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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CAMPUS ARAPIRACA
UNIDADE EDUCACIONAL DE PALMEIRA DOS ÍNDIOS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

LUZIA CASTRO DA SILVA


MARIA DO SOCORRO MAGALHÃES ALVES

COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA À LUZ DA GESTALT-TERAPIA:


UM OLHAR DIFERENCIADO SOBRE OS MODOS DE EXISTÊNCIA HUMANA

PALMEIRA DOS ÍNDIOS


2020
LUZIA CASTRO DA SILVA
MARIA DO SOCORRO MAGALHÃES ALVES

COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA À LUZ DA GESTALT-TERAPIA:


UM OLHAR DIFERENCIADO SOBRE OS MODOS DE EXISTÊNCIA HUMANA

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado


ao Curso de Graduação em Psicologia da Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios do Campus
Arapiraca da Universidade Federal de Alagoas –
UFAL para a obtenção do título de Formação em
Psicologia.

Orientadora: Prof. Ma. Fernanda Cristina Nunes


Simião.

PALMEIRA DOS ÍNDIOS


2020
Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios
Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

S586c Silva, Luzia Castro da


Compreensão diagnóstica à luz da Gestalt-terapia: um olhar diferenciado
sobre os modos de existência humana / Luzia Castro da Silva; Maria do
Socorro Magalhães Alves, 2020.
130 f.

Orientadora: Fernanda Cristina Nunes Simião.


Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de
Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
Palmeira dos Índios, 2020.

Bibliografia: f. 125 – 130

1. Psicologia. 2. Gestalt-terapia. 3. Psicodiagnóstico. 4. Psicoterapia. 5.


Gestalt. I. Simião, Fernanda Cristina Nunes. II. Título.
CDU: 159.9
LUZIA CASTRO DA SILVA
MARIA DO SOCORRO MAGALHÃES ALVES

COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA À LUZ DA GESTALT-TERAPIA:


UM OLHAR DIFERENCIADO SOBRE OS MODOS DE EXISTÊNCIA HUMANA

Trabalho de Conclusão de Curso – TCC apresentado à Banca Examinadora para obtenção do


Grau de Formação em Psicologia no Curso de Graduação em Psicologia da Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios do Campus Arapiraca da Universidade Federal de
Alagoas – UFAL.

Data da aprovação: 17/07/2020.

Banca Examinadora
Dedicamos este trabalho a todas as pessoas
que, por circunstâncias da vida, foram
suprimidas em sua subjetividade, tornando o
contato consigo e com o mundo pouco
satisfatório, em especial aquelas com as quais
nos encontramos.
AGRADECIMENTOS

Luzia Castro da Silva

Agradeço primeiramente à Santíssima Trindade por me proporcionar a cada dia força e


coragem para um novo recomeço e à Virgem Maria, que com seu exemplo de amor, doçura e
resistência, me ajudou a prosseguir nesta difícil e prazerosa jornada.

À minha querida amiga e parceira de trabalho Maria do Socorro, que com sua enorme
generosidade e paciência partilhou comigo seus conhecimentos e experiências nesses cinco
anos de caminhada, bem como na produção desse trabalho de conclusão de curso. Muito
obrigada por compreender minhas limitações, por todo apoio e por ser para mim fonte de
inspiração. Você estará sempre em meu coração. Muito obrigada por tudo.

Ao meu esposo Sandro Moreira, por todo amor, apoio e paciência, por me incentivar a
seguir em frente e tornar possível essa conquista.

Ao meu filho Vinícius Castro, que com motivação e amor foi meu maior incentivador,
contribuindo e ajudando em minhas dificuldades. Muito obrigada por sua dedicação e por ser
luz em minha vida.

Agradeço aos meus pais Luiz e Zélia por confiarem em mim, às minhas irmãs Cida e
Sônia, à minha amiga e irmã de coração Maria Vieira, e às minhas sobrinhas Eliana, Claudina,
Jéssica, Bárbara, Maria Alice e Maria Alícia, por acreditarem que eu seria capaz de realizar o
meu sonho. O afeto de vocês foi fundamental.

Quero agradecer ao meu amado irmão David, que ao longo desses anos tem
contribuído com seu carinho, me presenteando com “mimos”. Obrigada querido pelo seu
amor.

À minha vozinha Dorcelina, no auge dos seus 101 anos, que por muitas vezes em seu
colo acariciou e afagou minha cabeça. Às tias Zefa e Cida, que me acolheram quando eu
precisava de descanso e alimento. Muito obrigada pelo conforto a mim proporcionado.

Às minhas amigas “Psicolindas”, Tamiris, Carol, Brenda, Maria, Ludmyla, Emille,


Franciele, Débora, Amanda e Yara, pelos abraços, pelo carinho e por me mostrarem que
durante esse percurso eu nunca estive sozinha.
Agradeço às minhas supervisoras de estágio Janine Tenório, Karlla Teixeira e, em
especial, Andressa Góes, pelos conhecimentos e experiências compartilhadas.

Gratidão a todos os professores pelo empenho e comprometimento ético com o ensino


ao longo da graduação.

À nossa orientadora Fernanda Simião, pela dedicação, pela compreensão e pela ajuda
na construção do nosso trabalho.

Por fim, agradeço a todos que de algum modo, contribuíram para a realização do
sonho de me tornar psicóloga.
AGRADECIMENTOS

Maria do Socorro Magalhães Alves

Com imensa alegria e alívio finalizo essa etapa da minha vida, pela qual me
comprometi e me dediquei da melhor forma possível. Tenho a plena certeza de que sou
privilegiada por ter ao meu lado pessoas que me incentivaram e me fizeram persistir na
realização deste sonho, que se transformou em uma grande conquista e, chegando a este
momento, nada mais justo do que expressar a minha gratidão a cada uma delas.

Primeiramente, agradeço a Deus, presentificado em minha totalidade, sendo a energia


e a força que me levam adiante, fazendo-me enxergar minhas potencialidades e possibilidades
para além de minhas limitações, o que me impulsiona a querer e a buscar mais da vida.

Ao meu marido e companheiro, Júnior, por ter sido o meu maior incentivador nesta
caminhada, acreditando em mim quando eu mesma não acreditava, escutando-me e
amparando-me nos momentos mais difíceis, sendo o meu lugar de aconchego e segurança.

Aos meus dois filhos, Gabriel e Miguel, por todos os dias renovarem minha vontade
de viver e a cada momento de convivência me ajudarem a ser uma mãe suficientemente boa,
algo incrivelmente difícil, se não, impossível. Saibam que eu os amo profundamente.

À minha querida amiga e parceira de tantos trabalhos, além deste, Luzia Castro, que
desde o início me apoiou e compartilhou comigo momentos bons, desafiadores e difíceis.
Obrigada por confiar em mim, por seu acolhimento, carinho e consideração.

Aos meus pais, Bernadete e Gilberto, que me deram a vida e que, mesmo não sabendo
ao certo como expressar em palavras, sei que me amam e que sentem orgulho de mim, pois
demonstram isso em suas preocupações e cuidados.

Às minhas irmãs e irmãos, por existirem e compartilharem comigo a história de nossa


família.

À minha querida e fiel amiga de infância, Meire, por sempre acreditar que eu poderia
ser mais, sendo aquela que mesmo em momentos de distanciamento nunca se esqueceu de
mim.
Às minhas queridas amigas que encontrei durante a graduação: Brenda, Carol, Yara,
Emille, Débora, Maria, Ludmyla, Tamiris, Franciele e Amanda. Todas vocês são incríveis,
cada uma à sua maneira. Obrigada pelo acolhimento, consideração e carinho de sempre, por
terem dividido comigo alegrias e tristezas, momentos que me ajudaram e me encorajaram ao
longo destes anos de graduação. Que nossos caminhos continuem se entrelaçando.

Aos meus colegas de turma com os quais compartilhei experiências de estágio e


discussões teóricas extraoficiais: Iran, Lino e Rodrigo. Através de vocês, tive a oportunidade
de conhecer facetas humanas muito interessantes.

Sou grata às professoras e aos professores que tive o prazer de encontrar, os quais
contribuíram para tornar este momento possível. Obrigada pelo comprometimento com esta
profissão que é tão importante para o desenvolvimento humano.

Um agradecimento muito especial a nossa orientadora Fernanda Simião que nos


ajudou na construção deste trabalho. Obrigada por nos orientar de forma tão singular,
respeitosa e eficiente.

Agradeço às minhas supervisoras de estágio Tathina Lúcio Braga Netto e Isana Maria
Barros Amorim pelos conhecimentos e experiências compartilhados.

À bibliotecária, Kassandra Kallyna, por suas dicas tão valiosas sobre a ABNT, e por
sua dedicação e comprometimento na realização do seu trabalho.

À Dona Selma, por seu acolhimento, gentileza e prontidão em vários momentos em


que precisei recarregar as energias com seu saboroso café e sanduiche “queijo quente”.

Não poderia deixar de lado as duas criaturinhas mais fofas, travessas e interativas, a
seu modo, Eva e Frajolinha, por trazerem leveza e alegria às nossas vidas e por me
proporcionarem companhias (des)interessadas em vários momentos de reclusão acadêmica.

Enfim, a todos que, de alguma forma, torceram por mim e contribuíram com a minha
caminhada.
A impermanência é a virtude da realidade.
Exatamente como as quatro estações, sempre em
contínuo fluxo – o inverno transformando-se
em primavera e o verão em outono.
Assim, como o dia torna-se noite,
a luz torna-se escuridão
e luz mais uma vez – da mesma forma,
tudo se transforma constantemente.
A impermanência é a essência de tudo. [...].
Impermanência é encontrar-se e separar-se.

Pema Chodron
RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo geral desvelar a compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia,
buscando reconfigurar o olhar sobre os aspectos adoecidos, restritivos ou disfuncionais da existência
humana, indo ao encontro da sua totalidade singular. Para isso, buscamos, através dos objetivos
específicos, inicialmente, apresentar o processo de desenvolvimento e reformulação do
Psicodiagnóstico, sua conceituação terminológica atualizada e a sua operacionalização interventiva;
para, em seguida, explanar acerca da Gestalt-Terapia, contemplando sua compreensão de homem e
mundo; e, por fim, evidenciar as especificidades desta abordagem ao empreender sua prática
diagnóstica. Iniciamos conhecendo o Psicodiagnóstico, perpassando pelo seu surgimento,
desenvolvimento, ascensão e declínio. Discorremos sobre a Gestalt-terapia, possibilitando uma
aproximação de suas especificidades filosóficas, teóricas e conceituais. Concernente aos aspectos
metodológicos, configuramos uma pesquisa bibliográfica e qualitativa, na qual realizamos um
levantamento de materiais acerca do tema em tela na plataforma de pesquisa Portal de Periódicos da
CAPES. Para a nossa análise, selecionamos 4 artigos científicos em português, como também
realizamos leituras complementares que contribuíram significativamente para a nossa discussão. O
processo de análise ocorreu a partir do método de análise de conteúdo de Bardin, resultando em 3
categorias de análise: 1) Desvendando o contato e o funcionamento humano saudável; 2) Refletindo
sobre as vicissitudes da vida contemporânea e a dimensão ontológica do contato; e 3) Evidenciando as
concepções psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica em Gestalt-Terapia. Os resultados surgidos
a partir das análises e discussões impactam no entendimento do funcionamento humano considerado
saudável e não saudável para a Gestalt-Terapia, os quais se desvelam pelo construto contato, visto que
é a partir dele que ocorre o processo de ininterrupta integração homem-mundo. Os resultados
evidenciam ainda uma concepção gestáltica de psicopatologia que é caracterizada como relacional,
funcional e processual, sendo compreendida a partir dos bloqueios e da perda do contato. A prática
clínica-diagnóstica gestáltica é sustentada em dois pilares: na valorização e apreensão da realidade
subjetiva-experiencial; e no entrelaçamento entre os recursos diagnósticos favoráveis ao
autodesenvolvimento e uma postura fenomenológica, dialógica e colaborativa por parte dos
envolvidos no processo psicoterapêutico, que é configurado como uma totalidade na qual se encontra
inserto o pensamento diagnóstico gestáltico. Este trabalho proporcionou uma importante reflexão,
especialmente por evidenciar um tema presentificado em nossos contextos e por mostrar a necessidade
de se empreender um saber-fazer sensível, responsável e comprometido com o reconhecimento, a
aceitação e a apreensão de novas situações, experiências ou fenômenos, mesmo que estes não se
encaixem nos padrões já catalogados, mas que certamente refletem as formas singulares da existência,
bem como as condições e vicissitudes do espaço-tempo vivenciado. Por fim, destacamos que esta
leitura é significativa para estudantes, profissionais e familiares-cuidadores que buscam conhecer as
questões explanadas a partir de um outro olhar, que é a compreensão clínica-diagnóstica gestáltica.

Palavras-chave: Psicodiagnóstico. Gestalt-terapia. Contato. Singularidade.


ABSTRACT

This research had as general objective to unveil the diagnostic understanding in Gestalt-Therapy,
seeking to reconfigure the look on the sick, restrictive or dysfunctional aspects of human existence,
going to meet its singular totality. For this, we seek, through the specific objectives, initially, to
present the process of development and reformulation of Psychodiagnosis, its updated terminological
conceptualization and its interventive operationalization; to then explain about Gestalt-Therapy,
contemplating its understanding of man and world; and, finally, to highlight the specificities of this
approach when undertaking its diagnostic practice. We begin by knowing the Psychodiagnosis, going
through its emergence, development, rise and decline. We will discuss Gestalt-therapy, enabling an
approximation of its philosophical, theoretical and conceptual specificities. Regarding methodological
aspects, we set up a bibliographic and qualitative research, in which we conducted a survey of
materials on the subject on screen in the research platform Portal de Periódicos da CAPES. For our
analysis, we selected 4 scientific articles in Portuguese, as well as conducting complementary readings
that contributed significantly to our discussion. The analysis process occurred from Bardin's content
analysis method, resulting in 3 categories of analysis: 1) Unveiling contact and healthy human
functioning; 2) Reflecting on the vicissitudes of contemporary life and the ontological dimension of
contact; and 3) Evidencing the psychopathological conceptions and clinical-diagnostic practice in
Gestalt-Therapy. The results arising from the analyses and discussions impact on the understanding of
human functioning considered healthy and unhealthy for Gestalt-Therapy, which are revealed by the
contact construct, since it is from it that occurs the process of uninterrupted human-world integration.
The results also show a gestaltic conception of psychopathology that is characterized as relational,
functional and procedural, being understood from the blocks and loss of contact. The gestaltic clinical-
diagnostic practice is supported by two pillars: in the valorization and apprehension of the subjective-
experiential reality; and the intertwining between diagnostic resources favorable to self-development
and a phenomenological, dialogical and collaborative posture on the part of those involved in the
psychotherapeutic process, which is configured as a totality in which the diagnostic thinking of Gestalt
is inserted in. This work provided an important reflection, especially for highlighting a theme
presented in our contexts and for showing the need to undertake a sensitive, responsible and
committed know-how with the recognition, acceptance and apprehension of new situations,
experiences or phenomena, even if they do not fit the patterns already catalogued, but that certainly
reflect the singular forms of existence, as well as the conditions and vicissitudes of the space-time
experienced. Finally, we highlight that this reading is significant for students, professionals and
family-caregivers who seek to know the questions explained from another perspective, which is the
gestalt clinical-diagnostic understanding.

Keywords: Psychodiagnosis. Gestalt-Therapy. Contact. Uniqueness.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 12

2 PSICODIAGNÓSTICO: O PROCESSO DE CONHECER 17

2.1 Conhecendo e Discutindo o Psicodiagnóstico 17

2.2 Definição e Conceituação do Psicodiagnóstico 26

2.3 Operacionalização do Psicodiagnóstico Interventivo: Características, Objetivos,


29
Momentos e Procedimentos

3 GESTALT-TERAPIA: PRINCIPAIS FUNDAMENTOS E CONCEITOS 35

3.1 Gestalt-Terapia e sua Compreensão de Homem e Mundo 35

3.2 Pressupostos Filosóficos da Gestalt-Terapia: o Humanismo, o Existencialismo e


41
a Fenomenologia

3.3 Pressupostos Teóricos da Gestalt-Terapia: Psicologia da Gestalt, Teoria de


46
Campo e Teoria Organísmica

3.4 Os Principais Conceitos da Gestalt-Terapia 54

4 PESRCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA 63

4.1 Os Rumos da Pesquisa Qualitativa e Bibliográfica 69

4.2 Processo de Busca e Seleção do Material de Análise 71

4.3 Processo de Análise de Conteúdo: Teoria e Prática 82

5 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA EM GESTALT-TERAPIA: UMA


(RE)CONFIGURAÇÃO SUBJETIVA NA CLÍNICA PSICOLÓGICA E NA 88
ÁREA DE SAÚDE MENTAL

5.1 Desvendando o Contato e o Funcionamento Humano Saudável 88

5.2 Refletindo sobre as Vicissitudes da Vida Contemporânea e a Dimensão


96
Ontológica do Contato

5.3 Evidenciando as Concepções Psicopatológicas e a Prática Clínica-Diagnóstica


106
em Gestalt-Terapia

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 122

REFERÊNCIAS 125
12

1 INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa nos empenhamos em investigar sobre a concepção e a prática do


Psicodiagnóstico à luz da Gestalt-Terapia, que é o nosso referencial teórico, analisando como
esta abordagem compreende as psicopatologias e como os gestalt-terapeutas realizam a
prática diagnóstica em sua atuação profissional, considerando a necessidade de cultivar o
mútuo entrelaçamento entre a teoria e a prática gestáltica.

Nosso objetivo geral foi desvelar a compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia,


buscando reconfigurar o olhar sobre os aspectos adoecidos, restritivos ou disfuncionais da
existência humana, indo ao encontro de sua totalidade singular. Seguindo este objetivo geral,
delineamos nossos objetivos específicos, os quais nos possibilitaram, inicialmente, apresentar
o processo de desenvolvimento e reformulação do Psicodiagnóstico, sua conceituação
terminológica atualizada e a sua operacionalização interventiva (primeiro capítulo); para, em
seguida, explanar acerca da Gestalt-Terapia, contemplando sua compreensão de homem e
mundo (segundo capítulo); e, por fim, evidenciar as especificidades da Gestalt-Terapia ao
entender e empreender sua prática diagnóstica (quarto capítulo).

Salientamos que nosso interesse pela Gestalt-Terapia surgiu ainda no início da


graduação, quando nos foram apresentadas várias áreas de atuação e distintas abordagens
psicológicas que abrangem os diversos aspectos e dimensões da existência humana. No que se
refere aos campos de inserção da Psicologia e da prática do psicólogo, apreendemos que a
Psicologia Clínica configura-se como uma área de conhecimento que possui um vasto campo
de atuação, ultrapassando os limites do consultório, e que possibilita revelar a diversidade das
formas de experienciar o mundo que nos cerca.

Embora nosso contato inicial com os pressupostos filosóficos e teóricos da Gestalt-


Terapia tenha sido breve, mostrou-se muito significativo, visto que nos possibilitou perceber a
singularidade como uma das principais características humanas, bem como um dos conceitos
mais representativos desta abordagem, que a partir de um olhar humanista, fenomenológico e
existencialista concebe o homem de maneira singular, integral, relacional, contextual e
processual, sendo, então, valorizados os sentidos presentes nas formas deste homem contatar a
si e ao mundo.

Nesse primeiro contato, entendemos que numa perspectiva gestáltica o homem não
poderia ser encaixado em uma categoria fixa que o rotula como “isso” ou “aquilo”, nem ter
13

sua liberdade de escolha suprimida por direcionamentos alheios à sua percepção, obedecendo
a compreensões generalizantes e reducionistas que, por vezes, aprisionam as possibilidades
diferenciadas e criativas de ser e estar no mundo.

Para a Gestalt-Terapia, isto pode vir a ocorrer pela adesão indiscriminada dos
psicólogos aos manuais e instrumentos técnicos de classificação dos padrões de
comportamentos considerados patológicos ou “anormais”, como é o caso do Código
Internacional de Doenças (CID), da Organização Mundial da Saúde (OMS), e do Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), da Associação Americana de
Psiquiatria (APA).

Assim, o interesse de realizar esta pesquisa surgiu diante desse olhar diferenciado da
abordagem gestáltica sobre o homem e o mundo, o que nos mobilizou a aprofundar nosso
estudo desta perspectiva que, já naquele momento inicial, foi considerada totalmente
apropriada para orientar nossa futura prática profissional em Psicologia. Isto porque nossas
experiências e percepções pessoais sobre a existência humana coadunam com a compreensão
de homem e mundo desta abordagem, sendo então incompatíveis a concepções diagnósticas
localizadas em categorias fixas de anormalidade.

Somado a isso, a necessidade de discutirmos a compreensão diagnóstica gestáltica


partiu também do nosso contato pessoal com pessoas em sofrimento psíquico, bem como de
experiências acadêmicas (leituras, trabalhos, grupos de estudos, cursos extracurriculares e
estágios) em que tivemos a oportunidade de refletir sobre as condições psicopatológicas do
ponto de vista de quem as experiencia e de seus familiares.

A respeito da prática diagnóstica em linhas gerais, evidenciamos o que Pimentel


(2003, p. 92) assinala:

O diagnóstico é uma rotina da vida comum, uma prática pertencente a todos,


que algumas taxionomias consideram dois grandes grupos de critérios
diagnósticos: 1) o popular, feito de considerações e opiniões sem qualquer
fundamento, que se serve até de notícias orais secundárias; 2) o clínico,
desdobrado nas ênfases: semiologia, que privilegia a identificação dos
sintomas, é feito por psiquiatras; etiológico, baseado no esclarecimento dos
fatores de causa e efeito; sistêmico, que procura identificar uma área central
da perturbação e os vínculos entre esta e os demais sistemas. Outros
consideram a importância de realizar um diagnóstico diferencial,
antecedendo o diagnóstico como indicação para o tratamento psicológico ou
psiquiátrico. Todos concordam, entretanto que o pré-requisito que independe
de referenciais teóricos é a presença do sujeito que está diante de nós, cuja
vida psíquica pede respostas de manejo cuidadoso e responsável no que
14

concerne atentar para o sofrimento do cliente e para a emissão de laudos que


possam vir a ser instrumentos restritivos ou desqualificativos do psiquismo
do cliente.

Em suma, de acordo com essa autora, são diversas as formas de conceber e realizar um
diagnóstico. A própria Gestalt-Terapia possui uma extensa lista de propostas diagnósticas
(algumas delas foram apresentadas em nosso estudo), umas são mais informais e
colaborativas, outras mais elaboradas e interventivas, mas todas são processuais, já que a
partir do olhar gestáltico o homem é um constante vir a ser.

Destarte, entendemos que a consciência da responsabilidade assumida quando se


decide apreender à intersubjetividade humana é tão importante quanto ter uma proposta
diagnóstica bem elaborada, pois ambas demandam conhecimento não apenas dos
instrumentos e procedimentos metodológicos, mas também e, principalmente, sobre si
mesmo: as próprias habilidades, competências e criatividade para a realização desta prática
profissional.

No que concerne aos aspectos metodológicos, esta pesquisa configura-se como uma
pesquisa bibliográfica, desenvolvida por meio de uma metodologia qualitativa, cujo objetivo
foi realizar um levantamento de produções com conteúdos que abordassem a temática em tela.
Neste sentido, a partir de buscas virtuais realizadas na plataforma de pesquisa Portal de
Periódicos da CAPES, utilizando combinação de descritores relacionados à Psicopatologia e
Gestalt-Terapia, escolhemos 4 artigos científicos em português tendo como critério de seleção
identificar publicações que discutissem conteúdos teóricos e práticos acerca da compreensão
diagnóstica gestáltica.

Além disso, utilizamos também em nossas análises produções complementares, que


foram livros e capítulos de autores clássicos e contemporâneos da Gestalt-Terapia, bem com
autores que discutem sobre patologia e normalidade e sobre a contemporaneidade, totalizando
um contíguo de 11 produções que contribuíram significativamente para a discussão do tema
em questão.

O método de análise adotado neste estudo foi a análise de conteúdo de Laurence


Bardin (2011). O processo analítico resultou na elaboração de três categorias de análise: 1)
Desvendando o contato e o funcionamento saudável; 2) Refletindo sobre as vicissitudes da
vida contemporânea e a dimensão ontológica do contato; e 3) Evidenciando as concepções
psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica em Gestalt-Terapia.
15

Com efeito, a realização desse trabalho nos possibilitou satisfazer a necessidade de


aprofundamento teórico em relação à Gestalt-Terapia, desvelando, assim, uma compreensão
diagnóstica que impacta profundamente no entendimento do funcionamento humano e no
empreendimento de uma prática clínica-diagnóstica, a qual busca compreender e acolher as
demandas da existência humana, o que é possível a partir das especificidades teóricas desta
abordagem e do comprometimento dos seus profissionais.

Inseriu-se, ainda, em nossa proposta de estudo a intenção de ampliarmos a nossa


discussão, oferecendo aos leitores interessados uma sucinta problematização da vivência do
homem contemporâneo a partir da Gestalt-Terapia. Com isto, percorremos discussões acerca
do saber-fazer psicológico desta abordagem, que a partir de procedimentos fenomenológicos
buscou ultrapassar verdades absolutas e promover um amadurecimento conceitual e
metodológico, focado em sua própria prática.

Este trabalho segue estruturado em quatro capítulos. No primeiro capítulo


(Psicodiagnóstico: o processo de conhecer), explanamos brevemente o processo de
desenvolvimento e reformulação do Psicodiagnóstico. Além disso, apresentamos uma
definição conceitual atualizada para tal prática, tendo como referências autores que se
debruçaram sobre o estudo dessa temática. Concluímos retratando o processo de
psicodiagnóstico mediante sua prática investigativa e interventiva, destacando as
características, os objetivos, os momentos e os procedimentos necessários para a sua
realização.

No segundo capítulo (Gestalt-Terapia: principais fundamentos e conceitos), acerca da


abordagem gestáltica, contemplando sua constituição e desenvolvimento, seus idealizadores,
sua concepção de homem e mundo, seus pressupostos filosóficos e teóricos, bem como os
principais conceitos gestálticos implicados na composição deste trabalho.

No terceiro capítulo (Percursos metodológicos da pesquisa), apresentamos a


metodologia deste estudo, descrevendo como aconteceu o processo de busca e seleção dos
artigos científicos e das publicações complementares utilizadas em nossa análise. Em seguida,
evidenciamos um levantamento elaborado por Pimentel (2003) em que ela destaca algumas
propostas diagnósticas clássicas e contemporâneas da Gestalt-Terapia. Por fim, expomos as
fases do processo analítico que resultou na elaboração das nossas categorias de análise.

No quarto e último capítulo (Compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia: uma


(re)configuração subjetiva na clínica psicológica e na área de saúde mental), discutimos
16

nossas três categorias de análise, revelando tanto os pontos comuns quanto as nuances
singulares encontradas nas publicações analisadas acerca das formas de contato e de
funcionamento humano, além dos ajustamentos criativos necessários na busca da satisfação
das necessidades, levando em consideração também os aspectos da vida contemporânea que
perpassam a relação homem-mundo. Assim, a partir dessas questões, pudemos discutir sobre
as concepções psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica gestáltica.

Por fim, nas considerações finais, apresentamos as nossas reflexões centrais


decorrentes dos entrelaçamentos de tudo que foi estudado, explanado e discutido ao longo
deste trabalho, certas da sua relevância e contribuição tanto para leitores interessados, quanto
para futuras pesquisas, bem como almejamos que ele seja uma inspiração para a prática
profissional.
17

2 PSICODIAGNÓSTICO: O PROCESSO DE CONHECER

Neste capítulo, discutiremos sobre o Psicodiagnóstico, processo pelo qual se


fundamentou e se operacionalizou o diagnóstico psicológico. Inicialmente, traremos uma
breve apresentação do processo gradual de desenvolvimento e reformulação do
Psicodiagnóstico, considerando a sua grande importância para a sedimentação da profissão do
psicólogo.

Em seguida, torna-se relevante apresentarmos uma definição atualizada para o


Psicodiagnóstico, processo que se encontra amplamente atrelado à prática clínica. Para tanto,
apontaremos como referência autores que se debruçaram sobre o estudo de tal temática e que
assinalaram a necessidade de se realizar um Psicodiagnóstico contextualizado e, sobretudo,
fundamentado em uma abordagem teórica.

Ao finalizar o capítulo, buscaremos retratar o processo de Psicodiagnóstico


Interventivo mediante sua prática investigativa e interventiva. Neste escopo, destacaremos
suas características, os objetivos, os momentos e os procedimentos necessários.

2.1 Conhecendo e Discutindo o Psicodiagnóstico

A discussão proposta para o presente capítulo requer que, antecipadamente, seja


realizada uma breve explanação do termo diagnóstico. A origem de tal conceito vem do
grego diagnóstkós em referência ao significado capaz de distinguir, de discernir (FRAZÃO;
FUKUMITSU, 2017).

Sabe-se que foi na França do século XVIII que o termo diagnostique passou a ser
utilizado na Medicina. Em Saúde Mental, o mesmo é diretamente associado à identificação da
existência de sofrimentos mentais, ou seja, de algum tipo de transtorno psíquico
(DALGALARRONDO, 2008).

Na França, por volta do ano de 1984, deu-se início às pesquisas psicodiagnósticas,


ocorridas no primeiro laboratório de Psicodiagnóstico. Este foi denominado de Laboratório
Experimental da Sorbonne, sendo então conduzido pelo psicólogo e pesquisador francês
Alfred Binet (1857-1911), pioneiro no estudo e no desenvolvimento de testes psicológicos,
como também interessado em aspectos humanos como a inteligência e a aprendizagem. Por
18

conta e a partir destes dois aspectos, ele propôs a realização do exame psicológico como
atividade auxiliar da avaliação pedagógica (CUNHA, 2007).

Ao lado do também psicólogo e pesquisador francês Théodore Simon (1872-1961),


Binet desenvolveu pelo menos 30 testes psicológicos, dentre os quais se encontra a Escala
Binet-Simon, sendo na época denominada de Novos métodos para diagnosticar níveis de
idiotice, imbecilidade e retardo mental. Tal instrumento é conhecido como o primeiro
método utilizado para avaliação da inteligência, sendo traduzido, modificado e amplamente
utilizado nos Estados Unidos pela ciência psicológica experimental moderna e considerado
como base para o conceito de inteligência até os dias atuais (COLLIN et al., 2012).

De acordo com estes autores, o trabalho dos referidos pesquisadores tinha como
objetivo inicial classificar e comparar o desempenho intelectual das crianças em faixas etárias
semelhantes, pois Binet acreditava que ao classificar os diferentes níveis de inteligência
possibilitaria uma maior atenção aos processos de aprendizagem por parte dos educadores.

Destarte, Binet e Simon acreditavam auxiliar na adequação das estratégias de ensino


das crianças com dificuldades de aprendizagem, podendo promover a estas uma educação
mais apropriada, onde houvesse a igualdade de oportunidades, sendo então, considerado o
ritmo individual de cada criança, o que resultaria em uma melhor aprendizagem.
Posteriormente, entre os anos de 1908 e 1911, com o desenvolvimento das novas versões para
a Escala Binet-Simon, Binet redirecionou seu foco para as diferentes faixas etárias, resultando
no surgimento do conceito de idade mental.

Segundo Cunha (2007), o final do século XIX e início do século XX foram momentos
que certamente demarcaram as bases para o Psicodiagnóstico. Isto porque, além de Binet e
Simon, houve também o trabalho do cientista, inventor e escritor inglês Francis Galton (1822-
1911), que empreendeu os estudos sobre as diferenças individuais, e a contribuição do
psicólogo americano James M. Cattell (1860-1944), que criou os primeiros testes mentais.

É importante ressaltar que na perspectiva de Binet o desenvolvimento mental se


expressava pela progressão em ritmos diferenciados, ou seja, não dependia apenas do aspecto
biológico, nem havia um padrão linear ou estático de desenvolvimento, sendo então
consideradas também as influências ambientais e sociais. Assim, tal perspectiva buscava um
direcionamento dos estudos sobre a inteligência para além dos aspectos biológicos,
hereditários ou fixos, embora tivesse como objetivo a classificação dos indivíduos
19

concernente ao nível mental em determinado momento de sua vida, algo que certamente fora
mal interpretado por alguns psicólogos.

Sobre o posicionamento de Binet acerca da inteligência, Collin et al. (2012, p. 53)


afirmam que ele

[...] asseverou que as crianças “não têm uma quantidade fixada de


inteligência”, mas que esta se desenvolve a medida que a criança cresce e
que, apesar de ter proposto uma forma de quantificá-la, nenhum número
seria capaz de informar com precisão a inteligência de uma pessoa.

Infelizmente, seu posicionamento não foi adotado pelos respectivos trabalhos dos
psicólogos americanos, Henry H. Goddard em 1908, e Lewis Terman no ano de 1916, visto
que, tais psicólogos se apropriaram da Escala Binet-Simon para ser utilizada em contexto
escolar, além de também os utilizarem na identificação e erradicação de pessoas classificadas
com deficiência mental naquele período, sendo então, subjugadas à prática de esterilização
compulsória no intuito de impedir a reprodução de pessoas com as mesmas características
(COLLIN et al., 2012).

Notabilizamos que a prática de esterilização era vinculada aos estudos dos genes
humanos fortemente influenciados pela corrente eugenista, sendo esta, criada em 1883, pelo
referido cientista inglês Francis Galton (1822-1911), cujo propósito se alinhava as novas
descobertas acerca da hereditariedade, com vistas à promoção de uma sociedade de indivíduos
superiores, livres de características consideradas indesejáveis para a sociedade vigente, como
por exemplo, materiais genéticos associados à deficiência, bem como a diferentes
características raciais e étnicas.

Deste modo, a Escala Binet-Simon, em determinado momento da história, tornou-se


também uma ferramenta de segregação de pessoas com algum tipo de deficiência e de
distinção-extinção étnico-racial. Anos mais tarde, os mesmos instrumentos também seriam
utilizados na educação vocacional de crianças, no intuito de que elas fossem direcionadas a ter
uma vida de trabalho subordinado, sem uma perspectiva econômica e social progressiva,
favorecendo assim, ao mercado de trabalho (COLLIN et al., 2012).

Com estas explanações, adentramos a histórica trajetória da Psicologia enquanto saber


e prática científica, tendo o diagnóstico psicológico, ou melhor, o Psicodiagnóstico, como
uma das primeiras atividades profissionais do psicólogo. Sendo, inicialmente, uma prática
20

constituída mediante uma operacionalização de testes psicométricos, tendo como finalidade a


tentativa de realizar avaliações quantitativas dos resultados obtidos a partir da aplicação
destes instrumentos (CUNHA, 2007).

No intuito de buscar a objetividade para aspectos até então pouco compreendidos


sobre a subjetividade humana, a ciência psicológica contava com a utilização de testes
psicológicos de mensuração, classificação e padronização. Tais instrumentos garantiam,
naquele momento, a cientificidade almejada para a prática do psicólogo que, no intento de
investigar as demandas as quais lhes eram endereçadas, e sendo o único profissional com
capacidade suficiente para identificar o problema e seus possíveis aspectos geradores,
executava a aplicação destes testes, avaliava os resultados e os interpretava quantitativamente.
Para Cunha (2007, p. 23), “[...] a contribuição da psicometria foi e é essencialmente
importante para garantir a cientificidade dos instrumentos do psicólogo [...]”.

Em consonância com tal conduta profissional e mediante a instituição de um modelo


tradicional para o Psicodiagnóstico, acreditava-se que tal investigação só poderia ser validada
mediante o estabelecimento de conceitos como objetividade, precisão e padronização. Assim,
de acordo com Barbieri (2010), a relação com a pessoa em avaliação e a sua participação não
eram consideradas como parte importante do processo, pois o que se esperava era que durante
o processo de psicodiagnóstico tal relação fosse embasada apenas por teorias e técnicas
executadas no contexto clínico.

Acerca disso, Ocampo e Arzeno (2011, p. 6) relatam que:

O psicólogo trabalhou muito tempo como um modelo similar ao do médico


clínico que, para proceder com eficiência toma a maior distância possível em
relação ao seu paciente a fim de estabelecer um vínculo afetivo que não lhe
impeça de trabalhar com tranquilidade e a objetividade necessária.

Todavia, em contradição aos objetivos e expectativas dos precursores envolvidos no


desenvolvimento e utilização dos testes psicológicos, estes não conseguiram, de fato, atingir o
patamar esperado, pois demostraram pouca eficiência em relação à precisão, validade e
objetividade esperadas. Segundo Ancona-Lopez (2003, p. 12), “[...] os resultados nem sempre
correspondiam ao que era observado no contato com o cliente. As interpretações das respostas
conduziam, muitas vezes, a conclusões diversas daquelas que eram mostradas pelos dados
numéricos”.
21

Dizendo de outra forma, os testes psicológicos construídos com o objetivo de


apresentar resultados semelhantes quando aplicados à mesma pessoa, que tinham a intenção
de medir determinado aspecto da personalidade, e que também visavam ser utilizados da
mesma forma para avaliar pessoas diferentes, dentre outros objetivos, acabaram por
demonstrar, contraditoriamente, que os processos subjetivos, internos e/ou individuais das
pessoas em avaliação, não poderiam ser replicados objetivamente, muito menos
universalizados, já que os testes psicológicos só conseguiam facilitar o entendimento de cada
pessoa em seu processo, em sua realidade e contexto.

Deste modo, o modelo inicial do Psicodiagnóstico, em que havia o protagonismo dos


testes psicológicos, sofreu sérias restrições e críticas que ajudaram a promover o início das
mudanças no modo de se pensar e realizar este processo de investigação psicológica que em
determinado período da história foi desacreditado, tanto no cenário psicológico, quanto no
cenário científico como um todo, implicando no surgimento de novas formas de ação na
realização de sua prática por parte dos profissionais deste campo, o que delegou aos testes
psicológicos apenas a posição de instrumentos auxiliares nos processos de investigação ou
avaliação clínica psicológica, como é o caso do Psicodiagnóstico (CUNHA, 2007).

Ocampo e Arzeno (2011) afirmam que os novos desdobramentos surgidos no modo de


se pensar e fazer o Psicodiagnóstico, em grande parte, podem ser também atribuídos ao
desenvolvimento e disseminação da Psicanálise, dentre outras teorias. Isto porque acreditava-
se que o pensamento psicanalítico possibilitaria à prática psicodiagnóstica uma identidade
profissional mais sólida, já que em sua recente trajetória o psicólogo assumira, passivamente,
o papel de psicometrista, ou seja, de aplicador de testes psicológicos, ao tomar como
referência o modelo de trabalho do médico clínico.

Para estas autoras, “[...] o psicólogo agia assim – e ainda age – por carecer de uma
identidade sólida que lhe permita saber quem é e qual é seu verdadeiro trabalho dentro das
ocupações ligadas à saúde mental” (OCAMPO; ARZENO, 2011, p. 6). O que remete a
necessidade de uma compreensão psicológica clínica sobre os processos psicopatológicos
que favoreça ao processo de psicodiagnóstico, bem como ao processo psicoterapêutico como
um todo.

Em contrapartida, com a influência da Psicanálise, vislumbrava-se uma perspectiva


mais afetiva ao processo de Psicodiagnóstico, implicando um entendimento mais dinâmico,
havendo uma maior atenção ao discurso da pessoa avaliada, sendo depositada uma maior
consideração na relação entre esta e o profissional, bem como uma maior valorização de
22

técnicas que privilegiavam as informações trazidas pelo próprio paciente de forma livre e
espontânea como, por exemplo, a Entrevista e os Testes Projetivos, sendo estes últimos,
instrumentos de observação e interpretação subjetivas que são compostos por técnicas que
avaliam além do discurso do paciente, a saber: desenhos e figuras.

Nesse cenário, podemos destacar o teste projetivo criado pelo psiquiatra e psicanalista
suíço, Hermann Rorschach (1884-1922).

[...] Rorschach publicou sua monografia, em 1921, que teve maior


divulgação na década seguinte. O teste passou a ser utilizado como um passo
essencial (e, às vezes, único) do processo de diagnóstico. A grande
popularidade alcançada nas décadas de quarenta e cinquenta é atribuída ao
fato de que “os dados gerados pelo método eram compatíveis com os
princípios básicos da teoria psicanalítica” (CUNHA, 2007, p. 24).

Ainda que as contribuições da Psicanálise tenham possibilitado uma ampliação ao


processo de psicodiagnóstico, sendo então considerada a participação da pessoa no processo,
bem como a utilização de técnicas ou estratégias com interpretações menos quantitativas e
mais qualitativas – para os profissionais que assim o desejassem –, a prática do psicólogo, no
entanto, não poderia acompanhar o contexto clínico psicanalítico, visto que o campo de
Psicodiagnóstico demandava enquadres temporais, espaciais e contratuais próprios
(OCAMPO; ARZENO, 2011).

Diante disto, os psicólogos que desenvolviam a prática do Psicodiagnóstico não


poderiam aderir em todos os sentidos à sistemática do trabalho psicanalítico, pois este exigia
uma dinâmica processual que requeria períodos prolongados. Sendo assim, a contribuição da
Psicanálise para o processo de psicodiagnóstico resultou em mudanças no modo de pensar e
compreender este processo, mas não na adesão das diretrizes psicanalíticas em sua prática.

Para Ocampo e Arzeno (2011), o resultado desse impasse teórico-metodológico


surgido a partir da influência da Psicanálise ocasionou, ainda, um aumento significativo das
críticas e das desconfianças quanto ao alcance do rigor científico exigido para o processo de
psicodiagnóstico, visto que ao longo do sua reformulação, esta prática teve um período pouco
coerente em sua trajetória ao agregar procedimentos de diferentes aportes teóricos, tornando-
se um trabalho complexo para os psicoterapeutas.

Diante disto, estes profissionais, aos poucos, foram valorizando, cada vez mais, o
conhecer da situação no transcorrer do próprio processo terapêutico, e foram valorizando,
23

cada vez menos, o atendimento exclusivamente diagnóstico, atuação esta que exigia esforço,
dedicação e comprometimento destes profissionais, mas que já não demonstrava tanta
utilidade e assertividade. Ou seja,

Enriqueceu-se a compreensão dinâmica do caso, mas foram desvalorizados


os instrumentos que não eram utilizados pelo psicanalista. A técnica de
entrevista livre foi supervalorizada enquanto era relegado a um segundo
plano o valor dos testes, embora fosse para isso que ele estivesse preparado.
(OCAMPO; ARZENO, 2011, p. 8)

Com o passar do tempo, além das dificuldades enfrentadas devido às especificidades


da atividade psicodiagnóstica, evidenciava-se a pouca precisão das técnicas projetivas, que
também sofreram certo declínio, já que não conseguiam atender totalmente aos requisitos
científicos esperados para o processo de psicodiagnóstico, tornando-o um procedimento
associado a uma interpretação com ênfase intuitiva, sendo esta, um dos resquícios de sua
relação com a Psicanálise (CUNHA, 2007).

Salientamos que embora as críticas tenham levado o psicodiagnóstico tradicional a


enfrentar um período de grande desqualificação em sua atuação profissional, estas críticas
também lhe permitiu, ao longo do tempo, empreender uma reestruturação por ter integrado
características de algumas correntes teóricas, cultivando, assim, novas posturas para o
processo.

Segundo Ancona-Lopez (2003), essa reestruturação do Psicodiagnóstico ocorreu tanto


pela inserção do pensamento psicanalítico, quanto por influência de perspectivas
humanistas, fenomenológicas e existencialistas como é o caso da Psicologia
Fenomenológica-Existencial e da Gestalt-Terapia. Isso possibilitou a realização de um
processo de Psicodiagnóstico ao mesmo tempo investigativo, interventivo e cooperativo,
havendo, para tanto, uma redistribuição de poder com abertura para o diálogo, colaboração
mútua, acordos explícitos, bem como o uso de estratégias e procedimentos objetivos e,
subjetivos, necessários para o andamento do processo de forma séria, coerente e colaborativa.

Esta visão, desenvolvida nos pressupostos da abordagem fenomenológica,


começou a ser apropriada por diferentes correntes teóricas, que passaram a
explicitar modos de ação, compreensão e leitura das proposições gerais nos
horizontes de suas construções específicas. (ANCONA-LOPEZ, 2003, p. 16)
24

Assim, mediante as várias transformações pelas quais passou desde o seu surgimento,
o Psicodiagnóstico alinhou suas especificidades às visões de diferentes correntes teóricas e
filosóficas (Psicanálise, Humanismo Fenomenologia e Existencialismo e outras), através das
quais vem sendo realizado no contexto clínico, embora, para isso, tenha deixado para trás seu
protagonismo.

Com isto, ressaltamos que o Psicodiagnóstico iniciou sua trajetória com o intuito de
ser o fator enaltecedor do saber fazer psicológico e com tal finalidade buscou, sobretudo,
atingir o rigor científico por meio de uma prática inquestionável, algo que certamente
proporcionou grandes descobertas, reflexões e reformulações teóricas e metodológicas para a
Psicologia científica, que como tantas outras ciências modernas foi tomada pelo desejo de
domínio e conhecimento sobre o homem, o que, por sua vez, gerou também intensa indução à
racionalidade e à objetividade.

Além disso, a perspectiva diagnóstica resgatou o interesse pelo estudo dos processos
mentais, internos, muitas vezes dissociados da realidade humana vivenciada, como se fazia ao
utilizar o método da introspecção na corrente estruturalista entre o fim do século XIX e
meados do século XX, o que pode ser considerado um retrocesso para a prática do psicólogo
(ANCONA-LOPEZ, 2003).

Não obstante, mesmo em decorrência de todas as críticas amplamente disseminadas


acerca da prática do Psicodiagnóstico tradicional, ainda assim esta prática não foi totalmente
abolida do cenário psicológico, sendo um modelo de diagnóstico que é utilizado por
determinadas correntes teóricas, embora, nos dias atuais, isso ocorra de forma bem reduzida
(HUTZ, 2016).

Por outro lado, o que tem ocorrido frequentemente em nossa atualidade é a adesão de
muitos psicólogos aos manuais e instrumentos técnicos classificatórios de comportamentos
considerados “anormais” que são fundamentados no modelo biomédico, como é o caso do
Código Internacional de Doenças (CID), elaborado pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), e do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM), elaborado
pela Sociedade Americana de Psiquiatria (APA).

A partir de Yano (2015), compreendemos que esta adesão dos psicólogos aos referidos
manuais e instrumentos acontece pela imensa variedade de definições conceituais e
terminológicas de transtornos psicopatológicos neles expostos, sendo ofertadas explicações
detalhadas do que são consideradas inadequações comportamentais, emocionais e cognitivas,
25

as quais são utilizadas como referência para determinar o que é normal e anormal e saudável e
não saudável de acordo com o modelo biomédico.

Segundo a autora, este modelo se direciona pela observação dos sintomas


manifestados pela pessoa e em atenção a determinados critérios, tais como: os critérios
estatísticos, em que a anormalidade é determinada pelos aspectos comumente não
compartilhados pela maioria da população; os critérios biológicos e/ou fisiológicos,
considerando o conceito de saúde atrelado a um estado de completo bem-estar físico, mental e
social com base na OMS; e, dentre outros, os critérios valorativos, que são atrelados ao
sistema sociocultural, observando, para tanto, os desvios em relação à norma estabelecida (de
acordo com a maioria), os quais podem trazer sofrimento e prejuízos a si e/ou aos outros.

Assim, mediante a observação de características destes e de outros critérios, todas as


pessoas que não se enquadram ao padrão de normalidade estabelecido são automaticamente
classificadas como deficientes e/ou anormais, cabendo aos profissionais que se utilizam destes
instrumentos técnicos em suas práticas refletirem e avaliarem quais critérios oferecem a
solidez científica e o comprometimento ético e político que tanto buscam para a sua prática.

Dito isto, nos encaminhamos para o término desta seção, frisando que o processo de
desenvolvimento e reformulação do Psicodiagnóstico sofreu influências de pensamentos
teóricos diversos, sendo estes apontados como propulsores da evolução, mudança e integração
deste processo ao campo psicoterápico, visto que foi impelido a adotar um caráter terapêutico
sem perder de vista suas especificidades investigativas.

Assim, reiteramos que as alterações sofridas pelo Psicodiagnóstico durante seu


percurso de desenvolvimento transpôs seu status de prática com maior possibilidade de
atuação e manejo da clínica psicológica, para apenas um trabalho secundário, submetido ao
contexto psicoterápico, ao qual continua atrelado atualmente, auxiliando, assim, na
identificação, ou não, de necessidades terapêuticas.

Na próxima seção, daremos continuidade à discussão acerca do Psicodiagnóstico, onde


serão destacados os posicionamentos de alguns autores que dedicaram seus esforços aos
estudos dessa prática clínica psicológica. Concluiremos apresentando uma definição
conceitual atualizada para o Psicodiagnóstico.
26

2.2 Definição e Conceituação do Psicodiagnóstico

Ao consultarmos a literatura acerca do Psicodiagnóstico foi possível identificar a


existência de algumas convergências conceituais significativas sobre tal processo. Na
compreensão de Arzeno (1995), o Psicodiagnóstico configura um processo diferenciado de
uma avaliação psicológica, pois se utiliza de instrumentos e técnicas, como os testes
psicológicos, algo que, segundo a autora, nem sempre é necessário numa avaliação
psicológica.

Para Cunha (2007), o Psicodiagnóstico pode ser entendido como um processo de


avaliação psicológica voltado a desígnios clínicos, ou seja, é um processo que preconiza
desvendar as fragilidades e as potencialidades do sujeito em meio ao enfrentamento de sua
realidade cotidiana, havendo, para tanto, necessariamente, a utilização de testes e outras
técnicas ou estratégias psicológicas. Assim, a autora afirma que o Psicodiagnóstico: “É um
processo que visa a identificar forças e fraquezas no funcionamento psicológico, com um foco
na existência ou não de psicopatologia.” (CUNHA, 2007, p. 23).

Dando continuidade ao que concebe como o processo de Psicodiagnóstico, Cunha


(2007, p. 26, grifos do autor) segue apontando que:

Psicodiagnóstico é um processo científico, limitado no tempo, que utiliza


técnicas e testes psicológicos (input), em nível individual ou não, seja para
entender problemáticas à luz de pressupostos teóricos, identificar e avaliar
aspectos específicos, seja para classificar o caso e prever seu curso possível,
comunicando os resultados (output), na base dos quais são propostas
soluções, se for o caso.

Ocampo e Arzeno (2009), em comum acordo, dão sua contribuição ao descreverem o


Psicodiagnóstico como um processo limitado no tempo que inclui obrigatoriamente a
utilização de testes psicológicos, além de técnicas projetivas, não sendo viável, no entanto,
uma investigação do tipo psicanalítico, onde se utiliza as entrevistas abertas, denominadas de
associação livre, devido à limitação do tempo requerido para a realização do processo de
Psicodiagnóstico.

Ao discorrer um pouco mais sobre as estratégias utilizadas em um processo de


Psicodiagnóstico, as referidas autoras afirmam que os testes projetivos, em especial, são
27

instrumentos fundamentais para tal prática, pois apresentam certas vantagens que os tornam
insubstituíveis e imprescindíveis, já que possuem padronização, característica esta que dá ao
diagnóstico maior confiabilidade, trazendo à tona aspectos patológicos que estão escondidos e
que a entrevista por si só não teria capacidade de dar conta.

Em contrapartida, Trinca (1983 apud HUTZ, 2016) aponta que a utilização ou não de
testes psicológicos depende do posicionamento teórico do profissional quanto ao processo
clínico de cada pessoa. Já o posicionamento do Conselho Federal de Psicologia (CFP), no teor
de sua Cartilha do ano de 2013, menciona o Psicodiagnóstico como sendo uma das
modalidades de investigação psicológica.

[...] no âmbito da intervenção profissional, os processos de investigação


psicológica são denominados de avaliação psicológica, descritos em termos
de suas modalidades – psicodiagnóstico, exame psicológico, psicotécnico ou
perícia. (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 34)

O CFP define o Psicodiagnóstico como uma das modalidades insertas na Avaliação


Psicológica, sendo esta configurada como qualquer atividade da área de investigação
psicológica, podendo o Psicodiagnóstico ser caracterizado como:

[...] um amplo processo de investigação, no qual se conhece o avaliado e sua


demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão mais apropriada
do psicólogo. Mais especialmente, a avaliação psicológica refere-se à coleta
e interpretação de dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos
confiáveis, entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica.
(CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2013, p. 11)

Com isto, buscamos entender quais os aspectos mais importantes para a realização do
processo de Psicodiagnóstico, para tanto, ressaltamos a perspectiva de Hutz (2016, p. 24),
assinalando que: “[...] o que define um Psicodiagnóstico relaciona-se mais ao caráter
investigativo e ao diagnóstico do que a necessidade do uso de determinado tipo de
instrumento de coleta de dados”.

Assim, ao realizarmos esta breve discussão terminológica e conceitual acerca do


Psicodiagnóstico, havendo para tanto a consideração de alguns dos principais referenciais
teóricos sobre tal temática, Cunha (2007), Hutz (2016) e Ocampo e Arzeno (2009),
identificamos a existência de algumas contradições que dificultam chegar ao estabelecimento
28

de uma definição consensual sobre o que é o Psicodiagnóstico. Isto porque, para alguns
teóricos, cabe ao Psicodiagnóstico à utilização obrigatória de testes psicológicos, já para
outros teóricos, a utilização destes instrumentos não parece ser necessária e nem viável em
determinados casos.

Compreendemos, então, que a falta de um consenso terminológico e conceitual desta


prática clínica psicológica reflete bem o seu caráter particular, implicado tanto em relação ao
olhar e perspectiva adotada pelo profissional (devendo este sempre estar fundamentado
teórico e metodologicamente), quanto ao processo em si, envolvendo um desdobramento
único para cada pessoa e situação investigada.

Todavia, ao tentar cumprir o que nos dispusemos a realizar, traremos a definição de


Psicodiagnóstico que nos pareceu ser a mais atualizada e a que melhor abrange as
características apontadas pela literatura aqui evidenciada e também por profissionais da área
de avaliação psicológica, que é a definição apresentada por Hutz (2016, p. 27):

O psicodiagnóstico é um procedimento científico de investigação e


intervenção clínica, limitada no tempo, que (pode) empregar técnicas e/ou
testes com o propósito de avaliar uma ou mais características psicológicas,
visando um diagnóstico psicológico (descritivo e/ou dinâmico) construído à
luz de uma orientação teórica que subsidia a compreensão da situação
avaliada, gerando uma ou mais indicações terapêuticas e encaminhamentos.

Para Hutz (2016), ao se realizar um processo de Psicodiagnóstico há que se


comprometer cientificamente por meio da adoção de um referencial teórico-metodológico que
possibilite investigar, conhecer e intervir sobre determinada demanda ou fenômeno humano, e
que para se alcançar tal finalidade, não necessariamente o psicólogo deve se utilizar de testes
psicológicos, pois se há um aspecto fundamental no diagnóstico psicológico, definitivamente
não é nenhum teste ou técnica de exame, mas sim, a pessoa que está em avaliação, e, em
segundo plano, todas as técnicas, testes e demais estratégias utilizadas para a interpretação da
medida psicológica, sendo esta última o resultado do processo diagnóstico.

Na perspectiva de Cunha (2007) cabe ao profissional que atua no campo do


Psicodiagnóstico desenvolver conhecimentos e habilidades que agreguem suportes teóricos e
conceituais, técnicas que fundamentem sua percepção acerca da pessoa e da situação
investigada, além de ter uma destreza no uso de instrumentos de avaliação, bem como na
elaboração de documentos psicológicos como declarações atestados, laudos, pareceres e
29

relatórios, pois tais documentos caracterizam o meio formal indicado para a comunicação do
resultado do processo a quem o tiver solicitado e/ou a quem interessar.

Porém, como dito anteriormente, não é verdade que um Psicodiagnóstico necessite


sempre do uso de testes psicológicos para que seja considerado válido ou confiável. A adoção
desses instrumentos de avaliação em um Psicodiagnóstico é uma opção técnica e ética do
psicólogo, que ao atuar em tal campo deverá considerar suas condições pessoais e
conhecimentos técnicos para avaliar o caso e, a partir disso, ele irá concluir quanto à
relevância do uso ou não de um teste ou técnica para o oferecimento de um processo de
investigação, avaliação e intervenção confiável (HUTZ, 2016).

Assim, diante das colocações apresentadas acima e ponderando também sobre o que
anteriormente fora discutido neste presente trabalho acerca da trajetória de constituição,
reformulação e refinamento teórico e metodológico pelo qual passou e ainda passa o
Psicodiagnóstico, entendemos que este, na atualidade, não deve ser considerado como um
procedimento atuante em diferenciações individuais e meramente investigativas a se realizar
amplamente por psicólogos nas mais diversas abordagens psicológicas e nos mais variados
contextos, pois seu alcance limita-se ao âmbito clínico ou psicoterápico, sendo então uma
prática ao mesmo tempo investigativa e interventiva.

Com isto, evidenciamos o Psicodiagnóstico Interventivo, cuja prática integra


aspectos avaliativos e terapêuticos, sendo um procedimento psicológico que se diferencia da
prática do psicodiagnóstico tradicional por apresentar uma significativa evolução
epistemológica e metodológica a partir de redefinições e modificações em sua
operacionalização clínica.

A seguir, buscaremos retratar a operacionalização do processo de Psicodiagnóstico


Interventivo, sendo, então, destacadas as características, os objetivos, os momentos e os
procedimentos considerados necessários para a sua realização.

2.3 Operacionalização do Psicodiagnóstico Interventivo: Características, Objetivos,


Momentos e Procedimentos

No intuito de retratar as características e a operacionalização do processo de


psicodiagnóstico tomaremos como referência as perspectivas de Cunha (2007), Ocampo e
30

Arzeno (2009) e Hutz (2016), entendendo que as visões destas autoras e autores refletem um
conhecimento amplo e dinâmico sobre o Psicodiagnóstico na atualidade.

Esse novo olhar para o Psicodiagnóstico busca a superação das relações de


determinação (nexo causal) pela consideração das relações entre as variáveis ou fenômenos
presentes na situação-problema a ser investigada e avaliada, reiterando que o que é
sintomático em um contexto pode não ser em outro, e que um sintoma único não possui valor
diagnóstico.

Ao descrever as características do processo psicodiagnóstico Ocampo e Arzeno, (2009,


p. 11) afirmam que

[...] o processo psicodiagnóstico configura uma situação com papéis bem


definidos e com um contrato no qual uma pessoa (o paciente) pede que a
ajudem, e outra (o psicólogo) aceita o pedido e se compromete a satisfazê-lo
na medida de suas possibilidades. É uma situação bipessoal (psicólogo-
paciente) ou (psicólogo-grupo familiar), de duração limitada.

Trazendo à tona também as características avaliativas e interventivas alusivas ao


processo de psicodiagnóstico, estes autores destacam a necessidade e a importância de se
identificar a queixa ou a situação a ser investigada. Sobre tal questão, Cunha (2007) salienta
que este deve ser um momento de identificação e reconhecimento de alterações ou mudanças
nos padrões de conduta comum ao modo de ser da pessoa, podendo tais alterações ser
percebidas como sendo, tanto de natureza quantitativa, quanto qualitativa ou ambas. Assim, a
identificação da queixa ou problema deve ser baseada nas dificuldades pelas quais a pessoa
está passando, com que sinais ou sintomas se apresenta e o que pode estar causando tais
dificuldades.

Para a referida autora, o momento de identificação das alterações é muito importante,


pois ajudará na escolha dos procedimentos que serão utilizados durante o processo
psicodiagnóstico. Outros aspectos perpassam esse momento de escolha dos procedimentos,
pois há um direcionamento por parte da perspectiva teórica de cada profissional, além da
experiência deste, como também da própria demanda que orientará o psicólogo para um
processo de psicodiagnóstico com viés ou mais descritivo, ou mais compreensivo, ou com
ambos os vieses.
31

Ainda segundo esta autora, as demandas podem ser mais objetivas ou mais amplas,
ambíguas e genéricas. Elas são objetivas quando há um norteador para a avaliação, ou seja,
quando há uma questão a ser respondida, como, por exemplo, indicar a existência ou não de
um transtorno. Neste caso, o foco estaria na investigação, identificação e classificação do
problema em si, ou seja, nos sinais e/ou sintomas percebidos. Quanto às demandas mais
amplas, ambíguas e genéricas, comumente são percebidas após o início do processo, pois a
busca seria, por exemplo, não a identificação de um transtorno, mas dos fatores
desencadeantes e mantenedores do problema vivenciado.

Com relação à natureza das alterações em nível quantitativo, busca-se perceber aquelas
de ordem autolimitadas, ou seja, quando há a presença de exagero ou diminuição de um
padrão de comportamento usual da pessoa. Para este nível de avaliação os critérios de
intensidade e/ou persistência da alteração devem ser também ponderados clinicamente, o que
implica dizer que, neste ponto do processo, o olhar clínico busca referência na expectativa
social quanto à percepção de alterações que perturbem ou comprometam negativamente a
rotina da pessoa em seu contexto.

Em relação aos aspectos qualitativos, convém atentar para os sinais considerados


inapropriados, de aspecto estranho, bizarro ou esquisito em um determinado contexto social,
onde mesmo uma pessoa com pouco conhecimento sobre o assunto tende a relacionar essas
alterações comportamentais como sendo um problema ou uma séria dificuldade.

Cunha (2007), Ocampo e Arzeno (2009) e Hutz (2016) apresentam três objetivos
primordiais para o Psicodiagnóstico Interventivo: 1) um diagnóstico diferencial, onde se
pretende distinguir ou diferenciar um diagnóstico de alternativas diagnósticas variadas,
podendo estas apresentarem sinais semelhantes no intuito de possibilitar um melhor
direcionamento do tratamento, caso seja necessário; 2) uma avaliação compreensiva,
ocorrendo de forma global ao considerar o nível de funcionamento da personalidade da pessoa
e seu suporte emocional atual, no sentido de facilitar a indicação de recursos terapêuticos; e,
por fim, 3) um entendimento dinâmico, buscando ultrapassar o objetivo anterior ou inicial
por um nível mais elevado de inferência clínica, considerando, para tanto, a realidade e o
contexto vivenciado pela pessoa avaliada.

Com tais objetivos, ao se realizar um Psicodiagnóstico, faz-se necessário relacionar as


informações obtidas no contato com o cliente à base teórica adotada pelo psicólogo, o que,
por sua vez, possibilita a prevenção diagnóstica, ocorrendo, então, uma avaliação sobre os
riscos possíveis para a pessoa durante o processo, ao se identificar as forças e fraquezas, bem
32

como as implicações de um possível diagnóstico como parte do prognóstico, ao determinar o


curso provável para o caso.

Quanto aos principais instrumentos ou técnicas a serem utilizadas para a realização


do Psicodiagnóstico Interventivo, são destacados pelos referidos autores: a Entrevista
Semidirigida ou Clínica, os Testes Psicométricos e as Técnicas Projetivas.

• Entrevista Semidirigida ou Clínica → é uma técnica de investigação que permite à


pessoa em avaliação ter liberdade suficiente para expressar suas dificuldades e
conflitos pessoais ao entrevistador, podendo começar por onde preferir e incluir o que
desejar. Essa técnica possibilita ao profissional conhecer com profundidade a história
de vida da pessoa avaliada, correspondendo à necessidade de obter variadas
informações desta para o andamento do processo.

• Testes Psicométricos → são instrumentos de mensuração objetivos e padronizados


comumente utilizados na investigação do comportamento e demais aspectos da pessoa
avaliada que são considerados relevantes no processo psicodiagnóstico, tais como o
desenvolvimento social, motor, cognitivo (memória, inteligência, atenção, percepção
etc.), entre outros.

• Técnicas Projetivas → são instrumentos onde as respostas são sempre projetivas,


representativas e reveladoras da maneira particular da pessoa em avaliação ver a
situação, sentir e interpretar. Favorece a exploração de aspectos que não poderiam ser
investigados a partir da entrevista clínica como, por exemplo, a conduta gráfica.

Contudo, salientamos que a escolha dos procedimentos para a realização do processo


psicodiagnóstico é individual de cada profissional, que em sua prática precisa estar
confortável, qualificado e seguro com os métodos e ou estratégias que for utilizar, tendo em
mente que a ordem de aplicação dos instrumentos deve ser pensada conforme o caso e que as
decisões tomadas ao planejar o processo psicodiagnóstico devem ter sempre uma justificativa
coerente com a necessidade da situação.

De acordo com Ocampo e Arzeno (2009), o enquadre para a realização do processo


perpassa pelos seguintes pontos: esclarecimento dos papéis de cada parte integrante do
processo de psicodiagnóstico mediante o contrato inicial; definição dos locais de realização
das entrevistas e aplicação dos instrumentos; definição do horário e duração estimada para a
realização do processo; e definição dos honorários.
33

Em relação aos momentos do processo psicodiagnóstico propriamente dito, as


autoras consideram os seguintes passos:

1. Marcação do primeiro atendimento por parte da pessoa que será avaliada e/ou dos
interessados na realização do processo psicodiagnóstico, tais como os responsáveis
por essa pessoa;

2. Realização do primeiro contato e entrevista inicial com a pessoa em avaliação e/ou os


seus responsáveis, principalmente quando esta for uma criança ou adolescente, no
intuito de esclarecer o motivo do atendimento. Neste momento, o profissional buscará
identificar possíveis fantasias sobre o problema e defesas ou resistências que a pessoa
e a família possam ter;

3. Escolha de testes psicológicos e/ou técnicas projetivas, considerando um planejamento


prévio da instrumentação adequada com baterias padronizadas ou não, contanto que a
estratégia escolhida (verbal, gráfica e/ou lúdica) consiga apreender o maior número de
condutas ou comportamentos em avaliação. Inicialmente, é indicado o uso de testes
menos ansiogênicos, como os testes gráficos, que possuem um tempo de aplicação
curto e abarcam aspectos importantes, porém, são menos invasivos, deixando a pessoa
mais relaxada no momento de sua aplicação. Em seguida, recomenda-se alternar a
aplicação utilizando-se outras técnicas projetivas e testes psicométricos.

4. Aplicação dos instrumentos e técnicas e, em seguida, o estudo de todo o material


produzido e avaliado em correlação com a história da pessoa e seu grupo familiar;

5. Encerramento do processo, em que há uma devolução verbal ao cliente e/ou aos


responsáveis por meio de entrevistas de devolução, tomando o cuidado para não
assumir uma postura de superioridade; e

6. Se for solicitado, elaboração de um documento por escrito (laudo, relatório, parecer)


apresentando a descrição de como foi o andamento do processo psicodiagnóstico, bem
como a sua conclusão.

Diante de todas as colocações apresentadas, bem como a partir da operacionalização e


do desenrolar do processo psicodiagnóstico explanado, observamos que este processo pode
ser entendido como uma prática que acontece mediante um primeiro contato e que vai se
construindo no cotidiano de cada encontro entre o psicólogo e a pessoa em avaliação.
34

Destarte, como dito anteriormente, é no andamento do processo psicodiagnóstico que


se definem as estratégias e os instrumentos para as intervenções ou tomada de decisões,
podendo este se orientar por um viés mais descritivo ou mais compreensivo. Todavia, o mais
importante é que o profissional intervenha com atitudes e métodos que possam promover
suporte emocional à pessoa em avaliação, objetivando amenizar o sofrimento comumente
responsável pelas somatizações ou complicações clínicas.

Corroborando com tal afirmação, Hutz (2016, p. 50), assinala que

[…] “diagnosticar” alguém é algo secundário, caso se pense que, ao


identificar as forças e as fraquezas do avaliando, estamos tentando
entender o que se passa com ele nesse momento de sua vida e de quais
recursos dispõe para que seja possível formular recomendações
terapêuticas adequadas (terapia breve e prolongada, individual,
sistêmica, de grupo, entre outras; frequência; tratamento
medicamentoso; etc.).

Após a realização desta exposição das características e momentos do processo de


Psicodiagnóstico Interventivo, consideramos como sendo o principal objetivo da sua prática o
aprofundamento dos aspectos subjetivos da pessoa em avaliação, na tentativa de trazer à tona
o que aparentemente encontra-se imerso, latente, além de construir com a pessoa avaliada um
roteiro de sua historia clínica. Para tanto, a entrevista, a escuta clínica e os testes psicológicos
objetivos e projetivos podem ser utilizados como ferramentas principais do processo, levando
o profissional, juntamente com a pessoa em avaliação, a desvendar os motivos da queixa
inicialmente apresentada, para, a partir daí, formular recomendações terapêuticas cabíveis.

Por fim, concluímos que, se o Psicodiagnóstico ocorre a partir de um primeiro contato


com a pessoa em avaliação, cabe salientar a potência da escuta clínica para esse processo. Isto
porque tal escuta trata-se também de um acolhimento, sendo este o principal aparato para a
formação de um vínculo entre o profissional e o avaliado numa prática interventiva, bem
como para a geração de segurança e tranquilidade, no intuito de que a pessoa expresse suas
angústias, medos, dúvidas e aflições, mediante tal disponibilidade do psicólogo para acolher
e, se for necessário, fazer um encaminhamento para outro especialista.

No próximo capítulo, discorreremos sobre a Gestalt-Terapia, referencial teórico


escolhido para fundamentar nosso trabalho.
35

3 GESTALT-TERAPIA: PRINCIPAIS FUNDAMENTOS E CONCEITOS

O presente capítulo tem o intuito de apresentar a abordagem da Gestalt-Terapia a


partir de uma breve explanação sobre o seu surgimento, e sua compreensão de homem e
mundo, da discussão dos seus pressupostos filosóficos e teóricos e dos principais conceitos
implicados na composição deste trabalho.

3.1 Gestalt-Terapia e sua Compreensão de Homem e Mundo

Inicialmente, a Gestalt-Terapia foi uma teoria idealizada pelo psicanalista judeu de


origem alemã Friedrick Solomon Perls (1893-1971), por volta de 1951, na cidade de Nova
York. Neste período, havia por parte de Perls certo descontentamento e discordância para com
a corrente psicanalítica de Sigmund Freud, fato que o impulsionou a recorrer a suportes
teóricos variados no intuito de desenvolver sua própria teoria, sendo esta reconhecida apenas
alguns anos mais tarde na Califórnia (PIMENTEL, 2003).

Embora Perls tenha um maior destaque por ter sido o idealizador desta abordagem,
faz-se necessário ressaltar que durante todo o processo de construção da Gestalt-Terapia, esta
pôde contar com a colaboração dos membros que compunham o denominado Grupo dos
Sete, formado pelos artistas e intelectuais Izadore From, Paul Goodman, Paul Weisz,
Sylvester Estman, Elliot Shapiro, além de Laura Perls (esposa de Perls) e ele próprio (PERLS;
HERFELINE, GOOLDMAN, 1997).

Salientamos que, do ponto de vista etimológico, a palavra Gestalt é um termo alemão


adotado no mundo todo, que significa forma, isto é, pode ser entendida como uma
configuração ou formação que se destaca mediante sua estrutura concreta, individual e
significante da realidade humana e do processo de constituição, crescimento e transformação
do homem (FRAZÃO, 2013).

Neste sentido, destacamos que, epistemologicamente, a Gestalt-Terapia se caracteriza


como uma abordagem psicoterapêutica que se constituiu em um dos expoentes da Psicologia
Humanista, sendo esta, historicamente, denominada a terceira força em Psicologia, que se
caracteriza por considerar a totalidade do ser humano e se posicionar significativamente
distinta das demais perspectivas em Psicologia existentes na época, tanto em relação ao
36

pensamento psicanalítico (primeira força em Psicologia), quanto ao entendimento


behaviorista (segunda força em Psicologia) referente à concepção de homem e mundo.

De acordo com Mendonça (2013), esta distinção pode ser entendida pelo
descontentamento apresentado por alguns psicólogos em relação ao domínio ou ao
protagonismo exercido por tais perspectivas em determinado período da história psicológica,
fator este que demandava demasiada concentração de interesses apenas em partes ou aspectos
do ser humano, estabelecendo uma visão limitada e/ou restrita sobre o homem.

A respeito deste assunto, a referida autora afirma que

Os psicólogos humanistas eram contrários a essas duas correntes por


considerar que ambas concentravam-se apenas em partes do ser humano,
desatentos à complexidade da pessoa pela ênfase nas partes (um, no
comportamento observável; a outra na dimensão inconsciente)
(MENDONÇA, 2013, p. 77).

Destarte, com a perspectiva humanista, a Gestalt-Terapia apreende uma nova


percepção sobre a humanidade. Para tanto, os psicólogos humanistas ampliaram sua
consideração para além dos aspectos obscuros, adoecidos e/ou negativos da personalidade do
homem. Em contrapartida, tais profissionais se empenharam em desvelar o que de mais
positivo há na existência humana, evidenciando as forças e potencialidades inerentes a tal
existência, considerando, sobretudo, a totalidade do homem ao invés de interessar-se apenas
em alguns elementos de sua realidade.

É importante ressaltar que, além da perspectiva humanista, a Gestalt-Terapia,


enquanto abordagem psicológica abarcou também o olhar fenomenológico-existencial acerca
do homem e do mundo, o que possibilitou o fortalecimento e a configuração de suas bases
filosóficas, promovendo o desvelamento do homem consciente, sendo este considerado como
capaz de conscientizar-se de sua totalidade, de seu potencial de vida e de suas limitações
internas e externas. Além disso, a contribuição do olhar fenomenológico-existencial
representou também um resgate da experiência vivencial do homem em seu momento
presente, bem como da liberdade de escolhas e da responsabilização por estas (RIBEIRO,
2012).

Assim, ao realizarmos uma explanação sobre a compreensão de homem e mundo a


partir da Gestalt-Terapia refletimos sobre a necessidade de toda prática psicológica ser
37

pautada numa compreensão dos modos do homem lidar com sua realidade ao vivenciar seu
processo interativo, relacional e de contato com o mundo.

Neste sentido, nos propomos a afirmar a existência de uma íntima articulação entre os
alicerces filosóficos e teóricos, os recursos metodológicos e a concepção de homem da
Gestalt-Terapia, sendo este homem encarado nesta abordagem psicoterapêutica como um ser
ativo e experiencial. Nesse processo interativo, ele é, ao mesmo tempo, tanto um agente de
transformação, como também um ser em constante possibilidade de mudança. Sobre este
processo dialético entre o homem e o mundo e a partir de uma concepção integrada e
relacional em Gestalt-Terapia, Polster (2001, p. 113-14), aponta que

O contato é o sangue vital do crescimento, o meio para mudar a si mesmo e a


experiência que se tem de mundo. A mudança é um produto inevitável do
contato porque se apropriar do que é assimilável ou rejeitar o que é
inassimilável na novidade irá inevitavelmente levar à mudança. [...]. O
contato é implicitamente incompatível com o permanecer o mesmo. A
pessoa não precisa tentar mudar por meio do contato; a mudança
simplesmente acontece.

Diante de tal percepção, podemos afirmar que o homem é, entre tantas outras
concepções (que serão explanadas ao longo desta seção), um ser relacional, sendo importante
e inevitável o reconhecimento da existência de uma interdependência e integralidade entre as
dimensões ou aspectos da existência humana como: fatores emocionais, cognitivos, orgânicos,
biológicos, comportamentais, sociais, históricos, culturais, geográficos e espirituais. De
acordo com Aguiar (2015, p. 28, grifos do autor), “o ser humano cresce e desenvolve-se ao
longo do tempo na e a partir da relação: nós existimos em relação, não havendo outra forma
de nos constituirmos que não seja essa”.

É importante salientar que as concepções aqui desveladas acerca do homem e o mundo


corroboram com as visões humanista, fenomenológica e existencialista de ser humano,
configurando, assim, os pressupostos filosóficos que fundamentam teórica e
metodologicamente a prática em Gestalt-Terapia, e que serão discutidas com maior
profundidade na próxima seção.

Ainda segundo Aguiar (2015), tais perspectivas filosóficas asseguram que, ao


vivenciar seu fluido percurso de desenvolvimento e descoberta de si e do mundo, o homem
também se caracteriza como um ser de potencialidades capaz de se autogerir e regular-se.
38

Também é um ser de intencionalidades, não sendo possível dissociar-se do seu campo


vivencial, pois é a partir de suas escolhas, ações e experiências no mundo que pode ocorrer
um processo de crescimento e atualização constante. A partir destas perspectivas, o homem
pode também ser concebido como um ser inacabado, processual, já que a qualquer momento
da sua vida ele pode ser modificado e vir a ser algo novo.

Assim, ao trazer à tona a perspectiva existencial em que se fundamenta a concepção


processual de ser humano, Cardoso (2013, p. 60) assinala que

Nascemos como seres de possibilidades e escolhemos a todo instante, ao


longo de toda a nossa existência, aquilo que queremos ser. Só existindo o ser
humano poderá ser. Portanto, o homem é um ser de gerúndio, que designa
ação, movimento, e não de particípio, que indica uma ação já finalizada: ele
nunca é, mas sempre “está sendo”.

Evidenciamos até o presente momento as concepções relacional e processual de ser


humano. Com isto, avançaremos com a explanação das características intrínsecas à
compreensão de homem e mundo em Gestalt-Terapia ressaltando também a concepção
integral e holística de ser humano, que remete à constituição de uma totalidade que
transcende a perspectiva dualista, fragmentada, dicotômica de homem e de mundo (mente-
corpo e homem-mundo) tão amplamente disseminada no cenário científico.

Sobre tal discussão, Ribeiro (2016) destaca que

Tentar resgatar o ser humano, sem levar em conta que ele é, essencialmente,
corpo-mente-meio ambiente, é desconhecer a verdadeira essência da pessoa
e torná-la inatingível à psicologia e a qualquer forma de psicoterapia
(RIBEIRO, 2016, p. 21).

Assim, a Gestalt-Terapia mostra-se contrária a qualquer posicionamento dicotômico


sobre o homem e o mundo, isto porque tal abordagem considera que as experiências, o
desenvolvimento e a constante atualização humana atuam como possibilidades do
reconhecimento de sua totalidade, que, por sua vez, se desvelam mediante a consideração da
integralidade das tríades corpo-mente-meio ambiente (ou animalidade, racionalidade e
ambientalidade), que são elementos característicos e necessários para o desvelamento do ser-
do-mundo (RIBEIRO, 2016).
39

Salientamos que a concepção holística de ser humano representa um dos principais


posicionamentos da abordagem gestáltica, já que, primordialmente, por meio de suas bases
teóricas, tal perspectiva considera a totalidade e a integralidade das coisas, do universo e do
homem. A partir desta concepção, este homem é percebido para além de suas características
isoladas, não sendo compreendido apenas como um ser biológico, psicológico, social,
histórico ou cultural, mas sim como um ser mutuamente implicado em tais dimensões e
integrado a todos os elementos presentes em seu campo relacional e contextual. Assim, o
homem não apenas se insere no mundo, mas é parte deste, da natureza e do universo, ou seja,
é um todo que faz parte de um todo ainda maior (PIMENTEL, 2003).

Discutindo a totalidade e a implicação dos aspectos em meio à realidade humana,


Aguiar (2015, p. 28) afirma que “A organização desses elementos interdependentes é regida
por uma força que visa sempre à busca de equilíbrio. Assim, o que ocorre em uma parte
sempre afeta as outras e, por conseguinte, a totalidade do indivíduo”. Dessa forma, a visão
integral, holística e totalizante de homem nos possibilita compreender o quão complexo,
dinâmico e integrado é o processo vivencial da existência humana. Assim, ao interagir com
seu meio, o homem torna-se um ser biopsicossocial, havendo inter-relação e afetação mútua
entre as dimensões envolvidas em sua realidade interna e externa, entre os aspectos
biológicos, psicológicos, sociais e culturais.

Ainda sobre a concepção integral do ser humano, Ribeiro (1985) destaca que partes
como a aparência, os comportamentos, as dores, os lamentos, as queixas, os sentimentos,
entre outras, são precedidas em relação ao seu todo. Portanto, não devem ser desconsideradas,
pois tais partes representam a forma escolhida pelo organismo para revelar sua totalidade,
tornando possível a compreensão da complexidade e singularidade da existência humana. O
autor ainda considera que

O homem é um todo eminentemente complexo. Seu todo chega até nós


precedido de suas partes. Ele se lamenta, sente tensões, dores musculares,
chora, etc. São as partes que nos são trazidas para ser “curadas”. Estas
partes, no entanto, só têm significado a partir do seu todo. [...]. Acima de
tudo, nós pensamos que estas interconexões obedecem a uma sabedoria do
organismo, que, em termos de sistema, distribui energia nova lá onde existe
alguma carência (RIBEIRO, 1985, p. 71).

Com isto, compreendemos também que a concepção holística, integral e totalizante de


homem e mundo potencializa a consideração dos sentidos e significados, da problematização
40

histórica e contextual, das experiências e da singularidade humana que se desvelam mediante


a compreensão dos modos de contato desenvolvidos em sua realidade, dos mecanismos de
resistência ou evitação utilizados no enfrentamento das exigências ambientais, bem como dos
padrões relacionais vivenciados.

A fim de concluirmos nossa breve explanação acerca da compreensão de homem e


mundo a partir da Gestalt-Terapia, torna-se também indispensável desvelar as características
inerentes à constituição singular da existência humana. Neste sentido, Ribeiro (2012) aponta
que o conceito de singularidade, intrinsecamente implicado à existência humana, permite ao
homem o seu próprio existir enquanto modo característico de estar no mundo. Isto porque tal
singularidade torna possível a realização de escolhas e ações próprias, pois, ao diferenciar-se
de todas as coisas que são determinadas e estáticas no mundo, o homem pode sentir, pensar,
falar, criar, inventar e agir mediante seu modo singular de experienciar a si e ao mundo.

Contudo, ao mesmo tempo em que o homem apresenta diferenças em seu modo de


viver a realidade, ele é também totalmente e irremediavelmente interligado ao outro, já que o
descobrir-se, conhecer-se como ser no mundo com potencialidades e limitações, autonomia,
liberdade e responsabilidades significa também conscientizar-se da existência de um processo
de redescobrimento das possibilidades de existência que só é possível a partir do encontro, do
contato autêntico consigo e com o mundo (POLSTER, 2001).

Assim, podemos afirmar que a Gestalt-Terapia compreende o homem como um ser


relacional em constante contato e integração com o mundo a sua volta, sendo caracterizado a
partir de uma visão holística, integral, relacional, processual, contextual e singular de ser e
estar no mundo. Ou seja, é na relação interativa e processual com o mundo que o homem tem
consciência de si, que percebe a sua totalidade, a humanidade compartilhada, bem como a
singularidade existencial, percebendo-se, ao mesmo tempo, como um ser igual e diferente
perante os outros.

Após explicitarmos o olhar da Gestalt-Terapia sobre o homem e o mundo, faz-se


necessário realizarmos, na sequência, a apresentação e discussão dos pressupostos filosóficos
que fundamentam teórica e metodologicamente esta abordagem, que são: o Humanismo, o
Existencialismo e a Fenomenologia.
41

3.2 Pressupostos Filosóficos da Gestalt-Terapia: o Humanismo, o Existencialismo e a


Fenomenologia

Historicamente, o Humanismo se destaca por conceber o homem como centro, isto é,


passou-se a reconhecer a dignidade e os direitos inerentes ao ser humano a partir de seus
valores e princípios. Tal reconhecimento mostrou-se decisivo para o posterior surgimento da
Psicologia Humanista na década de 1960 nos Estados Unidos, perspectiva também conhecida
como o movimento do potencial humano (MATTAR, 2010).

Nesta perspectiva, o homem passou a ser valorizado positivamente mediante o


reconhecimento de sua capacidade para a autorregulação e a autorrealização. Com base nesta
valorização positiva e na compreensão de tais preceitos acerca do homem, destacamos os
psicólogos americanos Abraham Maslow (1908-1970) e Carl Rogers (1902-1987) como os
maiores contribuintes do movimento da Psicologia Humanista (MENDONÇA, 2013).

Todavia, é importante frisar que o ponto de vista de Maslow denotava uma


caraterística mais individualista ao homem, já que acreditava na centralidade humana pela
existência de um potencial inato e independente do mundo exterior. Enquanto Rogers, ao
basear-se em sua experiência clínica, considerava a percepção humana sobre as circunstâncias
da realidade presente como um dos aspectos importantes para o crescimento e o
desenvolvimento potencial do homem. Ou seja, Rogers acreditava que uma mudança
favorável poderia ocorrer desde que condições favoráveis fossem percebidas, “desde que [a
pessoa] encontrasse um campo propício [para o seu crescimento e desenvolvimento]”
(MENDONÇA, 2013, p. 78).

Deste modo, ainda que o homem possua internamente os recursos para o seu
crescimento, equilíbrio e autorrealização, sendo um agente na modificação dos seus valores,
conceitos, atitudes e comportamentos, bem como no desenvolvimento do seu potencial, esses
recursos só serão desvelados caso haja um clima facilitador que favoreça o desenvolvimento
destes aspectos (LIMA, 2008).

Assim, reconhecemos a interconexão existente entre a perspectiva humanista e a


abordagem gestáltica, visto que ambas se unificam mediante a compreensão e valorização do
potencial autorregulador do homem, sendo este valorizado por sua autonomia e concebido
como um ser holístico, singular e, sobretudo, integrado ao que o cerca, constituindo-se por
42

meio do seu agir, pensar e expressar, considerando também suas potencialidades e limitações
(HEIDEGGER apud RIBEIRO, 2012).

Sobre a relação entre a Psicologia Humanista e a Gestalt-Terapia, Mendonça (2013)


ressalta a necessidade de o Gestalt-terapeuta refletir sobre a configuração humanista a qual se
alinha epistemologicamente. Com isto, destacamos a ampliação da integração cotidiana do
homem ao meio em que vive, considerando a importância do cuidado e da empatia para com
todos os seres vivos. Ou seja, a autora destaca a importância da superação do humanismo
antropocêntrico individualista, que concebe o homem centralizado em si mesmo,
manifestando a valorização do meio externo apenas diante da iminente falência de seus
recursos e de sua própria espécie. A discussão apontada por ela mostra-se significativamente
relevante mediante seu relato a seguir:

A nova revolução humanista é a que valoriza a vida das demais espécies e


não somente a da humana [...]. É necessário examinar se adotamos, de forma
inadvertida, o humanismo antropocêntrico individualista – centrado no Eu,
[...] ou se nosso humanismo inclui a awareness da identidade essencial da
condição humana [...] que, de forma vigorosa, nos impulsiona à aceitação de
todos, homens, animais e plantas, como membros de uma família universal
(MENDONÇA, 2013, p. 96-98, grifos do autor).

Demonstrando concordância com a perspectiva humanista que evidencia o cuidado


com o ser, Ribeiro (2012) ressalta que a Gestalt-Terapia, em sua práxis psicoterápica, prioriza
o homem em sua totalidade e integralidade com o mundo, considerando, sobretudo, suas
potencialidades e a tendência para o crescimento e a atualização, sem desconsiderar também
os limites e as dificuldades pessoais de cada pessoa. Neste sentido, destacamos que o
movimento humanista possibilitou o desvelar de novos valores sobre a humanidade,
permitindo, assim, uma ampliação na compreensão do potencial humano, bem como da
relação que o homem vivencia com o mundo e a natureza da qual faz parte.

Ao avançarmos na discussão dos pressupostos filosóficos que fundamentam a Gestalt-


Terapia, ressaltamos também a contribuição da perspectiva existencialista. Destarte, do ponto
de vista psicológico, o Existencialismo surgiu e se desenvolveu na primeira metade do século
XX com a proposta ou possibilidade de um aprofundamento da compreensão existencial
humana. Assim, podemos dizer que tal corrente filosófica se desenvolveu por meio de
reflexões acerca do homem mediante sua experiência autêntica, concreta e singular de se
relacionar com o mundo e vivenciar sua realidade (CARDOSO, 2013).
43

De acordo com Lima (2008), as reflexões empreendidas pelo Existencialismo refletem


as propostas dos seus principais pensadores, dentre os quais se destacam os filósofos Soren
Kierkegaard (1813-1855), Martin Heidegger (1889-1976), Jean Paul Sartre (1905-1980) e
Martin Mordechai Buber (1878-1965). Embora tais pensadores tenham demonstrado
particularidades quanto à compreensão do processo relacional entre o homem e o mundo,
todos evidenciaram uma mesma preocupação, que é a compreensão da condição existencial
humana, considerando, para tanto, os modos específicos de ser e estar no mundo.

A respeito de tais reflexões, Ribeiro (2012, p. 48) destaca que

A “existência” que aqui está implicada é o homem, que se torna o centro da


atenção, encarado como um ser concreto nas suas circunstâncias, no seu
viver, nas suas aspirações totais. Centrado nos problemas do homem, o
existencialismo penetra nos seus pensamentos concretos, nas suas angústias
e preocupações, nas suas emoções interiores, nas suas ânsias e satisfações.

Com isto, a perspectiva existencialista nos apresenta uma visão de homem como um
ser-no-mundo, de modo que o homem passa a ser valorizado por sua própria subjetividade,
responsabilidade e liberdade de escolhas, ao mesmo tempo em que se conecta ao mundo,
atribuindo a este um sentido próprio. Assim, a Gestalt-Terapia se apropria dos pressupostos
existencialistas como uma forma de apreender a existência humana mediante a valorização da
sua singularidade ao vivenciar a realidade.

Deste modo, Mendonça (2013, p. 60) afirma que

[...] o homem é concebido como um ser livre e responsável por construir sua
própria existência. [...]. Isto significa que o homem surge no mundo como
um ser particular, sem a possibilidade de definição prévia, e somente depois
poderá vir a ser. [...] ele é entendido como um ser livre para escolher sua
essência a cada instante, consumando, assim, seu projeto de vida e de ser no
mundo. Ao fazê-lo, torna-se o único responsável por sua existência.

Ou seja, é no decorrer do seu processo de constituição que o homem escolhe a todo


instante o que quer ser, tornando-se responsável pelo seu desenvolvimento e pela sua própria
existência, ainda que esta esteja irremediavelmente submetida às imprevisibilidades da sua
realidade e às suas limitações físicas, sociais, espaciais e temporais.
44

Ao prosseguirmos com a discussão proposta para esta seção, convém que realizemos
nossa terceira e última reflexão filosófica a partir dos pressupostos da Fenomenologia,
corrente filosófica que surgiu na Alemanha, no final do século XIX, por intermédio da
dedicação dos estudos do filósofo e matemático Edmund Husserl (1883-1969), nascido na
Morávia, pequena cidade da atual República Tcheca.

Contrariado com o prevalecimento da ciência positivista, que propunha o


estabelecimento de uma única ciência para o estudo de todos os fenômenos humanos, Husserl
encontrou no trabalho do filósofo, professor e psicólogo alemão Franz Brentano (1838-1917)
inspiração suficiente para revolucionar o modo como se pensava as ciências humanas. Isto
porque, em sua perspectiva filosófica, Brentano denotava seriedade e rigor científico
compatível ao que era esperado por Husserl na fundamentação de um saber científico, como
destaca Fragata (apud MATTAR, 2010, p. 78) ao mencionar o reconhecimento de Husserl em
relação à Brentano:

A pura objetividade com que (Brentano) tocava todos os problemas, a


sua exposição por meio de aporias, a finura dialética com que
ponderava todos os argumentos possíveis, o discernimento das
equivocações, o retorno às fontes primitivas dos conceitos filosóficos
na intuição – tudo isto, [...] encheu-me de admiração e segura
confiança.

Husserl construiu sua filosofia da ciência e do conhecimento colocando em questão os


pressupostos teóricos e metodológicos que deram início à sua fenomenologia, tendo o
fenômeno como objeto de estudo, que, na sua percepção, é:

Tudo aquilo de que podemos ter consciência, de qualquer modo que


seja. Portanto, não só objetos de consciência, mas também os próprios
atos enquanto conscientes sejam eles intelectivos, volitivos ou afetivos
(MATTAR, 2010, p. 78).

Deste modo, a Fenomenologia surge como uma atitude de aproximação e


compreensão dos fenômenos humanos, sendo estes desvelados por meio da redução
fenomenológica, que é um método caracterizado pela observação do fenômeno livre de
preconceitos e julgamentos em consideração ao modo singular como este se apresenta,
estando ele totalmente interligado às experiências cotidianas. Com isto, a Fenomenologia
45

constata o caráter intencional da consciência humana (intencionalidade) pela correlação


desta ao mundo da qual faz parte, além de evidenciar a importância do estudo descritivo das
experiências e relações humanas vivenciadas tais quais são percebidas, memorizadas,
sentidas, sonhadas ou imaginadas (REHFELD, 2013).

Destarte, o método fenomenológico criado por Husserl para acessar o fenômeno exige
um grande esforço em suspender todos os valores, preconceitos, teorias, crenças ou
julgamentos baseados em nossos próprios valores e princípios (redução fenomenológica),
para, então, contatar o fenômeno da maneira mais pura possível. Ou seja, é por intermédio da
redução fenomenológica que o fenômeno torna-se um modo de ser e existir em relação com o
mundo, o qual não deve ser reduzido, descrito ou determinado por um único aspecto ou
característica de sua existência, mas em integração ao restante de sua totalidade existencial.

Assim, Ribeiro (2012, p. 67) aponta que

Não se pode separar o fenômeno do ser. É o ser do fenômeno que interessa à


fenomenologia. A ela interessa o ser que se dá no fenômeno, por isso não há
como estudar o fenômeno sem estudar o ser. Por isso não basta compreender
a partir da existência, mas é a própria existência, é a existência em si que
está em jogo.

Isto implica dizer que a Fenomenologia e seu método de estudo dos fenômenos
humanos não se resume à proposta de descrever o que se vê, mas de buscar um encontro com
o sentido existencial daquilo que se vê em meio à totalidade humana. Trata-se de uma
perspectiva que se preocupa em desvendar e compreender as essências das vivências pela
busca dos sentidos da experiência cotidiana imediata e pelo manifestar-se da realidade à
consciência humana (LIMA, 2008).

Assim, baseando-se nos pressupostos fenomenológicos, a prática do gestalt-terapeuta


prima pela compreensão da singularidade humana ao propiciar a expressão do fenômeno da
forma mais vívida possível, o qual é percebido pelo sentido trazido pela pessoa, indo, assim,
ao encontro do modo de ser mais genuíno desta. Por conseguinte, este profissional se utiliza
de uma atitude descritiva em meio ao processo terapêutico, problematizando pré-conceitos ou
prévias definições baseadas em referenciais e manuais explicativos e interpretativos das
experiências e realidades humanas.
46

Sobre isto, Rehfeld (2013, p. 30) assinala que: “Sair de uma posição prévia de visão,
de uma rede referencial, para buscar uma nova compreensão já é um fazer fenomenológico e
gestáltico”. Ou seja, a presença genuína e compreensiva do gestalt-terapeuta ao considerar os
sentidos expressados pela pessoa possibilita ao fenômeno um olhar livre de rótulos e
categorias previamente estabelecidos.

Diante disto, a Fenomenologia se caracteriza como um dos mais importantes suportes


filosóficos da abordagem gestáltica, configurando não apenas a completude da reflexão
filosófica que fundamenta esta abordagem, juntamente ao Humanismo e ao Existencialismo,
mas estabelecendo também um pressuposto metodológico para ela, implicando no desvelar de
um modo específico de perceber, expressar e intervir sobre a vivência humana.

Por fim, ressaltamos a grande relevância que o Humanismo, o Existencialismo e a


Fenomenologia representam para o desenvolvimento da Gestalt-Terapia, bem como para a seu
saber fazer psicológico. Na sequência, faremos uma sucinta apresentação dos pressupostos
teóricos que fundamentam a Gestalt-Terapia enquanto abordagem psicoterápica. Com isto,
esperamos promover um maior entendimento sobre o processo da construção teórica e da
contínua trajetória de formação desta abordagem.

3.3 Pressupostos Teóricos da Gestalt-Terapia: Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e


Teoria Organísmica

Considerando o comprometimento da Gestalt-Terapia em compreender o ser humano


e, por conseguinte, oferecer um suporte coerente e consistente em sua prática psicoterápica,
reiteramos a necessidade de promover a articulação entre sua visão de homem e mundo e as
bases filosóficas e teóricos que a fundamentam.

Deste modo, daremos continuidade à discussão das bases que fundamentam a Gestalt-
Terapia, evidenciando, neste momento, as principais teorias que contribuíram para a
elaboração deste suporte teórico: a Psicologia da Gestalt, dos respectivos psicólogos Max
Wertheimer (1880-1943), de origem tcheca, o estoniano Wolfgang Kohler (1887-1967) e o
alemão Kurt Koffka (1886-1941); a Teoria de Campo do também psicólogo alemão, Kurt
Lewin (1890-1947); e a Teoria Organísmica do neurologista e psiquiatra alemão, Kurt
Goldstein (1878-1965). No decorrer desta explanação, seguiremos a sequência de
47

apresentação das referidas teorias, iniciando pela influência e contribuição da Psicologia da


Gestalt para a abordagem gestáltica.

A Psicologia da Gestalt, também conhecida como Teoria da Forma, foi responsável


por empreender uma revolução quanto à organização do campo perceptivo humano,
postulando um novo entendimento sobre o modo como percebemos as coisas e o mundo.
Frazão (2013) afirma que tal revolução reflete uma contraposição ao modelo positivista
adotado pela ciência psicológica no início do século XX acerca dos fenômenos mentais
associados a uma percepção invariável, fragmentada e mecanicista.

Ainda segundo esta autora, esta revolução partiu do posicionamento dos três principais
precursores da referida teoria (Wertheimer, Kohler e Koffka) ao afirmarem que a totalidade
do que percebemos é diferente da soma de suas partes. Além disso, eles acreditavam que esta
totalidade não deveria ser percebida de forma dicotômica quanto aos estímulos sensitivos e
perceptivos, mas sim a partir de um processo de integração imediata destes. Posteriormente,
estas afirmações possibilitariam uma inovadora compreensão a respeito dos fenômenos
humanos, considerando a necessidade de perceber o todo como sendo indissociável, não
sendo possível separar os aspectos internos-externos e físicos-psicológicos da vivência
humana.

Embora a Psicologia da Gestalt tenha sido concebida a partir da influência do


movimento fenomenológico de Husserl, é importante ressaltar que os gestaltistas não
demonstraram interesse pela Psicologia descritiva voltada para as vivências essenciais (como
ocorre na Fenomenologia), pois seus estudos consideravam os objetos da percepção como
algo inerente apenas à ligação física e psicológica, como apontam Muller-Granzotto e Muller-
Granzotto (2007, p. 79):

Mesmo aceitando o programa fenomenológico de investigação das coisas


mesmas (entendidas como objetos intencionais, não como objetos físicos), os
psicólogos da Gestalt não consideraram estas coisas a representação
unificada dos vividos essenciais da subjetividade intersubjetiva, mas
configurações autóctones às coisas físicas e ao psiquismo. De certo modo, os
objetos categoriais foram entendidos como estruturas meramente formais
que exprimem leis comuns às coisas físicas e à psique humana.

Assim, de acordo com Frazão (2013), as leis ou princípios da percepção foram


definidos por Wertheimer ao considerar a ligação existente entre os aspectos físicos e
48

psicológicos, que foi explicada pela formação de estruturas formais ou objetos da percepção
denominados de gestalten (plural de gestalt), a partir dos quais se destacam os principais
conceitos da Psicologia da Gestalt: parte e todo, figura e fundo e aqui e agora.

O conceito de parte e todo revela a visão totalizante de ser humano, a partir da qual se
compreende que esta totalidade é diferente da soma de suas partes. O conceito de figura e
fundo se refere ao processo contínuo e reversível de formação e transformação de figura, que
ocorre quando algo se destaca em meio à percepção de totalidades, tornando-se figura,
enquanto o restante permanece em segundo plano, sendo o fundo. E o conceito de aqui e
agora representa a relação da pessoa com a realidade como um todo, sendo esta realidade não
concebida pelo passado ou pelo futuro, pois o que é visto e percebido faz parte do momento
presente. Embora o aqui e agora possa conter marcas do passado, estas devem ser
compreendidas a partir da relação com sua vivência atual (RIBEIRO, 2012).

Dentre todos os princípios da percepção que marcaram o surgimento da Psicologia da


Gestalt, evidenciamos o princípio da Pregnância ou da “boa forma”, sendo aquele que,
segundo Frazão (2013), conduz todos os outros princípios. É ainda o único dentre os
princípios instituídos por Wertheimer que dialoga com o pensamento fenomenológico quanto
aos fenômenos psíquicos das vivências essenciais.

Destarte, este princípio encontra-se associado ao conceito de ajustamento criativo da


abordagem gestáltica, referindo-se à integralidade existente entre o homem e o meio, o que
possibilita a criação de uma “boa forma”, visto que um ajustamento saudável só é permitido
mediante as condições ou possibilidades da pessoa e do ambiente, ou seja, “a organização
psicológica será sempre tão boa quanto às condições reinantes permitirem” (FRAZÃO, 2013,
p. 104).

Em relação aos outros princípios da Psicologia da Gestalt, Frazão (2013) destaca


alguns aspectos ou enunciados que podem ser evidenciados como importantes contribuições
para a abordagem gestáltica segundo o ponto de vista de Perls como, por exemplo: a
percepção de uma situação inacabada (Gestalt aberta), o pressuposto de que uma Gestalt é um
fenômeno irredutível, podendo desaparecer com a fragmentação de seus componentes; a
distinção da Gestalt em figura e fundo; e o princípio de que uma Gestalt forte exige seu
fechamento.

Contando com a influência da Psicologia da Gestalt e da Fenomenologia, a Teoria de


Campo se destaca como a segunda dentre as principais teorias que representam o suporte
49

teórico da Gestalt-Terapia discutidas neste trabalho, sendo esta formulada pelo psicólogo
alemão Kurt Lewin (1890-1947). Ele propôs um novo olhar sobre a experiência humana,
buscando uma percepção concreta, singular e integral de homem e mundo, ocorrendo, assim,
um distanciamento da perspectiva classificatória, abstrata e generalizada, próprias do
pensamento psicológico vigente (RODRIGUES, 2013).

Neste sentido, Lewin propôs a superação do paradigma aristotélico, focado nos


aspectos físicos e objetivos da experiência humana, enfatizando a compreensão do campo
psicológico de tais vivências. Para tanto, ele se inspirou no método descritivo da
Fenomenologia de Husserl para fundamentar sua Teoria de Campo. No escopo desta,
priorizou a compreensão das ações ou vivências humanas, cujo sentido só poderia ser
desvelado pela relação do homem com seu meio e pela compreensão do campo psicológico
concreto, dinâmico e totalizante, demarcado pela relação situacional no tempo e espaço
vivencial.

Com isto, Ribeiro (2016, p. 83) ressalta a necessidade de atentarmos para o conceito
de campo na perspectiva de Lewin, sendo tal conceito apresentado pela seguinte definição:

Denominamos campo a uma totalidade de fatos existentes que são


concebidos como mutualmente interdependentes [...]. O método deve ser
analítico, isto é, deve distinguir especificamente as diferentes palavras que
influenciam o comportamento. [...] O conceito de campo psicológico como
um determinante de comportamento supõe que tudo o que afeta o
comportamento em determinado tempo deveria ser representado no campo
existente naquele momento, e são partes de um campo presente só aqueles
fatos que podem influir no comportamento.

Neste sentido, corroborando com Lewin, Ribeiro (1985, p. 95) ainda afirma que “O
comportamento humano deixa de ser entendido apenas como resultado da realidade interna da
pessoa e passa a ser analisado em função do campo que existe no momento em que ocorre”,
isto é, passam a ser considerados também todos os aspectos externos que possam influenciar
direta ou indiretamente este comportamento.

Dessa forma, a Teoria de Campo destaca-se com uma linha de pensamento teórico que
percebe o ser humano como um ser singular, integral e relacional e em constante e amplo
contato com o meio, características estas que deram consistência à concepção de homem e
mundo da Gestalt-Terapia. Todavia, é importante ressaltar que a proposta de Lewin vai além
de uma reflexão teórica, pois se configura como um método que busca a compreensão das
50

vivências singulares, tendo como ponto central a descrição do campo psicológico, ou seja, do
contexto situacional emergente, articulados e implicados às experiências passadas e às
possibilidades de vivências futuras.

Diante disto, Rodrigues (2013, p. 122) aponta que

[...] Lewin alude ao fato de que sua teoria procura descrever o que acontece
não apenas no que se refere a uma objetividade fisicalista, mas levando em
conta que o importante é como o indivíduo experiencia o que acontece no
momento considerado. [...] Uma vez que é o aspecto psicológico que deve
ser considerado, é preciso aceitá-lo conforme a pessoa o percebe, ou seja,
fenomenologicamente. Assim, qualquer aspecto particular focalizado deverá
levar em conta a relação com a totalidade – aquilo que em psicologia da
Gestalt e em Gestalt-Terapia se chama relação figura/fundo.

Diante disto, evidenciamos o Método Geométrico da Construção empreendido por


Lewin, que por meio de uma representação simbólica e geométrica buscou a compreensão do
campo psicológico de pessoas ou grupos de pessoas como forma de representar a descrição do
espaço vivencial humano. Para tanto, este teórico considerou a relação entre as
particularidades e a totalidade humana, ou seja, considerou a descrição dos esforços e tensões
humanas mediante as pressões do meio, incluindo neste processo tanto os impedimentos,
bloqueios ou barreiras, quanto as possibilidades ou caminhos que dão sentido às ações
humanas.

Considerando o método de Lewin como um dos recursos utilizados na prática da


abordagem gestáltica, Rodrigues (2013) evidencia ainda o caráter facilitador de tal método ao
possibilitar a concretude da experiência descrita pela própria pessoa ao montar seu espaço
vivencial psicológico. Isto porque, ao representá-lo geometricamente em um desenho ou até
mesmo na disposição de objetos no setting terapêutico, a pessoa poderá visualizar
concretamente uma situação vivencial, o que poderá promover uma tomada de consciência
capaz de desvelar particularidades de sua realidade.

Nesta perspectiva, de acordo com Rodrigues (2013), tais particularidades nem sempre
se mostram compreensíveis apenas no pensar e no falar, visto que podem ocorrer distorções
diante da complexidade existencial, sendo estas distorções, muitas vezes, produzidas pela
resistência da própria pessoa em perceber seu modo de experienciar a si e ao mundo e de
perceber e vivenciar sua existência.
51

Assim, em concordância com tal colocação, salientamos a grande importância da


Teoria de Campo para a abordagem gestáltica. Destacamos ainda a influência que ambas
tiveram tanto da Psicologia da Gestalt, no que concerne à percepção humana, quanto da
Fenomenologia, ao compreender a necessidade de descrever o campo vital psicológico da
pessoa pela sua vivência concreta, sendo destacada a totalidade, a integralidade e a
singularidade desta.

A Teoria Organísmica é uma das principais teorias de base da Gestalt-Terapia. Foi


formulada pelo neurologista e psiquiatra alemão Kurt Goldstein (1878-1965), que buscou em
uma perspectiva holística a compreensão da condição de vítimas com lesões cerebrais
decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Isto implica dizer que Goldstein
percebia não apenas as mudanças motoras associadas à área do cérebro lesionada, mas sim
uma reestruturação de todos os aspectos constitutivos da pessoa com tal lesão, postulando,
assim, um todo estrutural denominado de organismo (LIMA, 2013).

Assim, a partir da perspectiva holística empreendida por Goldstein foi evidenciado o


processo de autorregulação organísmica como sendo um princípio de estruturação do
organismo em um todo unificado, não sendo possível a ocorrência da dissociação mente-
corpo. Ao considerar os estudos produzidos por Goldstein, Ribeiro (1985) afirma que o
homem não deve ser compreendido apenas pelas partes isoladas do seu corpo, mas a partir do
estudo e da compreensão total do organismo.

Neste sentido, Lima (2013, p. 151-152) descreve que, na percepção de Goldstein, o


organismo se caracteriza por ser

[...] uma unidade interacional na qual dentro e fora são meras abstrações,
dando-se a autorregulação no entre, como um fenômeno de fronteira.
Segundo essa visão, o ser humano não só deve ser compreendido como um
sistema biopsicossocial, no qual mente/corpo e a interação com o meio – seja
este físico, cultural ou social – estão em permanente intercâmbio e compõem
uma totalidade em busca de autorregulação, como é impossível pensá-lo
isoladamente, pois somos criadores e criaturas ativas no processo de
transformação do universo. Holisticamente, não é correto dizer que o ser
humano está inserido na natureza; ele é, em si, manifestação da natureza.

Somado a isso, esta autora evidencia que


52

A função autorreguladora não pode ser reduzida a um mecanismo de


regulação fisiológica porque ela ocorre na interação do homem com o meio;
portanto, quanto mais fluído for o funcionamento, maior será a harmonia
entre todos os sistemas ecológicos envolvidos. Não há um padrão fixo, mas
uma constante busca de equilíbrio de modo dinâmico. E, como a função
primeira do organismo é a autorregulação, entendida como um processo do
campo-organismo-meio, a autorregulação é pensada como holisticamente
orientada – não podendo a vinculação com o meio ser deixada de lado
(LIMA, 2013, p. 155-156).

Com esta descrição, ampliamos um pouco mais o entendimento sobre a Teoria


Organísmica, sendo ressaltado o aspecto totalizante do homem ao considerar a
interdependência das variadas dimensões da existência humana: biológica, psicológica, social,
cultural e espiritual, como também a consideração das necessidades específicas de cada uma
dessas dimensões, que em conjunto possibilitam a formação de um sistema autorregulador, o
qual procura satisfazer a parte do organismo que está menos saudável e mais fragilizada no
sentido de alcançar o equilíbrio (homeostase).

Diante disto, Ribeiro (2016, p. 56) ressalta que

Autorregular-se significa respeitar a totalidade funcional do organismo,


significa olhar-se e comportar-se como um todo organizado e eficiente,
significa privilegiar as necessidades que gritam dentro de nós para ser
saciadas ou satisfeitas, significa olhar-se como uma pessoa inteira no mundo,
significa amar o corpo como a casa na qual habitamos, significa prestar
atenção aos infinitos pedidos de socorro que o corpo emite e pensar que o
alimento pode ser encontrado, sempre, dentro da própria pessoa, sem perder
seu aspecto relacional no mundo.

Do mesmo modo, Lima (2014, p. 90) aponta que

[...] o processo da autorregulação organísmica é, na realidade, uma grande


forma de interação e negociação entre aquele ser que busca o fechamento e a
resolução de uma situação de desequilíbrio – uma situação inacabada – por
meio de uma ação no ambiente do qual o organismo é parte.

Ainda sobre o processo autorregulador do organismo, Perls (1997) evidencia o papel


da frustração como algo significativo e inerente a tal processo, considerando que, ao vivenciá-
la o homem tende a buscar meios alternativos para resolver suas questões e,
53

consequentemente suprir suas necessidades emergenciais, isto é, “sem frustração não existe
necessidade, não existe razão para mobilizar os próprios recursos, para descobrir a própria
capacidade” (p. 50).

Tendo esse conceito como base, a Gestalt-Terapia evidencia o caráter criativo do ser
humano ao buscar o seu equilíbrio organísmico como forma de ser e de se realizar no mundo.
Assim, a criatividade assegura formas e possibilidades do homem se expressar e de agir num
processo dinâmico e relacional, podendo ocorrer a transformação de si e do seu campo.

Ao falar sobre o potencial criativo do homem, Lima (2014, p. 92) destaca que

A perda da criatividade é uma das consequências mais usuais nos processos


de restrição de funcionamento no ciclo da autorregulação organísmica.
Poderíamos então afirmar que a criatividade não é um “talento” que algumas
pessoas possuem e outras não. Ser criativo é inerente à natureza do
organismo. É uma dádiva do universo e a perda da criatividade é uma
lástima, pois ela implica, entre outras coisas, na perda da pessoa
autorrealizar-se e viver a vida de modo prazeroso, lidando com as
adversidades e restrições de forma inusitada e “reinventando” novos meios
de estar no mundo a cada momento.

Ainda nesta perspectiva, Ribeiro (1985) considera que a relação entre os princípios da
Teoria Organísmica e os da Gestalt-Terapia são bem claros, precisamente quando se referem à
compreensão positiva do homem diante do processo de autorregulação e de busca do
equilíbrio organísmico, “onde sua energia de vida se transforma na expressão clara de sua
atualização” (p. 108). Destarte, compreendemos que a Gestalt-Terapia reconhece que esse
processo visa à tentativa de satisfazer as necessidades do organismo, atuando, sempre que
possível, de forma espontânea e singular.

Deste modo, Ribeiro (2016, p. 56) assinala que

[...] cada ser se autorregula conforme a necessidade do próprio organismo,


aqui e agora. O corpo possui uma sabedoria que a mente não tem. Ele segue
sempre a lei da preferência, sem pedir licença para acontecer, mas
simplesmente acontecendo, fazendo, de suas necessidades, a cada instante, a
realização de sua autorregulação.
54

Assim, diante do que apresentamos sobre as principais teorias de base que


fundamentam a Gestalt-Terapia (Psicologia da Gestalt, Teoria de Campo e Teoria
Organísmica), ressaltamos a preocupação desta abordagem em compreender o homem em
interação com o seu meio, desvelando um olhar que reconhece a totalidade, a integralidade e a
singularidade humana, bem como o potencial criativo que confere ao homem uma capacidade
para se autogerir e se reinventar a cada instante, criando novos modos de ser e estar no
mundo. Na sequência, apresentaremos alguns dos conceitos da Gestalt-Terapia que foram
escolhidos de acordo com a relevância para a discussão proposta neste trabalho.

3.4 Os Principais Conceitos da Gestalt-Terapia

Dentre os principais conceitos da Gestalt-Terapia, escolhemos discutir um conjunto de


significativos construtos teóricos que ultrapassam os limites da prática clínica e buscam a
construção de um saber fazer amplo e comprometido com as realidades humanas. Neste
sentido, faremos uma breve descrição dos conceitos de campo, figura-fundo, contato, fronteira
de contato, awareness, autorregulação organísmica e ajustamento criativo (funcional e
disfuncional).

Ressaltamos que a escolha de tais conceitos condiz com a relevância que estes
representam para o entendimento de nossa temática de estudo, que é a compreensão do
processo de psicodiagnóstico sob o olhar da Gestalt-Terapia. Além disso, consideramos que o
desvelar destes e de outros conceitos possibilita também o reconhecimento de um vasto e
sólido campo de sustentação teórica da abordagem gestáltica, que busca alinhar cada um
destes conceitos à sua visão de homem e mundo, visando à construção de uma prática
psicológica coerente e consistente.

Dito isto, retomaremos o conceito de campo da Teoria de Campo de Kurt Lewin,


considerando que este é um construto que facilita a descrição e compreensão dos processos
psicológicos em meio à realidade humana. Ou seja, do ponto de vista teórico da Gestalt-
Terapia, o campo representa a indissociável relação entre o homem e o seu meio, incluindo
aqui a integração dos aspectos psicológicos e não psicológicos que afetam diferentemente o
modo de pensar, sentir e agir humano em determinado momento de sua vida.

Sobre isso, Ribeiro (2016, p. 84) assinala:


55

O campo, portanto, inclui variáveis psicológicas e não psicológicas, e a inter-


relação dessas variáveis faz o comportamento altamente heterogêneo. Não
podemos visualizar o construto campo, mas precisamos compreendê-lo
como algo que constrói algo, que constrói uma unidade de sentido, uma
Gestalt e que torna compreensível determinado conteúdo, que abrange todos
os elementos que aqui-agora estão presentes na realidade da pessoa,
influenciando-a.

Com isto, evidenciamos a necessidade de atentar para a totalidade da pessoa, pois é a


partir dessa totalidade que os sentidos se apresentam numa configuração dinâmica e
interdependente entre a pessoa e o meio. Isto implica dizer que é preciso atentar para o modo
como a pessoa lida com as tensões, valores, barreiras e forças presentes em seu espaço vital
psicológico no intuito de satisfazer suas necessidades e promover experiências de vida
saudáveis (ajustamentos criativos funcionais).

A respeito disso, Schillings (2014, p. 194) afirma que

O desenvolvimento saudável do ser humano consiste em lidar com as


circunstâncias de vida como elas se apresentam, buscando satisfazer as
necessidades emergentes – apesar dos obstáculos que porventura apareçam –
e procurando solucionar os problemas por meio de ações viáveis. [...]. Ao
contrário, quando a pessoa não consegue lidar com as situações com que
depara, não [...] utilizando o que existe em si e no meio mediante novos
arranjos, seu funcionamento apresenta indisponibilidade na forma criativa de
viver; a pessoa está interrompida no contato e seu funcionamento não está
saudável.

Assim, a Gestalt-Terapia se apropria do conceito de campo para compreender os


processos psicológicos surgidos da relação homem-mundo. Esta relação, enquanto
experiência de contato se renova a cada instante constituindo um espaço vital psicológico
dinâmico, em que o ser humano pode se organizar a partir de um modo de ser social e singular
no mundo em que vive. Para tanto, o gestalt-terapeuta se preocupa em construir também no
espaço terapêutico um campo psicológico que propicie tanto a expressividade do modo ser e
estar no mundo, quanto a sensível percepção dessa totalidade ali expressada, buscando,
sobretudo, a identificação e descrição dos elementos que atuam entre si no processo
existencial vivenciado.
56

Por conseguinte, ao buscar a compreensão do campo psicológico nos modos de


existência humana, a Gestalt-Terapia considera importante refletir sobre a complexidade no
modo como o ser humano percebe a si e ao mundo diante de uma totalidade que ultrapassa
sua própria percepção. Com isto, seguimos adiante na discussão dos principais conceitos desta
abordagem, destacando o construto figura-fundo.

Sendo um dos conceitos constituídos pela Psicologia da Gestalt e apropriado


teoricamente pela Gestalt-Terapia, o construto figura-fundo já foi brevemente apresentado
neste trabalho com referência ao processo perceptivo humano em meio à sua realidade total e
singular. Ou seja, a partir de tal conceito, a Gestalt-Terapia busca entender a relação existente
entre o que é percebido pelo homem e o modo como este organiza sua percepção para lidar
com sua realidade, havendo nesta configuração um processo recíproco no qual “não se
distingue o que é fundo do que é figura” (RIBEIRO, 2016, p. 122).

Com esta afirmação, compreendemos que, ao considerar a relação figura-fundo, não há


como dissociar o homem de sua realidade, pois ambos são parte de uma mesma unidade
integrada e interdependente que orienta e organiza a percepção a partir das necessidades
emergentes, sendo estas fruto das motivações, das buscas e dos desejos humanos. Assim,
quanto mais o homem deseja, destacando algo (a figura) em meio a sua realidade e totalidade,
mais necessidades são criadas, as quais se tornam em um momento figura, e em outro podem
compor o fundo.

Com isto, Ribeiro (2016, p. 127, 128) descreve que

Em um primeiro momento, figura é um fenômeno, é aquilo que aparece, que


salta aos olhos para nossa observação, algo que vem de fora, que arrebata o
olhar, às vezes, independentemente de nossa vontade; e, num segundo,
figura é aquilo que surge dentro de nós de um fundo indeterminado, fruto de
uma necessidade emergente. Surge, cumpre sua determinação, completa seu
ciclo e se retira da observação ou da necessidade agora satisfeita do sujeito.
É nossa percepção que transforma um fenômeno em figura.

Deste modo, o gestalt-terapeuta, em sua prática psicológica, busca entender o sentido


do conteúdo trazido pelo cliente, isto é, o que é trazido como necessidade ou figura maior (sua
queixa principal). Contudo, tal profissional deve lembrar que nem sempre o que é destacado
num primeiro momento pelo cliente é a figura que lhe causa sofrimento e dor, sendo
importante atentar para a totalidade deste, no intuito de perceber as necessidades de
57

completude e de fechamento que só podem ser compreendidas ao relacionar a figura com o


fundo.

Neste sentido, Perls (1997) ressalta a importância de contextualizar as situações


trabalhadas no processo psicoterapêutico, considerando para tanto os aspectos que compõem a
realidade existencial humana, sendo esta a expressão da constante interdependência entre o
organismo e o ambiente e dos modos com os quais o homem contata a si, ao mesmo tempo
em que dá um sentido próprio a tudo ao seu redor.

Assim, evidenciamos o conceito de contato como um construto preponderante na


compreensão do processo de desenvolvimento humano, sendo as funções perceptivas,
motoras, afetivas e cognitivas do homem a principal via de expressão no mundo. Logo,
entendemos que o contato é a expressão de si ao relacionar-se consigo e com o mundo em
busca da satisfação de necessidades. É a troca de energias, experiências e sentimentos que
ocorre no movimento de aproximação e distanciamento do mundo. É um encontro entre
totalidades que se complementam em suas diferenças ou singularidades nos modos de sentir,
pensar, amar, perceber, fazer e criar (TELLEGEN apud D’ACRI, 2014).

Sobre isto, Polster (apud AGUIAR, 2015, p. 65) afirma que

São sete as funções de contato: visão, audição, tato, paladar, olfato,


linguagem e movimento corporal. Elas articulam-se e configuram-se de
forma singular em cada ser humano, funcionando dentro de uma perspectiva
de figura-fundo, na qual a cada momento experimentado, embora todas
estejam em jogo, algumas predominam sobre as outras.

Com isto, evidenciamos a fronteira de contato, conceito que, segundo D’acri (2014),
representa o lugar onde ocorrem as interações entre as funções de contato e o ambiente. Ou
seja, é um espaço onde a experiência do contato acontece de fato, onde o homem, em seu
campo psicológico, pode selecionar, experimentar, rejeitar, assimilar, aproximar-se ou
distanciar-se das coisas, pessoas e situações presentes em seu meio.

Ao falar sobre a vivência do contato, a referida autora aponta que

O ser humano é um ser relacional e seu crescimento ocorre na inter-relação


entre o eu e o não eu, entre o que somos e o que não somos. Ele vive em seu
meio pela manutenção de sua diferença, assimilando o ambiente à sua
diferença. Por isso no ato de contatar outro ser humano há o reconhecimento
58

desse outro, pois o outro é o não eu, o diferente, o novo, o que provoca
estranheza – e, quando se entra em contato com esse outro na fronteira, algo
é assimilado e ambos crescem (D’ACRI, 2014, p. 35).

Entendendo que os conceitos de contato e fronteira de contato em Gestalt-Terapia


referem-se a um processo de fundamental importância que envolve o organismo como um
todo, corpo-pessoa e psicoterapeuta, Ribeiro (2016) ressalta que nessa interação entre o
homem e seu meio nem sempre ocorrerá um contato pleno ou saudável, o que implicaria na
ocorrência de tensões, impedimentos e bloqueios do contato pela não experimentação e/ou por
restrições ou exigências impostas aos canais de contato com o mundo. Isso exige, então, uma
postura sensível do gestalt-terapeuta para que se possa promover no espaço terapêutico um
ambiente facilitador e instigante para o diálogo e a expressividade de tais canais de contato,
tornando possível o resgate da habilidade de ir ao mundo e voltar a si de forma fluida, num
pleno encontro e assimilação autônoma da experiência.

Diante de tal percepção, compreendemos que o contato pleno só é possível através da


experimentação das diferentes formas de contatar (visão, audição, tato, paladar, olfato,
linguagem e movimento corporal), ou mesmo da restauração desses canais de contato com o
mundo. Isto é, essa restauração se dará por meio de uma consciência corporal, sensorial,
expressiva e intuitiva de experimentar a si e ao mundo na relação eu-outro e por um dar-se
conta (awareness) satisfatório de sua experiência existencial.

Inerente ao processo de afetação ocorrido no encontro com a novidade, com a


diferença e o outro que se faz presente na vivência do contato, encontra-se o sentir e o saber
da experiência vivida no campo relacional, que são denominados de awareness. Destarte,
Alvim (2014) caracteriza tal conceito a partir das dimensões de aceitação, do excitamento e da
formação de gestalten que atuam no campo vital psicológico. Ou seja, em um primeiro
momento, a awareness se apresenta como uma possibilidade de abertura, disponibilidade e
aceitação do que aparece, do que surge no entrelaçamento da relação homem-mundo, para,
em seguida, ser a vivência do excitamento e interesse em determinada figura.

Ao se diferenciar do fundo, esta figura desvela uma necessidade que na fluidez da


awareness possibilita o reconhecimento da totalidade humana, o saber ou o conscientizar-se
da vivência de contato consigo e com mundo em um processo constante de configuração da
existência. Ao fundamentar tal explanação, Alvim (2014, p. 23) assinala que o construto
awareness pode ser compreendido “como um fluxo da experiência aqui-agora que, a partir do
59

sentir e do excitamento presentes no campo, orienta a formação de gestalten, produzindo um


saber tácito que denominamos de saber da experiência”.

Com isto, ressaltamos a relevância que o conceito de awareness representa para a


abordagem gestáltica, sendo esta reconhecida por ter uma prática que busca a compreensão da
realidade humana, considerando as necessidades do todo em meio ao processo de formação e
transformação de figuras, o qual é permeado pela abertura, aceitação e experimentação do
novo e do diferente (contato), como também pela conscientização espontânea das vivências.
Isto porque o momento da awareness configura uma experiência singular de desvelamento
existencial em um tempo (presente) e em um espaço (campo) específicos (RIBEIRO, 2016).

Neste sentido, Perls (apud ALVIM, 2014), revela que a proposta terapêutica da
Gestalt-Terapia implica na retomada dos conteúdos cristalizados da vivência humana, sendo o
contato processual e relacional a via de acesso às formas fixas de ser e estar no mundo, que,
embora tenham feito sentido em outro momento da vida, na atualidade já não possibilitam a
satisfação das necessidades. Segundo o referido autor, tais formas podem ser evidenciadas por
meio do um fluxo de configuração (gestalten) que se destaca no campo psicológico, revelando
a singularidade do contato e possibilitando a ampliação da consciência (awareness) pela
reconexão emocional do homem consigo e com o mundo ao considerar os sentidos da
experiência humana em cada instante vivenciado.

Diante disto, Alvim (2014, p. 28-29, grifos do autor) ressalta que a proposta da
Gestalt-Terapia é

[...] restabelecer o continuum de awareness, ou seja, o fluxo temporal da


existência da experiência aqui-agora. Tendo na perspectiva de campo o
princípio básico, o trabalho terapêutico não pode prescindir de retomar, no
campo da psicoterapia, uma implicação na relação que parta do corpo, da
experiência e de um saber não reflexivo. [...]. O trabalho com a awareness
visa possibilitar a fluidez do processo da consciência por meio da
corporeidade, da retomada de ser um corpo que devolva à pessoa a sensação
de possibilidades, o sentido de eu posso, de criação, de transformação.

Assim, compreendemos que o fluxo da awareness só é possível por um processo de


busca na interação organismo-ambiente, sendo o campo e o espaço propício para a vivência
espontânea do sentido existencial e da promoção de um saber implícito que se caracteriza pela
consciência ou captação da totalidade humana advinda da relação eu-mundo no aqui e agora.
Com isto, destacamos que a awareness é condição essencial na constituição de uma existência
60

saudável em Gestalt-Terapia, pois o “dar-se conta” da realidade vivenciada e da


interdependência que existe entre todas as coisas do universo potencializa o homem a
encontrar formas criativas para lidar com esta realidade e satisfazer as necessidades inerentes
às diversas dimensões que o constitui, possibilitando a sua autoatualização.

Destarte, destacamos a autorregulação organísmica, conceito intrínseco à Teoria


Organísmica de Goldstein que se configura como uma transposição do termo homeostase, que
é a busca de um equilíbrio interno do corpo em um nível biológico e fisiológico, para uma
compreensão holística da potencialidade do organismo. Ou seja, para a Gestalt-Terapia, a
autorregulação organísmica representa o processo de organização, negociação e
reorganização-reconfiguração realizado pelo organismo para, na interação com o ambiente,
tentar alcançar um equilíbrio suficiente para satisfazer suas necessidades emergenciais e
possibilitar um funcionamento o mais saudável possível por meio de uma fluidez no modo de
vivenciar o contato consigo e com o mundo (LIMA, 2014).

Todavia, ao considerarmos a interação, a interdependência, a impermanência e as


imprevisibilidades inerentes à relação homem-mundo, torna-se relevante retomar o enfoque
de Perls (1977) sobre o processo autorregulativo, tendo a frustração como destaque de tal
processo. Isto porque tais características da experiência humana no mundo impossibilitam ou
impede que as condições estejam sempre propícias para a satisfação das necessidades do
organismo do modo ideal ou esperado por este, o que, segundo Perls, possibilita o desvelar do
potencial criativo humano, que é a capacidade de realizar suas necessidades por meio de
outras formas e não somente pelo modo inicialmente almejado.

Sobre isto, Alvim (2014, p. 212) assinala que

[...] ao tratar das relações do organismo com o meio, Goldstein atribui ao


organismo um caráter de atividade [...], indicando que o organismo, tomando
como referência uma sensação subjetiva de conforto e segurança, elege,
diante das condições do meio, maneiras próprias e criativas de reagir,
visando à regulação.

Diante disto, convém destacarmos o conceito de ajustamento criativo, que é o meio


pelo qual o organismo, na interação com o seu ambiente, busca e cria outros recursos ou
possibilidades para se autorregular. No intuito de manter um funcionamento o mais saudável
possível, na busca de um equilíbrio constante e dinâmico, dentro das condições disponíveis, o
61

organismo encontra em seus recursos internos e externos a melhor forma para se ajustar às
circunstâncias de sua realidade e lidar com as adversidades da vida (CARDELLA, 2014).

Frazão (2015) aponta que o ajustamento criativo pode ser considerado como saudável-
funcional ou não saudável-disfuncional. O primeiro se caracteriza pela habilidade que uma
pessoa desenvolve para de se relacionar criativamente com o ambiente, tendo em vista a
satisfação das necessidades emergentes, ao mesmo tempo em que mantem uma relação de
respeito com o outro. Já o segundo é entendido por esta autora como

[...] um fenômeno interativo que ocorre na fronteira de contato e se refere à


inabilidade e/ou impossibilidade de se relacionar criativamente com o
ambiente. Ao contrário a pessoa se relaciona por meio de padrões
cristalizados e repetitivos, pelos quais a expressão de necessidades e
sentimentos é distorcida ou suprimida a fim de manter a relação com o outro,
por mais artificial ou inautêntica que uma relação desse tipo possa parecer.
Quanto mais intensa a necessidade, é maior a dificuldade de expressá-la e
satisfazê-la, e quanto mais precocemente ela ocorrer, tanto mais provável é
nos depararmos com sintomas graves (físicos ou psíquicos) (FRAZÃO,
2015, p. 93).

Diante disso, o que vai diferenciar se o ajustamento criativo é considerado saudável-


funcional ou não saudável-disfuncional é a habilidade ou inabilidade criativa que a pessoa
possui na interação consigo e com o mundo a partir do seu processo de autorregulação. Para
isso, é fundamental que, ao tentar satisfazer suas necessidades, ela mesma perceba a
totalidade funcional do seu organismo, buscando eleger as necessidades a serem satisfeitas de
acordo com o grau de importância para o seu ajustamento criativo, assimilando o que
possibilita crescimento e renovação e rejeitando o que pode produzir adoecimento.

Considerando a importância do conceito de contato e de suas funções para o


ajustamento criativo saudável-funcional e não saudável-disfuncional, Perls, Hefferline e
Goodman (apud CARDELLA, 2014, p. 112-113) afirmam que

O contato e a retração ou fuga (seu oposto dialético) são as funções mais


importantes da personalidade, pois por intermédio delas satisfazem nossas
necessidades, assimilando o que é nutritivo e rejeitando o que é tóxico; são
também as maneiras de lidar com os objetos do campo, na fronteira de
contato, órgão de uma relação que não separa, mas protege e delimita o
organismo e meio.
62

Salientamos que o processo de autorregulação organísmica e de ajustamento criativo


ocorre de modo singular e diferenciado para cada pessoa, pois irá depender da disponibilidade
de autossuporte (interno) e heterossuporte (externo) do organismo. Por conseguinte, a atuação
do gestalt-terapeuta requer uma significante atenção ao modo de funcionamento da pessoa
mediante a intercomunicação entre seu autossuporte e o seu apoio ambiental (heterossuporte).
Tal entendimento por parte deste profissional permite uma ampliação da relação que esta
pessoa mantem consigo e com o mundo, possibilitando que, ao longo do processo
psicoterapêutico, ela desenvolva contatos mais fluidos, ajustamentos criativos mais saudáveis-
funcionais e novos modos de ser e estar no mundo.

Ao encerrarmos a apresentação dos principais conceitos do nosso referencial teórico


que foram escolhidos para a discussão neste estudo, ressaltamos que, em Gestalt-Terapia, a
compreensão dos modos de existência humana só pode ser desvelada pela consideração, pelo
aprofundamento e pela integração destes e de tantos outros conceitos entrelaçados à sua
compreensão de homem-mundo, bem como ao suporte filosófico e teórico que a fundamenta.

Destarte, ressaltamos que a experiência humana no mundo perpassa por um processo


interativo, dinâmico e contínuo, vivenciado num campo psicológico e mediado pela
capacidade que o homem possui para perceber e eleger, dentre tantas necessidades, a que
melhor atende à sua totalidade e realidade a cada momento experienciado, promovendo,
assim, da melhor forma possível, a fluidez de sua autorregulação organísmica ao interagir e
contatar a si e ao mundo.

No capítulo seguinte, apresentaremos a metodologia adotada para a construção e


conclusão deste trabalho.
63

4 PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Ressaltamos que o objetivo geral desse estudo foi desvelar a compreensão diagnóstica
em Gestalt-Terapia, buscando reconfigurar o olhar sobre os aspectos adoecidos, restritivos ou
disfuncionais da existência humana, indo ao encontro de sua totalidade singular. Para isso,
nossos objetivos específicos foram: apresentar o processo de desenvolvimento e reformulação
do Psicodiagnóstico, sua conceituação terminológica atualizada e a sua operacionalização
interventiva (primeiro capítulo); para, em seguida, explanar acerca da Gestalt-Terapia,
contemplando sua compreensão de homem e mundo (segundo capítulo); e, por fim, evidenciar
as especificidades da Gestalt-Terapia ao entender e empreender sua prática clínica-diagnóstica
(quarto capítulo).

Neste capítulo, descreveremos o percurso metodológico que possibilitou o


desenvolvimento desta pesquisa que tem uma perspectiva qualitativa e bibliográfica. Desse
modo, apresentaremos como ocorreu o processo inicial de busca por publicações científicas
na plataforma de pesquisa Portal de Periódicos da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento
Pessoal de Nível Superior) do Ministério da Educação, considerando, para tanto, as
combinações de descritores definidas para este estudo: “Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia”,
“Psicopatologia e Gestalt-Terapia”, “Psicopatologia e Diagnóstico Fenomenológico” e
“Psicopatologia e Abordagem Gestáltica”.

Salienta-se que todo o processo exploratório e analítico foi calcado no método da


análise de conteúdo de Laurence Bardin (2011) e que os 4 artigos científicos em português
selecionados a partir das buscas e, em seguida, categorizados e analisados serviram como
alicerce para as discussões empreendidas neste estudo, que teve como enfoque teórico a
Gestalt-Terapia.

Diante disto, ainda no início deste capítulo, evidenciaremos um levantamento


elaborado por Pimentel (2003) das múltiplas influências para o pensamento diagnóstico da
Gestalt-Terapia, sendo então resgatadas as concepções e a experiência clínica-diagnóstica de
autores clássicos e contemporâneos que servem de inspiração e suporte para a prática
gestáltica na atualidade.

Considerando a necessidade de ampliarmos o material a ser apreciado acerca da


concepção e da prática diagnóstica em Gestalt-Terapia, utilizaremos algumas obras de alguns
destes autores destacados por Pimentel (2003), ponderando suas concepções e contribuições
64

para o tema em estudo. As obras escolhidas estarão em consonância com o processo de


análise de conteúdo do material selecionado no Portal de Periódicos da CAPES, adentrando,
assim, às complexidades intrínsecas à temática em questão nesta pesquisa. Dentre os autores
escolhidos estão: Yontef (1998), Yheia (2014), Frazão (2015), Ribeiro (2017) e a própria
Pimentel (2003).

Estas produções, juntamente ao trabalho de outros dois autores com os quais entramos
em contato ao longo do curso, a saber, Canguilhem (2002) e Lipovetsky (2007), culminaram
no fechamento do material selecionado para a análise desta pesquisa, totalizando um contíguo
de 11 produções que serão apresentadas logo mais adiante: 4 artigos científicos em
português, 5 livros e 2 capítulos de livros.

É importante frisar que a escolha destas 11 produções se justifica pela propriedade


com que seus autores abordam questões sobre o desenvolvimento humano saudável e não
saudável, dentre outras questões significativas para a ampliação da compreensão diagnóstica
em Gestalt-Terapia, já que esta abordagem compreende o homem em constante interação com
o meio em que vive.

Deste modo, o início do nosso estudo se encaminhou a partir do conhecimento de


alguns autores comprometidos com a discussão acerca do Psicodiagnóstico, a saber: Jurema
Alcides Cunha (2007), Claudio Simon Hutz (2016) e Maria Luisa Siquier de Ocampo e Maria
Esther Garcia Arzeno (2009; 2011); os quais embasaram nossas discussões no primeiro
capítulo deste trabalho.

No nosso segundo capítulo, utilizamos também referências importantes para a Gestalt-


Terapia ao discorrermos sobre a constituição desta abordagem no intuito de desvelar a forma
com que esta abordagem se posiciona mediante o desenvolvimento e o funcionamento
humano, bem como sobre a prática diagnóstica. Dentre tais referências, destacamos: Fritz
Perls (1997), Lilian Meyer Frazão e Karina Okajima Fukumitsu (2013; 2014; 2015; 2017),
Jorge Ponciano Ribeiro (2012; 2016; 2017), Luciana Aguiar (2015), Adelma Pimentel (2003)
e vários outros autores que contribuíram para a realização deste estudo.

Dito isto, a seguir, apresentaremos um quadro com as múltiplas influências que


caracterizam a concepção e a prática diagnóstica em Gestalt-Terapia. Para tanto, utilizamos
como fonte de pesquisa o livro “Psicodiagnóstico em Gestalt-Terapia” da autora Adelma
Pimentel (2003), obra que sintetiza quatros anos de pesquisa acerca da prática diagnóstica em
Gestalt-Terapia, assinalando uma importante contribuição para a história desta abordagem.
65

Isto porque as concepções e a experiência clínica-diagnóstica dos autores destacados pela


referida autora tornaram-se inspiração e suporte para a prática gestáltica na atualidade.
Assinalamos que a ordem de apresentação dos autores será demarcada pelo ano em que se
delineou cada pensamento ou proposta diagnóstica.

Quadro 1 – As Múltiplas Influências do Pensamento Diagnóstico Gestáltico

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO GESTÁLTICO E


AUTORES ANOS
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

Fritz Perls PENSAMENTO DIAGNÓSTICO INFORMAL 1975


Iniciando o pensamento diagnóstico em Gestalt-Terapia, Perls dispôs 1977
indicadores para uma modalidade “diagnóstica informal”, priorizando,
1979
sobretudo, os aspectos psicológicos em detrimento das questões
neurológicas. Entendia que a formação da identidade se dava a partir da
integração das disposições psíquicas, mentais e do contexto social
vivenciado. Evidenciou como aspectos importantes para o
desenvolvimento humano a relação e os conflitos envolvendo as normas
sociais introjetadas, as necessidades do organismo, a autoimagem e a
autoexpressão.

Constance DIAGNÓSTICO COLABORATIVO E INTERVENTIVO 1979


Fisher
Influenciada pelo movimento humanista, Fischer foi pioneira no modo
fenomenológico de diagnosticar, tendo a colaboração do cliente como
principal característica do processo, ao passo que valoriza a experiência
vivencial deste, libertando-se de classificações e reducionismos. Em sua
proposta diagnóstica também salientou a importância do estímulo das
capacidades humanas, a influência do ambiente, das condições sociais,
neurofisiológicas e outras na constituição da experiência existencial. Ao
realizar um Diagnóstico “Colaborativo e Interventivo”, Fisher conecta a
participação, a colaboração e a experiência do cliente à sua própria
experiência profissional, agregando instrumentos como testes psicológicos
necessários e adequados à realidade vivenciada.

Joen Fagan DIAGNÓSTICO INFORMAL 1980


A proposta diagnóstica gestáltica de Fagan surgiu como forma de
sistematização das enunciações de Perls para o “Diagnóstico Informal”.
Ou seja, esta autora propunha uma atividade estruturada denominada de
Padronização em que o terapeuta deveria priorizar a apreensão dos
sentidos e da pré-reflexão no intuito de identificar as particularidades
existentes nas formas de ser do cliente, nos valores e nos comportamentos
deste na interação consigo e com o mundo. Para tanto, considerou a
importância de nos primeiros atendimentos o profissional buscar conexões
entre as várias dimensões humanas, para, então, chegar à compreensão da
66

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO GESTÁLTICO E


AUTORES ANOS
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
questão principal, passando, a seguir, ao nível das intervenções.

Violet PENSAMENTO DIAGNÓSTICO INFANTIL 1980


Oaklander
Oaklander desenvolveu um processo diagnóstico contínuo e singular com
crianças. Para tanto, guiou-se pela potencialidade da criança no
direcionamento do processo e na colaboração dos pais no desvelamento da
problemática a ser trabalhada. Além disso, considerou a utilização dos
recursos terapêuticos, incluindo testes psicológicos como meios
facilitadores da expressividade infantil.

Monique PENSAMENTO DIAGNÓSTICO COMPREENSIVO 1980


Augras
A concepção diagnóstica desta autora evidenciou a importância da
compreensão e reconhecimento do cliente para o processo de
psicodiagnóstico. Com isto, propôs a consideração dos significados das
vivências, a relação espaço-corpo e a relação como o mundo em um
projeto existencial.

Fernando DIAGNÓSTICO PSICOLÓGICO GESTÁLTICO 1989


Taragano
A proposta de trabalho diagnóstico de Taragano se fundamenta na
Perspectiva Fenomenológica e nas leis da Psicologia da Gestalt para a
realização da identificação psicológica do paciente. Isto é, das forças
saudáveis do organismo, ressignificando os conceitos saúde e doença
pelos termos organização e desorganização. A partir daí, delineou três
instâncias estruturais: a policausidade genética, relacionados aos fatores
evolutivos; a pluralidade fenomênica, atrelada às expressões dos
comportamentos e atitudes; e o processo psicológico interno, interligado
aos significados que o indivíduo atribui às suas vivências e relações.

Fátima Barroso PENSAMENTO DIAGNÓSTICO CIRCULAR 1992


Esta autora vale-se da visão holística e existencialista do ser humano e do
método fenomenológico para propor um diagnóstico concomitantemente à
psicoterapia, considerando a importância de atentar para as relações que o
cliente estabelece com e no mundo. Barroso alega que o pensamento
diagnóstico circular possibilita a valorização da experiência imediata e a
substituição de uma concepção normativa e fragmentada por uma
concepção unitária da existência humana que busca a compreensão da
pessoa por meio da dinamicidade de suas relações e não a partir de
características distintas de seu comportamento.

Jorge Ponciano DIAGNÓSTICO: O CICLO DO CONTATO 1995


Ribeiro
Em sua concepção diagnóstica, Ribeiro propõe a observação da
sintomatologia, dos aspectos físicos, neurológicos e intelectuais
relacionados à queixa, à autodescrição do cliente e à dinâmica do seu
67

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO GESTÁLTICO E


AUTORES ANOS
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
funcionamento mediante o ciclo dos fatores de cura e de bloqueios do
contato. Considera como fatores de cura a intra e interdependência dos
níveis sensoriomotor e cognitivo do contato com a fluidez, a sensação, a
consciência, a mobilização, a ação, a interação, o contato final, a
satisfação e a retirada. Enquanto que os fatores de bloqueio são delineados
pela fixação, dessensibilização, deflexão, introjeção, projeção, proflexão,
retroflexão, egotismo e confluência.

Marília DIAGNÓSTICO COLABORATIVO E INTERVENTIVO 1995


Ancona-Lopez
Ancorada no trabalho de Fisher, Ancona-Lopez propôs uma adaptação
brasileira do Psicodiagnóstico Colaborativo e Interventivo a realizar-se
com grupos, sendo enfatizado nesta proposta de diagnóstico o trabalho
com os pais nos casos de avaliação de crianças.

Tereza Mito PENSAMENTO DIAGNÓSTICO FORMAL/INFORMAL 1995


Na proposta diagnóstica de Tereza Mito, o processo de avaliação ocorre
de modo espontâneo desde o primeiro contato com o cliente, podendo
transcorrer um processo de psicoterapia ou apenas de psicodiagnóstico,
sendo a intervenção uma estratégia oportuna para a eficácia do processo
informal, visto que pode beneficiar o cliente durante o período de
diagnóstico.

Gohara Yvette PENSAMENTO DIAGNÓSTICO COOPERATIVO 1995


Yehia
A proposta diagnóstica desta autora aponta para a necessidade de
reformulação da relação entre psicólogo e paciente durante o processo
diagnóstico. Com isto, indica uma postura diagnóstica cooperativa e
processual ao considerar o que é trazido pelo paciente, valorizando sua
compreensão da situação no intuito de ampliar o campo de entendimento
da queixa.

Christina PENSAMENTO DIAGNÓSTICO DIALÓGICO 1995


Cupertino
Intensificando a proposta de Yehia, Cupertino evidencia o papel ativo e a
responsabilidade do cliente no processo de psicodiagnóstico. Afirma o
diálogo como importante característica na articulação e mediação da
cooperação e da responsabilidade no encontro com os significados da
experiência humana. Assim, em um processo diagnóstico dialógico e
colaborativo, psicólogo e paciente dialogam, articulam, refletem e
dedicam-se juntos à tarefa de desvendar o sentido existencial do segundo.

Myrian DIAGNÓSTICO INFANTIL 1995


Fernandes
Evidenciando a escassez teórica da Gestalt-Terapia quanto ao diagnóstico
infantil, esta autora buscou articular as proposições de Yontef e Frazão às
68

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO GESTÁLTICO E


AUTORES ANOS
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
perspectivas de estudiosos do desenvolvimento infantil como: Bréger,
Stern, Pine, Piaget, Mahler e Winnicott na organização de seus eixos de
orientação diagnóstica, denominados de: direção horizontal, referente à
consideração do momento atual da criança e aos sistemas interno e
externo; e direção vertical, referente às informações adquiridas por meio
da anamnese.

Cláudio AUTODIAGNÓSTICO PELA PROTO-ANÁLISE 1997


Naranjo
A proposta diagnóstica de Naranjo enfatiza o desvelamento da estrutura
do caráter, conceito entendido pela soma total das aprendizagens:
condicionamentos comportamentais emocionais e cognitivos. Propõe a
necessidade de uma relação terapêutica horizontal, tematizando a
autossuperação da neurose, bem como a distribuição de poder e saber em
todos os tipos de relacionamentos vivenciados.

Lilian Meyer PENSAMENTO DIAGNÓSTICO PROCESSUAL 1998


Frazão
Com sua proposta diagnóstica, Frazão destaca a necessidade de
compreender e descrever as experiências singulares do paciente, levando
em consideração o desenvolvimento e as mudanças internas e externas ao
longo do tempo, configurando uma tarefa contínua do início ao fim do
tratamento.

Gary M. Yontef O SIGNIFICADO E O PROCESSO DIAGNÓSTICO 1998


Para Yontef, o processo de psicodiagnóstico favorece a comunicação e a
informação entre profissionais, permite a compreensão estrutural da
personalidade do paciente e auxilia no planejamento cuidadoso das
intervenções terapêuticas no intento de desvendar os significados da
experiência do paciente.

Gizele Elias PENSAMENTO DIAGNÓSTICO INFANTIL 1999


e Estas autoras alicerçam suas propostas diagnósticas com crianças ao
privilegiar o contato com o brincar. Para tanto, consideram a dinâmica
Valéria Pedroso
familiar, o estágio evolutivo da criança e sua compreensão acerca da
queixa evidenciada. Afirmam que a compreensão da relação do brincar
fornece elementos sobre os vínculos entre a criança e tudo a sua volta.

Giles Delisle DIAGNÓSTICO MULTIAXIAL 1999


Deslisle propõe uma concepção diagnóstica acerca das estruturas da
personalidade baseando-se nas categorias do DSM IV e na teoria das
relações objetais de Fairbain. Destaca o estabelecimento de dois eixos
diagnósticos: a reformulação da teoria do self da Gestalt-Terapia e a
observação e a descrição das funções deste self utilizadas pelo paciente ao
69

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO GESTÁLTICO E


AUTORES ANOS
FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL
contatar a si e ao mundo.

Maria DIAGNÓSTICO DE PACIENTES DEPRESSIVOS 1999


Aparecida
Em suas propostas diagnósticas, estas autoras utilizam suportes teóricos
Vieira
variados, bem como atitudes terapêuticas de aceitação e confirmação da
e experiência do cliente no intuído de compreender como os distúrbios de
humor, depressão, tristeza e melancolia são vivenciados.
Maria Augusta
França

Adelma DIAGNÓSTICO COMPREENSIVO 2003


Pimentel
Com a proposta de um diagnóstico compreensivo, Pimentel se utiliza de
instrumentais próprios da Gestalt-Terapia e uma linguagem apropriada
para o diálogo entre psicólogo e cliente, sendo a qualidade compreensiva e
a ação interventiva os pontos primordiais deste tipo de diagnóstico, que
busca proporcionar, desde o início do contato, alguma elucidação de modo
a promover gradualmente a autocompreensão. Somado a isto, Pimentel
ressalta a importância de atentar para a história de vida do cliente e os
significados atribuídos à sua experiência existencial.

Fonte: elaborado pelas autoras a partir de Pimentel (2003).

Reiteramos que as contribuições destes autores destacados por Pimentel (2003)


encontram-se insertas tanto na literatura clássica, quanto na literatura contemporânea da
abordagem gestáltica, as quais se mostram teórica e metodologicamente amparadas pela
perspectiva fenomenológica-existencial.

Na próxima seção, discorreremos acerca das especificidades e dos objetivos referentes


à modalidade de pesquisa bibliográfica e qualitativa.

4.1 Os Rumos da Pesquisa Qualitativa e Bibliográfica

Considerando nossa proposta de discutir sobre a concepção e a prática diagnóstica em


Gestalt-Terapia, salientamos que este estudo configura-se como uma pesquisa bibliográfica,
cujo desenvolvimento ocorreu por meio de uma metodologia qualitativa. Segundo Minayo
(2013), a pesquisa qualitativa busca retratar as realidades que não podem ou não devem ser
simplesmente objetivadas, quantificadas e mensuradas, ou seja, reproduzidas em escalas
70

numéricas generalizantes. Em contraste, essa perspectiva metodológica representa uma forma


de responder

[...] a questões muito particulares, ou seja, trabalha com o universo dos


significados, dos motivos, das aspirações, dos valores e das atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis
(MINAYO, 2013, p. 21).

Destarte, acerca da pesquisa qualitativa, destacamos ainda que

Os autores compreensivistas não se preocupam em quantificar e em explicar,


e sim em compreender: este é o verbo da pesquisa qualitativa. Compreender
relações, valores, atitudes, crenças, hábitos e representações e a partir desse
conjunto de fenômenos humanos, gerados socialmente, compreender e
interpretar a realidade (MINAYO, 2013, p. 24, grifos do autor).

Em conformidade com tal concepção, evidenciamos que a pesquisa qualitativa possui


como tarefa primordial a busca pela compreensão da realidade humana frente às relações
cotidianas, considerando, para a tanto, a subjetividade expressada nos modos do ser humano
agir, pensar, interpretar e dar sentido às suas próprias ações, algo que, segundo Minayo
(2013), dificilmente pode ser revelado em números e indicativos quantitativos.

Diante disto, buscamos, neste estudo, por meio da análise de materiais bibliográficos,
desvelar as nuances do que foi observado e descrito nestes, com o intuito de identificar
percepções e formas de compreender e atribuir sentidos à temática desse trabalho.

Ao considerar a realização de uma pesquisa qualitativa especificamente bibliográfica,


torna-se imprescindível a realização da busca de informações cuja seleção do material
advenha de fontes variadas e apresente significante relevância para o estudo almejado. De
acordo com Lakatos e Marconi (2008), este é um momento que possibilita a reflexão, a
problematização e a organização necessária para a realização de importantes discussões e
descobertas em qualquer que seja o campo de conhecimento.

Destarte, uma pesquisa bibliográfica tem o intuito de analisar e discutir determinado


assunto em um nível literário, sendo realizada uma investigação aprofundada acerca de dados
referentes às produções já existentes sobre a temática de interesse dos pesquisadores. Para
71

tanto, pode-se utilizar de livros, artigos científicos, discursos, filmagens, revistas e outras
fontes que possam contribuir para a fundamentação e condução da análise do estudo, bem
como atingir um conhecimento mais abrangente sobre a temática investigada, possibilitando,
assim, o alcance dos objetivos da pesquisa com especial dedicação à discussão empreendida
(MARCONI; LAKATOS, 2008).

Em concordância com tais especificidades, evidenciamos que o estudo em questão foi


realizado a partir da apreciação e exploração das 11 produções selecionadas, como também
através de reflexões baseadas em nossas experiências pessoais e acadêmicas, enquanto
estudantes de Psicologia e estagiárias das áreas de Saúde Mental, Clínica de Reabilitação e
Clínica Psicológica. A partir destas experiências, destacamos a oportunidade que tivemos de
entrar em contato com diversas condições existenciais de sofrimento e distintas posturas
diagnósticas acerca destas condições, as quais geraram em nós inúmeras ponderações e
questionamentos.

A seguir, faremos uma descrição minuciosa do processo de busca, filtragem e seleção


do material de análise no Portal de Periódicos da CAPES. Nesta descrição, evidenciaremos o
período de realização das buscas na plataforma de pesquisa escolhida, as combinações de
descritores utilizadas, o processo de levantamento das publicações selecionadas para análise,
os critérios de seleção adotados (inclusão e exclusão) e, por fim, a apresentação dos 4 artigos
científicos em português selecionados a partir das quatro buscas realizadas.

4.2 Processo de Busca e Seleção do Material de Análise

No que concerne aos caminhos metodológicos desta pesquisa, as buscas por material
científico para a análise foram realizadas entre os dias 17 e 19 de abril de 2018 na plataforma
de pesquisa Portal de Periódicos da CAPES. Salientamos que a escolha desta plataforma se
explica pelo reconhecimento do elevado nível do material ali disponibilizado. Isto porque tal
plataforma se caracteriza como um espaço virtual que possibilita a democratização do acesso
à informação científica, possuindo, para tanto, um dos melhores acervos acadêmicos e
científicos em nível internacional.

Assim, no intuito de concretizarmos o processo de busca desta pesquisa, adentramos


ao espaço virtual do Portal de Periódicos da CAPES utilizando, para isto, um processo de
72

agrupamento de alguns descritores pertinentes à proposta da nossa discussão, o qual resultou


nas seguintes combinações de descritores:

• Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia;
• Psicopatologia e Gestalt-Terapia;
• Psicopatologia e Diagnóstico Fenomenológico;
• Psicopatologia e Abordagem Gestáltica.

Após esse processo de agrupamento dos descritores e o início das buscas pelo material
científico a ser analisado, estabelecemos nosso critério inicial de seleção: selecionar apenas
as publicações em formato de artigo científico em português que apresentassem em seu título
e resumo três ou quatro dos conceitos relacionados às referidas combinações de descritores
definidas para esta pesquisa. Com isto, foram excluídas todas as outras publicações que não
condiziam com tais especificidades, possibilitando, desta forma, um refinamento dos
conteúdos relevantes à nossa temática.

Nas primeiras buscas realizadas na plataforma de pesquisa Portal de Periódicos da


CAPES, utilizamos a combinação dos descritores “Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia”,
obtendo como resultado 3 publicações. Em seguida, utilizamos a combinação dos descritores
“Psicopatologia e Gestalt-Terapia”, resultando no aparecimento de 24 publicações. O
somatório dessas duas buscas totalizou 27 publicações, dentre as quais foram selecionadas
apenas 12 artigos científicos em português.

Ainda na plataforma de pesquisa Portal de Periódicos da CAPES, realizamos mais


duas buscas. A primeira, com a combinação dos descritores “Psicopatologia e Diagnóstico
Fenomenológico”, resultando em 12 publicações; e a segunda, com a combinação dos
descritores “Psicopatologia e Abordagem Gestáltica”, obtendo como resultado 28
publicações. O somatório dessas duas buscas totalizou 40 publicações, dentre as quais
selecionamos previamente 20 artigos científicos em português.

Com o intuito de melhor explanar o processo de busca descrito anteriormente,


exibiremos, a seguir, um quadro apresentando cada uma das tentativas de busca e os seus
respectivos resultados. A ordem de colocação adotada para os descritores será a mesma
utilizada no momento das buscas.
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Quadro 2 – Levantamento de Publicações no Portal de Periódicos da CAPES

RESULTADOS OBTIDOS NO PORTAL


COMBINAÇÕES DE DESCRITORES
DE PERIÓDICOS DA CAPES

“Psicodiagnóstico e Gestalt-Terapia” 3

“Psicopatologia e Gestalt-Terapia” 24

“Psicopatologia e Diagnóstico Fenomenológico” 12

“Psicopatologia e Abordagem Gestáltica” 28

TOTAL 67

Fonte: elaborado pelas autoras.

Ao finalizarmos o período de buscas e aplicarmos nosso critério inicial de seleção,


chegamos a um total de 32 publicações (artigos científicos em português), as quais
apresentavam em seu título e resumo pelo menos 3 ou 4 conceitos relacionados às
combinações de descritores escolhidas.

Dando continuidade ao processo de seleção do material a ser analisado, realizamos


uma breve leitura destas produções, o que resultou na eliminação de 24 das 32 publicações
selecionadas previamente, visto que estas não atendiam aos interesses de discussão dessa
pesquisa. Com isto, reduzimos a quantidade de artigos científicos selecionados para apenas 8,
sobre os quais nos debruçamos novamente para uma prévia análise, realizando uma leitura
mais minuciosa por acreditarmos que estas 8 publicações disponibilizavam um qualificado
arcabouço teórico sobre a temática em questão.

No entanto, ao finalizarmos esta leitura minuciosa, percebemos a necessidade de


empreendermos uma nova filtragem, isto porque a observação de todo o material previamente
selecionado nos despertou para o estabelecimento de um novo critério de seleção, que foi o
entrelaçamento teórico e prático ou a mesclagem de textos que apresentassem discussões de
ambas as dimensões (teórica e prática) sobre o diagnóstico gestáltico.

A partir deste novo critério, buscamos garantir a seleção do material que apresentasse
uma maior relação com a proposta do nosso estudo, resultando, assim, na redução do número
de publicações selecionadas previamente para apenas 4 artigos científicos em português,
visto que estes disponibilizavam um conteúdo significativo para a compreensão da
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concepção e da prática diagnóstica gestáltica. Destacaremos brevemente sobre o que cada


um deles discute.

O primeiro artigo científico selecionado para a análise aborda teoricamente a questão


da saúde e doença numa perspectiva fenomenológica, com ênfase para a cura sob o ponto
de vista da Gestalt-Terapia. O segundo artigo, apresenta uma discussão acerca das
psicopatologias, tendo como base o conhecimento disponibilizado no DSM-IV e a
compreensão da abordagem gestáltica acerca dos descaminhos percebidos nas fronteiras e
funções do self.

Já os outros dois artigos científicos (terceiro e quarto) realizam uma discussão acerca
da concepção de psicopatologia por intermédio de práticas ou experiências clínicas
psicológicas concretas, considerando, para tanto, a concepção de psicopatologia tanto na
abordagem gestáltica, quanto na perspectiva fenomenológica-existencial, que, como
apresentado anteriormente, são dimensões filosóficas e metodológicas de base da Gestalt-
Terapia.

Com esta afirmação, faz-se necessário destacar a importância destas perspectivas


como sendo características primordiais da discussão proposta neste estudo, considerando que
em todo o percurso de busca, levantamento e seleção de material para a análise houve o
predomínio dos pensamentos filosóficos e metodológicos fenomenológicos-existenciais
agregados aos saberes e fazeres gestálticos, configurando a esta abordagem um olhar singular,
integrado, relacional e vivencial sobre a realidade humana.

A seguir, apresentaremos um quadro com a descrição dos 4 artigos científicos em


português que foram selecionados para a análise deste estudo, destacando as seguintes
informações de cada artigo científico: título, resumo, palavras-chave1, autores e ano de
publicação (utilizado como critério de ordenação). Ao longo de nossa discussão analítica (no
próximo capítulo), tal material será identificado pela nomeação artigo 1, 2, 3 e 4,
respectivamente, conforme evidenciado no quadro.

1
Esclarecemos que o título, o resumo e as palavras-chave mencionadas no quadro foram elaborados
pelos autores de cada artigo científico.
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Quadro 3 – Artigos Científicos Selecionados para a Análise

Nº TÍTULOS / RESUMOS / PALAVRAS-CHAVE AUTORES ANOS

1 UM OLHAR FENOMENOLÓGICO SOBRE A QUESTÃO DA Loeci Maria 2009


SAÚDE E DOENÇA: A CURA DO PONTO DE VISTA DA Pagano Galli
GESTALT-TERAPIA
O comportamento de uma pessoa não pode ser compreendido como
um fenômeno isolado do mundo exterior. É preciso entender um
sintoma como um estilo de ser no mundo. Para Heidegger o homem
não “é” primeiramente, ele é homem na exata medida de seu ser-em-
relação. Qualquer diagnóstico pressupõe uma teoria a priori sobre a
pessoa. Diagnosticar para um Gestalt-terapeuta significa conhecer e
respeitar o ser humano ao longo de sua existência. Um sintoma exige
atenção, pois é um transmissor de informações, todo evento mental
tem repercussões no organismo. O conceito de “cura” para a Gestalt-
terapia só pode ser compreendido a partir de uma concepção
fenomenológica-existencial do ser humano.
Palavras-chave: Gestalt-terapia. Psicopatologia. Fenomenologia.

2 RECONSTRUINDO SENTIDOS NA INTERFACE DE Anna 2009


HISTÓRIAS: UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICO- Karinne da
EXISTENCIAL DA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO Silva Melo
BORDERLINE
Este artigo discute o caso de uma mulher de 40 anos com diagnóstico
Georges
psiquiátrico de transtorno de personalidade borderline, conforme a
Daniel Janja
CID-10 (2003). O texto se propõe, por meio de uma experiência
Bloc Boris
clínica concreta, a discutir as concepções da psicopatologia
fenomenológica existencial. Assim, num primeiro momento,
descreve o distúrbio borderline de acordo com a fenomenologia Violeta
existencial. Em seguida, discute as concepções da relação entre Stoltenborg
saúde e doença de acordo com a Gestalt-Terapia e a Daseinsanalyse,
buscando compreender o modo de “estar-no-mundo” e a constituição
do fenômeno psicopatológico no sujeito borderline na perspectiva da
construção de sua história de vida, que é única. Ao final, os autores
destacam o grande desafio do psicoterapeuta fenomenológico-
existencial: suspender o que conhece a priori a respeito do quadro
clínico do paciente e considerá-lo como sujeito a partir da sua forma
de se expressar no mundo, abandonando a mera classificação da
doença.
Palavras-chave: Psicopatologia Fenomenológica- Existencial.
Gestalt-terapia. Daseinsanálise. Paciente borderline.

3 AS PSICOPATOLOGIAS COMO DISTÚRBIOS DAS Carlene 2012


FUNÇÕES DO SELF: UMA CONSTRUÇÃO TEÓRICA NA Maria Dias
ABORDAGEM GESTÁLTICA Tenório
76

Nº TÍTULOS / RESUMOS / PALAVRAS-CHAVE AUTORES ANOS


Com o objetivo de compreender as psicopatologias com base no
DSM-IV e na teoria de F. Perls, o processo de estruturação dos
padrões neuróticos, psicóticos e antissociais é descrito a partir dos
impasses existenciais, introjeções tóxicas e conflito interno
dominador-dominado, que favorecem os distúrbios das fronteiras e
funções do self responsáveis pelas dificuldades do sujeito para se
diferenciar dos outros, fazer contato pleno com estes, discriminar as
demandas internas e externas e agir de modo adequado ao
atendimento das mesmas. Nesta perspectiva, supõe-se que, enquanto
as psicoses são produzidas pela falência total das fronteiras e funções
do self, as neuroses são geradas pelo distúrbio dessas fronteiras e
funções, caracterizado pela repetição crônica de interrupções do
contato e comportamentos mal adaptativos, que constituem os
transtornos de personalidade descritos pelo DSM-IV. Como
resultado da articulação entre conceitos, pressupostos, critérios
diagnósticos e evidências clínicas são construídas proposições
teóricas nas quais os transtornos de personalidade, com exceção do
transtorno antissocial, são entendidos como padrões neuróticos de
funcionamento desencadeados por distorções primárias e
secundárias, negativas e positivas da percepção de “si mesmo” e do
“outro”, podendo evoluir para transtornos psicóticos em situações de
extremo estresse e vulnerabilidade das fronteiras e funções do self.
Palavras-chave: Psicopatologia. Distúrbio. Self. Abordagem
gestáltica.

4 ENCONTRANDO UM MODO DE SER ESQUIZOFRÊNICO: Júlio Manoel 2016


ARTE E TÉCNICA NA GESTALT-TERAPIA dos Santos
Filho
A esquizofrenia é considerada, tradicionalmente, um transtorno
mental que envolve a presença de sintomas psicóticos:
comportamentos incomuns tais como delírios e alucinações. Na
Virgínia
percepção da Gestalt-terapia, referencial teórico deste trabalho, a
Elizabeth
esquizofrenia, tal como qualquer outra psicopatologia, é
Suassuna
compreendida enquanto uma tentativa de diálogo que foi abortada.
Martins
Assim, abrir espaço para que haja continuidade nesse diálogo é o
Costa
mesmo que promover saúde. Com este intento, é utilizada neste
estudo a perspectiva fenomenológica. Partindo desse modo de ação e
dos referenciais teóricos da Gestalt-terapia, busca-se apresentar
modos pelos quais o encontro pode auxiliar na promoção da saúde
existencial. No caso aqui apresentado, o contato com a própria
experiência, estimulado na psicoterapia, faz com que o cliente
apresente novos conteúdos existenciais.
Palavras-chave: Encontro. Esquizofrenia. Fenomenologia. Gestalt-
terapia.

Fonte: elaborado pelas autoras.


77

Em virtude dos princípios observados e de todas as explanações sobre este processo


metodológico, torna-se importante frisar que em nosso processo de análise, o qual será
explicado e descrito mais adiante, buscamos ir além dos conteúdos apresentados em cada uma
das produções analisadas ao realizarmos uma leitura minuciosa, interpretativa e crítica acerca
dos seus conteúdos no intuito de atingir nossos objetivos.

Assim, diante da nossa proposta de estudo e da complexidade evidenciada a partir do


processo de análise dos artigos científicos em português selecionados nas buscas no Portal de
Periódicos da CAPES e expostos no Quadro 3, identificamos a necessidade de ampliarmos
nosso material de análise. Desse modo, optamos por agregar ao referido material produções
complementares elaboradas por alguns dos autores destacados no Quadro 1, sendo escolhidos:
Yontef (1998), Pimentel (2003), Yehia (2014), Frazão (2015) e Ribeiro (2017); e, além
destes, outros dois autores com os quais entramos em contato brevemente ao longo do curso,
a saber: Canguilhem (2002) e Lipovestsky (2007).

O destaque dado a estes autores se explica pela forma como se posicionam diante do
desenvolvimento humano, do funcionamento saudável e não saudável, dos conceitos de
normal e anormal ou patológico, da contemporaneidade, do pensamento diagnóstico, do
processo psicoterapêutico e das demais discussões que integram as dimensões biológica,
psicológica, filosófica, sociológica, antropológica, cultural, histórica, política, econômica,
entre outras; ou seja, discussões que poderão contribuir expressivamente com a nossa
proposta de estudo.

Nossa intenção ao expormos estes autores foi apresentar aos leitores fontes seguras de
pesquisa e conhecimento sobre a temática em questão, o que poderá auxiliar na produção de
futuras publicações com a perspectiva de impulsionar um maior aproveitamento dos
construtos teóricos da Gestalt-Terapia, possibilitando um maior entrelaçamento entre o saber
e o fazer desta abordagem.

Com isto, explicitamos a importância da constante atualização e produção do


conhecimento sobre nossas teorias e práticas profissionais, de modo a ultrapassar os limites de
nosso campo de conhecimento e atuação, alcançando também outros saberes, bem como todas
as pessoas que possam demonstrar interesse pelo assunto.

Na sequência, exibiremos um quadro com as 7 produções (5 livros e 2 capítulos de


livros) que irão complementar a análise e ampliar a discussão que nos propomos a
empreender nesta pesquisa. Com este intuito, a seguir, destacaremos no Quadro 4 as
78

informações de cada uma dessas sete produções: o número escolhido para cada uma, o título,
o resumo (retirado da própria obra), o/a autor/a e o ano de publicação (utilizado como critério
de ordenação). Destarte, em nossas discussões, utilizaremos o número escolhido para cada
produção (5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11) para nos referirmos a elas.

Quadro 4 – Produções Complementares Selecionadas para a Análise

Nº TÍTULOS / RESUMOS AUTORES ANO

5 LIVRO “PROCESSO, DIÁLOGO E AWARENESS: ENSAIOS Gary Yontef 1998


EM GESTALT-TERAPIA”
Gary Yontef é um dos primeiros integrantes da primeira geração de
Gestalt-terapeutas norte-americanos e considerado um dos grandes
pensadores atuais da abordagem gestáltica. Este livro,
especialmente adaptado para a edição brasileira, reúne uma série de
artigos que buscam aprofundar e equacionar algumas questões
básicas em Gestalt-terapia. Yontef aborda aspectos teóricos que
remontam às raízes do pensamento gestáltico, procurando analisá-
los à luz de conceitos científicos modernos, bem como situar o
método em relação a outras abordagens atuais. Examina também a
prática da Gestalt-terapia, reafirmando a importância da relação
dialógica como aspecto fundamental para o estabelecimento de
relações terapêuticas saudáveis e bem sucedidas. Em estilo claro e
didático, o livro permite acompanhar a evolução do pensamento do
autor durante três décadas e familiarizar-se com os conceitos mais
atuais da Gestalt-terapia.

6 LIVRO “O NORMAL E O PATOLÓGICO” Georges 2002


Canguilhem
Escrito originalmente como tese de doutorado em Medicina, este
primeiro ensaio de Georges Canguilhem constitui um marco
fundamental nesse novo campo do saber humano – a epistemologia.
Segundo o autor, a Medicina, muito mais do que uma ciência
propriamente dita, é uma técnica ou uma arte situada na
encruzilhada de várias ciências. O presente trabalho é, pois, uma
tentativa de integrar à especulação filosófica alguns dos métodos e
aquisições da Medicina. Não se trata de incorporar-lhe uma
metafísica, mas de propor uma reflexão filosófica sobre seus
métodos e técnicas, a fim de conceituá-los para uma melhor e mais
clara compreensão dos fenômenos patológicos humanos.
7 LIVRO “PSICODIAGNÓSTICO EM GESTALT-TERAPIA” Adelma 2003
Pimentel
Desde sua origem, há mais de meio século, os conceitos e métodos
que norteiam a prática do psicodiagnóstico sofreram profundas
modificações. A mera aplicação de testes, que caracterizou a fase
inicial, foi posteriormente rejeitada de forma enfática, dando lugar
79

Nº TÍTULOS / RESUMOS AUTORES ANO


ao modelo psicanalítico. Este, por sua vez, com a evolução das
correntes humanistas em Psicologia, também passou a ser
questionado, permitindo o despontar de processos psicodiagnósticos
de orientação fenomenológico-existencial. Essas abordagens
caracterizam-se por levar em consideração os significados que o
cliente atribui aos seus próprios comportamentos, estabelecendo-se
uma compreensão conjunta entre ele e o psicólogo. É nesse quadro
que se insere a abordagem gestáltica. Buscando responder a
pergunta: “Como o Gestalt-terapeuta pensa e realiza o
psicodiagnóstico?”, Adelma Pimentel realizou um trabalho pioneiro
em Gestalt-terapia no Brasil. Inicialmente, fez um levantamento dos
pontos referentes ao assunto que estão dispersos em obras de
Gestalt-terapia já publicadas, para, em seguida, associá-los a uma
pesquisa com Gestalt-terapeutas brasileiros que desenvolveram
atividades clínicas e docentes em diversas regiões do país. O
resultado é uma obra profunda e abrangente, trazendo para o debate
a função e o valor do psicodiagnóstico, o limite entre
psicodiagnóstico e terapia, os papéis do terapeuta e do cliente,
culminando na tese do Psicodiagnóstico Colaborativo e Interventivo
na abordagem gestáltica.

8 LIVRO “A FELICIDADE PARADOXAL: ENSAIO SOBRE A Gilles 2007


SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO” Lipovetsky
Numa sociedade em que a melhoria contínua das condições de vida
materiais praticamente ascendeu ao estatuto de religião, viver
melhor tornou-se uma paixão coletiva, o objetivo supremo das
sociedades democráticas, um ideal nunca por demais exaltado.
Entrámos assim numa nova fase do capitalismo; a sociedade do
hiperconsumo. Eis que nasce um terceiro tipo de Homo
consumericus, voraz, móvel, flexível, liberto das antigas culturas de
classe, imprevisível nos seus gostos e nas suas compras e sedento
de experiências emocionais e de (mais) bem-estar, de marcas, de
autenticidade, de imediaticidade, de comunicação. Tudo se passa
como se, doravante, o consumo funcionasse como um império sem
tempos mortos cujos contornos são infinitos. Mas estes prazeres
privados originam uma felicidade paradoxal - nunca o indivíduo
contemporâneo atingiu um tal grau de abandono.

9 CAPÍTULO “PSICODIAGNÓSTICO FENOMENOLÓGICO- Gohara 2014


EXISTENCIAL: FOCALIZANDO OS ASPECTOS Yvette Yehia
SAUDÁVEIS”
DO LIVRO “PSICODIAGNÓSTICO INTERVENTIVO:
EVOLUÇÃO DE UMA PRÁTICA”
Saúde e doença vêm sendo compreendidas de formas diferentes ao
80

Nº TÍTULOS / RESUMOS AUTORES ANO


longo do tempo, sendo que as mudanças no modo de entendê-las
acompanham a evolução da ciência e da sociedade. Assim, na Idade
Média, a relação do homem com o mundo era marcada pela vida
coletiva, assentada nas tradições e na crença de entidades poderosas
que exigiam submissão, pois eram donas do destino. Já no
Renascimento, com as descobertas e a ampliação do comércio, a
multiplicidade de possibilidades traz consigo a sensação de
desamparo e incertezas quanto ao destino. Nasce a necessidade de
controle diante do mundo do qual o homem se afastou e que passou
a ser sentido como inóspito. Nota-se, então, um progressivo
movimento de introspecção via racionalidade. No período chamado
de Moderno, o homem criou um método – construção de sistemas
lógicos e coerentes que permitam explicar os fenômenos de
universo e de si mesmo, com a consequente exclusão daquilo que
não é contemplado pela razão. Hoje, sabemos que saúde e doença
não podem ser vistas de forma dicotômica, e sim como parte de um
único processo no qual saúde não é o simples fato de não ter doença
e vice-versa.

10 CAPÍTULO “COMPREENSÃO CLÍNICA EM GESTALT- Lilian Meyer 2015


TERAPIA: PENSAMENTO DIAGNÓSTICO PROCESSUAL Frazão
E AJUSTAMENTOS CRIATIVOS FUNCIONAIS E
DISFUNCIONAIS”
DO LIVRO “A CLÍNICA, A RELAÇÃO
PSICOTERAPÊUTICA E O MANEJO EM GESTALT-
TERAPIA”
O objetivo deste presente capítulo é compartilhar algumas reflexões
feitas nas últimas décadas a respeito do diagnóstico em Gestalt-
terapia. Embora comumente no campo da Psicologia se pense em
diagnóstico como um processo investigativo que deve preceder o
tratamento ou a intervenção clínica – como ocorre quando se fala
em estudo de caso – acredito que esse modelo, que em muito se
assemelha ao modelo médico, não seja adequado à Gestalt-terapia,
dada sua concepção de homem e de processo terapêutico. Uma vez
que concebemos o homem como uma totalidade, em constante
processo de crescimento e desenvolvimento, o que inclui não
apenas atenção a suas dificuldades e sofrimentos, mas também a
suas possibilidades e potencialidades, faz-se necessária uma
concepção de diagnóstico que contemple esses aspectos sem excluir
os demais.

11 LIVRO “O CICLO DO CONTATO – TEMAS BÁSICOS NA Jorge 2017


ABORDAGEM GESTÁLTICA” Ponciano
Ribeiro
Nesta nova edição de uma obra que se tornou um clássico da
Gestalt-terapia, Jorge Ponciano Ribeiro mostra o ciclo do contato de
81

Nº TÍTULOS / RESUMOS AUTORES ANO


maneira mais original e conceitualmente mais desenvolvida.
Partindo de uma visão pessoal, tendo na Teoria de Campo um dos
seus pressupostos básicos, ele elabora conceitos fundamentais,
fugindo de lugares-comuns e refletindo sobre a teoria e a prática
gestálticas. O autor examina a natureza do contato e os fatores que
podem facilitá-los ou bloqueá-los, apresentando uma série de
modelos que fazem do contato um instrumento e uma forma
eficientes para o desenvolvimento humano. Vislumbra também
aplicações que transcendem o âmbito psicoterapêutico, ao mesmo
tempo que deixa claro que esse novo modelo de análise da
experiência humana conduz a novas possibilidades, métodos e
reflexões. Abre-se, assim, uma perspectiva diferente sobre a
complexa questão do diagnóstico e do prognóstico, permitindo que
se ampliem o conhecimento e a vivência da prática clínica.

Fonte: elaborado pelas autoras.

Frisamos que o processo de análise desses materiais, cuja nomeação se apresenta


como produções 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 (5 livros e 2 capítulos de livro) expostas no Quadro 4
dessa metodologia, teve como ponto central a identificação dos posicionamentos e
implicações relacionadas à temática discutida nas 4 primeiras produções (artigos científicos
1, 2, 3 e 4) e nos capítulos anteriores.

Com esse desígnio, tais obras foram ponderadas a partir das suas sinopses e dos seus
sumários visando à identificação de capítulos que se relacionassem aos temas em estudo nessa
pesquisa. Destarte, organizamos e analisamos esses materiais, realizando leituras na íntegra,
fichamentos e a identificação dos subtemas ou elementos mencionados em nosso processo de
análise para seguirmos com as nossas inferências, na expectativa de que a articulação entre
todos os materiais aqui apresentados proceda ao desvelamento das nuances das discussões e
dos resultados desta pesquisa.

Na sequência, discorreremos sobre o processo de análise de conteúdo, sendo, então,


evidenciadas as características, as fases, os procedimentos e os princípios empreendidos ao se
analisar dados a partir deste método de análise criado por Laurence Bardin (2011). Ao final
destas explanações faremos uma descrição de como realizamos o processo de análise dos
artigos 1, 2, 3 e 4 (apresentados no Quadro 3).
82

4.3 Processo de Análise de Conteúdo: Teoria e Prática

Levando em consideração a necessidade de alinhar o processo de análise do material


selecionado com toda a explanação de nossa pesquisa, escolhemos calcar a apreciação deste
material na análise de conteúdo, método científico de análise de informações desenvolvido
pela professora da Universidade de Paris V Laurence Bardin (2011).

Para Câmara (2013), este método científico se caracteriza pela finalidade de auxiliar
na compreensão dos significados contidos nos discursos, falas, mensagens ou em qualquer
comunicação (oral, visual, gestual), sendo utilizado, para tanto, procedimentos de descrição,
inferência e interpretação de conteúdo.

Neste sentido, a análise de conteúdo é descrita por Bardin (2011, p. 47) como sendo

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.

Em conformidade a essa descrição, Minayo (2013, p. 84) observa que “[...] através da
análise de conteúdo, podemos caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos
manifestos, indo além das aparências do que está sendo comunicado”. Ou seja, trata-se de um
instrumento que em nível qualitativo desvenda e busca um aprofundamento nas
características, estruturas ou modelos que estão implícitos nas formas de se comunicar ao
retratar a realidade experienciada.

Com isto, é possível afirmar que a análise de conteúdo consiste em um instrumento


metodológico exploratório utilizado para analisar os mais variados modos de comunicação,
sendo fundamental para a apreciação dos mais variados tipos de discursos, falas ou
mensagens. Isto porque se utiliza de procedimentos que ultrapassam a descrição explícita dos
conteúdos (significante), realizando coerentes inferências acerca destes ao buscar o
significado expressado mediante as formas de comunicação, podendo levar os pesquisadores a
novas interpretações ou novos significados (CAMPOS, 2004).

Ao falar sobre a análise de conteúdo, Silva (2005) aponta que não se trata de uma
técnica rígida, pois, em seu modo de utilização, pode se adequar a várias situações e formas
83

de aplicação. Nessa perspectiva, assinala que a análise de conteúdo é uma ferramenta


científica e, por conseguinte, demanda comprometimento teórico e postura metodológica,
necessitando, para tanto, de assertividade por parte do pesquisador na captação do ponto de
vista dos autores das mensagens, testando-o junto aos próprios ou confrontando sua
interpretação com a de outros pesquisadores.

Desta forma, em um estudo qualitativo em que haja uma análise de dados realizada a
partir da utilização da análise de conteúdo é imprescindível que o pesquisador desempenhe
um trabalho minucioso e aprofundado com o intuito de compreender os significados no
contexto da fala, sendo ultrapassado “o alcance meramente descritivo da mensagem”
(MINAYO, 2006, p. 307).

Destarte, Bardin (2011) indica a aplicação de três fases ao se utilizar a análise de


conteúdo no processo de tratamento e análise de informações, a saber: (1) a pré-análise; (2) a
exploração do material; e (3) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
Segundo esta autora, a pré-análise é a fase da organização, pois é o momento em que será
realizada a seleção do material a ser analisado, sendo, para tanto, efetivada uma leitura
flutuante (superficial) desse material.

A referida autora aponta, ainda, que esse primeiro contato com os conteúdos
selecionados, ocorrido na pré-análise, possibilita a apreensão das principais ideias ali
contidas, bem como os seus significados gerais, permitindo, assim, a formulação de hipóteses
e de objetivos de discussão, além da elaboração de indicadores para fundamentar a
interpretação final.

Ao falar sobre esta fase (pré-análise), Campos (2004) ressalta a necessidade de entrar
em contato com diferentes conteúdos para que questões e impressões sejam afloradas, de
modo a transcender a mensagem explícita, ao mesmo tempo em que significados relevantes
para a pesquisa são descobertos, configurando, ao final desta etapa, um corpus representativo
(conjunto de documentos significativos para a pesquisa).

Na fase seguinte, que é a exploração do material, ocorre a confirmação das


impressões e hipóteses, bem como a concretização das decisões formuladas na pré-análise.
Essa segunda fase consiste em decodificar, decompor e/ou enumerar determinadas
informações por meio de procedimentos anteriormente estabelecidos. Sobre isto, Chizzotti
(2006, p. 98) afirma que
84

Esses procedimentos podem privilegiar um aspecto da análise, seja


decompondo um texto em unidades léxicas (análise lexicológica) ou
classificando segundo categorias (análise categorial), seja desvelando o
sentido de uma comunicação no momento do discurso (análise de
enunciação) ou revelando os significados dos conceitos em meios sociais
diferenciados (análise de conotações), ou seja, utilizando-se de qualquer
outra forma inovadora de decodificações de comunicações impressas,
visuais, gestuais etc., apreendendo o seu conteúdo explícito ou implícito.

Com efeito, a fase de exploração do material é o momento em que os dados originais


são organizados e decodificados de modo a permitir uma descrição das características
particulares do conteúdo. Já a terceira e última fase é o momento em que ocorre o tratamento
dos resultados, sendo alcançado o significado e a validade dos dados analisados, passando da
descrição à interpretação.

Segundo Chizzotti (2006, p. 98), esta é a fase que possibilita a compreensão crítica do
“conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas”. Ou seja, é chegado o
momento em que, a partir dos resultados obtidos nas fases anteriores, o pesquisador poderá,
enfim, inferir suas interpretações sobre todo o conteúdo analisado.

Com isto, Chizzotti (2006), destaca o processo de categorização na análise de


conteúdo, cuja finalidade é a de reduzir o volume amplo de informações, tornando-se uma
condensação significativa dos dados brutos, possibilitando identificar a influência do contexto
nos modos de comunicação.

Considerando esse propósito, Bardin (2011) aponta alguns princípios fundamentais


para se alcançar uma alta qualidade na elaboração das categorias:

1. A exclusão mútua, princípio que implica a unicidade dos elementos, não devendo
apresentar-se em mais de uma divisão ou categoria;

2. A homogeneidade, que exige a organização das categorias com base em um único


princípio de classificação;

3. A pertinência, princípio que estabelece o alinhamento dos documentos à temática e


objetivo do estudo;

4. Objetividade e fidelidade, assinalando a exigência de definição assertiva das


variáveis tratadas nas categorias, evitando assim, distorções de questões subjetivas e
variações nas interpretações; e por último,
85

5. A produtividade, que busca a obtenção de resultados férteis em indicadores de


inferência, produção de novas hipóteses e precisão de dados.

Destarte, em consideração as características do processo de análise de conteúdo


calcado na proposta metodológica de Bardin (2011), a primeira fase (pré-análise) da nossa
experiência de análise se deu, inicialmente, pela leitura flutuante dos 4 artigos científicos em
português selecionados, tendo como principal tarefa a identificação de semelhanças e
possíveis diferenças entre as discussões presentes neles.

Com este procedimento buscamos, inicialmente, desvendar os pontos comuns


existentes em tais artigos, possibilitando, assim, distinguir as particularidades na perspectiva
dos seus autores ao discutirem o diagnóstico à luz da Gestalt-Terapia, como também questões
vinculadas a tal discussão, como, por exemplo, o desenvolvimento humano e os fatores
intrínsecos a este desenvolvimento.

A conclusão desta fase de pré-análise nos encaminhou para a realização da próxima


fase da análise de conteúdo (exploração do material), que foi se efetivando a partir de
leituras minuciosas dos 4 artigos científicos com vistas a um maior entendimento das
concepções e das implicações dos autores em relação ao nosso objeto de estudo.

Com isto, nos encaminhamos para o passo seguinte em relação à exploração do


material de análise, que foi a identificação, a organização e a elaboração de subcategorias,
como, por exemplo: a compreensão das psicopatologias em Gestalt-Terapia; os fatores
considerados pela abordagem gestáltica ao discutir questões de saúde e doença; a prática
diagnóstica em Gestalt-Terapia; a importância do cuidado ao adentrar o universo subjetivo
humano; entre outras subcategorias.

Ao fazermos este processo de identificação e organização do conteúdo significativo do


material selecionado e analisado, consolidamos a fase exploratória desta análise de conteúdo,
em que os resultados obtidos foram organizados por meio de subcategorias (segunda etapa) e
categorias de análise (terceira etapa), sendo estas etapas antecedidas por um agrupamento
dos elementos descritivos (primeira etapa) presentes nas mensagens dos artigos científicos
analisados. Destarte, nos empenhamos a identificar e apresentar o quadro a seguir contendo os
elementos descritivos que se destacaram dentre os artigos 1, 2, 3 e 4 e foram significativos
para o curso de nosso estudo.

Quadro 5 – Elementos Descritivos Identificados na Análise


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Elementos Descritivos Artigos Analisados

Fluxo de Contato 1, 2, 3 e 4

Psicopatologias 1, 2, 3 e 4

Ajustamento Criativo 1, 2, 3 e 4

Método Fenomenológico e Dialógico 1, 2, 3 e 4

Singularidades 1, 2, 3 e 4

Potencialidades 1, 2, 3 e 4

Contemporaneidade 1

Saúde e Doença em Gestalt-Terapia 1, 2, 3 e 4

Fonte: elaborado pelas autoras.

Assim, evidenciamos tanto as características comuns encontradas nestas produções,


quanto suas particularidades identificadas, visto que estas características corroboram com a
nossa perspectiva teórica e com a nossa proposta de estudo e nos permitiu vislumbrar
caminhos para a concretização da nossa discussão.

Assim, em consideração tanto aos elementos descritivos identificados nas informações


originárias, quanto às subcategorias destacadas e apresentadas na fase exploratória de nossa
análise, chegamos à terceira e última fase da análise de conteúdo de Bardin (2011):
tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Nesta, demos continuidade ao
processo de análise dos artigos 1, 2, 3 e 4, condensando as informações significativas
apresentadas nas etapas anteriores, bem como apreciamos os principais pontos destacados nas
7 produções (5 livros e 2 capítulos de livros) escolhidas para complementar nossas discussões,
e concluímos essa terceira fase elaborando 3 categorias de análise, sendo elas:

1) Desvendando o contato e o funcionamento humano saudável;

2) Refletindo sobre as vicissitudes da vida contemporânea e a dimensão ontológica do


contato; e

3) Evidenciando as concepções psicopatológicas e a prática clínica-diagnóstica em


Gestalt-Terapia.

Frisamos que a maneira pela qual ordenamos estas três categorias de análise revela o
caminho que escolhemos trilhar para realizar e concluir nossas reflexões acerca da
87

compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia. A seguir, apresentaremos as discussões dos


resultados desta análise, fazendo um diálogo entre as categorias elaboradas e os capítulos
anteriores.
88

5 COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA EM GESTALT-TERAPIA: UMA


(RE)CONFIGURAÇÃO SUBJETIVA NA CLÍNICA PSICOLÓGICA E NA ÁREA DE
SAÚDE MENTAL

Este capítulo tem o propósito de nos encaminhar para o término desta pesquisa, sendo,
então, o momento de explanarmos as discussões que darão maior consistência à compreensão
diagnóstica em Gestalt-Terapia. Destarte, identificamos que as características comuns
encontradas nas publicações analisadas dialogam com as especificidades filosóficas, teóricas e
metodológicas do nosso referencial teórico, as quais foram apresentadas no segundo capítulo
deste estudo.

Dentre algumas destas características comuns, destacamos a importância do contato


para o processo de constituição e funcionamento humano, bem como uma maior disposição
entre os gestalt-terapeutas em discriminar uma perspectiva gestáltica de diagnóstico, sendo
esta alinhada à sua visão de homem e mundo e distanciada do psicodiagnóstico tradicional,
mencionado em nosso primeiro capítulo.

No que concerne às nuanças singulares encontradas nos artigos científicos analisados,


identificamos a menção à contemporaneidade, evidenciada em apenas no artigo 1, além das
experiências clínicas-diagnósticas relatadas nestes artigos, as quais destacaram variados
conceitos e significativas concepções psicopatológicas em Gestalt-Terapia. Seguimos, então,
dialogando e aprofundando as discussões das nossas três categorias de análise e retomando os
capítulos anteriores, o que nos levou a alcançar nosso objetivo.

5.1 Desvendando o Contato e o Funcionamento Humano Saudável

A discussão empreendida nesta categoria de análise evidencia e problematiza o


contato, termo que foi sucintamente discutido em nosso segundo capítulo como um dos
principais conceitos da Gestalt-Terapia e que nas publicações analisadas desvela-se como o
construto psíquico mais importante para o processo de constituição humana e para o
funcionamento saudável e não saudável, considerando que esta abordagem concebe a
existência humana a partir de uma perspectiva da relação organismo-meio.
89

A relevância do conceito de contato para a Gestalt-Terapia é afirmada no artigo 2,


cujo título é “Reconstruindo sentidos na interface de histórias: uma discussão
fenomenológico-existencial da constituição do sujeito borderline”, em que os autores Anna
Karinne da Silva Melo, Georges Daniel Janja Bloc Boris e Violeta Stoltenborg (2009, p. 135-
136) assinalam que

Na Gestalt-terapia, o conceito central é o fluxo de contato, ou o modo como o


sujeito estabelece contato em interação com o mundo. O fluxo ou ciclo de
contato é o processo de formação de figura (o que sobressai) e fundo (o que
contextualiza) na interação entre o sujeito e o mundo. É a experiência primeira
em tal interação, sendo um processo dinâmico, um fluxo constante e
permanente de experiências. Entendemos que o modo como tal processo é
estabelecido constitui a existência do sujeito.

Considerando esta perspectiva e o que explanamos no segundo capítulo acerca do


contato, entendemos que este construto é a forma pela qual o homem sente, percebe e atua
sobre sua realidade, tornando-se, a partir dele, um agente de contínua mudança no mundo ao
apreender, expressar, ajustar e criar formas de satisfazer suas necessidades em meio às
possibilidades do ambiente em que vive.

Sobre isto, evidenciamos também o artigo 3, baseado no DSM-IV e na Teoria


Organísmica de Perls e intitulado “As psicopatologias como distúrbios das funções do self:
uma construção teórica na abordagem gestáltica”, que destaca a visão da autora Carlene Maria
Dias Tenório (2012, p. 228) sobre o contato, configurando-o como um processo de

[...] diferenciação e troca entre “eu” e “não eu”, que implica numa
consciência ampla de “si mesmo” e do “outro”, mobilização em busca da
satisfação mútua, através da criação de estratégias, pelas quais ambas se
modificam, adequando-se um ao outro.

Nesta colocação apreendemos o contato presentificado na experiência intersubjetiva


de conscientizar-se (awareness) tanto da realidade interna, quando da realidade externa
(ambiente), no aqui e agora, sendo possível acontecer um encontro entre alteridades na
fronteira de contato, onde cada ser humano busca satisfazer suas necessidades (figura e
fundo) pelo reconhecimento destas, e pelo respeito e aceitação das diferenças expressadas em
90

cada forma de contato, em cada forma de existência humana (ajustamento criativo), sem que
haja a sujeição de uma pela sobreposição da outra.

Por conseguinte, reiteramos a localização teórica do contato, evidenciando um sentido


para sua aplicação conceitual a partir das bases epistemológicas que fundamentam a Gestalt-
Terapia (explanadas no segundo capítulo deste trabalho), sendo, então, destaque conceitual
fenomenológico inserto tanto na Teoria de Campo, quanto na Teoria Organísmica,
envolvendo conceitos como fronteira de contato e suas funções, awareness, figura e fundo,
ajustamento criativo e autorregulação organísmica, os quais foram também apresentados
em nosso segundo capítulo.

Sobre isto, na obra “O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica”,


produção 11, Jorge Ponciano Ribeiro (2017) destaca que o contato é um complexo e
fundamental construto para a compreensão da singularidade humana em Gestalt-Terapia. Isto
porque a inerência do contato existente no campo homem-mundo revela a expressividade
singular do homem em suas formas de funcionamento, na medida em que este segue
continuamente buscando a satisfação de suas necessidades emergenciais em meio à realidade
(espacial e temporal) vivenciada.

Destarte, o contato se desvela em duas configurações: campo (relação) e espaço vital


(processo). O campo é “[...] a pessoa acontecendo, em dado momento” (RIBEIRO, 2017, p.
14), é a vivência relacional experienciada nos mais variados níveis de contato: consigo,
quando a pessoa é o próprio campo, sendo ao mesmo tempo o agente e o objeto de
transformação; com o outro, pessoa ou coisa com a qual nos relacionamos no aqui e agora;
ou ainda do mundo para conosco.

Já o espaço vital é a complexa rede de contatos realizados ao longo da vida, representa


a totalidade humana inacabada e em constante renovação a cada novo contato sucedido. Nesta
reflexão, chamaremos esse processo relacional contínuo de contato ontológico, que é a
dimensão do contato processual e constitutiva, visto que reflete a identidade humana
inacabada e configurada pela capacidade primordial e particular de se autorregular conforme
busca satisfazer suas necessidades, diferenciando-se de tudo e de todos em meio ao espaço-
tempo vivenciado (RIBEIRO, 2017). A seguir, apresentaremos na Figura 1 uma ilustração
destas configurações do contato.
91

Figura 1 – Configuração Relacional e Processual do Contato

Fonte: elaborada pelas autoras a partir de Ribeiro (2017).

Sendo assim, resgatamos um pouco mais do artigo 2 evidenciando uma colocação dos
seus autores, que influenciados pelos posicionamentos de Perls (2002 apud MELO, BORIS,
STOLTENBORG, 2009, p. 136) apontam ser: “[...] no modo de contatar a si mesmo e ao
mundo que se configura o campo homem-mundo, que nos informa e, ao mesmo tempo,
informamos o que é ser sujeito”.

Coadunando com esta perspectiva e com a produção 11, a autora do artigo 3


evidencia o caráter processual do contato destacando a sua importância para a constituição
do self, que é o eu relacional, processual e consciente, sendo o sistema de contatos e de
respostas do organismo em nível relacional e processual. Assim, o self é constituído por dois
níveis que se integram: o nível relacional, que é a consciência do contato ou fronteira de
contato organismo-meio em funcionamento; e o nível processual, que é o contato ontológico
ou espaço vital. Além disso, o self é configurado pelas funções id, ego e personalidade.

A função id é a dimensão do contato que disponibiliza à vivência atual informações


herdadas e conservadas de experiências afetivas passadas, mantendo interconexão com a
função ego, que é a dimensão ativa do contato no campo intersubjetivo, e a função
personalidade, que é a representação da autoimagem do self. Assim, o self é constantemente
reconfigurado pelo caráter integrador da função personalidade e pelo caráter regulador das
funções id e ego, o que permite ao homem reconhecer seus sentimentos (função id) e
92

responder por suas ações (função ego) no mundo de maneira singular (função personalidade).
Os sistemas integrativos do self são representados na figura a seguir.

Figura 2 – Sistemas Integrativos do Self

Fonte: elaborada pelas autoras a partir de Tenório (2012).

Ainda, segundo Tenório (2012), autora do artigo 3, estas funções são responsáveis
pelas etapas do processo de ajustamento criativo que se dá pela vivência inerente do contato.
Desse modo, ela aponta que

Enquanto “id e ego” são funções de autorregulação, nas quais o self interage
com o meio, em busca da satisfação de suas necessidades, possibilitando
uma consciência vivenciada de “si mesmo”, a “personalidade” é uma função
de seleção, integração, organização e síntese de experiências vivenciadas nas
fronteiras de contato, propiciando o desenvolvimento de uma consciência
representada de self (TENÓRIO, 2012, p. 226, grifos do autor)

Diante disso, convém que recordemos o conceito de fronteira de contato e suas


respectivas funções, que foram discutidos no nosso segundo capítulo. Este conceito foi
definido por D’ACRI, (2014) como o espaço onde o contato ocorre de fato, tendo como
funções: a visão, a audição, o olfato, o tato, o paladar e o movimento, sendo estas as
ferramentas do contato para expressar as formas pelas quais o ser humano se atualiza
93

enquanto experiencia seus vários e distintos papeis sociais em seu contexto atual, fazendo do
contato um processo de ininterrupta integração homem-mundo e de contínua constituição
humana.

A respeito disto, no artigo 4, inspirado na filosofia existencialista e relacional de


Martin Buber, cujo título é “Encontrando um modo de ser esquizofrênico: arte e técnica na
Gestalt-Terapia”, os autores Júlio Manoel dos Santos Filho e Virgínia Elizabeth Suassuna
Martins Costa (2016, p. 28, grifos dos autores) destacam que o encontro ocorrido na fronteira
de contato “[...] trata-se de um acontecimento que fala sobre a natureza dialógica,
característica que define e revela o que há de único no ser humano como a capacidade e o
desejo de estabelecer relações significativas com as outras pessoas”.

Com este destaque, atentamos para outro ponto em comum identificado entre as
publicações selecionadas e o nosso segundo capítulo, que é a qualidade do contato como
condição elementar para o desenvolvimento e o funcionamento humano saudável. Dito isto,
observamos que, conforme apontado pela autora do artigo 3, o desenvolvimento e o
funcionamento saudável dos sistemas (sensório, motor e cognitivo) que regem a existência
humana “[...] dependem, essencialmente da qualidade da relação, do contato que se estabelece
com o outro desde os primórdios da existência” (TENÓRIO, 2012, p. 225). Assim, “o contato
saudável é [...] compreendido como um contato pleno e dialógico, que proporciona ao sujeito
a experiência de ser respeitado e valorizado pelo “outro” em sua singularidade” (p. 227).

Em conexão com esta perspectiva, os autores do artigo 4 evidenciam que

Encontrar alguém é uma experiência de estar plenamente presente com este


outro, tanto quanto possível, de forma que poucos objetivos estejam voltados
para si mesmo. [...]. O encontro, no qual cada uma das partes envolvidas
aprecia a alteridade e a totalidade da outra, simultaneamente, é denominado
por Martin Buber de experiência Eu-Tu (COSTA; SANTOS FILHO,
2016, p. 28, grifos nossos).

Identificamos uma afinidade com esta percepção acerca do contato e do encontro no


artigo 1, intitulado “Um olhar fenomenológico sobre a questão da saúde e doença: a cura do
ponto de vista da Gestalt-Terapia”, sob a perspectiva da autora Loeci Maria Pagano Galli
(2009). Para esta autora, o contato e o encontro só podem ocorrer plenamente a partir da
presença em nós mesmos, do sentir e perceber a si e ao mundo. Ela aponta, ainda, que “[...]
94

quando perdemos a conexão conosco, ficamos isolados, individualistas, não conseguimos nos
vincular aos outros, enquanto não fizermos nosso próprio vínculo” (p. 64).

Compartilhando desta compreensão, na produção 11, Ribeiro (2017, p. 16, grifos


nossos) destaca a presença como fator primordial do contato pleno.

Quando estamos face a face com o outro, o que lhe faz face não sou eu, mas
a energia que emana de mim em forma de contato, energia pela qual minha
presença se presentifica para ele, mas com uma condição: se não estou
presente em mim mesmo, não estarei presente para o outro. Contato e
encontro são funções da presença. O que transforma o outro, ou talvez o
cure, é a presença em forma de contato. Quando o outro me sente presente
em mim mesmo, ele se sente presente para mim e talvez para ele mesmo e
então tudo pode acontecer.

Na produção 10, intitulada “Compreensão clínica em Gestalt-Terapia: pensamento


diagnóstico processual e ajustamentos criativos funcionais e disfuncionais”, que é o capítulo 4
do livro “A clínica, a relação psicoterapêutica e o manejo em Gestalt-Terapia”, a autora Lilian
Meyer Frazão (2015) coaduna plenamente com os posicionamentos dos autores mencionados
anteriormente no que concerne à qualidade do contato. Destarte, ela assegura que é “[...] o
processo de contato de boa qualidade que propicia que a interação indivíduo-ambiente seja
nutritiva e que ocorram mudanças no campo relacional pessoa-ambiente, isto é crescimento e
desenvolvimento” (FRAZÃO, 2015, p. 87).

Somado a isto, evidenciamos também a produção 7, que é o livro “Psicodiagnóstico


em Gestalt-Terapia” da autora Adelma Pimentel (2003), que apresenta uma compreensão do
contato com qualidade, evidenciando as funções de contato, visando explicar o que é um
funcionamento saudável para a abordagem gestáltica.

O movimento saudável de um organismo [...] corresponde ao


desenvolvimento de um modo de olhar com prazer, sem fugir do contato
pessoal, visual, contextualizando e dimensionando a experiência. Um modo
de escutar amplo, ativo e aberto para as próprias necessidades e para as
dos outros, observando as palavras, a voz e os significados. Um modo de
tocar desvinculado das conotações negativas e artificiais, dos
constrangimentos e das censuras, para áreas corporais. Um modo de falar
que observa a voz e a linguagem, a direção, a expressividade, a situação, o
uso e a economia das palavras, as intervenções e a criatividade. Um modo de
movimentar-se que integra o corpo e as sensações, em um conjunto
95

unitário. Um modo de cheirar e apreciar o gosto, inserto no processo de


reconhecimento decorrente do senso de avaliação das diferenças, entre os
diversos sabores possíveis de serem assimilados no meio ambiente
(PIMENTEL, 2003, p. 48-49, grifos nossos).

Ao refletirmos sobre esta compreensão de contato com qualidade e as outras


explanações desta categoria de análise, entendemos que o funcionamento humano
considerado saudável (contato pleno) decorre da plenitude das funções do contato e da
awareness (ampliação da consciência). Essas duas configurações conceituais são
especificidades teóricas da Gestalt-Terapia (evidenciadas no segundo capítulo), que ao serem
plenamente vivenciadas pelo homem podem favorecer uma conexão intersubjetiva, um
encontro genuíno, integral e singular que mobiliza a realidade, atualizando e transformando
criativamente o campo organismo-meio (D’ACRI, 2014; ALVIM, 2014).

Isto nos conduz a um entendimento de que a perspectiva diagnóstica gestáltica se


diferencia e se distancia do modelo de psicodiagnóstico tradicional evidenciado em nosso
primeiro capítulo, visto que este modelo não considera a participação da pessoa em avaliação
nem a relação desta com o psicólogo avaliador como importantes para o processo, buscando
uma operacionalização exclusivamente investigativa e quantitativa pela mensuração de dados
observáveis e a partir do estabelecimento de critérios como neutralidade, objetividade,
precisão e padronização (BARBIERI, 2010).

Por outro lado, para a Gestalt-Terapia, é no encontro dialógico e também dialético


que acontece a transformação do campo homem-mundo, que ocorre um engajamento mútuo
e diferenciado pela singularidade dos seres envolvidos na consecução de um objetivo em
comum. Este engajamento corresponde à resposta consciente e intencional da relação entre o
homem e o seu meio, entre o cliente e o terapeuta ao reconhecer nesta relação à integralidade
das dimensões humanas compartilhadas e possibilitar a troca mútua de energia que renova
continuamente e criativamente as realidades. Diante disso, o contato pleno é configurado
como um fator constituinte de seres relacionais, processuais, singulares e conscientes tanto da
dimensão individual, quanto da dimensão social ou coletiva, como evidenciado no segundo
capítulo (POLSTER, 2001; ALVIM, 2014).

Em conformidade com esta compreensão, a autora do artigo 1 destaca que: “Uma


pessoa integrada tem noção de sua harmonia, de seu equilíbrio interior, age no mundo com
base na sensação presente, respeita suas possibilidades existenciais” (GALLI, 2009, p. 63).
Não obstante, esta autora faz um alerta para as formas como o homem contemporâneo tem se
96

posicionado diante de sua realidade, que, por vezes, tem promovido o afastamento de si
mesmo e do outro, sendo este homem “[...] conduzido a autodespistamentos, ilusões e
fabricação artificial de desejos” (p. 62).

Essas reflexões acerca das exigências e imposições da contemporaneidade e seus


impactos são necessárias e precisam ser consideradas nesta pesquisa, o que nos impulsiona a
adentrar em nossa segunda categoria de análise.

5.2 Refletindo sobre as Vicissitudes da Vida Contemporânea e a Dimensão Ontológica


do Contato

Ressaltamos aqui uma das nuances singulares identificadas no nosso processo de


análise, visto que apenas um dos artigos analisados menciona a vida contemporânea (artigo
1). Neste artigo, Galli (2009) aponta que algumas características atreladas à vivência do
mundo contemporâneo têm dificultado o processo de conscientização contínua ou
autoconcientização humana (awareness), que é o ato de “[...] estar consciente do que estamos
experienciando a cada instante” (GALLI, 2009, p. 65).

Dentre estas características da contemporaneidade, a autora cita: a falta de referências


estáveis; as dificuldades enfrentadas nas relações sociais e afetivas; a dissolução das fronteiras
de espaço e tempo geradas pelo imperativo das relações virtuais; a busca do prazer insaciável;
o consumismo exacerbado; o culto a uma imagem ideal de corpo; a competição por um status
profissional no mundo do trabalho, entre outras características.

Para esta autora, esse ato de autoconscientização é constantemente e imediatamente


interrompido pela maioria das pessoas ao se darem conta de algo desagradável em sua
realidade, atitude que leva a interrupções ou bloqueios de contato e situações inacabadas
(gestalten fixas), o que pode gerar, segundo ela, “patologias da pós-modernidade”, ou, por
assim dizer, sofrimentos físicos e psíquicos como, por exemplo, “[...] insônia, esgotamento
físico e mental, transtornos alimentares e de humor, autoestima rebaixada e dificuldades de
estar e cuidar de si mesmo” (GALLI, 2009, p. 63).

Sobre isto, como explanamos no segundo capítulo desta pesquisa, em uma perspectiva
gestáltica, esta autointerrupção do contato entre o homem e sua realidade pode ser
entendida como a vivência do contato com uma awareness rebaixada, propiciando, então, a
97

utilização de distrações, estratégias ou formas não tão saudáveis de enfrentar os reveses da


vida cotidiana ao buscar a satisfação de suas necessidades emergenciais. Esse movimento
poderá favorecer o surgimento de um processo de ajustamento criativo disfuncional, que
reflete uma falta ou a perda de conexão interna e/ou externa consigo e/ou com o mundo
(ALIVIM, 2014; CARDELLA, 2014; FRAZÃO, 2015; AGUIAR, 2015).

Assim, mantendo o diálogo com a autora do artigo 1, destacamos a percepção de Galli


(2009, p. 64) sobre este ajustamento criativo disfuncional: “Nossa cultura está repleta de
pessoas viciadas em algo, drogas [ilícitas], álcool, comida, cigarro, trabalho, televisão,
dinheiro, poder, relacionamentos, religião, maneiras de nos preenchermos com coisas externas
a nós”. Diante dessa fala, refletimos e buscamos um diálogo com a produção 8, que é a obra
“A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo” do filósofo francês
Gilles Lipovetsky (2007), que discute acerca da vida contemporânea ou, como ele denominou,
hipermodernidade.

A contribuição deste autor em nossa reflexão se destaca por sua autêntica concepção
sobre a sociedade contemporânea, a qual ele configura como um transitório estado social e
econômico da atualidade, que está em constante transformação, evidenciando, com isto, a
não estaticidade do homem contemporâneo, que, em sua opinião, segue vivenciando um
radicalismo nos aspectos sociais e culturais, tais como: o hedonismo, o individualismo, o
consumismo, a tecnociência e a globalização. Destarte, para este autor, este homem rendeu-se
à sedução, à futilidade e ao narcisismo, passando “[...] a apreciar os prazeres do instante, a
gozar a felicidade momentânea, a viver para si mesmo” (LIPOVETSKY, 2007, p. 102). Esta
compreensão segue representada na figura a seguir.

Figura 3 – Concepção de Lipovetsky sobre a Contemporaneidade

Fonte: elaborada pelas autoras.


98

Considerando a visão de homem e mundo da Gestalt-Terapia (discutida no nosso


segundo capítulo), que tem um olhar voltado para a concretude do presente transiente2,
valoriza a autenticidade, bem como a liberdade de escolhas e a afirmação de si (RIBEIRO,
2012; CARDOSO, 2013; AGUIAR, 2015), podemos problematizar e articular essa visão com
a afirmação anterior de Lipovetsky quando destaca os possíveis desajustes decorrentes da
vivência do excesso de individualidade do homem contemporâneo.

Dialogando conosco e com Galli (2009) (autora do artigo 1), e longe de ser um
filósofo que evidencia apenas os pontos negativos da era em que vivemos, Lipovetski (2007)
aponta que a realidade social atual tem o paradoxo como a sua principal característica. Para
ele, a hipermodernidade representa um período em que coexistem: a falta de profundidade
de ideais; o excesso de indiferença coletiva; preocupações excessivas com a própria imagem;
e um individualismo que propicia ao homem organizar e conduzir sua vida livremente e
distanciado das amarras sociais que o prendiam em períodos históricos anteriores. Este
paradoxo é retratado na seguinte figura.

Figura 4 – Paradoxo: Principal Característica da Contemporaneidade

Fonte: elaborada pelas autoras a partir de Lipovetsky (2007).

2
O presente transiente é a temporalidade que concretiza a integração da historização existencial
(passado) e das intenções e expectativas futuras à vivência atual (RIBEIRO, 2017).
99

Destarte, a vivência contemporânea é paradoxal na medida em que apresenta tanto


uma maior flexibilidade no controle social, um processo de amadurecimento e
responsabilização do homem para consigo, tendo, então, uma postura mais autônoma e
voltada para seus próprios interesses, como também apresenta o surgimento de condutas
angustiadas, inseguras e conflituosas diante da necessidade de escolher entre o autocontrole e
o deixar-se levar por seus desejos e interesses individuais, tão amplamente estimulados
(LIPOVETSKY, 2007).

Neste sentido, o autor assinala que, em seu processo de valorização individual e de


busca pela felicidade, prazer e conforto, o homem deixou-se seduzir pelo consumismo. A
despeito de ser uma faceta natural da condição humana para satisfazer suas necessidades
emergenciais, este consumismo alcançou, na vida do homem contemporâneo, o ápice da
manifestação e realização dos desejos não apenas materiais, mas, sobretudo subjetivos, sendo
o meio pelo qual este homem tem buscado sua realização individual, o reconhecimento e a
afirmação de si mesmo (LIPOVETSKY, 2007). Esta forma de conceber a vivência do homem
contemporâneo é representada na figura seguinte.

Figura 5 – Aspectos da Vivência Contemporânea

Fonte: elaborada pelas autoras a partir de Lipovetsky (2007).


100

Ainda segundo esse filósofo, a sedução aparece na contemporaneidade ou


hipermodernidade como uma estratégia do novo sistema econômico (hipercapitalismo) ao
visar, cada vez mais, o aumento da rentabilidade econômica e a absolutização da
sobrevivência, no intento de aumentar a expectativa de vida, refletindo uma preocupação
excessiva com a manutenção da vida em termos biológicos.

Neste processo, faz-se o uso tanto das novas tecnologias, quanto da diversidade de
ofertas, de interesses e das possibilidades de escolhas para oferecer à sociedade
contemporânea a expectativa de, cada vez mais, satisfazer seus desejos, vendo no
consumismo individualista dos múltiplos produtos e serviços, bem como na lógica dos
excessos, uma forma globalizada de amenizar as frustrações, as ansiedades e prolongar a vida
a qualquer custo.

Diante disto, acerca de como o hipercapitalismo seduz o homem contemporâneo,


Lipovetsky (2007, p. 31) destaca as seguintes estratégias:

Impressionar a imaginação, despertar o desejo, apresentar a compra como


um prazer, os grandes magazines foram com a publicidade, os principais
instrumentos de elevação do consumo, a arte de viver o emblema da
felicidade moderna.

Considerando esta explanação e fundamentando nosso olhar a partir da Gestalt-


Terapia, apreendemos que, rendendo-se ao consumismo individualista desenfreado, o homem
contemporâneo dessensibilizou-se das necessidades naturais do seu organismo e,
paradoxalmente, tornou-se sujeito e objeto dos descaminhos e desajustes de sua era ao
mobilizar seus próprios afetos para a satisfação individual, deixando de lado, então, sua
dimensão social ou coletiva, já que é constantemente estimulado à hipervalorização de si
mesmo, do seu tempo livre e dos prazeres da vida contemporânea (PERLS, 1997;
SCHILLINGS, 2014; FRAZÃO, 2015; RIBEIRO, 2016).

A respeito desse consumismo desenfreado, na produção 8, Lipovetski (2007, p. 38)


assinala que

Exaltando os ideais da felicidade privada, os lazeres, as publicidades e as


mídias favoreceram condutas de consumo menos sujeitas ao primado do
julgamento do outro. Viver melhor, gozar os prazeres da vida, não se privar,
101

dispor do “supérfluo” apareceram cada vez mais como comportamentos


legítimos, finalidades em si.

Refletindo sobre este destaque do autor acerca das condutas humanas contemporâneas,
percebemos uma possível correlação com a vivência de um humanismo antropocêntrico
individualista, como evidenciado por Mendonça (2013) (discussão presente em nosso
segundo capítulo), sendo este humanismo utilizado como referência para as ações humanas
centralizadas prioritariamente em sua própria sobrevivência, tornando-se, contraditoriamente
indiferente à natureza da qual é parte, por não conseguir perceber a conexão indissociável
entre os homens e a natureza, havendo, então, uma interdependência entre a sobrevivência de
todos os seres vivos.

Dessa maneira, conforme o exposto pelo filósofo na produção 8, este cenário


individualista libertário retrata um processo de (des)personalização que, contraditoriamente,
generaliza comportamentos pela sobreposição de uma dimensão humana sobre a outra. Assim,
a dimensão individual se sobrepõe à dimensão relacional, social ou coletiva, ao passo em que
tudo vai se elevando à potência máxima do hiper3: hipercapitalismo, hipermodernidade,
hiperconsumo, hiperindividualismo, hiperdesempenho, hiperatenção, hiperlink e hipercorpo.

Relacionando esta compreensão à perspectiva ontológica do contato (apresentada na


primeira categoria de análise), advertimos que ao tornar seus próprios interesses uma
obsessão, este homem contemporâneo vem suscitando um processo de desconexão consigo e
com o outro, perdendo, então, a liberdade social e a autonomia individual pela generalização
de atitudes na busca de referenciais sintonizados aos seus próprios interesses.

Com isto, o homem contemporâneo rechaça o que não é familiar, o diferente, o que
incomoda, estabelecendo uma sociabilidade controlada e experienciada tanto virtualmente,
quanto presencialmente, quando cada pessoa direciona sua atenção para atividades e
distrações individuais, amplamente possibilitadas e executadas por meio de seus aparelhos
eletrônicos hipermodernos.

Deste modo, para Lipovetsky (2007), as interações nos espaços virtuais são para o
homem contemporâneo, ao mesmo tempo, fonte de autonomia e canal da expressão do vazio.
Isto porque, na atualidade, tais interações expressam, sobretudo, a comunicação instantânea e

3
Estes conceitos abordados por Lipovetski (2007) não serão definidos por nós devido a não
centralidade deles para este trabalho.
102

espetaculosa do cotidiano, cuja principal consequência é o distanciamento da experiência


relacional concreta (ou seja, o distanciamento do contato pleno), sendo a abstração, a
fantasia e a ilusão protagonistas desse processo de desmaterialização do eu (perda da
realidade concreta de si, do outro e do mundo).

Essa questão também é refletida por Galli (2009, p. 63) no artigo 1:

As pessoas não se interrogam mais sobre sua existência. Como faltam


referências, o indivíduo se vê exposto, frágil, deprimido, sempre precisando
de confirmação externa, assim o eu que aparentemente está voltado para si
com o culto do corpo, a busca de prazer insaciável, a competição pelo
trabalho, está cada vez mais perdido em si mesmo.

Conectando a perspectiva destes dois autores à concepção de homem e mundo da


Gestalt-Terapia, bem como às suas bases filosóficas e teóricas, compreendemos que a
vivência do homem contemporâneo perpassa por um conflito aberto entre as exigências da
sociedade contemporânea, a realização pessoal imediata e a responsabilidade e o
posicionamento central sobre esta mesma realização, algo para o qual este homem parece não
ter referências, já que em períodos históricos anteriores (Antiguidade, Idade Média e
Modernidade) sempre fora guiado por líderes, cujos conhecimentos demandavam autoridade e
controle sobre as condutas humanas (PERLS, 1997; LIMA, 2014; FRAZÃO 2015; RIBEIRO,
2016).

Dito isto, a partir de Lipovestki (2007) (produção 8), concebemos a


contemporaneidade como um período social, econômico e político que remete à vivência de
um individualismo libertário, o qual tem favorecido a aquisição de recursos materiais e
objetivos (bens, serviços etc.) para uma vida longa, prazerosa e confortável, sem, no entanto,
assegurar uma vida saudável em termos subjetivos.

Assim, coadunamos com a concepção de Galli (2009) (artigo 1) ao descrever os


sofrimentos físicos e psíquicos atrelados à vida contemporânea, e evidenciamos que a forma
escolhida pelo homem para vivenciar a contemporaneidade o tem levado a inseguranças e
vulnerabilidades, refletindo uma carência de vínculos e uma realidade confusa ou ambígua
pela experienciação unilateral ou desequilibrada de polaridades como: autonomia e
dependência subjetiva; falta e excesso; dor e prazer; controle e descontrole; liberdade de
escolha e falta de alternativa; igualdade e desigualdade; realização e inação; singularidade e
generalidade; conexão e desconexão; e vida e morte.
103

Por conseguinte, destacamos que, em uma perspectiva gestáltica, estas polaridades, se


vivenciadas como complementares, indissociáveis e integradas, e não de modo opositivo ou
dicotômico, podem suscitar a produção e/ou descoberta de sentidos existenciais, os quais
possibilitam ao homem relacionar-se adequadamente com o período e a realidade que
vivencia (RIBEIRO, 2016).

Ainda sobre a vivência contemporânea, compreendemos que a contemporaneidade é


um período marcado por uma intensificada transitoriedade que tornam obsoletas todas as
coisas de uma forma muito acelerada, não sendo possível evitar o curso evolutivo da
tecnociência. Como aponta Lipovetski (2007) na produção 8, isto demanda ao ser humano
um processo de reflexão, autoconscientização, decisão e mobilização para a mudança, ou seja,
demanda a vivência do contato com qualidade e um despertar para os excessos do parecer
ser, como destaca Frazão (2015) na produção 10, visto que, em nossa atualidade, a
superficialidade tem se sobreposto à vivência autêntica.

Todavia, a partir de uma visão gestáltica, vale ressaltar a necessidade de se ter um


olhar paciente e livre de julgamentos sobre a era em que vivemos, tendo como principal
fundamento orientador a apreciação das características do espaço-tempo experienciado e o
reconhecimento tanto das potencialidades, quanto das limitações deste período, na
expectativa de encontrar uma ajustada forma para se relacionar com nosso momento atual,
buscando nas experiências cotidianas, sejam elas agradáveis ou não, a proporção necessária
ao crescimento pessoal, social ou coletivo (FRAZÃO, 2015).

No tocante à nossa discussão, notamos que a articulação das percepções de Galli


(2009) e Lipovetski (2007) acerca das vicissitudes da vida contemporânea possibilitou-nos
realizar um encontro epistemológico entre saberes distintos por um objetivo em comum, que
foi o de discutir e compreender o contexto no qual está inserido o homem contemporâneo e
sua forma de funcionar a partir das especificidades deste contexto.

Em decorrência deste encontro entre os dois autores, nesta análise transitamos por
distintas dimensões da vivência do homem contemporâneo – biológica, psicológica,
sociológica, antropológica, histórica, econômica e política –, trazendo à tona questões
relevantes da vivência concreta no campo homem-mundo, que indiscutivelmente devem ser
consideradas em qualquer investigação científica que envolva a humanidade e/ou suas
demandas.
104

Assim, a partir de um olhar gestáltico, refletimos sobre a necessidade de compreender


a vivência humana em sua integralidade e espacialidade-temporal, indo além das
regularidades compartilhadas e dos aspectos adoecidos e restritivos evidenciados por
perspectivas reducionistas, deterministas e objetivistas, como é o caso do psicodiagnóstico
tradicional (discutido no primeiro capítulo) que investiga apenas alguns aspectos ou partes do
homem, não sendo considerada a totalidade humana e nem valorizada a descrição da
experiência singular da relação no campo homem-mundo (ANCONA-LOPEZ, 2014).

Com isto, frisamos que ao longo destas duas categorias de análises discutidas até o
presente momento, fomos arrebatadas por algumas reflexões, dentre as quais expressaremos a
partir dos seguintes questionamentos:

• Se, como vimos na primeira categoria de análise, a conexão conosco e com nossa
realidade concreta configura fator primordial para o desenvolvimento e o
funcionamento humano saudável, como fica, então, a construção da identidade
humana (contato ontológico) nesta sociedade contemporânea explanada?
• Como pensar em conexão, contato pleno e relações genuínas num mundo
contemporâneo onde a necessidade de controle, de poder, a individualidade e o
distanciamento são as características que se fazem mais expressivas?
• Que sentidos expressam toda esta atual (des)conexão social?
• Que ajustamentos criativos ou formas de contato estamos realizando para lidar com as
pressões sociais, econômicas e políticas vigentes? e
• O que fazer com esta realidade tal qual se apresenta?

Não temos respostas prontas para tais reflexões e questionamentos, sabemos apenas
que a existência humana surge e desvela-se no contato e que este se expressa plenamente pelo
reconhecimento contínuo e consciente das diferenças e pela constituição e aceitação das
formas singulares de experienciar a si e ao mundo, pois compreendemos que há
possibilidades infinitas do viver em um único ser humano.

Estes aspectos nos impulsionam a encaminhar nossa atenção para a busca e a


compreensão dos sentidos intrínsecos às formas de experienciar o contexto atual, não sendo
coerente, em uma perspectiva gestáltica, reduzir o homem contemporâneo ao rótulo de
hiperconsumidor, hiperindividualista ou qualquer outro que seja.

Com isto, destacamos a necessidade de refletir sobre a possível utilização de


estratégias de evitação do homem contemporâneo, ao tentar resistir às mudanças e evitar
105

riscos, frustrações e sofrimentos, podendo algumas características da contemporaneidade


atuarem como sinais ou figuras decorrentes de um fundo indiferenciado e de um processo
pouco consciente – awareness rebaixada –, o que propicia um desencontro consigo e com o
mundo, ou seja, um conflito intersubjetivo. Dessa forma, Frazão (2015, p. 100) (produção
10) ressalta que, a partir deste cenário, é possível “[...] revelar um dos muitos paradoxos
humanos: o de que evitar o sofrimento gera sofrimento”.

Por outro lado, ponderamos que cada pessoa deve sentir-se livre para refletir por si
mesma sobre suas relações, e só a partir daí discernir sobre quais formas de contato tem lhe
proporcionado maior crescimento e bem-estar pessoal e social: num encontro face a face
presencial ou em um contato virtual? Embora, seja mais coerente questionar até que ponto
estamos abertos ao encontro autêntico conosco, com o outro e com o mundo, aceitando o
novo, o diferente e a mudança que certamente virá com tal encontro, como aparece na
produção 11, sob a perspectiva de Ribeiro (2017, p. 31, grifos nossos):

Quando um encontro vira contato as coisas começam a existir. Numa chuva,


água e asfalto se tocam, não se encontram; a água desliza indiferente sobre o
asfalto, mas este toque só se transforma em encontro e, consequentemente,
em contato quando um começa, não importa em que nível, a alterar a
natureza do outro.

Portanto, afirmamos nossa compreensão de que, a partir da Gestalt-Terapia, somos os


contatos que experimentamos desde o nascer e que vivenciamos continuamente ao longo de
todo o percurso da vida, sendo através deste processo que vamos constituindo nosso eu
singular, o self, nossa identidade inacabada, que é a dimensão ontológica do contato pela
qual seguimos nos experienciando ininterruptamente e também ao mundo.

Com esta compreensão, seguimos adiante para a discussão da última categoria de


análise desta pesquisa, a qual seguramente abordará outros aspectos do contato, visto que este
construto configura toda e qualquer forma de experiência humana no mundo, seja ela
saudável ou não. Diante disso, a seguir, abordaremos acerca das compreensões
psicopatológicas e das possibilidades de intervenção a partir da abordagem gestáltica.
106

5.3 Evidenciando as Concepções Psicopatológicas e a Prática Clínica-Diagnóstica em


Gestalt-Terapia

Esta categoria de análise destaca as questões diretamente vinculadas ao tema central


deste estudo, ou seja, a compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia. Para tanto,
contempla as especificidades, as considerações, os critérios e os argumentos desta abordagem,
que no empreendimento de sua prática clínica-diagnóstica visa compreender a integralidade
humana, reconhecendo as potencialidades do homem e a sabedoria do organismo.

É importante frisar que esta prática gestáltica busca distanciar-se de qualquer proposta
psicodiagnóstica direcionada apenas pela dimensão sintomatológica dos processos
psicopatológicos, cujos critérios fundamentais sejam a neutralidade e a objetividade no
entendimento e no tratamento destes processos, como evidenciamos no primeiro capítulo
deste estudo (ANCONA-LOPEZ, 2003).

Dito isto, delineamos esta discussão pelo reconhecimento da dimensão subjetiva na


experiência psicopatológica, sendo esta dimensão concebida neste estudo como um
fenômeno complexo que se desvela na relação entre o homem e o mundo, o que nos
encaminha, antes de qualquer coisa, para a problematização do que é considerado “anormal”
ou patológico em Gestalt-Terapia.

Para tanto, contaremos com a contribuição do filósofo e médico francês Georges


Canguilhem (2002) através da produção 6, que é o livro “O normal e o patológico”, no qual
ele destaca o significado de normal baseado no Vocabulaire technique et critique de la
philosophie de Lalande, sendo, então,

[...] aquilo que não se inclina nem para a esquerda nem para a direita,
portanto o que se conserva num justo meio-termo; daí derivam dois sentidos:
é normal aquilo que é como deve ser; e é normal, no sentido mais usual da
palavra, o que se encontra na maior parte dos casos de uma espécie
determinada ou o que constitui a média ou o módulo de uma característica
mensurável (p. 95).

Este destaque de Canguilhem (2002) apresenta uma semelhança com o que discutimos
em nosso primeiro capítulo acerca dos critérios adotados nos manuais e instrumentos técnicos
de classificação diagnóstica (CID e DSM), fundamentados no modelo biomédico ao
107

classificar transtornos psicopatológicos, sendo considerados como alguns dos seus critérios:
os estatísticos, os biológicos e/ou fisiológicos e os valorativos (YANO, 2015).

Por conseguinte, esta definição apresentada por Canguilhem sobre o conceito normal
nos aponta também para a existência de um equívoco inserto na definição de tal termo, na
medida em que algo é constatado e ao mesmo tempo valorado por quem o denomina,
favorecendo, então, uma compreensão de que as diferenças físicas e psíquicas sejam
exclusivamente adotadas em sua objetividade, ou seja, como algo totalmente externo às
pessoas que as experienciam. Diante disto, entendemos que esta concepção do conceito
normal não atende às especificidades da clínica psicológica, cuja integridade está
fundamentada na vivência subjetiva.

Destarte, reiteramos que em nossa primeira categoria de análise desvendamos os


caminhos e as características do processo de constituição e funcionamento humano
considerado saudável, que foi concebido sob o ponto de vista epistemológico e ontológico do
contato, que é um conceito fundamental para a Gestalt-Terapia. Esse percurso resultou na
significativa discussão acerca da integração de elementos processuais e dinâmicos da
existência humana, os quais permitem a percepção e a realização das infinitas possibilidades
de vivência no campo homem-mundo.

Identificamos como elementos processuais os sistemas de funcionamento humano


(sensorial, motor e cognitivo) e as dimensões humanas (biológica, psicológica, sociológica,
antropológica, histórica, cultural, econômica, política, entre outras). Já os aspectos dinâmicos
dizem respeito à qualidade da presença e a quantidade de energia que o organismo distribui
para orientar o fluxo ou o bloqueio de seus movimentos, ações, intenções, pensamentos e
sentimentos ao vivenciar o contato consigo e com o mundo através de um processo alternado
entre abertura, aproximação e confiança; e fechamento, distanciamento e desconfiança.

Resta-nos, agora, evidenciar a concepção da Gestalt-Terapia sobre os aspectos


adoecidos ou restritivos do funcionamento não saudável ou psicopatológico, bem como
discriminar criativamente sua prática clínica-diagnóstica. Neste sentido, seguimos com as
explanações sobre as concepções psicopatológicas evidenciadas nas produções analisadas,
para só a partir daí expormos nosso entendimento sobre tais concepções.

Neste escopo, salientamos, primeiramente, a produção 9, que evidencia a percepção


da autora Gohara Yvette Yheia (2014) sobre as questões de saúde e doença a partir da
discussão do capítulo “Psicodiagnóstico fenomenológico-existencial: focalizando os aspectos
108

saudáveis” do livro “Psicodiagnóstico interventivo: evolução de uma prática” (ANCONA-


LOPEZ, 2014). Yheia é mencionada no Quadro 1 elaborado por nós a partir de Pimentel
(2003) e se destaca por apresentar uma compreensão diagnóstica interventiva, cooperativa e
processual. Destarte, essa autora afirma que

Saúde e doença não podem ser vistas de forma dicotômica, e sim como parte
de um único processo no qual saúde não é o simples fato de não ter doença ou
vice-versa. Assim, a “doença mental” pode passar a ser pensada como a
construção de “outros modos de existência”, diante da dificuldade de
responder, de maneira “habilidosa”, aos fatos do existir (YHEIA, 2014, p. 24).

Sobre o aspecto adoecido no ser humano, evidenciamos também a concepção de Galli


(2009) no artigo 1, que, em uma perspectiva fenomenológica, concebe a doença como um
estado do ser que é singular, mutável e interdependente ao contexto vivenciado, sendo tal
concepção explanada por ela da seguinte forma:

A doença é um estado do ser humano, indicativo de que a sua consciência


não está mais em ordem, ou seja, sua consciência registrou que não há
harmonia, essa perda de equilíbrio interior se manifesta no corpo ou na
mente com o sintoma. [...]. A enfermidade explica algo sobre o momento da
vida. As causas que o paciente atribui ao adoecimento são verdades
psicológicas que revelam como a pessoa está vivendo e quais as questões
existenciais que enfrenta. [...]. Toda doença tem um significado único para o
seu portador e isso deve ser entendido dentro do contexto atual da vida (p.
66-67).

Somado a isto, Melo, Boris e Stoltenborg (2009), no artigo 2, fundamentados numa


perspectiva fenomenológica-existencial, compreendem as psicopatologias a partir da
vivência da própria pessoa, ou seja, pelas formas desta se expressar no mundo. Assim, eles
afirmam que

O adoecimento [...] é uma forma de existência na qual o sujeito não


consciente reduz suas possibilidades de existir e de devir, ocorrendo
uma despotencialização de sua vida. Nesta perspectiva, a patologia é
compreendida como interrupção, cristalização ou perda da
liberdade existencial e, portanto, como uma limitação da vida do
homem em sua totalidade (p. 134-135, grifos nossos).
109

Corroborando com este posicionamento e tendo a fenomenologia como principal


fundamento, os autores do artigo 4 concebem as psicopatologias como perturbações do
contato no campo organismo-meio ou “[...] uma tentativa de diálogo que foi abortada”
(COSTA; SANTOS FILHO, 2016, p. 27). Segundo eles,

A perturbação do contato se apresenta de variadas formas em cada estilo


particular de ser. No caso da esquizofrenia, observa-se o predomínio de um
pensamento autista e a tendência ao fechamento do indivíduo em si mesmo,
que procura isolar-se dos outros [...]. Autismo aqui é entendido como a
prevalência da vida interior e o desligamento voluntário do mundo exterior.
[...]. Dessa forma qualquer ação humana fica comprometida, desde a mais
complexa até a aparentemente mais simples, como o movimento, esse
compreendido não apenas como deslocamento motor, mas ação que contém
decisão, expressão e intenção (Ibid., p. 30).

A respeito disto, destacamos a concepção de Tenório (2012), que no artigo 3


apresenta uma construção teórica em Gestalt-Terapia acerca do desenvolvimento de
psicopatologias a partir de um processo constitutivo do ser humano em que há o
prevalecimento da sobreposição de introjeções tóxicas (mensagens nocivas e irreais de si e
do meio) sobre as demandas existenciais e/ou orgânicas. Esta sobreposição suscita a
vivência constante de um conflito intersubjetivo, que é denominado pela autora de impasse
existencial, podendo ser experienciado mediante padrões de funcionamentos dos tipos
neuróticos, psicóticos e antissociais. Destacamos que para essa autora o funcionamento
neurótico é a base para a evolução dos tipos de funcionamento psicótico e antissocial. Isto
pode ser observado na figura a seguir.

Figura 6 – Funcionamento Humano Neurótico, Psicótico e Antissocial

Fonte: elaborada pelas autoras a partir de Tenório (2012).


110

Nesta perspectiva, em tais padrões de funcionamentos são observadas pouca ou


nenhuma diferenciação e delimitação entre o eu e o outro, figura e fundo, fantasia e realidade,
configurando ajustamentos criativos disfuncionais (psicopatologias) caracterizados por
interrupções e fixações nas fronteiras de contato: seja na abertura, quando o “outro” é
visto como essencialmente bom e confiável; seja no fechamento, quando o “outro” é aceito
essencialmente como mau e traiçoeiro.

Destarte, numa perspectiva gestáltica, a autora concebe o processo de constituição de


uma psicopatologia da seguinte forma:

[...] o adoecimento psicológico tem como base a experiência intensa e


frequente de contatos interrompidos e não dialógicos, nos quais são
introjetados conceitos, valores, normas e exigências impostas arbitrariamente
pelo “outro” de grande significação afetiva para o indivíduo, propiciando a
internalização do conflito “dominador-dominado” (TENÓRIO, 2012, p.
229).

Tendo por base essa compreensão, ela afirma que o funcionamento do tipo neurótico
se desvela pela interrupção do contato no campo organismo-meio, sendo uma estratégia do
organismo na “[...] tentativa de minimizar o conflito interno gerado pelas incoerências entre
as experiências vividas (eu dominado) e as representações distorcidas de si mesmo e do
mundo (eu dominador)” (TENÓRIO, 2012, p. 229).

Deste modo, entendemos que no desenvolvimento do funcionamento do tipo neurótico


(também compreendido como bloqueio de contato), o que emerge como figura são as
imposições dos eus (ideal-real) introjetados, enquanto que as demandas orgânicas ou
existenciais são mantidas no fundo, fazendo com que a totalidade humana seja ao mesmo
tempo cristalizada ou preservada pela não integração das novas experiências à atual
configuração.

De acordo com Tenório (2012), isto se dá pelo prevalecimento da função id neste tipo
de funcionamento, que em momentos de tensões ocorridas no campo organismo-meio, esta
função garante a mínima satisfação das necessidades emergenciais do organismo ao conservar
comportamentos reativos, automáticos e impulsivos e empregar o menor esforço possível, no
sentido de amenizar as tensões vivenciadas, configurando, assim, uma autorregulação herdada
conservada e pouco criativa.
111

Já o funcionamento do tipo psicótico é explanado pela autora como sendo um


processo psicopatológico evolutivo e desencadeado pela vivência de grandes tensões em meio
à vulnerabilidade das fronteiras e da função ego do self, a qual é experienciada no conflito
neurótico (impasse existencial), favorecendo não apenas interrupções ou bloqueios de contato,
mas a anulação ou completa falência destas fronteiras e desta função. Neste tipo de
funcionamento ocorre uma desintegração do eu total em eus parciais pela não diferenciação
do outro e do mundo ou pela não confirmação da forma singular como esta pessoa se expressa
no mundo.

Deste modo, Tenório (2012, p. 229, grifo do autor) assinala que

No processo de constituição das psicoses [...] a extrema fragilidade das


fronteiras e “função ego” do self, causada pelo intenso conflito dominador-
dominado vivenciado no mundo tanto externo, quanto interno, faz com que o
“Eu total” perca sua unidade, fragmentando-se em vários “eus”
desconectados um do outro e em constante luta entre si, produzindo
pensamentos e sentimentos opostos, que se alternam e mudam rapidamente.

A partir desta colocação, compreendemos que o processo de figura-fundo no


funcionamento do tipo psicótico, em que há a falência das funções e fronteiras do self, torna-
se confuso e desorganizado por ocorrer um rebaixamento da awareness e uma indiferenciação
entre o eu total fragmentado e o mundo, não sendo possível a identificação das necessidades
prioritárias do organismo (processo de distinção entre figura e fundo), muito menos a
integração e a atualização do campo organismo-meio, visto que a percepção deste campo
relacional encontra-se, na maioria das vezes, “[...] completamente distorcida, desencadeando
delírios e alucinações” (TENÓRIO, 2012, p. 230). Com isto, esta autora assinala que

[...] nas neuroses e nas psicoses, a mobilização do organismo é bloqueada ou


desfocada, a ação e a interação com o meio são inadequadas ou obsoletas, e
o contato final é abortado, impossibilitando a satisfação da necessidade, o
fechamento da figura e a recuperação do equilíbrio no campo organismo-
meio (p. 227).

Em relação ao funcionamento do tipo antissocial, a referida autora aponta ser uma


forma disfuncional pela qual uma pessoa que vivenciou várias experiências de abuso e
vitimização (advindas de um contexto excessivamente autoritário, controlador e frustrador)
112

encontrou para fazer com que suas necessidades emerjam ao primeiro plano, assumindo,
então, o poder que julga necessário para satisfazer seus anseios, tendo, assim, “[...] atitudes
ousadas, impulsivas e incoerentes com os valores e normas da sociedade” (TENÓRIO, 2012,
p. 229).

Conforme ela coloca, este tipo de funcionamento é também uma forma desta pessoa se
rebelar contra seu eu dominador, saindo da posição humilhante e sofrida do eu dominado,
ocorrendo, então, uma identificação com o primeiro (dominador) ao reproduzir o
comportamento deste em suas relações interpessoais, “[...] em geral, para não correr o risco de
ser abusado novamente” (TENÓRIO, 2012, p. 231). Assim, segundo a autora,

[...] é coerente dizer que o “antissocial” pode ser, no fundo, um neurótico


que encontrou um jeito de não permanecer no papel humilhante e sofrido do
eu “dominado”, identificando-se com o seu dominador e reproduzindo o
comportamento deste em suas relações interpessoais (Ibid., p. 231).

Assim, no funcionamento do tipo antissocial a pessoa “[...] perde a capacidade de


fazer ajustamentos criativos” (TENÓRIO, 2012, p. 229), visto que a função ego do self
encontra-se enfraquecida, deixando que a função id assuma o controle em situações
emergenciais, impossibilitando o estabelecimento do contato consigo e com o mundo.

No que se refere ao processo de constituição das psicopatologias, compartilhando da


compreensão exposta por Tenório (2012) no artigo 3, Frazão (2015), na produção 10, afirma
que, ao longo do desenvolvimento humano, ocorre uma disputa entre a satisfação das próprias
necessidades e a manutenção da relação com o outro, sendo então buscadas pelo homem
formas diferentes de expressão e satisfação destas necessidades, a partir dos ajustamentos
criativos, e caso haja falha neste processo de busca pode ocorrer um conflito no campo
homem-mundo, o que é definido por Tenório como impasse existencial.

Desta forma, Frazão (2012, p. 90) declara que

Se a tentativa de expressar as necessidades de forma diferente falhar


repetidamente, a fim de diminuir o conflito e manter a relação, dada a
hierarquia de valores, a expressão da necessidade poderá ser distorcida e até
suprimida. O ajustamento, em vez de ser funcional, tornar-se-á disfuncional.
113

Diante disto, convém que retomemos o que foi abordado no segundo capítulo para
destacar que um ajustamento criativo funcional confere equilíbrio suficiente para o
organismo-pessoa ordenar tudo o que é e quer ser, enquanto que um ajustamento criativo
disfuncional reflete uma cristalização, fixação, restrição ou rigidez nos modos de contatar a si
e ao mundo, ocorrendo um prolongado desequilíbrio na totalidade do ser pela redução do seu
potencial criativo ao lidar com os conflitos de seu contexto (CARDELLA, 2014; FRAZÃO,
2015).

Destarte, nos inspiramos na produção 11, elaborada por Ribeiro (2017), para
ressaltamos as principais formas de contato dentre as quais em Gestalt-Terapia é possível
compreender o funcionamento humano saudável e não saudável. Isto porque cada uma destas
formas representa um ponto no ciclo de contato pelo qual o homem percebe e experiencia as
energias que o orientam simultaneamente para o contato e para o bloqueio, fato que demanda
um alto grau de cuidado ao se realizar um processo de psicodiagnóstico.

Figura 7 – Ciclo Integrado dos Bloqueios do Contato e Fatores Mobilizadores de


Crescimento.

Fonte: Ribeiro (2016).


114

Por conseguinte, para uma melhor explanação, disponibilizaremos a seguir um quadro


com as configurações de tais formas de contato, referindo-se tanto aos bloqueios do contato
utilizados no processo de ajustamento criativo disfuncional, quanto aos fatores
mobilizadores de crescimento, intrínsecos ao ajustamento criativo funcional, lembrando
que os termos funcional e disfuncional remetem à forma de vivenciar as funções de contato
(destacadas ao longo do trabalho).

Quadro 6 – Principais Bloqueios de Contato e seus Fatores Mobilizadores de Crescimento

BLOQUEIOS DEFINIÇÕES

“Ele existe, eu não” (RIBEIRO, 2017, p. 64). Processo de internalização de


opiniões arbitrárias, normas e valores alheios a si, à própria personalidade. Com
isto, são tomados posicionamentos e ações de outros como seus, sem ter
Introjeção consciência disso. Busca-se a simplificação do cotidiano pelo agrado ao outro e
a conservação de si. Seu fator mobilizador de crescimento é a mobilização de
recursos próprios para a expressividade de sua autenticidade, alcançando, assim,
a satisfação de suas necessidades.

“Eu existo, o outro eu crio” (RIBEIRO, 2017, p. 64). Refere-se a um processo de


pouca mobilização e muita racionalização no sentido de atribuir ou projetar
Projeção partes de si no outro, tendo este outro como um provável inimigo e o mundo
como um ambiente ameaçador. Requer como fator mobilizador de crescimento
a ação de expressar maior confiança em si e nos outros.

“Eu existo nele” (RIBEIRO, 2017, p. 64). Processo manipulativo pelo qual tento
controlar os outros, desejando que sejam como eu quero que sejam. A interação
Proflexão aparece como o fator mobilizador de crescimento diante deste bloqueio de
contato, ocorrendo uma aproximação junto ao outro sem a expectativa de algo
em troca.

“Ele existe em mim” (RIBEIRO, 2017, p. 65). Processo pelo qual a energia que
deveria ser direcionada ao outro retrocede a si, pelo desejo de ser como os outros
querem que eu seja, ou como eles são. Com a ocorrência do contato final –
Retroflexão
fator mobilizador de crescimento – tem-se a mobilização necessária para uma
relação direta e aberta pelo compartilhamento de energia satisfatória com o
outro.

“Eu existo, eles não” (RIBEIRO, 2017, p. 65). Processo caracterizado pela
supervalorização do eu em detrimento do outro. Para tanto, é exercido um rígido
controle sobre o mundo na tentativa de impedir fracassos e prevenir possíveis
Egotismo
surpresas. Tem a satisfação como fator mobilizador de crescimento,
visualizando este crescimento pela apreciação e pelo compartilhamento das
experiências no mundo.

“Nós existimos, eu não” (RIBEIRO, 2017, p. 66). Processo pelo qual no contato
Confluência a pessoa e o ambiente se confundem pela não diferenciação do que é seu e do
que é do outro, fazendo com que valores e atitudes sociais e parentais sejam
obedecidos indiscriminadamente ao buscar uma identificação mútua. A retirada
115

BLOQUEIOS DEFINIÇÕES
ou a separação se destaca como fator mobilizador de crescimento ao permitir
que as diferenças entre si e o outro sejam percebidas e aceitas.

“Parei de existir” (RIBEIRO, 2017, p. 63). Processo de bloqueio de contato


vivenciado pelo excessivo apego às pessoas, ideias ou coisas ao temer os riscos
Fixação
existenciais das novas experiências. Seu fator mobilizador de crescimento é a
fluidez, pela qual pensamentos e ações são constantemente renovados.

“Não sei se existo” (RIBEIRO, 2017, p. 63). Processo de evitação do contato


pelo entorpecimento ou diminuição sensorial, o qual impede a percepção e o
Dessensibilização interesse por novas e intensas sensações. Seu fator mobilizador de crescimento
é a sensação ou a ampliação desta, rumo à superação do estado de frieza
emocional pela vivência direta e ampliada das sensações.

“Nem ele nem eu existimos” (RIBEIRO, 2017, p. 63). Processo pelo qual a
energia do contato é desviada ou desperdiçada, visto que os impulsos internos e
os estímulos ambientais são ignorados ou evitados. A mobilização deste
Deflexão
bloqueio se dá pela awareness – consciência – de si, do mundo e da experiência
a qual se está tentando evitar, sendo esta consciência o seu fator mobilizador de
crescimento.

Fonte: elaborado pelas autoras a partir de Ribeiro (2017).

A partir da produção 11 de Ribeiro (2017), frisamos que, num sentido existencial,


estas formas de vivenciar o contato (os bloqueios descritos no Quadro 6) são funcionais e
orientadas para a saúde, pois se inter-relacionam dinamicamente entre si, auxiliando a pessoa
em seu processo de ajustamento criativo, não sendo possível conservar-se em apenas um
único ponto do ciclo, mas em vários destes pontos alternadamente no processo de formação
da configuração figura-fundo e em ambas as orientações: contato e bloqueio (conforme
ilustrado na Figura 1). Assim, cada ponto do ciclo expressa uma experiência de interrupção do
contato (ex.: fixação: diagnóstico funcional), como também indica um movimento orientado à
saúde (ex.: fluidez: prognóstico funcional).

Ainda segundo Ribeiro (2017), o que possibilita demarcar se o funcionamento é


saudável ou não saudável é o grau de awareness empregado pela pessoa a tais formas de
contato, sendo possível que, diante de conflitos ou dificuldades em seu momento existencial,
esta pessoa interrompa o contato mais constantemente em um ponto específico do ciclo. Isso
fará com que apareça com maior proeminência em seu funcionamento alguns dos referidos
bloqueios, por exemplo, o contato pode se dar de forma mais introjetiva, mais confluente e/ou
mais projetiva, mais retroflexiva, e assim por diante.
116

Em decorrência disso e das perspectivas mencionadas e analisadas ao longo destas


discussões, identificamos na abordagem gestáltica uma compreensão das psicopatologias a
partir de uma perspectiva relacional, processual e funcional. Com isso, essas psicopatologias
são entendidas como ajustamentos criativos disfuncionais, que se desvelam nos bloqueios, nas
interrupções ou perturbações na vivência do contato.

Como particularidades deste processo de ajustamento criativo disfuncional, podem


ocorrer alguns desajustes: rigidez, repetição, excesso, escassez, perda, fixação ou cristalização
do contato ao experienciar a si e ao mundo. Segundo Pimentel (2003) (produção 7), estes
desajustes restringem a ação do homem sobre sua realidade, tornando-a inautêntica e pouco
satisfatória ou pouco nutritiva.

A respeito das práticas clínicas-diagnósticas analisadas em nosso estudo,


identificamos a fenomenologia como o principal alicerce metodológico, sendo o método
fenomenológico evidenciado nos dois casos relatados nos artigos científicos analisados (um
caso no artigo 2 e um caso no artigo 4). No artigo 2, os autores Melo, Boris e Stoltenborg
(2009) relatam o processo psicoterapêutico desenvolvido com uma pessoa com diagnóstico
psiquiátrico de transtorno de personalidade borderline, sendo esse processo orientado por uma
prática clínica-diagnóstica a partir das fases do método fenomenológico: descrição, redução e
interpretação fenomenológicas.

Sobre estas fases do método fenomenológico, os autores deste artigo apontam que
são ferramentas metodológicas que possibilitam: conhecer o modo de ser-no-mundo do
cliente pelas formas de contato expressadas por este ao longo da vida (descrição
fenomenológica); apreender o sentido da experiência psicopatológica, deixando de lado os
conhecimentos apriorísticos, ou seja, considerando o que é central para a pessoa e não para a
classificação patológica, sendo utilizado, para tanto, questionamentos do tipo: o quê?, como?
e para quê? (redução fenomenológica); e compreender a singularidade existencial do cliente,
trabalhando dialogicamente em uma possível mobilização ou alteração qualitativa da
experiência ou fenômeno investigado (interpretação fenomenológica).

Neste sentido, os referidos autores afirmam que

O desafio do psicoterapeuta fenomenológico-existencial é compreender o


paciente [denominado de] borderline numa perspectiva antropológica,
estando atento aos significados que ele manifesta em sua existência no
mundo e como ele se relaciona com a realidade à sua volta. [...] [buscando]
117

na relação terapêutica com [este], construir novos sentidos para a sua


existência (MELO; BORIS; STOLTENBORG, 2009, p. 140-141).

Concordando com esta perspectiva, os autores Costa e Santos Filho (2016) do artigo 4
buscaram empreender um processo clínico-diagnóstico interventivo e colaborativo baseado
numa relação dialógica e fenomenológica ao tratar uma pessoa com diagnóstico psiquiátrico
do tipo psicótico – esquizofrenia. No relato deste caso, eles apontam a necessidade de não
relacionar a vivência disfuncional à uma doença, mas sim à expressão de uma forma
singular de existência, cabendo ao psicoterapeuta compreender a experiência psicopatológica
da esquizofrenia através da própria pessoa.

Segundo tais autores, isto implica ter uma postura terapêutica fenomenológica,
dialógica e criativa que vise promover uma especial atenção à descrição das particularidades
relatadas pela pessoa, bem como possibilitar dar continuidade ao diálogo outrora
interrompido, sendo rejeitados prognósticos pré-estabelecidos para a situação trabalhada,
como apontado por Rehfeld (2013) ao discutir sobre a redução fenomenológica (mencionada
no capítulo 2), além de disponibilizar à pessoa atendida uma presença-escuta humanizada,
horizontal e autêntica.

Assim, entendemos que o processo psicoterapêutico gestáltico busca facilitar o


processo de autoconscientização da pessoa em processo, fazendo com que ela própria, ao
sentir-se acolhida e aceita, possa, assim que possível, ressignificar seu momento de crise,
como também encontrar outras formas de enfrentamento para os conflitos vivenciados em seu
momento existencial atual, como pontuam os autores do artigo 2 (MELO; BORIS;
STOLTENBORG, 2009).

Neste sentido, Costa e Santos Filho (2016, p. 30), autores do artigo 4, assinalam que

Para que o diagnóstico seja útil à compreensão da complexidade, dinâmica e


singularidade do psiquismo de uma pessoa é preciso que ele expresse o que
há de particular em sua existência. [...] Cabe ao psicoterapeuta compreender
o que o problema do diagnóstico está dizendo a respeito da existência da
pessoa, dando assim, continuidade ao diálogo interrompido, contribuindo
com a integração desse aspecto da vida de quem o procura.

Destarte, vale ressaltar que embora os termos borderline e esquizofrenia tenham sido
destacados como referências clínicas dos atendimentos realizados nas práticas clínicas-
118

diagnósticas gestálticas analisadas (artigos 2 e 4), observamos que esta prática buscou ir além
das explicações e definições atreladas a tais diagnósticos psiquiátricos, sendo, então,
priorizada a valorização e apreensão da realidade subjetiva-experiencial, ou seja, a prática
clínica-diagnóstica gestáltica é orientada pela vivência e pela forma de funcionamento da
pessoa em processo psicoterapêutico.

Dessa maneira, os gestalt-terapeutas evidenciados neste estudo (artigos 2 e 4) tomam


como referência primordial de sua prática a pessoa em processo, considerando como áreas de
observação o registro ontológico (história) da sua vida atual e pregressa, de modo a
compreender as formas como ela lida com as questões manifestadas em meio à complexidade
do seu campo intersubjetivo, considerando, sobretudo, a forma como ela vivencia a
concretude do espaço-tempo, ou seja, seu presente transiente.

Com isto, evidenciamos o artigo 1, no qual Galli (2009, p. 61-62), ao discutir sobre o
processo diagnóstico em Gestalt-Terapia, aponta que

Diagnosticar um ser humano no contexto da psicoterapia implica


acompanhá-lo, conhecê-lo ao longo de sua existência, através das relações
que ele estabelece com e em seu mundo, através da sua relação comigo, com
as relações que ele mantém com seus eus, tus e issos, com os quais interage
nos tempos e espaços que segue percorrendo.

Discorrendo sobre isto, na produção 5, que é o livro “Processo, diálogo e awareness:


ensaios em Gestalt-Terapia”, Gary Yontef (1998) atribui à prática diagnóstica em Gestalt-
Terapia a tarefa de desvelar os significados da experiência do cliente, sendo esta prática uma
importante contribuição para o processo psicoterapêutico. Segundo ele, isto só é possível pelo
entrelaçamento entre os recursos diagnósticos favoráveis ao autodesenvolvimento da pessoa
(anamnese, testes projetivos e experimentos) e a postura fenomenológica, dialógica e
colaborativa do psicoterapeuta, o que irá favorecer a significação das figuras que aparecem no
ciclo figura-fundo, ao mesmo tempo em que possibilitará a identificação do padrão existencial
intrínseco ao movimento singular que orienta a integração do sentir, pensar e agir da pessoa.

Por conseguinte, dentre as perspectivas diagnósticas gestálticas, evidenciamos o


pensamento diagnóstico processual de Frazão (1998, 2015), que foi brevemente apresentado
em nosso terceiro capítulo no Quadro 1 e é descrito na produção 10, cuja proposta coaduna
totalmente com a perspectiva fenomenológica por salientar a necessidade de captar o “[...] que
se mostra no que aparece e não apenas o que aparece” (p. 94), conforme foi discutido no
119

nosso segundo capítulo (LIMA, 2008; REHFELD, 2013). Ou seja, é necessário compreender
o sentido expresso na disfuncionalidade experienciada, entendendo para que esta se mantém,
ou que necessidade está sendo suprida mediante o ajustamento criativo disfuncional expresso
na vivência da pessoa.

Destarte, empreender um pensamento diagnóstico processual é estar atento às formas


de ajustamentos criativos, os quais podem se desvelar através dos discursos, da aparência, da
energia, da postura corporal, bem como das omissões, lacunas, associações espontâneas,
repetições e sintomas. Segundo Frazão (2015), os sintomas devem ser descritos pela própria
pessoa em processo psicoterapêutico no intuito de desvendar quais conflitos se presentificam
em sua vivência, qual o sentido destes e o que estes sintomas favorecem ou dificultam na
existência da pessoa.

Desta forma, salientamos que a existência humana está em constante regulação,


podendo alguns processos psicológicos adotarem formas diferenciadas de ajustamentos
criativos (considerados saudáveis ou não), o que irá depender das experiências, dos recursos
internos desenvolvidos pela pessoa (sentimentos, emoções, sensações, percepções,
mobilizações, intenções, criatividade etc.) e das condições disponíveis em seu ambiente. Dito
isto, cabe ao gestalt-terapeuta, em mútuo acordo com a pessoa atendida, encontrar as
possibilidades de atualização do potencial criativo nas formas de ela contatar a si mesma e ao
mundo (CARDELLA, 2014; SCHILLINGS, 2014; LIMA, 2014).

No que se refere à organização do trabalho clínico-diagnóstico em Gestalt-Terapia,


considerando às especificidades evidenciadas neste estudo, bem como a necessidade de
respaldar a atuação do gestalt-terapeuta em instituições públicas ou privadas por meio da
elaboração de documentos psicológicos diagnósticos (atestado, parecer, relatório e laudo
psicológico), na produção 7, Pimentel (2003, p. 93) ressalta que “[...] um laudo oportuno
considera o dinamismo da existência e o contexto em que o sofrimento se imiscui”.

Com isto, a autora destaca o caráter processual e transitório de tal documento, pois,
devido à inconstância da existência humana, um laudo psicológico corresponde apenas ao
atual momento existencial da pessoa. Assim, de acordo com essa autora, convém que este
documento seja produzido com a participação do cliente, sendo retratada uma composição das
“[...] percepções e compreensões de um momento dialógico-existencial” (PIMENTEL, 2003,
p. 91). Neste processo diagnóstico avaliativo, cabe ao gestalt-terapeuta escolher qual dos
formatos (tradicional, carta, história em quadrinhos ou conto, que serão apresentados a seguir)
alcança a adequada comunicação junto ao solicitante e à pessoa atendida.
120

Sobre as características destes laudos psicológicos evidenciados, a autora descreve


que, no formato tradicional, os fatos ocorridos na realização do processo clínico-diagnóstico
colaborativo são organizados em subtítulos, constando as descrições que consideram a
temporalidade e o contexto em que o comportamento ocorreu, sendo utilizado, para tanto,
verbos em vez de conceitos, linguagem acessível ao cliente e em primeira pessoa, além da
afetação do psicoterapeuta diante da pessoa e do processo, bem como, se for considerado
oportuno pelo cliente, podem ser mencionados os escores dos testes que foram utilizados.

Os outros três formatos citados por Pimentel (2003) representam criativas maneiras do
gestalt-terapeuta compartilhar e comunicar à pessoa atendida sobre o percurso trilhado por
ambos. Deste modo, a carta é escrita pelo gestalt-terapeuta ao cliente como se fosse enviar
uma correspondência a um amigo. A história em quadrinhos e o conto são possibilidades de
relatórios ou laudos sugeridos para as crianças e seus pais e/ou responsáveis, na expectativa
de que eles acompanhem e entendam o fluxo dos acontecimentos vivenciados durante a
realização do processo clínico-diagnóstico colaborativo.

Assim, considerando as especificidades identificadas e discutidas ao longo desta


categoria de análise e resgatando o processo de reformulação do psicodiagnóstico (explanado
no primeiro capítulo), observamos que o diagnóstico em Gestalt-Terapia configura apenas
uma parte do todo, que é o processo psicoterapêutico, sendo estas duas práticas
interventivas indissociáveis à compreensão integral da existência humana.

Isto porque a Gestalt-Terapia busca ultrapassar os aspectos sintomáticos ou


disfuncionais da experiência psicopatológica, e visa apreender o ser humano em seu sentido
funcional, processual e singular de experienciar a si e ao mundo. Desse modo, a partir desta
perspectiva, não é coerente estabelecer padrões psicopatológicos definitivos no curso do
processo clínico-diagnóstico gestáltico.

Diante de tudo que foi explanado neste trabalho, compreendemos que a prática clínica-
diagnóstica em Gestalt-Terapia parte de uma atitude psicoterapêutica alinhada à sua visão de
homem e mundo, inserta em seu saber teórico e fazer metodológico, implicando numa
abertura profissional que possibilita a apreensão de novos fatos, situações, experiências ou
fenômenos, mesmo que estes não se encaixem nos padrões já catalogados, o que confere a
esta abordagem uma identidade profissional sólida, amadurecida, dinâmica, flexível e criativa,
por buscar a constante atualização ou reinvenção de sua prática.
121

Em decorrência disto, o processo psicoterapêutico gestáltico favorece tanto a


capacidade criativa do cliente, quanto a criatividade do gestalt-terapeuta que busca apreender
os aspectos funcionais e disfuncionais (saudáveis e não saudáveis) dos ajustamentos criativos
deste cliente que vivencia situações insustentáveis. Neste sentido, o processo psicoterapêutico
em Gestalt-Terapia é uma tentativa de ampliação e atualização dos recursos internos do
cliente, ou seja, de sua energia, forças, potencialidades e capacidades.

Assim, diante da intenção de investigar a compreensão diagnóstica em Gestalt-


Terapia, tendo como base as análises das publicações e as discussões explanadas ao longo
desta pesquisa, chegamos ao desvelamento de uma compreensão clínica-diagnóstica que
reconfigura a concepção acerca das psicopatologias, sendo, então, revelado um olhar
compreensivo, experiencial, processual, cooperativo, informal e interventivo sobre as
formas de funcionamento humano consideradas saudáveis e não saudáveis, já que, numa
perspectiva gestáltica, saúde e doença perpassam pela vivência integral do campo organismo-
meio, não podendo o sofrimento psíquico restringir-se à pessoa ou à sociedade de forma
individualizada.

No tocante à prática clínica-diagnóstica, identificamos o exercício de um fazer


fenomenológico sustentado na apreensão da totalidade singular, expressada nas formas
diferenciadas de ser e estar no mundo, considerando, para tanto, a indissociabilidade entre o
homem e seu meio, entre as inter e intrarrelações que compõem a configuração parte-todo,
entendendo que o que ocorre em uma das partes (figura) reflete no todo. Portanto, não há
como compreender as realidades humanas de forma neutra e distanciada, pois somos uma
totalidade, e ao mesmo tempo, fazemos parte de uma realidade ainda maior que abarca todos
os seres viventes.

Por fim, ao final da realização deste estudo, ponderamos que em qualquer esforço que
se pretenda realizar para compreender a subjetividade humana faz-se necessário ultrapassar os
limites do conhecimento já estabelecido, buscando, primeiramente, entender a complexidade
das formas singulares de existência, bem como as condições e vicissitudes do espaço-tempo
vivenciado.
122

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na realização deste trabalho desvelamos a compreensão diagnóstica em Gestalt-


Terapia, ao passo em que identificamos o olhar e as especificidades desta abordagem no
entendimento das psicopatologias e no empreendimento de uma prática clínica-diagnóstica
gestáltica. Esta prática reconfigura os aspectos disfuncionais da existência humana e busca
apreender a sua integralidade singular, a qual é revelada no processo particular e infinito de
interação entre o homem e o mundo.

Desta forma, nossas discussões foram orientadas tanto pelos aspectos comuns, quanto
pelas nuances singulares encontradas nas publicações analisadas. A comunalidade das
concepções analisadas nos mostrou, na nossa primeira categoria de análise, que a constituição
humana, bem como o funcionamento considerado saudável, só é possível a partir da
experiência plena do contato, que é revelado na vivência consciente e interdependente entre as
dimensões humanas e os sistemas de funcionamento (sensorial, motor e cognitivo), como
também na fluidez das funções do self (id, ego e personalidade) e das fronteiras de contato
(abertura ou fechamento) no campo intersubjetivo humano.

Em decorrência disto, na nossa segunda categoria de análise refletimos sobre o


processo de constituição identitária do homem contemporâneo, sendo esta identidade
inacabada e configurada como a dimensão ontológica do contato. Implicada às concepções
explanadas e às bases epistemológicas da Gestalt-Terapia, esta dimensão nos possibilitou
compreender a existência de um conflito intersubjetivo, envolvendo as percepções, os
sentimentos, os valores, as necessidades, as escolhas e as ações humanas ao enfrentar os
reveses da vida contemporânea.

Somado a isto, explanamos e discutimos na nossa terceira e última categoria as


concepções psicopatológicas dos gestalt-terapeutas evidenciados na análise, bem como a
forma com que estes orientam suas práticas clínicas-diagnósticas. A partir desta discussão,
identificamos um olhar fenomenológico e dialógico voltado para a integralidade da pessoa em
processo psicoterapêutico, sendo, então, considerada a singularidade da sua vivência e
conferida à experiência psicopatológica um sentido funcional, processual e particular da
percepção e da expressividade humana no mundo.

Além disso, vimos que a Gestalt-Terapia concebe as psicopatologias como um


processo de ajustamento criativo disfuncional que é revelado pela vivência de um contexto
123

cuja complexidade decorre de conflitos interacionais ou relacionais do campo homem-mundo,


o que implica numa experienciação distorcida por parte deste homem, havendo, assim,
perturbações, bloqueios e perdas no contato dele consigo e com o mundo, podendo ocorrer
também um processo de cristalização de seu funcionamento.

Por conseguinte, apreendemos que as formas de ajustamentos criativos funcionais e


disfuncionais representam um grande esforço do organismo-pessoa na tentativa de alcançar a
cada momento da vida a melhor forma de estar no mundo, tendo em sua capacidade criativa e
nas condições ou suportes ambientais os melhores recursos para integrar e atualizar sua
totalidade, visto que toda e qualquer experiência humana no mundo (seja ela considerada
saudável ou não) é tecida pela indissociabilidade entre o homem e seu meio.

Destarte, compreendemos que em qualquer processo de ajustamento criativo humano


desvelam-se infinitas configurações de figura e fundo, que são perpassadas pelas dimensões
biológica, psicológica, sociológica, histórica, cultural, antropológica, econômica, política,
entre outras, dimensões estas que influenciam na busca da satisfação e da realização das
diversas necessidades da existência humana enquanto totalidade, que é ao mesmo tempo
singular e social.

Identificamos também nas publicações analisadas um entrelaçamento entre as bases


teóricas e os fundamentos metodológicos da Gestalt-Terapia, sendo, então, delineada uma
prática clínica-diagnóstica que configura o psicodiagnóstico como apenas uma parte do
processo psicoterapêutico. Este processo, ao ser orientado por uma postura dialógica,
processual, colaborativa, flexiva, dinâmica, criativa e interventiva, reconhece, aceita e acolhe
a expressão da singularidade humana na vivência do contato (que pode ser nutritivo ou
tóxico), ainda que esta vivência não se apresente com contornos considerados satisfatórios de
acordo com as classificações diagnósticas apresentadas nos manuais nosológicos.

Ressaltamos, ainda, o entendimento de que a prática clínica-diagnóstica gestáltica


reflete um constante desafio ao visar à compreensão da integralidade humana, o que implica
aos gestalt-terapeutas irem além dos aspectos sintomáticos, patológicos ou disfuncionais da
situação ou fenômeno trabalhado, priorizando, assim, o sentido funcional, processual e
singular com que o homem experiencia a si e ao mundo.

Com isto, nesta pesquisa, expressamos nossa compreensão acerca da concepção


psicopatológica e da atuação clínica-diagnóstica da Gestalt-Terapia, revelando e ao mesmo
tempo defendendo o olhar desta abordagem sobre as diferentes formas de funcionamento
124

humano, considerando, sobretudo, a indissociabilidade entre o homem e o seu meio, a partir


de uma relação dialética que possibilita a cada encontro dialógico uma mútua transformação.

Frisamos, então, que uma das contribuições deste estudo foi oferecer aos leitores
interessados informações e considerações relevantes sobre: o processo de psicodiagnóstico
tradicional e interventivo; explanações teóricas significativas acerca da Gestalt-Terapia;
compreensões gestálticas a respeito da constituição e do funcionamento humano; reflexões
sobre a vivência do homem contemporâneo; compreensão das psicopatologias, considerando
o ponto de vista de quem as experiencia; e a prática clínica-diagnóstica dos gestalt-terapeutas.

Além disso, este trabalho promoveu um vislumbre dos avanços e dos desafios
enfrentados pela Gestalt-Terapia ao longo de sua formação e desenvolvimento. Isto porque
esta abordagem buscou discriminar sua própria compreensão diagnóstica a partir de
procedimentos fenomenológicos e de um constante processo de atualização e reinvenção do
seu saber e fazer psicológico, deixando para trás sua histórica rejeição ao psicodiagnóstico, o
que conferiu à sua prática um importante amadurecimento conceitual e metodológico que
continua acontecendo.

Ademais, este estudo incumbe-nos a necessidade e a importância de sempre nos


atualizarmos, buscando a superação de acomodações epistemológicas para nos inteirarmos
desta temática e de outras questões humanas que certamente fazem parte de nossas vidas e
farão parte também de nossas futuras práticas profissionais, o que requer uma abertura
profissional que possibilite a apreensão de todas as formas possíveis de vivência.

Finalizamos esta pesquisa com a certeza de ter alcançado uma discussão significativa e
reflexiva a respeito de nosso objeto de estudo (compreensão diagnóstica em Gestalt-Terapia),
tendo na literatura acerca do tema um embasamento coerente e consistente para compreender
as formas de ajustamentos criativos, bem como discriminar criativamente a prática clínica-
diagnóstica gestáltica.
125

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