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ANDERSON ALVES

Pare
de cometer
os mesmos erros
nos seus Relacionamentos

O Amor é uma construção e a repetição é um sintoma

LIVRO DIGITAL
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Anderson Alves é psicólogo, psicanalista,


escritor e criador do Podcast "A invenção
do amor".

LIVRO DIGITAL
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

SUMÁRIO
Introdução...................................................................................1
O que é o amor .........................................................................3
Sobre a paixão............................................................................10
O que são os traumas..............................................................14
Por que repetimos....................................................................19
A transferência.........................................................................22
A dinâmica da patologia nos relacionamentos............26
O amor é construção, repetição é sintoma....................34
O que buscamos em um amor...........................................37
O amor e sua relação com o sofrimento.........................41
Saindo da fantasia e construindo um amor real..........44

LIVRO DIGITAL
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Introdução

Esse livro digital nasceu da necessidade


que eu senti de expandir para além da
clínica de Psicologia os conhecimentos
sobre Psicanálise e Amor. Ouvindo as
queixas das pessoas em relação às suas
dificuldades de se relacionar, percebi que
sempre havia algo em comum em todos
os casos: a repetição. Foi então que
entendi a importância desse tema que
afeta milhares de relacionamentos todos
os dias e que, na maioria das vezes, nada
se sabe sobre ele . Esse livro digital não
tem a intenção de ser um manual de cura
das relações amorosas, mas sim lançar
luz sobre tudo aquilo de escuro que
existe dentro de você e que te faz sempre
cometer os mesmos erros em todos os
seus relacionamentos amorosos.
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Os conhecimentos aqui explanados estão


fundamentados na Psicanálise e com
certeza vão mudar a sua percepção sobre
como você ama e se permite se amado
dentro de uma relação.

Seja bem vindo e Boa leitura,


Atenciosamente,
Psicólogo Anderson Alves.

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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O que é o Amor?

Nesse primeiro capítulo, nós vamos


entender como o amor, esse sentimento
que atravessa a todos nós em algum ou
alguns momentos da nossa vida, se fez
necessário para a inserção da
humanidade no laço social, por quais
vias ele trafega e também qual é a sua
função primordial. De acordo com
Freud (1915), o ódio é mais antigo que o
amor e nasce "do repúdio primordial do
eu narcísico ao mundo exterior,
portador de estímulos" (1915/2004). O
autor ressalta que o ódio "é uma
exteriorização da reação de desprazer
provocada pelos objetos e mantém
sempre estreito o vínculo com as
pulsões de autoconservação do Eu” (p.
161). O ódio é necessário para a
conservação do narcisismo, porque no
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

princípio existe uma confusão entre o


mundo externo e o mundo interno, no
qual o bebê percebe a si e a mãe ou a
pessoa que faz a função materna, como
se uma coisa só, um ser único e
qualquer objeção a isso é sentido como
uma ameaça e precisa ser contido,
afastado e destruído. E a principio,
quem faz esse trabalho de proteção as
ameaças externas é o sentimento de
ódio. Sim, o ódio é a primeira defesa
humana. O ódio em si não é ruim,
podemos tomar o ódio como força
psíquica que fortalece a identidade e
representação de si, aguça percepções,
potencializa o eu e suas fronteiras,
demarcando limites e, dessa forma,
mantendo necessária distância de tudo
aquilo que causa ameaça à relação mãe-
bebê. Mas o ódio como defesa não
aproxima, pelo contrário, ele afasta.
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O ódio funciona como proteção e não


faz laço, não suporta a diferença. O bebê
vai resistir para não perder esse seu
mundo fantasioso de completude, mas o
contato com a realidade, a frustração, o
diferente é inevitável, e em algum
momento terá os seus primeiros
contatos com o mundo para além da
mãe, e necessitará de algo que o ajude a
ultrapassar essas primeiras vivências
percebidas como ameaçadoras. É
necessário que esse bebê se desconecte
dessa mãe, para que assim, comece a
existir enquanto um sujeito singular e
construir a sua própria subjetividade.
Esse processo de separação da mãe é
traumático e deixa marcas profundas,
pois essa primeira relação simbiótica
com a mãe, é marcada pela nutrição de
todas as necessidades desse bebê: fome,
afeto, atenção, olhar e um sentimento
oceânico de completude.
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Então para bancar a separação que se


faz primordial para o desenvolvimento
psíquico do bebê, o amor vem
justamente como essa possibilidade de
ultrapassar o ódio e conseguir fazer laço
com o "diferente". suportar a falta do
outro (mãe) e bancar a própria falta, e é
esse mecanismo que coloca nosso
desejo em movimento, em contato
direto com o real. Nesse período tão
turbulento de saída da simbiose materna
para o sentido de singularidade, o bebê
sente a sua primeira perda e se ampara
em fantasias que incorporam um
retorno a esse tempo simbiótico com a
mãe, isto é, ao narcisismo, pois não foi
simplesmente a mãe que esse bebê
perdeu, mas alguém que sentia por ele,
falava por ele, adivinhava suas vontades
e desejos, esse bebê perdeu a si mesmo e
agora precisa se reencontrar.
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

A mãe adivinhava tudo sobre esse bebê,


os seus mínimos detalhes, minimizava
suas frustações e desconfortos no
mundo, e esse bebê se sentia totalmente
amparado, completo e compreendido. A
saída dessa simbiose, esse rompimento,
registra a primeira lacuna de
incompreensão na psique desse bebê. "A
lacuna do "quem sou eu", agora que
ninguém me diz quem eu sou. O amor é
uma invenção possível que nos dá a
oportunidade de existir enquanto um
ser subjetivo, mas ao mesmo tempo ele
se entrelaça com as fantasias oriundas
desse registro traumático de
rompimento que não conseguimos
superar de forma satisfatória no nosso
desenvolvimento emocional. Nós temos
dificuldade de abandonar algo que um
dia foi a nossa fonte de prazer, proteção,
um sentido para a nossa existência.
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Após esse período traumático de


aceitação de si enquanto um objeto
distinto e separado da mãe, o bebê se
direciona como um corpo completo a
essa mesma mãe, agora com demandas
ambivalentes, uma mistura de amor e
ódio, que se complicam ainda mais
quando entra à figura de um terceiro,
aquele que faz o papel da castração, da
lei. Esse pode ser o pai ou qualquer
pessoa que faça a função paterna, mas a
questão é que esse terceiro se torna uma
ameaça, um rival na competição pela
mãe, que antes na fantasia do bebê era
exclusivamente dele e para ele. Todas
essas vivências conflituosas ao longo de
quase sete anos chegam ao fim no
complexo de édipo, com a incorporação
das figuras materna e paterna como um
modelos ideal para a escolha e também
procura de um objeto amoroso e sexual.
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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Todas as experiências que foram


compreendidas pelo bebê como
traumáticas nessa primeira infância
foram recalcadas e depositadas no
inconsciente, mas ainda terão forte
influencia sobre a formação das ideias
conscientes e principalmente das escolhas
amorosas, e é o que veremos mais adiante.

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Sobre a paixão
A simbiose com a mãe se assemelha
ao apaixonamento adulto, em que
acreditamos que somos um só com o
nosso objeto de amor, portanto,
completos e seguros de que nossos
desejos serão totalmente satisfeitos.
Então o bebê precisa lidar com a falta!
Num momento em que a mãe começa a
se distanciar do bebê por ter seus próprio
afazeres, seu trabalho, sua rotina ou até
mesmo pela entrada do pai que marca a
divisão dessa atenção materna, então o
bebê passa a não ser mais atendido
instantaneamente e sente essa demora
da mãe em responder as suas demandas
e satisfazer seu desejo. E são nessas
ausências da mãe que o bebê começa a
perceber que ela é um objeto distinto
dele, o que signifaca que a mãe deseja
outras coisas para além dele próprio.

10
A ausência da mãe é a prova de sua
existência enquanto pessoa, já que antes o
bebê a sentia como parte dele mesmo.
Sentir que algo falta dói, mas ao mesmo
tempo constitui, porque é na falta da
mãe que o bebê consegue direcionar
sentimentos para ela e se desenvolver a
fim de conquistar sua atenção. A relação
entre mãe e bebê precisa ultrapassar o
ódio e dar lugar ao amor que é capaz de
lidar com a falta. Toda essa relação é o
que nos dá base enquanto adultos para
reconhecer os erros e defeitos do outro,
vendo-o como alguém distinto, com
pensamentos, opiniões, gostos e desejos
diferentes dos nossos, e apesar disso,
sustentar a escolha de ficar e constituir
algo que seja bom para os dois. Talvez
essa seja uma ótima definição de amor.
Um amor apesar da falta e não para
suprir o que me falta!

11
A completude está ligada à estagnação,
pois se a mãe continuasse "adivinhando"
todos os desejos do bebê ele não
precisaria se desenvolver para desejar
por conta própria e aprender a
comunicar isso. Dessa mesma forma, a
falta e a ausência precisam fazer parte de
uma relação saudável para que exista
desenvolvimento e troca. É preciso
discordar do outro para se lembrar que
vocês não são a mesma pessoa. Vimos
que a falta é necessária para a
constituição e que a ausência da mãe é
extremamente importante para nosso
desenvolvimento e nossa capacidade de
lidar com as frustrações. E aqui
percebemos traços de imaturidade
emocional, alguém que se fixou em
demandas infantis de nutrição,
exigências a mãe, uma demanda de que
o mundo precisa ser como eu quero!
12
Ficar apenas na fase do apaixonamento
significa não ultrapassar a relação
arcaica com a mãe e não conseguir
reconhece-la como um objeto distinto
capaz de sobreviver sem você. Muitas
pessoas permanecem na fantasia de que
o outro não sobrevive sem elas ou que
não são capazes de sobreviver sem o
outro e em suas fantasias tentam negar a
sua individualidade, pois não querem
desejar por si próprios e ter que lidar
com a sua impotência. Quando essa
pessoa se depara com a falta e a realidade
de que o outro não estará o tempo
inteiro a sua disposição ela se frustra e
termina o relacionamento para se livrar
das angústias de ter que decidir, escolher
e etc. E leve, por ter se livrado da
angústia de ser castrado ,novamente vai
em busca daquele que em sua fantasia,
possa adivinhar seus mais íntimos
desejos.

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O ciclo se repete, pois essa pessoa não
consegue apenas lidar com a paixão e o
que ela representa.

"Um forte egoísmo protege contra o


adoecimento. Mas, afinal, é preciso começar a
amar, para não adoecer e é inevitável adoecer,
quando, devido à frustração, não se pode amar"

Freud em Introdução ao Narcisismo (1914)

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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O que são os Traumas

Para Winnicott (1970), um trauma é uma


descarga emocional intensa contra um
indivíduo que não possui uma defesa
organizada para conter essa intensidade.
Após o trauma, um estado de confusão
sobrevém, seguido talvez por uma
reorganização utilizando defesas de um
tipo mais primitivo do que as que eram
utilizadas antes da ocorrência do trauma.
O trauma não tem a ver com um
acontecimento ruim, mas com aquilo
que ainda não temos capacidade de
defesa e elaboração psíquica. Todo
amadurecimento humano passa por
readaptações ao ambiente externo e em
cada fase, o trauma tem a sua relação
específica com as perdas e frustrações
desse processo de adaptação às
imposições do real, do mundo externo.
14
Um trauma pode ser uma falta ou um
excesso, aquilo que aconteceu ou
deixou de acontecer em algum
momento do nosso desenvolvimento
psíquico. Traumas são impressões fortes
que atravessam o sujeito deixando
marcas profundas. Quando nossas
defesas não são efetivamente eficazes
para um processo de elaboração e
readaptação eficientes nós seguimos
nosso desenvolvimento, mas deixamos
um ponto de fixação nesses períodos,
pontos sem resolução completa e tudo
o que seguir dai em diante ativará as
mesmas defesas de capacidade infantil
de elaboração ou aquelas defesas mais
primitivas de reorganização. Então
diante de um objeto de amor, se algo se
assemelhar com o traumático em nós,
vamos sentir uma ameaça impossível de
resolver, então vamos fugir ou regredir

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até as defesas infantis e assim lidar com
esse objeto de amor que nos ameaça
com comportamentos infantilizados
como: birra, choro, silêncio.... Nós
regredimos ao infantil fixado em nós. O
problema é que quando o infantil
aterrorizado e sem defesas necessárias
precisa lidar com o real, novamente
ficamos sem respostas e amedrontados
por atravessamentos de nossa fantasia.
Pois o infantil, para lidar com a
realidade, brinca, devaneia, fantasia um
estado ideal, no qual a resolução já
existe. Isso tira a autonomia do adulto
em nós, amadurecido, responsável por
si e agora com ferramentas suficientes
para resolver o que ainda aterroriza o
seu infantil. Ás vezes estamos fixados no
nosso passado, em conflitos mal
resolvidos, mal elaborados, traumas
arcaicos, inconscientes, mas que
influenciam totalmente todas as nossas
escolhas, inclusive as amorosas. 16
Com as compreensões que chegamos
até aqui, percebemos que o traumático
é algo do nosso infantil que não foi
possível de se elaborar e também
analisamos o quanto sair da simbiose
materna para o bebê, é um processo
muito intenso e gerador de traumas.
Mas quais traumas? Perder um lugar de
prazer, que é sempre muito doloroso e o
bebê como defesa alucina e mais tarde a
criança brinca para lidar com os
atravessamentos do real. Algumas
hipóteses podem ser explanadas sobre
como o bebê se sentiu ao perder essa
completude materna: culpa, abandono,
insuficiência, medo, rejeição, agressão e
quais foram as defesas utilizadas para
dar conta dessa angústia, negação,
triangulação, projeção, formação reativa
e etc... Existe um discurso inconsciente
que começa a ser construído, para
tentar responder a essa completude
perdida. 17
Mais tarde, outros fatores vivenciados
na infância podem influenciar
fortemente aquilo que se repete nas
relações amorosa, fatores como:
presenciar agressão dos pais, brigas,
traições, separação ou morte de um dos
genitores, a chegada de um irmão,
cobrança excessiva dos pais... Depende
de como essa criança vai simbolizar
esses eventos dentro dela. Tais
acontecimentos encontrarão eco no
registro traumático da perda da
completude materna e serão pensados
com aquelas mesmas defesas. Os
sentimentos de culpa, abandono,
rejeição e medo vão vir à tona e dar base
para como esses acontecimentos serão
vivenciado por essa criança, negando-o,
tentando suprimi-lo, se defendendo,
fugindo desse trauma. Toda vez que nos
sentimos vulneráveis diante do mundo,
de algo ou alguém, nós regredimos ao

18
infantil em nós. E o amor nos deixa
desnudos diante do outro, justamente
porque podemos, mesmo que em
fantasia, projetar aquilo que nos falta no
outro e assim, nos amar nele. Porque
amar alguém nos torna vulneráveis e
nesse processo as defesas são rebaixadas
e essas ameaças traumáticas vêm à tona.
Amor nos aproxima de nós mesmos, nos
mostra aquilo de mais oculto que existe
dentro de nós e assim, infantilizados e
sem reação novamente diante do
trauma, transferimos ao nosso eleito
objeto de amor a responsabilidade de
resolver por nós, esses traumas que
muitas vezes ainda estão desconhecidos
para nós mesmos. Percebe a atitude
infantil?

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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Porque repetimos?

Quantas vezes trocamos de parceiro, de


trabalho, reformulamos toda a nossa
vida, mas parece que uma repetição
incansável nos aprisiona. Alguns dizem
ser “dedo podre”, inclusive, existem
vários nomes direcionados a esse buraco
que sempre caímos. “Ao cantar na
escuridão o andarilho nega o seu medo,
mas nem por isso enxerga mais claro”,
essa frase explanada por Freud no fim da
segunda sessão do texto Inibição,
Sintoma e Angústia (1926), nos convida a
reflexão daquilo que negamos em nós,
pois, por mais que são questões
inconscientes, nós sentimos algo do qual
fugimos, não sabemos o que é, mas
fugimos...
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Temos questões internas que precisam
ser revisitadas, refletidas, demandas que
nos provocam angústias por vezes até
paralisantes. Quando não nos
permitimos elaborar esses conteúdos
que estão gritando dentro de nós por
uma saída, um escape, uma vasão, eles
deixam de ser apenas conteúdos
psíquicos tornando-se atos, escolhas,
gostos, confundindo-se até com a nossa
personalidade. Porque o que negamos a
nós mesmos é a historização de nossas
dores, traumas, medos e justamente por
não fazer parte de nossa história, esses
conteúdos vão se repetir como ato em
nossas relações amorosas, de amizade,
de trabalho enfim, em todas as esferas
da nossa vida buscando um sentido, um
significado, uma elaboração e nos
mantendo reféns de um ciclo de
repetição infindável.

21
Mas então o que fazer para sair desse
ciclo vicioso da repetição amorosa? Um
dos caminhos possíveis é saber como o
Amor foi compreendido por nós. Como
a gente sente, entende e compreende o
amor. O sentimento de se sentir amado
não é universal, por mais que exista uma
ideia generalista do que se busca em
um grande amor, se sentir amado é uma
aquisição singular, atravessada por
traumas, medos, angústias e inúmeras
outras fantasias vivenciadas na primeira
infância. Aprendemos o que é o amor
nos braços de nossa mãe, com o toque,
o olhar, o cheiro, o cuidado e etc... Mas
também aprendemos o que é falta,
medo, frustração, angústia, desespero,
perda de objeto e afins. E tudo isso
formam as fantasia, construindo em
nossa pisque um pedido que fazemos ao
outro quando o amamos. A nossa
demanda de Amor.
22
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

A transferência

Nesse momento precisamos entender o


que acontece com todos aqueles
registros da primeira infância do bebê,
tudo aquilo que foi recalcado, pois tudo
o que é depositado no inconsciente não
pode mais ser rememorado em seu
conteúdo original, então o que
acontece? Todas aquelas demandas de
amor entrelaçadas com fantasias são
transferidas para outras figuras que
representam esse primeiro objeto de
amor que foi a mãe. Parece confuso,
mas as pessoas que elegemos como
nosso objeto de amor, não são nada
além do que um suporte do qual as
primeiras experiências que foram
vividas nos braços da mãe são
reavivadas.
23
Tudo vem à tona, inclusive a fantasia
de novamente e, quem sabe, dessa vez,
ter a possibilidade de não mais perder
esse objeto de amor. Vocês percebem a
complicação desse movimento? De
acordo com Roudinesco (1998) o termo
transferência implica sempre uma ideia
de deslocamento, de transporte, de
substituição de um lugar por outro,
sem que essa operação afete a
integridade do objeto. O que se
transfere, faz de um lugar para o outro,
do inconsciente para um derivado na
consciência e depois para um objeto
que elegemos enquanto o nosso objeto
amoroso. E o grande problema de todo
esse mecanismo é que o que se
transfere se faz a um representante e
não ao objeto original (mãe) e aqui
podemos pensar algumas questões
muito interessantes sobre o enlace
amoroso.
24
Encontrar um Amor é um reencontrar
no outro aquilo que foi perdido do
primeiro objeto amoroso. É poder
reviver as perdas e, em fantasia infantil,
ousar outras possibilidades. Mas essa
transferência não é tão marcada assim,
ela se mistura a outros elementos
psíquicos, se desloca ou condensa ao
ponto de às vezes parecer algo novo,
mas em relação a isso vamos conversar
mais adiante. Quem nunca se percebeu
repetindo os mesmos erros de outras
relações? Começa tudo perfeito e no
fim sempre a mesma coisa, ou deixamos
de nos satisfazer com o parceiro ou o
parceiro perde o interesse por nós,
terminamos ou provocamos um
término, traímos ou somos traídos,
enfim as repetições são inúmeras, mas o
que está na base de tudo o que se repete
e porquê se repete?

25
São questões que vamos nos aprofundar
nesse momento e que Freud chamou de
padrão estereotípico, maneiras de
relacionar que são vivenciados repetidas
vezes ao longo da vida. Ainda que a
maneira de se relacionar aparente ser
completamente nova com parceiros
diferentes, ela está marcada por essa
repetição que muitas vezes é
responsável pelas fantasias que dão
origem a conflitos ou até mesmo ao
término do relacionamento. Isso quer
dizer que uma relação saudável é capaz
de ser criativa e formular novas
roupagens para os conflitos e situações
inesperadas. Mas é preciso saber de si,
comunicar ao outro, se responsabilizar
pelos desejos.. Ser tocado pelo infantil
mas, tomar decisões enquanto adulto.

26
Quando o sujeito percebe que está em
uma repetição na sua vida amorosa e se
vê refém dela, pouco ele consegue fazer
sozinho, é capaz até de observar
padrões e fazer alguma associação com
sua infância, mas a mudança consiste
em olhar para as suas primeiras relações
amorosas e buscar trazer a tona os
traços inconscientes desse padrão. É
importante ressaltarmos aqui, que todo
esse mecanismo é inconsciente e o
processo terapêutico é uma das formas
de ter acesso a ele. Quando reconheço e
aceito o que sou, posso enfim ser
diferente.

27
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

A dinâmica das patologias nos


Relacionamentos

Nós percorremos por vários caminhos ao


longo desse texto, explanando sobre
como o amor surge como invenção
possível enquanto uma função
capaz de ultrapassar o ódio e
promover o laço social, vimos também
como o amor se mistura com fantasias de
um retorno a algo que foi perdido e
como tudo isso passa a ser transferido
para objetos derivados do original e
repetido, agora vamos entender como
isso influencia as nossas relações atuais.
Percebemos então que o que se repete
tem a ver com o traumático em nós e
com o discurso inconsciente que tenta
responder a nossa questão fundamental:
"o que nos falta", já que temos a fantasia
de que em algum momento fomos
completos?
28
A gente repete porque assim como a
mãe "sabe tudo" sobre o bebê, esse
registro psíquico de completude nos
faz fantasiar que alguém sabe algo
sobre nós que não sabemos e tem a
resposta para o nosso desejo de
completude, "temos o nosso par
perfeito em algum lugar perdido no
mundo". E aqui fica uma pergunta:
como sair dessa repetição, como me
observar, me entender e começar a
fazer algo que seja realmente diferente
nas minhas próximas relações? Antes
de trazermos essa questão para
discussão, precisamos compreender
como essas repetições se manifestam
paralisando nossas relações,
identificando-as e procurando agir de
forma diferente a fim ultrapassa-las e
sair dessa esfera do fantasma de nossas
primeiras demandas mal resolvidas.

29
As repetições podem acontecer de
inúmeras formas, vou trazer alguns
exemplos para nos aprofundarmos e
conseguirmos pensar melhor essa
dinâmica.

Insatisfação
Existem pessoas que têm uma
demanda de amor muito marcada pela
atenção da mãe, então será justamente
isso que essa pessoa buscará no outro,
sua total atenção, então enquanto essa
pessoa está naquele período de
conquistar a atenção do outro, o olhar ,
o desejo, essa pessoa se sentirá muito
apaixonada, pois balizada pela sua
demanda de atenção, o foco está na
conquista e assim que consegue o que
quer cai na insatisfação e abandona o
parceiro. Porque o outro é apenas um
representante da atenção, do

30
olhar e amor que ainda está precisando
de uma elaboração dentro da psique
desse sujeito.

Cuidado excessivo com o outro


Nesse tipo de funcionamento
psíquico a demanda inconsciente de
amor se concentra na tentativa de
adivinhar nos mínimos detalhes o desejo
do outro e assim, tentar mantê-lo
completamente satisfeito, para que esse
objeto não vá embora, porque em algum
momento dessa primeira infância algo
foi sentido como um abandono
insuportável. Agora o que se transfere
ao outro é um cuidado tão excessivo
que não o permite manter seu desejo em
relação a outras coisas que não seja o
relacionamento, pois deixar algo na
relação sem fazer é sentido como uma
ameaça, como uma nova possibilidade
de ser abandonado.
31
Dependência emocional
Nesse tipo de funcionamento a
demanda inconsciente de amor está na
dificuldade do sujeito de ultrapassar o
narcisismo e fazer laço com o outro no
real. Essa dependência total do outro diz
daquela dependência total da mãe, que
traz à tona supostos sentimentos de
completude, mas também reatualiza o
sentimento de rompimento com esse
primeiro objeto de uma forma
ameaçadora, então o sujeito se apega
cada vez mais ao outro esquecendo
completamente da sua própria
existência enquanto um sujeito singular,
mantendo assim a ideia de completude.

32
Interesse apenas por pessoas
comprometidas
Nesse tipo de dinâmica psíquica de
relacionamento a demanda inconsciente
de amor gravita em torno de uma
sensação de inexistência, em algum
momento essa primeira relação com o
objeto foi marcada por um sentimento
de "não existir", talvez por um trauma ou
uma falha na atenção transferida pela
mãe nos primeiros anos de vida, mas a
questão é que esse tipo de
funcionamento só permite a entrada da
relação por esse viés da invisibilidade, do
"ser escondido" que muitas vezes se
configura para o sujeito como um
sentimento de completude, como única
possibilidade de viabilizar o enlace
amoroso.

33
Nesse tipo de funcionamento é difícil
para o sujeito bancar um relacionamento
sério assumido para toda a sociedade, o
sujeito pode até ter uma relação desse
tipo, mas os deslizes com terceiros serão
constantemente uma saída para dar
conta de sua angústia.

34
Carência
Nesse tipo de demanda inconsciente
de amor existe uma exigência ao outro "
me satisfaça" pois o carente vive se
julgando incapaz de ser desejado. Isso
acontece porque não houve na infância o
sentimento de estar satisfeito,
principalmente na fase primária, talvez
houveram privações de afeto dos seus
cuidadores, em especial, da mãe. O
excesso de carinho e cuidado também
podem desencadear a carência afetiva.
Isto porque pessoas com muita
dependência dos pais tendem a sentir
que não são capazes de fazer nada
sozinhos, inclusive amar a si mesmos.
Como consequência, essas pessoas
condicionam sua felicidade aos outros e
vivem buscando segurança nos
relacionamentos, onde cobra-se o tempo
todo cuidado e atenção daqueles que
35
elegeu como objeto de amor. Nessa
busca constante de encontrar segurança
e proteção nos relacionamentos, o
carente busca sempre meios de
chantagear e se fazer de vítima,
tentando prender o seu afeto de forma
agressiva e perturbadora.

36
Em todas relações eu sempre sou
deixado(a)
Nesse tipo de funcionamento a
dinâmica inconsciente consiste na
fantasia de ser deixado(a), e as escolhas
de um objeto de amor vão levar essa
dinâmica como seu critério. O
rompimento da simbiose na primeira
infância se fixou como um sentimento
de abandono e é essa condição de
abandonado que o sujeito procura
"consertar", para tentar aplacar a
angústia de ter sido abandonado. A
grande questão aqui é triunfar sobre
esse abandono e depois procura-lo
novamente e repetir todo esse processo.
O triunfo, a superação, a volta por cima,
talvez possa dar conta de um
sentimento de angustia que mantém
todas as defesas sempre em alerta, a
espera de ser deixado.
37
A conquista é um lugar seguro, mas
entrar na relação é sempre muito
complicado, porque na fantasia se
oficializa a possibilidade de reviver o
abandono, então movimentos de
autossabotagem surgem para destruir
qualquer possibilidade dessa relação dar
certo. Complicado essa soma não é?
Nesse caso existe uma demanda de que
é possível consertar esse abandono
"reatar a simbiose e não perder mais
nada". Parece que é o outro que nos
abandona, mas temos um papel mesmo
que seja inconsciente, muito ativo em
todo esse processo.

38
A idealização do outro
Para nos apaixonar precisamos,
primeiramente, idealizar o outro. Pensar
que ele tem algo que nos é
imprescindível, ou seja, que não somos
capazes de viver sem. Isso porque o
apaixonamento se assemelha à nossa
primeira relação com a mãe, em que nos
sentimos totalmente acolhidos por sua
atenção e sua presença. A mãe é capaz
de supor o que o bebê deseja num
momento em que a linguagem se
resume ao toque e ao olhar. Essa
primeira sensação de ter um Outro
capaz de "adivinhar" nossos desejos e
satisfaze-los faz com que tenhamos a
experiência de completude que é
revivida sempre que nos apaixonamos.
Há algo da função materna presente na
paixão que nos faz idealizar o outro
como aquele capaz de nos completar e

39
esse outro realizar todos os nossos
desejo e demandas. Essa idealização não
é ruim, ela é necessária para nos fazer
criar laço com o outro e viver de forma
saudável, estamos sempre nos
apaixonando e idealizando tudo a nossa
volta em um primeiro momento: o
trabalho, a faculdade, nossos projetos.
Antes de colocar nosso planos em
prática nos apaixonamos por eles e os
idealizamos, até aí está tudo bem. O
problema reside no fato dessa paixão
não conseguir ser ultrapassada e dar
lugar a algo real. É necessário que
chegue um momento em que
troquemos o princípio do prazer pelo da
realidade. Tudo bem idealizarmos o
outro e ignorarmos seus defeitos a
princípio, mas após algum é importante
que essas ilusões acabem e que mesmo
reconhecendo o fato de que não irá

40
realizar seus desejos ou te completar,
você ainda se sinta disposta a continuar
essa relação e construir algo dentro do
que é realmente possível para ambos
enquanto pessoas já completas. Muitas
vezes cobramos o outro a partir de
fantasias que são nossas e que fazem
referência a um período arcaico de
nossa vida e se manifestam de forma
inconsciente como um fantasma.

41
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O Amor é construção,
Repetição é sintoma

Um abandono na infância, sendo ele real


ou não, pode despertar em nós uma
atração por amores impossíveis, nos
apaixonamos justamente por aquelas
pessoas que podem nos abandonar. E isso
acontece porque o registro desse trauma
de abandono ainda é tão vívido em nossa
psique que nos sentimos no dever de
resolver esse trauma em nossas relações
atuais. Diante desse fantasma o outro é
alguém que nos dá novamente a chance de
trazer à tona esse trauma e tentarmos uma
nova resolução.

42
Percebe que sua forma de amar pode
estar sendo balizada por uma questão
mal resolvidas e muitas vezes as brigas,
términos e voltas infindáveis estão
associados a uma fantasia de triunfo
sobre o fantasma do abandono? O amor
não pode ser algo que suga todas as suas
energias, que demanda toda a sua vida,
que causa esgotamento. O amor é
construção e não repetição.
Então se existe algo que se repete em
suas relações, possivelmente são por
questões íntimas que tem atravessado e
talvez até ditado às regras em relação a
sua forma de amar, esse movimento além
de te prejudicar imensuravelmente causa
muito sofrimento às pessoas ao seu
redor, porque quem se relaciona com o

43
outro em um ciclo sem fim de repetições
não consegue de fato chegar a construção
do amor, fica apenas naquela zona do
apaixonamento, da idealização, porque é
ali que a luta na nossa fantasia é travada,
onde o outro nunca é visto como um ser
faltante, mas como um sujeito totalmente
perfeito, aquele que tem algo que talvez
falte em nós e que acreditamos que é nossa
metade. O amor trafega por outras vias,
mas para entendermos isso com mais
clareza precisamos compreender o que
nós buscamos no outro quando o amamos
ou nos permitimos ser amados por ele(a).

44
SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O que buscamos em um Amor

Existiu um período na pré-história de


todos nós que o olhar materno nos
completava com amor em todos os
sentidos e, quase como algo mágico,
adivinhava todos os nossos desejos.
Mas precisamos em algum momento
nos separar dessa mãe para construirmos
nossa subjetividade e nesse processo de
separação perdemos aquele objeto que
nos dizia quem éramos, e nessa perda é
que surge a questão “quem sou eu” e ao
mesmo tempo aquele sentimento de que
será que eu vou reencontrar esse alguém
que vai adivinhar os meus desejos,
alguém

45
que possa novamente me dizer quem eu
sou e assim me fazer sentir novamente
um ser completo. Superar esse processo
é tão difícil que surge uma pergunta
fundamental que sustenta qualquer
relação de amor "quem eu preciso ser ou
fazer para ser amado”, como se houvesse
uma atuação, porque em nossa fantasia
talvez perdemos esse primeiro grande
objeto de amor por uma insuficiência
nossa, por isso ser apenas nós mesmos
parece nunca ser o bastante para manter
alguém nos amando. E nesse processo
infantil em nós, doamos ao outro aquilo
que não temos, aquilo que o outro nem
pediu por pura e intrínseca insegurança
então exigimos extremamente de nós e
também do nosso parceiro juras de amor
que são irreais e impossíveis.

46
Buscamos confirmações a todo o
momento, para tentarmos aplacar
dentro de nós essa falta que nos é
estrutural. Nossas relações são
atravessadas por inúmeras questões de
nossa fantasia, o "sentimento de
abandono" foi apenas um dos inúmeros
atravessamentos que nos faz fixar em
ciclos de repetições, se atente aquilo que
se repete como exigência nos seus
enlaces amorosos, pois se o amor exige
muito de nós, talvez exista uma exigência
para além do amor. E essas exigências
são inconscientes e buscam a resposta
para nossas feridas, traumas, medos,
inseguranças, todos os atravessamentos
da primeira infância e outras questões
que se somaram a essas ao longo de
nossa vida.

47
Percebe que exigimos do amor coisas
além do que ele pode nos oferecer? Por
isso algumas relações se tornam tão
pesadas e por mais que existe de fato um
sentimento genuíno pela outra pessoa,
existe também algo de pesado, denso que
nos coloca em uma posição de defesa,
exigência ou agressão diante do outro.
Vamos entender esse mecanismo melhor
no próximo capítulo.

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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

O amor e sua relação


com o sofrimento

O amor é a possibilidade de fazer laço


com o outro e nos foi apresentado pela
mãe através do olhar, toque, atenção,
carinho, erotismo, no período em que o
bebê está imerso em seu narcisismo e
sente esse amor como uma completude,
porque nesse primeiro período narcísico
o bebê não faz distinção entre ele e a
mãe, entre o mundo interno e o mundo
externo, ele sente tudo ao seu redor
como uma extensão dele e isso lhe da
uma ilusão de completude. Mas em
algum momento esse bebê vai se
perceber como algo separado dessa mãe

49
e se ver obrigado abandonar seu
narcisismo e investir no mundo externo,
mas as marcas deixadas por esse amor
supostamente completo são muito
fortes. Essas primeiras marcas são tão
fortes na psique que o parceiro
escolhido para reconstruirmos esses
laços de amor será avaliado a partir
desse modelo de relação ideal.
Encontrar alguém em nossa psique é um
reencontro, acreditamos que existe algo
que foi perdido e que um dia nos
completou. Amamos a partir dessas
marcas narcísicas que nos atravessaram
na primeira infância e para bancar esse
suposto retorno a um estado de
completude projetamos em nosso
parceiro justamente aquilo que nos
falta, numa tentativa fantasiosa de nos
completar.

50
No texto Introdução ao narcisismo de
1914, Freud explana sobre o narcisismo
como a base do amor. Amamos aquilo
que supomos que o outro tem e que
não temos, projetamos, em última
instância, aquilo que é importante para
nós mesmos. A grande questão é que
outro não pode ser responsável por
aquilo que supomos que ele tenha, essa
é uma fantasia catastrófica, fadada ao
fracasso. Vocês percebem o problema
de todo esse mecanismo? Precisamos
entender como as nossas fantasias de
um amor de completude nos atravessa.
Freud diz que a Psicanalise é a cura
pelo amor, sofremos porque amamos
errado, porque pensamos que só
podemos amar de um único jeito. E isso
nos marca e aprisiona em fantasias
muitas vezes autodestrutivas,

51
em repetições de relacionamentos
abusivos, abandonos, infidelidade,
términos infindáveis, perca de desejo,
baixa autoestima, carência, dependência
emocional, enfim as fantasias são
inúmeras. Vocês percebem que muitas
vezes as pessoas não encontram paz em
seus relacionamentos porque existem
outras demandas inconscientes que são
muito mais fortes e importantes que o
desejo da própria pessoa de viver um
amor tranquilo? O sofrimento no amor
está relacionado a idealização do outro,
de alguém que irá nos completar.
Diferentes dos animais que não possuem
a razão, nós sabemos que existimos, e por
saber disso sofremos com inseguranças,
perdas, medos, com a castração da
realidade e buscamos incansavelmente
um sentido para "existir".

52
Um amor construído dia após dia no
real, alinhando duas vidas diferentes e
singulares que decidiram caminhar
juntas e, assim, dividem as questões
complexas do existir e não exigem que o
outro seja o sentido da vida, pois isso
além de impossível acaba anulando
ambas singularidades. O sofrimento é
inerente a humanidade, uma relação
tranquila pode ser aquilo que trará algum
alívio a existência, mas se a tornarmos o
sentido da vida, ela será prisão.

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SOBRE O CICLO DA REPETIÇÃO AMOROSA

Saindo da fantasia e
construindo um amor real

O amor é uma invenção que precisa ser


recriada todos os dias, isso significa que o
amor que eu inventei ontem só serve
para ontem e o que eu inventei hoje só
serve para hoje. Invenções do amor sobre
o real da pessoa e não sobre uma fantasia
de completude. Pensando no amor como
uma construção nós podemos construir
a nossa relação junto com o nosso
parceiro, mas isso só é possível a partir
do momento em que entendemos o que
em nós se repete e passamos a usar essa
falta como combustível para construir a
nossa história e não viver repetindo-a.

54
Vou elencar alguns pontos para auxiliar
vocês a se posicionarem diante da
repetição dando um sentido para essas
demandas.

1 – Reflita sobre as suas últimas relações


e procure pontos em comum que se
repetem, eles podem estar claros ou
distorcidos, então gaste um tempo para
encontra-los. Após encontra-los,
procure compreender o que essa
repetição diz sobre você e não sobre o
outro, percebemos durante o decorrer
de toda a nossa leitura que a repetição
diz de nós, dos nossos traumas, fixações
e questões que ainda estão sem
resolução na nossa mente. O primeiro
passo é se responsabilizar por aquilo
que é seu, mesmo que seja inconsciente.

55
2- Encontrando todas essas repetições é
preciso supera-las uma a uma e bancar a
angústia que virá diante da sua escolha de
não mais repetir aquela cena de demandas
passadas, fazendo isso você irá começar a
investir na realidade e provará para si
mesmo que é possível viver de outras formas
e inclusive se permitirá amar e se sentir
amada (o) a partir de outras possibilidades.
A gente repete porque temos medo de fazer
diferente, usar outras defesas, distintas das
que utilizamos na primeira infância e que
não deram conta de conter toda a
intensidade e desorganização psíquica que
nos atravessou, gerando uma fixação
traumática. Mas é tudo fantasia, e por ter o
corpo físico seu campo de batalhas dói
tanto, dá medo, sentimos ansiedade,
angústia, tristeza, ciúmes e etc... Mas como
conseguir superar uma a uma as repetições
após encontrá-las?

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Uma possibilidade é a terapia psicológica,
com ajuda profissional esse caminho se
torna bem mais fácil. É preciso
desenvolver algumas habilidades
necessárias para lidar com seus traumas ,
desarmar algumas defesas dentro de você
e se permitir outros caminhos.

3- A angústia, dor e solidão tende a


aumentar nesse período, porque você
estará se desconstruindo e ao mesmo
tempo reconstruindo a sua forma de fazer
laço com o outro e também sua relação
com o mundo externo. Será um momento
de muito aprendizado, renúncias, testes e
descobertas, então tenha paciência e
respeite o seu tempo e processo. Esse é o
primeiro passo para a construção do
amor próprio.

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4- Com o passar dos dias, semanas e
meses, irá notar a diferença em sua
forma de se posicionar no mundo e isso
mudará não só as suas relações
amorosas, mas também suas relações de
trabalho e todas as áreas de sua vida,
porque o amor permeia tudo o que
fazemos. Quando deixamos de viver
uma vida de repetições, um horizonte
de possibilidades aparece em nossa
frente. Todos esses pontos são possíveis
de serem refletidos, mas eu reforço que
esse atravessando para algumas pessoas
pode ser bastante difícil e com a ajuda
de um profissional esse caminho pode
ser reduzido e atravessado de uma
forma mais leve e segura, outras
questões que emergirem desse processo
também podem ser trabalhadas e
ressignificadas de forma mais precisa

58
com a ajuda de um profissional, então
não tente resolver tudo sozinho, vá até
onde você consegue e se precisar de
ajuda, contate um profissional, sua
saúde mental deve ser sempre sua
prioridade. Espero que esse livro digital
ajude você a trilhar melhor esse
caminho intenso e por vezes obscuro
que são as relações humanos. Se
aproxime mais de vocês, dos seus
sentimentos, daquilo que aquece seus
corações, sua essência.

59
Se você gostou desse conteúdo te
convido para ouvir o meu podcast "A
invenção do amor" disponível em todas as
plataformas de streaming musical.
Lembrando que esse é um livro
introdutório e, apesar de tratarmos
questões profundas da constituição
humana seu objetivo não é ser um
manual de cura das repetições, mas se
propor a elucidar o motivo de suas
repetições em seus relacionamentos. Para
de fato tratar questões referentes aos
traumas no Amor, procure ajuda de um
profissional especialista nessa área de
estudo da psicologia.

Novamente, muito obrigado à todos,


Atenciosamente,
Psicólogo Anderson Alves.
Contatos

Informações sobre consultas, dúvidas,


cursos, palestras, utilizar os meios abaixo
de comunicação.

andersonalvespsi@hotmail.com
@psi.andersonalves
44 984088742

LIVRO DIGITAL
Referências bibliográficas:

FREUD, S. (1914) Sobre o narcisismo: uma


introdução. Edição Standard. Brasileira das
Obras Completas de Sigmund Freud, vol.
XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996

FREUD, S. (1915). O Recalque. In: FREUD, S.


Escritos sobre a psicologia do inconsciente.
v. 1. Rio de Janeiro: Imago, 2004.

FREUD, S. (1915). O Inconsciente. In:


FREUD, S. Escritos sobre a psicologia do
inconsciente. v. 2. Rio de Janeiro: Imago,
2004.

FREUD, S. Inibição, Sintoma e Angústia


[1926]. Obras Completas vol. XVII, São
Paulo: Companhia das Letras, 2014.

ROUDINESCO E PLON. Dicionário de


Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1998
WINNICOTT, D. W. (1896-1971). A família e
o desenvolvimento individual. 3.ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2005. (Psicologia e
Pedagogia.)
WINNICOTT, D. W. (1896-1971) O brincar &
a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
(Col. Psicologia Psicanalítica.)

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