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Introdução ao narcisismo.

Oscar Wilde escreve a “Lenda de Narciso” com um outro olhar, extremamente


expansivo e maravilhoso. Ele dizia que: quando Narciso morreu, vieram as Oreiades –
deusas do bosque – e viram que a agua doce do lago havia se transformado em
águas salgadas, porque o lago chorou.

As deusas perguntaram:

- Por que você chora?

- Choro por Narciso, disse o lago agora salgado.

- Não ficamos admiradas de você chorar por ele, disseram, apesar de nós sempre
corrermos atrás dele pelo bosque, você era o único que podia comtemplar, de perto, a
sua beleza!

Para espanto das deusas Oreiades, o lago perguntou:

- Mas Narciso era assim tão belo?

- As deusas se espantaram com tal pergunta e disseram:

- Quem mais do que você poderia saber disso? Afinal, era em sua margem que ele se
debruçava todos os dias!

O lago ficou algum tempo calado e quieto. Por fim falou:

- Eu choro por Narciso, mas jamais percebi que ele era tão belo.

As deusas perguntaram:

- Então por quem chora?

- Choro por Narciso porque, todas as vezes que ele se debruçava na minha margem,
eu podia ver, no fundo dos seus olhos, a minha própria beleza refletida.

Ou seja o rio também era narcisista. Todos somos. Não existe como separarmos uma
classe-de-narcisistas e uma classe de não-narcisistas.

Sigmund Freud em seu texto de 1914 “Introdução ao Narcisismo” escreve sobre dois
conceitos importantes, tomando por base o mito grego de Narciso. O primeiro conceito
chamado de narcisismo primário se configura através da primeira relação que o bebê
construirá com a mãe ou a pessoa que esta desenvolvendo essa função materna. A
mãe por sua vez abre mão do seu próprio narcisismo para suprir as expectativas do
bebê que precisa dos cuidados materno, fazendo com que o bebê se sinta amado e
desejado, ocupando o centro da vida de sua cuidadora. Sendo assim, o ego do bebê
começa a ser nutrido para que se desenvolva de forma saudável.

O segundo conceito chamado de narcisismo secundário acontecerá em casos que o


sujeito não pôde experiênciar de forma satisfatória e nutridora dentro da relação
primária narcísica. Ele busca a todo custo ser o centro de desejo do outro, busca ser
exclusivamente amado pelo outro, e isso significa em qualquer relação que possa se
estabelecer ao longo da sua vida. O que acontece de fato é uma exigência que o outro
o queira, o deseje, o ame e o faça sempre como principal e único na relação, essa
experiência deveria ter sido vivida com a mãe.

É importante que fique claro, quando o sujeito se encontra dentro desta configuração
emocional, por varias vezes cairá em armadilhas do seu próprio eu, o eu que deseja
ser o centro, um eu egocêntrico, exigindo que o outro o satisfaça a qualquer custo.

Os rituais existem, a todo momento estamos utilizando de vários tipos para satisfazer
um vazio, preencher uma lacuna. Buscamos mecanismos que nos ajudem amenizar a
dor emocional; o intuito aqui não é de forma alguma julgar ou apontar o dedo
nomeando de certo ou errado, mas é pensarmos sobre uma realidade dolorosa e
difícil.

Em 1917 Freud escreve em seu texto “Uma dificuldade no caminho da Psicanálise”


que: “a psicologia, conforme é ensinada academicamente, dá-nos apenas respostas
muito inadequadas a questões que dizem respeito à nossa vida mental, mas em
nenhum outro sentido a sua informação é tão escassa quanto no que concerne aos
instintos”. Diante disso, a experiência vivida a partir do que Bion chamou de at-one-
ment, estar uno ao paciente quando uma ilusão começa a se dissolver,
proporcionando um ambiente acolhedor para que o paciente se torne capaz de reparar
e transformar as relações do seu mundo interno e externo.

No mesmo texto é abordado o tema sobre as três feridas narcísicas da humanidade, a


primeira é quando a humanidade descobriu que a terra não era o centro do universo
(Nicolau Copérnico). A segunda foi quando o homem perde sua superioridade em
relação à biologia que constatou que sua natureza era animal. A terceira ferida é de
natureza psicológica e talvez, seja a que mais fere. Descobrir que o ego não é senhor
de sua casa traz a tona o que Freud chamou de inconsciente.

Narciso esta diante de dois dilemas. Tornar-se aquilo que o outro quer que ele seja,
afinal de contas foi exatamente isso que sua mãe fez quando procurou Tirésias, o
cego vidente, ela privou o filho de conhecer a si mesmo, ele cresceu sem poder olhar
para si mesmo, sem olhar sua imagem no espelho. Tudo o que Narciso sabia de si, ele
sabia por intermédio dos outros.

Crescer sem poder olhar para si mesmo na relação objetal (mãe-bebê) torna o caos
interno antes latente, agora manifesto, trilhando um caminho doloroso cheio de
ilusões. Projetar a responsabilidade no outro para dizer quem eu sou traz
aprisionamento e dependência emocional, penso eu que, todo narcisista tenta
corresponder a demanda de se tornar aquilo que o outro quer que ele seja e não de
fato quem ele é, no final ele se torna aquilo que não se é.

Cria-se um ritual para amenizar o sofrimento emocional, esse ritual cria a dependência
de buscar a todo custo uma validação, uma aceitação, o individuo implora pelo olhar
do outro, acaba por cair na armadilha dos elogios e dissimulações alheias, pela falta
de reconhecimento. Para o narcisista não existe nada mais terrível do que passar a
vida em branco, não existe nada mais terrível do que não ser notado, do que não ser
percebido; o narcisista não é capaz de reconhecer o seu valor (a mãe não foi capaz de
reconhecer), por isso busca alguém para “dar o seu valor”.
O valo já é intrínseco ao sujeito, ele precisa começar a reconhece-lo de forma
saudável, sendo assim, poderá existir, poderá ser real. Melanie Klein (1934) escreve
sobre a importância na construção dos relacionamentos que a criança desenvolve em
seu ambiente, criando a Teoria das Posições, um importante conceito que se configura
dentro da Posição Esquizoparanoide é o “seio bom” e “seio mau”, o que quero dizer
com isso é que, todos nós possuímos partes boas e ruins, reconhecer o próprio valor
esta ligado a reconhecer o que é bom e o que não é sem implorar pelo olhar do outro,
mas sendo capaz de olhar para si mesmo.

Winnicott (1994) diz: “Quando olho, sou visto; logo existo.” Falando em psicanálise é
preciso contar com o mínimo necessário de afeto, cuidado, ser o objeto desejado, é
preciso o mínimo de olhar do outro (mãe). Não tem como estar uno ao paciente em
analise que nunca pode contar com o mínimo necessário de afeto emocional. Para
Winnicott quando o bebê nasce ele esta fundido com a mãe, ele se encontra em uma
dependência absoluta, ele existe, mas ainda não é. Narciso existia através do outro e
só através do outro, ele não havia expandido para o ser. Quando comtemplou sua
beleza nas margens do lago acabou devorando a si mesmo e abraçou a morte.

O segundo nome mais conhecido e que leva destaque dentro da teoria psicanalítica.

Criadora da Teoria das Posições (1934), Klein dá maior importância na construção


dos relacionamentos que a criança desenvolve em seu ambiente.

Levando em conta sempre a intimidade e cuidado da mãe para com o bebê e


pensando sempre na criança, o objeto é aquele que possui ligação e atende sempre
as necessidades e satisfação.

A diferença entre fase e posição: A primeira (Freud, 1905), traz a proposta de algo
fixo, cristalizado; o indivíduo passa por cada uma das fases, cada avanço não é
possível retornar para a fase anterior. A segunda (Klein, 1930), nos propõem a ideia
de flexibilidade, onde o sujeito pode transitar entre uma posição e outra.

Posição Esquizoparanóide

É a posição inicial na vida do bebê. Ele ainda não percebe o outro além dele mesmo,
ainda não existe o reconhecimento total do objeto (mãe). Os objetos ligados a
satisfação do bebê são fragmentos, “Seio Bom” e “Seio Mau”.

Sempre existirá uma tensão gerada pelo desejo de satisfação, no caso das crianças
muito pequenas o objeto que reduz essa tensão é a pessoa ou a parte da pessoa que
atende suas necessidades.

O primeiro vínculo que será estabelecido com seu primeiro objeto é com a mãe e com
seu seio, tornando-se modelos para seus futuros relacionamentos interpessoais.

Posição Depressiva

Acontece a junção dos fragmentos do objeto, o bebê começa a reconhecer que existe
o outro além dele mesmo. Porque ele precisa reconhecer a realidade, e a realidade
não é feita só de satisfação.
O que isso causa? Angústia, desconforto, culpa, sensações extremamente
desconfortáveis.

Porquê? Quando acontece a união do que é bom e do que é mau, é como se o bebê
tivesse odiado o objeto (mãe) que ele tanto amava.

Gera ansiedade (me livrar de algo ruim) e frustração.

Sucessão de mecanismos de defesa esquizoparanóide.

CISÃO: a realidade dividida ao meio. Bom e Mau, um satisfaz e outro priva.

NEGAÇÃO: eu nego uma das partes, ela não deixa de existir.

PROJEÇÃO: uma das partes que foi negada é projetada no objeto.

IDEALIZAÇÃO: parte boa = objeto maravilhoso e a outra parte como péssima, ruim...

ONIPOTÊNCIA: posso tudo ou o objeto pode tudo.

ONICIÊNCIA: eu sei tudo ou o objeto sabe tudo.

ABAFAMENTO DAS EMOÇÕES: As emoções são escondidas para não ter contato
com a realidade.

Quando o individuo procura por terapia os mecanismos de defesa são desfeitos de


traz para frente (efeito dominó). O primeiro a se dissolver é o “abafamento das
emoções”. Quando o paciente começa a desabafar ele começa a perceber que:

Ele não sabe nada.

Nem tudo ele pode.

A idealização se desfaz.

A projeção volta.

Não dá mais para negar.

Sem a negação as partes se juntam, tudo se integra.

A cisão se desfaz.

Temos então, a posição depressiva.

A realidade nua e crua.

A integração das partes acontece.

Principais defesas da posição depressiva

Reparação: tentativa de reparar o dano causado ao objeto.

Simbolização: proteger o objeto de mim mesmo.


Mania: tentativa de livrar-se do sentimento de culpa.

Culpa se converte em responsabilização.

Gratidão.

Retribuição.

Bion, em seu trabalho ATENÇÃO E INTERPRETAÇÃO, de 1970, propondo a dinâmica


nas articulações dos vínculos, descreve três formas de interação entre o que designou
continente (representado pelo símbolo feminino) e contido (representado pelo símbolo
masculino). Bion busca na biologia os três modelos de vínculos que podem ser
estabelecidos entre o grupo e o místico. Esta relação serve de modelo muito ilustrativo
na expansão do trabalho psicanalítico, sendo que o místico e o grupo são essenciais
um para o outro. O grupo pode destruir o místico, assim como o místico pode destruir
o grupo.

Um paciente em que as partes da personalidade estejam desconexas apresenta-se


como o grupo, e o analista ocupa assim a posição de místico, que ameaça o
estabelecimento que rege esse grupo. “Um paralelo analítico: a interpretação
psicanalítica é morte para o estado de mente existente, o estado de mente que está
sendo interpretado.” (Bion, 1970) Na forma comensal de vinculação, existe um acordo
com restrições na vida compartilhada. A indiferença, o formalismo e a isenção de
conflitos e confrontos são erigidos por receio de reações violentas. A origem da
palavra vem do latim commensalis: com, “junto”, mais mensa, “mesa”, trazendo a ideia
dos que comem juntos, na mesma mesa. Um bom exemplo de comensalismo é o da
rêmora, peixe que possuem a primeira barbatana dorsal transformada numa ventosa,
que permite a ele agarrar-se ao corpo do tubarão e, assim, podendo ser transportado
enquanto alimenta-se dos restos de suas presas. Não traz maleficio algum ao tubarão,
no entanto também não o beneficia em nada. Bion não se ocupa muito com essa
configuração de relação por conta de as duas partes coexistirem de forma
mutuamente inofensiva. Outro modelo de vinculação proposto por Bion é a forma
parasítica, no qual existe um hospedeiro com propriedades superiores e um hóspede
que se liga a ele como se fosse um apêndice e dele obtendo alimento, como
carrapatos, ácaros e piolhos. O hóspede permanece assim causando dano ao
hospedeiro e também absorvendo tudo de ruim que existe nele, numa mútua
destrutividade. “A realização que mais se aproxima à minha formulação é o setting
grupo-indivíduo dominado por inveja. Inveja gera inveja, e essa emoção
autoperpetuante finalmente destrói tanto o hospedeiro como o parasita. Não se pode
atribuir inveja a uma parte ou outra; na realidade ela é uma função da relação.”(Bion,
1970)

Num terceiro modelo de vinculo, o simbiótico (que mais nos interessa nesse
capítulo), do grego syn, “junto”, mais bios, “vida”. Nesse modelo existe entrega e
interdependência na dupla. Isso ocorre sem que haja perda das referencias
individuais. Existe harmonia entre as partes, e a possibilidade de satisfação das
necessidades é mutua, o que estimula o crescimento de ambos.

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