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CURSO: PSICOPATOLOGIA, PSICANÁLISE E CLÍNICA CONTEMPORÂNEA

TURMA 2 – 2022
ALUNA: DENISE RIBEIRO BARRETO MELLO
MÓDULO I: A PSICANÁLISE E AS CIÊNCIAS MÉDICAS E PSICOLÓGICAS

PALAVRAS CHAVES: Psicopatologia; Metapsicologia; Psicanálise Freudiana

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho configura-se como uma resenha crítica que visa discutir as aulas
que compuseram o Módulo I, da Pós-Graduação em Psicopatologia, Psicanálise e Clínica
Contemporânea, que teve duas disciplinas – Psicopatologia (30h) e Psicopatologia e a clínica
em Freud (30h), e que discutiram, respectivamente, as seguintes temáticas: A Psicanálise e as
práticas médicas e psicológicas, Psicopatologia como Fenômeno Histórico, Psicopatologia e
Metapsicologia I, Primeira Tópica e a teoria pulsional em Freud, Psicopatologia e
Metapsicologia II, Compulsão e Repetição.
Pretende-se, ao longo do texto, realizar uma leitura das aulas ministradas, de modo a
tecer algumas articulações com conhecimentos previamente obtidos, apresentar os conceitos
que foram desconstruídos para dar espaço a novos aprendizados e sinalizar possíveis novos
entendimentos sobre a construção teórico-clínica da psicanálise.

ASPECTOS HISTÓRICOS DOS CAMPOS DA PSICOPATOLOGIA E DA PSICANÁLISE

A discussão de temas de natureza epistemológicas relacionadas à psicopatologia são


essenciais para a compreensão de uma concepção singular como a da psicanálise que, em mais
de um século de sua existência, mantem-se na contramão das propostas médico-psicológicas
contemporâneas, mantendo sua característica disruptiva.
O modo como Freud concebeu a psicopatologia foi (e continua sendo) radicalmente
inovador. Antes mesmo que Canguilhem (2009/1943) dissertasse sobre o normal e o patológico,
Freud já havia problematizado essa questão ao pensar sobre a possibilidade de uma neurose
normal. Mas, historicamente, nem sempre foi assim.
Na tradição psiquiátrica, a princípio, a saúde ou a doença configuravam-se como o
negativo ou ausente: haveria saúde se não houvesse doença e vice-versa. Somam-se a esta
perspectiva a estatística e os critérios morais, muito presentes na França, com Philippe Pinel e
Etienne Esquirol, com suas concepções de alienação mental e a implantação da lógica asilar
(Foucault, 2008/1972). Foi com base nessa premissa (da saúde como ausência de doença) que
se desenvolveram grandes tratados médicos com a intenção de descrever sinais e sintomas que,
juntos, caracterizavam um certo estado de adoecimento. O primeiro manual de psicopatologia
médica foi feito por François Boissier de Sauvages, em 1763 (Foucault, 2008/1963).
No Século XVIII, na França, consolidou-se o método anatomopatológico em
substituição ao método clínico, passando a compreender que uma doença era uma associação
entre sintomas manifestos e alterações orgânicas nem sempre visíveis (Foucault, 2008/1963).
A psicopatologia, nesse mesmo período, era descrita também pelos seus sintomas manifestos.
Com esse novo método, as chamadas “doenças do espírito” ficaram à margem, com o
predomínio de orientações filosóficas sobre esses problemas (Zorzanelli; Dalgalarrondo;
Banzato, 2014).
Já no Século XIX, estruturava-se uma psiquiatria clínica com apropriação de um saber
psicológico menos especulativo. Duas correntes importantes surgiram naquele momento:
(1) a perspectiva experimental, com Wundt, na Alemanha (descrição de sintomas pela
introspecção, método científico desenvolvido no Laboratório de Leipzig). Também na
Alemanha, um pouco antes de Wundt, Karl Kahlbaum e Emil Kraepelin, em 1860, promoveram
a fundação da psiquiatria clínica nos países de língua alemã (Berrios; Hauser, 2013); também
aproximaram-se da psicologia experimental para descrever os sintomas de uma forma mais
científica, influenciando todo o campo da psiquiatria: o DSM III é considerado como um
sistema diagnóstico neo-klaepliniano que retoma a lógica de descrição, tradição que
permaneceu até o DSM V, que passou a apresentar uma abordagem mais categorial do que
dimensional (Russo; Venâncio, 2006);
(2) a perspectiva etiológica, que prima pelas causas, estabelecendo um paralelo mais
preciso na procura daquilo que está por trás do sintoma manifesto. O grande representante dessa
tradição é Freud, ao considerar que o processo é mais importante do que o que se observa, pois
a descrição sintomatológica pode ser enganosa (Foucault, 1975/1954).
Esta concepção vigorou nas versões I, II e III do DSM, pois, durante algumas décadas,
ser psiquiatra foi sinônimo de ser psicanalista (Russo; Venâncio, 2006). Entre as versões IV e
V, buscou-se retomar o problema da abordagem categorial, incluindo as dimensionalidades dos
transtornos (como exemplo, o espectro do autismo). Buscaram localizar processos
flexibilizando as categorias, mas não deu certo e aparece como resposta, um retorno a clínica
etiologia, mas não nos moldes psicanalíticos e sim puramente baseado em marcadores
biológicos, procurando estabelecer correlações entre sintomas manifestos e causas genéticas.
A METAPSICOLOGIA E A PSICANÁLISE FREUDIANA

Desde a graduação em psicologia, Freud foi apresentado como um pesquisador solitário


que criou a psicanálise de forma totalmente nova. Essa ideia foi desconstruída logo de início
quando foram trabalhados os aspectos históricos do surgimento da psicanálise como disciplina,
em seu entrecruzamento com a tradição médica e a psicologia científica (Foucault, 1975/1954).
Até que formulasse uma concepção própria do ponto de vista teórico, clínico e
epistemológico, Freud apoiou-se, inicialmente, em três tradições psiquiátricas, a saber: na
concepção biológica germânica (cujo principal nome foi o de Theodor Meynert, 1833-1892,
professor de Freud); na psiquiatria holística e sua concepção vitalista do corpo e não
mecanicista; e na psiquiatria dinâmica (Assoun, 1983).
Seguiu em franco diálogo com a medicina no que se refere à busca pela compreensão
das causas das doenças mentais como sendo de natureza psicológica. Foi assim que Freud
chegou a sua primeira formulação nosológica, em 1894, com as Neuropsicoses de Defesa,
definindo-as em 4 tipos: a histeria, a neurose obsessiva, a paranoia e a confusão alucinatória.
Baseando-se no conceito de defesa para pensar o funcionamento psíquico.
Com essa forma particular de concepção e ao longo do seu desenvolvimento, a
psicanálise se distanciou de ambos, tanto da psicologia que passou a se ocupar das funções
psicológicas superiores relacionadas à consciência e ao comportamento, e da medicina em suas
conceituações de cura, sintoma, terapia, clínica, doença, entre outros. Esses termos ganharam
contornos próprios a partir de Freud que, muito cedo em sua obra (1895) teve como principal
preocupação a singularidade da experiência humana nas situações de sofrimento.
Freud introduziu a noção de defesa e pensou em mecanismos psicopatológicos: um
trauma (infantil que pode ser ressignificado pela fala, a talking cure) modifica a economia
nervosa, predispondo e vulnerabilizando o organismo. Desse modo, a experiência infantil torna-
se mais importante do que a causa hereditária. O que interessa a Freud não são os sintomas
manifestos, mas o funcionamento psíquico.
O que estaria por detrás dos sintomas? Em A Interpretação dos Sonhos (1900), Freud
considerou a elaboração do sonho como conteúdo manifesto e os processos latentes, subjacentes
aos sintomas. Esta obra emblemática de grande importância para o edifício psicanalítico,
permitiu a Freud defender uma outra forma de compreender o funcionamento psíquico, que
encontra no desejo uma mola propulsora (Perez, 2012).
Foi na obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (Freud, 1905) que Freud fez uma
distinção fundamental entre pulsão (trieb) e instinto (instinkt). A diversidade de formas de
prazer presentes na vida humana levou Freud a sustentar que o ser humano não se comporta por
padrões inatos herdados geneticamente. Há uma força de uma outra ordem, que insiste, resiste
e determina o funcionamento psíquico.
Em sua primeira teorização sobre as pulsões, Freud propôs um dualismo que consiste
no conflito entre duas classes de pulsão: as pulsões sexuais por um lado e as pulsões do eu ou
de auto conservação de outro, apresentado em 1910, em seu artigo A concepção psicanalítica
da perturbação psicogênica da visão. Somente em 1920, em Além do princípio do prazer, Freud
apresenta um novo dualismo pulsional. Sustentando o ímpeto humano para o retorno a um
estado inanimado, Freud postulou que o conceito de compulsão à repetição e desenvolveu o
conceito de pulsão de morte que atuaria dialeticamente com a pulsão de vida, que englobaria as
pulsões sexuais e auto conservação.
Na concepção freudiana (Freud, 1915), as pulsões possuem quatro elementos: (1) uma
fonte somática que tem a função de fazer um bordeamento; (2) um alvo que é a satisfação da
pulsão que, paradoxalmente, é impossível de ser plenamente satisfeito (daí, Lacan postulará o
conceito de gozo); (3) pressão que seria uma tendência à descarga (motora), mas que ao ser
substituída pela palavra pode alcançar a talking cure (cura pela fala); (4) e o objeto, de caráter
contingente, por não poder ser definido a priori e ser deslizante, por vezes pode se fixar, como
no fetiche, nos casos de perversão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do Século XX, nos EUA, a psicodinâmica originou as duas primeiras versões
do DSM, no qual o sintoma seria uma reação ao trauma. Mas já na sua 3ª edição, a tradição
descritiva e experimental retornou, distanciando-se definitivamente da Psicanálise. Na França,
especialmente com Lacan, o processo psicopatológico foi repensado por uma aproximação com
o estruturalismo e depois com a lógica). Nesse ponto, há um ponto de ruptura com as ciências
naturais e passa a se aproximar muito mais das ciências humanas. Já na escola inglesa de
psicanálise esse distanciamento já não é tão evidente.
No Século XXI, a psicanálise é uma abordagem dentre outras no campo da
psicopatologia, que tem como característica máxima no campo da psicopatologia a perspectiva
etiológica na busca das causas e mecanismos psíquicos. A psicanálise lacaniana também
trabalha com o modelo etiológico, ainda que de forma diferente, enlevando a estrutura e os
sintomas como função de uma trama complexa que envolve os registros do imaginário,
simbólico e real. As teorias e clínica lacanianas serão objeto dos próximos módulos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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