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Verbete publicado em: Porot, A. (1996). Manuel alphabétique de psychiatrie. Paris: PUF.
Tradução: Lucas Bloc. Uso exclusivo em sala de aula.
Ainda que ela pressuponha a atitude fenomenológica, a Daseinsanalyse de Binswanger
permitiu certa confusão entre fenomenologia e pensamento existencial ou, pior, “psicologia
humanista”. O pensamento existencial pode proceder de maneira fenomenológica, mas também sem
referência à fenomenologia – o que foi o caso de Kierkegaard ou de Nietzsche – e assumir, então, o
aspecto de uma teoria privilegiando certos valores na sua apreensão da vida humana. Apreendidos
isoladamente, os conceitos existenciais não são mais fenomenológicos que as noções de psiquismo ou
de sistema nervoso central. É isto que faz a ambiguidade em psicopatologia de trabalhos como os de
Storch para as psicoses, como os tardios e de inspiração espiritualista de von Gebsattel sobre as
neuroses ou ainda como a Antropologia compreensiva de Zutt e Kulenkampff. É também a
ambiguidade da noção de psicoterapia existencial. A fenomenologia pode, certamente, modificar a
abordagem terapêutica e lhe dar outro sentido, mas seria inadequado esperar por isso, em uma simetria
enganosa com a psicanálise, uma técnica psicoterápica específica, pois a noção mesmo de uma técnica
e, logo, por via de consequência, de uma teoria, lhe é estranha.
Os desenvolvimentos mais recentes da psicopatologia fenomenológica são marcados por uma
inflexão ou, de preferência, por uma re-inflexão na direção da obra de Husserl e, principalmente, do
Husserl tardio, aquele do mundo vivido (Lebenswelt) e da intersubjetividade. Este movimento já é
iniciado por Binswanger a partir de sua retomada dos problemas da melancolia e da mania (1960),
visto por alguns com certo exagero, como um “retorno à Husserl”. Mas este movimento é também o
de uma fenomenologia de alguma forma estática, visando experienciar o sentido unitário de um
quadro psiquiátrico, na direção de uma fenomenologia genética que se confronta com um problema
por muito tempo abandonado nas pesquisas psicológicas e psicanalíticas, o da biografia e do modo no
qual se integram, parecendo romper completamente sua continuidade, as manifestações psíquicas
anormais. O livro de Tellenbach sobre a melancolia (1961) é a melhor ilustração pela ênfase colocada
sobre as noções de tipo melancólico, de situação pré-depressiva e de endokinèse. Paralelamente, a
obra de Blankenburg e especialmente seu livro A perda da evidência natural nos esquizofrênicos
(1971) mostram da melhor forma a necessidade e também os primeiros resultados de uma clarificação
conceitual e metodológica da psicopatologia fenomenológica. É aqui, sem dúvida, que aparece, mais
claramente, que para o psiquiatra a fenomenologia não deve ser um método entre outros e ainda menos
um método psicoterápico, mas a ocasião de uma tomada de consciência e de uma reflexão radical
sobre a natureza mesma da doença mental e sobre a significação das diferentes abordagens da
psiquiatria: dito de outra forma, a fenomenologia em psicopatologia é, fundamentalmente, uma crítica
da razão psiquiátrica.
Referências
H. Spiegelberg, Phenomenology in psychology and psychiatry. An historical introduction, Evansto,
Etats-Unis, Northwestern Univ. Press., 1972.
A. Tatossian, Phénoménologie des psychoses, Rapport au LXXVII Congrès de Psychiatr. Neurol. De
langue française (Angers, 1979), Paris, Masson, 1979.