O estádio do espelho na formação da função do eu – Resenha
José Roney de Freitas machado
O estádio do espelho é um intrincado processo de formação que se dá a partir da
identificação da criança com a imagem de si mesmo refletida espelho. Este espelho que se trata do eu, ao mesmo tempo, trata-se do outro, isto é, daquilo que é da ordem do eu nomeado pelo outro, narrado, idealizado, investido pelo outro (pelos pais). Isso, significa dizer que, antes que a criança se depare com a sua imagem no espelho, os parentais se encontram nesta posição para a criança. Esta é a razão pela qual o espelho tem íntima relação com o eu ideal a imagem idealizada que a criança cria de si mesma a partir do desejo dos pais projetados nela , bem como com o ideal do eu os ideais da cultura que se apresentam ao eu, aos quais, posteriormente, cabê-lo-á corresponder. Em sua obra, O estádio do espelho na formação da função do eu, Lacan demonstra como a história pessoal do infanto é marcada, ou melhor, capturada pelas imagens. Se a princípio, a criança via complexos de intrusão e desmame se vê às voltas com a imago da mãe e a imagem intrusiva do irmão, no estádio do espelho propriamente dito, ela se depara com a sua própria imagem refletida no espelho. Nos primeiros instantes deste estádio, em razão do infanto ainda não ver capaz de se reconhecer em sua própria imagem progetadarefletida no espelho, o eu é posto para si como um outro a tal ponto da criança, por vezes, interagir com esta imagem tomando-a por um outro. Aqui, a criança se experimenta enquanto um corpo esfacelado o que Lacan nomeia de fantasma do corpo esfacelado. Não obstante, depois de um certo tempo, a criança se dá contas de que a realidade do mundo em sua volta se duplica no espelho. Desta forma, pois, advém-lhe a percepção de que a imagem refletida é a sua própria imagem. Aqui, dá-se a identificação da criança com tal imagem, por conseguinte, um apaixonamento da criança pela própria imagem, o que, por sua vez, caracteriza o que Freud denominou narcisismo primário (investimento libidinal em si mesmo, no próprio eu). Segundo Lacan, esta dinâmica se dá por volta dos seis meses de vida do infanto. Neste ponto, a imagem (fantasia) de um corpo esfacelado é substituída pela imagem de um corpo íntegro, unificado, não obstante, trata-se de uma Unidade alienada. Importa observar que, do ponto de vista do desenvolvimento psíquico infantil, embora a criança experimente certa unidade egoica a partir da conquista da imagem de seu próprio corpo, isto é, faça a experiência de um corpo uno (inteiro), bordado, imagens, que não mais se confunde com outros corpos e imagens extensivamente; fato é que o seu corpo ainda é por demais limitado, frágil, fragmentado. Portanto, ao tentar corresponder à própria imagem, a criança (o eu imaginário) fracassa, a imagem se sobrepõe a si, e o eu se torna o outro novamente. Com efeito, na relação imaginária, até que o infanto seja capaz de se apreender definitivamente em sua singularidade singularidade esta, como se verifica, desde sempre e para sempre marcada pela alteridade, pelo outro), o eu e o tu se confundem. Portanto, a fim de que o eu possa realmente se sustentar enquanto identidade (instância imaginária identificatória), num dado momento, é imprescindível que um terceiro termo (mediador) se imponha e determine cada um dos demais termos em questão, por conseguinte, estabeleça a integração simbólica da imagem por parte do eu a imagem como uma representação imaginário-simbólica do eu, por assim dizer. Neste ponto, dá- se a entrada do eu no registro do simbólico, isto é, no campo da linguagem. Na sequência, tal processo desembocará no Édipo, e ao final deste, na constituição do sujeito, propriamente dito.
Lacan, J. (1998). O Estadio do espelho como formador da função do Eu. In J. Lacan,
Escritos. (pp. 96-103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Texto originalmente publicado em 1949).