passamos a acreditar que são verdades; não paramos para questionar,
para ouvir o que o nosso coração diz nem para ouvir nossa intuição (aquela vozinha que fica falando coisas e à qual
não damos a menor atenção). Chegamos muitas vezes à idade adulta frustrados, sem saber exatamente o porquê de
estarmos assim. Por isso precisamos aprender a nos ouvir; só assim descobriremos o que realmente nos motiva. A
motivação de um político corrupto e antiético poderia ser decorrente de uma necessidade excessiva de poder, de
mando. Muito provavelmente, pessoas que foram direcionadas a conquistar e a pensar só na realização dos seus
desejos, esquecendo que não estamos sós no mundo, que existem pessoas ao nosso redor e que uma atitude nossa
interferirá direta ou indiretamente no outro. Para essas pessoas, os outros não têm a menor importância. Digo que o
grande ditado que rege essas pessoas é “Vinde a mim; ide a vós, jamais.” Isso, de fato, passa a ser uma motivação
negativa, já que elas estão preocupadas única e exclusivamente consigo mesmas. É como se fosse uma “síndrome
narcisista”, onde só olham para si, para o seu próprio umbigo. Felizmente, parece que a água que ultimamente tem
refletido a imagem de Narciso tem-lhe mostrado coisas que até Deus duvida.
Vazio existencial e falta de questionamento

G..A.F.F./Sipa-Press

Cada indivíduo tem de aprender a


descobrir seus talentos.

PLANETA – Qual é a receita para não confundirmos um chamado da vida para seguir este ou aquele caminho
com uma fantasia nascida das nossas necessidades ou carências?
Liriam – Não sei se existe uma receita. Receita me dá a impressão de “siga corretamente a indicação e sua vida será
ótima”. Sabemos que não é bem assim. Eu diria que, para não nos confundirmos diante do nosso chamado de vida, é
necessário começarmos a prestar atenção nas coisas que sentimos, pensamos, intuímos. Temos de aprender a ouvir
nossa vozinha interna. Temos de começar a acreditar que podemos, que todos temos o direito e o dever de contribuir
para o crescimento do mundo; e o mundo só crescerá se nós também crescermos. Pare e pense: “Estou realmente
fazendo o que quero?” Precisamos parar de realizar o propósito do outro e aprender a expressar o nosso. Ter um
propósito é reconhecer a presença do sagrado em nosso interior e aprender a escolher o nosso caminho. A
motivação está sempre dentro de nós. Temos de procurar nosso verdadeiro propósito de dentro para fora. Como
fazer isso? Questionando-nos sobre quem somos, o que estou fazendo com minha vida? Temos de aprender a
descobrir nossos talentos, o que nos motiva, a lidar com a nossa solidão. Isso é necessário para que possamos captar
nossos mais profundos anseios. Necessitamos ainda aprender a eliminar o que é irrelevante e o que é muito confuso.
Não devemos nunca pretender ser o que não somos – o que é verdadeiramente importante se sobressai com toda
clareza.
Ter um propósito é reconhecer a presença do sagrado em nosso interior e aprender a escolher o nosso
caminho.
PLANETA – Até que ponto o excesso de atividades pode abafar o vazio existencial que parece predominar em boa
parte dos ocidentais?
Liriam – O excesso de trabalho poder ser um sinal de fuga para não entrarmos em contato com nossas dificuldades.
É fácil entender quando falamos em fugir das responsabilidades, por exemplo, por meio da bebida ou das drogas.
Mas fica difícil entender que podemos estar fugindo da nossa essência do trabalho, os famosos workaholics. Não
podemos esquecer que somos seres complexos; não somos só trabalho, somos diversão, relacionamentos afetivos,
prazeres. Quando só se trabalha, com certeza algo importante está deixando de ser feito.
PLANETA – A falta de questionamento sobre o real propósito da vida, durante a juventude e a maturidade, pode
gerar no idoso o medo da proximidade da morte?
Liriam – É importante questionarmos o tempo todo. Obviamente, na juventude existe um tipo de questionamento,
na maturidade outro. Na velhice, o ideal seria aproveitar todo o nosso aprendizado e perceber que, a cada dia que
descobrimos algo, existem muitas outras coisas que não sabemos. Geralmente, quando envelhecemos e ficamos em
casa sem atividade, adoecemos mais. Por que isso acontece? Porque muitas vezes nos sentimos improdutivos,
inúteis, nossos temores aumentam; parece que a morte é iminente e, por causa disso, nada mais temos a fazer.
Engano nosso: precisamos achar uma nova razão que nos estimule para acordar na manhã seguinte. Temos de
pensar que não estamos mortos, mas, sim, mais vivos do que nunca; continuamos sendo produtivos. Precisamos é
descobrir novos caminhos.
 A nossa missão na Terra
Juca Rodrigues

Doença: pacientes com "espírito de


luta" vivem mais do que os
resignados.

PLANETA – Há algum tempo, uma amiga me contou um sonho em que ela se via já em idade avançada e dizia a
alguém: “Eu fiz tudo o que tinha pra fazer; agora já posso morrer.” Essa sensação de missão cumprida é
importante para se ter uma morte tranqüila?
Liriam – Acredito que nossa missão na Terra dura até nosso último suspiro; portanto, até o último instante temos
uma missão a cumprir. Sempre temos algo a fazer que ainda não foi feito, seja contar uma estória a um neto,
desenhar ou pular de asa-delta. Para descobrir isso, é só nos permitirmos entrar em contato com nossa essência e
não termos receio de continuar a conquistar. Para termos uma morte tranqüila é necessário termos uma vida
tranqüila. Isso não quer dizer certinha, perfeita e, sim, que precisamos ter vivido com intensidade e consciência cada
minuto que nos foi concedido. É como diz Jorge Luiz Borges no poema Instantes:
Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão
perfeito, relaxaria mais. Seria mais tolo do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria
menos higiênico. Cometeria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas,
nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e comeria menos lentilha, teria mais
problemas reais e menos problemas imaginários. Eu fui dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada
minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria. Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente de ter
bons momentos. Porque se não sabem, disso é feito a vida, só de momentos; não percam o agora. Eu era um desses
que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas.
Se voltasse a viver viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da
primavera e continuaria assim até o final do outono. Daria mais voltas na minha rua, Contemplaria mais
amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas não tenho. Tenho 85
anos e sei que estou morrendo.

Pensando nisso, não espere ter 85 anos e achar que está morrendo; faça tudo o que você achou que não devia ter
feito. A essa altura da vida nós teremos direito a tudo aquilo que quisermos.
Ter um propósito é reconhecer a presença do sagrado em nosso interior e aprender a escolher o nosso
caminho.
PLANETA – Como terapeuta, você dá atendimento a portadores de HIV. O que mais amedronta os seus pacientes
diante da impressão da morte iminente?
Liriam – O que mais os amedronta é o medo do desconhecido. Geralmente, portadores que não têm uma crença
religiosa, uma fé, ficam apavorados com o que lhes vai acontecer. Esse é um momento no qual começam a procurar
explicações espirituais para entender o porquê de tal fato ter ocorrido. Outro aspecto importante é o sofrimento, a
dor, a degradação física, aliados ao medo do abandono por parte das pessoas com quem convivem. Afinal, estamos
frente a uma doença de grande discriminação social.
PLANETA – Um propósito maior não envolveria também aspectos do estágio espiritual de cada um? Liriam –
Sem dúvida. Digo sempre que o ser humano é composto de três aspectos ou partes: físico, psíquico e espiritual.
Hoje cultuamos muito o físico; começamos a nos preocupar com o psíquico, mas, muitas vezes, esquecemos o lado
espiritual. Se uma dessas três partes não for trabalhada, nós, enquanto seres inteiros, ficaremos “capengas”. É
necessário, mais do que nunca, acreditarmos em algo acima de nós, termos fé. Não importa qual religião seguimos
ou qual filosofia temos, o que importa é acreditar sempre.
A crise é o espelho do nosso propósito,
ela nos coloca face a face com as grandes questões da existência.
PLANETA – Em geral, o homem só passa a se questionar sobre o significado da sua existência diante de um
grande sofrimento, como uma separação, uma doença grave ou a perda de alguém muito querido. A dor é
realmente necessária para o crescimento interior ou esse é mais um dos nossos muitos vícios culturais? Liriam –
Não acredito que seja um vício cultural. Como dizia Jung, é por meio do sofrimento que crescemos. Se o Paraíso
fosse bom, Eva não comeria a maçã. Psicologicamente falando, a maçã simboliza a tomada de consciência. Para que
possamos crescer é necessário nos conscientizarmos de por que estamos aqui; precisamos entrar em contato com o
bom e o ruim, o fácil e o difícil. Afinal, só percebemos a luz porque um dia vivemos na escuridão. Não podemos
esquecer que a vida vai nos dando sinais de que precisamos mudar; se não os ouvirmos, ela irá cada vez mais
aumentar sua intensidade na forma de chamamentos, até literalmente puxar o nosso tapete. A crise é o espelho do
nosso propósito, ela nos coloca face a face com as grandes questões. O benefício de uma crise é que deixamos de
lado as inquietações e conflitos insignificantes, a falta de controle, e nos conscientizamos de que a vida é curta,
cheia de imprevistos e emoções, e isto não volta. Por isso, todos os momentos são preciosos. Precisamos aprender a
viver cada momento, a entender e a lidar com as crises.
PLANETA – Como alguém que passa o tempo todo mergulhado no trabalho e nos problemas do cotidiano pode
despertar para o seu verdadeiro propósito neste mundo?
Liriam – Temos de “abrir nossos olhos” e começar a perceber que o mundo é muito mais do que trabalho e
problemas cotidianos. Temos de abrir os olhos e enxergar nossa “alma”, nossa essência, aprender a ouvir mais o que
diz nossa intuição.
A prática espiritual como cura

A fé é uma graça de
Deus, independente de
como se chama esse Deus.
PLANETA – O que é capaz de levar um paciente com Aids ou câncer, por exemplo, a vencer a doença?
Liriam – O primeiro passo é entender o porquê de ter contraído o vírus ou ter desenvolvido o câncer. Cada doença
tem um significado. Por exemplo, estudos realizados indicam que a expressão da raiva ou, mais precisamente, o
grau de expressividade emocional do paciente tem influência sobre o surgimento do câncer. Pacientes com “espírito
de luta” vivem mais tempo do que aqueles que demonstram falta de esperança e desamparo. O que fazer para ajudar
esse processo? É importante falar sobre a experiência traumática que se está vivenciando; a sua expressão,
comprovadamente, leva a uma maior longevidade. Pacientes deprimidos, resignados, quando comparados a
pacientes mais capazes de expressar emoções negativas, como a raiva, sobrevivem mais. Portanto, é necessário
conversar sobre o assunto traumático, não se deixar abater com facilidade, lutar e, fundamentalmente, aprender a
expressar seus sentimentos. Isso trará, sem dúvida, uma melhora. Não podemos dizer que um determinado tipo de
personalidade tenha maior probabilidade de desenvolver um câncer ou contrair o vírus HIV, mas podemos afirmar
que a não-expressividade de uma emoção mais forte, vinda de uma situação traumática, é um fator que predispõe a
uma alteração do sistema imunológico, tornando o organismo mais vulnerável à formação de tumores malignos ou a
um enfraquecimento de tal sistema. O estresse também é um fator agravante, quando não houver a possibilidade de
expressão das emoções a ele associadas. Em suma, temos de aprender a identificar o que nos angustia, deprime;
aprender a expressar nossas emoções. Não podemos nos resignar frente às dificuldades; temos, sim, de aprender a
lutar. Esses podem ser caminhos para se encontrar a cura.
PLANETA – Muitos psicoterapeutas, como é o caso do próprio Jung, acabam recomendando uma prática
espiritual para seus pacientes. Por quê?
Liriam – Precisamos procurar um sentido maior para nossas vidas, restaurar nossa unidade primeira. Não podemos
esquecer que somos a centelha divina. Deus nos fez a sua imagem e semelhança. A fé é uma graça de Deus
(independente de como se chama esse Deus) e, sem essa graça, nem a mais brilhante inteligência pode chegar a
algum lugar. Acredito que seria simples demais acreditar que somos só um corpo que vem à Terra para viver um
tempo curto, se comparado com a existência do mundo. Se não tivéssemos algo a acrescentar, a desenvolver ou em
quem acreditar, nosso mundo ficaria muito vazio. Existem fatos que nem o mais inteligente dos gênios consegue
explicar. E essa explicação só pode ser conseguida através do “Eu Creio”. A fé pode ser um alento para nossas
dificuldades, uma esperança de que tudo tem uma razão de ser.
PLANETA – Segundo Richard Leider, o século que agora se inicia é a era do propósito, cuja essência é o ocupar-
se com os outros. Diante de tanta miséria, fome e conflitos, você diria que a humanidade está realmente nesse
caminho?
Liriam – Como comentei em uma das questões, acredito que é por meio do sofrimento que aprendemos coisas.
Acredito que estamos passando por um momento de provação. A vida nos deu uma série de “dicas” para que
mudássemos nossa atitude egoísta e passássemos a ter uma atitude altruísta. Como não ouvimos esses sinais, eles
aumentam de intensidade, até que tomemos consciência de que é necessário mudar. Estamos nos preparando para
transformar uma era patriarcal em uma era da alteridade. Talvez isso ainda demore um pouco, mas com certeza é
por meio da vivência da miséria, da fome, dos conflitos, etc. que conseguiremos enxergar a luz que existe no fim do
túnel. Precisamos entrar na caverna escura úmida e tenebrosa para encontrar os grandes tesouros que lá estão
escondidos.

À procura de sentido: entre os desencaixes sociais do século XX e o vazio existencial do homem contemporâneo 
 
O comportamento humano, na sua complexidade, se vê afetado por diferentes vetores. Num momento são os
vetores familiares, como um pai amoroso ou negligente, uma mãe autoritária ou respeitadora das iniciativas dos
filhos; noutros momentos são os vetores orgânicos, somados aos impositivos genéticos, biológicos, predispondo à
harmonia ou à distonias pré-programadas desde o momento da concepção. Somados a estes, ainda temos a incidir
sobre o comportamento de homens e mulheres os fatores antropológicos, aqueles que dizem respeito às nossas
heranças originadas dos traços de culturas específicas, que reúnem os indivíduos em comunidades que sobrevivem
ao tempo. Ao lado e em interação com os demais, aparecem os fatores espirituais, originados antes mesmo da
concepção, ora incidindo como fontes de bem-estar, de harmonia e equilíbrio, ora como fontes de desditas de difícil
resolução.
 
Neste amplo espectro de influências, sem dúvida, não poderiam faltar dentre os determinantes externos que incidem
sobre a esfera comportamental os condicionamentos sociais. Estes respondem pelas alterações estruturais da
sociedade, de tempos em tempos, pelas mudanças econômicas, pelas modificações na forma de pensar da
coletividade, a constituir novas subjetividades, as quais interferem e noutras vezes determinam o comportamento
individual.
 
As alterações sociais, dessa forma, se fazem elementos muito importantes em uma dada época e período da
evolução humana, podendo ser fonte de otimismo e esperança ou, então, devido às crenças cultivadas, as idéias e
discursos preponderantes, serem fontes de pessimismo e de desânimo para homens e mulheres de um dado
momento histórico.
 
Os desencaixes sociais a anunciar a crise
 
No início do século XX, uma série de transformações sociais abalaram fortemente as estruturas da sociedade
moderna, na qual a ordem era uma de suas principais características. De um lado, as tradições perderam quase que
completamente sua capacidade de moldar comportamentos, rompendo-se o fio que ligava antigas e novas gerações.
De outro, a religião se via fragilizada por não acompanhar os avanços científicos e, assim, perdera sua credibilidade
frente aos indivíduos mais críticos, dispostos à sumeter tudo e qualquer coisa ao crivo da razão. Como afirmou
Imanuel Kant, o homem deveria “ousar pensar por si mesmo”, e assim libertar-se das imposições que limitavam as
escolhas individuais.
 
Dois fortes pilares, dessa forma, os quais sustentavam as criaturas há milênios, desmoronaram sob os olhos
perplexos de toda a sociedade. A tradição trazia a dimensão da autoridade, do respeito aos saberes elaborados no
passado, como os conhecimentos, as crenças e os valores que deveriam guiar os mais novos em um mundo
desconhecido e pré-existente a eles. Esse laço - entre o velho e o novo -  fora rompido, como se a razão prescindisse
de orientações daqueles que já habitavam esse mundo. Por sua vez, a fé e os valores dela decorrentes foram
desacreditados pelo novo espírito positivista de Augusto Comte, para quem a ciência deveria ser a guia infalível da
humanidade. Todo o conhecimento verdadeiro deveria ser o científico, submetido a um vigor metodológico que
excluía como falso tudo o que não pudesse ser objetivamente pesquisado. A transcendência, dessa forma, a busca
de uma ligação com Deus fora abandonada, desacreditada e mesmo ridicularizada pelos homens da ciência, novos
dententores da verdade.
 
Novos desencaixes ainda estavam para serem realizados, entre o início dos anos novecentos e a década de 1970,
operando mudanças sociais bruscas frente à antiga estrutura social que amparava o homem moderno.
 
Até aquele momento, as instituições sociais eram mais duradouras que o próprio ciclo biológico humano,
proporcionando para o indivíduo da modernidade uma percepção de ordem no mundo, de estabilidade. Ele sentia-se
seguro para elaborar um projeto de vida individual, pois sabia que o bem estar coletivo estava assegurado pelo
caráter perene de tudo que o cercava, como as instituições financeiras, escolares, hospitais e tantas outras, as quais
ofereciam a ele a possibilidade de uma carreira e a aquisição de uma identidade sólida e irremovível por toda a
vida.
 
A construção de uma identidade, assim, processo necessário ao desenvolvimento psicológico, era algo desejável e
sempre atrelado a um determinado setor da sociedade, e jamais separado desta. Os projetos de vida individuais - de
longo prazo - eram então possíveis, e estavam simbolizados pelas “cadernetas de poupança”, que ofereciam a
garantia do alcance das metas estabelecidas em um mundo onde a ordem imperava e a incerteza apenas se dava,
praticamente, em relação às intempéries da natureza.
 
Mesmo após a Segunda Guerra Mundial, essa ordem ainda preponderava. Com o chamado Estado de Bem-Estar
Social, medidas governamentais que visavam recuperar os indivíduos desempregados até que pudessem se reinserir
no mercado de trabalho e proporcionavam dignidade e conforto às famílias de soldados mortos foram tomadas,
conciliando, assim, os ganhos da acumulação do capital pelas grandes empresas com melhorias nas condições de
vida dos cidadãos.
 
Entretanto, o Estado de Bem-Estar Social passou a ser substituído em inúmeros países, durante a década de 1970,
impulsionados pela nova lógica de mercado, por uma nova estruturação das economias nacionais. A regra, a partir
de então, era entregar antigas responsabilidades do Estado para a iniciativa privada, reduzindo, assim, o papel dos
governos como amortecedores das tensões sociais. A competição de mercado e suas conseqüências é que
garantiriam a harmonia social. Algo, sem dúvida, que não ocorreu, como atesta o sociólogo polonês Zygmunt
Bauman, em “O Mal-Estar da Pós-Modernidade”(1998). Trata-se, aqui, não de um fenômeno político, ligado a
questões partidárias, mas de um fenômeno estrutural na configuração da sociedade.
 
De um momento para outro, tudo o que antes parecia imperecível, como as instituições públicas mais respeitáveis,
passaram a ruir, desmoronar diante dos fracassos econômicos ocasionados pela competição de mercado.
 
Ocupações e profissões - que até então sobreviviam a seus titulares -,  agora se tornavam instáveis: passaram a
inexistir cargos confiáveis e tampouco perícias que não pudessem ser substituídas ou tornadas obsoletas.
 
Os diversos desencaixes operados desde o início da modernidade estavam chegando a seu apogeu: as tradições
estavam mortas, apenas mantendo uma superficialidade de ritos e comemorações, mas sem o conteúdo capaz de
orientar a chegada dos mais novos; as religiões, por sua vez, em completo descrédito, consideradas mais amarras a
aprisionar que auxiliares na superação dos embates da vida; e, agora, as próprias instituições sociais, que formavam
a paisagem de progresso de grandes e pequenas cidades, não ofereciam mais segurança alguma.
 
O discurso pós-moderno
 
Foi justamente nesse quadro de pessimismo e desencantamento, que uma corrente de pensamento começou a tomar
forma, representando a visão não apenas de um autor, mas de vários intelectuais do mundo inteiro.
 
Já que as promessas da religião como guia não lograram o progresso esperado; já que as correntes políticas com
seus grandes discursos fracassaram em proporcionar o avanço econômico e social de todos os cidadãos, erradicando
a miséria e a opressão, o melhor a fazer, defenderam esses autores, era abandonar qualquer busca de consenso,
qualquer idéia de progresso, ou seja, todo e qualquer ideal de homem ou projeto de vida.
 
Essa corrente de pensamento, denominada de pós-modernidade, passou a ser defendida e propagada por
intelectuais, publicitários, escritores, professores universitários, de diversas partes do mundo - todos a influenciar os
rumos sociais das coletividades.
 
O pensamento pós-moderno nega a história e a idéia de que devemos buscar um progresso coletivo comum. Não há
mais valores universais e ninguém pode equiparar seu comportamento ao de outro, já que cada qual possui seus
parâmetros, os quais podem ser alterados de um momento para outro. Assim, ser flexível é a qualidade mais
estimulada, bem como não se ter uma identidade única, que mais atrapalharia dentro de um mundo onde as
exigências mudam a todo instante - de acordo com as necessidades do mercado. Dessa forma, essa ótica mergulha
os indivíduos em uma vida narcísica, onde a meta de cada dia é viver o momento, “arriscar-se”.
 
O discurso pós-moderno em ação, por outro lado, pode ser visto no comportamento das personagens de telenovelas
e filmes, as quais geralmente não possuem valores ou quaisquer parâmetros de referência - tudo vale para o sucesso
individual. Pode ser visualizado, ainda, nos programas de televisão em que seus apresentadores perderam o bom
senso, através de reportagens e entrevistas que mais chocam e denigrem o ser humano que o promovem. Aqui, pois,
pode-se de fato constatar que a falta ou inexistência do bom senso, em nossos dias, é o principal sintoma da grave
crise em que vivemos, como afirma Hannah Arendt, em sua obra “Entre o Passado e o Futuro”(1992).
 
Diante de tal contexto social, os indivíduos passam a viver em um profundo estado de incerteza. Por um lado, não
conseguem mais prever a configuração do mundo, o qual se altera a cada dia, ameaçado por guerras, graves crises
econômicas e mesmo pelas conseqüências provocadas pela poluição. De outro, não podem mais homens e mulheres
prever o comportamento de amigos, colegas de trabalho ou mesmo familiares, quando estes vivem dentro da ótica
pós-moderna. Já que, dentro desta, não há leis, tudo vale, nenhuma regra é estabelecida, e aquele ou aquela que
dorme ao lado pode, repentinamente, e sem nenhum aviso, pegar suas coisas e desaparecer sem deixar notícias.
 
Um tal estado de coisas, onde as criaturas se vêem dificultadas em estabelecer projetos de vida individuais e metas
a serem alcançadas, termina por gerar em milhares de pessoas de nossos dias um profundo estado de vazio
existencial.
 
O vazio existencial na vida contemporânea
 
O vazio existencial caracteriza-se por um estado de tédio e por uma incapacidade de pensar o futuro.  A pessoa não
possui mais motivação e ânimo para executar até mesmo tarefas habituais, entregando-se a um profundo abatimento
diante da existência.
 
Esse estado freqüentemente é confundido com as depressões tradicionais, como a endógena, constituída pela
deficiência de determinados neurotransmissores do sistema nervoso central, e com as depressões exógenas,
provocadas por processos de luto, uma falha pessoal, um fracasso profissional etc. Nem mesmo podemos igualar
este estado às depressões orgânicas, resultantes de lesões cerebrais, operações cirúrgicas de tumores, processos
degenerativos do cérebro.
 
O vazio existencial, na conceituação do psiquiatra vienense Viktor Frankl, surge em decorrência de uma falta de
metas e objetivos que valham a pena serem perseguidos durante a existência -  ou seja, o indivíduo carece de um
conteúdo profundo pelo qual viver. Tal estado de vazio, amplia a angústia resultante de uma tensão entre o que se é
e o que se deveria ser, entre o lugar em que se está e a meta que deve ser alcançada. Esse campo de tensão, segundo
Viktor Frankl, de forma alguma é patológico, antes disso, é condição de saúde mental. Uma certa dose de tensão em
nossas vidas é saudável e necessária. O vazio existencial só irá se manifestar patologicamente quando o indivíduo
recusa-se a leitura de seus sentimentos, quando nega-se a dar um resposta a esse estado de angústia, que, em
verdade, está lhe indagando sobre o sentido de sua vida. Nesta direção, muitas criaturas buscam soterrar essa
angústia através de psicofármacos e outras formas de compensação da vontade de sentido existente dentro delas,
como o sexo, o àlcool e os alucinógenos - o que não resolve o problema, sem dúvida, mas o agrava.
 
A busca por um sentido é a motivação primária na vida de qualquer criatura. Sempre que essa vontade de sentido
está soterrada por uma vida ilusória, mesmo nas condições de riqueza e bem estar material absolutos, a pessoa
passa a sentir uma angústia existencial dentro de si.
 
Quando o indivíduo mergulha no vazio existencial sem dele sair, ele adentra em uma depressão noogênica. Do
grego noos - espírito, razão, inteligência -, ou seja, uma depressão de gênese espiritual, acarretada porque o
indivíduo não consegue enxergar possibilidades de sentido em sua existência.
 
Milhares de pessoas, vivendo existências superficiais e sem conteúdo, tentam “calar” a falta de sentido de suas
vidas através de festas ruidosas, pelos divertimentos intermináveis, esportes radicais, os quais sempre deixam uma
sensação de insatisfação e a necessidade de nova busca de entretenimento e emoções fortes. Noutras vezes, essa
vontade de sentido que necessita ser preenchida é compensada pela vontade de poder, através da tentativa de
domínio de outras pessoas, ou em uma de suas formas mais primitivas, a ganância de acumular dinheiro.
 
O vazio existencial pode ser percebido com clareza nos finais de semana, quando o corre-corre do trabalho e das
tarefas cessa, e o vazio dentro de homens e mulheres se torna manifesto, denunciando a inexistência de um
conteúdo proundo em suas vidas. Sábados e Domingos se tornam insuportáveis, já aque no lugar de metas e
aspirações nobres e plenificadoras, existe apenas o imediatismo carregado de ansiedade, a busca tormentosa de se
desfrutar prazerosamente o aqui e agora a qualquer preço. Acaba por predominar em inúmeras criaturas, dessa
forma, uma sensação de vácuo interno, como esclarece Joanna de Ângelis, em “Conflitos Existenciais”(2005).
 
Reencontrando-se com as possibilidades de sentido
 
As crises sociais, como percebemos, desencaixaram os indivíduos de todas as suas antigas redes de proteção e
referenciais: tradições, religião e instituições sociais. Chegou o momento de operarmos os reencaixes necessários.
Com as pessoas, através de valores edificantes compartilhados; com as instituições, através de um trabalho que vise
o bem comum; e com a religião, não mais com os dogmas do passado, mas com uma espiritualidade autêntica, que
nos reencontre com Deus.
 
Nesse processo, contudo, não se pode abdicar das metas, dos objetivos artísticos, culturais, profissionais, afetivos
ou solidários. Aquele que vive sem elas, ou se faz displicente ante a necessidde de elaborá-las, vive na escuridão, à
mercê dos dias, do tempo, à um passo de um vazio profundo e do suicídio. Torna-se imperioso, entretanto, a
visualização de possibilidades de sentido que não estejam apenas configuradas no agora, mas também no futuro
desejado por nós. Assim, antes de alcançarmos o ideal perseguido, realizações prévias se fazem necessárias, como
passos intermediários para o triunfo de nossas aspirações. Embora o hoje não se apresente ainda exitoso, portanto,
mesmo suas dificuldades ou percalços constituem etapas, que ao serem superadas, tornam-se valiosas para a
conquista acalentada.
 
Aqui, pois, apresenta-se um novo desafio: compreender a transitoriedade de nossa vida corporal, o seu espaço finito
durante a encarnação, não como um entrave para a realização de nossos projetos. Antes que uma barreira, nossa
impermanência nos revela que não é a vida que é transitória, passageira, já que somos espíritos imortais, mas são as
possibilidades de realização nela que são transitórias, tal como um fluxo que passa à nossa frente e não mais
retornará. Cada qual tem uma tarefa a realizar, um sim a dizer à vida, como se estivesse diante de um bloco de
mármore, de onde podemos extrair diversas espécies de configurações, tal qual o artista a escolher a obra de arte
que deixará no mundo, como co-criador da obra de Deus. Para isso, contudo, é necessário que ouçamos nosso senso
interior, o nosso deus interno, a voz que nos diz a direção e o sentido a seguir - libertando-nos, pois, das vozes
autoritárias e daquelas que desejam nos conformar ao comum, à mesmice, ao já fruído. Isto porque cada um possui
em si uma potencialidade única, uma tarefa à espera e para a qual não possui substitutos.
 
Quais dessas possibilidades de realização serão condeandas ao não-ser, a nunca terem existido, pela nossa
inércia, devido a  nossa preguiça mental e comodismo?
 
E quais delas se tornarão como obras de arte no mundo, como tarefas concretas, que se armazenarão no celeiro
da memória espiritual, como conquistas intransferíveis?
 
O sentido existencial está dentro da própria criatura, à espera de sua atitude afirmativa diante da vida. Agora não
mais através de cobranças e queixas, como se algo externo devesse elucidar os rumos a serem tomados, como se a
vida tivesse de nos ofertar a resposta. Somos nós, portanto, que devemos dar a nossa resposta à existência, pois de
fato é ela que nos indaga, e a ela só podemos responder com a realização de um objetivo pessoal concreto - isto é,
com uma vida plena de sentido.
 
Referências Bibliográficas:
 
ÂNGELIS, Joanna de (2005). Conflitos Existenciais. Psicografado por Divaldo Franco. - Salvador, BA:
Livr. Espírita Alvorada.
ARENDT, Hannah (1992). Entre o Passado e o Futuro. - São Paulo, SP: Editora Perspectiva
S.A.Coleção Debates.
BAUMAN, Zygmunt (1998). O Mal-Estar da Pós-Modernidade. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.
FRANKL, Viktor E.(2002). Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração (16a
edição) - São Leopoldo, Editora Sinodal; Petrópolis, Editora Vozes. Coleção Logoterapia.
FREITAS, Luiz Carlos de (2005). Uma pós-modernidade de libertação: reconstruindo as esperanças. -
Campinas, SP: Autores Associados. Coleção Polêmicas do nosso tempo.
LUKAS, Elisabeth (1990). Mentalização e saúde: a arte de viver e logoterapia. - Petrópolis, RJ: Vozes.
Coleção Logoterapia.  
 

-  Adriano Oliveira (RS)


E-mail: psic.adriano_oliveira@yahoo.com.br

O VAZIO EXISTENCIAL: Em Busca do Sentido da Vida [1]


 
ExistentiaL void: In Search of the Life  Direction
 
 
Renata Pires de Oliveira
renatinha_pires@hotmail.com
Graduando em Psicologia
Centro de Estudos Superiores de Maceió/ CESMAC
 
Rosângela Maria da Silva
cch@fejal.com.br 
Docente da Faculdade de Ciências Humanas do CESMAC
e orientadora de TCC do Curso de Psicologia
 

RESUMO

O vazio existencial está presente na vida de todo ser humano, em maior ou menor grau. É sentido e vivenciado em
inúmeras circunstâncias da existência humana. Ele emerge diante de situações peculiares e às vezes estressantes na
vida do sujeito. Está presente em momentos da iminência da própria morte ou do falecimento de pessoas próximas.
Também pode ser observando diante dos vários lutos e perdas vividos ao longo da vida do indivíduo. É explícito e
explicado através da filosofia nas mais variadas fases e períodos e por diversos filósofos, autores e estudiosos.
Permeia alguns distúrbios e patologias psíquicas, como a própria depressão. É vivenciado, de forma explícita ou
implícita, no cotidiano de cada ser humano toda vez que o mesmo se questiona, reflete e filosofa acerca do
verdadeiro sentido da vida. Do mesmo modo com se faz presente diante de inúmeras situações de vida, o vazio
existencial também pode ser entendido, preenchido, amenizado, acolhido e abraçado em algumas circunstâncias –
sejam elas através da filosofia que tenta apreender e explicar a sua essência; através do trabalho que proporciona ao
indivíduo um sentido de utilidade e bem-estar; por meio das artes de uma forma geral, visto que as mesmas
preenchem ou extravasam sentimentos e vivências; com a religião que consegue dar ao indivíduo um sentido e
sentimento de transcendência; ou mesmo através da Psicologia que proporciona ao cliente um verdadeiro mergulho
na sua essência, possibilitando-o entender-se e aceitar-se tal como verdadeiramente é. Por fim, pode-se dizer que o
vazio existencial perpassa todos os campos da vida do indivíduo – em maior ou menor grau. E, sendo assim, merece
um estudo e trabalho aprofundado acerca de sua temática. Demonstrando consequentemente a necessidade da
Psicologia em entender e aprender a lidar com este momento tão peculiar na vida do ser humano: o vazio
existencial.

Palavras-chave: Vazio. Existência. Filosofia. Perdas. Psicologia.

 
ABSTRACT

The existential void is present in all human being’s life, in greater or minor degree. It is felt and lived deeply in
innumerable circumstances of men’s existence. It emerges ahead of peculiar situations and in stressful times in the
citizen’s life. It is present at moments of the imminence of death. It also can be observed in losses lived throughout
the individual’s life. It’s explicit and explained throughout philosophy in the most varied phases and periods and for
many philosophers, studious and authors. It’s also present throughout psychic suffering, as depression itself. It is
lived deeply, in explicit or implicit form, in daily life of each human being all of the time that they questioned
themselves, reflecting about their lives. In a similar way it is present in innumerable life situations, the existential
emptiness can also be understood, be filled up, be brightened up and be received in some circumstances – they are
present through the philosophy that tries to apprehend and to explain its essence; through the work that provides to
the individual a direction of utility and well-being; by arts in general, since the same ones fill or put out feelings and
experiences; with the religion that tries to give a direction and feeling of transcendence to the believers; or even
through Psychology that provides to the patient a true diving in inside its essence, making possible to understand
themselves and to accept them as they truly are. Finally, the existential void can be felt in all the fields of human
being’s life - in greater or minor degree. And, by its importance, deserves a deepened study and work concerning its
thematic. All of that demonstrates the necessity of Psychology in understanding and learning to deal with this so
peculiar moment in the life of all human being: the existential emptiness and human void.

Key-words: Emptiness. Existence. Philosophy. Losses. Psychology.


 
 
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
 
2 PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA
2.1 O Homem e seu Vazio Existencial trilhando os diversos caminhos da Filosofia através
      da História da Humanidade
 
3 A FUGA DO VAZIO
3.1 Formas e Mecanismos de Fuga
3.2 Do Sofrimento Psíquico às Manifestações Físicas e Psicológicas
3.2.1 Depressão
3.2.2 Os Excessos
3.3 Diante da Morte
 
4 UM MERGULHO NO VAZIO
4.1 O Pensamento Ocidental encontrando o Pensamento Oriental
4.2 Em Busca de si mesmo
4.3 O Vazio preenchido, atenuado, compreendido, aceito, afirmado, vivido e acolhido
4.3.1 O Papel das Religiões
4.3.2 O Trabalho
4.3.3 A Experiência Artística
4.3.4 A Psicologia como Caminho
5 CONCLUSÃO
NOTA EXPLICATIVA 
REFERÊNCIAS
 
1 INTRODUÇÃO
O vazio existencial representa um caminho por qual todo ser humano, mais cedo ou mais tarde, tem de
trilhar. Essa estrada é, muitas vezes, um momento que traz em si uma ambigüidade que deixa perplexo o indivíduo
que a experiência. Sua contradição está justamente por trazer à tona o que há de mais complexo, obscuro e, ao
mesmo tempo, fértil no homem.
Sua relevância como tema de investigação e pesquisa se fez e faz presente numa perspectiva histórico-
filosófica, que conduz a uma trajetória de permanente reconstrução. O referido “vazio” tão largamente citado e
explorado pela filosofia necessita, neste momento, de uma visão psicológica, cabendo a esta entender que tipo de
mecanismos são utilizados pelo indivíduo neste momento tão peculiar de introspecção e reflexão acerca da vida e do
viver.
Do ponto de vista sócio-cultural, o vazio existencial é vivenciado de diferentes formas em diversas culturas e
civilizações, porém se faz presente de forma notória em grande parte, senão em todas elas. Sendo assim, cabe-nos
entender o que há em comum e o que há de diverso nesse sentir tão único e complexo, que leva o ser a um crescente
questionamento perante a vida e a morte e tudo o que os permeia.
Numa perspectiva atual, podemos nos perguntar que tipo de sinais e conseqüências esse vazio existencial nos
coloca expostos. Cabe-nos questionar se o agravamento desse sentir universal não pode evoluir para um verdadeiro
sofrimento psíquico, como a própria depressão (tão presente nos dias atuais) e com todo o tipo de lidar de forma
distorcida com a realidade. É uma questão importante para a psicologia entender até que ponto os transtornos
alimentares, a ansiedade, a angústia e o sofrimento psíquico em todas as suas nuances não tem uma ligação
intrínseca movida pelo sentimento de vazio que acomete os seres humanos em alguma fase da vida ou da sua
existência.
            Concomitantemente à preocupação com o sofrimento humano, cabe também à psicologia observar, pesquisar
e compreender as formas mais saudáveis de lidar, ou mesmo tentar preencher esse vazio – a religião tem uma
importância fundamental nesse aspecto, e tudo o que lida com o transcendental e algo superior que ultrapassa a
existência atual. Numa perspectiva individual, os diversos tipos de trabalho surgem como forma de realização
pessoal que consegue, ao mesmo tempo, ser útil à comunidade e também satisfazer os anseios de sentir que sua vida
tem um propósito maior. A arte é outro espaço que permite explorar e expor o vazio de forma simbólica, seja
através da dança, da pintura, da escultura, do teatro, do cinema, da literatura e de tantas outras formas... Através
dessa exploração da simbologia inconsciente, os artistas se vêem mais próximos do vazio existencial, atingindo uma
intimidade que tanto explora como preenche esse mesmo estado de espírito. Por fim, se faz necessário afirmar que a
própria psicologia tem um papel fundamental em toda essa temática, por ser o homem e suas implicações o objeto
de estudo dessa ciência, cabe a mesma propiciar ao indivíduo um entendimento mais profundo e uma aceitação mais
verdadeira de seus anseios, dificuldades e reflexões, visto que, se ela não consegue preencher esse vazio existencial,
ao menos facilita ao indivíduo um “conhecer-se” mais substancial, permitindo-o conviver de forma mais saudável,
agradável e com uma melhor qualidade de vida.
            O presente trabalho tem como objetivo primordial proporcionar uma investigação mais aprofundada acerca
do vazio existencial e suas implicações nas formas de se entender o verdadeiro sentido da vida. A metodologia
utilizada foi a pesquisa bibliográfica que tem como finalidade apontar como o vazio existencial se fez presente na
história da humanidade através da filosofia, empreendendo uma busca pelos mais variados períodos históricos e
escolas filosóficas, dando assim uma perspectiva geral do que já foi pesquisado e exposto acerca do tema. Iremos
também explorar as possíveis implicações que o agravamento do sentir o vazio existencial possam repercutir no
indivíduo através do sofrimento psíquico. Por fim, realizaremos uma reflexão mais ampla sobre as mais diversas
formas de se empreender um mergulho saudável no vazio, buscando lidar, preencher, atenuar, acolher, abraçar,
adentrar, entender e aceitar o próprio vazio existencial.
Após o que foi exposto, fica evidente a importância de um estudo mais aprofundado acerca do tema, tendo
em vista a sua historicidade, a sua atualidade, as suas implicações no sofrimento psíquico e as maneiras encontradas
pelos homens para lidar com o vazio existencial.
 
2 PERSPECTIVA HISTÓRICO-FILOSÓFICA

O vazio existencial se fez e faz muito presente na história e na filosofia da humanidade, é enfatizada em
distintos momentos e nas mais diversas culturas durante todo o percurso evolutivo do ser humano. Tendo em vista a
amplitude e interdisciplinaridade do tema em questão, se faz necessária uma visão holística que discorra sobre os
mais variados campos que a abordam – seja de forma abrangente englobando a visão do homem como um todo, seja
de forma específica sobre este momento tão peculiar e rico na vida do ser humano: o vazio existencial.
A busca de um sentido vital une ciência, literatura, história, religião, filosofia e arte. A ciência procura seu
fundamento na experiência da natureza adquirida pelo homem; a literatura e a arte procuram-no na experiência
interior do homem e em suas relações com os seus semelhantes; a história, no passado humano; a religião, na
relação do homem com um Ser Supremo; e a filosofia em todos esses ramos do conhecimento humano. Cada uma
dessas formas do conhecimento merece ser aprofundada. À sua maneira própria, cada uma delas nos familiariza
com uma parte da realidade. Cada uma tem seu foco e seu grau de importância na compreensão do todo. Cabe ao
homem unir todos esses conhecimentos para ter uma visão mais ampla e global de si mesmo e do mundo em que
vive.
A visão filosófica representa a mais antiga e profunda investigação acerca do sentido da vida. Inúmeros
filósofos dedicaram toda uma vida na tentativa de criar sistemas e correntes de idéias que se aproximassem com a
realidade vivida e sentida pelo ser humano. Essas perspectivas se modificaram, moldaram e foram moldadas pelo
seu tempo histórico – são muitas vezes contrárias, mas, ao mesmo tempo, complementares, pois refletem uma visão
ampla e aprofundada sobre o homem como essência e existência.
Após o que foi exposto, cabe-nos discorrer retrospectivamente sobre os mais diversos momentos e teorias
que abordaram o homem através da história e da filosofia – história e filosofia estão intrinsecamente interligadas
quando o tema central se constitui o homem – em todas as peculiaridades e particularidades que lhe são inerentes.
2.1 O Homem e seu Vazio Existencial trilhando os diversos caminhos da Filosofia através da História da
Humanidade
Enfatizando o vazio existencial e o sentido da vida numa visão histórico-filosófica podemos citar diversos
autores que abordaram a questão de forma única e aprofundada. A História e a Filosofia caminham entrelaçadas
numa tentativa de apreender e explicar o homem em todas as suas peculiaridades, anseios, questionamentos e
lacunas.
Para Sócrates, a principal preocupação é o homem e a sua interioridade “Conhece-te a ti mesmo” – este
sentido imperativo socrático é um imperativo moral, para que o homem tome posse de si mesmo, seja dono de si,
pelo saber.
A pergunta essencial que Sócrates tentava responder era: o que é a essência do homem? Ele
respondia dizendo que o homem é a sua alma, entendendo-se “alma”, aqui, como a sede da
razão, o nosso eu consciente, que inclui a consciência intelectual e a consciência moral, e
que, portanto, distingue o ser humano de todos os outros seres da natureza.  (COTRIM, 2000,
p. 94, grifo do autor).
O vazio na perspectiva agostiniana seria preenchido apenas através de uma figura divina. O homem que não
entra em contato com Deus seria, em sua visão, inacabado, incompleto, vazio. Em contrapartida, aquele que entra e
compartilha do divino torna-se iluminado, completo, descobrindo a verdadeira felicidade.

Como o homem é a imagem de Deus, encontra-o, como num espelho, na intimidade de sua
alma; afastar-se de Deus é como extrair as próprias entranhas, esvaziar-se e ser cada vez
menos; quando o homem, em troca, entra em si mesmo, descobre a Divindade. Mas é apenas
mediante uma iluminação sobrenatural que o homem pode conhecer Deus de modo direto. 
(MARÍAS, 2004, p. 127, grifo do autor).
            Deve-se acrescentar que a idéia de homem sofreu transformações muito essenciais. Na Antiguidade,
o homem é um ente peculiar, tem uma propriedade estranha que é a de saber o resto das coisas e, sendo ele uma
dentre elas, em certo sentido as envolve todas. Na Idade Média, o homem é uma criatura feita à imagem e
semelhança de Deus; isso faz com que Deus fique envolvido no problema do homem. Na Idade Moderna ocorre
algo totalmente novo. Até então, falava-se do homem; na época moderna se fala do eu, da vontade, da razão, da luz
natural etc., mas não se fala do homem. (op. cit, 2004).          Schopenhauer desenvolveu uma visão pessimista da
vida, encarada como uma história de sofrimentos. Para ele, o ser humano seria essencialmente vontade, que o
levaria a desejar sempre mais, produzindo uma insatisfação constante. A essência do mundo seria essa vontade
insaciável, sendo ela a origem das lutas entre os homens, da dor e do sofrimento. A história é, para ele, a história de
lutas, onde a infelicidade seria a norma, a regra geral. Para Schopenhauer, apenas pela arte e pelo abandono de si, o
homem poderia se libertar da dor.
Em sua obra, Kierkegaard procurou analisar os problemas da relação existencial do homem com o mundo,
consigo mesmo e com Deus. As relações do homem com o mundo – outras pessoas e a natureza seriam dominadas
pela angústia. A angústia é entendida como o sentimento profundo que temos ao perceber a instabilidade de viver
num mundo de acontecimentos possíveis, sem garantia de que nossas expectativas sejam realizadas. No possível,
tudo é possível; ou seja, vivemos num mundo onde tanto é possível a dor como o prazer, o bem como o mal, o amor
como o ódio, o favorável como o desfavorável – explicitando a constante instabilidade das coisas. A relação do
homem consigo mesmo é marcada pela inquietação e pelo desespero – ou porque o homem nunca está plenamente
satisfeito com as possibilidades que realizou, ou porque não conseguiu realizar o que pretendia, esgotando os limites
do possível fracasso diante de suas expectativas. A relação do homem com Deus seria talvez a única via para a
superação da angústia e do desespero. Entretanto é marcada pelo paradoxo de ter de compreender pela fé o que é
incompreensível pela razão. (COTRIM, 2000).
         O surgimento da fenomenologia coincide com o começo do século XX. A fenomenologia é uma
ciência das essências das vivências. Em Husserl, os problemas da realidade contingente, da morte, do destino, do
sentido da história reaparecem. Assim se constitui um sistema de disciplinas fenomenológicas cuja base é a tomada
de consciência de si mesmo, plena, íntegra e universal. É preciso perder primeiro o mundo para recuperá-lo em
seguida nessa tomada de consciência. Este é o sentido final que Husserl dá à fenomenologia.
Analisando a vida humana, Heidegger descreveu três etapas básicas que marcam a existência e que, para a
maioria dos homens, culminam numa existência inautêntica, são elas: o fato da existência – o homem é lançado ao
mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a consciência da vida, já está aí, sem ter pedido. O desenvolvimento
da existência – o ser humano estabelece relações com o mundo. Para existir, o homem projeta sua vida e procura
agir no campo de suas possibilidades. Assim, move uma busca permanente para realizar aquilo que ainda não é. Em
outras palavras, existir é construir um projeto. A destruição do eu – tentando realizar seu projeto, o homem sofre a
interferência de uma série de fatores adversos que o desviam de seu caminho existencial. Trata-se do confronto do
eu com os outros. Um confronto no qual o homem comum é, geralmente, derrotado. O seu eu é destruído, arruinado,
dissolve-se na massa humana. Em vez de tornar-se si mesmo, o homem torna-se aquilo que os outros desejam.
(COTRIM, 2000).
Para Heidegger, na cura de si mesmo, o indivíduo põe-se acima das coisas mundanas, assumindo a angústia
do Nada. Só assim torna-se autêntico, sendo capaz de superar o Nada cotidiano, o Nada do futuro, o Nada da morte.
Quando o homem não assume a sua própria cura, se perde e se aliena. O ser autêntico exige o mergulho na angústia
do Nada.
O sentimento profundo que faz o homem despertar da existência inautêntica é a angústia,
pois ela revela a nossa impessoalidade no cotidiano, o abandono do nosso próprio eu diante da
opressão do mundo como um todo. (COTRIM, 2000, p. 218, grifo do autor).
A angústia surge como um sinal de alerta que traz à tona a existência inautêntica do homem. Esse estado
provoca no indivíduo uma inquietação que o conduz à experienciar a sua realidade objetiva e subjetiva de forma
verdadeira e autêntica – esse é o papel da angústia na vida do homem – despertá-lo para a existência de seu vazio
existencial e levá-lo a uma busca pelo sentido de sua vida.

A angústia é o caráter típico e próprio da vida. A vida é angustiosa. E por que é angustiosa a
vida? A angústia da vida tem duas facetas. De um lado, é necessidade de viver, é afã de viver,
é anseio de ser, de continuar sendo, para que o futuro seja presente. Mas, de outro lado, esse
anseio de ser leva dentro o temor de não ser, o temor de deixar de ser, o temor do nada. Por
isso, a vida é, de um lado, anseio de ser e, de outro lado, temor do nada. Essa é a angústia.
Pois o nada amedronta o homem. (GARCÍA MORENTE, 1970, p. 311 apud COTRIM, 2000,
p. 218).
O termo existencialismo – ou filosofias da existência – designa o conjunto de tendências filosóficas acerca
da existência humana. Existem alguns traços que caracterizam o existencialismo, como: o ser humano é
representado como uma realidade imperfeita, aberta e inacabada, que foi lançada ao mundo e vive sob riscos e
ameaças. A liberdade humana não é plena, mas condicionada às circunstâncias históricas da existência. O homem
age no mundo superando ou não os obstáculos que se apresentam. A vida humana não é um caminho linear em
direção ao progresso, ao êxito e ao crescimento. Ao contrário, é marcada por situações de sofrimento, como a
doença, a dor, as injustiças, a luta pela sobrevivência, o fracasso, a velhice e a morte. Assim, não podemos ignorar o
sofrimento humano, a angústia interior, a exploração social. É preciso considerar essas adversidades da vida e
enfrentá-las com determinação. (COTRIM, 2000).
Sartre afirma que o homem está condenado a ser livre – condenado porque não se criou a si próprio; e, no
entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer. O homem, sem qualquer
apoio e sem qualquer auxílio, está condenado a inventar o homem.
Ortega afirma que essa vida é algo que temos de fazer. É, portanto, problema, insegurança, naufrágio. Como
a vida não está feita, mas tem de ser feita, o homem tem de determinar previamente o que vai ser. Por isso o homem
não pode viver sem um projeto vital, original ou comum, valioso ou torpe: tem de ser bom ou mau, romancista de
sua própria vida, tem de imaginar ou inventar a personagem que pretende ser; e, por conseguinte, a vida humana é
antes de tudo pretensão. (MARÍAS, 2004).
Surge, então, uma importante questão – a vida humana é sempre minha, a de cada qual, a de cada um de nós.
É vida individual ou pessoal e consiste em que o eu se encontra numa circunstância ou mundo, sem ter a certeza de
existir no instante imediatamente posterior e tendo sempre que estar fazendo algo para garantir essa existência. A
ação humana supõe então um sujeito responsável, e a vida é, por essência, solidão.
Entender o vazio existencial numa perspectiva histórico-filosófica nos permite ter um panorama geral e, ao
mesmo tempo, amplo e abrangente que abarca diversas linhas de pensamentos dos mais diversos autores e filósofos.
Compreender esse apanhado histórico significa tomar posse dos conhecimentos, teorias e visões que influenciaram e
influenciam o que hoje entendemos sobre o tema, nos possibilitando, agora, empreender uma jornada que identifica
o vazio existencial no momento atual, observando suas implicações no nosso cotidiano, no sentido de nossa
existência e nas nossas vidas como um todo.
3 A FUGA DO VAZIO

A Filosofia nos forneceu um panorama histórico bem abrangente acerca das questões existenciais inerentes
ao ser humano. A busca de sentido e significado perpassa as mais variadas épocas e as mais diversas civilizações –
cada uma imprimindo o seu modo de pensar e sentir o vazio existencial.
Entretanto, deve-se ressaltar que, assim como muitos buscam um sentido na existência humana, outros se
esforçam por fugir e evitar tais questões. Isso ocorre porque esses questionamentos causam uma angústia, um
incômodo, uma certa aversão em pessoas que simplesmente desejam viver suas vidas sem ter que necessariamente
se perguntarem sobre o sentido delas. Esse mal-estar é provocado por razões muito mais profundas do que se
imagina, e podem-se atribuir inúmeros significados inconscientes para tal comportamento de esquiva.
A fuga representa uma não aceitação, uma dificuldade de encarar o fato tal como ele realmente é. Uma
necessidade de preencher o tempo – e por que não, o vazio – com coisas rotineiras, deixando a dinâmica do
cotidiano guiar suas vidas. Vivem assim, em muitos aspectos como se estivessem anestesiados, entorpecidos pelo
dia-a-dia, numa sucessão de eventos que muitas vezes lhes parecem insignificantes. Nesse ponto o indivíduo tem
duas escolhas: ou entra no seu vazio existencial e começa um processo sem retorno de um autoconhecimento
verdadeiro e autêntico; ou decidem fugir a todo instante daquela sensação de falta de significado das coisas.       
3.1 Formas e Mecanismos de Fuga

            O vazio e a falta de sentido da e na vida surgem como poderosas forças que, muitas vezes, o homem não
sabe como controlar e vivenciar. Entrar em contato com essa deficiência de saber como agir, assim como se
defrontar com a sua incapacidade como ser de entender-se criam um ambiente de angústia, muitas vezes
insuportável para o indivíduo. Ele sofre, e como seu sofrimento o incomoda profundamente, sua reação mais
freqüente é querer se distanciar ao máximo dessa fonte de desprazer. Sendo assim, ele foge; e para isso se utiliza de
inúmeros artifícios e mecanismos para que o contato com tais questões angustiantes sejam o menor possível.
A importância do contato se faz presente nas questões existenciais, pois é justamente através dele que o
homem se comunica com os outros e com ele mesmo. É somente através do contato real, verdadeiro e único que
algum significado pode ser encontrado, tanto para explicar o homem, como para entender a complexidade da vida.
[...] O contato, como expressão de vida, é eternamente renovável, permitindo à pessoa se
reconhecer e se renovar, ao modelo do universo, mediante ciclos de mudança. Somos os
contatos que fizemos e nossa transformação segue a dinâmica de nosso jeito de encarar a vida.
Somos o que ouvimos, vimos, cheiramos, comemos e tocamos. As pessoas fizeram, fazem,
mantêm, interrompem e cortam o contato. Se soubermos como uma pessoa manipula o
contato, saberemos como ela funciona. O ciclo, tanto na expressão de saúde quanto de
bloqueio, retrata esse experienciar existencial pelo qual as pessoas tornam a realidade
presente. (RIBEIRO, 2006, p. 88, grifo do autor).
   Contato é saúde. Saúde é contato em ação. Qualquer interrupção do contato implica uma perda na saúde.
Doença significa interrupção do contato nos vários campos do espaço vital da pessoa. Saúde diz respeito à
satisfação adequada de necessidades, em um processo de auto-regulação entre pessoa e meio. Saúde é um contínuo
dinâmico entre organismo e meio numa relação recíproca, harmoniosa, entre necessidades presentes, no aqui e
agora, e sua satisfação. Assim, atrás de toda doença existe a não satisfação ou a satisfação inadequada de
necessidades que precisam ser atendidas. Saúde é fruto da satisfação harmoniosa e constante de nossas
necessidades. Doença é o esquecimento, a desatenção ou a negação delas.
Às vezes, as pessoas reagem de maneira excessiva a sentimentos dolorosos e constroem defesas
impenetráveis. Existe um tempo em que as defesas são necessárias, e outro em que é essencial pô-las de lado. A
finalidade das defesas é proteger contra danos futuros, permitindo alguma distância e tempo em relação ao
problema. Entretanto, quando elas são usadas com muita freqüência, acabam por consumir toda a energia do
indivíduo, tendo quase o mesmo efeito que o próprio problema. A energia que é consumida vai para a criação e a
manutenção de uma barreira frente à realidade. Cada ser humano necessita encontrar um equilíbrio entre a dor e a
defesa e se apoiar em sua própria experiência como guia.
Os mecanismos de defesa surgem na dinâmica dos indivíduos quando estes não conseguem lidar
realisticamente com suas próprias questões. São, portanto, formas de comunicar suas dificuldades existenciais.
Fugir do contato verdadeiro, para muitos, funciona como uma barreira de proteção contra a angústia do existir.
Entretanto, essa barreira que tem como função principal proteger, acaba também por isolar, restringir e aprisionar o
indivíduo dentro de seus próprios temores. Acaba por embotar sua vida, tornando-a opaca, rígida, sem fluidez e
espontaneidade.
Essa falta, esse vazio acarretam uma procura incessante por objetos que, teoricamente, poderiam preenchê-lo
ou satisfazê-lo de alguma forma. Quando, na verdade, a verdadeira busca deveria começar dentro de si mesmo. A
realidade interna conduz à real consciência de si mesmo.
3.2 Do Sofrimento Psíquico às Manifestações Físicas e Psicológicas
 O sentido da vida e o vazio existencial levam os indivíduos por caminhos tortuosos e ao mesmo tempo
ambíguos: ou há um mergulho verdadeiro na sua própria existência; ou surge a fuga como forma de evitar o contato
real e imediato com as questões existenciais que angustiam os indivíduo.
Quando o segundo caminho é o escolhido, ou seja, quando a fuga surge como melhor alternativa para se
lidar com a angústia do viver, o indivíduo interrompe o contato – seja com os outros, seja com ele mesmo. Com o
contato sendo interrompido constantemente e por tempo suficiente, criam-se estruturas rígidas que acarretam no
indivíduo um verdadeiro sofrimento psíquico.
 [...] Não prestamos atenção ao ar que respiramos, às batidas do coração, até que um tipo de
emoção diferente nos invada. Adoecemos porque não nos tornamos presentes a nós mesmos.
Agimos com um eterno “deixar para depois”, sempre na expectativa de que o organismo
terminará por resolver uma situação que não conseguimos compreender. A deflexão é a
inimiga número um da auto-regulação. O não prestar atenção, o não estar presente a si mesmo
e o fazer de conta são formas habituais de cortar contato, de desregular o organismo.
Problemas mentais retratam necessidades não atendidas, retratam uma violência silenciosa
dentro do espaço vital e, sobretudo, um não se dar conta de que o organismo não pode
ultrapassar a si mesmo. O organismo, apesar de sua perfeição, não é divino, é humano e ser
humano é, especialmente, tratar-se com respeito e reverência. (RIBEIRO, 2006, p. 58, grifo
do autor).
   Doenças físicas e mentais são, muitas vezes, formas desesperadas de ajustamento criativo, representam
uma linguagem que, por meio da dor, consegue se fazer ouvir, pois o intelecto já não encontra resposta adequada a
suas demandas. Adoecer é perder as fronteiras e os contornos de si mesmo, é tentar ir além dos horizontes,
esquecendo que limites, fronteiras e contornos existem ou são criados para nossa proteção.      
   Diante do que foi exposto, surge, então, a consciência de que precisamos de uma oportunidade para nos
pormos em contato conosco mesmos, de ouvir nossos pensamentos, de prestar atenção a nossos sentimentos. A
pessoa livre aceita a responsabilidade tanto pelo que há de bom como pelo que há de mau em sua vida. Está
consciente de sua própria vulnerabilidade e, em vez de ocultá-la, utiliza-a. Ela permite ser aberta para se relacionar
com a dor do mundo. (VISCOTT, 1982).
3.2.1 Depressão

         O agravamento do sofrimento psíquico em decorrência do vazio existencial pode acarretar num estado em que
o indivíduo sente-se incapaz de se auto-regular. Surge, então, a depressão como forma de expressar essa lacuna
interior, que usualmente leva a pessoa a uma sensação de perda do sentido da vida.

A depressão é a imperfeição do amor. Para podermos amar, temos que ser criaturas capazes
de se desesperar ante as perdas, e a depressão é o mecanismo desse desespero. Quando ela
chega, degrada o eu da pessoa e finalmente eclipsa sua capacidade de dar ou receber afeição.
É a solidão dentro de nós que se torna manifesta, e destrói não apenas a conexão com os
outros, mas também a capacidade de estar apaziguadamente consigo mesmo. [...] Quando
estão bem, alguns amam a si mesmos, alguns amam outros, alguns amam o trabalho e alguns
amam Deus: qualquer uma dessas paixões pode fornecer o sentido vital de propósito que é o
oposto da depressão. O amor nos abandona de tempos em tempos, e nós abandonamos o
amor. Na depressão, a falta de significado de cada empreendimento e de cada emoção, a falta
de significado da própria vida se tornam evidentes. O único sentimento que resta nesse estado
despido de amor é a insignificância.  (SOLOMON, 2002, p. 15).
  É na depressão que a solidão se torna mais evidente, a sensação de estar sozinho consigo mesmo diante do
mundo se aprofunda. Há um embotamento dos sentimentos, das relações e da vida como um todo. A existência
perde seu significado, o indivíduo sente-se vazio, abandonado, insignificante.
  É justamente na depressão que todas as questões existenciais se tornam mais fortes e mais presentes. Se o
indivíduo utilizou inúmeros mecanismos de defesa para interromper o contato consigo mesmo e com o mundo, é
provável que seu quadro tenderá a evoluir para um sofrimento psíquico cada vez maior. Com a depressão, ele se vê
diante de si mesmo e começa a se questionar acerca de sua vida e do significado de sua existência. [...] “Começo
cada manhã com uma incerteza que tira meu fôlego: quem sou eu?” [...] (op. cit, p. 78).
Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta que o indivíduo ainda pode retomar o rumo de sua vida, quando
busca ajuda dos outros e dele mesmo há uma mudança significativa no seu existir. [...] “Jamais escaparemos da
própria escolha. O eu de alguém reside em escolher, reside em cada escolha, a cada dia. Eu sou o que escolhe tomar
remédio duas vezes por dia”. (SOLOMON, 2002, p. 379).
Aceitando a responsabilidade por sua própria vida, o sujeito se vê como fonte de seu processo de cura, visto
que cabe a ele continuar vivendo cada dia como dono de sua própria existência. Encontrando forças dentro dele
mesmo, seu vazio existencial lhe fornecerá a oportunidade única de se autogerir como um ser existindo no mundo.
“Nós atravessamos o inferno para encontrar o paraíso”, diz Tina Sonego. “Minha recompensa
é muito simples. Agora sou capaz de entender coisas que eu simplesmente não entendia antes;
e as coisas que não entendo agora, entenderei com o tempo, se elas forem importantes. A
depressão é responsável por fazer de mim o que sou hoje. O que ganhamos não passa de um
sussurro, mas é muito intenso”. (SOLOMON, 2002, p. 388).
            Quando a vivência da depressão se torna uma oportunidade de autoconhecimento e, principalmente, quando
a pessoa está disposta a mergulhar dentro de si mesma, então, ao sair do seu sofrimento, o indivíduo tomará posse
do que lhe pertence – sua identidade, suas dúvidas, seu vazio existencial, do sentido da sua vida.

3.2.2 Os Excessos

            O vazio existencial também se faz presente nos excessos. O que, primeiramente, pode parecer uma
contradição e uma ambigüidade – como uma lacuna, uma falta pode se transformar em exagero? Pois a resposta está
intrinsecamente ligada à própria pergunta: é justamente devido ao incômodo provocado pelo vazio que se procura
preenchê-lo de qualquer forma, inclusive com o seu próprio oposto o excesso. Nesse sentido, o indivíduo fica
transitando entre dois pólos: a escassez e a abundância. Mas na verdade um só faz reforçar o outro. Quando uma
pessoa faz uso abusivo de substâncias entorpecentes, ela tenta fugir, esquecer, negar suas questões mais difíceis, seu
mais profundo vazio existencial; entretanto, quando o efeito sedativo ou atordoante passa, resta apenas uma
sensação mais aguçada do seu vazio, de insignificância, e de falta de sentido na vida.
O comportamento destrutivo visto hoje em dia no alcoolismo, no vício em drogas, na delinqüência e na
promiscuidade, reflete o grau até onde os indivíduos em nossa cultura tornaram-se seres isolados, desligados e
desesperados. Mas não é só no uso abusivo de drogas que os excessos estão presentes. O hábito de comer
compulsivo e a incapacidade de adormecer são sintomas de uma desesperação interior que surge de uma
necessidade de auto-aceitação.
O meio em que vivemos também reforça esse tipo de atitude. A indústria publicitária nos ensina a querer
coisas e nos orienta com relação ao que devemos querer. Se reconhecermos que é improvável que a aquisição de
posses nos torne pessoas mais contentes e satisfeitas se nossas necessidades humanas mais profundas não forem
atendidas, a publicidade nos leva a acreditar que novas posses nos trarão todas essas coisas mais profundas que
desejamos. Se comprarmos coisas e criamos nossas vidas à imagem dos anúncios publicitários, seremos felizes. A
criação da imagem pessoal, por essa razão, torna-se muito importante. Essa atitude é mais do que tudo desenvolvida
no que se refere à aparência física. (BUCKROYD, 2000).
Dentro dessa concepção que tenta nos vender uma imagem ideal de como devemos ser, nos vestir e nos
comportar; surge toda uma gama de doenças compulsivas – seja através da busca incessante pelo dinheiro, à procura
de experiências entorpecentes, ou pela vontade de possuir um corpo perfeito – tudo isso emerge como uma tentativa
de preencher o vazio existencial e, assim, alcançar a tão almejada felicidade.Toda essa experiência também pode
representar um novo olhar, uma nova saída. Através do autoconhecimento, essas pessoas podem enfrentar seus
maiores temores de frente e saírem vitoriosas. Podem começar a entender suas lacunas e o seu vazio existencial de
forma mais concreta, procurando meios mais adequados de preenchê-lo e atenuá-lo.
3.3 Diante da Morte

A experiência do vazio existencial se dá de forma mais clara e evidente quando o indivíduo se vê diante de
uma situação de morte iminente. Esse representa um momento peculiar na vida de cada pessoa, visto que permite
uma maior introspecção e reflexão acerca do sentido da vida. É nesse período que costumam surgir questionamentos
sobre o que é a vida, o que é a morte, qual o significado de viver, se a vida que foi levada até então realmente foi a
desejada, o que ficou satisfeito e o que ficou inacabado... Enfim, é um período de “balanço” em que a pessoa se vê
diante de questões que permearam a sua vida inteira, e, em muitos casos, pode se experienciar um “certo vazio
interior”, vazio este que se faz mais presente diante da morte.
As pessoas, em geral, quando se vêem forçadas a encarar a realidade da morte de frente, se mostram
despreparadas e confusas justamente pelo fato de nunca terem se permitido adentrar em tal assunto de forma
verdadeira e consciente. Assim, se mostram necessitadas de ajuda, um auxílio que lhes permita entender e aceitar
esse momento tão ambíguo de suas vidas.
[...] Creio que deveríamos criar o hábito de pensar na morte e no morrer, de vez em quando,
antes que tenhamos de nos defrontar com eles na vida. Se não fizermos assim, o diagnóstico
de câncer, no seio da família, irá nos lembrar brutalmente de nosso próprio fim. Portanto,
pode ser uma bênção aproveitar o tempo da doença para refletir sobre a morte e o morrer em
relação a nós mesmos, independentemente de o paciente encontrar a morte ou ter a vida
prolongada. (KÜBLER-ROSS, 2002, p. 33).
            A morte traz à tona sentimentos de vazio e solidão, pois representam uma cisão final e derradeira do
mundo e das pessoas com quem se partilhou inúmeras experiências. Essa separação ou a iminência dela produz
efeitos marcantes nos seres humanos. Representa uma oportunidade única de reflexão e introspecção que pode – e
deve – ser compartilhada com os demais, como uma forma de ver que não se está sozinho no sentir a solidão.
Surge, então, o momento em que a morte se torna cada vez mais próxima e mais presente. É o momento em
que a dor do paciente cessa, em que a mente entra num estado de torpor, em que a necessidade de alimentação se
torna mínima, em que a consciência da realidade aos poucos vai desaparecendo. É o período em que os parentes
vivem num estado de tensão, alarme e expectativa. É o momento em que as palavras se tornam ineficientes. É um
estágio muito ambíguo para um parente próximo, pois ele deseja que tudo passe, que tudo termine, mas, ao mesmo
tempo, se agarra desesperadamente à pessoa que está prestes a perder para sempre. É o momento de possibilitar o
silêncio para o paciente, e da disponibilidade para com os parentes.
Aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o
silêncio que vai além das palavras, saberão que tal momento não é assustador nem doloroso,
mas um cessar em paz do funcionamento do corpo. Observar a morte em paz de um ser
humano faz-nos lembrar uma estrela cadente. É uma entre milhões de luzes do céu imenso,
que cintila ainda por um breve momento para desaparecer para sempre na noite sem fim. Ser
terapeuta de um paciente que agoniza é nos conscientizar da singularidade de cada indivíduo
neste oceano imenso da humanidade. É uma tomada de consciência de nossa finitude, de
nosso limitado período de vida. Poucos dentre nós vivem além dos setenta anos; ainda assim,
neste curto espaço de tempo, muitos dentre nós criam e vivem uma biografia única, e nós
mesmos tecemos a trama da história humana. (op. cit, p. 282).
            Depois de aprofundar no sofrimento psíquico do ser humano. Após percorrer a trilha da depressão, da
ansiedade, dos excessos e nos depararmos com a morte, o ser humano ressurge para mergulhar ainda mais em sua
essência. Ao entrar verdadeiramente no seu vazio existencial, o homem acabará por encontrar novas trilhas e
oportunidades de se preencher e se conquistar verdadeiramente. É o que veremos a seguir ao realizarmos o outro
caminho possível – o da conquista do homem em busca de si mesmo.

4 UM MERGULHO NO VAZIO

O ser humano é repleto de possibilidades e potencialidades, entretanto, adentrar no vazio existencial requer
muita força e coragem, como vimos anteriormente, significa lidar com os assuntos mais penosos e difíceis para a
humanidade, como por exemplo, enfrentar a morte, a angústia, a solidão e o sofrimento. Mas para se realizar como
um ser pleno, o indivíduo deve aproveitar essa oportunidade e mergulhar no seu vazio particular, realizando um
verdadeiro conhecer-se, que, consequentemente, emergirá numa pessoa mais integrada consigo mesma e com o
mundo que a cerca.
As perguntas sobre as quais se fundam a maioria das ambivalências são universais: sou bom ou mau? Fraco
ou forte? Esperto ou estúpido? Independente ou dependente? Livre ou controlado? Pelo fato de as pessoas terem
receio de que, ao se defrontarem com a verdade sobre si mesmas, poderão descobrir suas carências, elas tendem a
evitar estas perguntas básicas, tipo ou/ou. Enfrentar tais perguntas é o primeiro e, amiúde, o mais importante passo
para resolvê-las; e aceitar as respostas, por mais difícil que seja, é a melhor maneira de diminuir o desconforto da
ambivalência. (VISCOTT, 1982).
O que você quer para si, nesta vida? O que você vai fazer para alcançar isto? O que é que está
no seu caminho? Quem foi que pôs isso lá? Por que foi que você esperou que uma crise o
forçasse a agir? Estas são as grandes perguntas que se seguem às primeiras. Uma vez mais,
enfrentando-as, você começou a se libertar da paralisia da ambivalência. As perguntas pedem
resposta – decida quem você é, o que é melhor para você. (op.cit., 1982, p. 103).
A tendência a tentar preencher o vazio existencial com coisas, objetos materiais, ações, sucesso e prestígio
social levam a uma busca frenética e inútil muito presente no mundo ocidental. Entretanto, nada disso consegue
verdadeiramente completar a sensação de vazio presente no homem. Já no mundo oriental, a visão do homem, do
mundo, do vazio existencial e do sentido da vida nos trazem uma abordagem completamente nova e de grande
utilidade – o conceito de que este vazio é, na verdade, um vazio fértil, do qual podem emergir as melhores
potencialidades dos seres humanos, transformando-o num ser pleno e detentor de suas maiores capacidades e
possibilidades.

4.1 O Pensamento Ocidental encontrando o Pensamento Oriental


Em nossa época, o mundo ocidental é representado como uma era vazia, onde a vida humana é oca, sem
sentido e significado. O homem representa apenas um barquinho à procura do porto – ele nunca sabe quem é, e no
entanto, se reserva o direito de saber.
Grande parte da cultura do mundo ocidental fomenta a luta contra o vazio. No Ocidente o mundo é
preenchido com objetos. Espaço vazio é desperdício, a não ser que seja preenchido com ação. Sutilmente, a cultura
ocidental ensina a temer e evitar o vazio e a preencher o espaço, tanto quanto é possível, com ação e com objetos.
Ou então deixamos a ação dos objetos (carros, TV) preencher nosso espaço. No oriente, o vazio pode ter máximo
valor em si mesmo. Pode-se confiar nele. Ele pode ser produtivo.
Na cultura oriental, o taoísmo propõe o movimento interno de pensar menos e sentir mais. Nossa cultura
ocidental privilegia o pensamento e disfarça e até condena certas emoções e vivências. Às vezes, é proibido sentir.
Na cultura oriental, é importante deixar o corpo fluir, expressando-se livremente através dos sentidos. É importante
perder o pensamento para se chegar aos sentidos, e a sabedoria oriental completa que é preciso esvaziar-se para
poder encher-se. Com o modo de pensar ocidental o vazio tende a ser visto como uma deficiência. Nos escritos
orientais esse sentimento é considerado como um vazio fértil.
Quando aceitamos e entramos neste nada, no vazio, descobrimos que o deserto começa a florescer. O vazio
estéril torna-se o vazio fértil. O vazio ganha vida, se enche. (PERLS, 1977).
O budismo afirma que a frustração deriva de nossa dificuldade em enfrentar o fato básico da vida, isto é, que
tudo aquilo que nos cerca é impermanente e transitório – todas as coisas surgem e vão embora. A noção de que o
fluxo e a mudança são as características básicas da natureza está na raiz do Budismo. O sofrimento vem à tona, na
concepção budista, sempre que resistimos ao fluxo da vida e tentamos nos apegar às formas fixas. (CAPRA, 1983).
Os ensinamentos orientais falam sobre o vazio útil e frutífero. O vazio fecundo é aquele momento supremo
de abandono, de entrega a si mesmo como única resposta possível e a partir da qual tudo pode acontecer. Tudo
nasce do vazio, como do nada surge o ser.
Pode-se citar um exemplo de como o pensamento oriental se processa: [...] “Paredes e portas formam uma
casa, mas somente no vazio entre elas é que está sua capacidade”. (STEVENS, 1977, p. 126).
 O zen tem uma postura de colocar o indivíduo de volta para si mesmo, num sentido de integração da pessoa
na sua totalidade. Traz um apelo à tomada de posse, efetiva, do indivíduo por si mesmo. Trata-se de um re-ajuntar-
se existencial, de um re-membrar-se total.
Deste modo, precisamos, então, esvaziar-nos para que novos conhecimentos, sentimentos, sensações,
intuições possam nos preencher novamente. Estar sempre aberto e disponível para o novo significa, de forma mais
ampla, estar aberto para a vida e para o viver integralmente.
O zen-budismo, o taoísmo e o budismo tântrico influenciam sobre a vivência e consciência do aqui e agora,
sobre a visão do sentido das polaridades, sobre a ênfase em um contínuo processo de crescimento, no apelo à
totalidade do corpo, ao predomínio das emoções sobre o pensamento, sobre a necessidade de autoconfiança, de
auto-realização e auto-atualização, sobre a necessidade de aceitar as experiências mais que analisá-las, na crença, na
capacidade de um verdadeiro crescimento do ser humano. (RIBEIRO, 1985).
A perfeição do Zen reside precisamente em viver-se a vida diária com naturalidade e espontaneidade. Esse
modo de viver pode nos indicar uma nova oportunidade para o mundo ocidental atenuar suas angústias mais
profundas. Precisamos realizar uma verdadeira ponte entre Ocidente e Oriente – ter a sabedoria para transportar os
conhecimentos de todos os cantos do mundo para que possamos viver de forma mais integral e verdadeira, deixando
a vida fluir naturalmente.
          
4.2 Em Busca de si mesmo

O vazio existencial absorvido, vivenciado, experienciado por pessoas das mais diversas culturas, de todos os
cantos e recantos do mundo leva, então, o homem a uma verdadeira busca acerca de si mesmo. Essa busca apresenta
inúmeros caminhos – no mundo oriental ela é encarada como um viver de forma integral, natural e espontânea; no
mundo ocidental ainda é vista como algo amedrontador, onde a principal reação diante desse ente desconhecido é a
fuga. Entretanto, em todas as épocas o homem sempre procurou respostas às suas indagações mais profundas: Quem
sou eu? O que é, finalmente, o homem?

Em geral falam fluentemente sobre o que deveriam desejar – completar com êxito um curso
superior, arranjar um emprego, apaixonar-se e casar, constituir família – mas torna-se logo
evidente, até para eles, estarem descrevendo o que os outros – pais, professores, patrões –
deles esperam e não o que realmente desejam. [...] (MAY, 1991, p. 14, grifo do autor).
            A existência baseada na rotina leva o indivíduo a automatizar sua própria vida. Mas o que seria isso? Isso
ocorre quando as pessoas deixam de vivenciar cada instante como um momento único que nunca mais voltará a se
repetir. A cada segundo vive-se sentimentos, pensamentos, idéias e sonhos novos; porém, quando o indivíduo passa
a experienciar sua vida como uma simples sucessão de repetições de fatos e acontecimentos, ele acaba por se
desligar do momento presente, e, consequentemente, de si mesmo.

 [...] O quadro mais nítido de uma vida vazia é o do homem suburbano, que se levanta à
mesma hora todos os dias, toma o mesmo trem para trabalhar na cidade, executa as mesmas
tarefas no escritório, almoça no mesmo restaurante, deixa diariamente a mesma gorjeta para o
garçom, volta para casa no mesmo trem, tem dois-três (sic) filhos, cuida de um pequeno
jardim, passa duas semanas de férias na praia todo verão, férias que ele não aprecia, vai à
igreja no Natal e na Páscoa, levando assim uma existência rotineira, mecânica, ano após ano,
até finalmente aposentar-se aos sessenta e cinco e morrer, pouco depois, do coração, num
colapso causado talvez por hostilidade recalcada. Sempre suspeitei, porém, que morre mesmo
de tédio. (op. cit, p. 19).
Quando as pessoas fogem à ameaça isolando a imaginação, voltando os pensamentos para detalhes práticos
ou corriqueiros, como o preparo do almoço, na verdade, estão se desligando de si mesmas, tentando fugir de algo
que lhes amedronta. Mas fugir à própria ansiedade ou racionalizar a fuga enfraquece, no fim das contas, a pessoa.

[...] O herói da história é o típico rapaz moderno, vazio, levando uma vida rotineira de
vendedor, voltando a intervalos regulares para sua casa de classe média, comendo roast-beef
todos os domingos, enquanto o pai adormece à mesa. Sua vida é tão vazia, sugere Kafka, que
certa manhã ele acorda não mais como um ser humano e sim uma barata. Como não
preenchera sua condição de homem perdera todas as suas potencialidades humanas. Uma
barata, como os ratos, os vermes, vive de restos. É um parasita e simboliza de modo geral
tudo o que é sujo e repugnante. Seria possível encontrar um símbolo mais expressivo do que
acontece quando um ser humano renuncia a sua própria natureza? (op. cit, p. 79).
Outra característica do homem moderno é a solidão. Ela pode ser considerada uma ameaça não violenta e
penosa para muitas pessoas que se assustam com a possibilidade de ficar sós. Essas pessoas sofrem do medo da
solidão.
É importante ressaltar que a sensação de vazio e a solidão estão associadas e intrinsecamente ligadas. Um
exemplo disso ocorre quando alguém fala do rompimento de uma relação amorosa, essa pessoa raramente manifesta
tristeza ou mesmo humilhação pela conquista perdida; mas sim relata que sente um vazio. A perda por si só deixa
um imenso vácuo. Esse sentimento de vazio está presente quando alguém revela que espera que o cônjuge atual ou
futuro preencha uma falta, um vácuo no seu íntimo e fica ansioso e zangado quando o mesmo não consegue
preencher as suas necessidades. (op. cit, 1991).             Na sociedade contemporânea existem todos os tipos de
dependência fazendo-se passar por amor, uma vez que há tantas pessoas ansiosas, solitárias e vazias. Não é raro
encontraram-se duas pessoas que, sentindo-se solitárias e vazias, entram numa espécie de relacionamento, um
mútuo acordo, para proteger-se da solidão. Mas quando o “amor” é chamado com a finalidade de vencer a solidão
só realiza seu objetivo ao preço de maior vazio para ambos.
A incapacidade do homem ser espontâneo está ligada precisamente à falta de autoconsciência. A
autoconsciência expande o controle da própria vida e com essa força ampliada vem a capacidade de sentir-se mais
livre. Quanto mais autoconsciência tenha a pessoa, tanto mais espontânea e criativa será ao mesmo tempo.
Para chegar à autoconsciência, a maioria das pessoas precisa começar do princípio, redescobrindo os
próprios sentimentos. É surpreendente quantas pessoas tem apenas um conhecimento geral do que sentem – dizem
sentir-se “muito bem”, ou “péssimo”, de modo tão vago como se não reconhecessem verdadeiramente seu estado
interior.
Um ser humano integrado envolve a consciência da própria subjetividade. Reconhece ser único, abraçando
sua história pessoal como parte constituinte do que é hoje. Possui uma verdadeira experiência de ser ele mesmo
percorrendo seu passado, vivendo o presente e se projetando no futuro. O conceito de ipseidade revela um pouco
mais acerca dessa questão.
 
Ipseidade: a pessoa em que me tornei, a sensação única de ser eu mesmo, o sentir-me um
ser que se reconhece numa estrada feita de ontem, um ser de força, coragem, medo,
esperança, feita de hoje, um projeto realizável no amanhã. Tudo isso é uma função da
mente, tudo isso é produzido por uma entidade que mora em mim, tão real quanto meu
coração que bate, minha memória que recorda, minha inteligência que descobre. [...] o self
me dando uma sensação de presença e a ipseidade uma sensação de eterna continuidade.
Quando penso o que sou, quem sou, como sou e para que sou, percebo o conceito de
ipseidade. [...] (RIBEIRO, 2006, p. 142, grifo do autor).
 
A ipseidade é a sensação experienciada de si mesmo, algo que vem de dentro, como uma síntese vivenciada
daquilo em que nos tornamos ao longo da vida. Essa sensação de quem somos existe em cada um de nós e é ela a
matriz que dá origem e significado a todos os processos que explicitam e explicam nossas caminhadas diante da
vida.
Por fim, essa longa caminhada por qual passa o homem o leva a novos horizontes e novas perspectivas. O
indivíduo à procura de si mesmo descobre-se como ser único, repleto de possibilidades e expectativas. Mesmo
sendo difícil – e às vezes angustiante – o ser humano que consegue se perguntar de forma verdadeira e honesta
quem realmente é, se depara, após sua intensa jornada, como um ser integral, consciente de quem é, do que quer, do
que sente, do que anseia e deseja. Portanto, é coerente afirmar que, quando o homem vai em busca de si mesmo,
acaba por se achar e descobrir-se existindo no mundo, assumindo e reconhecendo a própria essência. E de forma
mais ampla, revelando o mistério do sentido de sua vida.
 
4.3 O Vazio preenchido, atenuado, compreendido, aceito, afirmado, vivido e acolhido
O homem, mergulhando no seu vazio, investigando sua herança tanto no mundo ocidental como no mundo
oriental, termina em busca de si mesmo. E o que ele acha? O que, afinal, ele descobre? O vazio! Mas agora esse
vazio já está repleto de novas descobertas, sentimentos e vivências únicas e originais que antes ele não possuía.
Pode parecer ambíguo e contraditório afirmar que o homem descobre que seu vazio está cheio – mas esta é a
realidade de quem se propõe a se aprofundar na emaranhada natureza de ser o que é e quem é.
[...] “Basicamente, o que necessitamos é informação sobre nós mesmos. Quem sou eu? O que me acende?
Como eu me impeço? Como eu me machuco? O que eu quero? O que preciso? Como me satisfaço? [...]”.
(STEVENS, 1977, p. 296). Respondendo a essas questões o homem se vê diante dele mesmo. E dentro de si mesmo
o ser humano descobre que seu vazio pode ser preenchido, atenuado, compreendido, aceito, afirmado, vivido e
acolhido.
[...] para achar um caminho para percorrer o vazio entre suas limitações intelectuais e as
forças infinitas que nele atuam. Talvez esse vazio possa ser preenchido. Talvez ninguém
possa, verdadeiramente, compreender o cosmo ou por que fomos feitos com consciência de
nossa jornada nesse mesmo cosmo. Não obstante, estamos vivos porque sentimos a vida, e
temos de cuidar de preservar os dons que nos tiverem sido concedidos. Se não podemos
entender o mundo maior, podemos concentrar nossa atenção no mundo interior, o mundo dos
sentimentos, e lá estabelecer uma ordem e uma compreensão. Se podemos sentir e sermos nós
mesmos e permitirmos que nossos sentimentos fluam para onde eles parecem naturalmente
inclinados, nós nos sentiremos melhor – sendo o melhor de nós mesmos.  (VISCOTT, 1982,
p. 134).
A Religião, o Trabalho, a Arte e a Psicologia surgem como novas alternativas de se empreender um diálogo
interior. Elas apontam como formas de se aprofundar na existência humana e proporcionam (de forma mais ou
menos intensa) o que o homem realmente deseja: preencher, atenuar, compreender, aceitar, afirmar, viver e acolher
o próprio vazio existencial. Veremos adiante como cada uma delas consegue lidar com o vazio presente na
humanidade.

4.3.1 O Papel das Religiões

O vazio existencial presente em toda a humanidade pode ser percorrido por inúmeros caminhos – e a religião
é um deles. Mas poderíamos nos perguntar por quê, ou mesmo como isso é possível, tendo em vista que (como já
foi afirmado anteriormente) o vazio é sentido e experienciado de forma única e singular por cada individuo. De que
forma, então, uma religião poderia preencher algo tão subjetivo?
Primeiramente, quando uma pessoa se integra a uma religião, de forma mais ou menos implícita, ela está
também reconhecendo que há algo superior a ela, alguma força criadora mais poderosa que ela própria. E diante
desta constatação, resolve entregar os mistérios da vida nas mãos deste Ente Superior. Isso quer dizer que, diante
das questões fundamentais da vida, da morte, da existência e do vazio, o homem recorre às suas crenças para obter
respostas, conforto, ou mesmo para preencher as lacunas de seu ser.
Com essas afirmações surgem outros questionamentos: E a religião realmente consegue preencher o vazio
existencial do indivíduo? Como foi dito anteriormente, não precisa o homem trilhar o seu vazio sozinho e com
autonomia? Não deveria ele mergulhar no seu próprio ser? Sim e não! Por mais estranho que pareça estamos
novamente diante de uma ambigüidade por inúmeras razões.
Primeiramente, devemos ter em mente que o ser humano é um ser em constante construção – e isso significa
que não poderá se dar por “acabado”. Em outras palavras, vai sempre haver lacunas, espaços, vazios dentro de cada
indivíduo. Por mais que se empreenda as mais duras jornadas, o homem tem sempre mais o que aprender, vivenciar
e crescer.
A religião, embasada nos seus próprios fundamentos, crenças e dogmas surge como uma “possível” resposta
às indagações humanas. Como o sentimento de vazio é universal, os homens, por sua vez, também procuram
respostas que sejam universais. E para isso, abdicam de uma busca pessoal para abraçar uma busca coletiva. Qual é
a melhor ou a mais correta, só a própria pessoa pode dizer. Cada qual trilha seu próprio caminho em busca de si
mesmo, seja através do mergulho na própria subjetividade, seja abraçando o caminho fornecido pela religião.
A religião surge, então, como um caminho de orientação para a própria vida. Traz em si a crença em valores
que regem a vida das pessoas. É ela que guia e dirige a existência do sujeito que a adota.
Pode-se observar que a religião pode ser prejudicial ou benéfica para o indivíduo. Depende da forma como é
encarada, vivida, entendida, exposta e experienciada. Cabe ao homem questionar-se verdadeiramente acerca do
sentido e da real intenção que está por trás da adoção de uma determinada religião – é uma busca autêntica? Ou
apenas uma forma de evitar o próprio vazio existencial, fugindo dele?Mas se a necessidade de fugir ao terror e à
solidão são os principais motivos de a pessoa voltar-se para Deus, sua religião não a tornará forte e amadurecida; e
nem sequer lhe dará segurança futura. O desespero e a ansiedade jamais serão resolvidos até que a pessoa os
enfrente em sua crua e total realidade. A maturidade e eventual domínio da solidão só se tornam possíveis quando a
pessoa corajosamente aceita, de início, sua própria solidão. (MAY, 1991).
O resultado desta discussão é que a religião é construtiva quando fortalece na pessoa seu
senso de dignidade e valor, ajuda-a a confiar no uso e desenvolvimento de sua consciência
ética, liberdade e responsabilidade pessoal. Assim a fé ou as práticas religiosas não podem ser
chamadas <boas> ou <más> em si mesmas. A questão é: até que ponto a crença ou prática,
para determinada pessoa, é uma fuga à liberdade, um modo de se tornar <menos> pessoa? até
que ponto é um modo de fortalecê-la no exercício de sua responsabilidade e capacidade ética.
[...] (op. cit, p. 170-171, grifo do autor).
            Não há dúvida de que a solidão e a ansiedade podem ser enfrentadas de maneira construtiva. Isto será
conseguido se o indivíduo enfrentar diretamente as várias crises do seu desenvolvimento, passando da dependência
a maior liberdade e integração, desenvolvendo e utilizando suas aptidões e relacionando-se com seus semelhantes
através do trabalho criativo, do amor e da religião que cumpre sua verdadeira função etimológica: a de religar.
Por fim, precisamos ter em mente que a religião não é em si “boa” ou “má”, mas que, para ser benéfica para
o indivíduo, deve ser adotada como um caminho na busca de si mesmo. Promovendo uma integração do indivíduo
com ele mesmo e com o mundo que o rodeia. Religando o que estava perdido, esclarecendo o que estava obscuro,
entendendo e atenuando o vazio existencial presente na humanidade.
 

4.3.2 O Trabalho

 
O vazio existencial e o próprio sentido da vida estão intimamente ligados ao trabalho. Isso ocorre porque é
através do trabalho que o homem transforma e é transformado pelo meio em que vive. É a oportunidade que ele tem
de ação dentro da vida, papel esse que traz um sentimento de utilidade, de que sua vida é necessária e que, de
alguma forma, contribui para a humanidade da qual faz parte.
Quando pensamos sobre o papel do trabalho em seu aspecto individual, percebemos que ele pode permitir ao
homem expandir suas energias, desenvolver sua criatividade e realizar suas potencialidades. Pelo trabalho o ser
humano é capaz de moldar e mudar a natureza e, ao mesmo tempo, transformar a si próprio. Em outras palavras,
podemos afirmar que: trabalhando podemos modificar o mundo e a nós mesmos.
No âmago da questão, o homem usa o trabalho para se auto-afirmar. Alimentando a crença que, ao produzir
algo, deixará para a humanidade algum resquício de sua existência quando não mais estiver aqui. Isto pode ser
observado em inúmeros líderes políticos do passado e do presente que deixaram obras, monumentos, pesquisas e
inúmeras contribuições numa tentativa de manter viva a lembrança de sua existência, e num sentido ainda mais
profundo, de que ela não foi em vão.
Por outra perspectiva, o trabalho surge como um objeto de fuga da angústia interior. Representa uma
tentativa – muitas vezes frustrada – de preencher um vazio que existe dentro de cada um. Sendo assim, preenchem
seus dias, horas e segundos numa frenética produção de objetos, serviços e pensamentos para evitar um silêncio e
uma calmaria assustadores. Esse ócio poderia levá-los a escutar e vivenciar o próprio vazio interior. Permitir esse
momento nem sempre é fácil, principalmente para o homem ocidental moderno.
O prazer na atuação está muito presente também no trabalho voluntário. Ele proporciona ao indivíduo uma
integração com outras pessoas, mas ao mesmo tempo, produz uma satisfação íntima por se sentir útil e necessário
quando se está auxiliando os demais.  Este tipo de trabalho é exercido pela sua pura realização – não tem um motivo
maior, como por exemplo o dinheiro ou o próprio sustento – mas sim, é produzido pelo simples prazer de realizá-lo
sendo permeado pela solidariedade entre os homens.
De forma sucinta, assim como as demais formas de se tentar preencher ou atenuar o vazio existencial, o
trabalho em todas as suas diretrizes, tem dois lados que precisam ser ressaltados: ou podem ser uma fuga do
silêncio, do vazio e da angústia; ou podem representar uma realização pessoal consciente e consistente, seja através
de sua produção rotineira, seja através de um trabalho voluntário que desenvolva a solidariedade entre os homens.
4.3.3 A Experiência Artística

A experiência artística é mais um caminho a ser trilhado na tentativa de se atenuar e acolher o vazio
existencial. Através dela, o homem consegue expressar aquilo que estava impresso dentro dele. É uma forma
simbólica de declarar e expor seu vazio através das inúmeras possibilidades dentro da arte.
A arte pode ser definida como a prática de criar formas perceptíveis expressivas do sentimento humano. É
prática de criar, pois, a arte é produto do fazer humano. Deve combinar a habilidade desenvolvida no trabalho
(prática) com a imaginação (criação). Através de formas perceptíveis, pois a arte se concretiza em formas capazes
de serem percebidas por nossa mente. Essas formas podem ser estáticas (arquitetura, escultura) ou dinâmicas
(música, dança). Qualquer que seja sua forma de expressão, cada obra de arte é sempre um todo perceptível, com
identidade própria. Perceptível não apenas nas formas captadas pelos sentidos exteriores, mas também pela
imaginação. E a arte é sempre a manifestação (expressão) dos sentimentos humanos. Esses sentimentos podem
revelar a emoção diante daquilo que amamos ou a revolta em face dos problemas que atingem uma sociedade.
Sentimentos de alegria, esperança, agonia ou decepção diante da vida. (COTRIM, 2000).
A arte pode ser entendida como um fenômeno social, pois é percebida socialmente pelo público, por mais
íntima e subjetiva que seja a experiência do artista deixada em sua obra, esta será sempre percebida de alguma
maneira pelas pessoas. A obra de arte será, então, um elemento social de comunicação da mensagem de seu criador.
Neste sentido, a arte surge como uma comunicação alternativa, porém direta entre as pessoas. Tudo aquilo
que estava guardado no inconsciente tem a possibilidade de emergir e sair em forma de obra de arte. A criação
envolve em si reconhecer e projetar na realidade os seus próprios conteúdos – angústias e/ou potencialidades.
Indivíduos frequentemente muito criativos podem se deixar ficar no vazio e não pensar em nada, com a
expectativa de sair dele com a idéia para um quadro, ou outro trabalho de arte. Muitos deliberadamente usam o
vácuo para encontrar soluções criativas para os seus problemas.
O fato de o Zen afirmar que a iluminação se manifesta nas ocupações cotidianas tem exercido enorme
influência em todos os aspectos do modo tradicional oriental de viver. Esses aspectos incluem as artes da pintura, da
caligrafia, do desenho de jardins, as várias atividades artesanais, os cerimoniais como servir o chá e o arranjo de
flores, as artes marciais de manejar o arco e a flecha, a esgrima e o judô. Cada uma dessas atividades é conhecida no
Japão como um “caminho para a iluminação”. Todas exploram diversas características da experiência Zen e podem
ser utilizadas para treinar a mente e colocá-la em contato com a realidade. (CAPRA, 1983).
Existe uma diferença marcante entre o modo de vida ocidental e o oriental, e essa diferença também se faz
presente na arte. Entretanto, podemos aqui citar as semelhanças entre ambas, pois tanto a arte ocidental como a arte
oriental tem como objetivo primordial interligar as vivências intrapsíquicas à realidade externa. As duas criam
pontes entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo. São formas de comunicar os conteúdos inconscientes presente
em cada ser humano e na humanidade de uma forma geral.
Por fim, a arte surge como uma experiência singular, pois permite ao pintor, ao escultor, ao ator, ao
dançarino e tantos outros criar algo que lhe represente de alguma forma. Surge como uma oportunidade de expor e
tornar público os seus anseios, suas dúvidas, suas angústias, seu vazio existencial – sempre numa busca incessante
sobre o sentido da vida.
4.3.4 A Psicologia como Caminho

Mergulhamos no vazio, fizemos pontes entre o pensamento ocidental e oriental, empreendemos a busca do
homem acerca de si mesmo. Vimos como a religião, o trabalho e a arte podem atenuar ou mesmo tentar preencher o
vazio. Cabe agora, finalmente, entender e integrar o papel da Psicologia nessa temática.
A Psicologia como ciência do comportamento humano e como estudo da psiquê deve se ocupar, de maneira
intensa e aprofundada acerca da questão do vazio existencial. O vazio representa um campo vasto em termos de
pesquisa acerca da subjetividade humana, visto que representa um momento de profunda reflexão e introspecção na
vida dos indivíduos.
[...] Quando a experiência interna de nossa existência é sofrida, quando perdemos seu sentido
por falta de horizontes que nos norteiem, a grande caminhada terapêutica terá de passar pelas
perguntas: quem sou eu? o que quero? para onde caminho? Ou seja, passar por um retorno aos
existenciais que influenciam e orientam nossa essência mais íntima. [...] (RIBEIRO, 2006, p.
116).
Como foi visto anteriormente, o vazio está impregnado em cada ação e sentimento presentes no dia-a-dia dos
indivíduos, em circunstâncias de perda, de luto, de morte, do tédio da rotina, no medo da solidão, enfim... O vazio
está representado em cada campo da vida do sujeito.
Nessa perspectiva é interessante observar que qualquer organismo que deixe de cumprir suas potencialidades
adoece. Igualmente, caso o homem não preencha suas potencialidades como pessoa humana, torna-se limitado e
doente. A psicoterapia surge, então, como uma oportunidade especial do homem fazer conhecer-se
verdadeiramente.
[...] Trata-se da ciência que o psicoterapeuta adquire no contato com gente que luta para
resolver seus problemas. Ele possui o privilégio extraordinário, embora às vezes penoso, de
acompanhar as pessoas em sua luta íntima e profunda para alcançar uma nova integração. [...].
(op. cit, p. 9).
Pode-se dizer que, ao se aprofundar nas crises e angústias de um único indivíduo, poderemos estar lidando
com questões que mais tarde eclodiram de forma expansiva por toda a sociedade. Sendo assim, ao estudar o sujeito
de forma profunda e séria, poderemos entender e auxiliar grandes questões da humanidade que estão por vir.     
 “O terapeuta não pode deixar de ficar profundamente grato pelo que aprende diariamente sobra a
importância e a dignidade da vida com aqueles a quem chama seus pacientes”. (op. cit, p. 9-10).
O psicoterapeuta, tendo o privilégio de testemunhar a luta íntima de um certo número de pessoas, seus
combates muitas vezes graves e amargos, consigo mesmas e com as forças externas que as desafiam, adquire por
elas um grande respeito e uma nova compreensão do potencial de dignidade do ser humano. Além disso, inúmeras
vezes por semana tem provas, em seu consultório, de que, quando o homem finalmente aceita o fato de não poder
mentir com êxito para si mesmo e resolve levar-se a sério, descobre no íntimo uma capacidade de recuperação
anteriormente desconhecida e às vezes mesmo notável. (op. cit, 1991).
O paciente vai em busca de uma psicoterapia porque teme o vazio. Se ele não o temesse seria uma pessoa
produtiva e não necessitaria de ajuda. Se o terapeuta também teme o vazio, será incapaz de ajudar o paciente. Para
cada paciente o vazio tem significado diferente. Para o compulsivo pode ser a desordem, para alguns pode ser a
idade e a morte, para a mulher pode ser a perda da identidade, para o esquizofrênico em estágios precoces pode ser a
força destruindo o ego. (STEVENS, 1977).
Não há somente o vazio maior nesses sintomas, mas também, vários vazios pequenos que surgem na relação
imediata com o paciente. A saída é através dos vazios. À medida que é explorado, o vazio se torna menos
assustador. O paciente não só deixa de temer o vazio, como também sabe usá-lo produtivamente.
[...] “Fazer psicoterapia é reconhecer e retomar, livremente, nossas fronteiras e contornos para, de novo,
reolharmos nossos horizontes de desejos e de poder, e, com autoridade própria, nos apossarmos deles”. (RIBEIRO,
2006, p. 136).
Concluindo, a Psicologia surge como um caminho possível ao homem para empreender sua própria jornada
rumo ao autoconhecimento. Seu vazio pode até não ser preenchido totalmente, mas com certeza será afirmado,
aceito e acima de tudo acolhido. E dele saíra uma pessoa que conseguiu ultrapassar suas lacunas e atingiu o
processo de integração. Autonomia, autoconsciência, aceitar-se tal como verdadeiramente é, constituem os
elementos para entender a essência do homem e, de forma mais ampla, compreender o verdadeiro sentido de sua
existência.
 
5 CONCLUSÃO
      Ao longo da nossa jornada acerca do vazio existencial, trilhamos os mais diversos caminhos, passamos pelos
mais variados períodos históricos, pelas diferentes escolas de filosofia, fizemos pontes entre diferentes povos,
investigamos o sofrimento psíquico, nos confrontamos com a morte, mergulhamos no vazio, saímos em busca de
nós mesmos, para no fim procurar preencher, atenuar, abraçar, aceitar e acolher nosso próprio vazio, seja através da
religião, do trabalho, da arte ou mesmo da Psicologia.
E o que achamos, afinal? O que ficou dessa longa trilha percorrida? O que restou foi o homem – o homem
com toda a sua riqueza interior, a sua unicidade, a sua subjetividade, a sua luta pela autonomia, sua busca pela
integração, sua necessidade de entender-se e compreender a verdade da sua existência, enfim, achar o real sentido
da vida.
A vida humana apresenta inúmeras possibilidades e potencialidades. Cabe a cada um de nós saber apreciá-la,
e, acima de tudo, nutrir um grande respeito e admiração por cada ser que luta pela sua existência. Devemos acreditar
nas nossas próprias capacidades, devemos encorajar a nossa força interior, para que ela possa ter a audácia de
percorrer os caminhos mais obscuros e difíceis da nossa essência. Para que, no fim, possamos sair das profundezas
do ser sendo cada vez mais nós mesmos – nos assumindo tal qual realmente somos.
Não devemos temer o vazio, muito menos fugir dele. Evitar encontrar-se com essa realidade humana só traz
maiores sofrimentos para a vida psíquica (e física!) do indivíduo. Os lutos e as perdas estão sempre presentes na
vida do ser humano, elas são necessárias para promover o crescimento e o amadurecimento do sujeito. Negar a
própria realidade existencial, como já foi demonstrado anteriormente, só trará prejuízos na vida do indivíduo. E, no
final das contas, ele terá que se deparar com suas angústias de qualquer jeito, pois sempre surge a morte para nos
lembrar da nossa finitude. Fugir de seus medos é, no fundo, fugir de si mesmo e da própria vida.
            Já mergulhar com coragem no próprio vazio traz inúmeras possibilidades de realização para o ser
humano. Quando nos permitimos verdadeiramente adentrar nesse universo desconhecido, estamos, na verdade,
adentrando em nós mesmos. Empreendendo uma jornada única, particular, subjetiva e verdadeiramente
transformadora. Através da revelação de sua própria identidade, o homem estará cada vez mais perto da sua
integração.
            Seja qual for o caminho escolhido, seja através da religião, do trabalho, das artes ou mesmo através
da psicologia, estará certamente escolhendo o rumo que o conduzirá para o centro de si mesmo. Para a evolução de
sua autonomia como ser. Caminhará para a sua verdade. Para a consciência de que existe tal qual realmente é.
            Por fim, cabe mais uma vez defender o verdadeiro aprofundamento no vazio existencial de cada um.
Lidar com o ser humano de forma tão íntima exige da Psicologia um compromisso verdadeiro com seus clientes.
Um respeito absoluto pelas particularidades e peculiaridades do ser humano. Cabe a ela, auxiliar esse processo tão
rico e tão magnífico do descobrir-se verdadeiramente. Empreender essa jornada de lágrimas, alegrias, tristezas, dor,
sofrimento, aceitação, acolhimento, respeito e acima de tudo amor exige um compromisso verdadeiro com cada ser
humano, e de forma ainda mais ampla, com a humanidade.
 
 
[SUMÁRIO]
 
NOTA EXPLICATIVA
 
 
 
[1] Artigo extraído da monografia apresentada e aprovada em Julho/2007, no Curso de Psicologia da
FCH/CESMAC, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

 
 
 
REFERÊNCIAS
 

BUCKROYD, Julia. Anorexia e Bulimia: esclarecendo suas dúvidas. São Paulo: Ágora, 2000.
 
CALLIGARIS, Contardo. Cartas a um jovem terapeuta: reflexões para psicoterapeutas, aspirantes e curiosos.
8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
 
CAPRA, Fritjof. O Tao da Física: Um paralelo entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental. São Paulo:
Cultrix, 1983.
 
CLÉMENT, Catherine. A Viagem de Théo: Romance das religiões. 20. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1998.
 
COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: História e Grandes Temas. 15. ed. reform. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 2002.
 
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. 3. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2001.
 
KÜBLER-ROSS, Elisabeth. Sobre a Morte e o Morrer. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
 
______. A Morte: Um Amanhecer. São Paulo: Editora Pensamento, 1991.
 
MARÍAS, Julián. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
 
MAY, Rollo. O homem á procura de si mesmo. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.
 
PERLS, Frederick Salomon. Gestalt-terapia explicada: “gestalt therapy verbatim” 2. ed. São Paulo, Summus,
1977.
 
PETRELLI, Rodolfo. Para uma psicoterapia em perspectiva fenomênico-existencial. Goiânia: Ed. UCG, 1999.
 
RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: refazendo um caminho. 2. ed., São Paulo: Summus, 1985.
 
______. O Ciclo do Contato: temas básicos na abordagem gestáltica. 2. ed., rev. e ampl.  São Paulo: Summus,
1997.
 
______. Vade-mécum de Gestalt-Terapia: conceitos básicos. São Paulo: Summus, 2006.
 
RODRIGUES, Hugo Elídio. Introdução à Gestalt-Terapia: conversando sobre os fundamentos da abordagem
gestáltica. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
 
SOLOMON, Andrew. O Demônio do Meio-Dia: Uma anatomia da depressão. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
 
STEVENS, John O. (compilador). Isto é Gestalt. São Paulo: Summus, 1977.
 
VISCOTT, David Steven. A Linguagem dos Sentimentos. São Paulo: Summus, 1982.
 
O Vazio Existencial e a Esperança

D. Abade Joaquim de Arruda Zamith, OSB


Encontro de Formadoras Beneditinas
(Instrumento para trabalho em grupo)

"O futuro da humanidade está nas mãos daqueles


que souberem dar, às gerações de amanhã,
razões de viver e de esperar (GS 31).

Introdução
Entre os objetivos dos nossos estudos, para estes dias, foi escolhido pela coordenação, ao lado da consideração geral
sobre a Esperança, o seu relacionamento com os temas presentes na Constituição "Gaudium et Spes"do Concílio
Vaticano II, tal como foram relembrados na alocucão do Santo Padre João Paulo II na primeira reunião do
Congresso comemorativo do Trigésimo aniversário daquela mesma Constituição. (cf.L'Osservatore Romano, ed.em
português, 18 nov.1995).
Nesta alocução o Santo Padre reconhece a não pequena alteração do cenário mundial, entre os anos decorridos da
elaboração da GS até os dias de hoje. E pergunta, se após estas mudanças que nem sempre foram para o melhor,
algo ainda permanece da perspectiva histórica adotada pela GS Responde da seguinte maneira:

"Hoje relemos aquelas páginas num cenário mundial decisivamente mudado. Quantas transformações - políticas,
sociais, culturais - sobrevieram a partir daquele 7 de Dezembro de 1965 ! Terminou a guerra fria, a ciência e a
técnica realizaram progressos inauditos: dos vôos no espaço à alunagem, dos transplantes cardíacos à engenharia
genética, da cibernética à robotização, das telecomunicações às mais avançadas tecnologias telemáticas. Aos fatores
de mudança conexos com a urbanização e a industrialização, acrescentou-se o enorme incremento dos mass media,
que influenciam cada vez mais a vida quoditiana dos homens, em todos os cantos da terra.
Diante de tantos elementos de novidade a respeito da situação dos anos 60, poder-se-ia perguntar quanto permanece
da perspectiva histórica adotada pela GS. Na realidade, se se vai ao âmago dos problemas, permanece na sua
incisividade e adquire atualidade até maior o interrogativo fundamental, que na época a Constituição apresentava: as
transformações ocorridas na idade contemporânea são todas úteis para o verdadeiro bem da humanidade (GS 6)?
Em particular, pode-se ter "uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual
proporcionado"(cf.GS,4)?

É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milénio, voltar a refletir sobre as análises e sobre as indicações
oferecidas pela Gaudium et Spes, para verificar o seu valor e colher dela a sabedoria"
Igualmente significativo para nós é também o testemunho de um outro texto, de dez anos atrás, que se encontra na
"Relatio finalis"do Sínodo extraordinário dos vinte anos após o Concílio Vaticano II. Ao se referir à missão da
Igreja no mundo (D.l) faz explícita referência à Constituição GS, à sua importância e atualidade, mas não deixa
também de se referir às muitas mudanças ocorridas no mundo, já naquele espaço de tempo de dez anos:

"A Igreja como comunhão é sacramento para a salvação do mundo. Por isso, os poderes na Igreja foram conferidos
por Cristo para a salvação do mundo. Neste contexto afirmamos a grande importância e a grande atualidade da
Constituição pastoral "Gaudium et Spes". Ao mesmo tempo, porém, advertimos que os sinais do nosso tempo são
em parte diversos daqueles do tempo do Concílio, com angústias e ansiedades maiores. Com efeito, aumentam hoje
em toda a parte a fome, a opressão, a injustiça e a guerra, as torturas e o terrorismo e outras formas de violência de
toda a espécie. Isto obriga a uma reflexão teológica nova e mais profunda, que interprete tais sinais à luz do
Evangelho"
E para não deixar de oferecer ao menos alguns elementos para esta nova e mais profunda reflexão teológica,
prossegue ainda o mesmo documento:
"Parece-nos que nas dificuldades atuais Deus quer ensinar-nos, de maneira mais profunda, o valor, a importância e a
centralidade da Cruz de Jesus Cristo. Por isso, deve-se explicar, à luz do mistério pascal, a relação entre a história
humana e a história da salvação. Sem dúvida, a Teologia da Cruz não exclui de modo algum a Teologia da Criação
e da Encarnação, mas, como é óbvio, pressupõe-na. Quando nós cristãos falamos da Cruz, não merecemos o
apelativo de pessimistas, pois nos baseamos no realismo da esperança cristã".
Compreendemos agora por que motivo o Santo Padre insiste em convidar toda a Igreja a uma nova leitura da
Constituição "Gaudium et Spes", justamente agora, trinta anos depois, diante de um quadro de acontecimentos
mundiais, pode-se-dizer, cada vez mais pessimista.
É que a Igreja, continuadora da missão do próprio Jesus Cristo, Filho de Deus e Salvador dos homens, não tendo em
si mesma as respostas ou soluções para todos os problemas dos homens, continua, no entanto, sendo capaz de
apresentar com verdade, pelos seus ensinamentos evangélicos, mas, ainda mais por sua vida, a mesma mensagem de
vida e de esperança que brota da Boa Nova do Evangelho.
Se os homens sempre estiveram necessitados desta mensagem de vida e de esperança, talvez, nunca como nos dias
de hoje se encontraram tão ameaçados de desconhecerem ou mesmo, de esquecerem qual seja esta única vida
verdadeira que anseiam por viver, e qual também a verdadeira esperança, aquela única que poderá liberta-los de
tantas falsas esperanças, quer materiais quer espirituais, que através de capciosas ideologias poderão levá-los à
escravidão aos poderes deste mundo ou ao desespero que ja é a morte.
Segundo as belas palavras do Santo Padre João Paulo II, nenhum outro documento do Vaticano II e até mesmo de
todo o magistério da Igreja até hoje, foi tão atento em descobrir, analisar e iluminar com a luz de Deus, os
problemas concretos do homem, como a Constituição GS. E, por isso também, nehum outro foi tão capaz de levar
aos homens este realismo de uma esperança que se faz presente no meio das situações e condições mais estremas da
vida humana. Diz o Santo Padre na alocução já mencionada (L'Oss.Rom.18.02.96).
"Como jovem bispo de Cracóvia, com efeito, fui membro da subcomissão encarregada de estudar os "sinais dos
tempos" e, em Novembro de 1964, fui chamado a fazer parte da subcomissão central, encarregada de prover à
redação do texto. Precisamente o conhecimento íntimo da gênesis da Gaudium et Spes consentiu-me apreciar a
fundo o seu valor profético e asssumir amplamente os seus conteúdos no meu magistério, desde a primeira
Encíclica, a Redemptor Hominis. Nela, recolhendo a herança da Constituição conciliar, eu quis reafirmar que a
natureza e o destino da humanidade e do mundo não podem ser definitivamente desvendados, senão na luz de Cristo
crucificado e ressuscitado.
É esta, em suma, a grande mensagem que a Gaudium et Spes enviou "a todos os homens"(GS,2), como anúncio de
vida e de esperança. É a mensagem que faz da Constituição pastoral sobe a Igreja no mundo atual - último dos
documentos promulgados pelo Concílio Vaticano II, e de todos o mais extenso - de algum modo o ápice do
itinerário conciliar. Com este documento os Bispos do mundo inteiro, unidos em torno do Sucessor de Pedro,
quiseram manifestar a solidariedade amorosa da Igreja para com os homens e as mulheres deste século, marcado por
dois conflitos terríveis e atravessado por uma profunda crise dos valores espirituais e morais, herdados da
tradição...Longe de se limitar a considerações históricas e sociológicas, os Padres conciliares enfrentaram
amplamente, em visão teológica, os interrogativos fundamentais que desde sempre afligem o coração humano: "Que
é o homem? Qual o sentido da dor, do mal, e da morte que, apesar do enorme progresso alcançado, continuam a
existir? "(GS,10). É portanto legítimo, já no limiar do terceiro Milênio, voltar a refletir sobre as análises e sobre as
indicações oferecidas ".
Em vista deste insistente convite que nos faz o Santo Padre, pensamos que após a constatação dos muitos males que
afligem os homens de hoje, tentando-os com a desesperança, pensamos ser oportuna uma reflexão nossa, para
descobrirmos, como pessoas e como membros de uma comunidade monástica, que para nós também se torna
urgente redescobrirmos os valores que são como o fundamento da nossa esperança, a esperança da Igreja de todos
os tempos. Só assim poderemos, "estar sempre prontos a responder, com doçura e respeito, a todo aquele que
perguntar, a razão da vossa esperança"(1Pd 3,15).

Primeira Parte: A base humana da esperança: o sentido da vida


I. A imprescindível busca de significado
O Santo Padre João Paulo II, ao se referir a alguns problemas atuais que afligem a pessoa humana bem como a
sociedade, mencionava em primeiro lugar a crise de sentido ou significado da vida humana.
O homem não pode deixar de sentir-se envolvido na necessária busca de respostas para várias perguntas
fundamentais que brotam naturalmente de sua própria razão: qual a nossa origem?, qual a finalidade da vida?, como
explicar a presença do mal, do sofrimento e a inevitabilidade da morte? (cf.Alocução n.5 e GS 4, 10, 21, 41). E
afirma com clareza a gravidade e intensidade deste problema ao manifestar a sua constância e universalidade: "em
todos os tempo e lugares esses interrogativos interpelam o coração humano e impelem-no a buscar uma resposta
plena e definitiva"
Hoje em dia, sem dúvida alguma, há milhões de homens que são tentados a perder a própria razão e esperança de
viver por estarem privados das condições materiais mínimas de existência, pela fome, pela indigência imposta pelo
condições injustas da vida social, pela falta de trabalho, de recursos indipensáveis da educação, da assistência
médica e social etc.
Mas, diante deste quadro, infelizmente hoje tão frequente, tanto em nações pobres como ricas, não se poderá deixar
de reconhecer que ainda mais gravemente pesa sobre a pessoa humana, necessitada não apenas dos bens materiais, o
fato de não estar conseguindo encontrar, frequentemente, as razões e o significado da própria existência.

Pode-se verificar, e de fato, várias pesquisas têm-no comprovado, que mais angustiante para o homem moderno,
especialmente para os jovens, é a crise provocada pela falta de sentido e de significado da vida, o sentimento de
vazio, do que a carência ou dificuldades para a consecução de outros bens. O vazio existencial mostrou-se bastante
evidente em um levantamento feito entre cem alunos de Harvard, todos eles provenientes de famílias abastadas;
uma quarta parte desses alunos duvidava de que suas vidas tivessem algum sentido e as revistas psiquiátricas da
Tchecoslováquia informaram que este mesmo fenômeno ocorria em todos os paises comunistas [cf. Joseph B.
Fabry, A busca do significado. Viktor Frankl - logoterapia e vida. Ed.ECE, São Paulo, 1984, p.53. Citamos alguns
textos e recorremos, frequentemente, a esta obra para apresentar e sintetizar o pensamento de V.Frankl.].
Neste linha de estudo são bem conhecidos hoje os trabalhos do psicanalista de Viena, Victor Frankl e os de sua
escola. Para estes, "o homem é fundamentalmente um ser em busca de um significado. Se existe alguma coisa que o
possa preservar, mesmo nas mais extremas situações, é a consciência de que a vida tem um sentido, não obstante
nem sempre imediato" [cf. Joseph B.Fabry.o.c. p. 35-54.].
Pode-se dizer por isto que a existência humana depende da autotranscendência, a sobrevivência depende de um
sentido.E não apenas a sobrevivência dos indivíduos, mas a própria sobrevivência da humanidade.
A profunda experiência de V.Frankl no campo de concentração de Auschwitz levou-o a ter como certo que cada
pessoa é um ser único que pode reter uma última reserva de liberdade para tomar uma posição, ao menos, interior,
mesmo sob as mais adversas circunstâncias. Nesta profunda dimensão do seu eu, nós sabemos que "não apenas
somos, mas a cada momento devemos decidir o que seremos". "Quando somos despojados de tudo o que temos -
família, amigos, influência, status e bens - ninguém nos pode tirar a liberdade de tomar a decisão do que nos
devemos tornar, porque esta liberdade não é algo que possuímos, mas algo que somos. Por isso mesmo todo homem
tem o poder e a liberdade de elevar-se acima do seu próprio eu e tornar-se um ser humano melhor.
É fundamental também para V.Frankl a certeza de ser a básica motivação para viver, não a busca de satisfações,
poder ou riquezas materiais, mas o encontro de um significado. Aqueles podem apenas contribuir para o nosso bem
estar, mas são simplesmente meios utilizados para atingir um fim, quando usados de forma significativa.
Será esta concepção sobre nós mesmos e sobre o lugar que ocupamos na vida que nos poderá ajudar a dar-lhe
sentido, não obstante as tragédias pelas quais devamos passar. Essa concepcão antropológica exige pois que
estejamos convictos de que, além de nossas dimensões físicas e psicológicas, possuimos uma dimensão espiritual ou
noética, especificamente humana ( espiritual, não no sentido religioso, mas no de vida mental ou intelectual que
supõe um princípio de ação transcendente à materialidade do ser). O homem, na sua integralidade, compreende as
três dimensões, mas é a dimensão propriamente humana que permitirá à pessoa transcender a si mesma e fazer dos
significados e valores uma parte fundamental da sua existência.Neste sentido, cada pessoa é um ser único, vivendo
através de infinitos momentos únicos e insubstituíveis, cada um deles oferecendo um significado em potencial (isto
é, aberto também para o futuro). Se reconhecermos este potencial e formos capazes de corresponder a eles, nossa
vida terá um sentido e a conduziremos de forma responsável.
Para V.Frankl, unicamente quando nos elevamos à dimensão do espírito (mente) tornamo-nos um ser completo. A
dimensão humana é a dimensão da liberdade: não a liberdade proveniente das condições, quer sejam elas biológicas,
psicológicas ou sociológicas; nem a liberdade de alguma coisa, mas liberdade para alguma coisa, a liberdade de
tomar uma atitude concernente às condições. E somente nos tornaremos seres humanos completos quando atingimos
esta dimensão de liberdade. Somos prisioneiros da dimensão do corpo; somos conduzidos pela dimensão psiquico-
afetiva, mas na dimensão do espírito somos livres. Nós não apenas existimos, mas podemos exercer influência sobre
a nossa existência. Podemos não só decidir sobre que espécie de pessoas somos, mas que espécie de pessoa
poderemos vir a ser. Dentro da dimensão noética somos nós que fazemos a escolha.
Ignorar a dimensão espiritual é reducionismo, e aí está a origem do nosso mal-estar, da sensação de vazio e de que a
vida está desprovida de significado. O perigo de semelhante reducionismo nunca foi tão grande como agora. Frankl
não nega que as forças biológicas, sociais e psicológicas exerçam grande influência sobre nós; mas, como declarou,
"o homem é determinado, porém jamais pandeterminado". Sob as mais restritas circunstâncias, possuimos uma área
na qual podemos determinar nossas ações, nossas experiências, ou no mínimo nossas atitudes, e esta liberdade de
auto-determinação repousa em nosso domínio noético.

A liberdade oferece ao homem a oportunidade de mudar, de renunciar ao seu eu e inclusive de enfrentá-lo. Desta
constatação pode-se tirar uma importante conclusão, de extensas consequências práticas que poderia ser formulada
da seguinte maneira: "é fundamental admitir que, sob circunstâncias normais, o homem tem condições de resolver,
por si mesmo, seus problemas de consciência e conflitos de valores e que a função da logoterapia consistirá
simplesmente em ajudar o paciente a enxergá-los, reconhecendo não ser ele uma vítima indefesa da sua educação,
do seu meio e dos seus impulsos interiores, mas que é capaz de resistir às suas influências como qualquer pessoa
sadia o faz.

Entretanto, deve-se reconhecer também ser possível, em casos concretos, que os conflitos de valores ou a
"frustração existencial"possam subjugar o indivíduo e conduzí-lo até à neurose".

II. Qual o Sentido da Vida?


Antes de se refletir sobre o próprio sentido da vida, parece ser oportuno enunciar três princípios que podem ser
postos à prova e que são fundamentais para o esclarecimento do sentido.
1. Sob quaisquer condições a vida tem um sentido.
2. Temos o "anseio por um sentido"e tornamo-nos felizes somente quando sentimos que estamos realizando este
sentido.
3. Temos a liberdade, dentro de certas limitações óbvias, de realizar o sentido de nossas vidas.
O problema do sentido da vida, quer se apresente expressamente ou não, cumpre defini-lo como um problema
caracteristicamente humano. Só ao homem, como tal, é dado - a ele exclusivamente - ter a vivência da sua
existência como algo problemático; só ele é capaz de experimentar a problematicidade do seu ser.
A procura de sentido para o homem é uma força primária na sua vida e não uma "racionalização secundária" de
tendências instintivas. Este sentido é único e específico nisto que deve e pode ser realizado por ele somente;
somente então encontrará ele um significado que irá satisfazer a sua própria vontade de sentido. Para alguns autores,
sentidos e valores nada mais são do que "mecanismos de defesa, reações formativas e sublimações". Mas, de modo
nenhum alguem estaria disposto a morrer por causa do seu "mecanismo de defesa" ou por suas "reactions
formations". O homem, no entanto, é capaz de viver e até mesmo de morrer por causa de seus ideais e valores !
Uma pesquisa de opinião pública foi efetuada, há alguns anos, na França. O resultado mostrou que 89% das pessoas
consultadas admitiram que o homem necessita de "algo" pelo qual possa viver. Aproximadamene 61% admitiram
que havia algo ou alguém, em suas vidas, por quem estariam dispostos a dar a vida. Frankl repetiu esta pesquisa em
sua clínica em Viena, e o resultado foi praticamente o mesmo, com uma diferença de apenas 2%. Em outras
palavras, a vontade por um sentido, na maioria das pessoas, é um fato e não apenas suposição.

A Logoterapia é uma terapia existencial baseada em experiências reais. Ajuda-nos a observar a nós mesmos através
de outra perspectiva, a conhecer tanto nossas limitações como nossos potenciais, nossos erros e visões, a perceber
como encaramos as nossas experiências totais, como nos relacionamos com os demais, de que forma superamos
nossos desapontamentos, como realizamos nossas aspirações e cumprimos nossas tarefas.

Esta percepção é baseada no conhecimento intuitivo de que a vida tem sentido, por mais obscuro que em certas
ocasiões isto possa parecer. Cada um de nós é motivado por aquilo que Frankl chama "o anseio por um sentido".
Ainda que esteja reprimido dentro de certos limites, somos livres para descobrir o significado de nossa própria
existência. A fé no sentido, o anseio de sentido do homem e sua liberdade para encontrá-lo, são os princípios
fundamentais da logoterapia. A maioria das pessoas não precisa ser persuadida de que o sentido existe e de que
anseiam por ele. Somente é necessário torná-las conscientes do que, nas profundezas de seu inconsciente, sabem ser
verdade.
A logoterapia abre as portas, mas cabe a nós escolher a porta pela qual desejamos passar em nossa busca. O
ignorado e reprimido anseio por um sentido pode ser a causa da sensação de vazio, mas longe de constituir-se no
sintoma de uma doença, é antes de tudo, uma prova de sua humanidade: unicamente o ser humano busca sentido,
duvida e se sente frustrado quando não pode encontrá-lo. Resignar-se ao vazio e à frustração apenas irá agravar
esses estados.
A logoterapia vê o sentido em dois níveis.

Primeiro, como sentido último da existência, uma ordem universal onde cada um de nós tem um lugar. Esta ordem
pode ser percebida tanto do ponto de vista religioso como secular, dependendo de nossa visão do mundo. A busca
de sentido suscita a pergunta: "Que lugar ocupo na totalidade da existência? " Mas a busca de sentido é também a
busca da própria identidade, de um propósito, um destino, uma missão e, por isso mesmo, propõe as seguintes
perguntas complementares: "Quem sou eu? "Quais os meus objetivos?" "Para onde estou indo? ""O que devo fazer?
"
A existência do sentido último é algo que não se pode provar, exceto na experiência de vida que não se repete. Uma
pessoa pode viver como se existisssem o sentido, a ordem, o propósito, o destino e a missão, ou pode viver como se
tudo fosse arbitrário e ver quais as alternativas mais satisfatórias. Mas o sentido da existência tampouco se pode
demonstrar em virtude de um esforço constante em alcançá-lo e retê-lo, o que seria tão impossível como alcançar e
reter o horizonte. A prova reside na satisfação que acompanha a busca.
Este sentido de vida é tamém chamado supra-sentido.
A convicção de que existe algo superior à existência humana foi expressa de diversas formas, desde a observação de
Nietzsche de que o homem deve superar-se à si mesmo e esforçar-se para chegar ao super-homem, até à insistência
de Tillich e Barth de que o homem não é a base do seu ser.
Frankl convenceu-se, através de suas experiências clínicas, de que a existência humana está sempre direcionada para
um sentido, não importa quão diminuta seja sua consciência deste sentido. Em um de seus ensaios Frankl escreveu:
"Existe algo como o pressentimento de um significado, e esta precognição é também o fundamento do que a
logoterapia chama de "anseio por um sentido". Quer desejemos ou não, acreditamos neste sentido enquanto houver
um sopro de ar dentro de nós. As observações de Frankl foram comprovadas por Elisabeth Kübler-Ross de que os
agnósticos, em seu leito de morte, manifestaram uma serenidade e tranquilidade estranha que não se podia explicar
em função de suas crenças agnósticas, mas se podia atribuir à sua confiança em um sentido maior - uma confiança
que ultrapassava o marco da racionalização de seu ateismo [cf.o.c.p.59].
Qualquer tentativa para se infundir uma força interior, em alguem que perde a esperança, deverá anteriormente
conseguir que ele aceite algum futuro objetivo. Apropriada é a sentença de Nietzsche que dizia: "Aquele que possui
um "porque" pelo qual viver, poderá suportar qualquer "como" deve viver".
Que conselho se poderia dar a um homem desesperado que, a toda tentativa de encorajamento responde
simplesmente: "eu nada mais tenho para esperar algo da vida" ?
O que se torna necessário é uma fundamental mudança em nossa atitude em relação à vida. Deveremos aprender,
primeiramente nós mesmos, para que possamos ensinar aos desesperados que "realmente não importa tanto o que
nós esperemos da vida, mas sim, o que a vida mesma espera de nós" ! Devemos parar de nos perguntar
continuamente: "qual o significado da vida?" - e em lugar disto começarmos realmente a pensar que "somos pessoas
a quem a vida interroga contínua e incessantemente" [cf. com muita semelhança diz também Abraham J.Heschel:
"A Bíblia é uma resposta à pergunta: "o que Deus espera do homem? Mas, para o homem moderno, esta pergunta
foi anulada por uma outra: "O que o homem exige de Deus"? O homem continua a se perguntar: "o que poderei
conseguir da minha vida? Mas, o que escapa à sua atenção é a pergunta fundamental, no entanto, tão esquecida: O
que a vida conseguirá de mim? Absorvidos na luta pela emancipação do indivíduo, concentramos nossa atenção na
idéia dos direitos humanos, mas nos esquecemos de considerar a importância das obrigações do homem". The
insecurity of freedom,Schocken Books, New York 1972, p.4; cf.Who is Man? Stanford University Press, Stadford,
1965, p.70. 109-110,etc.].

A nossa resposta não deverá consistir em palavras e reflexões, mas em correta ação e correta conduta. Viver
significa assumir responsabilidades em encontrar a resposta certa para os seus problemas e realizar as tarefas que
constantemente nos são pedidas. Tais tarefas e, portanto, o significado da vida de cada indivíduo será diferente de
um para outro e de momento a momento. Torna-se assim impossível definir o sentido da vida, de uma maneira
geral.
O segundo nível, o sentido do momento, é o reconhecimento de que existem sentidos que podem e necessariamente
devem ser descobertos, se se deseja preencher o vazio existencial. Assim como é impossível para nós descobrir a
verdade em si, e somente somos capazes de descobrir uma multiplicidade de conceitos verdadeiros, também não
podemos descobrir o sentido, senão somente uma multiplicidade de experiências significativas.
A logoterapia postula uma concepção audaz: cada pessoa é um indivíduo único e singular que atravessa uma série
de situações, únicas, que oferecem em cada caso um sentido específico potencial que deve ser reconhecido e
realizado. Responder à oferta de sentido que cada um destes momentos nos apresenta é levar uma vida expressiva.
Frankl previne que não podemos inventar significados arbitrariamente; podemos apenas descobrir o sentido inerente
a cada situação. Frequentemente vemo-nos obrigados a basear nossas decisões numa informação insuficiente, e não
poderemos esperar conhecer todos os fatos que configuram uma situação. Deveremos confiar não só no nosso
conhecimento consciente e em nossa intuição inconsciente, mas também na voz de nossa consciência, por mais
frágil e falível que esta possa ser.
Assim como a vida de cada pessoa é inteiramente diferente da vida de outra pessoa, assim também, nossas tarefas,
nossos objetivos são inteiramente pessoais. Nenhuma situaçao se repete e pode-se dizer que cada situação nos pede
uma resposta única e diferente de qualquer outra [cf.B. Fabri, o.c.p.17].

Sentido e Valor
"Se os homens nem sempre podem conseguir que a história tenha sentido, sempre podem atuar de tal forma que suas
próprias vida o tenham" (Albert Camus).

A palavra sentido refere-se "àquilo que é significativo" para o indivíduo em cada situação particular da sua vida. O
sentido é único e pessoal, como também a busca de sentido. Porém as situações humanas se repetem, e um grande
número de indivíduos responde a elas da mesma maneira. Em muitas das situações típicas da vida, portanto, os
sentidos únicos válidos por um longo período de tempo para muitos indivíduos foram suficientemente similares para
que se criassem sentidos universais. De acordo com a definição de Frankl, são estes sentidos universais que
conhecemos com o nome de "valores" [cf. id. o.c.p. 79. Note-se porém que a definição de "valor"dada por Frankl, é
apenas descritiva, na medida em que se refere ao comportamento de muitas pessoas em relação a determinado
sentido, no decurso de longo período de tempo. Em um aspecto mais objetivo, pode-se dizer que "valor" designa um
determinado "bem", isto é um determinado objeto da nossa vontade, capaz de garantir (justificar) a retidão moral da
nossa ação, sempre que orientada para a sua busca].
Pode acontecer que o sentido único de uma situação não tenha sido captado a tempo e perdeu-se irrevogavelmente.
No entanto, em cada caso este sentido poderia ter sido descoberto com a ajuda de alguns dos valores.
Compreende-se a grande importância prática desta doutrina, fonte de verdadeiras e eficientes técnicas terapeuticas,
para todos os que exercem funções relacionadas com a educação, aconselhamento espiritual, terapia médica ou
psicológica.

Algumas obras de Viktor Frankl :


Psicoterapia e Sentido da Vida, Editora Quadrante, São Paulo
El Hombre en busca de Sentido, Herder, Barcelona, 1987
Ante el Vacio Existencial, Herder, Barcelona, 1984
A presença ignorada de Deus, Imago.Sinodal.Sulina, 1985
Sobre o pensamento de Viktor Frankl:
Joseph B. Fabry, A busca do significado. Viktor Frankl - logoterapia e vida. Ed.ECE, São Paulo, 1984

Mosteiro de São Bento


São Paulo - SP

SOBRE O VAZIO EXISTENCIAL


Krishnamurti
O nosso problema está no fato de a nossa vida ser vazia e de não conhecermos o amor; conhecemos sensações,
conhecemos a publicidade, conhecemos exigências sexuais, mas não há amor. E como se faz para transformar esse
vazio, como encontrar essa chama sem fumaça? Esta é por certo a pergunta, não é? Então, vamos descobrir juntos a
verdade desse assunto.

Por que a nossa vida é vazia? Embora sejamos muito ativos, embora escrevamos livros e freqüentemos o cinema,
embora nos divirtamos, amemos e vamos ao escritório, nossa vida é vazia, tediosa, mera rotina. Por que os nossos
relacionamentos são tão superficiais, estéreis e sem muito sentido? Conhecemos a nossa vida suficientemente bem
para saber que a nossa existência tem muito pouco significado; citamos frases e idéias que aprendemos — o que
fulano ou beltrano disseram, o que os mahatmas, os santos mais recentes ou os antigos santos disseram. Se não for
um líder religioso, seguimos um líder político ou intelectual, seja Marx, Adler ou Cristo. Somos apenas fitas
gravadas que repetem, e damos a esse repetição o nome de conhecimento. Aprendemos, repetimos, e a nossa vida
continua extremamente superficial, entediante e repulsiva. Por quê? Por que é assim? Por que atribuímos tanta
importância às coisas da mente? Por que a mente veio a se tornar tão importante na nossa vida — quando digo
mente refiro-me às idéias, ao pensamento, à capacidade de racionalizar, de avaliar, de sopesar, de calcular? Por que
damos uma ênfase tão extraordinária à mente? O que não significa que devamos nos tornar emotivos, sentimentais e
melosos. Conhecemos esse vazio, esse extraordinário sentimento de frustração. Por que há na nossa vida essa vasta
superficialidade, esse sentimento de negação? Não há dúvida de que só podemos compreendê-lo quando o
abordamos por meio da consciência do relacionamento.
O que de fato está acontecendo nos nossos relacionamentos? Nossos relacionamentos não constituem um auto-
isolamento? Não são todas as atividades da mente um processo de salvaguarda, de busca de segurança, de
isolamento? Não é esse pensamento, que dizemos ser coletivo, um processo de isolamento? Não é toda ação da
nossa vida um processo de auto-encerramento? Vocês podem vê-lo na sua vida diária. A família tornou-se um
processo de auto-isolamento e, sendo isolada, deve existir em oposição. Assim, todas as nossas ações estão levando
ao auto-isolamento, que cria essa sensação de vazio; e, sendo vazios, procuramos preencher o vazio com rádios,
com barulho, com tagarelices, com fofocas, com a leitura, com a aquisição de conhecimento, com a respeitabilidade,
o dinheiro, a posição social e por aí afora. Mas tudo isso é parte do processo de isolamento e, portanto, apenas
reforça o isolamento. Assim, para a maioria de nós, a vida é um processo de isolamento, de negação, de resistência,
de ajustamento a um padrão; e, naturalmente, nesse processo não há vida, havendo, por conseguinte, uma sensação
de vacuidade, uma sensação de frustração. Claro que amar alguém é estar em comunhão com essa pessoa, não num
determinado grau, mas completa, integral e profusamente; porém, nós não conhecemos esse amor. Só conhecemos o
amor como sensação — os meus filhos, a minha mulher, a minha propriedade, o meu conhecimento, a minha
realização; e isso é novamente um processo de isolamento. A nossa vida, em todas as direções, leva à exclusão; ela
é um impulso de auto-isolamento da parte do pensamento e do sentimento; às vezes conseguimos nos comunicar
com o outro. Eis por que existe esse enorme problema.
Ora, esse é o estado atual da nossa vida — respeitabilidade, posse e vazio — e a pergunta é como proceder para
irmos além dele. Como ir além dessa solidão, desse vazio, dessa insuficiência, dessa pobreza interior? A meu ver, a
maioria de nós não deseja fazê-lo. A maioria de nós fica satisfeita com a maneira como é; é muito cansativo
descobrir uma coisa nova, e por isso preferimos permanecer como estamos — e aí reside a verdadeira dificuldade.
Temos muitas coisas que nos dão segurança; construímos paredes ao redor de nós mesmos, com as quais estamos
satisfeitos e, ocasionalmente, há um murmúrio vindo de além da parede; há de vez em quando um terremoto, uma
revolução, uma perturbação que logo neutralizamos. Desse modo, a maioria de nós na realidade não quer ir além do
processo de auto-isolamento; tudo o que procuramos é um sucedâneo, a mesma coisa numa outra forma. Nossa
insatisfação é bem superficial; queremos uma coisa nova que nos satisfaça, uma nova segurança, uma nova maneira
de nos proteger — o que é, mais uma vez, o processo de isolamento. O que estamos procurando, a bem dizer, não é
ir além do isolamento, mas reforçá-lo de modo que ele venha a ser permanente e livre de interferências. São poucos
os que desejam derrubar as barreiras e ver o que existe para além disso que chamamos de vacuidade, solidão.
Aqueles que buscam um sucedâneo para o antigo ficarão satisfeitos ao descobrir algo que proporcione uma nova
segurança, mas há evidentemente quem queira ir além disso; por isso, prossigamos com eles.
Ora, para ir além da solidão, do vazio, é preciso compreender todo o processo da mente. O que é isto que chamamos
de solidão, de vazio? Como sabemos que é vazio, que é solidão? A partir de que critério vocês dizem que é isto e
não aquilo? Quando vocês dizem que é solidão, que é vazio, qual é a referência? Vocês só podem sabê-lo a partir
das medidas proporcionadas pelo antigo. Vocês dizem que algo é vazio, vocês o nomeiam, e julgam tê-lo
compreendido. Não será o próprio ato de nomear um empecilho à sua compreensão? A maioria de nós sabe o que é
a solidão, da qual estamos tentando escapar. A maioria de nós tem consciência dessa pobreza interior, dessa
insuficiência interior. Não se trata de uma reação abortiva, mas de um fato; e ao lhe dar um nome não o podemos
dissolver — ele está presente. Ora, como conhecemos seu conteúdo, como chegamos a saber qual é a sua natureza?
Vocês conhecem alguma coisa por lhe dar um nome? Vocês me conhecem ao me chamar por um nome? Vocês só
podem me conhecer quando me observam, quando têm comunhão comigo, mas chamar-me por um nome, dizer que
sou isso ou aquilo, obviamente põe fim à comunhão comigo. De modo semelhante, para se conhecer a natureza
daquilo que denominamos solidão, tem de haver comunhão com ela, e a comunhão não é possível se vocês a
nomeiam. Para compreender alguma coisa, é preciso antes de tudo fazer cessar o ato de nomear. Se desejam de fato
entender seu filho — o que eu duvido — o que vocês fazem? Vocês olham para ele, observam-no a brincar,
contemplam-no, estudam-no. Em outras palavras, vocês amam aquilo que desejam compreender. Quando vocês
amam alguma coisa, há naturalmente comunhão com essa coisa, mas o amor não é uma palavra, um nome, um
pensamento. Vocês não podem amar aquilo a que dão o nome de solidão porque não têm plena consciência dela,
porque a abordam com medo — não medo da solidão, mas de outra coisa. Vocês não pensaram sobre a solidão
porque não sabem de fato o que ela é. Não riam; isto não é um argumento inteligente. Pensem bem no assunto
enquanto falamos e verão todo o seu alcance.
Logo, aquilo que denominamos o vazio é um processo de iso lamento que é o produto do relacionamento cotidiano,
porque, no relacionamento, consciente ou inconscientemente, estamos procurando a exclusão. Vocês querem ser o
proprietário exclusivo daquilo que lhes pertence, da mulher ou do marido, dos filhos; querem caracterizar a coisa ou
pessoa como meu, o que evidentemente significa aquisição exclusiva. Esse processo de exclusão deve
inevitavelmente levar a um sentimento de isolamento; e como nada pode viver em isolamento, há conflito, e
estamos tentando escapar desse conflito. Todas as formas de fuga que podemos conceber — as atividades sociais, a
bebida, a busca de Deus, a puja, a realização de cerimônias, a dança e outras diversões — estão no mesmo nível: e
se vemos na vida diária esse processo total de fuga do conflito e queremos suplantá-lo, temos de compreender o
relacionamento. Só quando a mente não está escapando de nenhuma maneira é possível estar em comunhão direta
com aquilo a que damos o nome de solidão: o só; e para haver comunhão com isso, tem de haver afeição, tem de
haver amor. Em outras palavras, vocês têm de amar a coisa para compreendê-la. O amor é a única revolução, e o
amor não é uma teoria nem uma idéia; ele não segue nenhum livro nem padrão de comportamento social.
Logo, a solução do problema não vai ser encontrada nas teorias, que servem somente para aumentar o isolamento.
Ela só será encontrada quando a mente, que é pensamento, não estiver empenhando em fugir da solidão. A fuga é
um processo de isolamento, e a verdade é que só pode haver comunhão quando há amor. Só então é resolvido o
problema da solidão.
KRISHNAMURTI – SOBRE O AMOR E A SOLIDÃO - CULTRIX

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