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CAMPUS ARAPIRACA
UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
Banca Examinadora
Dedicamos este trabalho a todas as pessoas
que, por circunstâncias da vida, foram
suprimidas em sua subjetividade, tornando o
contato consigo e com o mundo pouco
satisfatório, em especial aquelas com as quais
nos encontramos.
AGRADECIMENTOS
À minha querida amiga e parceira de trabalho Maria do Socorro, que com sua enorme
generosidade e paciência partilhou comigo seus conhecimentos e experiências nesses cinco
anos de caminhada, bem como na produção desse trabalho de conclusão de curso. Muito
obrigada por compreender minhas limitações, por todo apoio e por ser para mim fonte de
inspiração. Você estará sempre em meu coração. Muito obrigada por tudo.
Ao meu esposo Sandro Moreira, por todo amor, apoio e paciência, por me incentivar a
seguir em frente e tornar possível essa conquista.
Ao meu filho Vinícius Castro, que com motivação e amor foi meu maior incentivador,
contribuindo e ajudando em minhas dificuldades. Muito obrigada por sua dedicação e por ser
luz em minha vida.
Agradeço aos meus pais Luiz e Zélia por confiarem em mim, às minhas irmãs Cida e
Sônia, à minha amiga e irmã de coração Maria Vieira, e às minhas sobrinhas Eliana, Claudina,
Jéssica, Bárbara, Maria Alice e Maria Alícia, por acreditarem que eu seria capaz de realizar o
meu sonho. O afeto de vocês foi fundamental.
Quero agradecer ao meu amado irmão David, que ao longo desses anos tem
contribuído com seu carinho, me presenteando com “mimos”. Obrigada querido pelo seu
amor.
À minha vozinha Dorcelina, no auge dos seus 101 anos, que por muitas vezes em seu
colo acariciou e afagou minha cabeça. Às tias Zefa e Cida, que me acolheram quando eu
precisava de descanso e alimento. Muito obrigada pelo conforto a mim proporcionado.
À nossa orientadora Fernanda Simião, pela dedicação, pela compreensão e pela ajuda
na construção do nosso trabalho.
Por fim, agradeço a todos que de algum modo, contribuíram para a realização do
sonho de me tornar psicóloga.
AGRADECIMENTOS
Com imensa alegria e alívio finalizo essa etapa da minha vida, pela qual me
comprometi e me dediquei da melhor forma possível. Tenho a plena certeza de que sou
privilegiada por ter ao meu lado pessoas que me incentivaram e me fizeram persistir na
realização deste sonho, que se transformou em uma grande conquista e, chegando a este
momento, nada mais justo do que expressar a minha gratidão a cada uma delas.
Ao meu marido e companheiro, Júnior, por ter sido o meu maior incentivador nesta
caminhada, acreditando em mim quando eu mesma não acreditava, escutando-me e
amparando-me nos momentos mais difíceis, sendo o meu lugar de aconchego e segurança.
Aos meus dois filhos, Gabriel e Miguel, por todos os dias renovarem minha vontade
de viver e a cada momento de convivência me ajudarem a ser uma mãe suficientemente boa,
algo incrivelmente difícil, se não, impossível. Saibam que eu os amo profundamente.
À minha querida amiga e parceira de tantos trabalhos, além deste, Luzia Castro, que
desde o início me apoiou e compartilhou comigo momentos bons, desafiadores e difíceis.
Obrigada por confiar em mim, por seu acolhimento, carinho e consideração.
Aos meus pais, Bernadete e Gilberto, que me deram a vida e que, mesmo não sabendo
ao certo como expressar em palavras, sei que me amam e que sentem orgulho de mim, pois
demonstram isso em suas preocupações e cuidados.
À minha querida e fiel amiga de infância, Meire, por sempre acreditar que eu poderia
ser mais, sendo aquela que mesmo em momentos de distanciamento nunca se esqueceu de
mim.
Às minhas queridas amigas que encontrei durante a graduação: Brenda, Carol, Yara,
Emille, Débora, Maria, Ludmyla, Tamiris, Franciele e Amanda. Todas vocês são incríveis,
cada uma à sua maneira. Obrigada pelo acolhimento, consideração e carinho de sempre, por
terem dividido comigo alegrias e tristezas, momentos que me ajudaram e me encorajaram ao
longo destes anos de graduação. Que nossos caminhos continuem se entrelaçando.
Sou grata às professoras e aos professores que tive o prazer de encontrar, os quais
contribuíram para tornar este momento possível. Obrigada pelo comprometimento com esta
profissão que é tão importante para o desenvolvimento humano.
Agradeço às minhas supervisoras de estágio Tathina Lúcio Braga Netto e Isana Maria
Barros Amorim pelos conhecimentos e experiências compartilhados.
À bibliotecária, Kassandra Kallyna, por suas dicas tão valiosas sobre a ABNT, e por
sua dedicação e comprometimento na realização do seu trabalho.
Não poderia deixar de lado as duas criaturinhas mais fofas, travessas e interativas, a
seu modo, Eva e Frajolinha, por trazerem leveza e alegria às nossas vidas e por me
proporcionarem companhias (des)interessadas em vários momentos de reclusão acadêmica.
Enfim, a todos que, de alguma forma, torceram por mim e contribuíram com a minha
caminhada.
A impermanência é a virtude da realidade.
Exatamente como as quatro estações, sempre em
contínuo fluxo – o inverno transformando-se
em primavera e o verão em outono.
Assim, como o dia torna-se noite,
a luz torna-se escuridão
e luz mais uma vez – da mesma forma,
tudo se transforma constantemente.
A impermanência é a essência de tudo. [...].
Impermanência é encontrar-se e separar-se.
Pema Chodron
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo geral desvelar a compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia,
buscando reconfigurar o olhar sobre os aspectos adoecidos, restritivos ou disfuncionais da existência
humana, indo ao encontro da sua totalidade singular. Para isso, buscamos, através dos objetivos
específicos, inicialmente, apresentar o processo de desenvolvimento e reformulação do
Psicodiagnóstico, sua conceituação terminológica atualizada e a sua operacionalização interventiva;
para, em seguida, explanar acerca da Gestalt-Terapia, contemplando sua compreensão de homem e
mundo; e, por fim, evidenciar as especificidades desta abordagem ao empreender sua prática
diagnóstica. Iniciamos conhecendo o Psicodiagnóstico, perpassando pelo seu surgimento,
desenvolvimento, ascensão e declínio. Discorremos sobre a Gestalt-terapia, possibilitando uma
aproximação de suas especificidades filosóficas, teóricas e conceituais. Concernente aos aspectos
metodológicos, configuramos uma pesquisa bibliográfica e qualitativa, na qual realizamos um
levantamento de materiais acerca do tema em tela na plataforma de pesquisa Portal de Periódicos da
CAPES. Para a nossa análise, selecionamos 4 artigos científicos em português, como também
realizamos leituras complementares que contribuíram significativamente para a nossa discussão. O
processo de análise ocorreu a partir do método de análise de conteúdo de Bardin, resultando em 3
categorias de análise: 1) Desvendando o contato e o funcionamento humano saudável; 2) Refletindo
sobre as vicissitudes da vida contemporânea e a dimensão ontológica do contato; e 3) Evidenciando as
concepções psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica em Gestalt-Terapia. Os resultados surgidos
a partir das análises e discussões impactam no entendimento do funcionamento humano considerado
saudável e não saudável para a Gestalt-Terapia, os quais se desvelam pelo construto contato, visto que
é a partir dele que ocorre o processo de ininterrupta integração homem-mundo. Os resultados
evidenciam ainda uma concepção gestáltica de psicopatologia que é caracterizada como relacional,
funcional e processual, sendo compreendida a partir dos bloqueios e da perda do contato. A prática
clínica-diagnóstica gestáltica é sustentada em dois pilares: na valorização e apreensão da realidade
subjetiva-experiencial; e no entrelaçamento entre os recursos diagnósticos favoráveis ao
autodesenvolvimento e uma postura fenomenológica, dialógica e colaborativa por parte dos
envolvidos no processo psicoterapêutico, que é configurado como uma totalidade na qual se encontra
inserto o pensamento diagnóstico gestáltico. Este trabalho proporcionou uma importante reflexão,
especialmente por evidenciar um tema presentificado em nossos contextos e por mostrar a necessidade
de se empreender um saber-fazer sensível, responsável e comprometido com o reconhecimento, a
aceitação e a apreensão de novas situações, experiências ou fenômenos, mesmo que estes não se
encaixem nos padrões já catalogados, mas que certamente refletem as formas singulares da existência,
bem como as condições e vicissitudes do espaço-tempo vivenciado. Por fim, destacamos que esta
leitura é significativa para estudantes, profissionais e familiares-cuidadores que buscam conhecer as
questões explanadas a partir de um outro olhar, que é a compreensão clínica-diagnóstica gestáltica.
This research had as general objective to unveil the diagnostic understanding in Gestalt-Therapy,
seeking to reconfigure the look on the sick, restrictive or dysfunctional aspects of human existence,
going to meet its singular totality. For this, we seek, through the specific objectives, initially, to
present the process of development and reformulation of Psychodiagnosis, its updated terminological
conceptualization and its interventive operationalization; to then explain about Gestalt-Therapy,
contemplating its understanding of man and world; and, finally, to highlight the specificities of this
approach when undertaking its diagnostic practice. We begin by knowing the Psychodiagnosis, going
through its emergence, development, rise and decline. We will discuss Gestalt-therapy, enabling an
approximation of its philosophical, theoretical and conceptual specificities. Regarding methodological
aspects, we set up a bibliographic and qualitative research, in which we conducted a survey of
materials on the subject on screen in the research platform Portal de Periódicos da CAPES. For our
analysis, we selected 4 scientific articles in Portuguese, as well as conducting complementary readings
that contributed significantly to our discussion. The analysis process occurred from Bardin's content
analysis method, resulting in 3 categories of analysis: 1) Unveiling contact and healthy human
functioning; 2) Reflecting on the vicissitudes of contemporary life and the ontological dimension of
contact; and 3) Evidencing the psychopathological conceptions and clinical-diagnostic practice in
Gestalt-Therapy. The results arising from the analyses and discussions impact on the understanding of
human functioning considered healthy and unhealthy for Gestalt-Therapy, which are revealed by the
contact construct, since it is from it that occurs the process of uninterrupted human-world integration.
The results also show a gestaltic conception of psychopathology that is characterized as relational,
functional and procedural, being understood from the blocks and loss of contact. The gestaltic clinical-
diagnostic practice is supported by two pillars: in the valorization and apprehension of the subjective-
experiential reality; and the intertwining between diagnostic resources favorable to self-development
and a phenomenological, dialogical and collaborative posture on the part of those involved in the
psychotherapeutic process, which is configured as a totality in which the diagnostic thinking of Gestalt
is inserted in. This work provided an important reflection, especially for highlighting a theme
presented in our contexts and for showing the need to undertake a sensitive, responsible and
committed know-how with the recognition, acceptance and apprehension of new situations,
experiences or phenomena, even if they do not fit the patterns already catalogued, but that certainly
reflect the singular forms of existence, as well as the conditions and vicissitudes of the space-time
experienced. Finally, we highlight that this reading is significant for students, professionals and
family-caregivers who seek to know the questions explained from another perspective, which is the
gestalt clinical-diagnostic understanding.
1 INTRODUÇÃO 12
REFERÊNCIAS 125
12
1 INTRODUÇÃO
Nesse primeiro contato, entendemos que numa perspectiva gestáltica o homem não
poderia ser encaixado em uma categoria fixa que o rotula como “isso” ou “aquilo”, nem ter
13
sua liberdade de escolha suprimida por direcionamentos alheios à sua percepção, obedecendo
a compreensões generalizantes e reducionistas que, por vezes, aprisionam as possibilidades
diferenciadas e criativas de ser e estar no mundo.
Para a Gestalt-Terapia, isto pode vir a ocorrer pela adesão indiscriminada dos
psicólogos aos manuais e instrumentos técnicos de classificação dos padrões de
comportamentos considerados patológicos ou “anormais”, como é o caso do Código
Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), e do Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), da Associação Americana de
Psiquiatria (APA).
Assim, o interesse de realizar esta pesquisa surgiu diante desse olhar diferenciado da
abordagem gestáltica sobre o homem e o mundo, o que nos mobilizou a aprofundar nosso
estudo desta perspectiva que, já naquele momento inicial, foi considerada totalmente
apropriada para orientar nossa futura prática profissional em Psicologia. Isto porque nossas
experiências e percepções pessoais sobre a existência humana coadunam com a compreensão
de homem e mundo desta abordagem, sendo então incompatíveis a concepções diagnósticas
localizadas em categorias fixas de anormalidade.
Em suma, de acordo com essa autora, são diversas as formas de conceber e realizar um
diagnóstico. A própria Gestalt-Terapia possui uma extensa lista de propostas diagnósticas
(algumas delas foram apresentadas em nosso estudo), umas são mais informais e
colaborativas, outras mais elaboradas e interventivas, mas todas são processuais, já que a
partir do olhar gestáltico o homem é um constante vir a ser.
No que concerne aos aspectos metodológicos, esta pesquisa configura-se como uma
pesquisa bibliográfica, desenvolvida por meio de uma metodologia qualitativa, cujo objetivo
foi realizar um levantamento de produções com conteúdos que abordassem a temática em tela.
Neste sentido, a partir de buscas virtuais realizadas na plataforma de pesquisa Portal de
Periódicos da CAPES, utilizando combinação de descritores relacionados à Psicopatologia e
Gestalt-Terapia, escolhemos 4 artigos científicos em português tendo como critério de seleção
identificar publicações que discutissem conteúdos teóricos e práticos acerca da compreensão
diagnóstica gestáltica.
nossas três categorias de análise, revelando tanto os pontos comuns quanto as nuances
singulares encontradas nas publicações analisadas acerca das formas de contato e de
funcionamento humano, além dos ajustamentos criativos necessários na busca da satisfação
das necessidades, levando em consideração também os aspectos da vida contemporânea que
perpassam a relação homem-mundo. Assim, a partir dessas questões, pudemos discutir sobre
as concepções psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica gestáltica.
Sabe-se que foi na França do século XVIII que o termo diagnostique passou a ser
utilizado na Medicina. Em Saúde Mental, o mesmo é diretamente associado à identificação da
existência de sofrimentos mentais, ou seja, de algum tipo de transtorno psíquico
(DALGALARRONDO, 2008).
conta e a partir destes dois aspectos, ele propôs a realização do exame psicológico como
atividade auxiliar da avaliação pedagógica (CUNHA, 2007).
De acordo com estes autores, o trabalho dos referidos pesquisadores tinha como
objetivo inicial classificar e comparar o desempenho intelectual das crianças em faixas etárias
semelhantes, pois Binet acreditava que ao classificar os diferentes níveis de inteligência
possibilitaria uma maior atenção aos processos de aprendizagem por parte dos educadores.
Segundo Cunha (2007), o final do século XIX e início do século XX foram momentos
que certamente demarcaram as bases para o Psicodiagnóstico. Isto porque, além de Binet e
Simon, houve também o trabalho do cientista, inventor e escritor inglês Francis Galton (1822-
1911), que empreendeu os estudos sobre as diferenças individuais, e a contribuição do
psicólogo americano James M. Cattell (1860-1944), que criou os primeiros testes mentais.
concernente ao nível mental em determinado momento de sua vida, algo que certamente fora
mal interpretado por alguns psicólogos.
Infelizmente, seu posicionamento não foi adotado pelos respectivos trabalhos dos
psicólogos americanos, Henry H. Goddard em 1908, e Lewis Terman no ano de 1916, visto
que, tais psicólogos se apropriaram da Escala Binet-Simon para ser utilizada em contexto
escolar, além de também os utilizarem na identificação e erradicação de pessoas classificadas
com deficiência mental naquele período, sendo então, subjugadas à prática de esterilização
compulsória no intuito de impedir a reprodução de pessoas com as mesmas características
(COLLIN et al., 2012).
Notabilizamos que a prática de esterilização era vinculada aos estudos dos genes
humanos fortemente influenciados pela corrente eugenista, sendo esta, criada em 1883, pelo
referido cientista inglês Francis Galton (1822-1911), cujo propósito se alinhava as novas
descobertas acerca da hereditariedade, com vistas à promoção de uma sociedade de indivíduos
superiores, livres de características consideradas indesejáveis para a sociedade vigente, como
por exemplo, materiais genéticos associados à deficiência, bem como a diferentes
características raciais e étnicas.
Para estas autoras, “[...] o psicólogo agia assim – e ainda age – por carecer de uma
identidade sólida que lhe permita saber quem é e qual é seu verdadeiro trabalho dentro das
ocupações ligadas à saúde mental” (OCAMPO; ARZENO, 2011, p. 6). O que remete a
necessidade de uma compreensão psicológica clínica sobre os processos psicopatológicos
que favoreça ao processo de psicodiagnóstico, bem como ao processo psicoterapêutico como
um todo.
técnicas que privilegiavam as informações trazidas pelo próprio paciente de forma livre e
espontânea como, por exemplo, a Entrevista e os Testes Projetivos, sendo estes últimos,
instrumentos de observação e interpretação subjetivas que são compostos por técnicas que
avaliam além do discurso do paciente, a saber: desenhos e figuras.
Nesse cenário, podemos destacar o teste projetivo criado pelo psiquiatra e psicanalista
suíço, Hermann Rorschach (1884-1922).
Diante disto, estes profissionais, aos poucos, foram valorizando, cada vez mais, o
conhecer da situação no transcorrer do próprio processo terapêutico, e foram valorizando,
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cada vez menos, o atendimento exclusivamente diagnóstico, atuação esta que exigia esforço,
dedicação e comprometimento destes profissionais, mas que já não demonstrava tanta
utilidade e assertividade. Ou seja,
Assim, mediante as várias transformações pelas quais passou desde o seu surgimento,
o Psicodiagnóstico alinhou suas especificidades às visões de diferentes correntes teóricas e
filosóficas (Psicanálise, Humanismo Fenomenologia e Existencialismo e outras), através das
quais vem sendo realizado no contexto clínico, embora, para isso, tenha deixado para trás seu
protagonismo.
Com isto, ressaltamos que o Psicodiagnóstico iniciou sua trajetória com o intuito de
ser o fator enaltecedor do saber fazer psicológico e com tal finalidade buscou, sobretudo,
atingir o rigor científico por meio de uma prática inquestionável, algo que certamente
proporcionou grandes descobertas, reflexões e reformulações teóricas e metodológicas para a
Psicologia científica, que como tantas outras ciências modernas foi tomada pelo desejo de
domínio e conhecimento sobre o homem, o que, por sua vez, gerou também intensa indução à
racionalidade e à objetividade.
Além disso, a perspectiva diagnóstica resgatou o interesse pelo estudo dos processos
mentais, internos, muitas vezes dissociados da realidade humana vivenciada, como se fazia ao
utilizar o método da introspecção na corrente estruturalista entre o fim do século XIX e
meados do século XX, o que pode ser considerado um retrocesso para a prática do psicólogo
(ANCONA-LOPEZ, 2003).
Por outro lado, o que tem ocorrido frequentemente em nossa atualidade é a adesão de
muitos psicólogos aos manuais e instrumentos técnicos classificatórios de comportamentos
considerados “anormais” que são fundamentados no modelo biomédico, como é o caso do
Código Internacional de Doenças (CID), elaborado pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), e do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), elaborado
pela Sociedade Americana de Psiquiatria (APA).
A partir de Yano (2015), compreendemos que esta adesão dos psicólogos aos referidos
manuais e instrumentos acontece pela imensa variedade de definições conceituais e
terminológicas de transtornos psicopatológicos neles expostos, sendo ofertadas explicações
detalhadas do que são consideradas inadequações comportamentais, emocionais e cognitivas,
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as quais são utilizadas como referência para determinar o que é normal e anormal e saudável e
não saudável de acordo com o modelo biomédico.
Dito isto, nos encaminhamos para o término desta seção, frisando que o processo de
desenvolvimento e reformulação do Psicodiagnóstico sofreu influências de pensamentos
teóricos diversos, sendo estes apontados como propulsores da evolução, mudança e integração
deste processo ao campo psicoterápico, visto que foi impelido a adotar um caráter terapêutico
sem perder de vista suas especificidades investigativas.
instrumentos fundamentais para tal prática, pois apresentam certas vantagens que os tornam
insubstituíveis e imprescindíveis, já que possuem padronização, característica esta que dá ao
diagnóstico maior confiabilidade, trazendo à tona aspectos patológicos que estão escondidos e
que a entrevista por si só não teria capacidade de dar conta.
Em contrapartida, Trinca (1983 apud HUTZ, 2016) aponta que a utilização ou não de
testes psicológicos depende do posicionamento teórico do profissional quanto ao processo
clínico de cada pessoa. Já o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP), no teor
de sua Cartilha do ano de 2013, menciona o Psicodiagnóstico como sendo uma das
modalidades de investigação psicológica.
Com isto, buscamos entender quais os aspectos mais importantes para a realização do
processo de Psicodiagnóstico, para tanto, ressaltamos a perspectiva de Hutz (2016, p. 24),
assinalando que: “[...] o que define um Psicodiagnóstico relaciona-se mais ao caráter
investigativo e ao diagnóstico do que a necessidade do uso de determinado tipo de
instrumento de coleta de dados”.
de uma definição consensual sobre o que é o Psicodiagnóstico. Isto porque, para alguns
teóricos, cabe ao Psicodiagnóstico à utilização obrigatória de testes psicológicos, já para
outros teóricos, a utilização destes instrumentos não parece ser necessária e nem viável em
determinados casos.
relatórios, pois tais documentos caracterizam o meio formal indicado para a comunicação do
resultado do processo a quem o tiver solicitado e/ou a quem interessar.
Assim, diante das colocações apresentadas acima e ponderando também sobre o que
anteriormente fora discutido neste presente trabalho acerca da trajetória de constituição,
reformulação e refinamento teórico e metodológico pelo qual passou e ainda passa o
Psicodiagnóstico, entendemos que este, na atualidade, não deve ser considerado como um
procedimento atuante em diferenciações individuais e meramente investigativas a se realizar
amplamente por psicólogos nas mais diversas abordagens psicológicas e nos mais variados
contextos, pois seu alcance limita-se ao âmbito clínico ou psicoterápico, sendo então uma
prática ao mesmo tempo investigativa e interventiva.
Arzeno (2009) e Hutz (2016), entendendo que as visões destas autoras e autores refletem um
conhecimento amplo e dinâmico sobre o Psicodiagnóstico na atualidade.
Ainda segundo esta autora, as demandas podem ser mais objetivas ou mais amplas,
ambíguas e genéricas. Elas são objetivas quando há um norteador para a avaliação, ou seja,
quando há uma questão a ser respondida, como, por exemplo, indicar a existência ou não de
um transtorno. Neste caso, o foco estaria na investigação, identificação e classificação do
problema em si, ou seja, nos sinais e/ou sintomas percebidos. Quanto às demandas mais
amplas, ambíguas e genéricas, comumente são percebidas após o início do processo, pois a
busca seria, por exemplo, não a identificação de um transtorno, mas dos fatores
desencadeantes e mantenedores do problema vivenciado.
Com relação à natureza das alterações em nível quantitativo, busca-se perceber aquelas
de ordem autolimitadas, ou seja, quando há a presença de exagero ou diminuição de um
padrão de comportamento usual da pessoa. Para este nível de avaliação os critérios de
intensidade e/ou persistência da alteração devem ser também ponderados clinicamente, o que
implica dizer que, neste ponto do processo, o olhar clínico busca referência na expectativa
social quanto à percepção de alterações que perturbem ou comprometam negativamente a
rotina da pessoa em seu contexto.
Cunha (2007), Ocampo e Arzeno (2009) e Hutz (2016) apresentam três objetivos
primordiais para o Psicodiagnóstico Interventivo: 1) um diagnóstico diferencial, onde se
pretende distinguir ou diferenciar um diagnóstico de alternativas diagnósticas variadas,
podendo estas apresentarem sinais semelhantes no intuito de possibilitar um melhor
direcionamento do tratamento, caso seja necessário; 2) uma avaliação compreensiva,
ocorrendo de forma global ao considerar o nível de funcionamento da personalidade da pessoa
e seu suporte emocional atual, no sentido de facilitar a indicação de recursos terapêuticos; e,
por fim, 3) um entendimento dinâmico, buscando ultrapassar o objetivo anterior ou inicial
por um nível mais elevado de inferência clínica, considerando, para tanto, a realidade e o
contexto vivenciado pela pessoa avaliada.
1. Marcação do primeiro atendimento por parte da pessoa que será avaliada e/ou dos
interessados na realização do processo psicodiagnóstico, tais como os responsáveis
por essa pessoa;
Embora Perls tenha um maior destaque por ter sido o idealizador desta abordagem,
faz-se necessário ressaltar que durante todo o processo de construção da Gestalt-Terapia, esta
pôde contar com a colaboração dos membros que compunham o denominado Grupo dos
Sete, formado pelos artistas e intelectuais Izadore From, Paul Goodman, Paul Weisz,
Sylvester Estman, Elliot Shapiro, além de Laura Perls (esposa de Perls) e ele próprio (PERLS;
HERFELINE, GOOLDMAN, 1997).
De acordo com Mendonça (2013), esta distinção pode ser entendida pelo
descontentamento apresentado por alguns psicólogos em relação ao domínio ou ao
protagonismo exercido por tais perspectivas em determinado período da história psicológica,
fator este que demandava demasiada concentração de interesses apenas em partes ou aspectos
do ser humano, estabelecendo uma visão limitada e/ou restrita sobre o homem.
pautada numa compreensão dos modos do homem lidar com sua realidade ao vivenciar seu
processo interativo, relacional e de contato com o mundo.
Neste sentido, nos propomos a afirmar a existência de uma íntima articulação entre os
alicerces filosóficos e teóricos, os recursos metodológicos e a concepção de homem da
Gestalt-Terapia, sendo este homem encarado nesta abordagem psicoterapêutica como um ser
ativo e experiencial. Nesse processo interativo, ele é, ao mesmo tempo, tanto um agente de
transformação, como também um ser em constante possibilidade de mudança. Sobre este
processo dialético entre o homem e o mundo e a partir de uma concepção integrada e
relacional em Gestalt-Terapia, Polster (2001, p. 113-14), aponta que
Diante de tal percepção, podemos afirmar que o homem é, entre tantas outras
concepções (que serão explanadas ao longo desta seção), um ser relacional, sendo importante
e inevitável o reconhecimento da existência de uma interdependência e integralidade entre as
dimensões ou aspectos da existência humana como: fatores emocionais, cognitivos, orgânicos,
biológicos, comportamentais, sociais, históricos, culturais, geográficos e espirituais. De
acordo com Aguiar (2015, p. 28, grifos do autor), “o ser humano cresce e desenvolve-se ao
longo do tempo na e a partir da relação: nós existimos em relação, não havendo outra forma
de nos constituirmos que não seja essa”.
Tentar resgatar o ser humano, sem levar em conta que ele é, essencialmente,
corpo-mente-meio ambiente, é desconhecer a verdadeira essência da pessoa
e torná-la inatingível à psicologia e a qualquer forma de psicoterapia
(RIBEIRO, 2016, p. 21).
Ainda sobre a concepção integral do ser humano, Ribeiro (1985) destaca que partes
como a aparência, os comportamentos, as dores, os lamentos, as queixas, os sentimentos,
entre outras, são precedidas em relação ao seu todo. Portanto, não devem ser desconsideradas,
pois tais partes representam a forma escolhida pelo organismo para revelar sua totalidade,
tornando possível a compreensão da complexidade e singularidade da existência humana. O
autor ainda considera que
Deste modo, ainda que o homem possua internamente os recursos para o seu
crescimento, equilíbrio e autorrealização, sendo um agente na modificação dos seus valores,
conceitos, atitudes e comportamentos, bem como no desenvolvimento do seu potencial, esses
recursos só serão desvelados caso haja um clima facilitador que favoreça o desenvolvimento
destes aspectos (LIMA, 2008).
meio do seu agir, pensar e expressar, considerando também suas potencialidades e limitações
(HEIDEGGER apud RIBEIRO, 2012).
Com isto, a perspectiva existencialista nos apresenta uma visão de homem como um
ser-no-mundo, de modo que o homem passa a ser valorizado por sua própria subjetividade,
responsabilidade e liberdade de escolhas, ao mesmo tempo em que se conecta ao mundo,
atribuindo a este um sentido próprio. Assim, a Gestalt-Terapia se apropria dos pressupostos
existencialistas como uma forma de apreender a existência humana mediante a valorização da
sua singularidade ao vivenciar a realidade.
[...] o homem é concebido como um ser livre e responsável por construir sua
própria existência. [...]. Isto significa que o homem surge no mundo como
um ser particular, sem a possibilidade de definição prévia, e somente depois
poderá vir a ser. [...] ele é entendido como um ser livre para escolher sua
essência a cada instante, consumando, assim, seu projeto de vida e de ser no
mundo. Ao fazê-lo, torna-se o único responsável por sua existência.
Ao prosseguirmos com a discussão proposta para esta seção, convém que realizemos
nossa terceira e última reflexão filosófica a partir dos pressupostos da Fenomenologia,
corrente filosófica que surgiu na Alemanha, no final do século XIX, por intermédio da
dedicação dos estudos do filósofo e matemático Edmund Husserl (1883-1969), nascido na
Morávia, pequena cidade da atual República Tcheca.
Destarte, o método fenomenológico criado por Husserl para acessar o fenômeno exige
um grande esforço em suspender todos os valores, preconceitos, teorias, crenças ou
julgamentos baseados em nossos próprios valores e princípios (redução fenomenológica),
para, então, contatar o fenômeno da maneira mais pura possível. Ou seja, é por intermédio da
redução fenomenológica que o fenômeno torna-se um modo de ser e existir em relação com o
mundo, o qual não deve ser reduzido, descrito ou determinado por um único aspecto ou
característica de sua existência, mas em integração ao restante de sua totalidade existencial.
Isto implica dizer que a Fenomenologia e seu método de estudo dos fenômenos
humanos não se resume à proposta de descrever o que se vê, mas de buscar um encontro com
o sentido existencial daquilo que se vê em meio à totalidade humana. Trata-se de uma
perspectiva que se preocupa em desvendar e compreender as essências das vivências pela
busca dos sentidos da experiência cotidiana imediata e pelo manifestar-se da realidade à
consciência humana (LIMA, 2008).
Sobre isto, Rehfeld (2013, p. 30) assinala que: “Sair de uma posição prévia de visão,
de uma rede referencial, para buscar uma nova compreensão já é um fazer fenomenológico e
gestáltico”. Ou seja, a presença genuína e compreensiva do gestalt-terapeuta ao considerar os
sentidos expressados pela pessoa possibilita ao fenômeno um olhar livre de rótulos e
categorias previamente estabelecidos.
Deste modo, daremos continuidade à discussão das bases que fundamentam a Gestalt-
Terapia, evidenciando, neste momento, as principais teorias que contribuíram para a
elaboração deste suporte teórico: a Psicologia da Gestalt, dos respectivos psicólogos Max
Wertheimer (1880-1943), de origem tcheca, o estoniano Wolfgang Kohler (1887-1967) e o
alemão Kurt Koffka (1886-1941); a Teoria de Campo do também psicólogo alemão, Kurt
Lewin (1890-1947); e a Teoria Organísmica do neurologista e psiquiatra alemão, Kurt
Goldstein (1878-1965). No decorrer desta explanação, seguiremos a sequência de
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Ainda segundo esta autora, esta revolução partiu do posicionamento dos três principais
precursores da referida teoria (Wertheimer, Kohler e Koffka) ao afirmarem que a totalidade
do que percebemos é diferente da soma de suas partes. Além disso, eles acreditavam que esta
totalidade não deveria ser percebida de forma dicotômica quanto aos estímulos sensitivos e
perceptivos, mas sim a partir de um processo de integração imediata destes. Posteriormente,
estas afirmações possibilitariam uma inovadora compreensão a respeito dos fenômenos
humanos, considerando a necessidade de perceber o todo como sendo indissociável, não
sendo possível separar os aspectos internos-externos e físicos-psicológicos da vivência
humana.
psicológicos, que foi explicada pela formação de estruturas formais ou objetos da percepção
denominados de gestalten (plural de gestalt), a partir dos quais se destacam os principais
conceitos da Psicologia da Gestalt: parte e todo, figura e fundo e aqui e agora.
O conceito de parte e todo revela a visão totalizante de ser humano, a partir da qual se
compreende que esta totalidade é diferente da soma de suas partes. O conceito de figura e
fundo se refere ao processo contínuo e reversível de formação e transformação de figura, que
ocorre quando algo se destaca em meio à percepção de totalidades, tornando-se figura,
enquanto o restante permanece em segundo plano, sendo o fundo. E o conceito de aqui e
agora representa a relação da pessoa com a realidade como um todo, sendo esta realidade não
concebida pelo passado ou pelo futuro, pois o que é visto e percebido faz parte do momento
presente. Embora o aqui e agora possa conter marcas do passado, estas devem ser
compreendidas a partir da relação com sua vivência atual (RIBEIRO, 2012).
teórico da Gestalt-Terapia discutidas neste trabalho, sendo esta formulada pelo psicólogo
alemão Kurt Lewin (1890-1947). Ele propôs um novo olhar sobre a experiência humana,
buscando uma percepção concreta, singular e integral de homem e mundo, ocorrendo, assim,
um distanciamento da perspectiva classificatória, abstrata e generalizada, próprias do
pensamento psicológico vigente (RODRIGUES, 2013).
Com isto, Ribeiro (2016, p. 83) ressalta a necessidade de atentarmos para o conceito
de campo na perspectiva de Lewin, sendo tal conceito apresentado pela seguinte definição:
Neste sentido, corroborando com Lewin, Ribeiro (1985, p. 95) ainda afirma que “O
comportamento humano deixa de ser entendido apenas como resultado da realidade interna da
pessoa e passa a ser analisado em função do campo que existe no momento em que ocorre”,
isto é, passam a ser considerados também todos os aspectos externos que possam influenciar
direta ou indiretamente este comportamento.
Dessa forma, a Teoria de Campo destaca-se com uma linha de pensamento teórico que
percebe o ser humano como um ser singular, integral e relacional e em constante e amplo
contato com o meio, características estas que deram consistência à concepção de homem e
mundo da Gestalt-Terapia. Todavia, é importante ressaltar que a proposta de Lewin vai além
de uma reflexão teórica, pois se configura como um método que busca a compreensão das
50
vivências singulares, tendo como ponto central a descrição do campo psicológico, ou seja, do
contexto situacional emergente, articulados e implicados às experiências passadas e às
possibilidades de vivências futuras.
[...] Lewin alude ao fato de que sua teoria procura descrever o que acontece
não apenas no que se refere a uma objetividade fisicalista, mas levando em
conta que o importante é como o indivíduo experiencia o que acontece no
momento considerado. [...] Uma vez que é o aspecto psicológico que deve
ser considerado, é preciso aceitá-lo conforme a pessoa o percebe, ou seja,
fenomenologicamente. Assim, qualquer aspecto particular focalizado deverá
levar em conta a relação com a totalidade – aquilo que em psicologia da
Gestalt e em Gestalt-Terapia se chama relação figura/fundo.
Nesta perspectiva, de acordo com Rodrigues (2013), tais particularidades nem sempre
se mostram compreensíveis apenas no pensar e no falar, visto que podem ocorrer distorções
diante da complexidade existencial, sendo estas distorções, muitas vezes, produzidas pela
resistência da própria pessoa em perceber seu modo de experienciar a si e ao mundo e de
perceber e vivenciar sua existência.
51
[...] uma unidade interacional na qual dentro e fora são meras abstrações,
dando-se a autorregulação no entre, como um fenômeno de fronteira.
Segundo essa visão, o ser humano não só deve ser compreendido como um
sistema biopsicossocial, no qual mente/corpo e a interação com o meio – seja
este físico, cultural ou social – estão em permanente intercâmbio e compõem
uma totalidade em busca de autorregulação, como é impossível pensá-lo
isoladamente, pois somos criadores e criaturas ativas no processo de
transformação do universo. Holisticamente, não é correto dizer que o ser
humano está inserido na natureza; ele é, em si, manifestação da natureza.
consequentemente suprir suas necessidades emergenciais, isto é, “sem frustração não existe
necessidade, não existe razão para mobilizar os próprios recursos, para descobrir a própria
capacidade” (p. 50).
Tendo esse conceito como base, a Gestalt-Terapia evidencia o caráter criativo do ser
humano ao buscar o seu equilíbrio organísmico como forma de ser e de se realizar no mundo.
Assim, a criatividade assegura formas e possibilidades do homem se expressar e de agir num
processo dinâmico e relacional, podendo ocorrer a transformação de si e do seu campo.
Ao falar sobre o potencial criativo do homem, Lima (2014, p. 92) destaca que
Ainda nesta perspectiva, Ribeiro (1985) considera que a relação entre os princípios da
Teoria Organísmica e os da Gestalt-Terapia são bem claros, precisamente quando se referem à
compreensão positiva do homem diante do processo de autorregulação e de busca do
equilíbrio organísmico, “onde sua energia de vida se transforma na expressão clara de sua
atualização” (p. 108). Destarte, compreendemos que a Gestalt-Terapia reconhece que esse
processo visa à tentativa de satisfazer as necessidades do organismo, atuando, sempre que
possível, de forma espontânea e singular.
Ressaltamos que a escolha de tais conceitos condiz com a relevância que estes
representam para o entendimento de nossa temática de estudo, que é a compreensão do
processo de psicodiagnóstico sob o olhar da Gestalt-Terapia. Além disso, consideramos que o
desvelar destes e de outros conceitos possibilita também o reconhecimento de um vasto e
sólido campo de sustentação teórica da abordagem gestáltica, que busca alinhar cada um
destes conceitos à sua visão de homem e mundo, visando à construção de uma prática
psicológica coerente e consistente.
Com isto, evidenciamos a fronteira de contato, conceito que, segundo D’acri (2014),
representa o lugar onde ocorrem as interações entre as funções de contato e o ambiente. Ou
seja, é um espaço onde a experiência do contato acontece de fato, onde o homem, em seu
campo psicológico, pode selecionar, experimentar, rejeitar, assimilar, aproximar-se ou
distanciar-se das coisas, pessoas e situações presentes em seu meio.
desse outro, pois o outro é o não eu, o diferente, o novo, o que provoca
estranheza – e, quando se entra em contato com esse outro na fronteira, algo
é assimilado e ambos crescem (D’ACRI, 2014, p. 35).
Neste sentido, Perls (apud ALVIM, 2014), revela que a proposta terapêutica da
Gestalt-Terapia implica na retomada dos conteúdos cristalizados da vivência humana, sendo o
contato processual e relacional a via de acesso às formas fixas de ser e estar no mundo, que,
embora tenham feito sentido em outro momento da vida, na atualidade já não possibilitam a
satisfação das necessidades. Segundo o referido autor, tais formas podem ser evidenciadas por
meio do um fluxo de configuração (gestalten) que se destaca no campo psicológico, revelando
a singularidade do contato e possibilitando a ampliação da consciência (awareness) pela
reconexão emocional do homem consigo e com o mundo ao considerar os sentidos da
experiência humana em cada instante vivenciado.
Diante disto, Alvim (2014, p. 28-29, grifos do autor) ressalta que a proposta da
Gestalt-Terapia é
organismo encontra em seus recursos internos e externos a melhor forma para se ajustar às
circunstâncias de sua realidade e lidar com as adversidades da vida (CARDELLA, 2014).
Frazão (2015) aponta que o ajustamento criativo pode ser considerado como saudável-
funcional ou não saudável-disfuncional. O primeiro se caracteriza pela habilidade que uma
pessoa desenvolve para de se relacionar criativamente com o ambiente, tendo em vista a
satisfação das necessidades emergentes, ao mesmo tempo em que mantem uma relação de
respeito com o outro. Já o segundo é entendido por esta autora como
Ressaltamos que o objetivo geral desse estudo foi desvelar a compreensão diagnóstica
em Gestalt-Terapia, buscando reconfigurar o olhar sobre os aspectos adoecidos, restritivos ou
disfuncionais da existência humana, indo ao encontro de sua totalidade singular. Para isso,
nossos objetivos específicos foram: apresentar o processo de desenvolvimento e reformulação
do Psicodiagnóstico, sua conceituação terminológica atualizada e a sua operacionalização
interventiva (primeiro capítulo); para, em seguida, explanar acerca da Gestalt-Terapia,
contemplando sua compreensão de homem e mundo (segundo capítulo); e, por fim, evidenciar
as especificidades da Gestalt-Terapia ao entender e empreender sua prática clínica-diagnóstica
(quarto capítulo).
Estas produções, juntamente ao trabalho de outros dois autores com os quais entramos
em contato ao longo do curso, a saber, Canguilhem (2002) e Lipovetsky (2007), culminaram
no fechamento do material selecionado para a análise desta pesquisa, totalizando um contíguo
de 11 produções que serão apresentadas logo mais adiante: 4 artigos científicos em
português, 5 livros e 2 capítulos de livros.
Diante disto, buscamos, neste estudo, por meio da análise de materiais bibliográficos,
desvelar as nuances do que foi observado e descrito nestes, com o intuito de identificar
percepções e formas de compreender e atribuir sentidos à temática desse trabalho.
tanto, pode-se utilizar de livros, artigos científicos, discursos, filmagens, revistas e outras
fontes que possam contribuir para a fundamentação e condução da análise do estudo, bem
como atingir um conhecimento mais abrangente sobre a temática investigada, possibilitando,
assim, o alcance dos objetivos da pesquisa com especial dedicação à discussão empreendida
(MARCONI; LAKATOS, 2008).
No que concerne aos caminhos metodológicos desta pesquisa, as buscas por material
científico para a análise foram realizadas entre os dias 17 e 19 de abril de 2018 na plataforma
de pesquisa Portal de Periódicos da CAPES. Salientamos que a escolha desta plataforma se
explica pelo reconhecimento do elevado nível do material ali disponibilizado. Isto porque tal
plataforma se caracteriza como um espaço virtual que possibilita a democratização do acesso
à informação científica, possuindo, para tanto, um dos melhores acervos acadêmicos e
científicos em nível internacional.
• Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia;
• Psicopatologia e Gestalt-Terapia;
• Psicopatologia e Diagnóstico Fenomenológico;
• Psicopatologia e Abordagem Gestáltica.
Após esse processo de agrupamento dos descritores e o início das buscas pelo material
científico a ser analisado, estabelecemos nosso critério inicial de seleção: selecionar apenas
as publicações em formato de artigo científico em português que apresentassem em seu título
e resumo três ou quatro dos conceitos relacionados às referidas combinações de descritores
definidas para esta pesquisa. Com isto, foram excluídas todas as outras publicações que não
condiziam com tais especificidades, possibilitando, desta forma, um refinamento dos
conteúdos relevantes à nossa temática.
“Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia” 3
“Psicopatologia e Gestalt-Terapia” 24
TOTAL 67
A partir deste novo critério, buscamos garantir a seleção do material que apresentasse
uma maior relação com a proposta do nosso estudo, resultando, assim, na redução do número
de publicações selecionadas previamente para apenas 4 artigos científicos em português,
visto que estes disponibilizavam um conteúdo significativo para a compreensão da
74
Já os outros dois artigos científicos (terceiro e quarto) realizam uma discussão acerca
da concepção de psicopatologia por intermédio de práticas ou experiências clínicas
psicológicas concretas, considerando, para tanto, a concepção de psicopatologia tanto na
abordagem gestáltica, quanto na perspectiva fenomenológica-existencial, que, como
apresentado anteriormente, são dimensões filosóficas e metodológicas de base da Gestalt-
Terapia.
1
Esclarecemos que o título, o resumo e as palavras-chave mencionadas no quadro foram elaborados
pelos autores de cada artigo científico.
75
O destaque dado a estes autores se explica pela forma como se posicionam diante do
desenvolvimento humano, do funcionamento saudável e não saudável, dos conceitos de
normal e anormal ou patológico, da contemporaneidade, do pensamento diagnóstico, do
processo psicoterapêutico e das demais discussões que integram as dimensões biológica,
psicológica, filosófica, sociológica, antropológica, cultural, histórica, política, econômica,
entre outras; ou seja, discussões que poderão contribuir expressivamente com a nossa
proposta de estudo.
Nossa intenção ao expormos estes autores foi apresentar aos leitores fontes seguras de
pesquisa e conhecimento sobre a temática em questão, o que poderá auxiliar na produção de
futuras publicações com a perspectiva de impulsionar um maior aproveitamento dos
construtos teóricos da Gestalt-Terapia, possibilitando um maior entrelaçamento entre o saber
e o fazer desta abordagem.
informações de cada uma dessas sete produções: o número escolhido para cada uma, o título,
o resumo (retirado da própria obra), o/a autor/a e o ano de publicação (utilizado como critério
de ordenação). Destarte, em nossas discussões, utilizaremos o número escolhido para cada
produção (5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11) para nos referirmos a elas.
Com esse desígnio, tais obras foram ponderadas a partir das suas sinopses e dos seus
sumários visando à identificação de capítulos que se relacionassem aos temas em estudo nessa
pesquisa. Destarte, organizamos e analisamos esses materiais, realizando leituras na íntegra,
fichamentos e a identificação dos subtemas ou elementos mencionados em nosso processo de
análise para seguirmos com as nossas inferências, na expectativa de que a articulação entre
todos os materiais aqui apresentados proceda ao desvelamento das nuances das discussões e
dos resultados desta pesquisa.
Para Câmara (2013), este método científico se caracteriza pela finalidade de auxiliar
na compreensão dos significados contidos nos discursos, falas, mensagens ou em qualquer
comunicação (oral, visual, gestual), sendo utilizado, para tanto, procedimentos de descrição,
inferência e interpretação de conteúdo.
Neste sentido, a análise de conteúdo é descrita por Bardin (2011, p. 47) como sendo
Em conformidade a essa descrição, Minayo (2013, p. 84) observa que “[...] através da
análise de conteúdo, podemos caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos
manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado”. Ou seja, trata-se de um
instrumento que em nível qualitativo desvenda e busca um aprofundamento nas
características, estruturas ou modelos que estão implícitos nas formas de se comunicar ao
retratar a realidade experienciada.
Ao falar sobre a análise de conteúdo, Silva (2005) aponta que não se trata de uma
técnica rígida, pois, em seu modo de utilização, pode se adequar a várias situações e formas
83
Desta forma, em um estudo qualitativo em que haja uma análise de dados realizada a
partir da utilização da análise de conteúdo é imprescindível que o pesquisador desempenhe
um trabalho minucioso e aprofundado com o intuito de compreender os significados no
contexto da fala, sendo ultrapassado “o alcance meramente descritivo da mensagem”
(MINAYO, 2006, p. 307).
A referida autora aponta, ainda, que esse primeiro contato com os conteúdos
selecionados, ocorrido na pré-análise, possibilita a apreensão das principais ideias ali
contidas, bem como os seus significados gerais, permitindo, assim, a formulação de hipóteses
e de objetivos de discussão, além da elaboração de indicadores para fundamentar a
interpretação final.
Ao falar sobre esta fase (pré-análise), Campos (2004) ressalta a necessidade de entrar
em contato com diferentes conteúdos para que questões e impressões sejam afloradas, de
modo a transcender a mensagem explícita, ao mesmo tempo em que significados relevantes
para a pesquisa são descobertos, configurando, ao final desta etapa, um corpus representativo
(conjunto de documentos significativos para a pesquisa).
Segundo Chizzotti (2006, p. 98), esta é a fase que possibilita a compreensão crítica do
“conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”. Ou seja, é chegado o
momento em que, a partir dos resultados obtidos nas fases anteriores, o pesquisador poderá,
enfim, inferir suas interpretações sobre todo o conteúdo analisado.
1. A exclusão mútua, princípio que implica a unicidade dos elementos, não devendo
apresentar-se em mais de uma divisão ou categoria;
Fluxo de Contato 1, 2, 3 e 4
Psicopatologias 1, 2, 3 e 4
Ajustamento Criativo 1, 2, 3 e 4
Singularidades 1, 2, 3 e 4
Potencialidades 1, 2, 3 e 4
Contemporaneidade 1
Frisamos que a maneira pela qual ordenamos estas três categorias de análise revela o
caminho que escolhemos trilhar para realizar e concluir nossas reflexões acerca da
87
Este capítulo tem o propósito de nos encaminhar para o término desta pesquisa, sendo,
então, o momento de explanarmos as discussões que darão maior consistência à compreensão
diagnóstica em Gestalt-Terapia. Destarte, identificamos que as características comuns
encontradas nas publicações analisadas dialogam com as especificidades filosóficas, teóricas e
metodológicas do nosso referencial teórico, as quais foram apresentadas no segundo capítulo
deste estudo.
[...] diferenciação e troca entre “eu” e “não eu”, que implica numa
consciência ampla de “si mesmo” e do “outro”, mobilização em busca da
satisfação mútua, através da criação de estratégias, pelas quais ambas se
modificam, adequando-se um ao outro.
cada forma de contato, em cada forma de existência humana (ajustamento criativo), sem que
haja a sujeição de uma pela sobreposição da outra.
Sendo assim, resgatamos um pouco mais do artigo 2 evidenciando uma colocação dos
seus autores, que influenciados pelos posicionamentos de Perls (2002 apud MELO, BORIS,
STOLTENBORG, 2009, p. 136) apontam ser: “[...] no modo de contatar a si mesmo e ao
mundo que se configura o campo homem-mundo, que nos informa e, ao mesmo tempo,
informamos o que é ser sujeito”.
responder por suas ações (função ego) no mundo de maneira singular (função personalidade).
Os sistemas integrativos do self são representados na figura a seguir.
Ainda, segundo Tenório (2012), autora do artigo 3, estas funções são responsáveis
pelas etapas do processo de ajustamento criativo que se dá pela vivência inerente do contato.
Desse modo, ela aponta que
Enquanto “id e ego” são funções de autorregulação, nas quais o self interage
com o meio, em busca da satisfação de suas necessidades, possibilitando
uma consciência vivenciada de “si mesmo”, a “personalidade” é uma função
de seleção, integração, organização e síntese de experiências vivenciadas nas
fronteiras de contato, propiciando o desenvolvimento de uma consciência
representada de self (TENÓRIO, 2012, p. 226, grifos do autor)
enquanto experiencia seus vários e distintos papeis sociais em seu contexto atual, fazendo do
contato um processo de ininterrupta integração homem-mundo e de contínua constituição
humana.
Com este destaque, atentamos para outro ponto em comum identificado entre as
publicações selecionadas e o nosso segundo capítulo, que é a qualidade do contato como
condição elementar para o desenvolvimento e o funcionamento humano saudável. Dito isto,
observamos que, conforme apontado pela autora do artigo 3, o desenvolvimento e o
funcionamento saudável dos sistemas (sensório, motor e cognitivo) que regem a existência
humana “[...] dependem, essencialmente da qualidade da relação, do contato que se estabelece
com o outro desde os primórdios da existência” (TENÓRIO, 2012, p. 225). Assim, “o contato
saudável é [...] compreendido como um contato pleno e dialógico, que proporciona ao sujeito
a experiência de ser respeitado e valorizado pelo “outro” em sua singularidade” (p. 227).
quando perdemos a conexão conosco, ficamos isolados, individualistas, não conseguimos nos
vincular aos outros, enquanto não fizermos nosso próprio vínculo” (p. 64).
Quando estamos face a face com o outro, o que lhe faz face não sou eu, mas
a energia que emana de mim em forma de contato, energia pela qual minha
presença se presentifica para ele, mas com uma condição: se não estou
presente em mim mesmo, não estarei presente para o outro. Contato e
encontro são funções da presença. O que transforma o outro, ou talvez o
cure, é a presença em forma de contato. Quando o outro me sente presente
em mim mesmo, ele se sente presente para mim e talvez para ele mesmo e
então tudo pode acontecer.
posicionado diante de sua realidade, que, por vezes, tem promovido o afastamento de si
mesmo e do outro, sendo este homem “[...] conduzido a autodespistamentos, ilusões e
fabricação artificial de desejos” (p. 62).
Sobre isto, como explanamos no segundo capítulo desta pesquisa, em uma perspectiva
gestáltica, esta autointerrupção do contato entre o homem e sua realidade pode ser
entendida como a vivência do contato com uma awareness rebaixada, propiciando, então, a
97
A contribuição deste autor em nossa reflexão se destaca por sua autêntica concepção
sobre a sociedade contemporânea, a qual ele configura como um transitório estado social e
econômico da atualidade, que está em constante transformação, evidenciando, com isto, a
não estaticidade do homem contemporâneo, que, em sua opinião, segue vivenciando um
radicalismo nos aspectos sociais e culturais, tais como: o hedonismo, o individualismo, o
consumismo, a tecnociência e a globalização. Destarte, para este autor, este homem rendeu-se
à sedução, à futilidade e ao narcisismo, passando “[...] a apreciar os prazeres do instante, a
gozar a felicidade momentânea, a viver para si mesmo” (LIPOVETSKY, 2007, p. 102). Esta
compreensão segue representada na figura a seguir.
Dialogando conosco e com Galli (2009) (autora do artigo 1), e longe de ser um
filósofo que evidencia apenas os pontos negativos da era em que vivemos, Lipovetski (2007)
aponta que a realidade social atual tem o paradoxo como a sua principal característica. Para
ele, a hipermodernidade representa um período em que coexistem: a falta de profundidade
de ideais; o excesso de indiferença coletiva; preocupações excessivas com a própria imagem;
e um individualismo que propicia ao homem organizar e conduzir sua vida livremente e
distanciado das amarras sociais que o prendiam em períodos históricos anteriores. Este
paradoxo é retratado na seguinte figura.
2
O presente transiente é a temporalidade que concretiza a integração da historização existencial
(passado) e das intenções e expectativas futuras à vivência atual (RIBEIRO, 2017).
99
Neste processo, faz-se o uso tanto das novas tecnologias, quanto da diversidade de
ofertas, de interesses e das possibilidades de escolhas para oferecer à sociedade
contemporânea a expectativa de, cada vez mais, satisfazer seus desejos, vendo no
consumismo individualista dos múltiplos produtos e serviços, bem como na lógica dos
excessos, uma forma globalizada de amenizar as frustrações, as ansiedades e prolongar a vida
a qualquer custo.
Refletindo sobre este destaque do autor acerca das condutas humanas contemporâneas,
percebemos uma possível correlação com a vivência de um humanismo antropocêntrico
individualista, como evidenciado por Mendonça (2013) (discussão presente em nosso
segundo capítulo), sendo este humanismo utilizado como referência para as ações humanas
centralizadas prioritariamente em sua própria sobrevivência, tornando-se, contraditoriamente
indiferente à natureza da qual é parte, por não conseguir perceber a conexão indissociável
entre os homens e a natureza, havendo, então, uma interdependência entre a sobrevivência de
todos os seres vivos.
Com isto, o homem contemporâneo rechaça o que não é familiar, o diferente, o que
incomoda, estabelecendo uma sociabilidade controlada e experienciada tanto virtualmente,
quanto presencialmente, quando cada pessoa direciona sua atenção para atividades e
distrações individuais, amplamente possibilitadas e executadas por meio de seus aparelhos
eletrônicos hipermodernos.
Deste modo, para Lipovetsky (2007), as interações nos espaços virtuais são para o
homem contemporâneo, ao mesmo tempo, fonte de autonomia e canal da expressão do vazio.
Isto porque, na atualidade, tais interações expressam, sobretudo, a comunicação instantânea e
3
Estes conceitos abordados por Lipovetski (2007) não serão definidos por nós devido a não
centralidade deles para este trabalho.
102
Em decorrência deste encontro entre os dois autores, nesta análise transitamos por
distintas dimensões da vivência do homem contemporâneo – biológica, psicológica,
sociológica, antropológica, histórica, econômica e política –, trazendo à tona questões
relevantes da vivência concreta no campo homem-mundo, que indiscutivelmente devem ser
consideradas em qualquer investigação científica que envolva a humanidade e/ou suas
demandas.
104
Com isto, frisamos que ao longo destas duas categorias de análises discutidas até o
presente momento, fomos arrebatadas por algumas reflexões, dentre as quais expressaremos a
partir dos seguintes questionamentos:
• Se, como vimos na primeira categoria de análise, a conexão conosco e com nossa
realidade concreta configura fator primordial para o desenvolvimento e o
funcionamento humano saudável, como fica, então, a construção da identidade
humana (contato ontológico) nesta sociedade contemporânea explanada?
• Como pensar em conexão, contato pleno e relações genuínas num mundo
contemporâneo onde a necessidade de controle, de poder, a individualidade e o
distanciamento são as características que se fazem mais expressivas?
• Que sentidos expressam toda esta atual (des)conexão social?
• Que ajustamentos criativos ou formas de contato estamos realizando para lidar com as
pressões sociais, econômicas e políticas vigentes? e
• O que fazer com esta realidade tal qual se apresenta?
Não temos respostas prontas para tais reflexões e questionamentos, sabemos apenas
que a existência humana surge e desvela-se no contato e que este se expressa plenamente pelo
reconhecimento contínuo e consciente das diferenças e pela constituição e aceitação das
formas singulares de experienciar a si e ao mundo, pois compreendemos que há
possibilidades infinitas do viver em um único ser humano.
Por outro lado, ponderamos que cada pessoa deve sentir-se livre para refletir por si
mesma sobre suas relações, e só a partir daí discernir sobre quais formas de contato tem lhe
proporcionado maior crescimento e bem-estar pessoal e social: num encontro face a face
presencial ou em um contato virtual? Embora, seja mais coerente questionar até que ponto
estamos abertos ao encontro autêntico conosco, com o outro e com o mundo, aceitando o
novo, o diferente e a mudança que certamente virá com tal encontro, como aparece na
produção 11, sob a perspectiva de Ribeiro (2017, p. 31, grifos nossos):
É importante frisar que esta prática gestáltica busca distanciar-se de qualquer proposta
psicodiagnóstica direcionada apenas pela dimensão sintomatológica dos processos
psicopatológicos, cujos critérios fundamentais sejam a neutralidade e a objetividade no
entendimento e no tratamento destes processos, como evidenciamos no primeiro capítulo
deste estudo (ANCONA-LOPEZ, 2003).
[...] aquilo que não se inclina nem para a esquerda nem para a direita,
portanto o que se conserva num justo meio-termo; daí derivam dois sentidos:
é normal aquilo que é como deve ser; e é normal, no sentido mais usual da
palavra, o que se encontra na maior parte dos casos de uma espécie
determinada ou o que constitui a média ou o módulo de uma característica
mensurável (p. 95).
Este destaque de Canguilhem (2002) apresenta uma semelhança com o que discutimos
em nosso primeiro capítulo acerca dos critérios adotados nos manuais e instrumentos técnicos
de classificação diagnóstica (CID e DSM), fundamentados no modelo biomédico ao
107
classificar transtornos psicopatológicos, sendo considerados como alguns dos seus critérios:
os estatísticos, os biológicos e/ou fisiológicos e os valorativos (YANO, 2015).
Por conseguinte, esta definição apresentada por Canguilhem sobre o conceito normal
nos aponta também para a existência de um equívoco inserto na definição de tal termo, na
medida em que algo é constatado e ao mesmo tempo valorado por quem o denomina,
favorecendo, então, uma compreensão de que as diferenças físicas e psíquicas sejam
exclusivamente adotadas em sua objetividade, ou seja, como algo totalmente externo às
pessoas que as experienciam. Diante disto, entendemos que esta concepção do conceito
normal não atende às especificidades da clínica psicológica, cuja integridade está
fundamentada na vivência subjetiva.
Saúde e doença não podem ser vistas de forma dicotômica, e sim como parte
de um único processo no qual saúde não é o simples fato de não ter doença ou
vice-versa. Assim, a “doença mental” pode passar a ser pensada como a
construção de “outros modos de existência”, diante da dificuldade de
responder, de maneira “habilidosa”, aos fatos do existir (YHEIA, 2014, p. 24).
Tendo por base essa compreensão, ela afirma que o funcionamento do tipo neurótico
se desvela pela interrupção do contato no campo organismo-meio, sendo uma estratégia do
organismo na “[...] tentativa de minimizar o conflito interno gerado pelas incoerências entre
as experiências vividas (eu dominado) e as representações distorcidas de si mesmo e do
mundo (eu dominador)” (TENÓRIO, 2012, p. 229).
De acordo com Tenório (2012), isto se dá pelo prevalecimento da função id neste tipo
de funcionamento, que em momentos de tensões ocorridas no campo organismo-meio, esta
função garante a mínima satisfação das necessidades emergenciais do organismo ao conservar
comportamentos reativos, automáticos e impulsivos e empregar o menor esforço possível, no
sentido de amenizar as tensões vivenciadas, configurando, assim, uma autorregulação herdada
conservada e pouco criativa.
111
encontrou para fazer com que suas necessidades emerjam ao primeiro plano, assumindo,
então, o poder que julga necessário para satisfazer seus anseios, tendo, assim, “[...] atitudes
ousadas, impulsivas e incoerentes com os valores e normas da sociedade” (TENÓRIO, 2012,
p. 229).
Conforme ela coloca, este tipo de funcionamento é também uma forma desta pessoa se
rebelar contra seu eu dominador, saindo da posição humilhante e sofrida do eu dominado,
ocorrendo, então, uma identificação com o primeiro (dominador) ao reproduzir o
comportamento deste em suas relações interpessoais, “[...] em geral, para não correr o risco de
ser abusado novamente” (TENÓRIO, 2012, p. 231). Assim, segundo a autora,
Diante disto, convém que retomemos o que foi abordado no segundo capítulo para
destacar que um ajustamento criativo funcional confere equilíbrio suficiente para o
organismo-pessoa ordenar tudo o que é e quer ser, enquanto que um ajustamento criativo
disfuncional reflete uma cristalização, fixação, restrição ou rigidez nos modos de contatar a si
e ao mundo, ocorrendo um prolongado desequilíbrio na totalidade do ser pela redução do seu
potencial criativo ao lidar com os conflitos de seu contexto (CARDELLA, 2014; FRAZÃO,
2015).
Destarte, nos inspiramos na produção 11, elaborada por Ribeiro (2017), para
ressaltamos as principais formas de contato dentre as quais em Gestalt-Terapia é possível
compreender o funcionamento humano saudável e não saudável. Isto porque cada uma destas
formas representa um ponto no ciclo de contato pelo qual o homem percebe e experiencia as
energias que o orientam simultaneamente para o contato e para o bloqueio, fato que demanda
um alto grau de cuidado ao se realizar um processo de psicodiagnóstico.
BLOQUEIOS DEFINIÇÕES
“Eu existo nele” (RIBEIRO, 2017, p. 64). Processo manipulativo pelo qual tento
controlar os outros, desejando que sejam como eu quero que sejam. A interação
Proflexão aparece como o fator mobilizador de crescimento diante deste bloqueio de
contato, ocorrendo uma aproximação junto ao outro sem a expectativa de algo
em troca.
“Ele existe em mim” (RIBEIRO, 2017, p. 65). Processo pelo qual a energia que
deveria ser direcionada ao outro retrocede a si, pelo desejo de ser como os outros
querem que eu seja, ou como eles são. Com a ocorrência do contato final –
Retroflexão
fator mobilizador de crescimento – tem-se a mobilização necessária para uma
relação direta e aberta pelo compartilhamento de energia satisfatória com o
outro.
“Eu existo, eles não” (RIBEIRO, 2017, p. 65). Processo caracterizado pela
supervalorização do eu em detrimento do outro. Para tanto, é exercido um rígido
controle sobre o mundo na tentativa de impedir fracassos e prevenir possíveis
Egotismo
surpresas. Tem a satisfação como fator mobilizador de crescimento,
visualizando este crescimento pela apreciação e pelo compartilhamento das
experiências no mundo.
“Nós existimos, eu não” (RIBEIRO, 2017, p. 66). Processo pelo qual no contato
Confluência a pessoa e o ambiente se confundem pela não diferenciação do que é seu e do
que é do outro, fazendo com que valores e atitudes sociais e parentais sejam
obedecidos indiscriminadamente ao buscar uma identificação mútua. A retirada
115
BLOQUEIOS DEFINIÇÕES
ou a separação se destaca como fator mobilizador de crescimento ao permitir
que as diferenças entre si e o outro sejam percebidas e aceitas.
“Nem ele nem eu existimos” (RIBEIRO, 2017, p. 63). Processo pelo qual a
energia do contato é desviada ou desperdiçada, visto que os impulsos internos e
os estímulos ambientais são ignorados ou evitados. A mobilização deste
Deflexão
bloqueio se dá pela awareness – consciência – de si, do mundo e da experiência
a qual se está tentando evitar, sendo esta consciência o seu fator mobilizador de
crescimento.
Sobre estas fases do método fenomenológico, os autores deste artigo apontam que
são ferramentas metodológicas que possibilitam: conhecer o modo de ser-no-mundo do
cliente pelas formas de contato expressadas por este ao longo da vida (descrição
fenomenológica); apreender o sentido da experiência psicopatológica, deixando de lado os
conhecimentos apriorísticos, ou seja, considerando o que é central para a pessoa e não para a
classificação patológica, sendo utilizado, para tanto, questionamentos do tipo: o quê?, como?
e para quê? (redução fenomenológica); e compreender a singularidade existencial do cliente,
trabalhando dialogicamente em uma possível mobilização ou alteração qualitativa da
experiência ou fenômeno investigado (interpretação fenomenológica).
Concordando com esta perspectiva, os autores Costa e Santos Filho (2016) do artigo 4
buscaram empreender um processo clínico-diagnóstico interventivo e colaborativo baseado
numa relação dialógica e fenomenológica ao tratar uma pessoa com diagnóstico psiquiátrico
do tipo psicótico – esquizofrenia. No relato deste caso, eles apontam a necessidade de não
relacionar a vivência disfuncional à uma doença, mas sim à expressão de uma forma
singular de existência, cabendo ao psicoterapeuta compreender a experiência psicopatológica
da esquizofrenia através da própria pessoa.
Segundo tais autores, isto implica ter uma postura terapêutica fenomenológica,
dialógica e criativa que vise promover uma especial atenção à descrição das particularidades
relatadas pela pessoa, bem como possibilitar dar continuidade ao diálogo outrora
interrompido, sendo rejeitados prognósticos pré-estabelecidos para a situação trabalhada,
como apontado por Rehfeld (2013) ao discutir sobre a redução fenomenológica (mencionada
no capítulo 2), além de disponibilizar à pessoa atendida uma presença-escuta humanizada,
horizontal e autêntica.
Neste sentido, Costa e Santos Filho (2016, p. 30), autores do artigo 4, assinalam que
Destarte, vale ressaltar que embora os termos borderline e esquizofrenia tenham sido
destacados como referências clínicas dos atendimentos realizados nas práticas clínicas-
118
diagnósticas gestálticas analisadas (artigos 2 e 4), observamos que esta prática buscou ir além
das explicações e definições atreladas a tais diagnósticos psiquiátricos, sendo, então,
priorizada a valorização e apreensão da realidade subjetiva-experiencial, ou seja, a prática
clínica-diagnóstica gestáltica é orientada pela vivência e pela forma de funcionamento da
pessoa em processo psicoterapêutico.
Com isto, evidenciamos o artigo 1, no qual Galli (2009, p. 61-62), ao discutir sobre o
processo diagnóstico em Gestalt-Terapia, aponta que
nosso segundo capítulo (LIMA, 2008; REHFELD, 2013). Ou seja, é necessário compreender
o sentido expresso na disfuncionalidade experienciada, entendendo para que esta se mantém,
ou que necessidade está sendo suprida mediante o ajustamento criativo disfuncional expresso
na vivência da pessoa.
Com isto, a autora destaca o caráter processual e transitório de tal documento, pois,
devido à inconstância da existência humana, um laudo psicológico corresponde apenas ao
atual momento existencial da pessoa. Assim, de acordo com essa autora, convém que este
documento seja produzido com a participação do cliente, sendo retratada uma composição das
“[...] percepções e compreensões de um momento dialógico-existencial” (PIMENTEL, 2003,
p. 91). Neste processo diagnóstico avaliativo, cabe ao gestalt-terapeuta escolher qual dos
formatos (tradicional, carta, história em quadrinhos ou conto, que serão apresentados a seguir)
alcança a adequada comunicação junto ao solicitante e à pessoa atendida.
120
Os outros três formatos citados por Pimentel (2003) representam criativas maneiras do
gestalt-terapeuta compartilhar e comunicar à pessoa atendida sobre o percurso trilhado por
ambos. Deste modo, a carta é escrita pelo gestalt-terapeuta ao cliente como se fosse enviar
uma correspondência a um amigo. A história em quadrinhos e o conto são possibilidades de
relatórios ou laudos sugeridos para as crianças e seus pais e/ou responsáveis, na expectativa
de que eles acompanhem e entendam o fluxo dos acontecimentos vivenciados durante a
realização do processo clínico-diagnóstico colaborativo.
Diante de tudo que foi explanado neste trabalho, compreendemos que a prática clínica-
diagnóstica em Gestalt-Terapia parte de uma atitude psicoterapêutica alinhada à sua visão de
homem e mundo, inserta em seu saber teórico e fazer metodológico, implicando numa
abertura profissional que possibilita a apreensão de novos fatos, situações, experiências ou
fenômenos, mesmo que estes não se encaixem nos padrões já catalogados, o que confere a
esta abordagem uma identidade profissional sólida, amadurecida, dinâmica, flexível e criativa,
por buscar a constante atualização ou reinvenção de sua prática.
121
Por fim, ao final da realização deste estudo, ponderamos que em qualquer esforço que
se pretenda realizar para compreender a subjetividade humana faz-se necessário ultrapassar os
limites do conhecimento já estabelecido, buscando, primeiramente, entender a complexidade
das formas singulares de existência, bem como as condições e vicissitudes do espaço-tempo
vivenciado.
122
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, nossas discussões foram orientadas tanto pelos aspectos comuns, quanto
pelas nuances singulares encontradas nas publicações analisadas. A comunalidade das
concepções analisadas nos mostrou, na nossa primeira categoria de análise, que a constituição
humana, bem como o funcionamento considerado saudável, só é possível a partir da
experiência plena do contato, que é revelado na vivência consciente e interdependente entre as
dimensões humanas e os sistemas de funcionamento (sensorial, motor e cognitivo), como
também na fluidez das funções do self (id, ego e personalidade) e das fronteiras de contato
(abertura ou fechamento) no campo intersubjetivo humano.
Frisamos, então, que uma das contribuições deste estudo foi oferecer aos leitores
interessados informações e considerações relevantes sobre: o processo de psicodiagnóstico
tradicional e interventivo; explanações teóricas significativas acerca da Gestalt-Terapia;
compreensões gestálticas a respeito da constituição e do funcionamento humano; reflexões
sobre a vivência do homem contemporâneo; compreensão das psicopatologias, considerando
o ponto de vista de quem as experiencia; e a prática clínica-diagnóstica dos gestalt-terapeutas.
Além disso, este trabalho promoveu um vislumbre dos avanços e dos desafios
enfrentados pela Gestalt-Terapia ao longo de sua formação e desenvolvimento. Isto porque
esta abordagem buscou discriminar sua própria compreensão diagnóstica a partir de
procedimentos fenomenológicos e de um constante processo de atualização e reinvenção do
seu saber e fazer psicológico, deixando para trás sua histórica rejeição ao psicodiagnóstico, o
que conferiu à sua prática um importante amadurecimento conceitual e metodológico que
continua acontecendo.
Finalizamos esta pesquisa com a certeza de ter alcançado uma discussão significativa e
reflexiva a respeito de nosso objeto de estudo (compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia),
tendo na literatura acerca do tema um embasamento coerente e consistente para compreender
as formas de ajustamentos criativos, bem como discriminar criativamente a prática clínica-
diagnóstica gestáltica.
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REFERÊNCIAS
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2015.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006.
MINAYO, M. C. de S. (org.). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. 33. ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2013.
SILVA, C. R.; GOBBI, B. C.; SIMÃO, A. A. O uso da análise de conteúdo como uma
ferramenta para pesquisa qualitativa: descrição e aplicação do método, Organizações Rurais
& Agroindustriais, Lavras, v. 7, n. 1, p. 70-81, 2015. Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/878/87817147006.pdf. Acesso em: 26 set. 2019.