Você está na página 1de 5

A BUSCA POR UMA ETIOLOGIA DA HISTERIA.

A sexualidade infantil surge para Freud, e com ele para o mundo, como uma
busca pela etiologia da histeria. A criança nunca foi, efetivamente, o objeto do
estudo de Freud, tampouco objeto de sua prática clínica. A sexualidade infantil,
portanto, não pode ser considerada um ponto de partida para a Psicanálise,
mas um ponto de chegada a ela.
A história profissional de Freud nos explica, passo a passo, como ele atingiu a
percepção, contrária a de toda a sociedade da época, acerca da sexualidade
como sendo inerente ao ser humano, presente desde o seu nascimento. Não
por outro motivo, Freud e sua teoria da sexualidade foram objetivo de muitas
criticas à época.
Voltando às bases da descoberta sobre a sexualidade infantil, a vida
profissional de Freud se inicia com estudos em fisiologia e zoologia por seu
interesse, pode-se dizer, pela ciência em geral e, particularmente, as
neurociências francamente em ascensão à época. Antes da criação da
psicanálise, Freud atuou como zoólogo (1876), com seu professor darwinista
Carl Friedrich Claus, e dedicou-se a pesquisas no laboratório de fisiologia de
Ernst Brücke onde permaneceu até 1882. Nesta época, conheceu aquele que
seria seu parceiro temporariamente, Josef Breuer.
Sendo forçado a abandonar a pesquisa científica, em vista de sua conjuntura,
Freud dedica-se à prática da medicina no Hospital Geral de Viena (1882) e
acaba sendo nomeado médico secundário no setor de Theodor Meynert,
psiquiatra, quando tem acesso às pacientes histéricas e toda a construção em
torno das causas biológicas e orgânicas da doença. Em 1885, parte para Paris
para seguir seus estudos junto a Jean Charcot, que o coloca no início de um
caminho para a concepção do método psicanalítico, muito embora, para o
francês, a etiologia da histeria era de cunho hereditário e orgânico, uma
disfuncionalidade do sistema nervoso, apesar de reconhecida a ausência de
lesão neurológica nas pacientes. Para Charcot, havendo predisposição
genética e um trauma psíquico, a hipnose poderia remeter à situação
traumática e à supressão dos sintomas histéricos.
Freud, de volta a Viena (1886), abre seu consultório e continua seus estudo
com Breuer, que já tratara Anna O., e estes se afastam da etiologia proposta
por Charcot. Como seria possível, pela hipnose de Charcot, produzir
experimentalmente um sintoma histérico se a causa fosse orgânica? Não seria
lógico ou factível. Abriu-se, assim, espaço para um fator psíquico atuante como
causa da histeria e não mais meramente orgânico.
Em 1885, é publicada a obra “Estudos sobre a Histeria” elaborado com Breuer,
onde já demonstravam diferenças significativas acerca etiologia da histeria.
Breuer, com uma visão fisiológica do mecanismo da histeria, denominado
estados hipnoides, um estado de consciência semelhante ao da hipnose pelo
qual conteúdos da consciência ficavam dissociados da vida mental do
indivíduo. Para Freud, essa divisão psíquica ou mental era causada por uma
defesa do próprio organismo, um afeto não descarregado e intolerável, que
voltava à consciência sob a forma de um sintoma. Entretanto, o motivo real
para o afastamento se deu porque Freud, já em 1896, partia do princípio de
que os traumas envolviam conteúdos de ordem sexual, o que era
completamente repelido por Breuer.
A teoria da sedução, foi então, a primeira etiologia sexual da histeria defendida
por Freud, criada no ano de 1896, originada de seus estudos experimentais
com os próprios pacientes e segundo a qual a histeria seria causada por um
trauma real de ordem sexual na infância (sedução sexual precoce). É a
primeira vez que Freud reconhece a infância como relacionada à histeria, mas,
como se vê, a criança ocupa um lugar passivo, ou seja, a sexualidade era
despertada na criança precocemente por um agente abusador.
Mesmo antes da formalização da teoria da sedução, Freud, em 1987, afirmou,
em carta para Fliess, que não acredita “mais em sua neurótica”, chegando à
conclusão que os conteúdos trazidos por seus pacientes eram fantasias e
faziam parte de uma “realidade psíquica” e não necessariamente constituíam
fatos verdadeiramente ocorridos. A partir desse momento, a criança passa a
ser um sujeito ativo, que cria uma realidade psíquica de origem sexual. Para
tanto, a criança deveria ser dotada de sexualidade desde a sua infância.
OS TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE
A obra, datada de 1905 e editada diversas vezes por Freud, pode ser
considerada como uma sistematização teórica sobre sexualidade e sexualidade
infantil na concepção do autor.
Compreendida por três diferentes ensaios, “As aberrações sexuais”, “A
sexualidade infantil” e “As transformações da puberdade”, conforme se percebe
do próprio título, a publicação amplia o conceito de sexualidade em si com a
introdução da concepção de “pulsão” (Trieb), inova ao trazer o conceito de
sexualidade infantil, quando, à época, a doutrina considerava o início da
sexualidade como sendo a puberdade e traz consigo outros conceitos inerentes
à psicanálise, como “Complexo de Édipo”.
Trata-se, para além de uma obra de referência para psicanálise, de um estudo
dialético acerca da sexualidade, questionando conceitos de normalidade
(inclusive quando atribui à sexualidade infantil o adjetivo “perversa”), inserindo
a infância num lugar privilegiado na constituição psíquica do indivíduo e, ainda,
ressaltando a importância da comunicação, esclarecimento e acolhimento de
questões sexuais infantis para a formação de um sujeito adulto saudável.
O SEGUNDO ENSAIO – A SEXUALIDADE INFANTIL
O autor inicia o segundo ensaio com uma crítica acerca das teorias existentes
até então. Primeiramente, ele questiona o senso comum (e até então científico)
de que a sexualidade seria despertada somente na puberdade e enfatiza que
há uma negligência clara, nos estudos de desenvolvimento infantil, acerca do
aspecto da sexualidade nessa fase, indicando um forte componente normativo
e moralizador em toda a literatura existente.
Para o autor, essa desconsideração é um grande erro e possui consequências
drásticas pois, segundo afirma, grande parte de nossa própria ignorância
acerca da nossa vida sexual vem da insistência da sociedade e da ciência em
tratarem a sexualidade infantil como um desvio, que deve ser reprimido, e não
como algo natural e inato do ser humano.
Freud segue seu raciocínio introdutório afirmando que outra causa para a
ausência de estudos da sexualidade infantil reside no que ele denomina de
“amnésia infantil”, que seria um esquecimento por parte dos adultos de seus
primeiros anos de infância. O autor faz então uma provocação, indagando o
porquê de nossa memória não acompanhar as demais atividades psíquicas,
como sentimentos, julgamentos incipientes, já ativas nesta fase. Para ele, há
forças psíquicas de defesa, de repressão, que impedem que determinados
conteúdos ultrapassem o inconsciente e atinjam a consciência, que, em sua
opinião são muito semelhante às que operam na amnésia histérica.
O PERÍODO DE LATÊNCIA SEXUAL DA INFÂNCIA E SUAS
INTERRUPÇÕES
Nessa parte do texto Freud inicia seu raciocínio afirmando que a criança nasce
com “germens” da pulsão sexual, mas que seu desenvolvimento não é fixo e
invariável. Para o autor, as manifestações observáveis da sexualidade se dão
por volta de 3 anos de idade e, posteriormente, haveria um declínio até o
atingimento da puberdade. A esse período, Freud denomina de latência, em
outras palavras, um adormecimento das pulsões sexuais e suas
manifestações.
É na fase da latência que começam a se constituir as forças psíquicas que irão
se tornar barreiras para a pulsão sexual e suas manifestações, como nojo,
sentimento de vergonha, ideais estéticos e morais. Para Freud, a educação e a
cultura seriam fatores atuantes nesse processo, muito embora para o autor
haja um componente orgânico e hereditário em torno do tema. Nessa fase,
opera-se a sublimação, onde a pulsão sexual é transmutada a atividades
sociais e intelectuais, há um endereçamento para outras finalidades.
Para Freud, uma das causas desta sublimação poderia ser o fato de as pulsões
sexuais serem de pouca utilidade, levando-se em consideração que as funções
reprodutivas estão adiadas pela latência e, ainda, porque haveria um tabu em
torno das zonas erógenas e sua perversidade, o que levaria, justamente, às
forças psíquicas de repressão mencionadas.
Freud finaliza o capítulo ressaltando que as crianças podem apresentar
algumas manifestações de sexualidade durante o período de latência e
sublimação, mas que a tendência é que os educadores adotem uma postura
normatizante, reprimindo-as. A Psicanálise, por outro lado, adota abordagem
distinta pois tem o objetivo de compreender a origem da sexualidade.
REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Alexandra Nakano de. Os três ensaios sobre a teoria da


sexualidade de Sigmund Freud e a psicologia da criança no final do
século XIX Dissertação (Mestrado em História da Ciência) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

BOROTO, Ivonicleia Gonçalves; SENATORE, Regina Celia Mendes. A


sexualidade infantil em destaque: algumas reflexões a partir da perspectiva
freudiana. RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação,
Araraquara, v. 14, n. n.esp.2, p. 1339-1356, julho 2019. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12583. Acesso em:
30 mar. 2022.

CASTRO, Marcos. Freud e o desenvolvimento Psicossexual. Psicanálise


Clínica. 2021. 8 p. Disponível em: https://www.psicanaliseclinica.com/freud-e-
o-desenvolvimento-psicossexual/. Acesso em: 21 mar. 2022.

Você também pode gostar