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FILOSOFIA

CONTEMPORÂNEA
O nascimento da psicanálise
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar o contexto no qual Sigmund Freud desenvolveu a psicanálise.


 Reconhecer os conceitos de consciente, inconsciente e sublimação.
 Relacionar a psicanálise à sociedade e à cultura.

Introdução
A psicanálise surgiu como uma forma radical e nova de perceber o ser
humano e suas relações sociais. Freud configurou uma teoria sobre o
inconsciente que revelou uma concepção do ser humano diferente
daquela formulada pela filosofia moderna. Mais do que um método a
iluminar a prática e a atividade de um analista junto aos seus pacientes,
a psicanálise é uma vigorosa teoria social. A sua relevância fica evidente
quando se analisa a sua influência na organização da sociedade contem-
porânea, na cultura e nas várias áreas do saber.
Neste capítulo, você vai ter um encontro com Freud, pai da psicanálise,
uma personalidade marcante e ao mesmo tempo desconcertante. Você
também vai estudar os pressupostos mais caros à psicanálise. Por fim, vai
verificar o quanto o modo como a sociedade contemporânea vê o ser
humano e o mundo é permeado por noções freudianas.

Contexto de desenvolvimento da psicanálise


Todas as teorias científicas sempre se relacionam a uma época. Isso não é
diferente no caso da psicanálise. Ela foi influenciada pelas condições da vida
social, cultural, econômica e política de um momento histórico. Originada
em um período frutífero da modernidade, essa teoria científica se mostrou
prodigiosa. Segundo Hurding (1995), a psicanálise surge em um período de
inquietação das ideias do século XIX, numa época de domínio da psicologia

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e das ciências empíricas. Ela nasce como uma nova solução para os dilemas
anteriores acerca da natureza e da história da humanidade.
Seu desenvolvimento se deu por meio do esforço de Sigmund Freud
(1856–1939), que buscava examinar a influência das estruturas internas do
indivíduo nas suas ações, nas suas relações com o mundo externo e nas suas
escolhas. Enfim: Freud desejava entender o funcionamento da vida psíquica.
Freud, médico, natural da cidade de Freiberg, localizada na Morávia, se
formou em medicina pela Universidade de Viena. Ele era especialista em
neurologia e foi o responsável pela criação da psicanálise. Foi em Viena,
localizada no coração da Europa, que a psicanálise surgiu. De lá para cá, ela
se tornou uma das mais importantes teorias que dão suporte à forma de pensar
das sociedades atuais.
A partir da análise da trajetória de Freud, pode-se afirmar que sua pers-
picácia, sua determinação e sua insatisfação com as respostas da psiquiatria
clássica foram fundamentais. Ele não encontrava nas teorias de sua época as
explicações para o distúrbio nervoso, as fobias e as neuroses, que acabaram
lhe fornecendo os instrumentos necessários para efetuar descobertas que
mudaram a forma de se entender o ser humano e o seu mundo. As ideias de
Freud foram influenciadas pela filosofia metafísica de Herbart, entrelaçadas
com um período histórico marcado pelo darwinismo, em especial com a ideia
da evolução, e pelo método científico empírico.
A contribuição de Freud para a ciência é tão grande quanto foi o pen-
samento de Karl Marx para a percepção dos processos históricos e sociais.
Freud ousou encarar como problema científico as questões relacionadas ao
psiquismo, seus labirintos escuros e misteriosos, ou seja, as fantasias, os
sonhos, os esquecimentos, a interioridade humana. Sua forma sistemática
de investigação analítica dos tópicos salientados o levou à criação de uma
abordagem revolucionária, a psicanálise.

A psicanálise
Quando surgiu, a psicanálise foi um modo radicalmente novo de conceber o ser
humano e interpretar o mundo decorrente de suas ações. Ela trouxe um novo
olhar sobre a realidade interior do ser humano. Por isso, é considerada pela
literatura como uma abordagem revolucionária das questões da vida psíquica.
O termo “psicanálise” se refere a uma compreensão teórica, a um método
de investigação e a um exercício profissional. Enquanto teoria, a psicanálise

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se caracteriza por ser um conjunto de saberes sistematizados sobre a estrutura,


o funcionamento e as ações do ser psíquico (da vida psíquica). Vale ressaltar
que essa busca por entender o funcionamento da vida psíquica levou Freud a
escrever uma série de textos, livros e artigos, frutos da investigação meticulosa
e cuidadosa de casos reais, muitos deles de seus próprios pacientes. Entre as
obras de Freud, se destacam: A Interpretação dos Sonhos, A Psicopatologia
da Vida Cotidiana, O mal-estar na civilização, Reflexões para o tempo de
guerra e morte, entre muitas outras.
Enquanto método de investigação científica, a psicanálise deve ser
compreendida como um processo metodológico, um modo interpretativo.
Segundo Bock et al. (2002, p. 70), ela “[...] busca o significado oculto
daquilo que é manifesto por meio de ações e palavras ou pelas produções
imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associações livres [...]”. Freud,
com sua rigidez com relação aos passos da pesquisa científica, possibilitou,
com a criação da psicanálise, um caminho seguro para a investigação do
ser profundo de cada pessoa. Ele trouxe muitos esclarecimentos aos que
buscavam entender como o ser humano, tão prodigioso tecnologicamente,
ao mesmo tempo é dirigido por forças que o impulsionam a comportamentos
inadequados e estranhos.
Já enquanto atividade profissional, a psicanálise consiste em uma forma
de tratamento denominada análise. Ao ser aplicada por um profissional ca-
pacitado (analista/psicanalista), busca levar o paciente ao autoconhecimento
e, com isso, à eliminação do desconforto psíquico e de suas manifestações
somáticas. Para alguns estudiosos, a psicanálise também deve ser tida com
um importante instrumento que amplia as possiblidades para a compreensão
dos fenômenos sociais contemporâneos que questionam a visão do ser hu-
mano enquanto ser civilizado. Entre tais fenômenos, você pode considerar
a violência crescente, as disputas mesquinhas, o hedonismo exacerbado e o
individualismo manifestado em suas variadas formas. Esses são elementos
que levaram ao extermínio de milhares de seres humanos fragilizados na
cadeia ecossistemática.
Antes de chegar ao método da psicanálise, Freud iniciou suas investiga-
ções psíquicas com o método da hipnose, aprendido com Josef Breuer. Por
meio da hipnose, o paciente rememorava os eventos e experiências dolorosas
esquecidas que causavam comportamento obsessivos, às vezes angustiosos
e dolorosos. O uso desse método levava ao desaparecimento dos sintomas de
enfermidades dos pacientes.

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Na sugestão hipnótica, o paciente é induzido pelo médico a um estado de consciência


alterado. Assim, o médico investiga as relações entre condutas e/ou fatos e condutas
que podem ter levado ao surgimento de determinado sintoma. Além disso, o médico
introduz novas ideias que podem, ao menos por algum tempo, provocar o desapare-
cimento do sintoma (BOCK et al., 2002).

Entretanto, percebendo que nem todos pacientes se deixavam hipnotizar


com facilidade, Freud decidiu deixar esse método de lado, sem, contudo,
abrir mão da sugestão como caminho para a rememoração. Seguindo em
suas investigações, decidiu abandonar o método catártico, passo decisivo para
chegar ao método que ele denominou de psicanálise. Ao abandonar a sugestão
catártica, Freud criou a técnica da concentração. Para ele, esse era um recurso
eficaz para se possibilitar a rememoração, e isso por meio da conversação
formal dirigida. Esse processo tinha a intenção de inibir as resistências das
memórias e levar à consciência de fatos esquecidos (bons e ruins). Posterior-
mente, aperfeiçoando esses recursos, ele deixou de lado a conversão dirigida
para optar pela livre fala do paciente (conversão livre) como caminho para a
rememoração e o autoconhecimento. Ao fazer isso, Freud estabeleceu a técnica
que é referência no tratamento analítico.
Ainda que estivesse obtendo bons resultados no tratamento de seus pa-
cientes, Freud se debatia procurando entender o que causava o esquecimento
ou a neutralização das memórias dos eventos traumáticos. A partir dessa
interrogação, ele fez a enorme descoberta do fundamento principal da teoria
psicanalítica: o inconsciente.

Consciente, inconsciente e sublimação


Ao deixar os seus pacientes livres para que falassem e conduzissem as sessões
de análise, Freud percebeu que alguns ficavam estranhamente embaraçados e
retraídos com certos conteúdos lembrados, pensamentos ou imagens surgidas.
Ele percebeu que havia uma força que tentava impedir tais fatos e pensamentos.
A partir dessa evidência, se deu conta da presença de dois elementos que atuam
na origem dos esquecimentos. O primeiro elemento ele nomeou de resistên-
cia (força psíquica que impede a revelação, a tomada de consciência de um

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pensamento). Já o segundo recebeu o nome de repressão. Essa força atua no


sentido de fazer desaparecer a consciência de uma memória, a lembrança de
algo insuportável e doloroso, que pode ser a origem do sintoma do paciente.
A partir dessas considerações, Freud descobriu a existência do inconsciente
como parte do aparelho psíquico.
Segundo a teoria psicanalítica, existe um recipiente intrapsíquico onde
todas as memórias residem. A esse local, Freud chamou de inconsciente. Em
sua tentativa de entender os esquecimentos, atos falhos percebidos nas sessões
de análise, a percepção freudiana foi dirigida para concluir que o inconsciente
do ser humano o conduz em suas escolhas e sentimentos e possui lógica e leis
próprias de funcionamento.

O que é o inconsciente?
Após estudos, em seu livro A Interpretação dos Sonhos, Freud apresentou
a sua primeira concepção sobre a estrutura e o funcionamento do aparelho
psíquico, da personalidade. Para ele, há três instâncias psíquicas que formam
o aparelho psíquico, a saber: inconsciente, pré-consciente e consciente. A
seguir, você pode conhecer cada uma delas.

 Consciente: nesse local residem os conteúdos conscientes, as ideias e


os pensamentos mais presentes. Esse é um sistema do aparelho psíquico
em que as informações do mundo externo e interior são recebidas,
pensadas e percebidas.
 Pré-consciente: nessa instância estão os conteúdos acessíveis à cons-
ciência, mas que podem ou não estar nela, e isso sem um esforço
muito grande por parte do indivíduo. Essa parte do sistema psíquico é
um local intermediário entre os estados de consciência e o estado de
inconsciência.
 Inconsciente: nele estão os conteúdos da memória, as lembranças
boas e ruins, isto é, fatos ou lembranças de episódios não conscientes.
Freud definiu o inconsciente como o sistema em que estão agrupados
os conteúdos não presentes na consciência. É lá que residem os con-
teúdos reprimidos que são impedidos de chegar à consciência. Isso
acontece devido à ação da censura de mecanismos de defesa internos.
Freud salienta que o inconsciente é uma parte do sistema psíquico que
é dirigida por leis próprias de funcionamento, não estando limitada
à concepção de tempo. No inconsciente, não há a noção de passado
e presente.

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Id, ego e superego


Posteriormente, entre 1920 e 1923, aperfeiçoando sua descoberta, Freud con-
cebeu uma segunda teoria ao afirmar que o aparelho psíquico é composto de
três componentes especiais. Ao fazer isso, ele introduziu os conceitos de id,
ego e superego. Veja a seguir.

 Id: para Freud, o id deve ser concebido como um reservatório de ener-


gias psíquicas, lugar de onde emanam as pulsões de vida (Eros) e de
morte (Tânato). O id é o componente arcaico e inconsciente de energias
mentais (psique) que dinamizam o comportamento humano. Do id vêm
os impulsos cegos e impessoais devotados à satisfação pessoal. Esse
componente não consegue perceber os limites de suas ações. Ele é o
mais inconsciente dos três componentes. Está na parte mais profunda
do aparelho psíquico.
 Ego: esse componente exerce o controle das experiências conscientes
e regula as ações entre a pessoa e o meio. Ele ocupa a posição de um
centro de referência para todas as atividades psíquicas e qualidades
egocêntricas. Além disso, procura sempre a autopreservação do or-
ganismo. É por meio do ego que as pessoas aprendem tudo sobre a
realidade externa e orientam o seu comportamento no sentido de evitar
os estados dolorosos, as ansiedades e as punições. No tocante às suas
funções básicas, o ego é responsável pela memória, pelos sentimentos,
pelos pensamentos, pela repressão, etc.
 Superego: para Freud, o superego é o representante de uma natureza
superior do “eu”. Ele atua com a finalidade de que sejam evitadas as
punições e as transgressões. Também é responsável por fomentar as
ideias moralmente aceitas. Ainda segundo a teoria freudiana, o ego
origina-se com o complexo de Édipo, a partir da internalização das
proibições, dos limites e da autoridade. Como suas funções básicas,
você pode considerar a criação da culpa, do sentimento de inferioridade,
da virtude, da equação mágica entre o desejo e a ação e da necessidade
inconsciente de punição.

Na concepção da psicanálise, esses três sistemas não estão vazios. Ao


contrário, são habitados pelos conteúdos oriundos de experiências pessoais
e particulares, que consecutivamente descrevem as pessoas enquanto seres
sociais. É por isso que, na teoria psicanalítica, para se entender um indivíduo, é

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necessário resgatar a sua história pregressa, os conteúdos de suas experiências


vividas no passado (BOCK et al., 2002).

Os três componentes básicos do sistema psíquico (id, ego e superego) encontram-se


permanentemente empenhados numa interação que é uma batalha constante. O id
busca uma satisfação irracional, o ego procura ajustar as exigências e impulsos do
id ao mundo da realidade e o superego tenta reprimir ou apoiar o impulso que for
moral e socialmente reprovável ou louvável. A ação conflituosa em excesso desses
três componentes do aparelho psíquico pode resultar no aparecimento das neuroses,
dos desconfortos psicológicos e das doenças psicossomáticas.

Sublimação
Como você já viu, no inconsciente do ser humano existe uma força interna que
conspira para que os desejos sejam realizados sem que existam os sentimentos
de culpa, de desprazer. Essa força busca a tranquilização da consciência.
Freud a chamou de mecanismo de defesa. Como o nome já aponta, esse
mecanismo busca aliviar o conflito, negando ou falsificando a realidade. Ele é
um instinto mantenedor da satisfação interior. Na concepção psicanalítica, em
grande parte das vezes, quando atuam, esses mecanismos procuram defender
o autoconceito da pessoa, podendo, por isso, impedir o desenvolvimento sadio
da personalidade.
Entre os mecanismos de defesa mais estudados por Freud, está a sublimação.
Esse é um instinto/pulsão forte que possibilita a transformação de impulsos
indesejados em algo menos danoso. Esse instinto permite que conteúdos que
não podem ser expressos de forma direta pela pessoa, por serem violentos ou
repulsivos, sejam manifestos na vida em sociedade por meio de atividades
intelectuais, artísticas, religiosas, de atos que beneficiem a organização social
em vez de prejudicá-la. Disso se pode deduzir que talvez a arte de Leonardo
da Vinci e a música de Beethoven sejam resultados da sublimação de seus
desejos frustrados ou emoções tumultuosas. Como você pode perceber, a
sublimação pode ser tida como um importante instrumento de apaziguamento
e de manutenção da ordem social. Sem ela, a convivência social poderia ser
muito perigosa e difícil.

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8 O nascimento da psicanálise

No link a seguir, você pode assistir a um vídeo do psicanalista Christian Dunker em


que ele fornece informações sobre a sublimação e explica como ela é compreendida
atualmente pela psicanálise.

https://goo.gl/GQGxDT

Relação entre psicanálise, sociedade e cultura


A psicanálise é uma teoria social nascida entre o final do século XIX e o início
do século XX. Portanto, ela procurou oferecer respostas aos problemas experien-
ciados por pessoas que viviam conflitos psíquicos agravados pelas circunstâncias
históricas sociais, políticas, econômicas e culturais emergentes. Freud buscou a
todo momento entender o seu mundo a partir da compreensão do ser humano
em sua parte mais íntima, que é o inconsciente. Ele sabia o quanto a realidade,
as pressões e as exigências cotidianas incidem sobre a vida psíquica dos sujeitos
e sobre a sua racionalidade.
Ao fazer esse trajeto, a psicanálise apontou para a necessidade de se constru-
írem espaços em que a liberdade e a individualidade fossem levadas a sério. A
busca pela liberdade e pela emancipação do ser humano leva à reafirmação das
potencialidades do homem. A proposta de Freud de um ser humano mais autônomo
e livre — ou pelo menos mais consciente da existência das amarras sufocantes
dos complexos da moral — possibilita o surgimento de uma organização social
menos opressora.
Para a psicanálise, o ser humano consciente de si mesmo tem mais facilidade
de lidar com o sofrimento, com as ausências. Reafirmando essa concepção, Bock
et al. (2002, p. 80) reitera que a finalidade da psicanálise, enquanto trabalho inves-
tigativo de autoconhecimento, consiste em “[...] criar mecanismos de superação
das dificuldades, dos conflitos e dos submetimentos em direção a uma produção
humana mais autônoma, criativa e gratificante de cada indivíduo, dos grupos,
das instituições [...]”.
Não há como negar a influência e a importância dos conceitos de Freud na
organização das sociedades contemporâneas e na cultura que embala a vida de
todo o Ocidente. A grande contribuição oferecida às ciências, à arte, à literatura e
à cultura em geral reside na descoberta do inconsciente. A partir dele, uma nova
compreensão de ser humano emerge, diferente da postulada até então pela filosofia

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moderna, com o seu acento exacerbado na possibilidade de plena autonomia


humana fundada na razão.
O ser humano moderno era descrito como uma máquina, sem sentimento, frio.
Os postulados freudianos abalam essa concepção ao propor que o ser humano não
é tão dono de seus caminhos. A psicanálise demonstra a existência de um outro
“eu” dentro do homem, que inconscientemente o dirige, demonstrando que o ser
humano precisa ter um olhar mais verdadeiro sobre si mesmo. Na compreensão
de Mendes (2006), quando Freud deu ao inconsciente um status de “alteridade
radical”, por ter suas próprias leis e lógica e não depender da razão cartesiana,
ele se mostrou marcado pela genialidade ao mesmo tempo em que se apresentou
como um bom construtor da nova cultura emergente.
A descoberta do inconsciente e a sua descrição tiveram impacto direto sobre
alguns pressupostos da religião e da organização da sociedade, evidenciando a
força dos conteúdos imaginados e a criação da ilusão. O ser humano concebido pela
psicanálise necessita estar em relacionamento saudável para manter-se produtivo e
ativo. Sua racionalidade depende das condições externas que incidem sobre a sua
realidade interior e as suas disposições mais caras. Daí a importância do outro,
do estar em interdependência, de uma vivência mais livre, menos repressora,
mais criativa.
Outro elemento importante é a contribuição da psicanálise ao estudo da neuro-
ciência e à própria educação, bem como à arte, conforme salienta Mendes (2006,
documento on-line):

A influência claramente assumida dos seus conceitos por movimentos artísticos


como o surrealismo nas artes plásticas e no cinema, com nomes como Salvador
Dalí, André Breton, Luís Buñuel, entre outros, com seu arrojo crítico ativo e
desconstrução das convenções, desconcertou o próprio Freud, ele mesmo um
burguês comportado, herdeiro da época vitoriana em sua vida pessoal.

Outro legado da psicanálise que evidencia seu enraizamento na cultura atual


é a sua ênfase na subjetividade, bem como a noção de que as diferenças são algo
importante para a organização das sociedades. A psicanálise faz parte dos grandes
movimentos que iluminaram e possibilitaram a existência do cenário atual, mais
aberto para as minorias étnicas, para a liberdade das mulheres e o seu consequente
empoderamento, para a abertura e a aceitação da sexualidade feminina ativa e
para a diversidade sexual.
A partir da análise do caminhar histórico da cultura, percebe-se que a psica-
nálise, que transgrediu as fronteiras entre o normal e o patológico, transformou-se
numa psicologia geral. Ela invadiu todo o terreno da história humana: a arte, a

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religião, a filosofia, a antropologia, etc. Em síntese, o entrelaçamento da psicanálise


com a realidade atual é tão grande que já não é possível pensar um mundo sem
os jargões e conceitos freudianos. Não há possibilidade de ler e compreender o
ser humano e suas manifestações, tanto culturais como religiosas, sem levar em
consideração os enunciados freudianos sobre o inconsciente. Como você viu, é do
inconsciente que emanam os desejos e os impulsos que dirigem as escolhas e os
sentimentos do ser humano. É nele que o sujeito se encontra e se revela plenamente.

Leia o artigo de Anita C. Azevedo “Subjetividade e Cultura: a contribuição da psicanálise


ao debate”, disponível no link a seguir.

https://goo.gl/WecDWw

BOCK, A. M. B. et.al. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. reform.
e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.
HURDING, R. F. A árvore da cura: fundamentos psicológicos e bíblicos para aconselha-
mento cristão e cuidado pastoral. São Paulo: Vida Nova, 1995.
MENDES, E. R. P. Sigmund Freud e as interseções entre psicanálise e cultura. Reverso,
Belo Horizonte, v. 28, n. 53, p. 23-28, set. 2006. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.
org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-73952006000100004>. Acesso em: 30
nov. 2018.

Leituras recomendadas
AZEVEDO, A. C. Subjetividade e cultura: a contribuição da psicanálise ao debate. [2010].
Disponível em: <http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalhos_encomendados/
GT20/TE%20-%20GT20%20-%20Anita%20A.Resende.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2018.
QUINODOZ, J.-M. Ler Freud: guia de leitura da obra de S. Freud. Porto Alegre: Artmed,
2007.
ZIMERMAN, D. E. Psicanálise em perguntas e respostas: verdade, mitos e tabus. Porto
Alegre: Artmed, 2005.

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Nome do arquivo:
C10_O_nascimento_psicanalise_FINAL_20211130145531742634.pdf
Data de vinculação ao processo: 30/11/2021 14:55
Processo: 514460

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