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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ

Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Educação


Mestrado em Educação

Eliane Pereira

PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA E


PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO FORMAIS EXPERIENCIADAS
POR SUJEITOS SOCIAIS NO ASSENTAMENTO DOM JOSÉ
GOMES – CHAPECÓ (SC)

Chapecó – SC, 2015


UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ
Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Educação
Mestrado em Educação

PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA E


PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO FORMAIS EXPERIENCIADAS
POR SUJEITOS SOCIAIS NO ASSENTAMENTO DOM JOSÉ
GOMES – CHAPECÓ (SC)

Eliane Pereira

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Stricto Sensu em Educação da
Universidade Comunitária da Região de
Chapecó, como requisito final para obtenção
do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Dra. Rosana Maria Badalotti

Coorientador: Dr. Celso Francisco Tondin

Chapecó – SC, jul. 2015


Dedico este trabalho a todos os sujeitos do
Assentamento Dom José Gomes que
participaram desta pesquisa. Sou
imensamente grata por compartilharem suas
histórias e pela oportunidade de aprender
com vossas experiências. Que suas lutas
consigam ocupar o latifúndio e derrubar as
cercas da ignorância.

Ao meu esposo Kauan, por ter permanecido


ao meu lado dando apoio em todos os
momentos, incentivando-me a nunca desistir
dos meus sonhos. Sou grata pelo aconchego
nos momentos de tristeza e choro
incontrolável, por compartilhar angústias e
dúvidas em momentos difíceis. Obrigada
pelo seu amor, dedicação, cumplicidade e
compreensão pela minha ausência e
principalmente pela alegria de juntos nos
tornamos pai e mãe! Que nosso filho Dylan,
nasça com saúde e nos traga muitas alegrias.
AGRADECIMENTOS

Nessa longa trajetória da arte do escrever, muitas vezes ficamos sem


rumo, tentamos abraçar o mundo com as próprias mãos. Outras tantas
vezes, simplesmente o mundo parece grande demais para ser abraçado,
por sorte, existem pessoas em que podemos confiar. Pessoas que nos
fazem sentir capazes de realizar tudo, de alcançar o inimaginável. Por
isso, não poderia deixar de agradecer a todas estas pessoas, que direta ou
indiretamente, contribuíram durante este processo epistemológico. A
vocês, minha eterna gratidão. Obrigada, por me ajudarem alcançar mais
este sonho.

De coração, quero agradecer à Profa. Rosana Maria Badalotti e ao Prof.


Celso Francisco Tondin, que em situações de dificuldade me ajudaram a
reencontrar meu caminho novamente. Obrigada pelas vossas dedicação,
bondade, humildade e conhecimentos compartilhados. Agradeço, pela
credibilidade, ao me permitirem, por vezes, extrapolar na escrita. Meus
queridos orientadores e amigos, palavras seriam pequenas para
descrever o quanto suas intervenções, encaminhamentos e discussões
foram importantes nesse processo. Obrigada por tudo!

Agradeço a Tatiana Chagas, pelos esclarecimentos sobre o


Assentamento Dom José Gomes e disponibilidade em ajudar em todas
as etapas desta pesquisa. Por sua dedicação e comprometimento com a
luta destes trabalhadores(as).

À minha excêntrica família...


À minha mãe Silvia, por todo amor e carinho dedicado aos seus filhos.
Por sua humildade, sua crença e por sempre acreditar que em mim.
Minha eterna gratidão e admiração.

Às minhas irmãs, Adriane e Andressa, e meu irmão, Alex, que


compartilharam comigo momentos de tristezas e também de alegrias,
neste e em todos os momentos de minha caminhada. Sem vocês, eu não
seria completamente feliz.

Um agradecimento mais que especial, à minha alma gêmea,


companheira e cúmplice, irmã, Marieli. Obrigada por seu amor, sua
generosidade, honestidade, por estar sempre ao meu lado. Suas
qualidades são infinitas e a tornam a cada dia um ser humano incrível e
admirável. Sou uma pessoa de muita sorte por ter você em minha vida.

Em especial a Liane, sogra, mãe, exemplo de bondade e


profissionalismo. Pedagoga, fonte inspiradora de minha profissão!
Obrigada, por todo a amor, carinho e dedicação.

Ao meu sogro Christian, pela postura ética, por ser fiel aos ideais de
luta, justiça e igualdade. Obrigada por todo carinho.

Aos cunhados, Itacir, Luã e Kaue, e cunhadas, Elaine, Talita e Giovana,


pelo apoio e carinho.

Ao sobrinho Gabriel e sobrinhas, Fabiana, Eduarda, Adrieli, Lívia e Ana


Luiza. Obrigada por serem compreensíveis com minha ausência e por
tornarem meus dias mais felizes.

Às minhas queridas amigas, que deram os primeiros passos


universitários ao meu lado: Ana Amélia, Camila, Carla, Daniele e Kelly.
Obrigada pela confiança e credibilidade em minha pessoa e torcida
positiva. Agradeço pelo mútuo aprendizado durante nossa convivência.

Aos amigos, João Carlos (Jonka), Jéssica, Jéssica Laís, Diana, Renan,
Tiago, Helber, Kátia, Rodrigo, Rodrigo (Teta), Jaqueline, Alberto,
Jussara, Elisangela (Zanza), Sandy, Osmar e Anderson, pelo carinho e
paciência, ao entenderem minha ausência. Meus dias são muito mais
felizes com a presença de vocês.

Aos colegas do Mestrado, que muitas vezes foram meu consolo, em


momentos de muita dificuldade. Em especial a estes três guerreiros que
lutaram ao meu lado: Ana Karina, Natanaél e Christian. Meus queridos,
a vocês minha eterna amizade por me ajudarem a tornar a vida
acadêmica muito mais divertida!

Aos professores do PPGE da UNOCHAPECÓ, pela contribuição, dentro


de suas áreas, para o desenvolvimento de nossas práticas e,
principalmente, pela dedicação e empenho que demonstraram no
decorrer de suas atividades para nossa total formação. A vocês agradeço
pelo incentivo à busca de novos conhecimentos, que muito contribuíram
para a minha formação, nos quais tenho boas lembranças pela sabedoria
e dedicação com as quais supervisionaram-me em todos os momentos,
sendo sensível às diversas situações que lhes foram apresentadas.

Um carinho especial ao Prof. Leonel, pelas reflexões em sala de aula,


orientações e sugestões na qualificação do projeto. À Profa. Nadir Zago,
pelas contribuições na pré-qualificação. Ao Prof. Maurício, por sua arte
de ensinar poética e disponibilidade nas orientações. Ao Prof. Edivaldo,
pelos grandes debates e reflexões filosóficas promovidos em sala de aula
e ao prof. Miguel Ângelo, pela confiança e por acreditar que sou capaz.
Obrigada, pela apresentação dos estudos em Thompson, sem seu olhar
crítico não chegaria ao propósito final desta dissertação. A vocês sou
eternamente grata.

Ao Prof. Odilon L. Poli, pelo incentivo em continuar estudando e


orientações durante todo meu percurso acadêmico. Obrigada, meu
eterno orientador.

À CAPES e à FAPESC, pela concessão de bolsas de pesquisa, sem as


quais este estudo não seria possível.

Ao MST, que a partir de suas lutas e ideais ensinou-me que é possível


viver em um mundo mais igualitário!

A todos que acreditam em um mundo mais justo e solidário.

Aos incluídos de forma perversa.


“A revolução não é coisa abstrata.
Então continuamos lutando, sem desfalecer, indo devagar, até
conseguirmos o que queremos. É um jogo de paciência, de decisão e de
vontade.
A persistência é a melhor qualidade do revolucionário. [...] A guerra
contra eles é longa e prolongada e não se baseia em combates decisivos,
mas na paciência chinesa, na sagacidade, na malícia e no
reconhecimento de que somos fracos e eles fortes.”
(Carlos Marighela).
RESUMO

O Oeste Catarinense é considerado o berço dos movimentos sociais e


uma região marcada por lutas políticas e desigualdades sociais, que
caracterizam e transformam o processo de experienciação de grupos
sociais excluídos da história oficial, argumento histórico e político que
justifica a realização desta investigação. Na busca por identificar as
motivações que impulsionaram a organização de um movimento social e
o processo de formação e práticas educativas experienciadas por sujeitos
sociais em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), esta pesquisa analisa a relação entre formação
político-ideológica e práticas educativas não formais no processo de
conquista da terra e organização atual do Assentamento Dom José
Gomes em Chapecó (ADJG), Santa Catarina. Em termos
epistemológicos, fundamenta-se na perspectiva do materialismo
histórico e cultural de Edward Palmer Thompson. A abordagem se
justifica pelo fato do processo de formação vivenciado pelos sujeitos
sociais investigados estar associado a uma experiência mais ampla
permeada por uma trajetória de luta pela terra e consciência de classe
orientada pelo MST, que busca questionar e mudar estruturas
econômicas, culturais e políticas excludentes. Caracteriza-se por uma
abordagem qualitativa/descritiva e como estudo de caso, orientado por
trabalho de campo, tendo sido realizadas consulta a documentos,
entrevistas semiestruturadas e observação participante. A delimitação
dos sujeitos se deu por escolha intencional. Para analisar os dados
coletados, utilizou-se da Análise do Discurso proposto por
Maingueneau. Ao analisar a formação político-ideológica promovida
pelo MST no ADJG, destacam-se trajetórias de lutas individuais que
contribuíram para formação desta classe (trabalhadores sem terra) e
assim compreende-se as relações existentes na base deste movimento
social, conhecendo as dificuldades que influenciaram e levaram estes
trabalhadores a participar dele, tanto por suas trajetórias marcadas pelo
sofrimento e assujeitamento ao capitalismo quanto pelo sonho de
conquista da terra. Dos resultados, podemos inferir que antes da entrada
no MST os entrevistados se mostravam individualistas, já na luta
coletiva, passaram a questionar sua condição social e os valores
atribuídos pelo capital. A situação de exclusão foi um dos fatores
propulsores para o ingresso e experiência de luta dos entrevistados junto
ao Movimento, permitindo-lhes assumir uma luta mais ampla: pela
reforma agrária e por uma sociedade mais igualitária. A formação no
ADJG e no MST como um todo não está limitada aos espaços formais,
pois está relacionada às experiências vividas e, assim, perpassa
diferentes espaços socializadores em que a formação da identidade
coletiva se constrói. As atividades de formação desenvolvidas são
importantes porque se constituem como experiências contra
hegemônicas e que trazem presentes a conflitualidade que marca a
sociedade de classes. É inegável que a formação realizada pelo MST
tem estabelecido fortes laços entre Movimento e militantes, o que não
exclui relações de conflito. Contudo, em sua grande maioria, os
assentados entrevistados demostraram que incorporaram a luta do MST,
indicando a capacidade deste em formar política e ideologicamente estes
sujeitos, visto ter constituído sujeitos comprometidos em dar
continuidade à luta e às práticas do MST.

Palavras-chave: MST. Formação político-ideológica. Práticas


educativas não formais. Educação não formal. Assentamento Dom José
Gomes.
ABSTRACT

Western Santa Catarina is considered the birthplace of social


movements and a region marked by political struggles and social
inequalities which have characterized and transformed the experiencing
process of groups socially excluded from official history, and the
historical and political argument of which justifies the realization of this
research. In the search to identify the motivations which drove the
organization of a social movement and the process of formation and the
educational practices experienced by social subjects in a settlement of
the Landless Workers' Movement (MST), this research examines the
relationship between political and ideological training and non-formal
educational practices in the process of conquest of land, and the current
organization of the Don José Gomes settlement (ADJG - Assentamento
Dom José Gomes) in Chapecó, Santa Catarina. In epistemological
terms, it is based on the perspective of historical and cultural
materialism of Edward Palmer Thompson. The approach is justified by
the fact that the educational process experienced by the social subjects
investigated is associated with a broader experience permeated by a
history of struggle for land and a class consciousness guided by the
MST, which seeks to question and change economic and cultural
structures and exclusionary policies. It is characterized by a
qualitative/descriptive approach and as a case study, oriented by field
work, with consultation of documents, semi-structured interviews and
participant observation being carried out. The demarcation of the
subjects was by deliberate choice. To analyze the data collected,
Discourse Analysis was used as proposed by Maingueneau. Upon
analyzing the political-ideological training organized by the MST in the
ADJG, there stand out trajectories of individual struggles which have
contributed to the formation of this class (landless workers) and in this
way we understand the existing relationships in the base of this social
movement, knowing the difficulties that influenced and led these
workers to participate in it, both for their paths marked by suffering and
subjection to capitalism as for the dream of conquering land. From the
results, we can infer that before entering the MST, respondents
displayed themselves as individualists, but during the collective
struggle, they began to question their social status and the values
assigned by capital. The situation of exclusion was one of the driving
factors for the entering and fighting experience of respondents with the
Movement, allowing them to take on a broader struggle: for land reform
and a more equal society. The learning in the ADJG and the MST as a
whole is not limited to formal spaces, because it is related to experiences
and thus permeates different socializing spaces in which the formation
of a collective identity is built. The developed training activities are
important because they are constituted as being experiences against
hegemonies, and by bringing them it presents the conflict that marks the
class society. It is undeniable that the training undertaken by the MST
has established strong ties between the Movement and militants, which
does not exclude conflicted relationships. However, for the most part,
the settler respondents showed that they entered the struggle of the
MST, indicating the ability of this in the political and ideological form
of these subjects, since it made the subject committed to continuing the
struggle, and to MST practices.

Keywords: MST. Political-ideological Training; Non-formal


educational practices; Non-formal education; The Dom José Gomes
Settlement.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Caracterização do perfil dos assentados entrevistados ........ 67

Quadro 2 – Caracterização da configuração familiar dos


assentados entrevistados ..................................................... 69

Quadro 3 – Caracterização das lideranças do MST entrevistadas .......... 71

Quadro 4 – Processo de formação e capacitação:


períodos do acampamento e do assentamento ................... 165
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Localização do Assentamento Dom José Gomes


no Município de Chapecó ..................................................... 62

Figura 2 – Barracos das famílias no período de acampamento ADJG ... 63

Figura 3 – Momento de Formação ADJG: Ditadura Militar .................. 92

Figura 4 – II Seminário de Desenvolvimento Territorial e


Agricultura Familiar: produzindo alimentos para garantir a
segurança alimentar ............................................................. 121

Figura 5 – VI Encontro de Educadores e Educadoras da


Reforma Agrária ................................................................. 123

Figura 6 – Mística de encerramento do VI Encontro de


Educadores e Educadoras da Reforma Agrária ................... 125

Figura 7 – 12° Festa da Colheita do Arroz Agroecológico,


dos Assentamentos de Integração Gaúcha e
Lanceiros Negros ................................................................ 126

Figura 8 – Cerimônia de Abertura: 12° Festa da Colheita do


Arroz Agroecológico, dos Assentamentos de Integração
Gaúcha e Lanceiros Negros ................................................ 127

Figura 9 – Reuniões de acompanhamento do Grupo


Costurando Sonhos ............................................................. 130
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AD – Análise do Discurso
ADJG – Assentamento Dom José Gomes
ALN – Ação Libertadora Nacional
ANAA – Atividades Não Agrícolas e Auto Abastecimento
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pesquisa em Nível
Superior
CEBs – Comunidades Eclesiais de Base
CDI – Cadernos do Iterra
CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico
CEOM – Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
CEPAF – Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar
CETREC – Centro de Treinamento de Chapecó
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COOPTRASC – Cooperativa dos Trabalhadores da Reforma Agrária de
Santa Catarina
COOTAP – Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de
Porto Alegre
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CRESOL – CREDI CHAPECÓ – Sistema de Cooperativa de Créditos
Rural com Interação Solidária – Cooperativa de Economia e Crédito
Mútuo dos Servidores Públicos de Chapecó e Região
EPAGRI – Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de
Santa Catarina
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
ITCP – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da
Unochapecó
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MASTER– Movimento dos Agricultores Sem Terra
MDA– Ministério do Desenvolvimento Agrário
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
NMS – Novos Movimentos Sociais
PAA – Programa de Aquisição de Alimentos
PARFOR – Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
Básica
PDA – Projeto de Desenvolvimento do Assentamento
PPGE – Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação
PRONAF Mulher – Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar Mulher
PTB – Partido Trabalhista Brasileiro
SC – Santa Catarina
SIGRA ATER – Sistema Integrado de Gestão Rural de Assistência
Técnica e Extensão Rural
SINPROESTE – Sindicato dos Professores do Oeste de Santa Catarina
UFFS – Universidade Federal da Fronteira Sul
UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul
ULTABs – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
UNOCHAPECÓ – Universidade Comunitária da Região de Chapecó
UNOESC – Universidade do Oeste de Santa Catarina
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................... 27
1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA .............................. 27
1.2 ESCOLHENDO O OBJETO, OU SENDO ESCOLHIDO
POR ELE? ...............................................................................29
1.3 PESQUISAS CONSULTADAS SOBRE O MST ................. 32
1.4 PROBLEMA DE PESQUISA ................................................ 34

2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
DA PESQUISA ..................................................................... 39
2.1 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS ............................ 39
2.2 CAMINHOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS . 44
2.2.1 Caracterização da pesquisa e categorias analíticas ........... 45
2.3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA .................................. 48
2.4 ETAPAS DA PESQUISA E TÉCNICAS DE
COLETA DE DADOS ............................................................ 49
2.4.1 1ª etapa: pesquisa exploratória ........................................... 49
2.4.2 2ª etapa: pesquisa de campo ................................................ 52
2.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS .............. 55
2.6 UNIVERSO DE PESQUISA: ASSENTAMENTO DOM
JOSÉ GOMES – CHAPECÓ (SC) ......................................... 60
2.6.1 Caracterização da amostra e dos sujeitos entrevistados ... 66

3 MST, EDUCAÇÃO E PRÁTICAS EDUCATIVAS


DE LUTA PELA TERRA ................................................... 73
3.1 FORMAÇÃO DO MST E SEUS PRINCÍPIOS
POLÍTICOS EDUCATIVOS ................................................. 73
3.2 O PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DE LUTA
PELA TERRA E REFORMA AGRÁRIA DO MST ............. 84
3.3 EDUCAÇÃO, PRÁTICAS EDUCATIVAS E
MOVIMENTOS SOCIAIS .................................................. 104
3.4 EDUCAÇÃO POPULAR: CONCEPÇÕES E
PRÁTICAS FORMATIVAS ............................................... 111
3.4.1 Momentos e práticas educativas não formais
vivenciadas por sujeitos do MST ...................................... 117
3.4.1.1 II Seminário de Desenvolvimento Territorial e
Agricultura Familiar: produzindo alimentos para
garantir a segurança alimentar ........................................... 120
3.4.1.2 VI Encontro de Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária .................................................................. 123
3.4.1.3 12° Festa da Colheita do Arroz Agroecológico,
dos Assentamentos Integração Gaúcha e Lanceiros Negros 126
3.4.1.4 Reunião na ITCP para discussão do Projeto
Fortalecimento da Economia Solidária no Território
Oeste de Santa Catarina ....................................................... 129
3.4.1.4.1 Reuniões de acompanhamento do Grupo Costurando
Sonhos................................................................................... 130
3.4.1.4.2 Reunião de avaliação do Grupo Costurando Sonhos ............ 133
3.5 FORMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA
NO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA ........................................................ 135
3.5.1 Análise do corpus.................................................................. 136

4 EXPERIÊNCIAS DE CLASSE E PROCESSOS


DE FORMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA
NO ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES ............... 145
4.1 EXPERIÊNCIA E HISTÓRIAS DE VIDA:
DO SONHO À CONQUISTA DA TERRA ........................ 146
4.2 LUTA E CONQUISTA PELA TERRA COMO
EXPERIÊNCIA DE FORMAÇÃO DA
CLASSE TRABALHADORA NO MST ............................. 155
4.3 PROCESSOS FORMATIVOS NOS PERÍODOS
DE ACAMPAMENTO E ASSENTAMENTO:
UMA EXPERIÊNCIA DE CLASSE ................................... 158
4.3.1 Participação dos sujeitos nas atividades de formação
e interesses dos assentados por elas .................................. 167
4.3.2 Diferentes espaços de formação e acompanhamento
do trabalho de base ............................................................ 171
4.4 AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NO MST E
SUAS POSSÍVEIS CARACTERIZAÇÕES
CONCEITUAIS ................................................................... 175
4.4.1 Compreendendo a formação de base militante ............... 176

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................ 191

REFERÊNCIAS ................................................................................. 197


APÊNDICES ...................................................................................... 211
ANEXOS ............................................................................................. 221
27

1 INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZANDO A PESQUISA

Esta pesquisa possui como objeto de estudo a relação entre


formação político-ideológica e práticas educativas não formais1 no
processo de conquista pela terra e organização atual do Assentamento
Dom José Gomes na cidade de Chapecó, estado de Santa Catarina (SC).
Nosso “pano de fundo”: cenário marcado pela colonização
portuguesa nos últimos 500 anos, envolto em sofrimento, massacre,
exclusão, preconceito, aculturamento e exploração de terras
desregradamente. Um processo de catequização e escravização dos
povos que aqui viviam2.
Ainda que não houvessem registros oficiais, nossa América já
estava habitada, havia muito tempo. Os grupos indígenas que aqui
viviam há mais de vinte mil anos eram os únicos que, por direito,
usufruíam da terra, o que não significa que utilizassem o termo posse, na
medida em que viviam em coletividades, nas quais os meios de
subsistência eram compartilhados.
No que diz respeito aos livros didáticos, a maioria deles enfatiza
o “descobrimento” do Brasil como a chegada dos portugueses a uma
“terra de ninguém”, materializando imagens e representações como
verdades. A caravela de Cabral, à vista na Ilha de Porto Seguro,
superlotada de homens barbudos, estereótipo europeu da época, cobertos
de roupas, costeava a nossa adorada América, ancorada em território
“desconhecido”, enquanto povos indígenas observavam atentos e
estupefatos os recém-chegados.
Lembro-me bem do discurso fantasiado na escola onde estudei
quando criança, das representações cênicas em que todos queriam ser os
“desbravadores” do Brasil. Meninos vestidos de marujos e capitães e
meninas de belas índias sedutoras e receptivas. Uma realidade carregada

1
Consideramos como práticas educativas não formais, todos os processos formativos que
ocorrem no âmbito do assentamento ou fora dele, sejam atividades familiares, religiosas,
sociais, políticas, econômicas, entre outros. Elencamos as práticas educativas como objeto de
estudo, por ser um processo de prover indivíduos de conhecimentos e experiências culturais
que os tornam aptos a atuar e transformar o meio social em que vivem (LIBÂNEO, 1994).
2
Reflexões a partir da obra Os 500 anos de dominação e resistência (UCZAI, 2001).
28

de representações simbólicas que historicamente foram sendo


construídas sobre a memória de um povo subalternizado.
A discussão e caracterização de mais de 500 anos de história do
Brasil, a partir do ponto de vista de grupos subalternizados, como
indígenas e camponeses, por exemplo, é um necessário, importante e
urgente exercício de reflexão não somente teórico-epistemológico, mas
também político-ideológico, porque remete à compreensão de um
processo de resistência contra a dominação e exploração de grupos
sociais e étnicos diversos, que lutam para conquistar a terra e outros
direitos sociais.
O cenário anteriormente descrito é de grande significado, pois ao
observarmos a história de nosso país compreendemos a origem das
primeiras manifestações de luta pela terra.

O MST tem consciência e tem clareza de que é


um seguidor histórico de todos aqueles que ao
longo desses 500 anos vêm lutando, vêm
batalhando para conquistar a terra, para conquistar
os seus direitos e para ter uma vida mais digna.
No início tentaram escravizar aqui os povos
indígenas. Como não conseguiram o intento de
escravizá-los, aqueles que fizeram e patrocinaram
a expansão do capitalismo em 1500 praticaram a
escravidão do povo negro. E nós, do Movimento,
na verdade todos os trabalhadores rurais sem-terra
do Brasil, somos uma sequência, um
desdobramento, uma consequência desses 500
anos de exploração, de injustiças, de concentração
da terra, da riqueza e da renda nas mãos de poucas
pessoas, ao passo que milhões e milhões de
pessoas do campo e da cidade estão cada vez mais
excluídas. (SANTIN, 2001, p. 47).

Considerando esta digressão, cabe esclarecer que tal abordagem


não se caracteriza como fator principal de investigação neste estudo,
entretanto, busca caracterizar as tramas desta disputa que se deu
historicamente de maneira desigual e hegemônica, com intuito de
contextualizar uma sociedade que ainda carrega em suas vertentes as
mazelas de um processo de subalternização.
29

O resgate deste cenário é fundamental para contextualizar o


objeto de estudo em questão e respaldar a sua relevância acadêmica,
social e política para o adensamento de pesquisas nesse campo, bem
como destacar a importância do Assentamento Dom José Gomes3 para a
trajetória política-ideológica do MST, na medida em que se constituiu
como espaço de organização coletiva do movimento no município de
Chapecó.
Diante deste panorama, o movimento contou com auxílio e
assessoria da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre outros
mediadores em todo seu processo de afirmação. Na sequência, apresento
os motivos que me impulsionaram a realizar a presente pesquisa.

1.2 ESCOLHENDO O OBJETO, OU SENDO ESCOLHIDO POR


ELE?

Importantes argumentos históricos e políticos que justificam a


realização desta pesquisa se relacionam ao fato de que o Oeste
Catarinense é considerado o berço dos movimentos sociais e uma região
marcada por desigualdades sociais e lutas políticas, que caracterizam e
transformam o processo de experienciação de grupos sociais excluídos
da história oficial. É neste contexto que pequenos agricultores ou
descendentes deles se articulam, retornando ao campo em busca de uma
qualidade de vida mais justa e igualitária.
Diante da importância da temática e o vasto campo de
investigação teórico-metodológico que a envolve, faz-se necessário
ressaltar os motivos que me impulsionaram a realizar este estudo.

Não se consegue interpretar um sonho se não se


sonha um pouco junto com ele; não se consegue
entender a lógica de um símbolo, se não se aceita
e respeita esta lógica; não se consegue
compreender a fundo um movimento social, se
não se vive um pouco de suas razões e
sentimentos. (CALDART, 1987, p. 13).

3
Fazenda ocupada por famílias camponesas, na cidade de Chapecó – SC. Na noite de 23 de
abril de 2002 aproximadamente 200 famílias ocuparam as terras da Fazenda Seringa,
localizada na Linha Água Amarela, no meio rural desta cidade (CHAGAS, 2009).
30

Nas palavras desta autora, apresento meu sentimento e


compromisso ao estudar o MST, pois acredito veementemente que não
basta estudar a organização coletiva destes trabalhadores, sem antes me
despir de crenças e juízos de valores pré-determinados. Como diria a
autora, precisamos sonhar um sonho que se sonha junto. Assim, adentro
e cultivo conjuntamente com o movimento os desafios e sonhos destes
atores sociais, para além da investigação ora sistematizada, no sentido
de evitar interpretações vagas e desconexas da realidade. Neste
momento, procuro desprender-me do rigor academicista em que me
encontro, para poder alçar um olhar sensível à luta destes camponeses e
assim interpretá-los em sua existência.
Os motivos que me levaram a investigar a temática formação
político-ideológica no MST se referem, por um lado, ao acentuado
interesse pela militância política, que teve início no ano de 2002, quando
então estudante de Ensino Médio militava no movimento estudantil.
Nesse sentido, a escolha do tema e do universo de investigação refere-se
à experiência vivenciada a partir de uma visita realizada, no ano de
2003, ao Acampamento Dom José Gomes. À época, era estagiária da
Biblioteca Municipal de Chapecó. Nossa visita teve como objetivo
realizar momentos de leitura e contação de histórias junto a crianças e
adultos acampados. A complexidade em compreender aquele momento,
aquelas famílias, deixaram marcas que ainda hoje me fazem relembrar
dos sujeitos que ali se encontravam alojados embaixo de lonas pretas.
Lembro-me que o grupo havia organizado provisoriamente algumas
atividades coletivas, como: costura, hortas, trabalhos agrícolas na
comunidade, entre outros, para que de algum modo pudessem arrecadar
verbas para manter suas famílias, em um período que o processo de
arrendamento das terras era prolongado ao máximo, sendo estas
destinada à reforma agrária.
Embora fosse muito jovem, meu envolvimento não foi menos
empolgante do vivenciado atualmente. Estar diante da primeira
ocupação de terras do município de Chapecó se trata de presenciar um
momento histórico de articulação popular no Oeste Catarinense, o que
fez eu me sentir privilegiada.
Considerando a trajetória pessoal e acadêmica descrita, constatei
que temas como educação, movimentos sociais e reforma agrária,
atrelados à formação político-ideológica, foram constituindo-se parte do
universo de minhas indagações e inquietudes e que a questão política
31

tem marcado de modo acentuado meu processo de formação. Portanto,


minhas inserções ocorreram não somente na escola e na universidade,
mais também em diferentes espaços sociais, as quais possibilitaram
despertar aspectos que revelam uma admiração e respeito pela ação e
atuação histórica do MST, mas também uma maturidade acadêmica, a
qual me levou à compreensão do papel histórico e político fundamental
que este movimento de base popular possui em nossa estrutura social,
que se organiza de forma injusta e desigual.
Aliada a este interesse pessoal, destaca-se a formação realizada
no Curso de Licenciatura em Pedagogia na Universidade Comunitária
da Região de Chapecó (UNOCHAPECÓ), entre os anos 2007 e 2010.
Este curso proporcionou um processo de formação com grande potencial
articulador e integrador, pois favoreceu o diálogo e a cooperação em
toda extensão social que esta área pode alcançar. Durante todo este
processo acadêmico, vivenciamos teorias e práticas pedagógicas que nos
possibilitaram assumir com competência, criatividade e ética, diversas
funções no âmbito educacional formal e não formal.
Diante desta flexibilidade no espaço acadêmico e da pesquisa,
sentia-me privilegiada, pois poderia investigar outros campos que não
necessariamente as práticas educativas formais, mais que de modo
acentuado poderiam favorecer outros universos até então pouco
explorados. Assim, movida pela curiosidade e olhar crítico diante de
uma sociedade desigual, desafiei-me a investigar os processos de
formação desenvolvidos por uma cooperativa de crédito da cidade de
Chapecó4, representando o desejo de cumprir mais uma etapa intelectual
de minha vida.
A partir de 2013, ao vincular-me como mestranda ao Programa
de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação (PPGE) da Unochapecó, a
temática relacionada ao MST tornou-se minha intenção de pesquisa e
objeto de estudo, inicialmente em forma de um pré-projeto em que
pretendia investigar processos educativos no Assentamento Dom José
Gomes. Durante o processo de formação nas disciplinas cursadas no
mestrado e na trajetória de reconstrução do projeto, este foi tomando

4
Pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso realizada sob orientação do professor Dr.
Odilon Luiz Poli. O trabalho apresentou como problema de pesquisa: como se caracterizam os
processos educativos desenvolvidos pela Cooperativa Credi Chapecó? Para maiores
informações consultar, Educação e Cooperação em Empreendimentos Econômicos e Solidários
(PEREIRA, 2010). Atualmente, a referida cooperativa denomina-se Sistema de Cooperativa de
Créditos Rural com Interação Solidária – Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos
Servidores Públicos de Chapecó e Região (CRESOL – CREDI CHAPECÓ).
32

novos contornos a partir das reflexões propiciadas nos momentos de


orientação, aulas, diálogos com os colegas e professores e adensamento
de leituras.
No âmbito do programa, a presente dissertação vincula-se à linha
de pesquisa 2: Desigualdades sociais, diversidades socioculturais e
práticas educativas, que objetiva aprofundar a compreensão dos
processos complexos das relações educação e grupos sociais, das
trajetórias e das práticas socioculturais e escolares. Apoiada em
abordagens teórico-metodológicas que privilegiam o debate desses
processos nos âmbitos formais, não formais e informais, as pesquisas
têm seus eixos temáticos voltados para as relações entre educação e
grupos sociais, sobretudo no que se refere à problemática de
democratização do ensino e da produção das desigualdades sociais e
escolares, mas, igualmente, das demandas escolares e práticas
educativas dos sujeitos, das organizações e dos movimentos sociais.5
Ao justificar a escolha do tema, reforço a importância dos
elementos destacados que ressaltam a relevância social e acadêmica
desta pesquisa, bem como o engajamento pessoal da mestranda na busca
incessante em compreender e consolidar os processos de democratização
social que dar-se-ão através da reflexão contínua da pesquisadora.
Em relação aos estudos realizados sobre o MST, a maioria refere-
se à formação do movimento, em um contexto histórico de lutas pela
reforma agrária, elencando temáticas como formação e pedagogias do
MST, conforme podemos observar no mapeamento realizado a seguir.

1.3 PESQUISAS CONSULTADAS SOBRE O MST

Para compreendermos a investigação nas pesquisas consultadas


em que se encontram as produções realizadas acerca deste tema,
Educação e Movimentos Sociais do Campo, realizamos breve pesquisa
da produção do conhecimento no âmbito acadêmico. Procedeu-se a uma
revisão exploratória baseada em pesquisa bibliográfica e documental,
tendo como base referências em livros, artigos científicos, revistas do
MST, cartilhas, folders, textos em geral, sobre educação e formação

5
Informação disponível em: https://www.unochapeco.edu.br/educacao/info/linhas-de-
pesquisa-2. Acesso em: 10 mar. 2015.
33

do/no movimento. Estas referências compilam e afirmam a importância


da formação política de militantes do MST na luta pela conquista da
terra.
As publicações científicas reforçam e revelam a importância
deste movimento social para o contexto atual de uma sociedade
extremamente capitalista. Em sua maioria, os estudos realizados sobre o
MST enveredam-se nas correntes marxistas, para discussões acerca da
formação do militante camponês, bem como à qualificação técnico-
científica de todo processo formador à luz deste pensamento filosófico,
que possui como principal eixo norteador a formação política e
ideológica para a luta de classes, em todas as esferas das relações
sociais, como afirma Souza (2010): “[...] os estudos educacionais
tiveram, especialmente a partir dos anos de 1980, em sua maioria,
inspiração marxista.” (p. 7).
Verificou-se que, na maioria dos trabalhos, há uma variedade de
abordagens metodológicas sobre o MST, contudo, há predomínio da
abordagem qualitativa de pesquisa e de ferramentas e técnicas de coleta
de dados focadas na análise documental, observação e entrevistas.
Nos estudos acerca da temática movimentos sociais, Maria da
Glória Gohn e Ilse Scherer-Warren aparecem quase que unanimemente
como referência.
Sobre o debate que envolve a realidade nos assentamentos,
formação e pedagogias do MST, identificaram-se pesquisas de Leonilde
Sérvolo de Medeiros (2003), Mitsue Morissawa (2001), Roseli Caldart
(1997; 2000; 2012) e Célia Regina Vendramini (1992; 1998; 1999;
2004; 2012); Em temáticas sobre reforma agrária, a luta pela terra e
trajetórias do MST, destacam-se João Pedro Stedile e Bernardo
Mançano Fernandes (1999).
No garimpar dos bancos de teses e dissertações da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pesquisa em Nível Superior (CAPES), entre
outros campos de busca eletrônica, as pesquisas que mais se destacam
em referências utilizadas, são as de Célia Regina Vendramini (1992) que
problematizam a relação entre movimentos sociais, educação e trabalho,
a partir da categoria de classe em Thompson, dando ênfase a explicações
sociológicas para a formação dos movimentos sociais. Ainda na
perspectiva marxista, destacam-se Ilma Machado (2003) e Vendramini
(1998), que nos trazem uma compreensão sobre a organização do
trabalho pedagógico e a consciência de classe. Os trabalhos citados
anteriormente encontram-se referenciados em grande parte das
34

dissertações e teses produzidas entre 2010 a 2013, sendo de grande


relevância teórica, pois são autores que investigaram a complexidade
que envolve os movimentos sociais, em especial o MST.
Nessa perspectiva, o MST exerce um papel importante porque,
além de lutar pela implementação da reforma agrária, contribui para
difundir valores não capitalistas, sobretudo a partir de uma concepção de
produção camponesa em que a terra é usada para viver e não para
negociar (BOGO, 1999).
Diante de tal relevância, Carter (2010) expõe que o MST é um
movimento que adota uma prática racional de enfrentamento da questão
agrária e contribui, por várias razões, para o fortalecimento da
democracia no Brasil e o combate às enormes disparidades sociais;
organiza e incorpora setores marginalizados da população; desenvolve o
exercício da cidadania entre os pobres nas três dimensões
contemporâneas dessa ideia: direitos civis, políticos e sociais; exerce o
“ativismo público”, isto é, utiliza a pressão popular para negociar com o
governo; defende ideais utópicos, em aberto, que fazem avançar a
democracia.
Considerando a síntese apresentada anteriormente, apresentamos
a seguir o problema e objetivos de pesquisa elencados nesta dissertação.

1.4 PROBLEMA DE PESQUISA

Nas palavras de Minayo (1999), trago minha inquietude pela


escolha de um problema:

Nada pode ser intelectualmente um problema, se


não tiver sido, em primeira instância, um
problema da vida prática. Isto quer dizer que a
escolha de um tema não emerge espontaneamente,
da mesma forma que o conhecimento não é
espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias
socialmente condicionados, frutos de determinada
inserção no real, nele encontrado suas razões e
seus objetivos. (p. 10).

De fato, concordo com a autora, de que a escolha de um tema


exige grande dedicação e a única certeza que temos é a de que um
35

problema não surge de imediato, ou como um ou achado qualquer. Vai


muito além de nossas pretensões e vontades de enveredar-se pelo
caminho mais fácil. Durante esse processo, o sentimento que se tem, são
as incertezas e inseguranças causadas por um turbilhão de ideias
ofuscadas por dúvidas infinitas, que nos fazem sentir, à flor da pele, os
arrepios causados pelo medo de não chegar a problema algum, ou a um
problema que de fato faça sentido, ou ainda, que tenha alguma
relevância social, como o rigor acadêmico tanto nos exige.
No enveredar das discussões realizadas em sala de aula, vamos
compreendendo que a escolha de um tema nos direciona para reflexões
complexas que apontam para a necessidade de uma relação dialética
entre perguntas e respostas, que visam à delimitação da pergunta de
partida de uma investigação. Contudo, escolher uma única pergunta
pressupõe abrirmos mão de tantas outras dúvidas que nos cercam.
Diante desse dilema, recordo-me do diálogo que tivemos no quarto Café
Filosófico realizado pelo Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em
Educação sobre a temática “Os projetos de pesquisa da graduação e pós-
graduação, fundamentos lógicos: a dialética entre perguntas e
respostas”, palestrada por Silvio S. Gamboa6. As observações do autor
nos orientaram sobre a necessidade de realizarmos pesquisas que
tenham relevância social e que evidenciem epistemológica e
intrinsecamente os problemas educacionais, incentivando novas práticas
pedagógicas. Na fala do autor: “É preciso sair da nossa zona de conforto
e estar com o olhar atento às necessidades do mundo.” A preocupação
deste professor é com a pesquisa enquanto processo formativo e
cognitivo, que tenciona nossa capacidade de problematizar e perguntar.
Os desdobramentos deste diálogo tiveram como centralidade o
planejamento da dissertação e os caminhos que a sucederam. Nesse
sentido, Gamboa, ainda na referida palestra, adverte-nos: “Mais
importante que responder, é perguntar!”; “Se não se pergunta, não se
constrói conhecimento!”; É preciso, “Superar a pedagogia das respostas
e desenvolver a pedagogia das perguntas!”.
Embora para muitos pesquisadores definir uma única pergunta
que oriente todo um trabalho, durante o período de dois anos ou mais,
seja uma tarefa muito difícil, naquele momento de diálogo com Gamboa
pude compreender o que o autor queria nos dizer com: “toda escolha de
um problema deve partir de uma necessidade”. Diante desta exposição,

6
Palestra realizada no dia 31 de março de 2014 nas dependências da UNOCHAPECÓ.
36

percebi que havia uma necessidade e lacuna ainda pouco explorada nas
dissertações e teses investigadas, além é claro, das minhas próprias
inquietações acerca da temática formação política. Neste momento,
compreendi que meu problema havia sido delineado naquilo que
Gamboa tem chamado de “pergunta de partida, ou pergunta-síntese”.
Se “A pergunta deve conter uma tensão interna, ou seja, estar
calcada no mundo das necessidades humanas, contradições,
concreticidade e possibilidades de mudanças, tanto na academia quanto
na vida cotidiana” (GAMBOA, 2013, p. 20), meu problema de pesquisa
definiu-se da seguinte forma: como se caracteriza a relação entre
formação político-ideológica e práticas educativas não formais no
processo de conquista pela terra e organização atual do
Assentamento Dom José Gomes em Chapecó, SC?
A partir do problema exposto, delimitamos como objetivo geral:
analisar a relação entre formação político-ideológica e práticas
educativas não formais no processo de conquista pela terra e
organização atual do Assentamento Dom José Gomes em Chapecó, SC.
Considerando a pergunta-síntese e o objetivo geral, foram
definidos os seguintes objetivos específicos:
a) identificar e caracterizar aspectos da formação político-
ideológica do MST que orientaram o processo de conquista pela terra e
orientam atualmente a organização do Assentamento Dom José Gomes;
b) identificar como a formação de base militante proposta pelo
MST tem sido apropriada e ressignificada pelos sujeitos sociais do
assentamento pesquisado;
c) verificar a existência de práticas educativas não formais
experienciadas pelos sujeitos investigados no assentamento e fora dele;
d) Apreender situações e experiências da vida cotidiana dos
sujeitos sociais do assentamento pesquisado que expressem elementos
de formação política do MST e em que medida contribuem com o
processo de transformação social e política das condições de vida dos
assentados.

A investigação acerca destes objetivos norteados pelos


referenciais teóricos elencados e elementos teórico-metodológicos de
diferentes áreas do conhecimento, permitiram dialogar e qualificar de
modo interdisciplinar, o problema de pesquisa proposto.
Esta dissertação está estruturada em quatro capítulos. A parte
introdutória, que compõe o primeiro capítulo, visa contextualizar a
37

problemática da pesquisa apresentando brevemente aspectos que


caracterizam processos históricos de disputa de territórios no Brasil,
tendo em vista a compreensão da formação de diferentes movimentos de
luta pela terra, destacando-se o MST e neste contexto a importância do
Assentamento Dom José Gomes, objeto desta investigação. Na
sequência, apresentamos elementos para justificar e problematizar a
escolha do objeto, as motivações pessoais e acadêmicas que levaram à
delimitação da temática, bem como um breve mapeamento da produção
sobre esta no âmbito acadêmico. Por fim, destaca-se o percurso de
definição do problema de pesquisa e objetivos estabelecidos.
No segundo capítulo, apresentamos o percurso teórico-
metodológico que orientou a pesquisa. Assim, discorre-se sobre as
contribuições de Thompson para compreender os processos de formação
político-ideológica, isto é, formação social humana de sujeitos que
fazem parte do MST. Ainda, neste capítulo, traçamos a trajetória
metodológica da pesquisa, explicitando-se a estratégia utilizada para a
análise dos dados obtidos nos documentos, observações participantes e
entrevistas semiestruturadas, bem como as principais características do
universo da pesquisa e dos sujeitos dela participantes, apontando
também, os cuidados éticos que foram observados.
No terceiro capítulo, inicialmente tratamos, a partir de diferentes
autores, acerca da compreensão e conceituação dos movimentos sociais,
esclarecendo que se trata de um campo muito amplo e que, nesse
sentido, não adotamos nenhuma abordagem teórica em específico, mas
nos valemos de elementos e reflexões de diversas delas. Na sequência,
apresentamos a trajetória histórica do MST no Brasil, contextualizando-
o no âmbito dos movimentos sociais, e destacamos as perspectivas
político-ideológicas que permeiam a formação de base militante
promovida por este movimento, evidenciando dessa forma as práticas
educativas que orientam a sua organização política e social, tendo em
vista a continuidade e fortalecimento da luta pela terra e reforma agrária.
Em diálogo com estas questões refletimos sobre os dados empíricos
obtidos através dos documentos recolhidos junto ao MST, observações
realizadas no campo de pesquisa e entrevistas realizadas com assentados
e lideranças.
No quarto capítulo, apresentamos outras reflexões apoiando-se de
modo mais significativo nas falas dos entrevistados, com a
intencionalidade de compreender os sentidos e significados da formação
político-ideológica no agir cotidiano deles. As análises são elaboradas
38

no sentido de reconhecer a relação estabelecida entre a militância e o


MST. Destacamos, nesta relação, se os interesses elencados nas
entrevistas apresentam consonância com os interesses disseminados pelo
próprio Movimento e se os militantes (sujeitos sociais) têm a pretensão
de dar continuidade à luta pela reforma agrária. Identificadas as formas
de inserção destes sujeitos no MST, buscamos compreender sobre os
processos de formação político-ideológica experienciado, de modo
comum por eles, em torno da consciência de classe e dos impasses
vividos na trajetória de luta do Movimento.
O último capítulo, intitulado considerações finais, traz os
principais resultados da pesquisa, ponderando sobre a dinamicidade da
própria pesquisa e do Movimento que ela investigou, o que requer dizer
que as discussões não podem ser fechadas e nem findadas, ao passo que
o MST também está em constante “vir a ser”.
39

2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA DA PESQUISA

Neste segundo capítulo, apresentamos o percurso teórico-


metodológico que orientou a pesquisa. Assim, discorremos sobre as
contribuições de Thompson para compreender os processos de formação
político-ideológica, enfim, a formação social humana de sujeitos que
fazem parte do MST. Ainda, neste capítulo, traçamos a trajetória
metodológica da pesquisa, apresentando o método, etapas e técnicas
assim como o universo do estudo e a caracterização da amostra dos
sujeitos participantes dele. Descrevemos os aspectos éticos que foram
observados e as categorias analíticas utilizadas e os procedimentos de
análise dos dados.

2.1 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

Em termos epistemológicos, a pesquisa está fundamentada na


perspectiva teórico metodológica do materialismo histórico e cultural
concebido por Edward Palmer Thompson (1981; 1987; 1997). A
abordagem escolhida se justifica pelo pressuposto de que o processo de
formação político-ideológica experienciada pelos sujeitos sociais que
constituem o Assentamento Dom José Gomes está associado a uma
experiência de formação social humana mais ampla permeada por
aspectos históricos, sociais, políticos e pedagógicos orientados pelo
MST, caracterizados pelo que o autor compreende como materialidade
histórica e social.
Embora a acessibilidade à leitura de seus escritos seja ampla em
traduções brasileiras, buscaremos através do diálogo entre Thompson e
outros autores brasileiros contemporâneos7, aprofundar o debate. A
perspectiva epistemológica abordada justifica-se em sentido e ação, pois
considera as relações e lutas de classe como agir humano na história.
A escolha pela vertente thompsoniana parte do entendimento de
que sua produção nos auxilia a indagar alguns fenômenos educacionais
não formais do MST, bem como refletir sobre eles, a partir de suas

7
Dentre os autores abordados, encontram-se principalmente historiadores e pesquisadores da
educação, a saber: Célia Regina Vendramini (1992; 1998; 1999; 2004; 2012), Sidnei José
Munhoz (2012) e Ricardo Gaspar Müller (2012).
40

contribuições, visando à compreensão deste movimento, que é


extremamente contemporâneo. Os estudos deste historiador inglês
apresentam alguns conceitos-chave para se pensar a luta de classes, que
combinados com dados empíricos, possibilitam-nos responder questões
elencadas durante o percurso metodológico e de análise da presente
pesquisa.
Pela perspectiva teórica de Thompson, orientamo-nos a partir da
categoria experiência para compreender a atuação de sujeitos na história.
Esta perspectiva teórica nos permite também discutir o conceito de
classe social, na medida em que possibilita observar o resultado de
experiências comuns que podem contribuir na formação de sujeitos
sociais que se opõem aos interesses capitalistas hegemônicos. Para o
autor, assim como a classe, a consciência de classe se faz no processo,
pois, como afirma este historiador “[...] a consciência de classe surge
[...] em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma
forma.” (THOMPSON, 1987, p. 10). O olhar de Thompson, nesse
sentido, remete-nos à retomada de uma tradição muito cara ao
pensamento social crítico moderno, pois os sujeitos “se educam” e se
formam em diferentes esferas sociais, seja na comunidade, na família ou
no mundo do trabalho.
Assim, a experiência desempenha um papel mediador entre a
consciência e o ser social. No interior dela se elabora um espaço de ação
e se constitui um sujeito de experiência, o que ocorre através do tempo.
Por isso, o sujeito da experiência é um sujeito capaz de narrativas, que
se apresentam “[...] como forma de apreensão da realidade a partir de
elementos dela própria.” (VENDRAMINI, 2012, p. 127). Enfim,
tomando a categoria experiência como central, neste processo de
análise, apreendemos que, por meio de experiências, homens e mulheres
se organizam e tomam consciência social, isto é, é na ação concreta
destes sujeitos no percurso de sua história é que eles formam
consciência. Assim, escolher Thompson enquanto fundamento teórico-
metodológico significa voltar-se às situações reais da vida humana,
olhar para os contextos históricos, levando em conta a trajetória de
sujeitos sociais específicos que historicamente foram excluídos e
subalternizados. Dessa forma, ao buscarmos analisar a relação entre
formação político-ideológica e práticas educativas não formais no
processo de conquista pela terra e organização atual do Assentamento
Dom José Gomes, estaremos identificando as experiências de
camponeses que organizados coletivamente em um movimento social
41

buscam questionar e mudar estruturas econômicas, culturais e políticas


excludentes.
Nesse sentido, tendo como foco central os processos de formação
político-ideológica de assentados do MST, constituídos a partir de
experiências propiciadas por práticas educativas não formais, a categoria
experiência se articula aos processos de formação e de tomada de
consciência de classe dos sujeitos investigados.
Em sentido-ação, tempo-espaço, Thompson contribui muito para
esta pesquisa, pois sua corrente de pensamento nos ensina a promover o
diálogo entre teoria e empiria, numa relação pensada e trabalhada
dialeticamente. Nessa direção, o autor procura promover o retorno de
sujeitos concretos e influentes, ou seja, de sujeitos que fazem parte de
uma história, que experimentam situações e relações determinadas por
interesses e objetivos de um projeto coletivo, constituído a partir da
necessidade e consciência de mudar sua condição social, econômica e
cultural,

[...] não como sujeitos autônomos, indivíduos


livres, mas como pessoas que experimentam suas
situações e relações produtivas determinadas
como necessidades e interesses e como
antagonismos, e em seguida tratam essa
experiência em sua consciência e sua cultura [...]
das mais complexas maneiras e em seguida agem,
por sua vez, sobre sua situação determinada.
(THOMPSON, 1981, p. 182).

A principal contribuição deste autor, em nossa pesquisa,


relaciona-se com as reflexões que são fundamentais para se discutir
sobre a consciência de classe. Decorrente deste conceito, este historiador
de vertente marxista heterodoxa defende que a categoria experiência é
crucial para compreendermos a relação entre pensamento e realidade.
Segundo Vendramini (2012), “Há, portanto, uma íntima relação entre o
pensamento e a realidade. A experiência surge espontaneamente no ser
social, mas não surge sem pensamento. Surge porque os homens são
racionais e refletem sobre o que acontece a eles e ao mundo.” (p. 128).
Thompson (1981) nos aponta que devemos considerar o contexto
no qual os sujeitos produzem sua consciência de classe a fim de
entender as ações empreendidas por eles. Se a classe social é resultado
de experiências comuns que podem levar à formação de identidades
42

coletivas que se opõem aos interesses da classe dominante, tal


perspectiva teórica nos “[...] propõe novas questões e proporciona
grande parte do material sobre o qual se desenvolvem [ou ao menos,
podem se desenvolver] os exercícios intelectuais mais elaborados.” (p.
16), no campo da presente pesquisa.
Sobre o pressuposto de que a experiência é gerada na vida
material, Thompson (1981) afirma que: “[...] as pessoas experimentam
suas experiências não só com idéias, mas também com sentimentos.
Lidam com este sentimento na cultura, como normas, obrigações
familiares e de parentesco, reciprocidades como valores ou arte, ou nas
convicções religiosas [...]” (p. 189), o que nos leva crer que as
experiências humanas explicam em grande parte, as mudanças
históricas, “[...] é a experiência (muitas vezes a experiência de classe)
que dá cor à cultura, aos valores e aos pensamentos [...]” (p. 182).
A discussão sobre classe, segundo Thompson (1997), permite-nos
discordar e relativizar sobre a ideia de que a classe é apenas uma
determinação das infraestruturas, por exemplo, à medida que, na visão
deste autor, ela deve ser entendida na relação contraditória e dialética,
como um processo histórico e não como apenas parte de uma estrutura
social. Na visão de Thompson, o conceito de classe operária não pode
ser compreendida apenas através das relações econômicas e os meios de
produção, pois dessa forma não seria possível identificar a classe em sua
amplitude e singularidade. Para o autor, “A classe acontece quando
alguns homens, como resultados de experiências comuns (herdadas ou
partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si,
e contra outros homens, cujos interesses diferem (e geralmente se
opõem) dos seus.” (THOMPSON, 1997, p. 10).
Nesse sentido, a compreensão de classe deste pensador é uma
construção que se dá através de pesquisas empíricas e mediante
observações de experiências concretas em contextos históricos reais:

[...] se examinarmos esses homens durante um


período adequado de mudanças sociais,
observaremos padrões em suas relações, suas
idéias e instituições. A classe é definida pelos
homens enquanto vivem a sua própria história e,
ao final, esta é a única definição. [...] Pois estou
convencido de que não podemos entender a classe
a menos que a vejamos como uma formação
social e cultural, surgindo de processos que só
43

podem ser estudados quando eles mesmos operam


durante um considerável período histórico.
(THOMPSON, 1997, p. 12).

A perspectiva teórica de Thompson nos permite, portanto,


compreender através das categorias (experiência, classe e consciência de
classe) os processos de formação política e práticas educativas que
demarcam as experiências de determinados grupos e classes sociais,
como o caso dos movimentos sociais e, mais especificamente, do MST.
A concepção de classe e consciência de classe, interpretada por
Vendramini (2012), “[...] vão formando-se juntas na experiência: é uma
formação imanente.” (p. 130).
Esta perspectiva teórica não ignora, portanto, a existência de uma
realidade objetiva, que existe independentemente da vontade dos
sujeitos. Por isso, Vendramini (2004, p. 35), afirma que “[...] estudar a
experiência significa estudar o processo social que a engendra, com suas
tradições passadas, levando-se em conta o contexto, a vida material,
bem como, suas perspectivas futuras, o vir-a-ser.” (p. 35).
A experiência é um conceito central para discutir o sentido da
formação política dos militantes do MST, pois revela as contradições
vivenciadas por estes sujeitos nas relações de produção, por exemplo, na
medida em que são tais contradições vivenciadas em sua experiência de
classe que permitem a consciência de classe, como forma de tratar essa
experiência a partir da organização política, sistemas de valores e ideias,
logo,

[...] a experiência de classe é determinada, em


grande medida, pelas relações de produção [...]. A
consciência de classe é a forma como essas
experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores,
ideias e formas institucionais. Se a experiência
aparece como determinada, o mesmo não ocorre
com a consciência de classe. (THOMPSON, 1987,
p. 10).

Diante das reflexões expostas, reafirmamos as importantes


contribuições de Thompson para analisarmos a relação entre formação
político-ideológica e práticas educativas não formais no processo de
conquista pela terra e organização atual do Assentamento Dom José
44

Gomes. Nesse sentido, ao delimitarmos como universo de pesquisa um


assentamento do MST, conseguimos elencar elementos que foram
significativos para analisar experiências configuradas dialeticamente em
torno de situações vivenciadas coletivamente, no que se refere à:
identificação e caracterização de aspectos da formação político-
ideológica do MST que orientaram o processo de conquista pela terra e
orientam atualmente a organização do Assentamento; existência de
práticas educativas não formais experienciadas pelos sujeitos
investigados no assentamento e fora dele; bem como, situações e
experiências da vida cotidiana dos sujeitos sociais que expressem
elementos da formação política do MST e em que medida contribuem
com o processo de transformação social e política das condições de vida
dos assentados.

2.2 CAMINHOS E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Definir caminhos a serem percorridos em uma pesquisa nem


sempre é uma tarefa fácil, pois nossas escolhas são decisões que não
sabemos ao certo se darão conta de responder as nossas inquietações. Na
trajetória de definição da problemática e procedimentos metodológicos,
o projeto inicial de pesquisa apresentado para acessar o PPGE passou
por vários processos de construção e desconstrução inerentes a
pesquisas que envolvem problemáticas de cunho qualitativo. O processo
de elaboração do projeto colocou-me diante de inúmeros conflitos
internos, entretanto, as perguntas e questionamentos ganharam corpo e
ao passo que a trajetória de construção dele foi se constituindo a
temática se tornou mais densa e tomou novos rumos.
Minhas preocupações acerca da escolha do método foram
impulsionadas em diálogo com o filósofo Gamboa, conforme exposto na
introdução desta dissertação. A pretensão didática do debate proposto
foi problematizar os diferentes métodos de pesquisa no âmbito
educacional. Em diferentes momentos, este cientista reforça o apelo aos
estudantes, professores, pesquisadores e gestores da área da educação,
sobre a importância de pensar e refletir dialeticamente sobre os
problemas de pesquisa em educação. Em síntese, as tensões a que fomos
provocados nos fazem pensar criticamente sobre este vasto campo do
conhecimento, visto haver cada vez mais pesquisas descontextualizadas,
45

que não necessariamente abarcam as problemáticas sociais existentes em


nossa sociedade.

2.2.1 Caracterização da pesquisa e categorias analíticas

Considerando a natureza do problema a ser investigado, Minayo


(2007) aponta que definir uma metodologia é escolher um caminho que
tem a pretensão de chegar ao fim proposto pela pesquisa. Diante disso, a
escolha pelo método qualitativo se apresentou mais pertinente para
alcançar os objetivos propostos, visto que a presente pesquisa buscou
analisar aspectos da realidade de um determinado grupo social que não
precisa, necessariamente, ser quantificado. Segundo Minayo (2010), o
processo de trabalho científico em pesquisa qualitativa divide-se em três
etapas: a) fase exploratória; b) trabalho de campo; e c) análise e
tratamento do material empírico e documental, sendo que todas elas
estão intrinsecamente relacionadas em uma pesquisa desta natureza, pois
cada etapa gera novas indagações que se solidificam e se
complementam.
Sendo assim, a presente investigação caracteriza-se como uma
abordagem qualitativa/descritiva, tendo como etapas uma pesquisa
exploratória e uma descritiva. Para Gil (2010), a pesquisa descritiva tem
como objetivo a descrição das características de determinada população.
Podem ser elaboradas também com a finalidade de identificar possíveis
relações entre variáveis e estudar as características de um grupo, como
idade, sexo, nível de escolaridade etc.

A pesquisa descritiva estuda fatos e fenômenos


físicos e humanos sem que o pesquisador interfira,
utilizando técnicas de observação, registro, análise
e correlação de fatos sem manipulá-los. É uma
modalidade utilizada principalmente pelas
ciências humanas e sociais. Cervo menciona as
seguintes subdivisões da pesquisa descritiva: a)
estudos exploratórios; b) estudos descritivos; c)
estudo de caso; d) pesquisa de opinião; e)
pesquisa documental. (DMITRUK, 2004, p. 73).
46

Minayo (1996) aponta três finalidades para a etapa de análise de


uma pesquisa descritiva: “[...] estabelecer uma compreensão dos dados
coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder
às questões formuladas, ampliar o conhecimento sobre o assunto
pesquisado, articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte.” (p.
69).
Esta pesquisa se caracteriza também como Estudo de Caso, pois
como ferramenta de investigação científica “[...] é utilizada para
compreender processos na complexidade social nas quais estes se
manifestam: seja em situações problemáticas, para análise dos
obstáculos, seja em situações bem-sucedidas, para avaliação de modelos
exemplares.” (YIN, 2001, p. 21). A metodologia pressupõe, em alguns
casos, “[...] a existência de uma teoria prévia, que será testada no
decorrer da investigação, e admite em outros casos a construção de uma
teoria a partir dos achados da pesquisa.” (YIN, 2001, p. 49).
Tendo em vista uma compreensão mais ampla do objeto, definiu-
se como teoria prévia ou fundamentação epistemológica, a abordagem
de Thompson e elencadas categorias que orientaram a análise e
contribuíram com as reflexões epistêmicas propostas nesta pesquisa,
entre as quais se destacam como centrais as já elencadas anteriormente:
Classe social; Experiência e Consciência de Classe. De acordo com
Minayo (2010) estas são categorias teóricas, que se constituem como
“[...] aquelas que retêm historicamente as relações sociais fundamentais
e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto nos
seus aspectos gerais. Elas mesmas comportam vários graus de abstração,
generalização e de aproximação.” (p. 94).
Considerando a importância de cada conceito para a análise de
um objeto, eles foram explorados criteriosamente a partir de revisão
teórica e bibliográfica tendo em vista que “Todo conceito é
historicamente construído […] nas ciências sociais, se preconiza que
sejam analisados em sua origem e percurso de forma crítica.”
(MINAYO, 2010, p. 177). Assim, ainda segundo esta pensadora, toda
teoria contribui para construção do conhecimento, quando pensada de
forma crítica, pois permite enxergar o objeto de dentro para fora, ou
seja, a partir da realidade investigada.
A definição do problema de pesquisa e das categorias de análise
correspondentes e relevantes para a investigação são fundamentais em
uma pesquisa de natureza qualitativa, visto que as categorias orientam as
47

diferentes etapas e dimensões que envolvem um processo de


investigação.
Em uma etapa exploratória, levando em consideração a revisão
bibliográfica realizada, delimitamos as categorias operacionais que,
segundo Minayo (2010), “[...] são construídas com finalidade de
aproximação ao objeto de pesquisa (na sua fase empírica), devendo ser
apropriadas ou construídas com finalidade de permitir a observação e o
trabalho de campo.” (p. 179). Assim, como uma primeira aproximação
ao objeto de investigação, definiu-se como categorias operacionais:
MST, processo de formação político-ideológica e práticas educativas
não formais.
Ainda em termos de formulação de categorias de análise, por se
tratar de uma pesquisa que envolveu incursão no campo de investigação,
as categorias empíricas cumprem sua finalidade de aproximação ao
objeto de pesquisa, a partir de um duplo movimento, pois expressam as
classificações que os atores sociais de determinada realidade constroem
e ao mesmo tempo são elaborações do investigador, que mediante a
aproximação ao objeto pesquisado as apreende, explora e interpreta.
Nesse sentido, Minayo (2010) afirma que as categorias empíricas se
constituem em

[...] classificações com dupla forma de


elaboração: são antes de tudo, expressões
classificatórias que os atores sociais de
determinada realidade constroem e lhes permitem
dar sentido a sua vida, suas relações e suas
aspirações. Portanto, emanam da realidade. Por
outro lado, são elaborações do investigador, é a
sua sensibilidade e acuidade que lhe permitem
compreendê-las e valorizá-las, à medida que vai
desvendando a lógica interna do grupo (objeto)
pesquisado e descobre essas expressões, as
explora e sobre elas criam construtos de segunda
ordem. (p. 179).

A incursão no campo, por meio dos procedimentos adotados,


permitiu-nos identificar as seguintes categorias empíricas: sonho, luta e
conquista da terra, formação, práticas educativas. Do ponto de vista da
abordagem metodológica, esta pesquisa tomou como um dos eixos
principais a aproximação com e inserção na realidade a partir do
48

“trabalho de campo”. De acordo com Minayo (2010), a pesquisa de


campo na pesquisa qualitativa é “[...] o recorte espacial que diz respeito
à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente
ao objeto de investigação.” (p. 201-203). O trabalho de campo se
constitui numa etapa fundamental da pesquisa qualitativa, que prevê
uma interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados, isto é, a
consideração de certos vínculos sociais e experiências intersubjetivas
(MINAYO, 2010). Sendo assim, o trabalho de campo esteve constituído
por diferentes etapas e técnicas de coleta de dados, que serão descritos
no item 2.4.

2.3 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA

Em setembro de 2014, após a qualificação do projeto de pesquisa,


submetemos o então projeto da presente pesquisa ao Comitê de Ética
(CEP) da Unochapecó a fim de obtermos a aprovação para sua
execução. Durante o percurso de tramitação no CEP, deparamo-nos com
um obstáculo burocrático e de entendimento que nos impediu de realizar
a pesquisa de campo dentro do prazo pretendido e apresentado no
cronograma inicial.
Este entrave se estabeleceu com base no entendimento do CEP de
que dever-se-ia anexar a declaração de ciência e concordância do
representante de um órgão que respondesse legalmente pelo espaço onde
a pesquisa seria realizada, o Assentamento Dom José Gomes (ADJG), o
que não existe, pois o ADJG não é uma instituição. O projeto foi
aprovado quando a pesquisadora declarou ao Comitê que apresentaria
individualmente os seguintes documentos de cada sujeito entrevistado
na pesquisa, a saber: Termo de consentimento livre e esclarecido
(Apêndice I), Termo de consentimento para uso de voz e imagem
(Apêndice II) e Termo de compromisso para uso de dados em arquivo
(Apêndice III).
Após este processo, considerando os aspectos éticos que
envolvem a pesquisa com seres humanos, conforme Resolução CNS nº
466/2012, o presente projeto foi aprovado de acordo com o Parecer
Consubstanciado de número 167/14 (Anexo I). De posse desta
aprovação, iniciou-se a pesquisa de campo no interior do Assentamento,
sendo o projeto apresentado a cada entrevistado e solicitada sua
49

permissão para realização das entrevistas. Cada um deles assinou os


referidos termos em duas vias, ficando uma com a pesquisadora e outra
com o entrevistado.

2.4 ETAPAS DA PESQUISA E TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS

2.4.1 1ª etapa: pesquisa exploratória

Em um primeiro momento, a problemática desta pesquisa foi


tratada de maneira exploratória, na medida em que este estudo se
constitui como segundo trabalho acadêmico realizado sobre o
Assentamento Dom José Gomes. Considerando essa particularidade, a
pesquisadora em uma primeira etapa, buscou inserir-se no universo de
pesquisa com a intenção de familiarizar-se e aproximar-se dos sujeitos
investigados, caracterizando o primeiro percurso metodológico.
O objetivo de uma pesquisa exploratória é familiarizar-se com
um assunto ainda pouco conhecido, pouco explorado. Ao final da
pesquisa exploratória, tínhamos mais elementos para construir novas
hipóteses de investigação. A pesquisa exploratória depende da intuição
do investigador. Por ser um tipo de pesquisa muito específica, quase
sempre ela assume a forma de um estudo de caso (GIL, 2008).
Nesta etapa, foi realizado um reconhecimento e mapeamento do
Assentamento tendo em vista o conhecimento do universo em seus
diferentes aspectos estruturais, organizacionais e sociais. Foram
mapeados dados sobre número de famílias e composições familiares,
atividades produtivas desenvolvidas, espaços de lazer, sociabilidade,
formação. Os aspectos elencados foram adensados em etapas posteriores
durante a realização das entrevistas e observação participante.
Esse reconhecimento foi fundamental para a produção descritiva
das características e aspectos que caracterizam o universo investigado. A
partir desta primeira aproximação foi possível definir uma amostra dos
sujeitos (assentados) que participariam da entrevista semiestruturada,
definidos então, pelas variáveis: gênero, faixa etária, escolaridade,
função/profissão. Além das variáveis elencadas, tomamos como critério
ético de inclusão somente entrevistados acima de 18 anos. Como
50

critérios de exclusão, ficaram fora da amostra, portanto, crianças e


adolescentes e, também por critérios éticos, idosos em estado de
enfermidade grave, como acamados. Somente foram entrevistados os
sujeitos que concordaram e consentiram em participar da pesquisa,
conforme preconiza as normas éticas de pesquisa com seres humanos.
Ainda neta primeira etapa, a pesquisa em fontes bibliográficas e
documentais precedeu a ida a campo e foi recorrente em todo o processo
de investigação e análise dos dados obtidos na pesquisa empírica. A
pesquisa bibliográfica e documental no processo de pesquisa, segundo
Minayo (2010), constitui a primeira tarefa do investigador, pois à
medida que o objeto é definido se procede a uma ampla pesquisa
bibliográfica, capaz de projetar luz e permitir melhor ordenação e
compreensão da realidade empírica.
Segundo Dmitruk (2004), a pesquisa bibliográfica envolve
levantamento de informações sobre temas e abordagens já trabalhados
por outros pesquisadores, avaliando as contribuições teóricas sobre o
problema e a temática de interesse. Sua prática permite desenvolver as
competências e posturas indispensáveis para a revisão, interpretação e
crítica do conhecimento científico acumulado e também geração de
novas proposições. Nesse sentido, valemo-nos principalmente de
estudos que abordam a problemática em questão.
Os objetivos desta investigação foram atendidos também
mediante análise de documentos produzidos pelo MST na interlocução
com as atividades de formação política no Assentamento Dom José
Gomes. Esta pesquisa documental foi de grande importância, pois nos
permitiu identificar informações em materiais utilizados em trabalhos de
base nos processos de formação político-ideológica do MST. Segundo,
Lüdke e André (1986), a pesquisa documental contribuiu para a
contextualização do fenômeno estudado, para explicitar suas
vinculações mais profundas e completar as informações obtidas através
das outras fontes. Contudo, Cellard (2008) adverte que os pesquisadores
devem

[...] superar vários obstáculos e desconfiar de


várias armadilhas [...]. Em primeiro lugar, ele
deve localizar os textos pertinentes e avaliar a sua
credibilidade, assim como a sua
representatividade. [...] com o objetivo de
constituir um corpus satisfatório, esgotar todas as
51

pistas capazes de lhe fornecer informações


interessantes. (p. 298).

Nesse sentido, a pesquisa documental neste estudo tornou-se um


recurso indispensável, pois se entende que as fontes escritas são
complementares ao trabalho de investigação empírica. A análise dos
materiais de formação produzidos pelo MST, por serem públicos, foram
analisados e sistematizados em período anterior à pesquisa de campo,
resultando em artigo apresentado no IV Colóquio Internacional de
Educação (Educação, diversidade e ação pedagógica) / I Seminário de
“Estratégias e ações multidisciplinares” (Projeto Unoesc/Programa
Observatório da Educação – CAPES), promovidos pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade do Oeste de Santa
Catarina (UNOESC)8.
Como parte da pesquisa documental analisamos fontes primárias
(cartilhas, livros, jornais, boletins etc.) produzidas pelo MST estadual e
nacional, publicadas entre 1993 e 2014, que apresentam temas que
tratam direta ou indiretamente sobre a formação político-ideológica
voltada aos militantes.
Nesta investigação documental, não foram priorizados nenhum
tipo de documento, já que a produção é muito vasta, o que possibilitou
compartilhar as mais diversas fontes de produção gráfica
disponibilizadas pelo MST. Ao longo deste processo, além dos livros,
artigos, projetos e fotografias9, tanto de produções externas, ou seja,
materiais de diferentes pesquisadores e pensadores do tema, bem como,
fontes produzidas pelo MST de livre acesso, foram informações
importantíssimas para a realização de uma análise atenta de elementos
que caracterizam os princípios e fundamentos que orientam a formação
político-ideológica deste movimento.
De posse de aportes bibliográficos e documentais, coube ao
pesquisador buscar empiricamente informações que o possibilitassem
ampliar suas fontes de dados, tendo em vista os objetivos elencados.

8
Trabalho disponível em:
<http://editora.unoesc.edu.br/index.php/coloquiointernacional/issue/current/showToc>. Acesso
em: 07 jun. 2015.
9
Fotografias disponibilizadas pelo assentamento em questão, pelo Centro de Memória do
Oeste de Santa Catarina (CEOM) da UNOCHAPECÓ.
52

2.4.2 2ª etapa: pesquisa de campo

Durante todo trabalho de campo, que aconteceu de julho de 2014


a maio de 2015 (no período anterior à aprovação do CEP como pré-
campo e após como pesquisa de campo), foram realizados momentos de
observação e conversas informais acerca do funcionamento e dinâmicas
formativas desenvolvidas no interior do Assentamento Dom José
Gomes, a fim de reconhecer os principais espaços utilizados para
processos formativos de inserções e interações coletivas, como por
exemplo: oficinas práticas, momentos de formação técnica, cursos,
fóruns, encontros (municipais, estaduais), assembleias etc.
Na pesquisa de campo, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas e observação participante. As entrevistas foram
realizadas com 15 moradores do Assentamento, sendo que os sujeitos de
pesquisa foram definidos de forma aleatória com base nos critérios:
tempo de inserção no movimento (do mais antigo ao mais recente),
diferentes gêneros, faixas etárias, escolaridade e profissões. Cabe
esclarecer que buscou-se entrevistar 15 assentados que compilaram o
total da amostra, que foram abordados aleatoriamente, conforme
disponibilidade e interesse em participar da pesquisa. Ao total de
entrevistas pretendidas pela pesquisadora, foram encerradas as
abordagens. Além destas entrevistas, foram entrevistados três lideranças
estaduais e uma liderança nacional do MST.
As entrevistas foram norteadas por um roteiro com questões
abertas, de modo a permitir que novas questões fossem acrescidas
visando maior abrangência e enriquecimento da investigação. Assim, foi
definido o roteiro da entrevista com os assentados (Apêndice IV) e o
roteiro de entrevista com as lideranças do MST (Apêndice V).
De acordo com Minayo (2011, p. 201-203), a pesquisa de campo
na pesquisa qualitativa é “[...] o recorte espacial que diz respeito à
abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao
objeto de investigação.”. O trabalho de campo é uma das etapas
fundamentais da pesquisa qualitativa, pois “[...] prevê uma interação
entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados, isto é, a consideração de
certos vínculos sociais e experiências intersubjetivas.” (MINAYO, 2010
p. 202).
As questões abertas possibilitaram aos sujeitos da pesquisa
dialogar dialeticamente com o sujeito pesquisador, de modo que ambos
53

tivessem sensibilidade e reciprocidade um para com o outro. Neste


sentido, concordamos com Bourdieu (2001), quando ele escreve que a

Entrevista pode ser vista como uma forma de


exercício espiritual, visando a obter, pelo
esquecimento de si, uma verdadeira conversão do
olhar que lançamos sobre os outros nas
circunstâncias comuns da vida. A disposição
acolhedora que inclina a fazer seus os problemas
do pesquisado, a aptidão a aceitá-lo e a
compreendê-lo tal como ele é, na sua necessidade
singular é uma espécie de amor intelectual. (p.
704).

Durante esse percurso, os sujeitos da pesquisa puderam discursar


sobre suas trajetórias, experiências e vivências no MST e no
assentamento, falar sobre as relações de trabalho e processos de
formação político-ideológica, bem como, relatar sobre suas perspectivas
contra hegemônicas frente ao sistema capitalista.
Os objetivos da pesquisa foram contemplados também através da
participação da pesquisadora em reuniões, capacitações, espaços de
formação, eventos e demais atividades que envolveram os moradores do
assentamento e demais militantes do MST. A participação em atividades
internas do assentamento e organizadas pelo movimento ocorreu
mediante concordância dos sujeitos investigados. A pesquisadora
também participou no decorrer da pesquisa, de eventos abertos ao
público relacionados ao movimento.
Outro recurso utilizado para a aproximação da pesquisadora à
temática abordada, foi a observação participante em atividades de
formação diversas, como: formação de militantes e formação técnica,
debates, assembleias, reuniões, que foram desenvolvidas no segundo
semestre de 2014 e primeiro semestre de 2015, como referido. Das
atividades acompanhadas, destacamos: II Seminário de
Desenvolvimento Territorial e Agricultura Familiar, realizado na cidade
de Chapecó, no dia 18 de julho de 2014, pela Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), Centro de
Pesquisa para Agricultura Familiar (CEPAF), Centro de Treinamento de
Chapecó (CETREC) e Atividades Não Agrícolas e Auto Abastecimento
(ANAA); Encontro de Formação para Educadores e Educadoras do
Campo – MST, na cidade de Fraiburgo, realizado pelo MST estadual,
54

nos dias 7 e 8 de agosto de 2014; Curso de Movimentos Sociais


Camponeses e Agricultura Familiar, realizado em Chapecó pela
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), no dia 17 de setembro de
2014; reunião da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
(ITCP) da Unochapecó para discussão do projeto Fortalecimento da
Economia Solidária no Território Oeste de Santa Catarina, que agrega o
Assentamento Dom José Gomes (ADJG), realizada em Chapecó, no dia
11 de março de 2015; atividade de abertura da 12ª Festa da Colheita do
Arroz Agroecológico, dos assentamentos Integração Gaúcha e Lanceiros
Negros, em Eldorado do Sul, região metropolitana de Porto Alegre, no
dia 20 de março de 2015; reuniões de acompanhamento coordenadas
pela ITCP com o Grupo Costurando Sonhos, do ADJG, nos dias 1º e 22
de abril e 6 de maio de 2015; Ciclo de debates 51 anos da Ditadura
Militar, organizado pelo Centro Acadêmico de Ciências Sociais da
UFFS, pela Diocese de Chapecó e por movimentos sociais, no qual
houve apresentação do filme Batismo de Sangue, ocorrido durante
assembleia no ADJG, no dia 06 de abril de 2015; reuniões entre ITCP e
Secretaria Estadual do MST, nos dias 23 e 28 de abril de 2015, para
apresentação do funcionamento do Sistema Integrado de Gestão Rural
de Assistência Técnica e Extensão Rural (SIGRA ATER) e para
discussão dos trabalhos desenvolvidos pela ITCP com o Grupo:
Costurando Sonhos do ADJG pela ITCP; e participação na palestra
Brasil: mídia, espetáculo e movimentos sociais (1964-2015), ocorrida no
dia 28 de abril de 2015 em Chapecó, promovida pelo Sindicato dos
Professores do Oeste de Santa Catarina (SINPROESTE) e Jornal A
Gazeta.
Becker (1999) caracteriza metodologicamente a observação
participante como método de investigação que permite ao pesquisador
observar e acompanhar os sujeitos que estão sendo estudados a fim de
analisar as situações com que se deparam normalmente e como se
comportam diante delas.
Considerando os dados empíricos obtidos através de análise
documental, entrevistas e momentos de observação participante, na
sequência apresentaremos a perspectiva que orientou a análise dos
dados.
55

2.5 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS

Os dados coletados pelas entrevistas semiestruturadas, pesquisa


documental e observação participante, foram tratados pela Análise do
Discurso (AD)10, sempre em consonância com as categorias de análise
elencadas e demais elementos teóricos pertinentes para a compreensão
da problemática investigada.
Os estudos sobre AD estão em sua grande maioria,
fundamentados nos estudos desenvolvidos por Michel Pêcheux, a partir
de reflexões teóricas realizadas por outros teóricos como, Louis
Althusser, a partir de releituras de Marx; Lacan, a partir de releituras de
Freud; e Foucault, que agrega em sua teoria, o sujeito.
Outro fator relevante a ser ressaltado em nossa abordagem, é
compreender como a AD concebe o estudo da linguagem. Nesse
sentido, Ferdinand Saussure (1995), afirma a separação entre língua e
fala, ambas componentes da linguagem, mas que se interrelacionam à
medida que a fala é condição para o desenvolvimento da língua. A
língua, como componente social da linguagem, é possível de ser objeto
de estudo científico, enquanto a fala, como ato individual, empírico, é
impossível de ser estudada cientificamente.
A partir dessa ruptura, a AD pode inscrever o sujeito em suas
reflexões sobre a língua, não como um sistema abstrato, mas levando em
conta sua materialidade; a língua no processo discursivo, lugar do
particular modo de existência histórico e social da linguagem
(MAINGUENEAU, 1993).
Diante dessa abordagem, nossas análises partem da compreensão
não daquilo que o texto ou fala diz em si, mas como ele o faz para dizer.
Embora a AD se interesse pela língua e pela gramática, seu objeto de
estudo está voltado ao discurso propriamente dito. De acordo com
Orlandi (1999, p. 15), existem três eixos que são fundamentais para a
interpretação da AD, a saber:

a) a língua enquanto sistema relativamente


autônomo no qual intervém fatores

10
Segundo Maingueneau (1993), a Análise do Discurso surgiu na década de 1960 associada a
uma tradicional prática escolar francesa: a explicação de textos. Enquanto metodologia,
privilegia a interdisciplinaridade, articulando pressupostos teóricos da Linguística, do
Materialismo Histórico e da Psicanálise.
56

extralinguísticos, tais como o sujeito e a situação,


a fim de que seja produzido o sentido;
b) o real da história é afetado pelo simbólico, isto
é, os fatos se constituem a partir das
interpretações que se produzem sobre eles;
c) o sujeito do discurso é determinado tanto pelo
inconsciente quanto pelo ideológico.

De uma maneira notória, podemos perceber que a língua é fruto


de diversas manifestações individuais e coletivas. Ao analisar o discurso
de cada indivíduo, a linguagem nos remete à interação como um modo
de ação social entre sujeitos. Importa-nos, por meio da AD,
compreender os diferentes modos de articulação e ação efetiva da
linguagem, em específico, analisar as diferentes funções linguísticas
discursivas de um movimento social em específico: o MST. Como
forma de viabilização desta análise, convém a reflexão de Mortatti
(1999):

O ofício de pesquisador é também uma atividade


especificamente humana, constituída e mediada
pela linguagem, cuja especificidade consiste na
produção de conhecimentos [...] Para essa
atividade, não basta ao pesquisador ser usuário ou
aplicador de conhecimentos disponíveis e em
circulação na sociedade e na universidade. É
preciso que ele consiga refletir sobre esses
conhecimentos, estabelecer relações, categorizar,
abstrair e articular coerentemente teoria e empiria,
como atividade que lhe propicie ser sujeito de um
discurso e seu sentido. (p. 72).

Entende-se desse modo, que a linguagem não poderá ser estudada


fora do âmbito social, visto que o processo que a constitui e seus
sentidos são histórico-sociais. “Segundo a AD a linguagem é
simultaneamente um indicador da realidade social e uma forma de criar
essa realidade. Ela defende o uso dinâmico da linguagem e é sensível a
seus efeitos [...]” (ORLANDI, 2002, p. 17). Ou seja, a linguagem é
compartilhada socialmente, sendo ela denominadora comum da ação e
interação dos discursos presentes nas práticas sociais. Essa vertente
presente na AD enfoca a linguagem em seu uso literal, concreto, como
57

sendo uma prática social que contempla a produção de sentidos dos


discursos resultantes dos processos de interação entre sujeitos.
Como a linguagem neste contexto está diretamente envolvida em
um discurso social que buscamos investigar, cabe melhor elucidá-lo.
Afinal, o discurso como forma de interação social apresenta interesses,
problemas e estratégias que dão sentido às representações identitárias
sociais. Nas palavras de Foucault (1969):

Um conjunto complexo de relações que


funcionam como regras: prescreve o que deveria
ter sido posto na relação, em uma prática
discursiva, para que essa se refira a tal ou qual
objeto, para que utilize tal ou qual conjunto, para
que organize tal ou qual estratégia. Definir, em
sua individualidade singular, um sistema de
formação, portanto, é caracterizar um discurso ou
um grupo de enunciados pela regularidade de uma
prática. (p. 122-123).

Uma das preocupações ao utilizar a AD é o fato de ser o discurso


uma prática central na construção da vida social dos grupos, não
havendo, portanto, uma interpretação absoluta dos dados a priori, pelo
contrário, os grupos, assim como seus discursos, edificam-se e se
particularizam na relação e, a partir dela, diante dos dados coletados e
sobre os quais eles se colocam, constituem seu corpus.
Embora Foucault (1969) tenha contribuído significativamente
com o método de AD, ao formular alguns de seus princípios, deixou aos
linguistas a importante tarefa de aprofundá-la. Dentre as principais
contribuições de Foucault para este campo de estudo, podemos citar: o
conceito de discurso como práticas, resultado de saberes articulados a
outras práticas não discursivas; o conceito de formação discursiva; a
distinção entre enunciação e enunciado; concepção de discurso como
jogo estratégico e polêmico, como luta; a concepção de que o discurso,
como gerador de poder, seleciona, organiza; de que ele é redistribuidor
de certos procedimentos que garantem a estabilidade de seu poder; e a
concepção de que o discurso é o espaço no qual saber e poder se
articulam.
De acordo com Maingueneau (2005), discurso é “[...] uma
dispersão de textos cujo modo de inscrição histórica permite definir
como um espaço de regularidades enunciativas.” (p. 15). Para este autor,
58

o discurso não opera sobre a realidade das coisas, mas sobre outros
discursos. Embora não haja consenso entre os vários linguistas sobre o
significado do termo discurso, há em comum entre todas as correntes o
ideário de análise não focalizada no funcionamento linguístico, e sim na
relação que o sujeito e esse funcionamento estabelecem reciprocamente.
Ou seja, o objeto de estudo de qualquer análise do discurso não se trata
tão somente da língua, mas o que há por meio dela: relações de poder,
institucionalização de identidades sociais, processos de inconsciência
ideológica, enfim, diversas manifestações humanas (MAINGUENEAU,
2005).
Nessa mesma linha de pensamento, Gill (2002) afirma que uma
análise deve ser realizada com muito cuidado, que ao realizá-la deve ser
observado o texto em seu contexto, a fim de interpretá-lo
detalhadamente em sua simbologia. Destarte, cabe compreender que
todo discurso é ideologicamente marcado não por um sujeito individual,
mas coletivo. Entre os principais objetivos da AD, está o de identificar
os processos de reprodução social do poder hegemônico através da
linguagem e suas principais bases epistemológicas. A hipótese que nos
envereda é a ideia de que nenhum indivíduo por si só é dono do seu
discurso, mais assujeitado por ele. Logo, quando um sujeito interioriza a
construção coletiva, tornando-se porta-voz daquele discurso, é
representante de um ideal.
Assim sendo, julgamos ser necessário apresentar alguns conceitos
que instrumentalizam nosso dispositivo de análise. Dentre eles, o
discurso e a ideologia são imprescindíveis para que possamos realizar a
análise pretendida.
Sabendo-se que o discurso é uma das práticas em que a ideologia
se materializa, cabe esclarecer a relação estabelecida entre discurso e
ideologia. Assim, faz-se necessário destacar os conceitos de formação
ideológica e formação discursiva.
Na compreensão de Pêcheux (1995), “[...] a instância ideológica é
determinada pela instância econômica - o ideológico é uma das formas
de reprodução, transformação da base econômica, mais precisamente
das relações de produção que compõem essa base econômica.” (p. 143).
Seria a partir desta compreensão que o autor reconheceria a
exterioridade e representação da língua. Para este autor, nesta
reprodução das relações de produção a formação ideológica acontece
inconscientemente, ou seja, ocorre na “interpelação ou assujeitamento”
59

do sujeito, no sentido de que este acredita estar expressando sua própria


vontade, ou seja, seu próprio dizer.
Foucault, sendo um dos primeiros a utilizar a expressão formação
discursiva, a emprega para questionar as condições históricas e
discursivas que constituem o saber. Para ele, a definição do conceito de
formação discursiva seria:

No caso em que se puder descrever, entre um


certo número de enunciados, semelhante sistema
de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os
tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas
temáticas, se puder definir uma regularidade (uma
ordem, correlações, posições e funcionamentos,
transformações) diremos, por convenção que se
trata de formação discursiva. (FOUCAULT, 1995,
p. 43).

No sentido amplo da AD, poderíamos afirmar então, que nas


formações ideológicas existem componentes das formações discursivas,
ou seja, que o discurso seria uma das várias manifestações do
ideológico.
É no centro desta relação (discurso e ideologia) que a AD toma
para si a noção de sujeito que se constitui na relação dinâmica entre
identidade e alteridade. Para ela, o sujeito só constrói sua identidade na
interação com o outro e no centro desta relação está o espaço discursivo
criado e entre ambos, está o texto, o qual interessa-nos observar, analisar
e melhor compreender assim a realidade.
Assim, os discursos expressos nos textos e nas falas apresentam
um enunciado de base que contém a proposta de ação do MST, os quais
nos interessa compreender e analisar. Diante destas fontes, estaremos
selecionando algumas paráfrases ditas pelos sujeitos da pesquisa. Estas
paráfrases, em nossa análise, são representativas dos momentos de
formação de base que o MST promove. Nesta etapa, daremos uma maior
atenção aos discursos correlacionados à formação político-ideológica
deste movimento social.
A fim de validar os dados coletados, buscamos relacioná-los e
confrontá-los para se responder as questões de pesquisa elencadas. Os
dados coletados são analisados considerando as categorias elencadas,
tendo em vista atingir três objetivos: ultrapassagem da incerteza – dando
respostas às perguntas; o enriquecimento da leitura – ultrapassando o
60

olhar imediato e espontâneo em busca da compreensão de significações


e pôr fim a integração das descobertas (MINAYO, 2010, p. 300).
Os dados primários de diferentes naturezas são compreendidos
como discursos de acordo com a perspectiva teórica da Escola Francesa
de Análise do Discurso, por ser esta uma abordagem que nos possibilita
ir além da análise do conteúdo. Este método nos permite perceber as
lacunas existentes entre os enunciados, que acreditamos estar carregados
de sentidos. Para tanto, valemo-nos desta abordagem teórico-
metodológica para melhor compreender os sentidos atribuídos à
produção textual do MST que foi selecionada. Pela AD também,
trataremos os dados empíricos, observados durante o trabalho de campo.
Optou-se por este procedimento devido à possibilidade que ele oferece
para interpretar e explicar o conjunto textual e oral produzido para o
trabalho de base com a militância do movimento, aqui compreendido
como formação político-ideológica, bem como, por considerar o sujeito,
a história e a ideologia numa perspectiva que articula a linguagem e o
ser social.

2.6 UNIVERSO DE PESQUISA: ASSENTAMENTO DOM JOSÉ


GOMES – CHAPECÓ (SC)11

Na noite do dia 23 de abril de 2002, mais de 200 famílias


ocuparam a fazenda Seringa, localizada na Linha Água Amarela, no
meio rural de Chapecó, propriedade de João Roman e Paulo Baldissera.
A ocupação foi fruto de um intenso trabalho de conscientização e
organização das famílias sem-terra realizado pelo MST em Chapecó e
na região. Essa luta objetivou melhorar a qualidade de vida e conquistar
direitos básicos, sonegados a uma parcela considerável de uma
sociedade historicamente subalternizada (COOPERATIVA DOS

11
As informações apresentadas neste item foram coletadas nas seguintes fontes: a) Trabalho de
Conclusão de Curso, intitulado Assentamento Dom José Gomes: uma história de luta,
organização, e conquista (CHAGAS, 2009); b) PDA - Plano de Desenvolvimento do
Assentamento Dom José Gomes, Chapecó – Santa Catarina (COOPERATIVA DOS
TRABALHADORES DA REFORMA AGRÁRIA DE SANTA CATARINA, 2009), cuja
elaboração foi feira por uma equipe multidisciplinar coordenada pela Cooperativa dos
Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina (COOPTRASC); c) informações obtidas
através de diálogos com assentados e lideranças, durante o percurso de pesquisa.
61

TRABALHADORES DA REFORMA AGRÁRIA DE SANTA


CATARINA, 2009).
Segundo Chagas (2009), o acampamento foi denominado de Dom
José Gomes por este ser um grande incentivador da luta dos
trabalhadores rurais do campo, caracterizando uma homenagem a este
bispo12 que sempre esteve comprometido com diversas organizações
populares e movimentos sociais.
A realização desta ocupação teve grande repercussão na região,
por ser uma área próxima ao perímetro urbano. Situada neste município,
a área encontra-se a 8km do centro de Chapecó e o seu acesso se dá
através da Avenida Nereu Ramos. Na figura abaixo podemos observar a
localização do Assentamento Dom José Gomes no mapa do município
de Chapecó.

12
Dom José Gomes foi um bispo católico da Diocese de Chapecó. Embora natural de Erechim,
no Rio Grande do Sul, conhecia todo o extremo-oeste catarinense, estando à frente de muitos
trabalhos ligados às questões sociais. Dom José, assim chamado pelos fiéis, acompanhou e
organizou grupos de resistência na luta pela liberdade durante todo o período da Ditadura
Militar no Brasil. Em tempos de ditadura e lutas populares, o bispo foi presidente nacional da
Comissão Pastoral da Terra (CPT), órgão da Conferência Nacional dos Bispos de Brasil
(CNBB) (UCZAI, 2002).
62

Figura 1 – Localização do Assentamento Dom José Gomes no


Município de Chapecó

Assentamento

Fonte: EPD/ATES/COOPTRASC (2009), adaptado pela autora.

As famílias tiveram apoio de entidades e demais movimentos


sociais, que os motivaram a permanecer firmes na luta, na medida em
que o período de acampamento foi árduo e as dificuldades encontradas
foram muitas. Chagas (2009), ao se referir às dificuldades e entraves
desta luta, demarca a importância que as músicas entoadas nas marchas
e manifestações tinham para o processo de luta por transformações e
direitos:

[...] milhares de famílias vão para os


acampamentos, enfrentando as dificuldades de
uma vida provisória e os preconceitos da
63

sociedade, um processo que as marca para toda a


vida. As músicas cantadas por elas nas marchas e
mobilizações reforçam a idéia de que a luta é
permanente. Mostram que é preciso lutar pela
transformação, pela mudança nas estruturas da
sociedade exploradora para que não existam mais
famílias sem a terra. As músicas fortalecem as
famílias e atuam como um “chamado” para que se
unam e lutem por seus direitos. (p. 22).

De acordo com o PDA, o período de acampamento se


caracterizou pela precariedade nas estruturas que dificultou ainda mais a
estadia neste espaço, pois para aqueles sujeitos não foi nada fácil viver
embaixo de barracos, sem energia elétrica, sem água encanada, entre
tantas outras privações.

Figura 2 – Barracos das famílias no período de acampamento ADJG

Fonte: CHAGAS (2009).

Tais condições fizeram com que muitas famílias abandonassem o


sonho da conquista da terra, pois enfrentaram um impasse da
provisoriedade e da incerteza, em que a terra ocupada poderia ou não ser
destinada à reforma agrária (COOPERATIVA DOS
64

TRABALHADORES DA REFORMA AGRÁRIA DE SANTA


CATARINA, 2009).
Referente ao documento do PDA cabe esclarecer que sua
elaboração apresenta a organização do Assentamento, desde o período
do acampamento em 2002 até a efetivação do assentamento no ano de
2008. Sua construção se deu por uma equipe técnica qualificada em
experiências de assentamentos, formada por profissionais de diferentes
áreas (Técnico Agrícola, Engenheiro Agrônomo, Assistente Social, entre
outros), responsável em estruturar as principais etapas vivenciadas neste
assentamento. De acordo com Chagas (2009),

[...] o PDA constitui-se em uma etapa do processo


de implantação do assentamento, por este motivo,
deve significar para as famílias um momento de
estímulo e incentivo ao processo contínuo de
discussão e avaliação, identificando os avanços,
fragilidades e novas possibilidades, adequando-o
as futuras necessidades e potencialidades,
redimensionamento das propostas, de acordo com
as mudanças conjunturais da realidade. (p. 28).

Após aproximadamente sete anos de acampamento, para as


famílias que persistiram na luta, o momento mais esperado se efetivou
no dia nove de setembro de 2008, quando foi definida a situação da área
com a emissão da posse pelo Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), destinando-a para fim de reforma agrária.
Com a desapropriação da Fazenda Seringa foram assentadas 30 famílias,
distribuídas na área delimitada, que iniciaram um processo de
estruturação das moradias. A partir desse contexto, os assentados
passaram a desenvolver suas atividades produtivas por meio do cultivo
agrícola, o que possibilitou gerar o sustento das famílias assentadas
(CHAGAS, 2009).
Em relação à organização e estrutura atual do Assentamento Dom
José Gomes, foram assentadas efetivamente 30 famílias, distribuídas em
três núcleos compostos por 10 famílias. Atualmente, residem no
assentamento 32 famílias Das 32 famílias, 30 estão em situação já
regular, “[...] uma família permanece apenas residindo na área ainda de
forma provisória, aguardando definição da justiça (antigo caseiro da
fazenda); a outra está fora dos núcleos e não se enquadra nos critérios
pré-estabelecidos e por isso não foi contemplada com o assentamento.”
65

(CHAGAS, 2009, p. 24). Estas famílias se organizam internamente e se


reúnem estrategicamente para planejar as atividades do assentamento,
elementos os quais buscaremos aprofundar no contexto desta pesquisa.
Cabe ressaltar, que durante o percurso de acampamento, várias
famílias foram redirecionadas a outros espaços de organização do MST,
muitos em processo de regularização de terras e outros já deliberados
para reforma agrária. Em conversas informais com a autora Chagas, ela
relembrou que, durante o percurso de realização de sua pesquisa, várias
famílias foram para outros assentamentos, como Água Doce, Passos
Maia, Abelardo Luz, Campos Novos e Campo Erê, pois a ocupação
perdurava há mais de sete anos, caracterizando, um longo período de
dificuldades e precariedade para aqueles sujeitos que permaneciam
acampados em Chapecó. “Enquanto não se definia a situação desta área
em Chapecó, eram emitidas outras áreas [...] a decisão de encaminhar
algumas famílias para outros espaços, era decidida pelo critério: tempo
de acampamento”13, ou seja, priorizavam-se as famílias que estavam há
mais tempo acampadas, seja neste ou em qualquer outro espaço de
acampamento.
Atualmente, o PDA está em avaliação, sendo que sua revisão dar-
se-á de acordo com a organização atual do assentamento. Sua conjuntura
vem sendo discutida desde 2014 pela equipe técnica da Cooperativa dos
Trabalhadores da Reforma Agrária de Santa Catarina (COOPTRASC),
lideranças locais assentadas e parceiros. Através de sua reelaboração,
pretendem-se discutir alguns entraves apresentados pelas famílias do
assentamento que não estão de acordo com as decisões tomadas no
primeiro momento de elaboração do PDA.
Um dos objetivos em rediscutir o PDA também se deve a um
novo Sistema Integrado de Gestão Rural de Assistência Técnica e
Extensão Rural (SIGRA ATER). O sistema foi criado para atender as
famílias assentadas, reunindo dados que visa à qualificação do
atendimento aos beneficiários da reforma agrária nos estados de Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Até o momento (2015), a ferramenta está
disponível aos profissionais técnicos contratados pelo INCRA e seus
respectivos representadores de serviços.
Em Chapecó, o SIGRA ATER conta com uma equipe técnica da
COOPTRASC, responsável pela manutenção e atualização de dados do
Assentamento Dom José Gomes. O acompanhamento dar-se-á através

13
Fala coletada em setembro de 2013.
66

de relatórios parciais, que pretendem contribuir para a programação das


atividades e direcionamentos a serem feitos, neste assentamento. As
discussões acerca do PDA foram tomadas na presente pesquisa como
sendo um momento de formação ocorrido em diferentes períodos de
formulação do Assentamento e que hoje se intensifica com esta nova
ferramenta, o SIGRA.

2.6.1 Caracterização da amostra e dos sujeitos entrevistados

Considerando que o Assentamento possui atualmente 32 famílias,


a caracterização da amostra foi constituída por um entrevistado de cada
família de um percentual de 50% do total de famílias que nele residem,
levando em consideração as variáveis já elencadas, caracterizando um
total de 15 sujeitos entrevistados.
Para a caracterização e identificação dos sujeitos entrevistados,
baseamo-nos no conjunto de questões delimitadas nos roteiros de
entrevista semiestruturada, dados apresentados em forma de variáveis e
representados nos quadros 1, 2 e 3 a seguir.
Para a caracterização dos assentados entrevistados, definimos o
conjunto das seguintes variáveis: gênero (masculino/feminino); faixa
etária (maiores de 18 anos); escolaridade; religião; profissão; tempo de
residência no Assentamento; exercício de liderança (sim ou não e função
que exerce) (Quadro 1). No quadro 2 são apresentados dados sobre o
que denominamos de caracterização da configuração familiar dos
assentados entrevistados, contemplando as seguintes variáveis: número
de moradores assentados na propriedade; número de agregados; total de
moradores (assentados e agregados) que trabalham na propriedade; e
total de moradores (assentados e agregados) que trabalham fora da
propriedade. No quadro 3 são apresentados os dados de caracterização
das lideranças do MST entrevistadas, por meio das seguintes variáveis:
gênero; faixa etária; grau de escolaridade; religião; profissão; tempo em
que exerce liderança no MST; e função desenvolvida enquanto
liderança.
Na sequência, apresentamos os quadros de identificação dos
sujeitos que foram entrevistados.
67

Quadro 1 – Caracterização do perfil dos assentados entrevistados

Identificação Faixa Ano em que se inseriu Exerce liderança e


Gênero Escolaridade Religião Profissão
Assentados (as) Etária no Assentamento função

João Masc. 27 anos 8ª série Evangélico Pedreiro 2009 Não


Jorge Masc. 56 anos 4ª série Pentecostal Agricultor 2002 Não
Ana Fem. 32 anos 4ª série Católico Agricultor 2002 Não
Sim (Coordenador de
Olga Fem. 26 anos Pós-graduado Católico Professora 2008
catequese)
Sim (Conselho da
Paulo Masc. 63 anos 5ª série Católico Agricultor 2002
Igreja Católica)
Carlos Masc. 34 anos 2º grau completo Católico Agricultor 2002 Sim (Conselho Fiscal)
Alexandre Masc. 58 anos 8ª série Católico Agricultor 2002 Sim (Tesoureiro)
Sim (Conselho da
Anita Fem. 30 anos Superior incompleto Católico Recepção 2002
Igreja)
Sim (Presidente da
Joana Fem. 48 anos 2º grau completo Católico Agricultor 2002
associação de costura)
Dandara Fem. 49 anos 6ª série Católico Agricultor 2002 Sim (Líder de Núcleo)
Chiquinha Fem. 63 anos 8ª série Adventista Agricultor 2005 Não
Helena Fem. 44 anos 4ª série Católico Agricultor 2007 Não
Ulisses Masc. 62 anos 4ª série Católico Agricultor 2002 Não
Eva Fem. 25 anos 8ª série Evangélico Agricultor 2009 Não
Isabel Fem. 27 anos 8ª série Católico Agricultor 2006 Não
Fonte: PEREIRA (2015). *Os nomes utilizados são fictícios.
68

Ao todo participaram da pesquisa 15 moradores assentados no


ADJG, sendo seis do sexo masculino (40%) e nove do sexo feminino
(60%). A faixa etária dos entrevistados varia entre 25 e 63 anos de
idade. Entre 25 e 35 anos (46,66%), entre 35 e 45 (6,66%), entre 45 e 55
(13,33%) e acima de 55 (33,33%). No que se refere à escolaridade, seis
entrevistados (40%) frequentaram o ensino fundamental até a 6ª série,
cinco (33,33%) finalizaram o ensino fundamental, quatro (26,66%)
estão acima deste nível de ensino, sendo apenas um pós-graduado
(6,66%). Estes dados relativos à escolaridade podem ser considerados
significativos para o contexto rural, todavia não devem ser
generalizados, pois expressam uma pequena amostra selecionada pela
pesquisadora.
No que se refere à profissão declarada, 12 dos 15 entrevistados
afirmaram ser agricultores. Os demais, embora realizem pequenos
plantios, possuem outras profissões, para complementação de renda. Em
relação à religião, constatou-se um predomínio de 73,33% que
declararam ser católicos. Esta predominância se deve ao fato desta
comunidade estar ligada à CPT desde os tempos da atividade pastoral de
Bispo Dom José Gomes, que foi homenageado por meio do nome do
Assentamento.
Na tabela que segue, apresentamos a configuração familiar dos
sujeitos entrevistados. A caracterização que segue não pretende reduzir
as configurações familiares à família nuclear, composta por pai, mãe e
filhos, mas representa apenas a unidade familiar compreendida pelos
entrevistados como propriedade ou lote14. Nas propriedades residem os
assentados que foram beneficiados com os lotes e alguns agregados
familiares e pessoas “agregadas”15. Dentre, os entrevistados assentados,
quatro trabalham fora, estes moradores atuam em profissões externas,
como em comércio, fábricas etc, além da produção agrícola na
propriedade. Dos agregados consanguíneos e pessoas “agregadas”, o
total é de 18 pessoas que trabalham em outras profissões.

14
Cabe esclarecer que os lotes estão divididos em três núcleos de 10 famílias e mais um lote
para a família do antigo caseiro da Fazenda Seringa, atual Assentamento. Área média das
parcelas são: três lotes de 40,0 hectares de áreas de cultivo e 14,1692 hectares de pastagens.
Total de área média por família é de 5,4169 hectares.
15
No sentido de pessoas que não pertencem ao núcleo familiar original, ou seja, que não
possuem nenhum grau de parentesco, mas que com este residem.
69

Quadro 2 – Caracterização da configuração familiar dos sujeitos entrevistados

Número de moradores Número de moradores (assentados e Número de moradores (assentados e


Identificação Número de
assentados na agregados) que trabalham na agregados) que trabalham fora da
Assentados (as) agregados
propriedade propriedade e em que atividades propriedade e em que atividades
2 adultos 8 (3 adultos,
João 1 agricultura 4 (não especificou função)
(esposo e esposa) 5 crianças)
José 6 (4 adultos e 2 crianças) Nenhum 2 agricultura 2 (não especificou função)
Ana 5 (2 adultos e 3 crianças) Nenhum 1 agricultura 1 (carpinteiro)
Olga 3 (2 adultos e 1 criança) Nenhum 2 agricultura 2 (professor e motorista)
5 (4 adultos e
Paulo 3 (2 adultos e 1 criança) 4 agricultura 2 (serraria e motorista de caminhão)
1 criança)
Carlos 4 (2 adultos e 2 crianças) Nenhum 1 agricultura e produção de leite. 1 (bolsista - estudante de Mestrado)
4 (2 adultos, 2 agricultura, produção de leite e 2 (atendente de panificadora e diretor
Alexandre 2 (adultos)
2 crianças) cooperativa de panificados. financeiro)
4 (dois adultos e
Anita 2 (adultos) 3 agricultura 1 (recepção)
2 crianças)
5 (1 adulto, 2 crianças, 1 agricultura e cooperativa de corte e
Joana Nenhum Nenhum
2 adolescentes) costura.
4 (3 adultos,
Dandara 2 (adultos) 2 agricultura. 3 (não especificou função)
1 criança)
Chiquinha 4 (2 adultos, 2 crianças) 2 (adultos) 2 agricultura 2 (diarista e motorista)
Helena 2 (adultos) Nenhum 2 agricultura Nenhum
Ulisses 1 (adulto) 2 (adultos) 2 agricultura 1 (diarista)
Eva 3 (2 adultos, 1 criança) Nenhum 2 agricultura e cooperativa de costura. Nenhum
Isabel 3 (2 adultos, 1 criança) Nenhum 1 agricultura 1 (diarista)
ADULTOS: 30 ADULTOS:18 TOTAL: 28 TOTAL: 22
TOTAIS
CRIANÇAS: 19 CRIANÇAS: 9
Fonte: PEREIRA (2015). *Os nomes utilizados são fictícios.
70

Os dados supracitados apresentam a configuração familiar dos


assentados entrevistados. Nesse contexto, buscou-se caracterizar a
constituição familiar nuclear (composta tradicionalmente por pais e
filhos), em que se identificou oito famílias constituídas de uma a três
pessoas e sete famílias de quatro a sete pessoas. Além do núcleo familiar
tradicional, buscou-se identificar outros componentes que residem na
propriedade, denominados de “agregados” filiados por parentesco
consanguíneo aos assentados. Entre as famílias dos entrevistados,
identificou-se que 13 possuem agregados, caracterizando 86,66%.
Na sequência, apresentamos o perfil das lideranças do MST
entrevistadas que não residem no assentamento.
71

Quadro 3 – Caracterização das lideranças do MST entrevistadas

Função
Identificação da Faixa Desde que período é
Gênero Escolaridade Profissão Religião desenvolvida
liderança Etária liderança no MST
liderança

Superior Agricultor e Liderança estadual


Francisco Masculino 48 anos Católico 1995
completo Agrônomo do MST

Superior Educadora Popular e Liderança estadual


Rosa Feminino 30 anos Católica 2002
completo Assistente Social do MST

Superior Liderança estadual


Gregório Masculino 35 anos Educador Popular Católico 2000
Incompleto do MST

Liderança nacional
Maria Feminino 55 anos 4ª Primário Agricultora Católica 1984
do MST

Fonte: PEREIRA (2015). *Os nomes utilizados são fictícios.


72

Foram entrevistadas quatro lideranças do MST, sendo três da


direção estadual uma da direção nacional do movimento. Das lideranças
entrevistadas, dois desenvolvem atividades no setor de educação
popular, um presta assessoria de produção e outra atua na direção
nacional do MST, no planejamento estratégico. Estas entrevistas
permitiram cruzar alguns dados obtidos durante a coleta de dados com
os assentados, além de nos ajudar a entender como vem se articulando
as atividades de formação de base, bem como a participação dos sujeitos
nos processos políticos-ideológicos promovidos.
Conforme podemos observar na tabela acima, a idade dos líderes
varia entre 30 e 55 anos. No que se refere à escolaridade, com exceção
de uma liderança que cursou até o primário, as demais estão cursando ou
já cursaram o ensino superior. Nesse sentido, este quadro nos revela que
o movimento abre espaços a novos militantes formadores indiferente da
faixa etária, escolaridade ou tempo de atuação no movimento. Em
diálogo com as lideranças, observou-se que existe um grande
compromisso e incentivo às novas lideranças para que estes venham a
dar continuidade à luta do movimento a partir de pedagogias e práticas
educativas não formais, orientadas por uma concepção de Educação
Popular, aspectos que serão tratados no próximo capítulo.
73

3 MST, EDUCAÇÃO E PRÁTICAS EDUCATIVAS DE LUTA


PELA TERRA

Neste capítulo, inicialmente tratamos, a partir de diferentes


autores, acerca da compreensão e conceituação dos movimentos sociais,
esclarecendo que se trata de um campo muito amplo e que, nesse
sentido, não adotamos nenhuma abordagem teórica em específico, mas
nos valemos de elementos e reflexões de diversas delas.
Na sequência, apresentamos a trajetória histórica do MST no
Brasil, contextualizando-o no âmbito dos movimentos sociais, e
destacamos as perspectivas político-ideológicas que permeiam a
formação de base militante, evidenciando dessa forma as práticas
educativas que orientam a organização política e social, tendo em vista a
continuidade e fortalecimento da luta pela terra e reforma agrária. Em
diálogo com estas questões refletimos sobre os dados empíricos obtidos
através das entrevistas com assentados e lideranças.

3.1 FORMAÇÃO DO MST E SEUS PRINCÍPIOS POLÍTICOS


EDUCATIVOS

O processo pelo qual a distribuição de terras foi feita em nosso


país, chegando ao caráter de propriedade privada como conhecemos
hoje, passou por longos períodos conflituosos que podem ser observados
em estudos já realizados sobre o tema, como os de Hilsenbeck (2013),
Souza (1994) e Martins (2009). Embora nosso foco de pesquisa não
esteja voltado para esse aspecto, cabe ressaltar a importância deste
processo e, principalmente, o compromisso com e respeito pela história
de diversos movimentos que se articularam contra um sistema de
dominação, resultado da ocupação desigual da terra em nossa América.
Por isso, cabe ao menos mencioná-los para que possamos situá-los em
nossa memória, já que mostra uma história nada pacífica em nosso país.
Para visualizarmos quem foram os sujeitos sociais desta história,
que organizados lutaram direta ou indiretamente para que houvesse
redistribuição e democratização de terras em nosso país, recorremos a
Costa (2002), que conta que os colonizadores primeiro conviveram com
os habitantes indígenas, com quem travaram disputa. E que, igualmente
74

[...] tivemos exploração e escravização de negros


comercializados, dando início a milhares de
Quilombolas em diferentes cantos do Brasil.
Houve, ainda, as revoltas provinciais: Cabanagem
no Pará (1835-1840), Praieira em Pernambuco
(1848), Sabinada na Bahia (1837-1838), Balaiada
no Maranhão (1838-1841) e Farroupilha no Rio
Grande do Sul (1835-1845). (p. 43-44).

Objetivando ainda, apresentar na história do Brasil parte de ações


empreendidas por classes e categorias sociais que lutaram pela
redistribuição de terras, contra injustiças e direitos sociais, buscamos em
Gohn (2011) apontar alguns movimentos acerca desta temática.
Segundo a autora, entre eles podem ser citados a Revolta de Canudos
(1874-97) e o Movimento do Cangaço (1925-38). Associado
especificamente aos agricultores sem-terra se destacam o Movimento
dos Agricultores Sem Terra (MASTER)16, de 1960, ocorrido no Rio
Grande do Sul, que foi motivado por conflitos entre posseiros e
proprietários em uma área de 1.600 hectares de terra; movimentos
sociais no campo pela Reforma Agrária, de 1958 a 1964, associados à
defesa do comunismo, à defesa da reforma agrária e na luta pela partilha
de grandes latifúndios; Ligas Camponesas no Nordeste, de 1961 a 1964;
movimento das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a partir de
1968, que inicialmente surgiram nas zonas rurais, especialmente no
Nordeste, como parte da nova política das pastorais da Igreja Católica
que, com base na Teologia da Libertação, lutava por melhores condições
de vida para os pobres e contra as injustiças sociais.
Dada esta breve digressão, é possível afirmar que o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST) simboliza a continuidade
das lutas pela terra e processos de resistência ocorridos a partir do
período de colonização do Brasil. A resistência contra a dominação e
exploração nos mostra que a visão eurocêntrica tem escamoteado o
verdadeiro cenário em que se sucedeu a história de luta pela terra. É
nesse sentido que determinados sujeitos sociais têm assumido o papel de
denunciar e romper o silêncio da história final. É no fazer-se
cotidianamente que o movimento tem construído uma visão alternativa

16
O MASTER surge no Estado do Rio Grande do Sul, entre 1960 e 1964. Iniciativa de algumas
lideranças ligadas ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que lutavam pela reforma agrária.
(POLI, 2008).
75

de classe trabalhadora, uma luta árdua travada no âmbito de toda


sociedade, abrangendo diversos setores populares (UCZAI, 2001)17.
Ainda de acordo com este autor, os movimentos camponeses
surgem no final do século XIX, sendo o período posterior marcado por
disputas violentas e diversos conflitos armados que levaram muitas
lideranças à cadeia, ao exílio e até mesmo à morte. No período entre
1950 e 1964, o movimento camponês se organizou enquanto classe
trabalhadora, dando origem às Ligas Camponesas (União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil – ULTABs) e ao
MASTER.
A concentração desiquilibrada de terras está na raiz da história
brasileira. A história camponesa atravessa cinco séculos de luta contra o
latifúndio18, desafiando o modo capitalista de produção, resistindo à
exploração e à expropriação. O antigo latifúndio, responsável pelas
extensas propriedades rurais, se renovou e hoje gerencia um moderno
sistema chamado agronegócio19.
De acordo com Stedile (2000), “É essa a base social que gerou o
MST” (p. 17) e que historicamente impulsionou o movimento a se
organizar a partir da década de 1970, quando

[...] o Brasil vivia um momento de retomada das


lutas dos trabalhadores, através de movimentos
contra a carestia, em defesa da anistia, contra o
regime militar e pela reforma agrária e
democratização do país. Os trabalhadores
entravam novamente em cena. No campo,
trabalhadores sem-terra ocupavam diversos
latifúndios improdutivos. (UCZAI, 2001, p. 192).

Resultado de lutas e conflitos pela posse da terra, o MST foi


motivado pelo processo de modernização da agricultura, que provocou o
aprofundamento da crise e o êxodo rural de milhares de famílias. Cabe
esclarecer que as transformações nas estruturas agrícolas no Brasil,
tiveram efeitos significativos durante o período de 1964, quando ocorre

17
Para maiores esclarecimentos e aprofundamento ver Costa (2002) e Gohn (2011).
18
O surgimento do latifúndio no Brasil, uma das bases da estrutura de produção colonial, não
está relacionada apenas à exigência de produção em larga escala, geradora dos lucros com a
exportação, mas também a determinados fatores históricos. Compreende-se por latifúndio,
grande extensão de terras, utilização de farta mão-de-obra, técnica precária e baixa
produtividade. O latifúndio é a grande propriedade, predominante no Brasil ainda nos dias de
hoje (CHIAVENATO, 1998).
19
Para maiores esclarecimentos, ver estudos do sociólogo Inácio Werner.
76

o golpe militar. Com a implantação deste regime ditador e novo modelo


de desenvolvimento agrário o campesinato e o meio ambiente como um
todo, sofreram grandes efeitos negativos. De acordo com Martine e
Garcia (1987), a efetivação deste modelo agrícola, só foi efetivado
devido à internacionalização de um pacote, denominado “Revolução
Verde”20. Esta, através do seu discurso ideológico de modernização
agrícola, favoreceu apenas o interesse do grande produtor agrícola,
detentor de capital, enquanto o pequeno produtor que, sem o capital
necessário para investir no seu processo de produção agrário não possuía
as mínimas condições de competir. Estes, submetiam-se às condições do
mercado capitalista, regidos pelas leis do capitalismo selvagem, que
cada vez mais promoviam a exclusão social.
Conforme o movimento foi se articulando, novas ações de
ocupação de terras foram acontecendo, nas quais se vivenciava a
experiência de morar e produzir de modo coletivo.
No que concerne à formação e constituição do MST na região
Oeste de Santa Catarina, a primeira ocupação ocorreu na Fazenda Burro
Branco em 1980, no município de Campo Erê, caracterizando, assim, a
primeira experiência organizada pelo próprio movimento na luta pela
terra (POLI, 2008). Segundo o mesmo autor, “A grande ocupação de
maio de 1985, intitulada de 'Operações Integradas de Ocupações
Simultâneas', quando mais de 2 mil famílias de sem-terra ocuparam, na
mesma noite, 13 áreas diferentes. Este foi o momento de afirmação e
consolidação do MST na região.” (p. 89).
Na busca por esclarecer as motivações que impulsionaram a
organização deste movimento social, este autor afirma que uma das
questões que tem influenciado a organização do MST são as motivações
político-ideológicas. Complementa ainda, que na trajetória deste
movimento existem alguns fatores determinantes no modo como
ocorrem as articulações coletivas de enfrentamento, sendo eles:
econômicos, políticos, sociais e culturais. De modo geral, existem outros
fatores comuns a todos os demais movimentos sociais, que também
contribuem na efetivação destes atores sociais: a pobreza da maior parte
da população e a fragilidade dos direitos humanos (POLI, 2006).
A discussão acerca dos movimentos sociais tem se apresentado
como um campo de investigação muito amplo, orientado por diferentes

20
Revolução Verde foi um pacote tecnológico composto de sementes melhoradas,
mecanização, insumos químicos e biológicos que prometia viabilizar a modernização de
qualquer país, acelerando a produção agrícola através de sua padronização em bases
industriais. Implantado na agricultura norte-americana desde a década de 30. Esse modelo foi
parcialmente aplicado no mundo inteiro (MARTINE; BESKOW, 1987, p. 20).
77

abordagens teóricas desde autores norteamericanos, europeus e


latinoamericanistas (SCHERER-WARREN, 1993; ALONSO, 2009).
Nossa intenção, nesta revisão não é abordar todas estas tendências, mas
enfatizar as reflexões de alguns autores, principalmente brasileiros, que
têm procurado compreender os movimentos sociais como ações
coletivas contemporâneas expressas em formas diversificadas e
diferentes níveis organizacionais que constituem a formação de
identidades e sociabilidades, sem desconsiderar, portanto, a dinâmica
histórica, político-institucional e as mudanças estruturais,
principalmente econômicas que têm orientado as reivindicações, pautas
e bandeiras de luta dos movimentos.
Diante da diversidade de abordagens existentes nas Ciências
Sociais sobre o tema, destacaremos alguns autores que têm contribuído
com a construção de uma teoria social contemporânea sobre esta
temática21. Cabe esclarecer que esta revisão não se guiará por uma
lógica linear ou cronológica em torno das diferentes contribuições, mas
sim de reflexões mais gerais e conceituais comuns entre os autores
delimitados que possam auxiliar na compreensão do MST como um
movimento social contemporâneo, no que se refere a sua forma de
organização e expressão mais recente, sem desconsiderar, portanto, o
processo de constituição histórica deste e outros movimentos sociais no
campo que o originaram, conforme expresso no capítulo 1.
As reflexões em torno desta temática revelam a emergência
acerca do conceito de movimentos sociais, enquanto conformações
históricas, sociais e políticas que sempre existiram e continuarão a
existir (GOHN, 2003). Para esta autora, os movimentos sociais
representam um propósito maior de articulação e confronto social, são
fontes vivas de um passado marcado por memórias subalternizadas.
Segundo Gohn (2003) os movimentos sociais “[...] expressam
energias de resistência ao velho que oprime, e fontes revitalizadas para a
construção do novo.” (p. 14). Ao destacarmos esta reflexão de Gohn,
não estamos adotando a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS)
como orientadora de nossa análise, mas sim como já ressaltado
anteriormente, destacando elementos comuns de autores que
compartilham desta vertente para compreender a complexidade que
configura os movimentos sociais na atualidade, e mais especificamente
o MST.

21
Para esta revisão nos valeremos especialmente das reflexões de Maria da Glória Gohn (1999;
2000; 2003; 2006; 2012) e Ilse Scherer-Warren (1984; 1993;1996; 2005; 2012).
78

Para Scherer-Warren (1993, p. 66), o Movimento dos Sem-Terra


se configura como uma nova forma de organização camponesa a partir
do final da década de 1970, juntamente com outros movimentos
(Movimento dos Atingidos por Barragens e Movimento de Mulheres
Agricultoras), apoiada por uma nova corrente do sindicalismo
denominada de “novo sindicalismo” ou “sindicalismo combativo”,
diferente de uma tradição sindical fortemente atrelada ao Estado,
predominantemente assistencialista e em algumas situações com forte
caráter carismático e paternalista predominantes nas décadas de 50 e 60
no Brasil.
De acordo com a mesma autora, as novas formas de organização
no campo a partir da década de 70 “[...] valorizam a participação
ampliada das bases, a democracia direta sempre que possível, e opõem-
se, pelo menos no nível ideológico, ao autoritarismo, à centralização do
poder e ao uso da violência física.” Acrescenta-se ainda a estas
características, o fato de que alguns movimentos “[...] pretendem
modificar a historicidade e o sistema de relações de poder e neste
sentido, são verdadeiros Movimentos Sociais [...]” (SCHERER-
WARREN, 1993, p. 68).
Estas características nos remetem para a consideração de
elementos do materialismo histórico cultural, tal como proposto por
Thompson (1981; 1987; 1997), para a análise de determinados
movimentos sociais a partir de suas especificidades históricas que em
suas experiências concretas posicionam-se e constroem-se enquanto
classe social. Nessa direção, Vendramini (2007) afirma que o autor “[...]
vê as classes como um processo em formação, é a luta que as forma.” (p.
1399).
Ao contrário de uma perspectiva ortodoxa, em que se defende
uma concepção de história como uma sucessão mecânica, preordenada e
unilinear de modos de produção, comum com algumas ideias da
economia política clássica e seus estágios de civilização, bem como uma
concepção da “base” econômica em termos não sociais e tecnicistas,
incompatíveis com tudo o que não fosse a aplicação da metáfora
base/superestrutura, o materialismo histórico cultural se nega à
possibilidade de que existam leis universais, constituindo-se o
capitalismo como um fenômeno histórico e específico, como um
processo em construção, o qual pode ser transformado mediante as
experiências humanas em suas dimensões objetivas e subjetivas.
Com base nestes pressupostos, Thompson escreve “A Formação
da classe operária inglesa” (1987), sendo que na primeira da obra ele
trata das tradições populares do século XVIII que influenciaram a
79

aceitação jacobina no ano de 1790; na parte dois aborda as experiências


dos grupos de trabalhadores durante a Revolução Industrial; e na terceira
parte remonta a história do radicalismo plebeu, através do ludismo, até a
época final das guerras napoleônicas. No fechamento da obra,
Thompson discute aspectos teóricos e da consciência de classe nos anos
1820 e 1830. A tese central de sua obra defende que neste processo
ocorreu a transformação de grupos heterogêneos de trabalhadores em
uma classe operária com identidade própria e efetiva consciência de
classe possibilitada pela experiência e ação coletiva dos grupos de
trabalhadores em oposição às classes superiores da sociedade inglesa.
É na direção da crítica à vertente ortodoxa do marxismo que
alguns autores contemporâneos têm considerado aspectos da teoria
marxista como ponto de partida, por constituir abordagem seminal de
grande destaque e contribuição para interpretar e conceituar os
movimentos sociais. Alguns dos autores referendados discorrem e
refletem à luz da abordagem do pensamento de Karl Marx, tendo em
vista principalmente as práticas dos movimentos sociais, através do
conceito de “práxis social”, da relação entre teoria e ação política. Para
Gohn (2000), a análise realizada por Marx contribui de forma
significativa para a compreensão dos movimentos sociais enquanto
sujeitos de transformação do social, “[...] se realiza em conexão com a
realidade teórica, por meio da atividade produtiva e/ou da atividade
política.” (p. 176). Nessa mesma linha, Scherer-Warren (1984, p. 35)
expõe que

[...] pode-se afirmar que Marx, desde o ponto de


vista da Sociologia, foi um dos mais importantes
criadores de um projeto de transformação radical
da estrutura social, projeto este de superação das
condições de opressão de classe. Para a realização
deste projeto, além do amadurecimento das
condições estruturais propícias, exige-se uma
práxis revolucionária das classes exploradas. (p.
35, grifos da autora).

É inegável que Marx é um dos maiores pensadores da


modernidade, e que seus pensamentos circulam e influenciam até hoje
diferentes áreas de conhecimento, principalmente aquelas relacionadas à
grande área das Ciências Humanas e Sociais, sendo considerado um dos
mais importantes ideólogos dos movimentos revolucionários de todos os
tempos.
80

Sua contribuição teórica e ideológica tem também influenciado


diversos setores e organizações da sociedade civil, principalmente
aqueles comprometidos com projetos de transformação social, que
tomam como base os estudos acerca da luta de classes. A preocupação
de Marx com a práxis do movimento reafirma seu total envolvimento
com a teoria e prática da transformação social. Com base nisso,
diferentes autores afirmam que estudar os movimentos sociais vistos a
partir da concepção marxista pressupõe considerá-la não apenas como
uma teoria explicativa, mas como uma teoria reflexiva da própria ação
dos movimentos.
Embora existam críticas acerca da linha ortodoxa de pensamento
marxista, faz-se importante refletir que sem sua gênese não teriam
surgido outras concepções histórico-humanistas, ou seja, concepções
heterodoxas que ganharam força e mérito ainda nos anos 1960, tal como
a proposta por Thompson.
Tais concepções permitem compreender os fenômenos políticos e
sociais da contemporaneidade pelo viés de que a sociedade pode e deve
ser explicada não somente a partir das relações de produção como
determinante das demais esferas da vida social, mas também através das
relações sociais, políticas e culturais que têm possibilitado refletir, por
exemplo, como os movimentos sociais se originam tendo em vista lutas
de contraposição à lógica capitalista. Para tanto, Gohn (2003) demarca
seu entendimento e compreensão sobre como se organizam
concretamente os movimentos sociais em suas lutas e demandas:

Nós os vemos como ações sociais coletivas de


caráter sociopolítico e cultural que viabilizam
distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas. Na ação concreta, essas
formas adotam diferentes estratégias que variam
da simples denúncia, passando pela pressão direta
(mobilização, marchas, concentrações passeatas,
distúrbios à ordem constituída, atos de
desobediência civil, negociações etc.), até as
pressões indiretas. (p. 13).

Para compreendermos as fases que perpassam a articulação de


um movimento social, Gohn (2012) também nos apresenta um possível
esquema geral desta organização, a saber:

1 – Situação de carência ou ideias e conjunto de


metas e valores a se atingir.
81

2 – Formulação das demandas por um pequeno


número de pessoas (lideranças e assessorias).
3 – Aglutinação de pessoas (futuras bases do
movimento) em torno das demandas.
4 – Transformações das demandas em
reivindicações.
5 – Organização elementar do movimento.
6 – Formulação de estratégias.
7 – Práticas coletivas de assembleias, reuniões,
atos públicos etc.
8 – Encaminhamento das reivindicações.
9 – Práticas de difusão (jornais, conferências,
representações teatrais etc.) e/ou execução de
certos projetos (estabelecimento de uma
comunidade religiosa, por exemplo).
10 – Negociações com os opositores ou
intermediários por meio dos interlocutores.
11 – Consolidação e/ou institucionalização do
movimento. (p. 266-267).

Contudo, esta autora observa que o modo como os movimentos


sociais se articulam não seguem um padrão, pois não são caracterizados
por fases, períodos ou linearidade racional, na medida em que durante
seu(s) percurso(s) podem apresentar variáveis que não seguem
necessariamente uma sequencialidade padronizada, bem como não estão
desconexas da sociedade que a envolve, podendo assim, serem
influenciadas por doutrinas, questões culturais e religiosas etc.
Desse modo, Gohn (1997) caracteriza os movimentos sociais
como ações sociopolíticas construídas por atores coletivos de diferentes
classes sociais, numa conjuntura específica de relações de força na
sociedade civil. Assim sendo, expõe que “Tanto os movimentos sociais
dos anos 80 como os atuais têm construído representações simbólicas
afirmativas por meio de discursos e práticas. Eles criam identidades a
grupos antes dispersos e desorganizados [...]” (GOHN, 2003, p. 15).
Para a autora, a partir da organização da sociedade civil surge
uma nova sociedade mais articulada e estratégica, identificada por Gohn
(2003) a partir de um novo conceito, denominado: participação cidadã.
De acordo com ela, a participação cidadã, vai além da concepção
neoliberal de cidadania, pois não se restringe somente a questões de
direitos e deveres políticos e bem-estar cidadão. O novo conceito está
amparado no direito à vida do ser humano como um todo, de modo a
fortalecer a sociedade civil e torná-la uma sociedade democrática e sem
82

injustiças sociais. “O fato inegável é que os movimentos sociais dos


anos 70/80 contribuíram decisivamente, via demandas e pressões
organizadas, para a conquista de vários direitos sociais novos, que foram
inscritos em leis na nova Constituição Brasileira de 1988.” (GOHN,
2003, p. 20).
É dessa forma que diferentes movimentos têm se articulado
historicamente a partir de bandeiras coletivas de luta no Brasil e na
América Latina. Cabe ressaltar que, durante o período do regime militar
e no decorrer dos anos 80, os movimentos sociais contaram com o apoio
da Teologia da Libertação, também conhecida como movimento de base
cristã, como foi o caso do Assentamento Dom José Gomes.
Nos anos que se seguiram, novas formas de organização popular
foram surgindo, o que culminou na criação de uma Central de
Movimentos Populares, em 1993, que aglutinou os movimentos
populares em nível nacional, para que pudessem colaborar entre si.
Neste contexto, novos movimentos foram surgindo,
impulsionados pelo ideal de justiça social, pelos direitos à moradia, à
saúde, educação, por preços justos de mercado, por terras etc. Ao tempo
que novas políticas neoliberais avançavam, almejavam em suas
passeatas, paralisações e protestos, lutar contra a violência,
discriminações raciais, sociais, antissexistas etc.
Diante de tantas bandeiras e heterogeneidade dos movimentos
sociais, Gohn (2003) afirma que eles ao longo do tempo vêm sofrendo
alterações em seu perfil, isso porque o cenário político muda, o que
exige dos velhos militantes, estruturar novos perfis militantes, como nos
tempos atuais: “As redes, as parcerias entre movimentos e ONGs
criaram um novo movimento social: contra a globalização
predominante, geradora de miséria; [...] O perfil do militante dos
movimentos sociais se alterou e as teorias estão a exigir de nós
explicações mais consistentes.” (p. 31). Para melhor visualizarmos os
perfis os movimentos sociais deste novo milênio, a autora organiza-os
em dez eixos temáticos, que expressam as lutas e demandas no Brasil.
Seriam eles:

1) lutas e conquistas por condições de


habitabilidade na cidade, nucleados pela questão
da moradia, expressa em três frentes de luta: a)
articulação de redes sociopolíticas que militam ao
redor do tema urbano (do habitat, a cidade
propriamente dita) e participaram do processo de
construção e obtenção de um “Estatuto da
83

Cidade”; b) movimentos sociais populares dos


Sem-teto (moradores de ruas e participantes de
ocupações de prédios abandonados); c) contra a
violência urbana (no trânsito, ruas, escolas, ações
contra as pessoas e seu patrimônio);
2) mobilização e organização popular em torno de
estruturas institucionais de participação na
estrutura político-administrativa da cidade
(Orçamento Participativo e Conselho Gestores);
3) mobilizações e movimentos de recuperação de
estruturas ambientais físico-espaciais (como
praças, parques), assim como de equipamentos e
serviços coletivos (áreas da saúde, educação,
lazer, esportes e outros serviços públicos
degradados nos últimos anos pelas políticas
neoliberais);
4) mobilizações e movimentos contra o
desemprego;
5) movimentos de solidariedade e apoio a
programas com meninos e meninas nas ruas,
adolescentes que usam drogas, portadores de HIV
e de deficiências físicas;
6) mobilizações e movimentos dos sem-terra, na
área rural e suas redes de articulações com as
cidades via participação de desempregados e
moradores de rua, nos acampamentos do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-
Terra);
7) movimentos étnico-raciais (índios e negros)
8) movimentos envolvendo questões de gênero
(mulheres e homossexuais);
9) movimentos rurais pela terra, reforma agrária e
acesso ao crédito para assentamentos rurais; e
10) movimentos contra as políticas neoliberais e
os efeitos da globalização (contra Alca, Fórum
Social Mundial etc.). (GOHN, 2003, p. 31-32).

Ainda na esteira dos perfis dos movimentos sociais, Scherer-


Warren (1993) identifica-os como sendo “[...] um potencial
transformador, no sentido de modificar a sociedade não apenas a partir
do aparelho do Estado, mas também no nível das ações concretas da
sociedade civil.” (p. 53). Por isso, concordamos com a autora quando ela
afirma:
84

A sociedade civil organizada do novo milênio


tende a ser uma sociedade de redes
organizacionais, de redes inter organizacionais e
de redes de movimentos e de formação de
parcerias entre as esferas públicas, privadas e
estatais, criando novos espaços de governança
com o crescimento da participação cidadã.
(SCHERER-WARREN, 2005, p. 15).

Logo, a ideia de movimento em si é resultado da dinâmica e


articulação entre diversos atores sociais, que lutam por um projeto ou
utopia de transformação social, na qual agregam coletivos
diversificados, constitutivos da sociedade civil organizada.
A partir destas aproximações ao conceito e reflexões gerais sobre
os movimentos sociais, cabe caracterizar o MST, em seu processo
histórico e político de luta pela terra e reforma agrária, pano de fundo
que orienta esta pesquisa. Para tanto, como eixo da interlocução,
apresentaremos dados empíricos produzidos na presente investigação.

3.2 O PROCESSO HISTÓRICO E POLÍTICO DE LUTA PELA


TERRA E REFORMA AGRÁRIA DO MST

A fim de compreender os processos de construção do MST no


que se refere ao seu projeto político-ideológico, buscaremos realizar
uma breve digressão histórica para o entendimento da trajetória de luta
deste movimento, caracterizada por uma história marcada por grandes
conflitos, desigualdades sociais, subalternidade cultural, configurada em
lutas de classes, tendo como cenário específico a luta pela terra.
Historicamente, o MST foi se constituindo como um movimento
independente, nascido no interior das próprias lutas travadas pela terra e
orientadas pela defesa da reforma agrária, tendo em vista acabar com o
monopólio da terra pela classe dominante (MORISSAWA, 2001).
Dados da pesquisa de campo confirmam elementos da trajetória e
do projeto político-ideológico do movimento na luta pela terra e pela
reforma agrária, considerando que as desigualdades que marcam a vida
de milhares de famílias as têm levado buscar novas alternativas de
sobrevivência e melhores condições de vida. No diálogo realizado com
assentados, do Assentamento Dom José Gomes, constatamos que a
inserção deles no MST, em sua grande maioria, ocorreu dada a
85

precariedade em que viviam, que é decorrente da desigualdade expressa


na condição de não propriedade da terra e não acesso aos demais meios
de produção necessários para sua viabilização a partir de um sistema de
produção diferenciado. Observa-se que, em um primeiro momento, a
luta pela terra e a expectativa de uma “vida melhor” constituiu o
principal objetivo dos entrevistados que se inseriram ao Movimento.
Nas palavras dos assentados:

Então você acaba encontrando uma alternativa.


(Assentada Joana).

Por não haver opção alguma a nossa família


decidiu juntar-se ao MST. Nós não tinha nada, aí
viemos pra cá e ficamos acampados […]
(Assentada Ana).

[...] a gente sempre foi de família pobre e nunca


tivemos nada. (Assentado Ulisses).

[...] por querer ter outra expectativa de vida


melhor é que a gente veio pro MST. (Assentada
Anita).

Nós tinha um único objetivo, sair da favela. E


assim, você morar numa favela, correndo risco de
vida, perigos de todos os lados, um salário
miserável e um monte de criança, que você nem
sabe se vão ou como vão se criar, ou como você
vai conseguir sustentar […]. Só tem um jeito,
você precisa encontrar uma saída. (Assentada
Joana).

Na condição que nós vivia, nós nunca ia conseguir


um pedaço de terra, meus avós, meus pais, todos
morreram sem nunca ter tido um lugar que foi
deles […]. Então o movimento era a nossa única
alternativa. (Assentada Eva).

[...] o movimento ia ocupar, aí nós não tinha nada


mesmo, resolvemos vir pra luta. (Assentado
Alexandre).
86

[...] pra gente aquilo ali, nós via como uma


perspectiva diferente, uma possibilidade de vida
melhor, né. (Assentado Carlos).

Vendramini (2004) afirma que desde os anos 80 os sujeitos sem-


terra que constituem o MST são a expressão de uma realidade que
formam o que Marx e Engels chamam de uma “massa totalmente
destituída de propriedade”, não somente da propriedade da terra, mas
também dos meios de produção. De acordo com a autora, caracterizam-
se como, “[...] gente sem nenhuma terra, gente com pouca terra, [...]
submetidos ao capital, seja financeiro, comercial ou produtivo, ainda
que em tempos e formas diferenciadas.” (p. 8). Porém, a autora afirma
que a luta pela terra é apenas um dos aspectos para garantir a sua
“existência material”, mas mais do que isso deve significar uma luta
contra a propriedade privada não somente da terra, mas das sementes,
contra a produção transgênica e a dependência tecnológica e econômica
controlada pelas grandes corporações internacionais. Isto é, destaca-se o
projeto mais amplo do movimento na luta contra o latifúndio e a
construção de um novo modelo produtivo.
Infelizmente nossa história se forja na condição de que vivemos
em uma terra riquíssima e de grandes extensões, porém, de acesso a
poucos privilegiados. Desse modo, no Brasil, o sistema migratório se
forja em sua grande maioria, por questões econômicas, o que acaba
formando sujeitos demandantes da reforma agrária. Segundo Martins
(2003):

A diversidade de origem dos assentados sugere


que a massa de clientes da reforma agrária é
constituída pelos resíduos de várias categorias
sociais que se desagregaram em conseqüência de
transformações econômicas, sobretudo na
agricultura, nos últimos 50 anos: colonos de café,
pequenos arrendatários de formação de fazendas
em várias regiões, como o Paraná, o Oeste de São
Paulo e Goiás, moradores das fazendas de cana-
de-açúcar do Nordeste, pequenos agricultores e
proprietários no Sul do país, pequenos posseiros
na Amazônia, não raro abandonados pela
decadência da economia extrativista. Vários
passaram por categorias de transição como “bóia-
fria” em São Paulo e no Paraná, ou “clandestino”,
em Pernambuco ou na Paraíba. São sobreviventes
87

de um passado histórico que não conseguiram


requalificação e reinserção em outras atividades
econômicas após a extinção de suas ocupações
originais ou após a precarização das velhas
relações de trabalho. A isso se agrega o
recrutamento de populações “lumpem” nas
cidades, muitas das quais tiveram origem e
experiências rurais, mas que se perderam nos
espaços degradados das cidades e nas funções
econômicas subalternas da urbanização
patológica. (p. 34-35).

Além disso, os sucessivos períodos de recessão, a crise


econômica do Estado, também agregam aspectos que motivaram a
inserção destes sujeitos no movimento, levando um aumento ainda
maior, das demandas sociais já existentes.

Com o Estado ausente, o planejamento econômico


e o planejamento urbano praticamente
desapareceram, os investimentos em saneamento,
habitação, educação e saúde minguaram,
escassearam-se os financiamentos internacionais
de baixo custo ou a fundo perdido, as
privatizações não resultaram em riqueza nova e a
fuga dos investimentos produtivos das grandes
cidades, ou mesmo sua inexistência, completaram
esse quadro de desalento. Sem tais investimentos,
restringe-se a oferta de emprego e amplos
segmentos da população passam a conviver com a
pobreza. (MATOS, 2006, p. 64).

É diante deste cenário inescrupuloso e de um longo processo de


luta contra o latifúndio, em que se teve clareza sobre as desigualdades e
disparidades que ultrapassam gerações, que o MST vem fortalecendo
seu movimento e suas redes. Dentre as muitas causas defendidas pelo
Movimento, a principal é embasada na promoção da reforma agrária
como forma de transformar a sociedade. Um ponto de grande destaque
na proposta de reforma agrária deste movimento “[...] é a estipulação de
um limite máximo para todas as propriedades rurais […]. Isso, como
uma forma de estabelecer um limite racional, para o uso social e justo da
terra.” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA, 2015, s/p).
88

Na sequência, apresentamos os principais projetos defendidos


atualmente por este movimento:

1. Defendem a reforma agrária de maneira que


seja realizada com ampla participação popular,
principalmente da parte mais interessada, que são
os camponeses sem acesso às terras.
2. O acesso das famílias camponesas à educação
de qualidade; a cultura e os meios de valorização
humana, promovendo a inclusão social através do
esporte cultura e lazer;
3. O combate à violência sexista. […] defendem a
igualdade de gêneros nas mais diversas áreas [...]
onde se observa a imensa disparidades [...] da
violência física e do assédio sexual que ainda são
latentes em nossa sociedade;
4. A democratização da comunidade, defendendo
que o povo tem o direito de organizar seus
próprios meios de comunicação social, sendo
obrigação do Estado fornecedor os meios
necessários para essa organização;
5. Uma saúde pública de qualidade, visando
garantir e defender o direito a esse bem a toda a
população, promovendo políticas públicas que
visem uma soberania, de segurança alimentar de
qualidade de vida dignas, como meios de
prevenção de doenças [...] defendem a ampliação
e o melhoramento do Sistema Único de Saúde,
além da implantação e ampliação dos programas
de saúde da família, também como medidas
preventivas ao invés de paliativas;
6. Defendem uma política de desenvolvimento
que atenda primeiramente às necessidades e os
interesses da população, de forma que promova
uma melhor qualidade de vida às classes sociais
mais carentes de recursos;
7. Um sistema político que tenha mais
participação popular nas mais diversas instâncias
e esferas governamentais;
8. Defendem a soberania nacional e popular, de
forma que todas as riquezas naturais, minerais, os
recursos da biodiversidade, a água e os recursos
de produção alimentar seja um direito
exclusivamente brasileiro, vetando o direito de
exploração de outros países, além de um controle
89

maior por parte do Estado sobre a exploração


desses recursos pelas multinacionais e empresas
diretamente ligadas a essa exploração, visando
uma sustentabilidade. (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
MST, 2015, s/p)22.

Assim, a necessidade que marca a vida de milhões de sujeitos fez


com que o MST criasse novas estratégias contra hegemônicas como
possibilidade de transformadora do status quo. Segundo Reis (2008):

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-


Terra utiliza como estratégia de luta as ocupações
coletivas, praticadas em prédios públicos e glebas
que não cumprem sua função social, com a
finalidade de chamar a atenção do Poder Público e
da própria sociedade para a questão da reforma
agrária, financiamento, avanços, tecnológicos etc.,
tudo que garanta, além do acesso, também a
permanência do trabalhador rural na terra, mas
também, visando a reforma social, a mudança do
paradigma estrutural que vivemos. (s/p).

Outra estratégia apontada pelo MST está relacionada à produção


de alimentos saudáveis. “No ponto de vista da conquista da terra, nós
devemos construir um espaço de produção, organização, de um novo
modelo produtivo”, assim afirma Francisco, liderança Estadual do MST.
Em sua exposição, ele nos relata que a prioridade dos assentamentos,
hoje, é produzir alimentos orgânicos, pois o cultivo de alimentos
saudáveis fazem parte do compromisso e da luta do MST. O
compromisso assumido por este movimento de implantar a reforma
agrária vai muito além da distribuição igualitária da terra. É uma luta da
agricultura familiar contra os transgênicos, que é um símbolo do
agronegócio.
Compondo as estratégias políticas do MST, podemos também
tratar da educação. Para Maria, liderança nacional do MST, “[...] parte
da luta por transformação social está na superação das relações sociais
capitalistas, ou seja, a superação das práticas reprodutoras da ideologia
do capital hegemônico.” Com base nessa concepção, o MST reconhece a
educação enquanto estratégia de luta, que orienta a ação coletiva.

22
Dados disponíveis em: <http://reforma-agraria-no-brail.info/>. Acesso em: 08 jun. 2015.
90

Diante do exposto, podemos afirmar que as bandeiras de luta


deste movimento estão atreladas a várias demandas, conforme podemos
confirmar na fala do entrevistado Francisco, liderança estadual:

O MST não é só a luta pela terra, não é só fazer o


enfrentamento contra o latifúndio, ao capital. É
fazer a luta pela terra. Organizar a luta contra o
latifúndio. É organizar a produção, a
comercialização. É organizar a educação, nossas
áreas de atuação. É dar respostas à sociedade. É
expandir nossa contribuição das análises que
fizemos desta sociedade. É estar envolvido
internamente com as universidades também, onde
os pobres, negros, índios não estejam apenas lá,
mas que sejam parte e atuem nesses espaços
também.

Diante de tantas demandas elencadas, surge oficialmente em


1984 o MST. Caracterizado como movimento popular de luta pela terra,
este movimento vai às ruas, reivindicar, o que ocasionou um grande
enfrentamento popular aos poderes governamentais. Nas palavras de
Frei Betto, registradas em palestra sobre a “Análise de conjuntura e a
função da educação no atual contexto”23, durante todo esse processo de
grande ascensão popular, em plena repressão militar, as lutas de
milhares de sem-terra estavam obstinadas a enfrentar sacrifícios e
perseguições. Um enfrentamento nada pacífico, porém necessário para
que seus direitos fossem garantidos.
Cabe ressaltar que a resistência dos sujeitos sem-terra ainda em
seu estado embrionário, ganha apoio da CPT que compartilha a busca de
um grande objetivo, a reforma agrária. Segundo Caldart et al. (2012):

Reforma Agrária é um programa de governo que


busca democratizar a propriedade da terra na
sociedade e garantir o seu acesso, distribuindo-a a
todos que a quiserem fazer produzir e dela
usufruir. Para alcançar esse objetivo, o principal
instrumento jurídico utilizado em praticamente
todas as experiências existentes é a
desapropriação, pelo Estado, das grandes
fazendas, os latifúndios, e sua redistribuição entre
camponeses sem-terra, pequenos agricultores com

23
Palestra ocorrida na UNOCHAPECÓ, no dia 11 dez. 2013.
91

pouca terra e assalariados rurais em geral. (p.


659).

Embora a luta pela reforma agrária tenha surgido em meados do


século XIX e tenha assumido diferentes características e experiências, o
desejo permanece vivo nas bandeiras de luta deste movimento social
popular. No século que se seguiu muitos confrontos mobilizaram a luta
pela terra no Brasil. Uma época de grande resistência foi o período de
1984 a 1985, quando ocorre a retomada do regime democrático pelos
movimentos sociais (SPAROVEK, 2003).
Durante o trabalho de campo, em uma conversa informal com o
grupo de mulheres do projeto Costurando Sonhos do ADJG, o tema
ditadura militar foi ressaltada por uma assentada: “Nós queria liberdade,
queria nossos direitos!”; “Não foi nada fácil organizar o movimento
naquela época, nós precisava ser muito discreto, caso contrário, nós era
caçado.” (Assentada, ex-liderança do MST Estadual).
Durante algumas entrevistas, este tema também foi ressaltado. A
insistência neste assunto ressalta as agruras que permaneceram na vida
desses trabalhadores. Na fala de uma assentada podemos constatar os
resquícios físicos e morais deixados pela repressão desta época: “O
MST eu conheci bem no início, através dos padres e das freiras. Mas
naquele tempo, eu nunca que pensei em participar, pois o medo era
muito maior que a necessidade que a gente tinha.” (Assentada Joana). O
medo, vivenciado por esta assentada, durante grande parte de sua vida a
impediu de lutar. Em seus relatos, tomada pela emoção, relembra a
miséria em que sua família viveu, contudo, a repressão deste tempo
sombrio a impedia de que se engajasse no Movimento. Assim como
muitos outros, Joana e sua família enfrentaram seus medos e partiram
para a luta, reivindicando justiça e igualdade. E assim foi com aqueles
que estivessem dispostos ao enfrentamento, teriam de superar seus
medos e lutar por seus direitos junto ao MST e a tantos outros
movimentos que emergiram naquele período.
A história do MST passou por grandes tensões e milhares de seus
militantes foram martirizados para que este movimento se consolidasse
A fim de não deixar cair no esquecimento a sua trajetória de luta e
relembrar daqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a
efetivação do movimento, ainda hoje, o MST realiza momentos de
formação, que referenciam o trágico período histórico da ditadura
militar.
Durante o trabalho de campo, tivemos a oportunidade de
acompanhar uma atividade desenvolvida no ADJG, no dia 06 de abril de
92

2015, sobre a Ditadura Militar24 e observar as manifestações dos


moradores sobre a temática proposta pelo filme Batismo de Sangue25.

Figura 3 – Momento de Formação ADJG: Ditadura Militar

Fonte: PEREIRA (2015).

Durante atividade, estivemos atentos aos sinais demonstrados por


eles enquanto o filme era exibido. Constatamos que as consequências
deste golpe na vida destes trabalhadores apresentaram-se, naquele
momento, tão forte quanto fora no passado. As fortes cenas do filme
emocionaram as pessoas mais velhas e impactaram as mais jovens.
Ao fim da exposição, buscamos aprofundar o debate com alguns
assentados com idade mais avançada, dialogando sobre o tema e
coletando algumas falas, como as seguintes:

24
Ciclo de debates dos 51 anos da Ditadura Militar, atividade desenvolvida pelo Centro
Acadêmico de Ciências Sociais da UFFS, pela Diocese de Chapecó e por movimentos sociais.
25
O filme Batismo de Sangue (2007) é inspirado no livro homônimo escrito por Frei Betto. O
enredo conta a história dos frades dominicanos Oswaldo, Tito, Fernando, Ivo e Betto. A
trajetória marca o final da década de 1960, em que os frades, auxiliaram a ALN (Ação
Libertadora Nacional), liderada pelo guerrilheiro Carlos Marighella “[...] um dos principais
líderes da resistência armada contra os militares que tomaram o poder no Brasil a partir de
1964, com o Golpe Militar.”. Dirigido por Helvécio Ratton, o filme chama a atenção porque
mostra a face mais cruel da Ditadura no Brasil: a tortura institucionalizada pelos aparelhos
repressivos, que vitimou milhares de pessoas e deixou marcas irreparáveis. Dados disponíveis
em: <http://www.academiabrasileiradecinema.com.br> Acesso em: 05 maio 2015.
93

A ditadura militar foi um trauma muito grande pra


história do Brasil. Quando me lembro do que
aconteceu, ainda sinto medo. […] Só tenho a
agradecer por ter sobrevivido.

Foram milhares que se manifestaram contra a


ditadura e acabaram morrendo ou sendo
torturados. [...] E existem muitos outros que a
gente nem ficou sabendo.

Assistir Batismo de Sangue nos faz voltar a


tempos muito sombrios. Por isso, é tão importante
retomar. Não podemos deixar cair no
esquecimento.

Muitos jovens, moradores do ADJG, também manifestaram seu


posicionamento, como podemos ler a seguir:

A gente nem tem noção do que aconteceu. Mais


quando meu pai fala daquele tempo, eu penso: nós
temos muita sorte de hoje ter um governo
democrático.

Tem vezes eu penso nos jovens que viveram


durante a ditadura. Imagino que seu eu tivesse
existido naquele tempo, com certeza não teria
sobrevivido, porque sempre luto por aquilo que
acho certo.

Embora estes jovens militantes não tenham vivenciado a ditadura,


demonstram grande compreensão deste período, posicionam-se
criticamente sobre a temática. Diante das falas acima, podemos inferir
que hoje o movimento toma o governo do país não como um opressor,
mais sim como uma esfera aberta ao diálogo. Cabe ressaltar que o
domínio e conscientização apresentada por estes jovens sobre a ditadura
está certamente interligado aos trabalhos de formação de base que o
MST tem realizado, bem como o acesso a informações midiáticas que se
tem hoje.
Um dos assentados que vivenciou o período da ditadura militar,
afirma:
94

É importante mostrar pra esta juventude que


houve um tempo que não havia liberdade de
expressão. [...] Na época da ditadura militar eu
estava com 12 anos. Apesar de não ter muita
compreensão naquela época, meu pai sempre dizia
pra nós que o que estava sendo feito não era nada
bom pra nós que era pobre. [...] Muita gente foi
torturada e muitos morreram também.

O período denominado “Anos de Chumbo” (1969-1973),


retratado no filme caracterizou-se como o aquele em que aconteceram o
maior número de mortes, torturas e desaparecimentos na história do
Brasil26. Para os organizadores da atividade de debate referida, “É
preciso se pensar na violência exercida pela ditadura.”. Trazer este
debate para a base certamente foi um momento significativo para
importantes reflexões, pois as violências da censura, do exílio e
principalmente a retirada dos direitos humanos, precisam ser pensadas,
não apenas a fim de relembrar o passado, mas relembrá-lo para construir
um futuro baseado no respeito, na dignidade humana e na liberdade de
se expressar.
A apresentação do filme também provocou alguns
questionamentos referentes| às manifestações ocorridas no início de
2015 em repúdio à gestão petista, mas especificamente, contra o
segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Os manifestantes
pediam o fim da corrupção, reclamavam da situação econômica do país,
pediam o impeachment da presidenta e, em muitos casos, a volta da
ditadura militar.
Alguns assentados que estiveram presentes nas manifestações
contra o governo, posicionaram-se contra o modo como muitos cidadãos
reivindicavam, bem como a falta de esclarecimentos sobre a situação
que estamos vivenciando.

As pessoas não tem memória e não fazem questão


de conhecer e discutir o que ocorreu no passado.

Quando vejo um cartaz dizendo: Volta a ditadura,


fico indignado. É impressionante o grau de
ignorância das pessoas.

26
Dados obtidos por meio do filme Batismo de Sangue.
95

Não consigo imaginar um país democrático sob o


comando de militares armados.

Para os articuladores do debate, “O momento é propício para


relembrar que muitos dos nossos companheiros foram perseguidos,
massacrados e mortos em prol da reforma agrária” (Liderança interna do
ADJG), bem como pensar a ação autoritária e violenta de interferência
do Estado durante a ditadura. “A violação dos direitos humanos era uma
prática comum […], pois não existia o Estado de direito”, afirmou esta
liderança.
Diante do posicionamento apresentado acima, cabe fazermos
algumas reflexões sobre a conturbada relação entre movimentos sociais
e Estado. Ao longo de sua trajetória histórica, o MST tem estabelecido
com o Estado, momentos de confronto e negociação. Embora o Estado
seja responsável por garantir os direitos de todo cidadão, este tem estado
na via contrária da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Segundo Tondin (2013),

[...] o Estado, compreendido como guardião


primeiro dos interesses da burguesia,
historicamente não é tão célebre e interessado em
tomar a inciativa de melhorar a vida da população,
por isso, a sociedade – organizada por meio de
movimentos populares – é de suma importância
no alcance de políticas públicas que, de fato,
melhorem a realidade dos setores marginalizados.
(p. 30).

A respeito desta afirmação, o Estado por meio de implementação


de políticas públicas poderia suprir demandas e deliberar sobre muitos
problemas sociais, que perpassam a história de nosso país, como por
exemplo, a efetivação da reforma agrária, que há tanto tempo vem sendo
reivindicada na agenda política. Nesta discussão, cabem maiores
esclarecimentos sobre a situação atual desta política pública denominada
Reforma Agrária.
Enquanto a luta por terra se insere na tradição dos movimentos
sociais, com o objetivo de transformar a ordem social de uma sociedade
desigual, no Brasil a reforma agrária continua, ainda nos dias de hoje,
sem ser implantada. Nesse sentido, Tondin (2012) afirma, “Em nosso
país, porém, a questão agrária se caracteriza como um grave problema
social historicamente determinado.” (p. 29).
96

É diante desta condição histórica que o MST em toda sua


trajetória de luta pela terra se articulou e ainda se articula enquanto
movimento, para implantar a reforma agrária e promover
transformações sociais. Para conquistar tais objetivos este movimento
possui estruturas organizacionais encarregadas por articular e criar
estratégias contrárias ao modelo de globalização hegemônico.
Segundo Bogo (1999), a luta de classe sempre esteve marcada
por disputas desiguais, levando o campesinato a criar estratégias que
confrontassem a estrutura excludente de sociedade. Assim, diversos
movimentos sociais do campo vêm se organizando, fortalecendo suas
bandeiras e confrontando o sistema desigual.
Na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, os
movimentos populares reestruturaram as lutas sociais, fortalecem as
suas bases políticas e constroem uma sociedade mais participativa.
Dessa forma, o MST busca estratégias para mudar essa estrutura
excludente. Uma das alternativas mais radicais promovidas pelo MST
foi a ocupação dos latifúndios improdutivos, a fim de torná-los espaços
de integração social (POLI, 1999).
Para compreender o atual contexto histórico, de desapropriação
dos latifúndios pelo Estado e melhor redistribuição de terras entre os
camponeses sem-terra, pequenos agricultores e assalariados rurais em
geral, cabe ressaltar a origem das iniciativas de reforma agrária.

Ao longo da história moderna, mas, sobretudo, a


partir do desenvolvimento do capitalismo
industrial, muitos países e governos
implementaram programas de Reforma Agrária.
Esses programas, que surgiram ainda no século
XIX, tinham como objetivo garantir o direito à
terra e construir sociedades mais democráticas,
procedendo-se uma distribuição mais justa de um
bem da natureza que, a rigor, deveria ser de toda a
população que vive naquele território.
(CALDART et al., 2012, p. 660).

Os processos de distribuição de terras e desapropriação de


latifúndios se configuraram de maneira diversa, havendo nesta trajetória,
diferentes experiências de reforma agrária, fortalecendo ainda mais a
aliança entre burguesia industrial e comercial, levando diversos
camponeses a lutarem contra os interesses da oligarquia rural que
concentrava a propriedade da terra (CALDART et al., 2012).
97

Segundo Caldart et al. (2012), “[...] a expressão Reforma Agrária


continua sendo utilizada no Brasil apenas como sinônimo de
desapropriação de alguma fazenda e da política de assentamentos
rurais.” (p. 665). Para Francisco, liderança estadual do MST:

Das ações governamentais, primeiro que a


reforma agrária não está na pauta, como
prioritária. Nós continuamos neste dilema, o que
se faz hoje, na verdade não é reforma agrária no
Brasil ainda. O que se faz hoje, são assentamentos
né, que é diferente da reforma agrária, que
significa expropriar, ou seja, o Estado tomar de
volta e desapropriar, que é indenizar.

De fato, esta política tem sido há muito protelada da pauta


governamental, como afirmam os autores supracitados. Isso nos leva a
uma reflexão, de acordo com o discurso construído pelo MST em
materiais de formação de base sobre os motivos pelos quais não se
atende esta demanda. Primeiro, a reforma agrária se opõe aos interesses
do agronegócio. Segundo, a democratização da terra diminuiria o poder
de dominação capitalista em aliança com o capital internacional e
financeiro, que durante séculos tem acumulado grandes riquezas.
Terceiro, impediria a concentração da propriedade privada, eliminando o
latifúndio. E quarto, asseguraria a devolução para grupos
subalternizados de todas as terras, territórios, minérios e biodiversidade
hoje apropriados por empresas estrangeiras, o que certamente
ocasionaria grandes perdas na lucratividade dos latifundiários e nos
cofres públicos27.
Pelo que podemos observar, a reforma agrária poderia ser uma
alternativa para o desenvolvimento social de nosso país, que o capital
hegemônico não faz questão de instituir. Nesse sentido, Boaventura de
Souza Santos (2002) evidencia que, na busca por uma sociedade mais
justa e igualitária visando à reforma agrária, o MST luta para
transformar o paradigma estrutural vigente, criando estratégias políticas
que confrontem e resistam à globalização horizontalizada de uma
política implementada pela elite.

27
A reflexão realizada pela autora sobre os motivos de não ter ocorrido a reforma agrária são
interpretações de textos observados nas cartilhas de formação de base do MST: “Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: Lutas e Conquistas da Reforma Agrária: Por justiça
Social e Soberania Popular”, (2010); e “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra:
Programa Agrário do MST – Lutar! Construir a Reforma Agrária Popular”, (2014).
98

Para este autor, as lutas de classes se configuram em um espaço


global marcado por muitos confrontos políticos. De um lado a
globalização hegemônica, dominada pela lógica do capitalismo, do
outro, a globalização contra hegemônica28, formada pelas iniciativas
locais globais dos grupos sociais subalternizados pela globalização
hegemônica (SANTOS, 2002).
Diante da expansão desregrada da globalização, este pensador
afirma:

Trata-se de um longo processo histórico que desde


o século XV até hoje teve muitas facetas e
assumiu muitos nomes: descobrimentos,
colonialismo, evangelização, escravatura,
imperialismo, desenvolvimento e
subdesenvolvimento, modernização e, por último,
globalização. [...] a globalização não é algo
radicalmente novo: significa uma expansão
exponencial das relações transfronteiriças, umas
voluntárias, outras forçadas […] (SANTOS, 2002,
p. 16).

Este cenário confirma que fomos lubridiados ao conhecer nossa


própria história. Bauman (1999) afirma que nos encontramos em um
processo de globalização contraditório, entre dominantes e dominados.
Para o autor, o mundo está em constante transformação e desigualdades,
tornando-se um espaço privilegiado para a degradação social. Nesse
novo paradigma social global, o fator determinante é formado pelas
hierarquias dominantes, que garantem cada vez mais sua efetivação e
permanência no poder.
Neste sentido, durante pesquisa de campo realizamos alguns
questionamentos a lideranças do MST a respeito dos processos de
formação que visam confrontar e cobrar do Estado posicionamentos
mais incisivos a favor do Movimento. Nosso objetivo foi compreender
como a luta de classes era abordada nos momentos de formação e se, ao
fim deste processo, os sujeitos tinham compreensão de seu papel e de
sua condição. Assim se manifestou uma liderança:

28
Para o entendimento do conceito de contra hegemonia, é preciso considerar que todo
processo hegemônico produz outro contra hegemônico no interior do qual são elaboradas
formas econômicas, políticas e morais alternativas (SANTOS, 2002).
99

Eu vou te contar uma avaliação que um


trabalhador assentado me deu uma vez em uma
mobilização. Tinha-se trabalhado a bastante
tempo sobre a questão da luta de classes, que é
uma das grandes questões que a gente trabalha, a
relação estabelecida pelo capitalismo, bem como
o papel do Estado diante esta situação. Este
cidadão já tinha ido em muitas outras lutas já,
mais uma em especial ele foi e a polícia acabou
batendo nele e em outros que ali estavam,
proibindo o direito dele e seus companheiros de se
manifestarem. Daí, daquele momento em diante,
ele passou a dizer que tinha entendido o que é a
luta de classes. Que existem dois lados e o papel
do Estado, em que lado ele estava. Este relato
serviu pra provar de que lado nós estamos. Na
concepção destes trabalhadores, não se teve
dúvida de que nós estamos lutando contra a
burguesia e que nem sempre os órgãos
governamentais estão do nosso lado. (Francisco,
liderança estadual do MST).

Através desta fala é possível afirmar que, neste caso, a


consciência de classe se constrói a partir da práxis mediadora do
Movimento. Assim, podemos deduzir que estudar um determinado tema
sem que haja interlocução com a prática, de nada fará sentido àquele
sujeito, pois os sujeitos assimilam, interpretam, dialogam e refletem a
partir de situações da realidade social em que aplicam aquele
determinado conhecimento em suas vivências concretas (THOMPSON,
1987).
Para Santos (2004), com esta nova ordem social desigual, na qual
cidadãos veem seus direitos se distanciarem das práticas políticas do
Estado, estando vulneráveis às injustiças das organizações
multifacetadas e subalternas do capitalismo, revigora-se a necessidade
de um novo paradigma social emergente. No paradigma emergente,
segundo este autor, todo conhecimento é autoconhecimento, ou seja
“[...] o conhecimento é total e local” (SANTOS, 2004, p. 70), constitui-
se em torno de temas que em dado momento são adotados por grupos
sociais concretos e que podem ser interpretados em projetos de vida
locais, contribuindo com a história deste lugar. Para o autor, a
100

emancipação social está interligada à emancipação intelectual, pois,


“Não há justiça social global, sem justiça cognitiva social global”29.
Diante desse contexto, os movimentos sociais reforçam suas
redes e alianças mobilizando-se frente à opressão e exclusão social.
Finalmente, uma globalização alternativa, contra hegemônica nascia da
base para o topo das sociedades, emergia assim, em um contexto de
globalização capitalista, a esperança de uma transformação social do
status quo (SANTOS, 2002).
Embora os movimentos sociais tenham conquistado muitos
direitos, ainda encontram-se vulneráveis frente ao sistema financeiro
dominante, que cada vez mais se intensifica e concentra riquezas, não
havendo redistribuição do capital. Quando questionados de como veem
as políticas públicas para a reforma agrária, uma liderança relata o
seguinte posicionamento:

[...] no conjunto maior, as políticas públicas para


área da reforma agrária, para a pequena
agricultura familiar, ou camponesa como um todo,
ainda são muito insignificativas, ainda mais, pela
importância de tem a agricultura familiar e
camponesa para o desenvolvimento de uma nação.
Então assim, teve avanços, teve investimentos
econômicos, em partes, mais ainda são muito
pequenas. (Gregório, liderança estadual do MST).

Infelizmente, faltam políticas públicas de cultura, saúde, esporte e


lazer para homens, mulheres, jovens e crianças do campo. A ausência
delas têm contribuído significativamente para o aumento das
desigualdades sociais. Na questão da educação do campo, por exemplo,
ainda há muito que se avançar. A luta do MST “Por uma Educação
Básica do Campo”, segundo Mazzini e Oliveira (2010), postulam as
seguintes conquistas:

Ampliação da Educação de Jovens e Adultos;


implementação de programas de formação para
educadores do campo; garantia da Educação
Infantil e da Educação Fundamental nas
comunidades do campo; formação técnica voltada

29
Fala coletada no vídeo intitulado “As conversas do mundo”, do Projeto Alice, dirigido por
Boaventura de Souza Santos no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
101

às demandas de capacitação dos trabalhadores do


campo; implementação de políticas públicas de
valorização profissional dos educadores do
campo; implantação de bibliotecas,
brinquedotecas, salas de leitura, salas de
informática com acesso à Internet nas escolas do
campo; criação de secretaria ou coordenação da
Educação do Campo no Ministério da Educação;
criação de política de financiamento para
educação do campo, em todos os níveis. (p. 6-7).

Nessa perspectiva, podemos confirmar o que Santos (2001)


afirma: “Para aqueles que nada têm, restam medidas compensatórias,
mas que não eliminem de todo a exclusão.” (p. 40). Isto é, as políticas
públicas têm sido formuladas pelo menos retoricamente com o objetivo
de amenizar as necessidades de grupos sociais vulnerabilizados.
Bourdieu (1997 apud BAUMAN, 1999) afirma que o Estado
assume uma dupla face, um duplo comportamento, dependendo do
grupo social a que se refere, asseverando que:

O Estado beneficente, fundado no conceito


moralizante de pobreza, tende a bifurcar-se num
Estado Social que provê garantias mínimas de
segurança para as classes médias e num Estado
cada vez mais repressivo, que contra-ataca os
efeitos violentos da condição cada vez mais
precária da grande massa da população […] (p.
111).

Por conta disso, Morissawa (2001) defende que são necessárias


profundas mudanças na estrutura social em todo o mundo, neutralizar o
Estado e fazê-lo cumprir seu papel. As manifestações políticas
realizadas pelos movimentos sociais se articulam justamente para
pressionar o poder público a fim de que realize, em sentido amplo, a
reforma agrária a partir de ações e políticas públicas mais estruturantes
que contribuam efetivamente para a modificação do modelo produtivo
dominante, a redistribuição igualitária da terra e renda, conforme
podemos observar na fala de uma liderança estadual do MST:
102

Então, existe uma quantia de terra que, no nosso


país, continua imensamente desigual. O Brasil é o
segundo maior país em termos de desigualdade na
questão fundiária do mundo, só perde pro
Paraguai. Então, há uma desigualdade imensa. Por
este ponto de vista, o Estado não conseguiu
avançar nos casos pontuais dos assentamentos,
sejam em estruturas, em distribuições de rendas.
A reforma agrária é uma questão estruturante do
nosso país, é repensar o modelo produtivo, é
repensar a estratégia do campo e tal, e nós não
temos conjuntura e força política pra gente neste
momento promover uma mudança realmente
significativa. (Francisco).

Contudo, mesmo diante da organização e pressão do MST contra


o processo de globalização hegemônica, os exploradores nada mais
fazem a não ser explorar, não havendo estrições e/ou responsabilidade
pelos danos causados, sendo que o capital se reestrutura de diferentes
formas, migrando sempre para onde possa explorar com maiores
condições e liberdade (SANTOS, 2002).
Conforme sinaliza Bauman (1999, p. 43), os capitalistas e
corretores da era atual, graças à mobilidade dos recursos, não enfrentam
limitações reais, são salvos pelos impostos administrados sobre o livre
movimento do capital. O mesmo autor assinala que a “realidade das
fronteiras” é um fenômeno de classe que permite às elites se identificar
mais com elas mesmas do que com o resto da população a que
pertencem, criando, assim, uma cultura própria, singular e exploratória,
ou seja, ocidentalizada. Por isso, mesmo que surjam grupos de
resistência, como o MST, à homogeneização do capital, este encontra
formas de se reorganizar produtiva e socialmente na direção da
flexibilização dos direitos sociais.
Em função da reestruturação produtiva e das estratégias de
reorganização do capital global, observam-se consequências sociais do
processo desigual de globalização, as quais alguns autores afirmam ser
inúmeras, tais como o aumento da desigualdade e da exclusão social,
concentração maior de renda, falta de democracia e flexibilização dos
direitos sociais. No âmbito desse debate, Santos (2002) reafirma o papel
dos movimentos sociais na construção de uma democracia participativa
como uma forma de práxis:
103

Em síntese, os movimentos concebem a


democracia participativa como uma política
paralela de intervenção social, criando e mantendo
novos espaços para tomada de decisões (ou seja,
para autogoverno) pelas populações nas matérias
que afetam diretamente suas vidas. Como uma
forma de práxis, a democracia participativa é para
eles um processo político e social que se destina a
criar um novo sistema de governo, múltiplo e
sobreposto, que funcione através de uma
participação e de um controle mais direto das
populações envolvidas (ou seja, daqueles que são
afetados por esses governos). (p. 127-128).

A reflexão de Santos nos incita a pensar sobre as condições em


que os movimentos sociais expressam e concebem as ideias e práticas de
democracia participativa na direção de diferentes formas de organização
em torno de interesses públicos e valores, conflitos de poder, disputas
por hegemonia e políticas diversificadas e antagônicas, conforme
Scherer-Warren (2012). Nessa direção, a autora nos chama atenção para
os diferentes níveis organizacionais da sociedade civil “[...] em prol de
políticas sociais e públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e
pressões políticas” (p. 22-23). Esses diferentes níveis organizacionais
identificados na sociedade contemporânea (organizações de base ou
associativismo localizado; organizações de articulação e mediação
política; mobilizações na esfera pública) constituem a expressão de
diversos interesses tendo em vista a concretização de ideários de
mudança no campo da cidadania, emancipação e conquista de direitos
por parte de vários grupos sociais subalternizados, na forma de “Rede de
Movimento Social” conforme categorização de Scherer-Warren (2012,
p. 23-26).
Face às estratégias que o MST e demais movimentos têm
articulado, cabe perguntarmos: a representatividade destes movimentos
garante a democracia em um país marcado por exclusão social
produzida pela globalização neoliberal? Santos (2002) nos ajuda a
refletir sobre este questionamento. O autor realizou alguns estudos que
revelam que o MST assume um papel relevante e essencial na
sociedade, capaz de intervir e transformar este quadro social global
dominante, tornando possível transformações em relação ao status quo,
conforme exploraremos a seguir.
104

3.3 EDUCAÇÃO, PRÁTICAS EDUCATIVAS E MOVIMENTOS


SOCIAIS

A educação é um fenômeno complexo da existência humana. Por


conseguinte, também possui muitas definições, compreensões ou
explicações, caracterizando-se, portanto, de forma universal, mas
também particular, na medida em que acontece em diferentes lugares e
de diversos modos.

Educação... Esta é uma palavra que todo mundo


usa e por isso mesmo, tem muitos sentidos. Em
sentido amplo, podemos dizer que a educação é
um dos processos de formação da pessoa humana.
Processo através do qual as pessoas se inserem
numa determinada sociedade, transformando-se e
transformando esta sociedade. Por isso ela está
sempre ligada com um determinado projeto
político e com uma concepção de mundo.
(CALDART, 2005, p. 160-161).

Para Marques (1996):

A educação se cumpre num diálogo de saberes,


não em simples troca de informações, nem em
mero assentimento acrítico a proposições alheias,
mas na busca do entendimento compartilhado
entre todos os que participam da mesma
comunidade de vida, de trabalho [...] (p. 14).

Assim, cumpre-se a educação em seu sentido mais amplo,


fundada no processo de construção e reconstrução dos diferentes
saberes, daqueles que participam de sua organização e de suas práticas,
em uma perspectiva mais igualitária.
Tais reflexões nos direcionam a pensar sobre o cenário em que a
educação escolarizada foi constituída, visto que ela traz consigo um
caráter dual e político ineficiente, ou seja, durante muito tempo esteve
orientada somente para a formação de uma elite dominante e, portanto,
não atendia os setores populares e os interesses deles.
A “educação oficial” oferecida nas redes de ensino, em diferentes
níveis, currículos e diplomas, denomina-se de educação formal. Para
Cendales e Mariño (2006), “educação gradual, sistemática, é chamada
105

de educação formal” (p.11), que é mediada pela participação e


intervenção direta do educador, que tem por objetivos a aprendizagem
de conteúdos sintetizados e fomentados pela Lei de Diretrizes e Bases
(LDB).
Em termos de diferentes processos de ensino e aprendizagem e
espaços de atuação pedagógica onde se desenvolvem práticas
educativas, alguns autores, como Freire (1974;1987;1985) e Cendales e
Mariño (2006), têm apresentado alternativas que nos orientam para uma
educação para além da sala de aula, onde muros e paredes não se fazem
necessários.
Através das reflexões tecidas até o momento, é possível afirmar
que os movimentos sociais possuem um importante papel social na
constituição de práticas educativas não formais. Partimos do pressuposto
de que o MST possuiu uma pedagogia própria capaz de contribuir
significativamente para a transformação social, tendo em vista um
projeto de empoderamento e emancipação social, seja para lidar com
questões práticas, seja para questionar e refletir sobre a conjuntura social
e econômica. Desse modo, experiências, processos educativos,
consciência e prática social se complementam.

Se a terra representava a possibilidade de


trabalhar, produzir e viver dignamente faltava-lhes
um instrumento fundamental para a continuidade
da luta. [...] A continuidade da luta exigia
conhecimentos tanto para lidar com assuntos
práticos, como financiamentos bancários e
aplicação de tecnologias, quanto para
compreender a conjuntura política, econômica e
social. Arma de duplo alcance para os sem-terra e
os assentados, a educação tornou-se prioridade no
Movimento. (MORISSAWA, 2001, p. 239).

Considerando o processo de construção do MST, podemos


observar que sua emancipação vem sendo concebida por trabalhadores e
trabalhadoras responsáveis por sua própria história. Uma história que,
segundo Caldart et al (2012), só é possível devido às práticas
pedagógicas e à produção de conhecimento formuladas coletivamente,
que em suas análises englobam embates em que o movimento está
envolvido.
106

A grande maioria dos escritos do setor é produto


de muitas cabeças e muitas mãos, e se caracteriza
por ser sistematização de experiências coletivas:
valorização da prática e de seus sujeitos, e diálogo
com teorias produzidas desde a mesma
perspectiva de classe e de ser humano. Percebe-se,
entre os Sem Terra, que o trabalho de educação do
MST tem fortalecido o valor do estudo como
apropriação e produção do conhecimento, e sua
relação necessária, ainda que não exclusiva, com
o direito ao avanço, cada vez mais ampliado, da
escolarização. (CALDART et al., 2012, p. 507).

Percebe-se, portanto, que o processo de formação político-


ideológico do MST está orientado por experiências coletivas,
caracterizadas por um trabalho de educação que valoriza práticas em
torno da apropriação e produção de conhecimento, não somente
escolarizadas, mas voltadas para uma formação mais ampliada enquanto
classe.
Nessa perspectiva de uma educação não exclusivamente formal, o
movimento tem orientado sua formação para uma Educação do Campo e
começou a incluir em sua agenda a discussão de uma proposta diferente
de escola, uma escola capaz de contribuir para um processo mais amplo
de luta das famílias sem-terra.
Pressionado pela mobilização das famílias e educadores, o MST,
enquanto organização social de massa, assume a importante tarefa de
organizar e articular uma proposta pedagógica para formar educadores
capazes de trabalhar na perspectiva almejada pelo movimento.
Nesse sentido, Vendramini (2010) ao analisar o Movimento
Nacional por Uma Educação do Campo e sua relação com um projeto
histórico afirma que esta proposta não pode se reduzir a uma política de
Estado que garanta apenas o direito e o acesso à educação escolar, mas
sim a um projeto político emancipatório “[...] a respeito da necessidade
histórica, inadiável, de superação das atuais relações sociais, que
expressam profundas desigualdades sociais.” (p. 132). Para tanto, a
autora propõe que este campo seja pensado a partir da “[...] relação entre
a educação e a produção material da vida, com base no materialismo
histórico-dialético, o que compreende os processos formativos como
constituídos no âmbito das relações sociais, determinadas
essencialmente pelo trabalho.” (p. 131).
A criação de um Setor de Educação dentro do MST foi
formalizada em 1987. Sua atuação e o próprio conceito de escola aos
107

poucos foram sendo transformados, tanto em abrangência como em


significado. A partir deste contexto, a educação ganha um caráter não
somente educativo, mas também político, usado como ferramenta nas
estratégias de luta traçadas pelo movimento.
As dificuldades de acesso ao ensino regular levaram o
Movimento a criar novas estratégias educacionais que pudessem
amenizar a inacessibilidade de seus militantes à educação. Assim, deu-
se início a uma nova proposta pedagógica, denominada de Escola
Itinerante. Por isso, como em todos os outros espaços de acampamento,
o ADJG também buscou articular-se para suprir as necessidades
educativas, conforme os relatos a seguir:

Devido à falta de acesso ao ensino, nós tivemos


que construir uma estrutura provisória pra escola
dentro do acampamento. Estudavam desde os
mais pequenos até os mais de idade, todo mundo
estudava […]. Na época, a gente construiu a
estrutura com madeira do mato, doação de restos
de madeira de construção e lona. Nós fizemos um
grande barracão e ali funcionava a creche, a
escola Itinerante, a igreja, associação. (Assentada
Joana).

E quando terminou o tempo de aula deles aqui no


assentamento, porque aqui tinha só até a quinta
série, né, aí eles começaram ir pra comunidade
Água Amarela. Terminava ali, tinha que ir pro
Seminário, lá no Colégio São Francisco, aonde
conseguiam terminar os estudos lá, né. (Assentada
Dandara).

A organização e efetivação da Escola Itinerante, criada para


suprir as necessidades educativas destes sujeitos, foi providenciada pelo
Departamento Pedagógico da Secretaria de Educação, Divisão de
Ensino Fundamental, juntamente com o Setor de Educação do
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Rio Grande do Sul.
A aprovação do Conselho Estadual de Educação, no ano de 1996,
significou o reconhecimento oficial da Escola Itinerante, com o nome de
Experiência Pedagógica: “Foi uma conquista política, um desafio
pedagógico.” (MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM TERRA, 1998, p. 12). Teve como Escola-Base a Escola Estadual
de 1º grau Nova Sociedade, do assentamento Itapuí, no município de
108

Nova Santa Rita. Esta escola passou a dar suporte organizativo e


institucional às demais Escolas Itinerantes que iam sendo criadas.
(MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
1998).30 Criada inicialmente para acolher o povo sem-terra, a Escola
Itinerante, tornou-se um dos maiores marcos na luta destes
trabalhadores.

Talvez um dos principais aprendizados da Escola


Itinerante esteja sendo o de que é possível trocar
saberes, ensinar e aprender coisas importantes,
mesmo numa escola sem sala, como dizem as
crianças. Debaixo das árvores, num quarto de
alojamento, em quadras de futebol, no meio da
estrada, nos pavilhões dos parques de exposições
as aulas acontecem, aulas de cidadania, de
realidade, que produzem conhecimentos sobre a
vida e como torná-la mais bonita, mais justa, mais
humana. (MOVIMENTOS DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
1998, p. 7).

Caldart (2000) explica que “[...] é a escola que deve ajustar-se,


em sua forma e conteúdo, aos sujeitos que dela necessitam; é a escola
que deve ir ao encontro dos educandos, e não o contrário.” (p. 63). Para
a autora:

O processo pedagógico é um processo coletivo e


por isto precisa ser conduzido de modo coletivo,
enraizando-se e ajudando a enraizar. Por isto não
se trata de construir modelos de escola ou de
pedagogia, mas sim de desencadear processos,
movidos por valores e princípios, estes sim
referências duradouras para o próprio movimento.
(p. 75).

Considerando a reforma agrária, o fazer pedagógico do MST


exige métodos e práticas educativas contra hegemônicas, caracterizando

30
São responsáveis pela execução da Proposta Pedagógica nas Escolas Itinerantes:
“Representantes dos MST: a Direção Estadual, as Direções do Ensino Acampamentos, as
Equipes de Educação dos Acampamentos e o Setor de Educação; e pela Secretaria Estadual de
Educação: a Divisão do Ensino Fundamental, Departamento Pedagógico, assessorada pela
Comissão Interinstitucional de Educação nos Acampamentos e Assentamentos”.
(MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1998, p. 15).
109

um processo que certamente tem contribuído para que o Movimento se


fortaleça coletivamente. Desse modo, muitos trabalhadores buscaram
promover a emancipação de seu coletivo, fortalecer algumas utopias e,
dentro do possível, traçar suas lutas frente ao modelo hegemônico, tendo
em vista a conquista de seus direitos.
Segundo Caldart (1997), as práticas de formação desenvolvidas
pelo MST têm o objetivo de fortalecer a luta do Movimento,
consolidando-se para a construção de uma nova hegemonia. Isto porque
a escola no acampamento e/ou assentamento corresponde a um projeto
de classe distinta: “A questão da legalização de escolas nos
acampamentos é uma bandeira específica de luta do MST, em vista de
garantir o próprio direito constitucional das crianças e dos jovens à
educação.” (p. 32).
Para os trabalhadores e trabalhadoras que buscam a reforma
agrária, “A luta pela terra continua, a cada novo acampamento vai sendo
organizada uma nova Escola Itinerante” (MOVIMENTOS DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1998, p. 13) e, dessa
forma, novas lutas e novas conquistas, vão sendo organizadas
coletivamente. Ou seja, a Escola Itinerante faz parte da luta destes
trabalhadores, logo possui um papel primordial na formação social
destes sujeitos, como confirma o assentado Carlos: “Por falar na escola,
nós tinha uma bem organizada aqui. Apesar de ser provisória, afinal,
você nunca sabe se vai permanecer ali por muito tempo, foi algo que
marcou, foi uma coisa que deu muita força naquele momento da luta,
né.” Conclui-se que a trajetória histórica do MST se desenvolve através
de dois eixos complementares: a luta pela terra e o direito à educação
(CALDART, 1997).
Já no início de 1984, no processo de luta pela terra, o MST
compreendeu que a educação era um processo social fundamental de
formação das pessoas como sujeitos de seu próprio destino, por isso,
trabalhadores e trabalhadoras saíram às ruas para hastear suas bandeiras
e reivindicar o direito à educação (CALDART, 2000). Motivados pelo
sonho do letramento31, trabalhadores e dirigentes de base ao criarem um
Setor de Educação, objetivavam que sua nova e principal bandeira de
luta se fortalecesse e se concretizasse.

31
A utilização deste conceito caracteriza a função social designada ao processo de
alfabetização almejada pelo Movimento. O letramento exige ir além da alfabetização funcional
(denominação dada às pessoas que foram alfabetizadas, mas não sabem fazer uso da escrita).
Para Soares (1998), letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um
contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do aluno.
110

Temos uma preocupação prioritária com a


escolarização da população do campo. Mas, para
nós, a educação compreende todos os processos
sociais de formação das pessoas como sujeitos de
seu próprio destino. Nesse sentido, educação tem
relação com cultura, com valores, com jeito de
produzir, com formação para o trabalho e para a
participação social. (KOLLING; CERIOLI;
CALDART, 2002, p. 19).

Por isso, a formalização do Setor de Educação do MST assume


um importante papel: garantir que todas as crianças tenham acesso ao
estudo e que se envolvam ativamente nas atividades do assentamento
e/ou acampamento, bem como, contribuir para uma formação de sujeitos
sociais capazes de denunciar e intervir nas disparidades do sistema
político (MORISSAWA, 2001).
Caldart (1997) descreve que uma das estratégias de emancipação
social assumidas pelo MST é fortalecer o Setor de Educação, tendo em
vista a transformação nas relações sociais. Segundo esta autora:

A pretendida transformação nas relações sociais


de produção no campo exige novos saberes, novas
posturas, novos valores, impossíveis de serem
produzidos sem a combinação das ações políticas
e econômicas com um projeto educacional
massivo, arrojado, global. (p. 158).

Podemos observar, então, que a educação tem relevante função


social para o Movimento. Stedile e Fernandes (2000) reforçam a
importância da democratização do conhecimento para a emancipação
social do Movimento, em uma perspectiva de luta contra o latifúndio, o
capital e a ignorância.

Existe a compreensão de que o MST deve lutar


contra três cercas: a do latifúndio, a do capital e a
da ignorância. Essa última não no sentido apenas
de alfabetizar pessoas, o que é simples, mas no
sentido de democratizar o conhecimento para um
número maior de pessoas. O desenvolvimento
depende disso. (STEDILE; FERNANDES, 2000,
p. 75).
111

Para estes autores, uma das formas de se construir estratégias que


sejam contra hegemônicas é através de uma educação transformadora,
ou seja, comprometida com as causas do Movimento, na luta pela
igualdade, dignidade e justiça social global.
Uma proposta de Educação do Campo transformadora,
emancipatória e popular deve, portanto, estar pautada, segundo
Vendramini (2010), em um projeto político que tenha a classe como
centralidade para compreender as relações sociais e produtivas mais
amplas que envolvem campo e cidade. Para a autora:

Há a necessidade premente de recuperar a


dimensão do trabalho como central nas análises
sobre a Educação do Campo e sobre os
Movimentos Sociais, compreendendo que a
educação só pode ser pensada em condições
materiais concretas e, especialmente, nas formas
de produção da vida alternativas às atuais.
Consideramos que a defesa de uma Educação do
Campo tem como sustentação o reconhecimento
de uma realidade de trabalhadores e trabalhadoras
do campo que têm resistido para continuar
produzindo sua vida no espaço rural. E,
especialmente, o reconhecimento de que essa
realidade precisa ser alterada, tendo em vista a
crescente pobreza, o desemprego, as grandes
desigualdades sociais e as dificuldades de acesso
às políticas públicas (saúde, educação, transporte,
infraestrutura etc). Portanto, pensar um projeto de
Educação do Campo pressupõe a sua
sustentabilidade em termos econômicos, sociais,
culturais e ambientais. (p. 134).

As reflexões que se seguem, apresentam e conceituam as


correntes pedagógicas e métodos de educação que fundamentam a base
da formação político-ideológica do MST.

3.4 EDUCAÇÃO POPULAR: CONCEPÇÕES E PRÁTICAS


FORMATIVAS

No bojo das segmentos sociais marginalizados é que a Educação


Popular acontece. É junto a eles que ocorre a mais completa tradução e
112

prática desta concepção de educação que, no entender de Brandão


(2002), funda-se no respeito à identidade e na busca da igualdade. E
ainda, nos termos deste pensador, podemos nos remeter aos
fundamentos da Educação Popular:

Mas em alguns lugares algumas vozes começaram


a pensar diferente. Elas retomavam à idéia antiga,
tantas vezes silenciada de que educar é fazer
perguntas. De que ensinar é criar pessoas em
quem a inteligência venha a ser medida mais pelas
dúvidas mal formuladas do que pelas certezas
bem repetidas. De que aprender é construir um
saber pessoal e solidário, através do diálogo entre
iguais, sociais e culturalmente diversificados. Elas
começaram a suspeitar que um conhecimento apto
é uma maneira frágil e efêmera de criar idéias,
mais do que de reproduzir saberes. (p. 435).

Antes de refletirmos esta vertente educativa (Educação Popular)


que orienta a base formativa do MST, cabe compreendermos o cenário
das políticas educacionais. O direito à educação é um princípio
fundamental defendido pelos movimentos, a partir de ações políticas
coletivas. Durante vários momentos do percurso histórico de nossa
sociedade, as camadas populares defendem seu direito a uma educação
pública, de qualidade e igualitária a todos e a todas.
No Brasil, as práticas educativas junto as camadas populares
polarizam-se politicamente em duas correntes contrárias. De um lado,
temos a existência de iniciativas do Estado promovidas pelas classes
dominantes. De outro, os movimentos de educação popular, amparados
por coletivos sociais, não governamentais. Nesta vertente, a educação
exerce um papel preponderante na formulação de um novo cenário
educacional para o campo, constituído como um espaço de emancipação
social e política.
Para compreender esta conjuntura e a importância das práticas
educativas no MST, faz-se necessário esclarecer conceitualmente o que
é Educação Popular e quais as concepções e práticas que norteiam esta
corrente de pensamento no movimento.
Para situarmos a origem da Educação Popular no Brasil, é preciso
retroceder à década de 1920, quando diversos intelectuais da Escola
Nova discursavam sobre uma educação “voltada para todos”. Entretanto,
o debate da educação popular foi protelado até os anos 1960, quando o
Brasil entra em um processo mais acelerado de industrialização e
113

urbanização. Esta situação impôs demandas de trabalhadores com maior


qualificação para o trabalho, na qual se exigia minimamente que fossem
alfabetizados (PALUDO, 2001).
De acordo com Paludo (2001), a migração de milhares de
agricultores para a cidade, em busca de melhores condições de vida,
levou o Estado a repensar as políticas educacionais para as classes
populares. Porém, como não existiam estruturas e profissionais
qualificados para a formação destes trabalhadores, as políticas adotadas
acabaram por reforçar uma educação voltada apenas para o modo de
produção capitalista. A história da educação popular, segundo este autor,
nasce neste cenário, em pleno processo de “modernização” industrial.
Diante da exploração da mão de obra barata e condições de trabalho
precárias, milhares de trabalhadores são obrigados a reivindicar seus
direitos em movimentos sociais e lutar contra o sistema opressivo da
ditadura militar.
Neste contexto de industrialização e urbanização, de fortes
assimetrias sociais, econômicas e culturais, configura-se uma maioria
desprovida de direitos sociais e um sistema de ensino elitizado a serviço
dos interesses hegemônicos da minoria, o que faz surgir uma nova
concepção educacional avivada por um movimento de educadores,
trazendo práticas e teorias que então denominaram-se como Cultura
Popular32. Considerada símbolo ideológico das classes populares, tecida
a priori fora dos muros da escola, nos círculos de cultura, este
movimento busca questionar o distanciamento entre a cultura elitizada e
a cultura popular através de um processo de democratização.
Um dos principais objetivos da organização dos educadores, em
prol da educação popular, entendida como educação do povo e para o
povo, era buscar promover a participação coletiva das classes populares
em todos os setores governamentais. Para Paludo (2001), com os
direitos garantidos legalmente, os sujeitos sociais poderiam minimizar
as desigualdades e principalmente as disparidades educacionais, através
de processos contínuos e permanentes de participação social, que
tivessem a intenção de transformar a realidade a partir do protagonismo
dos seus próprios sujeitos.
A Educação Popular caracterizou-se enquanto processo de lutas
sociais, por políticas educacionais diferenciadas e contribuiu para a

32
“Cultura Popular é todo processo de democratização da cultura que visa neutralizar o
distanciamento, o desnível anormal e antinatural entre as duas culturas através da abertura a
todos os homens [...]. Fazer, Cultura Popular, portanto, é democratizar a cultura.” (MACIEL,
1963, p. 143-144).
114

valorização do saber popular. Esta proposta educacional é adotada


também por determinados espaços escolares institucionalizados,
podendo ser vivenciada em práticas educativas experienciadas por
educadores adeptos a esta concepção de educação, defendida e
sistematizada por importantes pensadores sociais e que permanece ainda
nos dias atuais através de reflexões e práticas diversas33.
No que concerne à Educação Popular no contexto atual, Streck
(2006) considera que ela “[...] saiu do seu enclausuramento, e as atitudes
de defesa e contestação deram lugar a uma busca para participar de
forma propositiva da vida nacional.” (p. 274). Para este autor, a
Educação Popular não se restringe a sindicatos, igrejas e grupos de
caráter alternativo e popular, mas incorporou-se à política e à pedagogia.
Contudo, este autor adverte que é preciso fortalecer o movimento pela
educação popular, seja em instâncias governamentais ou coletivos
construídos por diferentes grupos.
Na mesma esteira de Streck (2006), Caldart et al. (2012) afirmam
que:

A educação popular vai se firmando como teoria e


prática educativas alternativas às pedagogias e às
práticas tradicionais e liberais, que estavam a
serviço da manutenção das estruturas de poder
político, de exploração da força de trabalho e de
domínio cultural. Por isso mesmo, nasce e
constitui-se como “Pedagogia do Oprimido”,
vinculada ao processo de organização e
protagonismo dos trabalhadores do campo e da
cidade, visando à transformação social. (p. 283).

Considerando os propulsores da Educação Popular, cabe discorrer


sobre um dos pensadores pioneiros e maior inspirador dessa visão de
educação, o educador Paulo Freire. Suas contribuições ao pensamento e
à prática desta concepção libertadora é um marco não só no Brasil, mas
na América Latina e no mundo todo.
A educação aos olhos de Freire (1997) é um ato político, um
instrumento de libertação que se dá por meio da práxis transformadora,
que toma partido pelo oprimido. Logo, a educação enquanto instrumento
libertário afirma que homens e mulheres são parte ativa desse processo,

33
Alguns pensadores e pesquisadores da Educação Popular: Freire (1974; 1985; 1987), Paludo
(2001), Caldart (2012), Fávero (2006), Peixoto (2007) e Gadotti (2007).
115

para assim, se descobrirem e produzirem em comunhão. Considerando


as afirmações realizadas por Freire (1987), a educação

[...] tem de ser forjada com ele e não para ele,


enquanto homens ou povos, na luta incessante de
recuperação de sua humanidade. Pedagogia que
faça da opressão e de suas causas objeto de
reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu
engajamento necessário na luta por uma
libertação, em que esta pedagogia se fará e se
refará. (p. 32).

A concepção libertadora de educação proposta por este pensador


evidencia a construção e implementação de um novo projeto histórico.
Um projeto fundamentado em uma epistemologia entre teoria e prática,
pois, nas palavras do autor, “Não há nada, contudo, de mais concreto e
real do que os homens no mundo e com o mundo.” (FREIRE, 1984, p.
51). A partir dessas breves reflexões, podemos evidenciar que a
educação popular de inspiração freireana sempre manteve diálogo entre
o oprimido, seu mundo e sua cultura. Nas palavras deste pensador, as
pessoas aprendem a ler o mundo que os cerca, antes mesmo das palavras
e frases (FREIRE, 1985).
Talvez sejam estes e tantos outros motivos que levaram os
movimentos a se inspirarem nas teorias sobre o conhecimento popular
deste pensador. Afinal, afirma-se por meio dela a capacidade da
educação popular contribuir para formação humana e emancipadora de
sujeitos históricos e culturais. Tal “método” pode ser encontrado em
cartilhas de formação de base do MST. Em discursos proferidos, a
aprendizagem coletiva deve estar presente nas práticas dos movimentos
sociais, logo, suas práticas educacionais não servem apenas para
conhecer o mundo, mas também para transformá-lo (MOVIMENTOS
DOS TRABALHADORES SEM TERRA, 2009).
No mesmo sentido, Cendales e Mariño (2006) destacam que “[...]
educação popular é uma corrente de pensamento, uma maneira
intencional de fazer educação a partir dos interesses dos meios populares
e um modo de contribuir para os processos de transformação social.” (p.
13). Diante das reflexões desses autores, podemos perceber que o campo
da educação popular deve promover o diálogo, em diferentes espaços de
inclusão, na busca da construção de uma sociedade democrática, tendo
como objetivo reafirmar a identidade de um determinado grupo.
116

É diante desta perspectiva que o MST elencou a Educação


Popular como sendo necessária, pois o Movimento acredita que através
dela os trabalhadores construirão consciência coletiva e potencialidades
intelectuais que lhes proporcionaram atuar em todos os setores sociais.
Para melhor compreendermos como vem sendo caracterizada a
educação popular no MST, discorreremos sobre os sentidos atribuídos
às atividades educativas e seus fundamentos no âmbito deste movimento
social, com base na ideia de que, no cenário de luta pela reforma agrária,
a Educação Popular encontra-se comprometida não somente com a
educação, mas também, com todo um plano ético-político de
emancipação da classe trabalhadora.
No âmbito do Movimento, a educação popular vem para cumprir
seu papel, pois esta é fonte de produção do conhecimento altamente
carregada de intencionalidade. Aos poucos, a educação popular vai
sendo veiculada para além da transmissão de saberes, passando a ser um
ato político de caráter transformador, que acontece dentro e fora do
espaço escolar (FREIRE, 2003).
É nesse sentido que afirmamos que a Educação Popular pode ser
compreendida também como um ato de formação político-ideológico da
classe trabalhadora, numa perspectiva tanto emancipatória quanto de
transformação do status quo, sendo a escola e a sociedade espaços
legítimos de fomentação da educação popular.
É através da relação entre espaço-tempo que o MST faz uso dos
princípios da Educação Popular para definir os lugares de intervenção
desta teoria libertadora que, por sua vez, seria capaz de dar condições
para transformar estruturas sociais opressoras.
Este instrumento político de conscientização se constrói e
reconstrói através de novos saberes compartilhados, pois como afirma
Brandão (2002), “A educação do MST é, ela própria, vivida ‘em estado
de movimento’” (p. 323), o que sugere que a educação popular, na
maioria das vezes, está orientada para os reais interesses do Movimento.
Certamente que o reconhecimento da Educação Popular,
independentemente da terminologia, estará vinculando à aquisição de
um saber constituído a partir de um projeto social transformador.
O que podemos inferir, é que o MST através desta ação dialógica
propiciada pela prática da Educação Popular tem contribuído com o
processo formativo deste movimento de modo profícuo, no sentido de
incorporar posturas de confronto frente ao sistema de dominação
hegemônico.
Assim sendo, compreendemos que a Educação Popular cumpre
seu papel mediador da práxis ideológica deste movimento. Para
117

Brandão (2002), esta educação, incorporada como ferramenta de


libertação, cumpre seu papel pedagógico que foi organicamente
experienciado através de um poder compartilhado. Desse modo, trata-se
de uma proposta de educação política da classe trabalhadora, cujo
objetivo não se esgota em si mesmo, pois com o tempo, novas formas e
novas práxis de educação popular vão sendo reconstruídas em diferentes
espaços do movimento, sejam estes, formais ou não formais.

3.4.1 Momentos e práticas educativas não formais vivenciadas por


sujeitos do MST

Durante todo o percurso de realização desta pesquisa, estive


envolvida em atividades promovidas pelo ADJG, como congressos
estaduais, encontros municipais e estaduais, reuniões internas e externas,
celebrações, assembleias etc., todos considerados aqui, momentos e
práticas educativas não formais.
A participação nestes momentos foi de grande relevância no
sentido de compreender que as atividades realizadas perpassam os
processos que compõem os fundamentos teóricos e práticos da formação
realizada pelo MST, os quais atravessam as concepções pedagógicas
tanto da educação popular quanto da educação não formal.
Para tanto, a fim de dialogarmos sobre os encontros existentes
entre estas práticas educativas, realizaremos uma breve reflexão sobre
concepções acerca da educação não formal, bem como a forma como ela
vai sendo concebida pelo quadro de dirigentes e formadores do MST.
No que se refere à educação não formal no Brasil, sua gênese
deu-se em meados da década de 1990, quando houve grande ascensão da
sociedade civil, em decorrência de mudanças impostas pelo modelo
neoliberal na política, economia e no mundo do trabalho. Diante de um
modelo elitista de ensino, muitos autores do campo da educação
discursam sobre uma emergente vertente educacional voltada à
formação de todos os excluídos. Os conceitos e definições acerca do
termo educação não formal ganhou diferentes interpretações.
Na definição de Von Simson (2001), a educação não formal deve
ser orientada para todos os indivíduos, o que não implicaria em maiores
formalidades como, por exemplo, o diploma escolar, pois o que
realmente importa é a flexibilidade do currículo, que deveria estar
voltado às necessidades das classes populares. No entanto, para Gohn
(1999), a educação não formal deveria estar lado a lado com a educação
118

formal, no sentido de que se permita unificar os conteúdos de ambos os


currículos. Por conta desta visão, a autora defende que não se deve
isentar o Estado de seu dever político e social. Contudo, os autores
concordam em uma questão central, a escola não é o único lugar de se
promover a educação.
De acordo com as reflexões anteriores, podemos afirmar,
portanto, que as práticas educativas de educação não formal que o MST
aborda, pode constituir-se também no contexto da educação popular,
isto quando sua proposta estiver caracterizada enquanto espaço de
inclusão, que tenha pretensão de construir uma sociedade democrática.
Isto requer dizer que a educação não formal e/ou popular não se opõe à
educação formal, pois, segundo Gadotti (2012), ela “[...] é mais difusa,
menos hierárquica e menos burocrática” (p. 8) e por este motivo está
“[...] ligada fortemente a aprendizagem política dos direitos dos
indivíduos enquanto cidadãos e a participação em atividades grupais
[...]” (p. 8), permitindo reafirmar a identidade de um determinado grupo.
Partindo disso que queremos dialogar com as práticas formativas do
MST.
Este movimento tem proferido que através das relações entre
diferentes sujeitos é que a democracia e a solidariedade acontecem, pois
os problemas e tomada de decisões são discutidas e pensadas em
conjunto, para o bem estar de seu povo.
A postura horizontal da educação nos espaços coletivos do
Movimento, no caso, os assentamentos, vem contribuindo na formação
de sujeitos sociais capazes de denunciar e intervir nas disparidades de
um sistema político e econômico dominante e desigual.
A proposta proferida pela educação não formal, relacionada à
educação popular, tem buscado romper com padrões educacionais
tradicionais, apresentando propostas inovadoras à educação e processos
educativos pautados por uma postura que possa potencializar e
fortalecer diferentes sujeitos através da reflexão sobre sua condição
social, política e cultural.
Uma proposta pedagógica para o campo e cidade exige pensar no
coletivo, em suas particularidades, nas contradições sociais, nas
potencialidades e conflitos, reavaliando a vida concreta destes
trabalhadores para que acreditem em si mesmos (CALDART et al.,
2012). Desenvolver uma proposta de educação, que proporcione
conhecimento e experiências concretas de transformação da realidade,
tem sido um dos grandes desafios do MST. Este elencou alguns
princípios que norteiam as práticas educativas que se cumprem no
campo formal e não formal deste movimento, a saber:
119

a) ter o trabalho e a organização coletiva como


valores educativos fundamentais;
b) integrar a escola na organização do
assentamento;
c) formação integral e sadia da personalidade da
criança;
d) a prática da democracia como parte essencial
do processo formativo;
e) o professor deve ser sujeito integrado na
organização e interesses do assentamento;
f) a escola e a educação devem construir um
projeto alternativo de vida social;
e) uma metodologia baseada na concepção
dialética do conhecimento. (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
2005, p. 29).

Cabe ressaltar que em cada um destes processos educacionais


existem agentes que promovem saberes diferentes. Na educação formal,
este agente é o educador, seus ensinamentos ocorrem em espaços
escolares, que na maioria das vezes são regidos por órgão públicos,
distritais, municipais estaduais e federais; comunitários; e privados. Já
Na educação não formal, os agentes envolvidos no processo precisam
compreender que o termo a ela designado serve para diferenciá-la dos
processos de educação formal, não havendo um agente responsável
específico, o que não significa que não possam complementar-se no
âmbito formal e não formal durante o processo de ensino-aprendizagem,
em diferentes espaços pedagógicos. Para Cendales e Mariño (2006),

[...] a educação que se realiza dentro da escola e a


que se realiza fora dela relacionam-se entre si.
Algumas vezes se complementam, outras se
contradizem e em outras a educação não-formal
cumpre uma função compensatória ou se torna a
única possibilidade para quem, por razões de
exclusão, não tem acesso à escolaridade mínima.
(p. 12).

Assim, interpretamos que no contexto educativo do MST a escola


não é o único espaço de construção dos saberes e socialização, pois
todos os espaços estão engajados na luta pela transformação da
realidade. Assim, podemos constatar que tanto a educação popular
120

quanto a educação não formal assumem necessariamente o papel de


promover a superação da condição social dos sujeitos envolvidos e a
luta por uma nova sociedade, de gestar práticas conscientes, libertadoras
e igualitárias que envolvem a todos e a todas, pois o MST compreende a
educação como um processo amplo, uma ação social, que ocorre nas
práticas cotidianas do Movimento. Logo, entende-se que a educação
vivenciada nos movimentos sociais caracteriza-se por ser um processo
de produção, apropriação e partilha de experiências e conhecimentos
sobre a realidade social, política, econômica, cultural e ontológica.
Na sequência descreveremos alguns espaços e atividades
observadas e acompanhadas (seminários, encontros, eventos) durante o
trabalho de campo, destacando-as enquanto momentos e práticas de
educação não formal e que contaram com a participação de integrantes
do MST e em algumas ocasiões por integrantes do assentamento
estudado.

3.4.1.1 II Seminário de Desenvolvimento Territorial e Agricultura


Familiar: produzindo alimentos para garantir a segurança alimentar34

Esta atividade ocorreu no dia 18 de julho de 2014 e abordou a


temática Agricultura familiar: produzindo alimentos para garantir a
segurança alimentar, buscando adensar o debate sobre a agricultura
familiar, observada do ponto de vista prático de algumas experiências
apresentadas durante o evento. De acordo com a problemática elencada,
o principal objetivo que orientou o evento foi o de promover algumas
reflexões sobre o futuro da agricultura familiar no contexto atual.

34
A atividade foi realizada na cidade de Chapecó, em parceria com Empresa de Pesquisa
Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), Centro de Pesquisa para
Agricultura Familiar (CEPAF); Centro de Treinamento de Chapecó (CETREC) e Atividades
Não Agrícolas e Auto Abastecimento (ANAA).
121

Figura 4 – II Seminário de Desenvolvimento Territorial e Agricultura


Familiar: produzindo alimentos para garantir a segurança alimentar

Fonte: PEREIRA (2015).

Durante a programação foram apresentadas experiências


desenvolvidas no âmbito da agricultura familiar pela EPAGRI na região
Oeste de Santa Catarina. Esta exposição possibilitou conhecer os
projetos e ações alternativas de produção que esta instituição vem
desenvolvendo.
Num segundo momento, o sociólogo Sergio Schneider, da
Universidade Federal Rio Grande do Sul (UFRGS), realizou uma
palestra sobre Agricultura Familiar e Desenvolvimento Territorial,
abordando a Reprodução Social da Agricultura Familiar e o Ano
Internacional da Agricultura Familiar. Suas ponderações
proporcionaram uma reflexão sobre agricultura familiar e estratégias de
diversificação e desenvolvimento territorial na atualidade.
A partir das exposições elencadas, constatamos que a
diversificação da agricultura familiar é condição básica para sua
sustentabilidade, debate este que tem preocupado e orientado os
integrantes do MST e dos assentamentos, no que se se refere às
concepções que eles têm sobre a agricultura, bem como suas práticas
produtivas voltadas para um modelo de agricultura sustentável,
alternativa e agroecológica.
Pensando na metodologia abordada durante o evento, podemos
reconhecer a relação dialética entre conhecimento científico e formal
(representado pelos palestrantes) e conhecimento tácito e não formal
(representado pelas experiências produtivas vivenciadas e apresentadas
122

pelos próprios agricultores familiares), o que revela uma proposta


interessante de diálogo entre a educação formal e a educação popular e
não formal. As experiências apresentadas pelos agricultores e descritas a
seguir demonstram que as possibilidades de formação e práticas
educativas dos agricultores familiares são diversas e expressam aspectos
de suas vivências produtivas cotidianas, dos modelos de agricultura
defendidos por eles e de projetos políticos de transformação dos
sistemas de produção de alimentos a partir de uma lógica alternativa e
contrária aos modelos dominantes.
 Primeira experiência: o primeiro relato foi de um agricultor que
apresentou sua produção de alimentos orgânicos na linha de
verduras, amora preta e mandioca. Segundo relato deste
trabalhador, seus produtos são comercializados nos dias de feira
do município de Chapecó, constituindo a principal renda desta
família.
 Segunda experiência: uma trabalhadora do MST, moradora do
ADJG, apresentou a experiência de alimentos agroecológicos
produzidos em sua propriedade, que servem de sustento de sua
família. Segundo esta agricultora, a família sobrevive também
da atividade de bovinocultura de leite e das atividades de uma
associação que produz panificados, denominada Panificadora
Sabor da Conquista, que é uma sociedade entre cinco mulheres
moradoras deste mesmo assentamento.
 Terceira experiência: uma representante do Movimento de
Mulheres Camponesa (MMC) destacou uma atividade em
andamento, que é a estufa para produção de mudas de hortaliças
a partir das sementes crioulas. O trabalho de resgate de seleção
de sementes crioulas vem de longo tempo e acontece por meio
de diversas experiências que se dão com base nos
conhecimentos construídos pelo MMC. O projeto “Vovó Elza”,
ainda em estágio informal de produção, produz principalmente
mudas de hortaliças e flores de forma orgânica a partir das
sementes crioulas, porém ainda não é rentável às trabalhadoras.

Compreendemos as experiências relatadas em sentido e ação,


como práticas educativas não formais, pois representam a materialização
de atividades produtivas e de projetos políticos de cunho social,
educativo e ambiental, construídos a partir do acúmulo de
conhecimentos e saberes produzidos coletivamente, que contribuem
significativamente para a afirmação de identidades e tomada de
123

consciência dos trabalhadores na construção de modelos produtivos e


concepções de agricultura diferenciadas.

3.4.1.2 VI Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária

O MST de Santa Catarina realiza todos os anos um encontro de


formação para os educadores e educadoras que atuam em áreas de
assentamentos ou acampamentos. Durante os dias 07, 08 e 09 de agosto
de 2014, participamos deste encontro, na cidade de Fraiburgo, realizado
na Escola Estadual 25 de maio.

Figura 5 – VI Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma


Agrária

Fonte: JULIANA ADRIANO (2014).

O objetivo do encontro foi debater e estudar as diretrizes da


Educação do Campo, com os próprios educadores do Movimento, a fim
de serem apontadas as projeções referentes à educação em suas escolas,
buscando a implementação de sua proposta almejada de educação.
Conforme relato de uma das organizadoras do evento, “Este é um
momento de voltar a discutir com toda nossa base, o que queremos com
124

nossas escolas de acampamentos e assentamentos do MST.” A fim de


situarmos brevemente os eixos norteadores do debate, apresentaremos
os principais temas abordados durante o encontro.
Além de discutir o planejamento das escolas do campo, o debate
fixou metas nacionais para cada setor da educação do MST, a partir de
linhas políticas gerais, gerenciadas por alguns princípios, a saber:
a) Primeira: as escolas de ensino fundamental dos assentamentos
devem ser instrumentos de transformação de militantes do MST e de
outros movimentos sociais;
b) Segunda: a proposta de Educação do Campo deve
proporcionar às crianças, conhecimento e experiências concretas de
transformação da realidade.35

No que se refere às práticas de educação nas escolas do campo,


elas devem seguir os seguintes princípios:
a) ter o trabalho e a organização coletiva, como valores
educativos fundamentais;
b) construir uma escola integrada na organização do
assentamento, tendo um projeto alternativo para vida social;
c) promover a formação integral para prática da democracia por
seus sujeitos;
d) ter uma metodologia baseada na concepção dialética do
conhecimento;
e) o educador deve ser agente da formação integral, fortalecendo
a relação entre escola, assentamento e MST36.

Durante o encontro, alguns temas da luta do MST também foram


abordados, de modo que os educadores do campo pudessem discutir em
seus currículos as principais lutas do Movimento. Dentre os temas
abordados, se destacam:
1. Reforma Agrária Popular e o papel da Educação;
2. Pedagogia do MST e Pedagogia Socialista: limites e desafios;
3. Ensino aprendizagem e organização escolar e currículo.

Além dos temas elencados, o evento realizou outras atividades a


saber: mini seminários abordando a temática: Acúmulos e desafios da
Educação do Campo; exposição do documentário: O “Veneno está na

35
Dados coletados com auxílio de gravação de áudio e diário de campo, durante realização do
encontro.
36
Idem.
125

mesa 2”37; apresentações de místicas; e noite cultural. Nestes três dias de


encontro, nossa inserção possibilitou que participássemos dos
planejamentos pedagógicos que organizam a prática educativa destes
espaços educativos no campo, o que nos permitiu sintetizar em linhas
gerais, aspectos sobre as diretrizes que orientam as práticas educativas
formais e não formais para a Educação do Campo defendidas pelo
Movimento. A participação neste encontro permitiu compreender a
importância das práticas educativas elencadas em sua amplitude,
enquanto práticas formais e não formais que ocorrem dentro e fora da
escola, caracterizando processos educativos que possibilitam a formação
político-ideológica dos sujeitos do MST na luta pela reforma agrária e
por um projeto de Educação orientado por pedagogias específicas que
têm como principais mediadores os educadores/formadores do campo.
Cabe ressaltar que, durante o evento, foram realizados momentos de
mística, enquanto pedagogia dos gestos do MST.

Figura 6 – Mística de encerramento do VI Encontro de Educadores e


Educadoras da Reforma Agrária

Fonte: JULIANA ADRIANO (2014).

37
O documentário do diretor Silvio Tendler trata do consumo excessivo de agrotóxicos no
mundo, principalmente na mesa dos brasileiros. O enredo apresenta alternativas viáveis de
produção de alimentos saudáveis, que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os
consumidores.
126

3.4.1.3 12° Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, dos


Assentamentos Integração Gaúcha e Lanceiros Negros38

No dia 20 de março de 2015, participamos da Atividade de


Abertura da 12° Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, organizada
pelos Assentamentos Integração Gaúcha e Laceiros Negros em Eldorado
do Sul, Coordenação geral do MST e Grupo Gestor39 da região
metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Estiveram presentes
durante o evento, trabalhadores sem-terra vindos de diferentes estados,
estudantes, a presidente Dilma Rousseff, lideranças políticas, sindicais e
demais movimentos populares.

Figura 7 – 12° Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, dos


Assentamentos de Integração Gaúcha e Lanceiros Negros

Fonte: FORCHESATTO (2015).

Durante cerimônia de inauguração da colheita, contribuíram com


o debate, ministros do governo federal, lideranças políticas, sindicais e

38
Todos os dados apresentados foram coletados com auxílio de diário de campo e gravação de
áudio das apresentações, durante a realização do evento.
39
O Grupo Gestor do Arroz Agroecológico é composto por coordenadores, técnicos e
representantes das famílias assentadas na região metropolitana de Porto Alegre.
127

de movimentos ligados ao MST, além do Governador do Estado do Rio


Grande do Sul, José Ivo Sartori e o Coordenador Nacional do MST,
João Pedro Stedile.

Figura 8 – Cerimônia de Abertura: 12° Festa da Colheita do Arroz


Agroecológico, dos Assentamentos de Integração Gaúcha e Lanceiros
Negros

Fonte: FORCHESATTO (2015).

O coordenador da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da


Região de Porto Alegre (COOTAP) Émerson Giacomelli, durante seu
discurso, ressaltou a importância dos órgãos públicos, como o INCRA,
da COOTAP e das políticas públicas para promoção de avanços no
campo, ressaltando o compromisso de todos. Segundo o coordenador,
este espaço de Integração Gaúcha e Laceiros Negros, em Eldorado do
Sul, terá uma estrutura industrial, sendo autossuficiente, que vai desde o
controle das sementes até a distribuição das sacas. Disse ele, em sua
exposição: “Esta é uma área livre de cercas, do veneno e do agrotóxico”,
reforçando o valor dado a este espaço.
Já o coordenador nacional do MST, João Pedro Stedile, iniciou
sua fala ressaltando que “[...] o Brasil hoje, é o maior consumidor de
veneno do mundo.” Sua crítica foi ao agronegócio, que envolve
praticamente toda cadeia produtiva agrícola no Brasil. Outo ponto
ressaltado por Stedile foi a relação estabelecida entre Reforma Agrária
Popular e a Educação. Destacou que: “Nossa luta cresceu e hoje não
128

estamos batalhando apenas a favor dos trabalhadores do campo, mas


também, para toda a população do país. Portanto, queremos uma
Reforma Agrária Popular.”
Durante o discurso da presidenta, ela ressaltou a positividade
desta experiência como sendo uma das maiores na área da cooperação
agrícola. Disse ela, “O Brasil precisa saber que esta é uma experiência
que deu certo e tem que provar que a agricultura familiar é um alto
negócio para colocar alimento na mesa dos brasileiros.” Sua exposição
se estendeu para a apresentação das linhas de crédito ao campo, ao apoio
à compra de equipamentos, à assistência técnica e à segurança agrícola.
Dos questionamentos que foram direcionados a ela durante a exposição,
a presidenta posicionou-se aberta ao diálogo e sugestões.
Merece destaque em nossas observações, algumas informações
acerca do cultivo do arroz orgânico. Sobre sua produção, esta vem sendo
realizada desde 1999, em assentamentos da Reforma Agrária, na grande
região de Porto Alegre. Sua produção é comercializada no Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) e demais mercados convencionais.
Sobre sua certificação, o arroz orgânico a recebe desde 2004, conforme
normas nacionais e internacionais, em todas as etapas de sua cadeia
produtiva.
Diante de nossa inserção e observação durante o evento, podemos
ter maior entendimento desta prática. Nossas reflexões estiveram
voltadas às instâncias políticas que regem o processo de produção no
MST, além de suas práticas que colaboram para uma melhor relação
homem e natureza, estabelecendo uma maior autonomia na produção
sustentável, com respeito aos recursos naturais, que valorizam a
dimensão social das famílias assentadas pela reforma agrária.
Consideramos esta experiência de extrema importância, dado o
processo organizativo de produção, que desencadeia ampla
conscientização destes trabalhadores quanto às práticas de manejo
adotados. No processo de aprendizagem, observamos que esta nova
prática de inclusão envolve outros atores sociais, fortalecendo a relação
com a terra, além do trabalho organizado na dinâmica da cooperação.
Em nossa avaliação, através deste sistema de produção ocorre a
valorização de concepção alternativa do saber e de práticas baseadas nos
princípios da agroecologia, que se mostram mais próximas às ideias do
Movimento e do modelo de agricultura familiar defendido por este.
Consideramos também que esta experiência e sua socialização se
caracteriza como um processo de formação político-ideológica não
formal à medida que recupera e institui uma prática alternativa de
produção, alicerçada sobre os princípios da cooperação agrícola e do
129

saber-fazer dos assentados, aspectos estes estratégicos para a


sustentabilidade econômica, social e política do Movimento e dos
assentamentos.

3.4.1.4 Reunião na ITCP para discussão do Projeto Fortalecimento da


Economia Solidária no Território Oeste de Santa Catarina

Nossa inserção ao Programa permanente de extensão Incubadora


Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) da UNOCHAPECÓ
ocorreu no sentido de acompanhar e contribuir com os processos
formativos desenvolvidos por esta incubadora no Assentamento Dom
José Gomes como parte do Projeto Fortalecimento da Economia
Solidária no Território Oeste de Santa Catarina, aprovado no ano de
2014, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPQ). No dia 11 de março de 2015, devido ao novo
quadro de bolsistas inserido no programa para execução de projetos,
acompanhei a apresentação do referido projeto, breve contextualização
da região de abrangência, execução, justificativa e objetivos dele.
Cabe ressaltar que a ITCP – UNOCHAPECÓ vem se
constituindo enquanto referência de atuação no processo de incubação
de Empreendimentos de Economia Solidária (EES), no estado de Santa
Catarina, possuindo forte presença nos processos de desenvolvimentos
territorial. São atribuições da ITCP – UNOCHAPECÓ:

[...] desenvolver ações que envolvam público mais


vulnerável, mas também promover ações que
contribuam com o fortalecimento dos EES já
existentes e que envolvem público não abrangido
pelo CadÚnico, através do estímulo à constituição
e fortalecimento de redes e de ações territoriais.
(PROJETO ITCP, 2014, p. 6).

Através de suas ações integradas de ensino, pesquisa e extensão,


o projeto busca contribuir de maneira significativa com o
desenvolvimento social local, por meio dos processos de formação e
assessoramento prestados por este programa. Nossa inserção na reunião
ocorreu no sentido de conhecer mais especificamente as atividades
desenvolvidas junto ao Assentamento Dom José Gomes, universo de
nossa pesquisa e também espaço de execução de atividades
130

desenvolvidas pela ITCP – UNOCHAPECÓ. Na sequência, apresento


momentos de minha inserção e participação em atividades no ADJG
desenvolvidas pela Incubadora.

3.4.1.4.1 Reuniões de acompanhamento do Grupo Costurando Sonhos40

O principal objetivo do encontro, realizado no dia 01 de abril de


2015, foi estabelecer uma agenda para as atividades que vem sendo
realizadas pela ITCP no Assentamento, bem como o de fortalecer o
trabalho entre a equipe e parceiros.

Figura 9 – Reunião de acompanhamento do Grupo Costurando Sonhos

Fonte: CHAGAS (2015).

Como pauta desta reunião retomou-se assunto tratado em outros


momentos entre ITCP e as sócias-participantes do Grupo Costurando

40
O Grupo Costurando Sonhos é resultado de um projeto encaminhado ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA), que contou com a liberação do Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf Mulher), em que nove assentadas foram
associadas a fim de desenvolverem oficinas de corte e costura, no Assentamento Dom José
Gomes.
131

Sonhos, as quais deveriam ter conversado com as demais assentadas do


ADJG sobre a possibilidade de abrir espaço para novas integrantes
participarem do grupo. O retorno à ITCP foi de que haveria abertura às
demais assentadas para participar de cursos, oficinas e atividades, desde
que não fizessem parte das decisões internas da Cooperativa, bem como
da divisão de lucros. Dentre os principais pontos elencados na reunião,
se destacam:
a) O posicionamento das sócias que estiveram na reunião foi o de
que as demais assentadas ainda não fossem integradas ao grupo de modo
definitivo. A decisão provisória se deve ao fato deste grupo possuir uma
longa caminhada no Movimento, bem como a não proximidade das
“novas integrantes”. Pretende-se avaliar a participação, entrosamento e
compromisso assumido por parte das novas integrantes, antes de definir
a associação das mesmas;
b) Diálogo sobre o encaminhamento de uma feira a ser realizada
no mês de abril para que o grupo pudesse fazer a exposição de
artesanatos. Como deliberação, definiu-se que duas representantes do
grupo ficariam responsáveis por esta exposição;
c) Ressaltou-se sobre a importância dos cursos que vêm sendo
realizados na Cooperativa, como por exemplo, a oficina de produção de
chinelos. Durante discussão, observou-se que as atividades que vêm
sendo desenvolvidas têm contribuído significativamente para o
entrosamento entre sócias e não sócias. Outro ponto positivo levantado
pela equipe é que as atividades têm contribuído na complementação da
renda familiar;
d) Levantou-se a discussão sobre confraternização da alimentação
nos dias de cursos. Definiu-se que cada integrante do grupo trouxesse
um alimento para composição de uma “sexta de alimentos” para que não
houvesse a necessidade de resgatar valores desnecessários do caixa da
Cooperativa. Os alimentos seriam utilizados sempre que houvesse
atividades na Associação, para realização de um café, almoço ou lanche
coletivos;
e) Decidiu-se que deve haver convocação para Assembleia Geral
Extraordinária, com intuito de que fosse eleita nova diretoria do Grupo
Costurando Sonhos, bem como, a definição de novas regras para o
funcionamento da Cooperativa e prestação de contas dos anos
administrados;
f) Em relação ao funcionamento e gestão da Cooperativa,
levantou-se a necessidade de definir três tardes por semana, para
trabalhar na produção. A ideia é iniciar a confecção coletiva do grupo
em períodos sequenciados, a fim de qualificar o trabalho em equipe,
132

sanando dúvidas no grande grupo para em seguida avaliar as demais


demandas, juntamente com a equipe mediadora da ITCP.

No dia 22 de abril de 2015, o encontro com o grupo Costurando


Sonhos foi realizado somente com o acompanhamento da mestranda.
Neste dia, discutiu-se sobre a definição da nova diretoria do grupo e
organizou-se a realização da Assembleia Geral Extraordinária.
Estiveram presentes, sete das nove integrantes associadas da
Cooperativa.
Durante a Assembleia, elencaram-se os cargos para votação da
nova diretoria que tomará posse no segundo semestre de 2015. Cada
integrante presente participou da avaliação da atual gestão, levantado
pontos positivos e negativos sobre a gestão em exercício.
No que se refere à gestão, a avaliação foi positiva. O grupo expôs
que a atual diretoria mostrou-se comprometida e obteve grandes
parceiros, que atualmente estão realizando momentos de formação e
oficinas práticas. Apresentaram-se também algumas dificuldades
vivenciadas. Dentre os pontos levantados, a atual gestão apresentou que
o compromisso assumido desde o início da criação do grupo
sobrecarregou algumas das integrantes (presidente, tesoureira e
secretária), por haver a necessidade destas estarem sempre à disposição
e por vezes não conseguirem conciliar as atividades de trabalho com as
pessoais. Outro fator levado em consideração foi a saúde de uma das
integrantes.
Na Assembleia definiram-se também as prioridades para o
segundo semestre do ano, entre as quais se destacam melhorias em
infraestrutura. Definiu-se que seria realizada uma rifa, objetivando
arrecadar recursos para investimento em cercas e consertos gerais
necessários no espaço físico ocupado pelo grupo.
A atual tesoureira do grupo realizou a prestação de contas dos
anos gestados, apresentando as entradas e saídas de caixa, bem como as
“sobras” e pendências a serem contabilizadas. O controle registrado no
livro caixa do grupo será repassado à nova diretoria de finanças, assim
que for eleita. No que se refere ao controle de caixa, discutiu-se a
necessidade da implantação de recibos, a fim de haver maior controle
dos valores recebidos pela tesoureira.
Outro ponto discutido foi a participação de outras assentadas que
possuem interesse em realizar oficinas junto com as integrantes
associadas do Grupo Costurando Sonhos. Como decidiu-se pela não-
inclusão de novas sócias, cogitou-se a possibilidade de arrecadar uma
contribuição mensal de 10 reais de cada nova integrante para
133

manutenção de máquinas e gastos com energia elétrica, água, gás e


limpeza. Definiu-se que as novas integrantes poderão participar de todas
as oficinas e cursos ofertados, bem como, utilizar uma vez por semana o
espaço físico para treinos, confecção de roupas e acessórios e momentos
de socialização com as demais sócias.
Em relação aos dias de funcionamento, decidiu-se sobre o
compromisso de duas tardes por semana. Discutiu-se também, o
controle e acompanhamento de frequência de cada sócia, a ser definido
no encontro seguinte. A eleição da nova diretoria não foi possível de ser
realizada devido ao fato de que nem todas as integrantes do grupo
estavam presentes, ficando estabelecida nova data para esta eleição.
No dia 06 de maio de 2015, uma nova reunião com o grupo
estava agendada, porém não foi realizada devido à ausência de mais
70% das sócias.

3.4.1.4.2 Reunião de avaliação do Grupo Costurando Sonhos

Em reunião realizada no dia 28 de abril de 2015 entre equipe


técnica da ITCP e representantes da Secretaria Estadual do MST,
debateu-se sobre as atividades desenvolvidas pela ITCP com o grupo
Costurando Sonhos do ADJG. Foram ressaltadas as dificuldades
encontradas durante os encontros como: participação e compromisso das
integrantes associadas; organização de documentos desatualizados (ata,
livro caixa, recibos de entradas e saídas), relacionamentos interpessoais
etc., para que a equipe pudesse pensar novas metodologias de atuação e
intervenção com o grupo.
O envolvimento da COOPTRASC neste momento de avaliação e
organização das atividades do grupo foi de grande relevância, na medida
em que esta cooperativa tem sido articuladora do PDA do ADJG e
conhece as fragilidades existentes neste grupo. Através desta parceria
será possível retornar ao Assentamento com novas metas estabelecidas,
que certamente contribuirão para o seguimento das atividades de
formação com o referido grupo.
A inserção nos diferentes espaços e atividades apresentadas nos
permite afirmar que se tratam de campos que perpassam a educação não
formal. Diante deste amplo campo de atuação, não pretendemos concluir
nossas discussões e reflexões acerca deste tipo de educação, mas sim
elencar algumas contribuições que estas inserções e observações nos
proporcionaram para compreender processos de educação não formal.
134

Podemos afirmar que a educação não formal de fato ocorre em


múltiplos espaços e situações. Constatamos também, que não existem
currículos ou métodos pré-definidos que orientam sua aplicabilidade, até
mesmo porque ela se faz no cotidiano, independente de haver um
precursor que a direcione.
Pelo que podemos constatar nas pesquisas já realizadas, a
educação não formal tem sido um campo de estudo pouco valorizado na
Educação, apesar de ser uma forma de atuação muito utilizada pelos
movimentos sociais, conforme podemos verificar nas atividades
observadas durante o trabalho de campo.
Outro ponto constatado é que, no MST, a educação não formal
permeia toda sua estrutura organizativa, sendo esta fundamental para a
formação dos trabalhadores. Através dela, o MST tem construído
escolas sem muros onde através das vivências, das tensões, vão sendo
alicerçadas novas experiências e valores, que são fundamentais para a
formação político-ideológica dos militantes do Movimento.
Desse modo, podemos compreender que o MST educa pela
própria luta, constitui-se numa força educativa viva, sendo
dialeticamente processada, construída. Também podemos constatar
nestes processos, a diversidade com que o Movimento expressa a
produção de seus conhecimentos, o que se evidencia pelos vários
prismas dos saberes científicos, do senso comum, ideológicos, das
culturas populares, que caracterizam-se na educação de sujeitos
para/com sujeitos. São saberes construídos social e coletivamente, que
se entrecruzam e enriquecem as experiências, os conhecimentos ou
crenças populares expressas muitas vezes em contos ou canções, que
estão em diálogo constante com o saber popular produzidos ou
sistematizados socialmente, que se utilizam de várias linguagens
lúdicas, artísticas, poéticas, científicas.
Na medida em que o MST avança em suas ações se constitui e se
articula um processo de formação de base, orientado por discursos
produzidos a partir de posições de enunciação, expressos também de
forma textual. Visando apreender estas expressões, no próximo item,
analisar-se-á materiais produzidos pelo MST (cartilhas de formação),
tendo em vista os posicionamentos político-ideológicos do Movimento
em relação a temas como trabalho de base, formação política, lutas e
conquistas, educação e infância e reforma agrária.
135

3.5 FORMAÇÃO POLÍTICO-IDEOLÓGICA NO MOVIMENTO DOS


TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA

Neste item, apresentaremos algumas experiências organizativas


desenvolvidas em trabalhos de base do MST, bem como os processos de
formação político-ideológicos evidenciados a partir de ações e
documentos que surgiram voltados para a formação política, tratados a
partir da Análise do Discurso (AD), conforme mencionado no capítulo
dois desta dissertação.
As temáticas que envolvem estudos sobre o MST são variadas.
Entretanto, são poucos os estudos voltados para a análise de materiais
didáticos desenvolvidos pelo Movimento. Diante de uma vasta
produção, constituída por cartilhas, folders, folhetos, artigos, entre
outros, é que nos propomos a realizar uma análise de alguns materiais
voltados para o processo de formação político-ideológica do MST,
produzidos entre os anos de 1993 a 2014.
Partindo da observação de posicionamentos político-ideológicos,
implícitos e explícitos em enunciados presentes no material selecionado,
buscamos compreender através da AD os sentidos atribuídos a esta vasta
produção textual. Optou-se por este procedimento metodológico, pois
nos possibilita interpretar e explicar o conjunto de textos produzidos
para o trabalho de formação de base, aqui compreendido como formação
político-ideológica, bem como, por considerar o sujeito, a história e a
ideologia numa perspectiva que articula a linguagem e o ser social. Para
alcançar diferentes dimensões epistemológicas desta análise, as
interpretações dos textos seguiram orientações propostas por Iñiguez
(2004).
Os textos foram inicialmente mapeados e posteriormente
ordenados a partir dos enunciados ideológicos, explícitos nas várias
formas de linguagens presentes na produção textual selecionada. Cabe
ressaltar que esta ordenação está delimitada aos temas relacionados em
torno das orientações político-ideológicas do MST.
Embora não tenhamos tratado exaustivamente todas as produções
publicadas para a formação política deste movimento, o material
selecionado pode contribuir para compreender as demais produções do
Movimento em seu sentido mais amplo, por articular-se em parte com o
projeto político e social, compreendido pelas diversas ações e práticas
educacionais do MST, contribuindo também para uma maior
compreensão do abrangente projeto do Movimento.
136

3.5.1 Análise do corpus

Tomamos como ponto de partida para a presente análise, os


enunciados utilizados pelo Movimento nos processos de formação
política de base dos acampados e assentados do MST. Por isso, a AD de
tradição francesa vai nos “[...] possibilitar a compreensão do social a
partir da análise e da interpretação do discurso.” (IÑIGUEZ, 2004, p.
147).
A escolha dos textos selecionados se deu pela relevância que
estes apresentaram à temática investigada: formação político-ideológica.
Com base em Iñiguez (2004), no campo de investigação, “[...] o/a
analista deve estabelecer uma relação ativa com os/as leitores/as de seu
trabalho e tentar mostrar como realizou sua leitura do texto [...] no
sentido de estar sempre aberta ao debate e à discussão das interpretações
realizadas.” (p. 145). A partir da direção apontada pela autora, os textos
selecionados e analisados o foram pelo fato de veicularem propostas e
estratégias de formação política de base.
A leitura deste referencial propiciou a seleção de trechos dos
documentos e a análise deles por meio de paráfrases para reflexão
acerca do trabalho de base permeado por discursos que visam à
formação política e ideológica de novos militantes, tendo em vista
reafirmar e fortalecer o Movimento.
Os recursos técnicos de investigação que a AD mobiliza são
muitos, todavia, é preciso ter clareza que independentemente da
ferramenta que se escolher, esta deve ser trabalhada na totalidade do
corpus41. Assim, a escolha das fontes para a constituição de um corpus
foi selecionado por sua relevância.
Após a catalogação dos materiais considerados centrais, optou-se
pelo procedimento analítico o uso da retórica42, proposto por Billing
(1987 apud IÑIGUEZ, 2004): “A proposta de Billing é especialmente
útil para analisar a credibilidade e a legitimidade que um texto transmite.
Além disso, permite identificar linhas de coerência de um argumento
que possam ficar ocultas sob uma fachada aparentemente desconexa.”
(p. 143).
41
Entende-se por corpus: “Qualquer conjunto de enunciados em um meio material. Pode se
tratar de transcrições de enunciados orais, reproduções de elementos gráficos e textos
previamente escritos.” (IÑIGUEZ, 2004, p. 300).
42
“Retórica: discurso que é elaborado e construído de forma a levar em consideração versões
ou pontos de vista alternativos ou opostos.” (IÑIGUEZ, 2004, p. 307).
137

Ao utilizar o procedimento da retórica do discurso, consideramos


que os processos de formação política do movimento estão em
confronto constante com as práticas de uma sociedade hegemônica que
merecem ser analisadas.
Cabe ressaltar que todo discurso possui uma proposta de ação e,
no caso dos discursos que orientam a formação política do MST,
identificam-se objetivos estratégicos de articulação de base, na medida
em que o Movimento reconhece a importância de mobilizar seus
sujeitos, propondo-lhes criticidade e cumprimento de seus princípios.
A esse enunciado de base serão agrupadas as paráfrases
produzidas a partir dos diferentes materiais utilizados no MST, dentro
de um eixo principal: discurso político-ideológico. Nas análises que
seguem, não serão obedecidos obrigatoriamente o critério de ordem
cronológica no que se refere ao período em que o material analisado foi
produzido (1993 a 2014), pois as interpretações seguirão de modo que
se cruzem e se complementem sem compromisso com datas.
A cartilha que impulsionou este capítulo, é uma publicação do
“Projeto Popular para o Brasil – Trabalho de Base, cartilha nº 4”
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
1999). Já na capa deste material identificamos a presença da cor
vermelha em toda a extensão externa. De acordo com informações
disponibilizadas no portal do MST, o vermelho, cor de sua bandeira,
representa o sangue derramado de seus companheiros, ou seja, o sangue
de militantes que foram mortos em confrontos.
De forma análoga, esta simbologia está presente também na
bandeira do MST. Os elementos simbolizados na bandeira vão desde
uma representação artística à escolha das cores (vermelho, que
representa o sangue e a vontade de lutar e transformar a sociedade;
branco, que representa a paz, que somente será conquistada quando
houver justiça social; preto, que representa o luto em homenagens aos
companheiros que tombaram lutando por uma nova sociedade; e verde,
que representa a esperança de vitória a cada latifúndio conquistado).
Ainda em seu conjunto simbológico, identificam-se alguns objetos
representados, como o facão, ferramenta de trabalho, de luta e
resistência. O mapa do Brasil ao fundo do trabalhador e trabalhadora em
luta, representa a luta nacional dos sem-terra pela reforma agrária43.
Os sem-terra têm criado símbolos de representação de sua luta
desde suas primeiras ocupações, seja em casos circunstanciais ou

43
Informações disponíveis em: <http://www.mst.org.br/content/curiosidades-sobre-bandeira-
do-mst>. Acesso em: 09 abr. 2014.
138

permanentes. Os símbolos escolhidos pelo Movimento giram em torno


de um ideal e, em sua grande maioria, são evidenciados nas
representações e místicas do MST. A mística na organicidade do
Movimento assume um papel mediador na luta destes trabalhadores,
pois através dela se produz discursos políticos, que orientam o agir
prático deste movimento.
A respeito da mística, cabe destacar alguns enunciados presentes
na cartilha: “Como trabalhar a mística do MST com as crianças”
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
1993), que merecem ser analisados.

Enunciado nº 1 - “Mística é o que anima a ação”.


Enunciado nº 2 - “A mística nasce do coração”.
Enunciado nº 3 - “A mística deve estar presente
em nossa vida de forma permanente”. (p. 3-5).

Considera-se que cada enunciado é portador de um sentido e que


para interpretá-lo devemos considerá-lo como uma sequência de signos
carregados de significados. Assim, a mística em seu significado sócio-
político pode também ser compreendida como prática educativa do
discurso ideológico do MST e, portanto, merece nossa análise. Neste
sentido, o conjunto de que compõem os enunciados acima deve ser
interpretado em sentido e ação, no que se refere às práticas e ações
mobilizadas nos vários espaços em que o Movimento se manifesta,
como encontros, festejos, marchas etc.
Ao selecionarmos a palavra “animar”, presente no primeiro
enunciado, isso se deve ao sentido que esta possui para a continuidade
da luta do Movimento, pois remete a dar vida, pôr alma e energia a luta
que se trava no MST. Logo, mais do que animar, é preciso que a mística
seja uma prática permanente na vida concreta destes sujeitos, pois é
através dela e por sua representação que as esperanças deste movimento
se renovam e se fortalecem cotidianamente.
A paráfrase “A mística nasce do coração” envolve a dimensão
dos sentimentos que se afloram durante a luta. Do querer, da alegria, da
esperança que renovam constantemente as energias desta classe. Do
amor e do ódio que se fazem presentes, nos sonhos individualizados e na
rebeldia compartilhada.
Conforme já ressaltamos neste capítulo, não existe discurso se
este não for contextualizado. Nesse sentido, o terceiro enunciado
representa a existência da mística no fazer-se constante do Movimento.
Assim, poderíamos afirmar que, para o MST, a mística apresenta-se de
139

modo determinante no fazer-se presente, no ontem, no hoje e no amanhã


do “estar presente em nossa vida de forma permanente”.
Voltando à cartilha de formação de base, de número 4, logo na
apresentação as informações que se seguem fazem as seguintes
afirmações: “Aprendemos com a história que sem conhecer a realidade e
sem o trabalho de base não há mobilização popular e, muito menos,
transformação social.” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA, 1999, p. 5). Apostar no trabalho de base exige
posicionamento político, tempo, dedicação, recursos e principalmente
pessoas que o façam.
Percebe-se que há um desafio ao articular a formação de base, por
tratar-se de atividades que englobam “Frente de Massas”. Este tema
gerador encontra-se na cartilha: “Sobre os nossos desafios e as linhas
políticas de atuação do MST - Debate do VI Congresso Nacional do
MST” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA, 2013), que expõe: “O trabalho de base, e o conjunto das
atividades da Frente de Massas, desde nosso nascedouro sempre foi o
carro chefe da nossa política [...]” (p. 43), o problema segundo a
cartilha, se deve ao fato de que o movimento tem perdido a capacidade
de mobilização e recrutamento de novos militantes que estejam
dispostos a defender as bandeiras do MST. A reflexão que se faz diante
deste impasse é que permanecer com e no Movimento tem sido difícil,
já que as condições precarizadas deste povo é um fator histórico. De
acordo com Stedile (2000), a história camponesa atravessa cinco séculos
de luta contra o latifúndio, desafiando o modo capitalista de produção,
resistindo à exploração e à expropriação; cenário que perdura ainda
hoje, levando milhares de militantes a desistirem da luta pela terra. “É
essa a base social que gerou o MST.” (p. 17).
O que se pode perceber é que o MST, ao tornar-se símbolo da
luta pela terra no Brasil, tem criado táticas ancoradas em aprendizados
históricos: “Depois de 30 anos, devemos aprender a superar os desafios
com a própria experiência, bebendo da nossa própria fonte: das lições da
luta pela terra. Como consta na cartilha “Sobre os nossos desafios e as
linhas políticas de atuação do MST - Debate do VI Congresso Nacional
do MST”, são destas lições que devemos rever e fortalecer, zelar ou
mudar [...]” (MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM TERRA, 2013, p. 5).
Condizente com esta postura assumida pelo Movimento,
podemos observar mais à frente que o MST possui um horizonte ao
apresentar em sua cartilha a categoria “Olhando para futuro...”
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
140

2013, p. 9). O objetivo estratégico apresentado neste item em específico


subscreve que para se construir uma identidade sólida é preciso
fortalecer as alianças, ampliar a camada popular, ou seja, ascender
velhas e novas ideologias que envolvam toda classe trabalhadora, seja
no campo ou na cidade. Este item nos chama atenção, pois, tal frase nos
remete a uma análise ambígua: de um lado, permite-nos pensar na
perspectiva afirmativa da ação do Movimento, ou seja, o futuro que se
almeja ter, livre de hierarquias e desigualdades; de outro, pode remeter à
incerteza, insegurança, portanto, um olhar atento a um futuro incerto,
aonde se enfrentam barreiras econômicas, políticas e sociais em
constante transformação e transição, que podem ser positivas ou não.
O Movimento segue fazendo apontamentos que nos permitem
constatar que o seu discurso político-ideológico está atrelado a uma
bandeira maior, a Educação. A trajetória histórica do MST no campo da
educação se desenvolve através de dois eixos complementares: a luta
pelo direito à educação e a construção de uma nova pedagogia
(CALDART, 1997). Ainda segundo a autora, as práticas educativas
desenvolvidas pelo MST têm o objetivo de fortalecer a luta do
Movimento, consolidando-se para a construção de uma contra
hegemonia. “A questão da legalização de escolas nos acampamentos é
uma bandeira específica de luta do MST, em vista de garantir o próprio
direito constitucional das crianças e dos jovens à educação,” (CALDAT,
1997, p. 32).
O MST, ao longo de sua história, vem organizado escolas em
diferentes acampamentos e assentamentos, tem implementado uma
pedagogia própria e desenvolvido diversas atividades formativas para a
população sem-terra. Isso pode ser observado nos textos aqui analisados
onde a educação sem-terra está atrelada ao trabalho de base. Conforme a
“MST Lutas e Conquistas – Reforma Agrária: Por justiça Social e
Soberania Popular”, “A democratização do conhecimento é considerada
tão importante quanto à reforma agrária no processo de consolidação da
democracia.” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM TERRA, 2010, p. 21).
Com o objetivo de debater e refletir sobre a infância vivida no
Movimento apresentou se uma proposta de formação coletiva aos
núcleos de base, intitulado: “Caderno da Infância nº 1 – Educação da
Infância Sem Terra: Orientações para o trabalho de base”
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
2011). Sua utilização seguia criteriosamente um cronograma que todas
as lideranças deveriam assumir. A utilização do caderno pode ser
interpretada como sendo um manual que possui a missão de nortear o
141

trabalho político-pedagógico. Este é composto por cinco encontros,


assim denominados: 1º Encontro – A infância: que tempo de vida é
este?; 2º Encontro – A família; 3º Encontro – A criança e a coletividade;
4º Encontro – O cuidar e o educar; 5º Encontro – O trabalho. Todos os
encontros previstos neste caderno corroboram indiretamente com os
princípios pedagógicos observados na cartilha “Por uma educação
básica do campo” (CALDART; CERIOLI, 1998), que estabelece
relações teórico/prática do papel da escola no assentamento.
Diante do processo histórico do MST, o caderno de debate expõe
três compromissos básicos que a escola deve assumir: a) “Compromisso
com a intervenção social”, compreendida em sua totalidade como a
educação para o trabalho no campo e o compromisso com os projetos de
desenvolvimento dos assentamentos; b) “Compromisso com a
transformação (que é também resgate, conservação, recriação) da cultura
do povo do campo, tendo como eixo fundamental a educação dos
valores”, ou seja, o fortalecimento do vínculo orgânico entre educação e
cultura valorizada e trabalhada no âmbito da escola do campo; c)
“Compromisso ético/moral com cada e de cada participante de nossas
práticas educacionais, enquanto pessoas humanas, singulares e sociais
[...]”, entendida especialmente como o vínculo orgânico entre processos
educativos e processos políticos, como consta na “Cartilha de Encontro
Estadual: Por uma Educação Básica do Campo” (CALDART;
CERIOLI, 1998, p. 17).
Os compromissos aqui elencados evidenciam a relação
infância/Movimento, como se lê no “Caderno da Infância nº1 –
Educação da Infância Sem Terra – Orientações para o trabalho de base”,
“O lugar da criança do Movimento é no MOVIMENTO. Ela não pode
ser pensada em separado da luta de sua família, de todos e todas Sem
Terra.” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA, 2011, p. 16).
Nestes compromissos, o MST enfatiza que o trabalho tem um
valor substancial. É o trabalho que os identifica como classe, é por meio
dele que é possível construir novas consciências e novas relações
sociais, sejam estas coletivas ou individuais. Mediante esta afirmação,
cabe retomarmos o discurso de defesa da reforma agrária, o qual tem
sido referência na conquista da terra. Esse discurso é a eminência cabal
da existência do MST, prova disso são as inúmeras cartilhas produzidas
e lemas cultivados pelos/as trabalhadores/as do campo. Nossa referência
para analisar este corpus é a cartilha “Programa Agrário do MST –
Lutar! Construir a Reforma Agrária Popular” (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2014).
142

No enunciado de base do discurso de luta pela reforma agrária,


podemos inferir que esta tornou-se uma bandeira de luta histórica que
tem perpassado grandes mudanças estruturais e econômicas durante todo
seu percurso.
Observa-se nos enunciados base que o MST ao propor um
programa de reforma agrária reverencia o modelo de agricultura que
pretende conquistar. Sua organização fortalece e qualifica uma base
consistente capaz de confrontar as disparidades de uma sociedade
capitalista, como consta na cartilha do “Programa Agrário do MST –
Lutar! Construir a Reforma Agrária Popular” (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2014). Diante do
exposto, é possível dizer que as ocupações de terra fazem parte do
discurso político-ideológico dos sem-terra, sendo este apresentado em
formato de lemas e/ou palavras de ordem do Movimento, um chamado
direto àqueles que se identificam com a classe trabalhadora sem terra.
Na grande maioria, os lemas surgem nos trabalhos de bases,
congressos, mobilizações, entre outros. As palavras de ordem e/ou
lemas além de representarem um momento político, devem ser:

[...] um instrumento de agitação e propaganda das


idéias do programa para a militância, as massas e
na sociedade brasileira em geral […]. Nosso lema,
precisa sinalizar para o conjunto da base do
movimento e todos os nossos aliados na
sociedade, de que nos mantemos firmes na defesa
de nossos objetivos políticos de lutar pela terra,
lutar pela reforma agrária e lutar por
transformação social. (MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA,
2014 p. 47).

A fim de problematizarmos os discursos político-ideológicos do


MST apresentados até o momento, cabe pensarmos se os trabalhos de
base têm reafirmado uma postura contra hegemônica. Para tanto, alguns
questionamentos norteiam nossas reflexões: podemos dizer que o MST
se caracteriza como um movimento contra hegemônico, por apenas
contrapor-se ao modelo hegemônico de sociedade? Os trabalhos
contribuem para emancipação político-social em prol de uma sociedade
mais justa? Diante destes apontamentos e com bases nas análises dos
corpus poderíamos inferir que sim.
Contudo, caberia maior aprofundamento teórico-prático sobre
esta conclusão porque, nas palavras de Frigotto (1994) “[...] a práxis
143

expressa, justamente, a unidade indissolúvel de duas dimensões distintas


no processo de conhecimento: teoria e ação. A reflexão teórica sobre a
realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em função da
ação.” (p. 81).
Dentro das linhas da política de formação do MST, as ações e
estratégias existentes reforçam a importância de impulsionar a superação
dos desafios impostos pela realidade da luta de classes: “É um processo
contínuo, amplo, infinito e sistemático de reflexão sobre a prática [...]”;
o objetivo principal é “[...] formar, formadores na perspectiva de elevar
o nível de conhecimento e experiência prática [...]”, conforme se lê na
cartilha “Sobre os nossos desafios e as linhas políticas de atuação do
MST - Debate do VI Congresso Nacional do MST” (MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 2013 p. 28-29). A
cartilha segue apresentando diferentes estratégias, quase que um
“manual” de como articular e organizar lideranças que deem
continuidade à luta pela reforma agrária, Educação do/no Campo,
moradia digna, entre outras demandas da luta de classes.
Neste estudo, aceitamos o desafio de estudar a Análise do
Discurso enquanto interpretação da interdiscursividade, por acreditar
que todo discurso indiretamente carregam ideias de tantos outros
discursos preexistentes. No mesmo sentido, Bakhtin (1992) aponta que
“[...] todo discurso dialoga com outro discurso e toda palavra é cercada
de outras palavras” (p.319), ou seja, todo discurso é individual e
coletivo, pois toda interdiscursividade é composta por múltiplas vozes.
Diante dessa formulação conceitual, pudemos cruzar as
paráfrases e enunciados encontrados nos cartilhas de formação do MST
e observar que todo discurso está atrelado aos demais e que não existe
texto neutro, imparcial. Logo, todo texto trava um debate político-
ideológico dentro da sociedade em que está inserido.
As prévias desta revisão é de que o MST tem buscado ao longo
de sua história desenvolver a luta pela terra e uma educação vinculada
ao trabalho como princípio educativo. Os documentos analisados
mostram que a preocupação do Movimento está na formação efetiva de
base, que busca atravessar uma série de condicionantes advindos do
modo de organização e produção existente, os quais são características
dominantes da sociedade vigente. Este dilema, vivenciado pelos sem-
terra, tem levado à mobilização e articulação de dirigentes,
coordenadores e demais trabalhadores/as, de todos os setores da
agricultura familiar.
Embora ainda haja muito a se adensar, esta análise se valida, pois
a organização política de base aqui tratada confirma que quanto maior a
144

abordagem do Trabalho de Base, maior articulação coletiva, maior


fortalecimento e superação da exploração. Logo, devido à necessidade
dos/as trabalhadores/as permanecerem na luta, o MST precisa pensar em
diferentes táticas e estratégicas que reforcem as diversas bandeiras de
luta do Movimento.
Contudo, desafiamos aos pesquisadores a desenvolver novas
pesquisas afim de problematizar e questionar os discursos político-
ideológicos apresentados por um movimento que se considera
anticapitalista, de caráter transformador social.
145

4 EXPERIÊNCIAS DE CLASSE E PROCESSOS DE FORMAÇÃO


POLÍTICO-IDEOLÓGICA NO ASSENTAMENTO DOM JOSÉ
GOMES

Neste capítulo, apresentaremos algumas reflexões sobre as falas


dos entrevistados, com a intencionalidade de compreender os sentidos e
significados da formação político-ideológica no agir cotidiano destes
trabalhadores. Nossas análises seguem no sentido de reconhecer a
relação estabelecida entre a militância e o MST. Destacamos, nesta
relação, se os interesses elencados nas entrevistas apresentam
consonância com os interesses disseminados pelo próprio Movimento e
se os militantes (sujeitos sociais) têm a pretensão de dar continuidade à
luta pela reforma agrária e a tantas outras, como já elencado nesta
dissertação.
Identificadas as formas de inserção destes sujeitos no MST,
buscamos compreender sobre os processos de formação político-
ideológica experienciado, de modo comum por eles, em torno da
consciência de classe construída na trajetória de luta do Movimento.
Para tanto, tomamos o percurso tempo-espaço das atividades de
formação política vivenciadas pelos entrevistados desde o período do
acampamento, como reuniões, encontros, assembleias, cursos, oficinas
etc, para identificar o sentido da categoria de experiência humana em
Thompson “[...] como forma de apreensão da realidade a partir de
elementos dela própria [...]” em uma “[...] íntima relação entre o
pensamento e a realidade.” (VENDRAMINI, 2012, p. 127-28).
Consideramos que, neste percurso, a categoria de experiência é
fundamental para entendermos o processo de constituição do
Assentamento Dom José Gomes através das trajetórias individuais e
coletivas dos entrevistados, como parte imanente da luta pela terra e do
trabalho de formação de base desenvolvido pelo MST na construção e
pertencimento a uma classe social e na formação de uma consciência de
classe, em um fazer-se contínuo do Movimento, pois “[...] classe e a
consciência de classe vão formando-se juntas na experiência.”
(VENDRAMINI, 2012, p. 130).
Ao optarmos pelo uso das categorias analíticas centrais: classe
social, experiência e consciência de classe, identificamos que:
a) As experiências e histórias de vida dos entrevistados os
motivaram a inserir-se no Movimento e possibilitaram o pensar e
agir sobre sua condição social;
146

b) As experiências individuais e coletivas em torno do


processo de luta pela terra possibilitaram o reconhecimento e
pertencimento a uma classe social;
c) A formação de uma classe é permeada por experiências
político-ideológicas e práticas educativas que permitem aos
trabalhadores pensar sobre a sua condição subalternizada;
d) Os trabalhadores, ao reconhecer-se enquanto classe,
passam a refletir e agir para transformar sua condição social,
gerando uma nova consciência de classe.

Com base nas categorias analíticas elencadas acima e nos


objetivos delimitados nesta dissertação, as experiências dos sujeitos
entrevistados serão descritas e analisadas a partir das seguintes
categorias empíricas:
a) Experiência e histórias de vida: do sonho à conquista da
terra;
b) Processo de luta e conquista da terra: reconhecimento e
pertencimento a uma classe social;
c) Processos formativos nos períodos de acampamento e
assentamento: uma nova experiência de classe (participação dos
sujeitos nas atividades de formação e interesse dos assentados por
elas; e diferentes espaços de formação);
d) As práticas educativas no MST e suas possíveis
caracterizações conceituais: da formação político-ideológica à
consciência de classe.

4.1 EXPERIÊNCIA E HISTÓRIAS DE VIDA: DO SONHO À


CONQUISTA DA TERRA

Conforme tratado nos capítulos anteriores, as lutas pela terra no


Brasil caracterizam um percurso histórico permeado por processos
sociais e políticos que entrelaçam simultaneamente experiências e
histórias de vida de sujeitos individuais e coletivos na busca por
condições de vida e trabalho mais justas e dignas.
No que se refere à constituição histórica e política do MST na
região Oeste de Santa Catarina, o processo imposto pela modernização
da agricultura, como de resto do Brasil, foi um dos principais motivos
para a sua origem e organização, na medida em que muitas famílias
camponesas foram obrigadas a sair do campo. Este fenômeno impactou
147

incisivamente na impossibilidade da reprodução social da vida no


campo, gerando de acordo com Poli (2008) “[...] uma profunda crise na
produção camponesa tradicional, que caracterizava predominantemente
a região.” Para o autor, nas décadas de 1970 e 80, a região vivenciou
transformações econômicas, sociais e políticas devido a fatores, como
“[...] o avanço do processo de industrialização, baseado na agroindústria,
e a crescente submissão da pequena produção à sua lógica, juntamente
com o esgotamento da fronteira agrícola [...]” (POLI, 2008, p. 62).
A lógica do processo de industrialização baseado na agroindústria
levou muitas famílias de agricultores a se endividarem junto ao setor
bancário na medida em que este novo modelo produtivo aumentava as
exigências e o custo de produção. A partir desta lógica, os agricultores
eram obrigados a incorporar máquinas e insumos industrializados na
produção, diminuindo os ganhos, que também sofreram interferências
devido a oscilação nos preços dos suínos e das aves. Tais fatores
conjunturais e estruturais decorrentes da modernização da agricultura e
da crise da economia camponesa ocasionaram o deslocamento de muitas
famílias, na busca de novas fronteiras agrícolas, para outras regiões do
país e para as cidades-pólo da região; muitas outras devido aos
endividamentos bancários tiveram suas terras leiloadas, culminando em
um intenso processo de êxodo rural. Na região Oeste, tais fatores
culminaram no início dos anos 80 na organização de vários movimentos
sociais, entre eles o MST (POLI, 2008).
Considerando as consequências da modernização da agricultura
experimentada em todas as regiões do país, a saída para muitos
trabalhadores foi criar uma estratégia de resistência para reivindicar a
divisão das terras brasileiras, originando então o MST, conforme
podemos observar em reflexão realizada por Vendramini (2013):

O MST é fruto da histórica concentração da terra


no Brasil e, ao mesmo tempo, da fase mais
avançada e moderna do capitalismo em âmbito
mundial, expresso na atualidade por meio do
chamado agronegócio. Emerge como expressão da
desigualdade social no país, da expropriação e
exploração dos trabalhadores, bem como do
avanço do desemprego e das formas de
intensificação/precarização do trabalho. (p. 3).

Neste contexto de concentração da terra se configuraram as


experiências de vida dos sujeitos que protagonizam nossa pesquisa que
148

se encontram assentados em um espaço conquistado coletivamente,


tendo como base a bandeira da reforma agrária.
Muitas das entrevistas coletadas foram emocionantes, pois
apresentaram histórias marcadas por grande sofrimento. Sua condição
subalterna, como bem expressou Ulisses, o aproximou do MST. Em
suas palavras, “[...] a necessidade fez a gente procurar ajuda, pra sair da
miséria que nós vivia”. Nas histórias relatadas pelos entrevistados
surgiram manifestações sobre a caminhada destes sujeitos, antes e
durante a aproximação e envolvimento com o MST, como demonstra o
depoimento a seguir:

Minha família é agricultora, oriunda de Águas de


Chapecó [estado de Santa Catarina]. Meus pais
eram agricultores em uma pequena comunidade
chamada Saltinho do Uruguai. Lá eles acabaram
perdendo tudo, em 1979, para o banco. E a partir
dali a gente acabou vindo morar na cidade de
Chapecó, no bairro São Pedro. (Gregório,
liderança estadual).

Em seu relato, Gregório nos contou como sua família perdeu “o


pouco que tinha” para o banco. O endividamento, infelizmente para esta
família, tirou dela a única fonte de renda que possuía e que sustentava
seus integrantes. Não havendo outra saída, o êxodo rural foi inevitável.
Assim como Gregório, a história da assentada Chiquinha
apresenta grandes dificuldades. De origem humilde e saúde muito frágil,
ela e sua família consideraram que a saída do campo para a cidade
poderia proporcionar melhores condições de vida. Em seu relato nos
disse: “[...] a nossa área era num pedaço seco, longe, sem água com
muitas dificuldades.” Apesar das dificuldades apresentadas, Chiquinha
nos relata que sua família se identificava com o campo: “[...] mesmo
sendo muito difícil na roça, nós gostava de ser agricultor. Esta era a
nossa identidade, a única que nós tinha.”
No relato a seguir, podemos observar a história de vida de uma
liderança que passou por dificuldades semelhantes:

[...] nossa família toda veio do Rio Grande do Sul.


Meus pais tinham pouca terra, recebida de
herança. Meu pai acabou fazendo financiamento
no banco, porque nós tivemos muitos problemas
de saúde [...]. A saída na época foi buscar o
empréstimo, com custos altíssimos de juros.
149

Acabou que nossa terra não produzia, eu lembro


que nós vivia precariamente e as coisas só
pioravam. O meu pai acabou vendendo aquela
terra, parte pra poder pagar o banco e o pouquinho
que sobrou a gente mudou pra Santa Catarina.
[...]. A gente acabou arrendando um pedaço de
terra pra nossa família na cidade de Xanxerê. O
complicado era que nós ficávamos nas piores
terras, até mesmo porque a terra que era arrendada
sempre era a pior terra, aquela de banhado,
ladeira, pedreira. [...] A gente chegou a pagar 40%
de arrendamento. Então, aquilo que sobraria pra
gente investir em nossa própria terra, a gente
acabava pagando a renda. Foram anos muito
difíceis. (Maria, liderança nacional).

Diferentemente das duas situações anteriores, a saída do campo


não foi uma alternativa para a família de Maria. A insistência em
permanecer na agricultura levou esta família a vender seu único bem, a
terra. Segundo Maria, dos seis irmãos, todos trabalharam até a vida
adulta com seus pais para tentar conquistar novamente a terra vendida.
Porém, isto não foi possível, sendo necessário encontrar uma nova
alternativa. Assim como as famílias de Gregório, Chiquinha e Maria,
também muitas outras famílias encontraram no MST uma alternativa
para sair da condição precária em que se encontravam.

Nós sempre gostamos de trabalhar com a terra.


Então, nós tinha um sonho de conquistar um lugar
que fosse nosso. Era o que nós queria, um canto
na roça, que nós pudesse viver melhor. (Assentada
Helena).

Eu entrei no movimento sem-terra no ano de 85,


quando começou. [...] Nós só sabia trabalhar com
a terra. O que mais nós podia ser? (Assentada
Chiquinha).

Nós tinha um pensamento, de vir e conquistar um


pedaço de terra que fosse da gente, né, porque na
cidade a gente tinha um terreninho tão
pequenininho que mal dava pra construir uma
casa em cima. Tudo que nós queria era [...] plantar
nossos alimentos, fazer nossa horta, criar umas
150

vaquinhas [...]. Foi isso que trouxe a gente pro


Movimento. (Assentada Dandara).

Observa-se que as trajetórias e identidades destes sujeitos e suas


famílias, em sua maioria, foram constituídas através da relação terra-
trabalho-família, mesmo antes da inserção no Movimento. A perspectiva
em dar continuidade a estes vínculos caracteriza-se pela expectativa em
conquistar “um lugar que fosse nosso” e “um pedaço de terra que fosse
da gente”, significando uma contraposição à situação de dependência a
terras de terceiros ou de inexistência da propriedade desta. Outro
aspecto que nos chama a atenção nas histórias relatadas, além da
tradição familiar vinculada ao trabalho com a terra, trata-se da
participação em movimentos estudantis e sindicais bem como na Igreja
Católica (por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e
Comissões de Pastoral da Terra (CPT’s) que aproximou alguns dos
sujeitos entrevistados ao MST, conforme podemos observar:

[...] eu sempre morei aqui em Chapecó, nasci


aqui, no interior da Linha Feliz. [...] Sempre
estudei em escolas públicas e esse contato com as
escolas públicas também foi despertando essa
questão dos movimentos sociais. A inserção nos
movimentos estudantis, a participação nos
partidos políticos e outros grupos, que
contribuíram também pra essa formação. [...] Em
2002, eu iniciei meu trabalho na Secretaria
Estadual do MST. (Rosa, liderança estadual).

Eu morava em Quilombo. E lá o pai era


sindicalista, do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais. E foi através daquilo ali que a gente
conheceu o MST. Teve também a influência da
Igreja [Católica] de lá [...]. E daí, a gente foi
conhecer uns acampamentos, uns assentamentos.
[...] O pai incentivou bastante e aí a gente acabou
entrando para o Movimento. (Assentado Carlos).

Através dos espaços citados, o Movimento foi se organizando e


problematizando a questão das desigualdades sociais e concentração da
terra, caracterizando-se como os primeiros momentos de formação
política e reforçando o vínculo destes trabalhadores com a retomada do
direito à terra na construção de uma identidade para o MST.
151

A nossa família era muito religiosa, descendente


de italiano. Católico atuante mesmo! Então, eu
desde os meus 14 anos participava do grupo
litúrgico, na organização das missas, catequese
[...]. Nós todos se envolvia muito com a
comunidade, apesar de todas as dificuldades que
nós tinha, nós nunca deixava de participar. E isso
foi o que nos impulsionou depois, pra participar
junto aos movimentos sociais. [...] A Igreja, aqui
da Diocese de Chapecó, através do Bispo Dom
José, foi dando elementos ali nos anos 80 pra
gente, de como funcionava a sociedade, porquê a
gente era pobre, porquê existia concentração de
terra [silêncio]. Isso tudo, como a gente
participava muito na igreja, e deu a sorte de viver
aquele momento de ascensão dos movimentos
populares, nós acabamos então entrando, graças à
Igreja que abriu nossa cabeça, expandiu nossos
horizontes. Como eu e meu irmão, nós era
liderança de Igreja, a gente começou a participar
também destes debates sobre as desigualdades
sociais. Então, a gente começou a participar da
vida mais progressista da Igreja. Na Pastoral da
Juventude foi onde a gente começou, na CPT
[Comissão Pastoral da Terra] e se deslanchou
praticamente toda família pros movimentos
sociais. Eu neste mesmo tempo, já era do
sindicato, da CPT, e ajudei a organizar o
Movimento das Mulheres Agricultoras lá em
Xanxerê. E como nós não tinha terra, participando
da CPT, nós então, já abrimos caminho e
ajudamos a construir o Movimento. Já que então
estava colocado no nosso colo, caiu de bandeja, a
gente acabou agarrando esta ideia de construção
do Movimento. Então ali, no final dos anos 1984,
começamos a construir a proposta do Movimento
e em 1985 partimos para as primeiras ocupações
de terras. Nós ajudamos a organizar as famílias
pra ir para as ocupações já. Fomos aprendendo e
ensinando neste percurso. (Maria, liderança
nacional).

[...] o movimento MST a gente já conhecia desde


o início, porque nós sempre ia na igreja e ajudava
nos acampamentos. Nós arrecadava suplementos
152

para as famílias que ficavam acampadas na nossa


região. (Assentado Alexandre).

Quem convidou foi a Pastoral da Terra. Na época


o bispo era o Dom José Gomes, aqui de Chapecó
e ele começou a fazer esta reflexão nos núcleos de
famílias da Igreja. [...] Ele discutia a importância
da divisão da terra. (Ex- liderança estadual do
MST e assentada ADJG).

Nossa família sempre teve um vínculo muito forte


com a Igreja Católica. Então foi esta base, com o
Bispo Dom José Gomes e as várias formações
realizadas pela Igreja que nós tivemos contato
com o MST. E acabamos assumindo uma
identidade político-ideológica de Movimento.
(Gregório, liderança estadual).

De acordo com Poli (2008), a origem dos movimentos sociais do


campo na região Oeste está fortemente relacionada à “presença do
trabalho pastoral”, realizado por setores da Igreja Católica através de
“[...] espaços comunicativos, permeados por um discurso crítico,
portador de novas interpretações a respeito da situação vivida pelos
camponeses e que estimulou sua mobilização e organização”. (p. 71).
As trajetórias e experiências dos entrevistados, bem como de seus
familiares, também se apresentaram significativas para a inserção no
MST e para a constituição do Assentamento Dom José Gomes,
conforme podemos verificar nas falas que seguem. A partir de 1990, o
Movimento já articulava seus próprios momentos de formação de base,
demonstrando a força que ele adquiriu ao longo de seu percurso
(STEDILE, 2000).

[...] meu pai e minha mãe defenderam a luta dos


sem-terra, mesmo não sendo assentados, sempre
ajudaram nos acampamentos, na igreja [silêncio].
Então eu e meus irmãos crescemos vendo esta
realidade. (Assentada Anita).

Meus pais já são assentados, lá no assentamento


Zumbi, de Passos Maia. Eu morei com eles lá, até
os meus 17 anos [...]. Eu tenho tios, tias, irmãos
que também são de assentamentos. Então, eu
sempre tive nesse meio. [...] O conhecimento que
153

eu tinha do Movimento, já vinha dos meus pais,


da luta deles. Então eu sempre pensei que um dia
seria minha vez. Eu já cresci com isso, com esta
mentalidade. [...] Sempre tive uma convivência
boa, não tive nenhum problema que me levasse a
desistir do Movimento. (Assentada Isabel).

Meus pais já eram do Movimento e já estavam


assentados lá em Abelardo Luz. Aí, com incentivo
deles, quando completei meus 18 anos, fui
acampar também. (Assentado João).

Eu nasci em um assentamento sem-terra. Tanto


minha mãe, quanto meu pai, sempre estiveram
diretamente comprometidos com o Movimento.
Eu, como sempre estive no meio, desde jovem
participava do movimento da juventude sem-terra.
Nosso grupo se chamava: Seguidores de Tchê
Guevara. [...] Minha formação se deu neste meio.
Então, toda a admiração que eu sinto pelo MST
vem desta história. (Assentada Olga).

Embora atualmente os movimentos não apresentem um vínculo


tão forte com a Igreja Católica, o MST e outros movimentos sociais do
campo têm ressignificado muitas manifestações simbólicas e ações
expressivas em suas místicas que relacionam as lutas sociais a
momentos de celebração. Cabe lembrar que houve um tempo em que
“[...] a mística era exclusividade da instituição igreja, algo de manejo
próprio dos sacerdotes.” (MARSCHNER, 2010, p. 203). Ainda segundo
este autor,

Atualmente, a mística passa por um processo de


apropriação popular. Ela migrou dos espaços
fechados do sagrado institucionalizado para o
contexto fecundo das lutas sociais, assumindo
assim sentidos múltiplos. Pode ser vista como um
exercício, um modo de vida, uma forma de ver,
uma forma de celebração. O que para uns é só
sentimento, para outros é dedicação profunda a
uma causa. (p. 203).

Nesse sentido, a prática popular das celebrações e manifestações


místicas realizadas pelo MST possui um significado de denúncia e
154

indignação com as injustiças sociais e não de resignação, revelando o


papel do Movimento para a sociedade, impulsionando-o para a luta. A
mística no contexto do Movimento pode ser interpretada como um ato
cultural e político, representado nas músicas, nas poesias, nas
representações cênicas, enfim, em diferentes rituais e linguagens. A
dimensão mística deste movimento é permeada pela fé, que valoriza a
justiça e a união. Por isso, “[...] o espaço e tempo místicos são tão
especiais”, pois não são “[...] descolados do cotidiano dessas pessoas”.
(MARSCHNER, 2010, p. 213).
A importância simbólica destacada no fazer místico deste
movimento como um ato cultural e político reforça o compromisso
constante e a proposta mais ampla do mesmo no que se refere à luta pela
terra, processo caracterizado como experiência no sentido compreendido
por Thompson (1981), permeada pela consciência e cultura na qual os
sujeitos sem terra em suas trajetórias individuais e coletivas
experimentam práticas educativas, expectativas e “sonhos” gerados na
vida material e voltados para a conquista da terra e fortalecimento do
MST, isto é, como experiência humana sempre em movimento.
A reflexão a partir da abordagem thompsoniana é de grande
relevância, já que os entrevistados enfatizaram o sonho de conquistar a
terra, aspecto comum que os levou a aproximar-se e a engajar-se na luta
coletiva e experiência histórica do movimento.

[...] surgiu a oportunidade de vim pra cá, aí eu vim


pra conquistar a minha terra e hoje tô aqui.
(Assentado João).

Eu tinha um sonho e corri atrás [silêncio]. Meu


sonho era de um dia ser patrão de mim mesmo.
(Assentado José).

A inserção no Movimento e a organização dos acampamentos,


bem como os diferentes espaços formativos, vão ressignificando
interesses aparentemente individualizados, através do papel mediador da
experiência construída no e pelo Movimento em uma perspectiva
cotidiana compartilhada, reflexiva e orientada para a luta coletiva.
As trajetórias individuais se reconfiguram na experiência coletiva
do fazer-se movimento, ao passo que são compartilhadas se
complementam, permitindo aos trabalhadores sem terra problematizar
suas trajetórias e condições de vida a partir da proposta política de luta
pela terra, possibilitando a consciência de classe, como resultado de
155

experiências comuns, determinadas em grande medida pela situação de


exploração e subalternidade decorrentes da histórica concentração de
terras no Brasil.
No item a seguir, tomaremos a categoria de classe social
elaborada por Thompson (1987) a fim de discorrer e compreender sobre
o seu significado no processo de luta e conquista pela terra como
experiência de formação política-ideológica vivenciada pelos sujeitos do
Assentamento Dom José Gomes.

4.2 LUTA E CONQUISTA PELA TERRA COMO EXPERIÊNCIA DE


FORMAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA NO MST

O processo que caracterizou o período de acampamento,


conforme tratado anteriormente, foi constituído por sentidos que
marcam uma trajetória de luta, a princípio motivada por sonhos e
expectativas individuais. A fala de um assentado revela o sentido
orientado por este tipo de expectativa: “A primeira ideia que eu tinha,
quando eu vim pro Movimento, era de realizar um sonho individual, de
poder morar naquilo que era meu.” (José).
Embora a manifestação anterior revele uma expectativa e sonho
expresso por um indivíduo, as experiências e histórias de vida dos
entrevistados e de suas famílias apontam para trajetórias comuns
determinadas por condições de subalternidade, as quais motivaram a
inserção no Movimento e, consequentemente, a construção e o
compartilhamento no decorrer do processo de luta para uma condição de
classe, vinculada aos princípios e propósitos do MST.
Segundo Thompson (1987), a classe é uma formação social e
cultural, compreendida como um fenômeno histórico que se constrói a
partir do compartilhamento de interesses comuns idealizados e
vivenciados mediante experiências concretas, caracterizando o que o
autor compreende como a interação entre experiência vivida e
percebida. Para Thompson (1981), a experiência vivida remete ao ser
social e a experiência percebida à consciência social ou ideológica.
Para Thompson (1987), a formação de uma classe implica no
aprendizado do ser social, pois reflete sobre o que acontece a ele e ao
mundo, tendo desta forma maior compreensão de sua realidade e de sua
condição de subalternidade, ou seja, “[...] a classe acontece quando
alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou
partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si,
156

e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se


opõem) dos seus.” (p. 10).
Isso significa dizer que a constituição de uma classe não é
simplesmente a soma de experiências individuais, mas é constituída
mediante a identificação e compartilhamento por parte de indivíduos
que experienciam interesses comuns, o que culminará em projetos e
experiências coletivas.
Nesse sentido, para Thompson (1987), toda classe é resultado de
relações históricas que colocam em confronto condições sociais
desiguais, as quais se constroem e desconstroem a partir de um processo
contínuo entre relações concretas e consciência de classe, aspectos que
podem ser identificados nas palavras de uma assentada:

Quando a gente veio pra ocupação a gente


percebeu que não era só a terra que importava, nós
percebemos que nós lutava por saúde, por
transporte, por educação, por moradia [silêncio].
A luta era muito maior que só a terra. Então, foi
onde, a gente se assumiu parte do Movimento.
(Ex-liderança estadual do MST e assentada).

Com base em Thompson (1987), podemos inferir que esta fala


remete ao reconhecimento enquanto classe trabalhadora, que ocorre
quando indivíduos se identificam, reivindicam e lutam por interesses
comuns contra interesses antagônicos que os colocam em situação de
exploração e desigualdade. Tal reflexão nos permite afirmar que o
projeto político-ideológico do MST tem sido historicamente pautado por
princípios e objetivos articulados com outras lutas internacionais contra
o capital, que tem caracterizado claramente a luta da classe trabalhadora
sem terra como expressão da sua consciência de classe. Este projeto de
sociedade pretende:

Construir uma sociedade sem exploradores e


explorados, onde o trabalho tenha supremacia
sobre o capital; Garantir que a terra, um bem de
todos, esteja a serviço de toda a sociedade;
Garantir trabalho a todos, com justa distribuição
da terra, da renda e das riquezas; Buscar
permanentemente a justiça social a igualdade de
direitos econômicos, políticos, sociais e culturais;
Difundir os valores humanistas e socialistas nas
relações sociais e pessoais; Combater todas as
157

formas de discriminação social e buscar a


participação igualitária da mulher, homem, jovem,
idoso e crianças; Buscar a articulação com as lutas
internacionais contra o capital e pelo socialismo.
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA, 2012, p. 7).

A fala de uma liderança estadual do MST revela que a conquista


da terra é apenas um dos objetivos do Movimento e que o vínculo com
este com o passar do tempo se constrói a partir do compartilhamento de
interesses e causas comuns.

Mesmo que a gente tenha entrado no MST


inicialmente por uma necessidade, depois que tu
conquista a terra, tu passa a querer conquistar
outros direitos sociais [...]. Hoje você faz, não por
um sentimento individual, mais sim, por uma
causa, um ideal. (Gregório, liderança estadual).

Nas entrevistas foram referidos conflitos vivenciados no processo


de construção do acampamento, como evidenciaremos logo adiante.
Medeiros (2003) afirma que, embora haja muitos conflitos durante todo
percurso de acampamento, este é um importante instrumento de luta
pela conquista da terra, o que significa que a ocupação e a construção do
acampamento representam um momento de ruptura de uma condição
social e política de expropriação do trabalho e da terra. Nesse sentido,
identificar-se como explorado é o princípio que tomamos para discutir a
condição de classe dos trabalhadores sem terra.
Segundo relatos, o momento de transição de acampamento para
assentamento é muito complexo, pois envolve processos de formação e
intervenção voltados para a construção de uma compreensão política
coletiva que fortalece vínculos entre trajetórias individuais e o
reconhecimento e pertencimento a uma classe social, o que implica a
configuração de uma nova identidade, mas também, um modo de pensar
e agir em sociedade.
Desse modo, a construção de uma força contrária à lógica do
capital é o que tem constituído o MST enquanto classe trabalhadora sem
terra, o que nos permite afirmar que a formação e fortalecimento de uma
classe implica em aprendizado histórico e consciência constante sobre a
condição que ela ocupa na estrutura social, considerando as experiências
sociais e culturais vivenciadas pelo Movimento na luta por direitos.
158

Ao analisarmos o vivido e o compartilhado pelas famílias


assentadas no ADJG, destacando dois determinados momentos
históricos (o acampamento e o assentamento), buscamos investigar em
sua estrutura, os processos formativos ocorridos, o que é apresentado a
seguir.

4.3 PROCESSOS FORMATIVOS NOS PERÍODOS DE


ACAMPAMENTO E ASSENTAMENTO: UMA
EXPERIÊNCIA DE CLASSE

Considerando a trajetória de luta e conquista da terra descrita e


analisada como experiência humana, histórica e política, apresentaremos
na sequência reflexões que caracterizam as percepções dos entrevistados
sobre as experiências vividas no acampamento e atualmente no
assentamento, destacando em especial os processos de formação
político-ideológica.
A proposta de formação política do MST busca instituir
mecanismos que fortaleçam os princípios e valores deste movimento
através de diferentes atividades, nas quais seus participantes têm
compartilhado experiências que são cruciais para os processos de
identificação deles ao Movimento, com suas lutas e constituição de uma
consciência de classe. Assim, segundo Martins (2009),

[...] a proposta de formação política para a


transformação social, como deseja o MST,
significa construir mecanismos que solidifiquem a
adesão ao MST e aos seus princípios e valores,
por isso a ênfase na mística, nas práticas coletivas,
na disciplina, na participação, na identificação
com o campo e com sua cultura e também a
recusa daquilo que se afasta, nega a possibilidade
de identificação. (p. 258).

A experiência enquanto processo humano e histórico de formação


dos sujeitos entrevistados revela a importância da proposta de
transformação social veiculada pelo MST, aos considerarmos seus
princípios e valores, principalmente no que se refere à luta pela terra e
reforma agrária. A vivência construída e compartilhada durante o
período de acampamento demonstra que o aprendizado e identificação
159

ao Movimento e sua luta acontecem em meio a grandes dificuldades,


sacrifícios e privações.

A gente vivia numa condição precária. Não tinha


água encanada, não tinha luz ou banheiro
[silêncio]. Então foi um tempo muito difícil
mesmo. (Assentada Eva).

A gente ficou bastante tempo acampado, foi muito


difícil. [...] Tinha muitas ameaças dos de fora, o
preconceito era muito grande com o Movimento.
Nós sofremos bastante, [...] a gente via bastante
miséria [...], o pessoal aqui era muito humilhado,
muito maltratado, não tinha respeito nenhum
pelos seres humanos aqui. Tratavam nós como um
bando de baderneiros, que só tinha marginal,
vadios [silêncio]. Agora não, hoje eles veem que
nós somos seres humanos normais. (Assentada
Helena).

Como todo acampamento, é muito sofrido, né. Só


o fato de você ter que enfrentar frio, calor, a vida
de baixo de uma lona, muitas vezes em condições
precárias, tem que ter muita coragem. Muitos
desistem, por causa disso! (Assentado José).

[...] tivemos muitas dificuldades, porque não tinha


luz, não tinha água encanada, as necessidades
básicas do dia a dia nós não tinha. Mais a
expectativa era grande, a esperança de conquistar
a terra valia todo sacrifício. (Assentada Isabel).

Embora a vivência no acampamento seja relatada por estes


sujeitos como um momento de grande precariedade, sofrimento e
preconceito, ainda assim, o evidenciam como um período de grande
importância, como expressam os assentados nas falas a seguir, que
demonstram que o acampamento se caracterizou como um espaço
organizado e de compartilhamento.

É, a gente passou por momentos difíceis, mas a


união das pessoas ajudou bastante. (Assentado
Carlos).
160

A gente dividia tudo! Tinha organização pra tudo


também. Tinha equipe da limpeza, da higiene, da
segurança, da saúde, da igreja, educação, de tudo,
né. (Assentada Joana).

A experiência que tivemos aqui foi muito boa. Na


minha concepção, o acampamento sempre foi
muito organizado. As pessoas eram muito unidas
[...]. Como diz aquele ditado: era sofrido, mais
divertido! [risos]. (Assentada Isabel).

De acordo com estes relatos podemos afirmar que a organização


do acampamento, apesar das instabilidades e incertezas, constituiu-se
em um importante espaço de experiência e formação para o
reconhecimento do MST enquanto organização e seu papel político na
transformação social. Neste processo de reconhecimento do Movimento,
os acampados também se reconhecem e tomam consciência de seu
pertencimento à classe trabalhadora sem terra a partir de momentos de
interação e compartilhamento e nos processos de formação vivenciados.
Dessa forma, através da formação político-ideológica vai se
configurando a identidade de pertencimento à classe e ao movimento na
luta coletiva pelo direito à terra, conforme podemos observar no relato a
seguir:

[...] cada pessoa tem uma identidade, eu tenho


uma identidade como agricultor. Entramos no
Movimento por causa da necessidade que a gente
tinha. Nossa família não tinha nada! E quando a
gente foi, a gente se tornou MST né, porque
assim, depois que a gente entra a gente é! [...]
Cada família, cada sujeito é parte do MST, né. É
uma coisa grandiosa que tu vai participando e vai
se sentindo membro do MST, e vai fazendo a luta
coletiva né pra conquistar aquilo que é nosso de
direito, que é a terra. (Assentado Ulisses).

No que se refere à formação político-ideológica, esta é


considerada significativa para a emancipação social dos entrevistados e
como meio de fortalecimento do Movimento. Nas palavras do assentado
Ulisses, “A formação para o Movimento é importante em todos os
momentos, ela é o alicerce da nossa luta [...]. O conhecimento é
essencial, se a gente não tem o conhecimento a nosso favor, a gente não
sabe pelo que lutar e como lutar, né.” Na medida em que os
161

entrevistados participam de momentos de formação e posicionam-se na


direção em que Ulisses apontou, o MST cumpre seu papel formador. Ao
lutarem pelo fortalecimento de sua classe enquanto trabalhadores
assentados assumem uma postura de reconhecimento e pertença ao
Movimento.
Ao investirem na proposta do Movimento e em suas bandeiras de
luta, os indivíduos deixam de ser um João, Maria, José, para ser parte
dos sem terra do MST. Assim, ao considerarem-se integrantes do
coletivo assumem identidades de pertença a um determinado grupo
social, neste caso, o de militantes do Movimento.
Nesse sentido, Ciampa (1987) defende que a identidade
representa o sujeito e seu posicionamento no mundo. Este autor e
Delgado (2006) afirmam, ainda, que a identidade envolve sentimentos e
condições de pertencimento ligadas às experiências de vida comuns
entre sujeitos.
Para Ciampa (1987), as identidades são constituídas por um
mecanismo contrastante de afirmação das diferenças e de
reconhecimento das similitudes. Este movimento representa uma relação
dialética, em que os sujeitos buscam fortalecimento nos diversos grupos
de interação e convivência: familiares, de amizade, religiosos,
produtivos, entre outros. O envolvimento a estes diferentes “núcleos”
sociais agregam valores coletivos às trajetórias individuais e vice-versa,
caracterizando um processo identitário em constante transformação. Tal
processo é denominado pelo autor de metamorfose. Em suma, as
reflexões sobre o conceito de identidade nesta perspectiva (da Psicologia
Social) nos permitem compreender elementos da formação desta classe
trabalhadora, que em seu movimento vem construindo, reconstruindo,
afirmando e recriando uma identidade coletiva: a identidade dos sem
terra. Acerca da formação de identidade no MST, lideranças
entrevistadas afirmam:

Você assume uma identidade e a prova disso é


que você tem a bandeira do Movimento na casa,
você usa muitos mecanismos que te identificam,
você tem esta simbologia de movimento. Hoje,
participar do Movimento, você carrega uma
identidade política também. (Gregório, liderança
estadual).

Eu diria que enquanto você faz parte deste ciclo


formativo, você vai construindo uma identidade
coletiva. E neste processo você vai rompendo com
162

várias barreiras. O fato de você se achar no direito


de tomar a terra de alguém que não a está fazendo
uso devido desta, e se achar no direito de ter esta
terra, é um primeiro tabu vencido. Rompe com a
alienação que você vivia. Você se vê à margem de
uma sociedade, capitalista, e se sente um alguém
sem direitos. É aí que você assume uma
identidade, uma cidadania, um ser humano de
direitos negados e que agora se reconhece na luta
coletivamente. E assim por diante né, nós vamos
nos construindo e transformando e sendo
transformados através do meio. (Maria, liderança
nacional).

Segundo o assentado Alexandre, “Todo mundo aqui chegava sem


muito conhecimento, sem muito estudo, e acabava dizendo que tudo
aquilo ali era a faculdade da lona preta [...] [risos]”, ou seja, o processo
de luta agrega conhecimento, condição para se traçar um futuro
diferente daquele em que se está inserido.
A importância da formação reside no fato de que cada sujeito que
dela participa passa a assumir uma postura consciente frente à luta de
classe que se apresenta. Desse modo, deixam de existir interesses
individualistas e passam a existir interesses coletivos. Na fala do
assentado Ulisses, podemos assim observar: “E eu tenho a consciência
de que eu conquistei a terra, mais existem outros que ainda não!” Sua
concepção de coletividade o desprende de valores individualistas, ao
passo que reconhece o outro como sujeito com direito de viver a mesma
condição que a dele. Identificar o “eu” no “outro” significa que os
desejos individuais estão intrinsicamente atrelados aos desejos coletivos
e que, a partir da consciência social, vive-se uma nova experiência: a
experiência do reconhecimento.
Segundo Martins (2009), a experiência do reconhecimento
permite articular tanto desejos individuais quanto desejos coletivos. Para
esta autora, a experiência do reconhecimento enquanto classe social
seria o resultado de aprendizados políticos adquiridos ao longo dos
processos e momentos de formação de base, cujas consequências são a
responsabilidade e o compromisso assumidos pelos militantes para com
o Movimento.
Assim sendo, a experiência do reconhecimento seria, em outras
palavras, o próprio caráter educativo da experiência, afinal, é “[...] pela
experiência que estes sujeitos lidam com a realidade, tanto no plano
objetivo como subjetivo e no processo educam e são educados.”
163

(MARTINS, 2009, p. 230). E, nas palavras de Thompson (1981), base


teórica da referida pesquisadora, “[...] as pessoas que experimentam suas
situações [...] ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura,
após agem sobre elas.” (p. 182).
Outrossim, o envolvimento político de cada sujeito é
fundamental, pois espera-se que se identifique enquanto sem terra,
enquanto camponês. Nesse sentido, podemos observar que através dos
momentos formativos realizados no Assentamento Dom José Gomes, o
MST tem conseguido formar sujeitos comprometidos com a luta dos
sem terra. Conforme podemos constatar nas palavras da assentada Anita,
“A formação ela ajuda a pessoa se libertar, a deixar de ser oprimido.”
Podemos observar que os trabalhadores reconhecem a luta e assumem
posturas de pertença: “Nós somos o MST! Nós somos o assentamento!”
(Assentada Joana).
Diante da pertença sentida por estes trabalhadores, podemos
entender que eles assumem um compromisso coletivo, social, conforme
diz a assentada Dandara: “Muita coisa foi feita, mais tem muito que se
fazer ainda. Nossa luta continua!” O assentado Ulisses confirma esta
ideia:

[...] o meu sonho é de permanência. Eu vou ficar


por aqui até o fim da vida. Como eu falei antes,
esta terra não é de negócio, é da agricultura
familiar [...]. Eu penso assim, que todos melhorem
de vida, principalmente aquele que tá com mais
dificuldade, que nós consiga olhar pra estas
famílias e ofereça ajuda a quem precisar. E
também que nós consiga viver com as diferenças,
e viva bem, com respeito, companheirismo,
solidariedade [silêncio] ser mais humano
[silêncio]. É isso que eu desejo.

Podemos dizer que a classe social é um acontecimento, constitui-


se no fazer neste movimento, que envolve articulação humana e
condicionamentos sociais. Para Thompson (1987), a luta de classe
aparece como terreno privilegiado, pois é num processo de luta que as
pessoas descobrem a si mesmas, como classe. Dessa maneira, este autor
compreende que a formação de uma determinada classe seria um
processo nunca acabado. Na fala abaixo podemos melhor compreender
tal afirmação:
164

Existe um dilema que é não é fácil, porque no


período de acampamento é muito mais fácil
organizar. Principalmente na parte da formação,
havia maior participação. Acho que é pelo próprio
objetivo mesmo, porque as pessoas pensam assim,
que têm que conquistar a terra a qualquer custo. É
a consciência da maioria. (Assentado Carlos).

Na exposição deste assentado, há o reconhecimento de que os


conflitos se fazem presentes no Movimento. Segundo o assentado
Alexandre, o conflito ocorre porque “As pessoas ficaram individualista,
e aí termina aquela organização que se tinha.” Infelizmente, são
momentos que compõem a trajetória destas famílias e que expressam a
condição que se estabelece pelos costumes, pela lógica histórica e
cultural construída na dinâmica do capital, como bem expressa
Thompson (2001):

A classe se delineia segundo o modo como


homens e mulheres vivem suas relações de
produção e segundo a experiência de suas
situações determinadas, no interior do conjunto de
suas relações sociais, com a cultura e as
expectativas a eles transmitidas e com base no
modo pelo qual se valeram dessas experiências
em nível cultural. (p. 277).

A partir dos processos de formação político-ideológica referidos


pelos entrevistados, apresentamos a seguir um quadro comparativo
expondo a participação deles nos momentos de formação, retratando as
vicissitudes vivenciadas nos contextos do acampamento e do
assentamento.
165

Quadro 4 – Processo de formação e capacitação: períodos do


acampamento e do assentamento

ACAMPAMENTO ASSENTAMENTO
- “Tudo mundo opinava. [...] Quando - “Hoje é decisão coletiva ainda. Que
a liderança chegava pra propor nem assim, vai ter uma formação pra
alguma coisa, todo mundo falava e aprender fazer chinelos, todo mundo
tinha que chegar a um consenso. Não faz a votação, que a maioria querer, a
era colocado uma coisa louca lá, sem atividade acontece.” (Assentada
antes ter um fundamento, né.” Dandara).
(Assentado João). - “Teve momentos que era mais
- “Iam nos barraco e chamavam todo intenso, mas ainda acontece. A direção
mundo.” (Assentada Ana). organiza ainda atividades com outros
- “[...] no início se intensifica muito os parceiros.” (Assentado Ulisses).
momentos de formação política. - “Hoje em dia, eu diria que ainda tem,
Faziam reuniões e definia todo mundo com menos frequência, mais ainda
junto.” (Assentada Olga). acontece. Mas isso porque as famílias
- “[...] no começo de tudo era para estão saindo do Assentamento pra
organicidade do grupo.” (Assentado trabalhar e daí acaba não indo todos,
Carlos). vai um só pra representar.” (Assentada
- No início era mais organização pra Isabel).
nós pressionar a decisão do INCRA, - “Hoje tem mais formação prática
dos governos, né. Aí a gente tinha a mesmo. Nós temos os técnicos que
reunião pra definir as datas e os trazem o curso, aí a gente junta um
chamados de luta, pra ir pras grupo e participa.” (Assentada Joana).
marchas.” (Assentada Helena).
- “Então, a gente sempre estava na
base. E assim, o pessoal estava tudo
num mesmo espaço, ficava mais fácil
pra mobilizar. Eu lembro que nós
tinha uma pá que ficava escorada num
tronco de uma árvore bem no meio e
quando alguém queria convocar uma
assembleia, ou uma reunião, batia
aquela pá na árvore e todo mundo
vinha. Era o nosso chamado.”
(Assentada Isabel).
Fonte: elaboração da autora. * Os nomes utilizados são fictícios.

Pelo que podemos observar no quadro acima, existem


mecanismos diferenciados de formação em ambos os períodos. Percebe-
se que o período de maior concentração formativa ocorre no tempo do
acampamento, pois nele houve maior envolvimento dos trabalhadores.
Outro fator relevante que merece destaque é o fato da formação política
166

estar mais concentrada no período do acampamento. Diante de tais


constatações, Francisco, líder estadual do MST, afirma: “O auge da
nossa formação está no período de acampamento, porque durante este
processo não se tem o capital ainda. Todos querem o mesmo fim, lutam
pelo mesmo pedaço de terra.”
Enquanto no acampamento se realiza formação de cunho mais
político-ideológico, no assentamento ela se detém mais a oficinas e
atividades de formação técnica, com o fim de aplicação nas
propriedades destas famílias, ou projetos que contribuam para a
elevação da renda dos assentados. A respeito disso, a liderança estadual
Francisco afirma: “[...] com a conquista vem outras contradições, é o
acesso às mídias, o enquadramento nos modelos de produção e
comercialização [...]”. Ou seja, a lógica do próprio sistema capitalista
gera novas demandas que o Movimento não consegue suprir. O
rompimento com o capital hegemônico se torna menos intenso ao passo
que as famílias assentadas se “enquadram” nos padrões sociais
existentes. Nas palavras da assentada Helena: “Agora a gente é visto
como uma comunidade normal!”
O enfrentamento desta situação exige investir no fortalecimento
da própria luta e assim refletir e superar algumas determinações
externas. É preciso ter consciência de que com a conquista da terra,
novas contradições se apresentarão, como a necessidade de acesso aos
meios de comunicação, o enquadramento ao modelo de produção e
comercialização hegemônica etc.
Isto posto, podemos deduzir que o meio em que vivem estes
trabalhadores é cenário de constantes disputas, no qual caberia aos
formadores de base interferir e buscar novos modos de permanência e
legitimação dos trabalhadores na luta empreendida pelo Movimento e,
assim, manter a postura crítica de rompimento com o capitalismo.

Nós, lideranças, nos preocupamos como vamos


lidar com todos estes entraves. [...] Mesmo que
nós tenha conquistado nossa terra, nosso espaço,
ali sempre tem aquela influência do sistema
externo, isto porque nós não estamos isolados do
restante do mundo. Então nosso acesso à mídia é o
mesmo das demais sociedades, nosso ensino é o
mesmo [silêncio]. Aí, o povo que antes não era
aceito na sociedade, agora faz parte do sistema, e
o modelo quer que aquele cidadão seja um
reprodutor do modelo atual e consumidor do
capital hegemônico. Então, é um processo
167

conflituoso se você observar do centro. Aí, neste


ponto que nós temos que pensar como é que nos
diferenciamos destas imposições capitalistas
existentes e que nos rodeiam dia a dia?
(Francisco, liderança estadual).

Podemos ver que esta liderança compreende a necessidade de se


pensar em estratégias para a superação da perda da crítica contra o
capital, situação a qual a base social do Movimento está sujeita. Afinal,
o MST preconiza:

Nosso objetivo deve ser organizar a massa e


mobilizá-la (com consciência) para a construção
de um projeto estratégico de transformação. Nesse
sentido a reforma agrária é apenas o caminho, não
o objetivo final. Ela é uma necessidade para
chegarmos a transformações maiores no campo.
(MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA, 2012, p. 49).

Os desafios do MST sobre o fazer no âmbito da formação


apontam para um novo projeto de defesa das lutas de classe. Um projeto
que seja capaz de desenvolver lutas permanentes contra o capital e que
potencialize e transforme permanentemente os espaços pedagógicos de
organização e elevação da cultura política de base. Entretanto, as
experiências apresentadas pelos assentados durante o trabalho de campo
têm indicado que existem algumas dificuldades e resistências que
envolvem a participação deles nos processos de formação, conforme
veremos a seguir.

4.3.1 Participação dos sujeitos nas atividades de formação e


interesses dos assentados por elas

Embora os momentos de formação de base tenham acompanhado


acentuadamente a vivência destes trabalhadores durante todo o percurso
de acampamento, podemos observar que eles não foram determinantes
para a efetivação da consciência de classe. Há muitas lacunas no
envolvimento e compromisso por parte de alguns assentados, que se
mostram incapazes de romper com o individualismo, que infelizmente
se reflete atualmente na organização coletiva deste assentamento.
168

Mesmo havendo a compreensão de que a conquista da terra só foi


possível através da luta coletiva, ainda assim, permanecem as “cercas”
do individualismo que distanciam alguns assentados, cada vez mais, de
uma consciência coletiva. Para a liderança nacional do MST, Maria:

Existe uma barreira que a gente não conseguiu


romper ainda, que é da propriedade privada. Todo
mundo tem consciência que a luta é coletiva, que
um sozinho jamais ia conquistar a terra. Isso ele
tem plena consciência. Todos valorizam a luta
travada coletivamente, mas no final, todos querem
o mesmo fim: “Eu quero o meu lote”. Então, eu
diria que se coopera no início, em algumas coisas,
mas a terra não. A terra é individual, nesses 30 e
poucos anos, a gente não conseguiu romper com a
propriedade privada.

No tocante a esta exposição, os assentados entrevistados foram


indagados sobre os interesses e a atuação nos momentos de formação.
Diante desta questão, deparamo-nos com os seguintes argumentos:

A gente chega do trabalho cansado, não vai querer


ir ali ouvir uma reunião. (Assentado João).

Hoje o povo não quer mais saber dessa folia do


Movimento. Poucos ainda continuam participando
mesmo. (Assentada Dandara).

Não é porque a gente não quer participar, mais


sim porque não sobra mais tempo. Hoje tem que
trabalha fora, que cuida da propriedade, aí fica
mais difícil mesmo. (Assentada Anita).

As pessoas trabalham muito hoje, cuidam das


terras [...], porque se não plantar a terra não
produz sozinha, né. Então, isso leva à diminuição
da participação dos trabalhadores nas atividades,
eu acho. (Assentada Chiquinha).

Eu vejo que apesar das demandas que as famílias


têm de cuidar da terra, trabalhar fora e tal, eles
ainda conseguem dentro das suas limitações
participar sim. (Assentada Isabel).
169

Os posicionamentos elencados nas falas acima remetem ao


período atual do Assentamento. Podemos perceber que, com a conquista
da terra, muitas famílias assumiram outras prioridades e que passaram a
se envolver menos nas atividades de formação do Movimento. Nas
palavras de Maria, liderança nacional:

Quando vira assentamento, é diferente do tempo


de acampamento, onde as pessoas ficavam todas
muito próximas, que tinham uma vida ativa, que
militavam juntas e tal. Mais aí se conquista o
assentamento, as pessoas dividem seus lotes, um
está aqui, outro está lá, ninguém mais se fala. E
pra fazer uma reunião, uma assembleia, uma
manifestação, torna-se difícil reunir este povo
todo. [...] Não se consegue mobilizar mais como
antes.

A luta que se apresenta no assentamento, diferentemente do


período de acampamento em que todos assumiam funções e se
comprometiam com a luta coletiva, acomodou muitas famílias, que hoje
se encontram distantes das discussões e formações promovidas pelo
MST.

Eu vejo assim, quando é pra ser uma discussão


política, que vai dar encaminhamento às novas
tarefas, às novas diretrizes do Movimento, não é
todo mundo que vai ou que tem interesse. Agora,
quando você fala que vai vir uma novo projeto pro
Assentamento, o interesse é bem maior. Quando
vai favorecer individualmente, é bem maior a
participação. (Assentada Olga).

Pensando a partir da afirmação desta assentada, buscamos saber


como têm acontecido os momentos de formação desenvolvidos com os
sujeitos do ADJG, conhecendo sobre a participação e interesses deles
nestes momentos.
170

Nossa família tem participado pouco. A gente tá


meio acomodado. É claro que muito disso é
porque o tempo não ajuda muito também. A
correria do dia a dia acaba fazendo a gente ter
outras prioridades. (Assentada Anita).

Sempre procuro acompanhar, porque sempre tem


coisas novas que a gente pode fazer aqui na nossa
propriedade pra ajudar na renda. (Assentado
Alexandre).

Então, onde tem atividade que diz respeito aos


sem terra, a gente sempre tá envolvido [risos].
(Assentado Ulisses).

Embora a participação não seja efetiva, percebe-se que dentro do


possível as famílias têm buscado participar das atividades formativas,
sejam internas ou externas. Ou seja, ainda existem aqueles que, a partir
de suas condições e limitações, procuram conciliar a vida pessoal à vida
coletiva:

Eu sempre busco participar [...], mas tem gente


que não quer mais saber de formação. [...] Tem
coisa que não dá né, pegar a pessoa e obrigar a
participar, aí depende do interesse de cada um
mesmo. (Assentado Carlos).

Eu acho que a pessoa quer participar, participa por


livre e espontânea vontade. [...] Eu participo quase
de tudo, faço parte da cooperativa [na verdade,
grupo] da costura, do trator [silêncio]. Sempre
estou envolvida em tudo! (Assentada Joana).

[...] eu quase sempre busco participar das


capacitações, né. Pra mim tem ajudado muito. A
gente sempre está aprendendo coisas novas, coisas
interessantes. (Assentada Helena).

Mesmo havendo maior ou menor participação nas atividades de


formação, a organização diretiva do Movimento tem buscado promover
persistentemente momentos formativos, como afirma a liderança
estadual Rosa, “[...] a formação ela é indispensável em todos os
171

momentos, acampamento e assentamento [...]”, ou ainda, a liderança


nacional Maria:

Um meio de organizar este povo é articular


atividades menos concentradas [...]. Hoje, nós
fazemos formação em etapas, com atividades de
uma semana apenas, pra conseguir conciliar
militância, liderança e família também, com
debates mais dinâmicos e participativos, de forma
que todos sintam-se acolhidos e incluídos neste
processo.

O diálogo com a base também é um fator predominante neste


processo e dentro do possível vem acontecendo, conforme afirma o
assentado José: “Toda formação sempre vai ser do nosso interesse. Se
não de todos, mas da maior parte”, embora a participação esteja
enfraquecida, conforme opina a assentada Olga: “Não é assim, aquela
coisa que todo mundo vai, mas também não é aquela que ninguém deixa
de ir. [...] Os projetos que temos hoje, não saíram do nada. Foram feitos
encontros com os moradores, para saber quais eram os interesses.”.
Segundo o assentado Ulisses, “[...] as decisões não podem só virem de
cima né, tem que partir da base também, das famílias, da realidade, com
os pés no chão. [...] As famílias vão se reunindo pra ver quem quer,
quem tem interesse, né. É assim que as coisas vão acontecendo.” Enfim,
podemos verificar que existe um “intercâmbio” entre direção e base e
que estas estão em constante diálogo, visando suprir demandas e
dificuldades que se apresentam no dia a dia do Assentamento.
A partir das falas apresentadas, poderíamos afirmar que existem
diferentes momentos de diálogo para se pensar e articular as atividades
de formação. A fim de elucidá-las, traçaremos a seguir os espaços
ocupados por estes sujeitos nos diferentes momentos de formação de
base.

4.3.2 Diferentes espaços de formação e acompanhamento do


trabalho de base

Segundo alguns estudiosos do MST (CALDART, 2004;


STEDILE, 2000; MORISSAWA, 2001), tanto os acampamentos quanto
os assentamentos são considerados espaços importantes de formação. É
172

dentro destes espaços de formação que um novo sujeito coletivo e


consciente vislumbra um modelo diferente de sociedade em que
pretende viver.
Para estes autores, o assentamento é o local onde se começa a
organizar um novo modelo de sociedade. Diante da afirmação realizada
por estes pensadores, perguntamos às lideranças entrevistadas: quais os
principais espaços utilizados para a formação política dos trabalhadores
rurais sem terra? Como resposta, ouvimos:

As diversas atividades que são desenvolvidas, na


grande maioria são dentro dos próprios
assentamentos, principalmente as atividades
produtivas, práticas e organizativas. [...] Nós
aproveitamos todos os espaços da comunidade,
por ser mais fácil o deslocamento destas famílias.
E a gente sempre observa onde que este povo
costuma se reunir, por exemplo: se reúne pra
missa, é um espaço que é usado pra rezar, mais
também pra fazer formação. Se eles se reúnem pra
festejar, tu também homologa alguma função
política na festa. A própria mobilização é um
processo de formação. Quando tu vai pra luta a
formação política é muito maior, nós inserimos a
teoria na própria prática destes sujeitos.
(Francisco, liderança estadual).

Assim como Francisco, as demais lideranças entrevistadas


reforçam ser a base o principal espaço para a formação:

A formação ela está sempre acontecendo, nas


assembleias, nos acampamentos e assentamentos
[...], nas marchas do Movimento. [...] É um espaço
de debate nas universidades [...] (Gregório,
liderança estadual).

Além dos Centros de Formação, existem as


secretarias estaduais [...]. Temos os assentamentos
[...], os espaços comunitários, que existem em
todos os assentamentos [...] (Rosa, liderança
estadual).

A gente utiliza muito as assembleias, as reuniões,


a escola [...], isso dentro dos próprios
173

acampamentos e assentamentos [...]. Nós vamos


até eles! (Maria, liderança nacional).

Tendo a base como principal espaço formativo, registramos aqui,


como sendo um local de afirmação de novas relações sociais
constituídas por valores de igualdade, que formam sujeitos livres de
autoritarismo e opressão. É neste contexto que estes se organizam para
defender seus direitos enquanto trabalhadores do campo.
A fim de aproximarmos os relatos apresentados pelas lideranças,
fizemos o mesmo questionamento aos assentados do ADJG.

Tem tido atividades tanto dentro do


Assentamento, quanto fora. [...] Os assentamentos
tem os chamados intercâmbios, que é você
participar dos demais assentamentos, sempre que
tem atividades [...]. Temos atividades com a ITCP
da Unochapecó e UFFS [...] (Assentada Joana).

Além das atividades aqui, saímos pra outros


acampamentos e assentamentos [...], trocamos
experiências né. [...] Temos a Universidade
Federal (UFFS), que também fazem momentos de
discussão nos espaços da universidade.
(Assentado Ulisses).

Tem muita formação aqui no nosso assentamento


mesmo. Eu já fui pra muitas atividades fora
também [...], reuniões, seminários, encontro
municipal, estadual, congressos. (Assentada
Isabel).

Aqui nós temos os cursos do próprio Movimento


[...], alguns fornecidos pela EPAGRI [...], cursos
Técnicos pelo INCRA [...] (Assentado
Alexandre).

Conforme pode ser observado até aqui, a constância do diálogo


entre MST e base permanece, principalmente no que diz respeito aos
momentos de formação de base. Isso nos possibilita confirmar que neste
assentamento em específico, apresenta-se uma relação horizontalizada
de comprometimento e envolvimento, tanto da parte do grupo diretivo
quanto dos trabalhadores.
174

Em termos de planejamento e acompanhamento das atividades


desenvolvidas, podemos afirmar, com base nas entrevistas realizadas,
que algumas lideranças locais, juntamente com as direções regional,
estadual e nacional do MST, têm buscado organizar um calendário de
atividades, anualmente. Segundo a liderança estadual, Francisco, “[...]
existe uma agenda de formação política, que às vezes é mais intensa, às
vezes menos, mais dentro do possível, se dá em um processo contínuo.”
Segundo relatos, existem também as demandas específicas dos
acampamentos e dos assentamentos que vão sendo acompanhadas mais
pelos dirigentes locais, que prestam acessorias juntamente com os
demais dirigentes regionais, estaduais e nacionais, caso necessário.

Na direção nacional é definido um calendário que


vai sendo distribuído para as direções estaduais.
Este calendário tem a rodada dos núcleos, dos
assentamentos, das assembleias, direcionando
onde tem as demandas, pra fazer a mobilização.
Então, tem uma agenda de preparação pra estas
atividades antes, durante e após. (Francisco,
liderança estadual).

Nós temos um planejamento estadual, ele é anual


e que a gente reúne um coletivo de formação para
pensar as atividades no decorrer do ano. Para
avaliar e estudar também. E este coletivo, ele é
responsável também por uma agenda. Então, pra
planejar as atividades e avaliar, vai ser este
coletivo responsável por estar pensando todo este
conjunto de atividades. Então, ela parte muito do
setor de formação e do setor de educação, de
gênero e tudo mais [...]. Os planejamentos das
atividades, é feito por todo um conjunto que
compõem o MST. (Gregório, liderança estadual).

Nós temos os setores de formação, no qual a gente


faz um planejamento ao ano. E daí, na base dos
assentamentos, se junta o setor de formação com
os dirigentes de cada região, pra se definir as
agendas. (Maria, liderança nacional).

A partir destas reflexões sobre os processos organizativos da


formação de base do MST, apresentaremos na sequência caminhos da
formação político-ideológica traçados por este movimento.
175

4.4 AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NO MST E SUAS POSSÍVEIS


CARACTERIZAÇÕES CONCEITUAIS

Nesta parte, buscamos apresentar as práticas educativas que


compõem o trabalho de formação político-ideológico do MST, a fim de
demonstrar quais princípios e metodologias orientam a formação de
base deste movimento. Partimos do pressuposto de que as práticas
educativas não estão descoladas das demais práticas e ações políticas do
MST, contribuindo significativamente para os processos de
emancipação social dos sujeitos vinculados ao Movimento. Nesse
sentido, buscaremos no conceito de consciência de classe em Thompson
(1987), elementos para pensar esta relação.
A consciência de classe emerge diretamente da experiência vivida
dos trabalhadores que, em contato com suas vivências no mundo,
estruturam sua consciência. Para Thompson (1987), “A consciência de
classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos
culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas
institucionais.” (p. 10).
A consciência de classe surge, portanto, em grupos que têm uma
identidade entre si e que vivenciam experiências semelhantes
(THOMPSON, 1987). Neste sentido, podemos afirmar com base neste
autor, que a consciência de classe acontece quando existem interesses
comuns, que se diferem dos interesses de outros. Nas palavras deste
autor, consciência de classe seria então: “[...] a consciência de uma
identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de
trabalhadores, contra os interesses de outra classe.” (THOMPSON,
1987, p. 17).
Estas ideias são corroboradas por Vendramini (2012) ao afirmar
que o autor apresenta elementos fundamentais para pensar a experiência
ou a formação humana a partir da dialética entre realidade e
pensamento. As experiências vivenciadas e compartilhadas nos
processos de formação político-ideológica do MST entendidos como
formação humana, apresentam-se “[...] como elementos centrais para
pensar a organização da vida social de forma mais ampla [...]” (p. 144),
que se concretizam nas diversas formas e espaços “[...] de vivenciar
experiências, de aprender com elas e de lhes dar sentido [...]”, que
compartilhadas coletivamente podem se tornar emancipadoras, “[...] ao
176

agregar sujeitos em torno de situações e objetivos comuns de vida”. (p.


145).
A partir destas reflexões buscaremos compreender a formação de
base militante nas experiências vivenciadas pelos entrevistados em
processos de formação que orientam o trabalho de base do MST.

4.4.1 Compreendendo a formação de base militante

Os princípios educativos do MST estão pautados por vertentes


teóricas que orientam o trabalho de base deste movimento. Tais
princípios contribuem para os processos de formação político-ideológica
no âmbito do Movimento, como também estão em constante diálogo
com a prática social deste, pois se fundamentam em princípios
filosóficos, sociológicos, políticos e culturais, como ponto de partida
para a reflexão crítica de uma determinada realidade.
Nesse sentido, apresentaremos os processos de formação político-
ideológica propostos pelo MST, de modo a demostrar quais perspectivas
formativas orientam o trabalho de base deste movimento durante os
momentos de formação política de seus militantes.
A formação de base militante, denominação proposta pelo
próprio MST, é compreendida como o processo constituído mediante as
experiências vivenciadas pelos sujeitos que estão intrinsicamente
envolvidos em um processo de luta pela terra. Assim, a formação
política se constitui e se caracteriza como e no próprio processo de luta
do Movimento. Nas palavras expressas por uma liderança estadual:

O primeiro processo de formação política que um


sem terra participa é quando se inicia a luta pela
terra. Quando você vai pra ocupação e rompe as
cercas do latifúndio, ao mesmo tempo você está
rompendo com as cercas da ignorância. Então, ali
você já inicia um processo de formação política. E
a partir dali, você inicia um trabalho de
organização. (Gregório).

Construída para suprir demandas organizativas do MST desde a


sua gênese e responder às diversas questões e demandas dos sujeitos que
compõem o Movimento ao longo de sua constituição, a formação de
base militante não se restringe somente a atividades pontuais, mas
177

corresponde a um processo permanente de reflexão que visa concretizar


a prática pedagógica na práxis do MST.
Segundo o Caderno de Formação nº 10 do Movimentos do
Trabalhadores Rurais Sem Terra (2004), a formação se definiria como
sendo, “[...] um processo permanente, continuado e sistemático de
reflexão e debates, buscando na teoria subsídio para que sejamos
capazes de implementar na prática pedagógica, a práxis que queremos.”
(p. 21). Tal definição explicita a concepção ideológica do MST sobre
sua prática pedagógica, orientada por um diálogo constante entre
reflexão (consciência) e realidade (práxis), conforme podemos observar
nas falas de lideranças.

Para entender o processo de formação no MST,


primeiro é preciso compreender que toda e
qualquer atividade a ser desenvolvida deve
dialogar com a necessidade das famílias, ou seja,
com a realidade. Então, se você querer ir lá e
dialogar sobre o Manifesto Comunista, se não
dialoga com a realidade das famílias, isso vai estar
automaticamente fora dos interesses dos sujeitos
que compõem aquela realidade. Você tem que
levar um debate que interesse às famílias. Então,
ao mesmo tempo que você tem que levar o debate
de formação e organização, você o associa com o
debate da renda, da produção, da reforma agrária
popular, que é o que hoje se está trabalhando.
(Gregório, liderança estadual).

As nossas formações, ela visa à elevação da


consciência. Nos cursos, são voltados a estudos
que estudam a sociedade, como ela funciona, onde
nós estamos [silêncio]. Nosso objetivo é formar
nossos educadores, engenheiros, nossos doutores
[silêncio]. É formar profissionais, nas diversas
áreas de atuação. E com isso, o nosso grande
objetivo é formar sujeitos críticos, no sentido que
ele possa entender o meio e possa atuar sobre ele.
(Francisco, liderança estadual).

Contudo, nem todas as atividades de formação partem de


necessidades concretas, pois existem temáticas que precisam ser
aprofundadas na medida em que estes processos, segundo o entrevistado
Francisco, visam “à elevação da consciência” em uma perspectiva de
178

formação de “sujeitos críticos” que entendam como a sociedade


funciona e possam atuar para transformá-la. Esta perspectiva se
caracteriza como um grande desafio para o MST, pois cabe às lideranças
de base regionais, estaduais e nacionais articular mecanismos de
formação que sejam “atrativos” e estimulem a participação das famílias
vinculadas ao Movimento.

Dependendo da atividade, as famílias participam,


desde que o Movimento tenha um pouco de
criatividade e que coloquem temas que interessem
as famílias também. E o que precisamos entender,
é que as pessoas primeiramente são movidas pela
necessidade, aí a gente acaba ligando o político
com o econômico [...] (Gregório, liderança
estadual).

Em relação ao processo de formação no MST cabe esclarecer


como ele ocorre. Para tanto, recorremos às percepções de lideranças e
assentados, que ressaltaram a importância do trabalho de base na
definição das demandas construídas pelas famílias acampadas e
assentadas e articuladas pelas diferentes instâncias e coordenações do
Movimento, caracterizando a organicidade dele. Destaca-se também,
neste processo de formação, o papel da luta mais ampla do Movimento
no cotidiano dos acampamentos, por exemplo, no que se refere ao
enfrentamento das questões que envolvem a conquista da terra e que
contribuem para a formação da consciência da classe trabalhadora sem
terra.

Primeiro, a discussão da formação, ela vem da


base para coordenação geral. Então a demanda é
construída pelas famílias, e a partir daí ela é
visualizada pelas lideranças que estão mais a
campo, a coordenação regional, a coordenação
estadual, direção estadual e direção nacional, que
é essa organicidade que o Movimento tem, né.
(Rosa, liderança estadual).

Eu diria que o MST é o grande formador. E é na


luta que mais se forma, é um ato não formal, que
acontece no dia a dia. Eu digo isso, porque se
você observar que em um mês de acampamento,
sem nenhum tipo de formação concreta ter
ocorrido, é possível se perceber mudanças naquele
179

grupo. O fato da organização de um


acampamento, o fato do enfrentamento, muitas
vezes com a polícia, com o latifundiário, ou a
ameaça de despejo, são situações que te envolvem
as pessoas, que fazem elas refletirem sobre o seu
lugar. Elas começam a ver quem é o inimigo de
classe, quem que está do outro lado, quem que
quer me despejar, quem que vai assinar a
reintegração de posse, quem é o dono da terra.
Tudo isto ela já vai criando consciência de quem
ela é. Quando ela ocupa um latifúndio e vê tanta
terra e ela não tem nada de terra. Então tem um
formador que é a luta concreta, e acontece de
diferentes formas, quando ele vai pra uma marcha,
num protesto, ou na ocupação de um órgão
público, ele se forma e este é nosso maior
mecanismo formador. (Maria, liderança nacional).

Podemos observar que as atividades de formação são de fato


articuladas nas bases do Movimento de acordo com informações obtidas
durante o trabalho de campo com os assentados do Assentamento Dom
José Gomes.

As formações eram pensadas conforme a


necessidade do povo. (Assentada Chiquinha).

Sobre a formação, [...] nós temos uma


coordenação de núcleos, que fazem as discussões
direto com as famílias do que a gente gostaria de
ver, aí eles repassam pras lideranças do
Movimento que planejam com base no que os
moradores têm vontade de aprender. Aí é feito
uma proposta e se as famílias aceitarem é feito.
(Assentada Anita).

Muito do que era trabalhado aqui eram situações


que envolviam a nossa realidade com o objetivo
de melhorar nossa convivência, nossas estruturas.
(Assentada Isabel).

Pelo exposto até o momento, podemos afirmar que o processo de


formação e proposta educativa do MST se caracterizam de forma
horizontalizada a partir dos espaços coletivos que constituem o
Movimento em seus diferentes níveis organizacionais, rompendo com
180

padrões educacionais tradicionais e apresentando propostas inovadoras à


educação e processos educativos pautados por uma postura que possa
potencializar e fortalecer diferentes sujeitos através da reflexão sobre
sua condição social, política e cultural na perspectiva de uma educação
não formal e popular como já discutido anteriormente. Nesse sentido,
desenvolver uma proposta de educação que proporcione conhecimento e
experiências concretas de transformação da realidade tem sido um dos
grandes desafios do MST.
O Movimento compreende que a formação é fator primordial
para fortalecer e tornar concreto aquilo que é utopia e, para tanto,
reconhece que um setor de formação dentro do Movimento desempenha
um papel importante na base e organicidade de um coletivo. Segundo
informações disponíveis na página do MST44 e em grande parte dos
materiais produzidos para formação de base militante, a formação
política é uma prioridade, pois é através dela que se criam condições de
emancipação humana, autonomia política e ideológica. De acordo com
liderança entrevistada:

Quando pensamos em formação, nós buscamos


nos reconstituir enquanto humanos, resgatar
nossos valores. Então elencamos questões que vai
desde o acesso à educação, à cultura, à elevação
da consciência. Então, o nosso meio, que é onde a
gente vive, se forma e constrói conhecimentos,
sempre está em disputas. Nós precisamos observar
as áreas frágeis, de maior dificuldade das famílias
e buscar relacionar. Então toda formação, que seja
técnica, prática, que aconteça no âmbito social,
você precisa encaixar a formação política nas
discussões. Essa é a relação que temos hoje.
(Francisco, liderança estadual).

A formação para o MST, apresentada no Caderno de Formação nº


10, assume o papel de preparar os sujeitos para a atuação consciente na
sociedade (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM
TERRA, 2004). Dessa forma, os sujeitos que fazem parte do Movimento
precisam ter consciência que sua atuação e militância são indispensáveis
para a continuidade e fortalecimento das suas bandeiras de luta, sendo a

44
Disponível em: <http://www.mst.org.br/2015/02/19/para-mst-2015-sera-o-ano-da-formacao-
politica.html)>. Acesso em: 23 fev. 2015.
181

formação de base um mecanismo fundamental para isto, conforme


podemos perceber na fala do assentado Ulisses:

O Movimento tem consciência de que a formação


não tem que ser só com lideranças. Pra fazer
sentido e obter resultados, tem que sair da base e
voltar para base, onde as famílias estão
assentadas. Eles sabem que nós aqui, não somos
uma ilha que ficamos isolados das demais lutas.

A formação representa, portanto, a diretriz para o fortalecimento


do MST na concretização das lutas e mudanças que propõe e possibilita
visualizar a dimensão do projeto político pedagógico que o Movimento
vem estruturando de forma orgânica como ressaltado anteriormente. De
acordo com os cadernos do Movimento, para que haja organicidade é
preciso mediar, qualificar e investir na formação de base militante como
um processo vivenciado de forma contínua e permanente, ou seja,
“formar na ação” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS
SEM TERRA, 2004, p. 21). Podemos afirmar que a formação para o
Movimento é um mecanismo que pretende ir além “[...] ao revolucionar
o modo de vida e de trabalho dos trabalhadores rurais [...]”, criando “[...]
experiências inovadoras dentro de um projeto emancipatório no interior
das velhas relações de produção.” (VENDRAMINI, 2012, p. 137). Para
concretizar este projeto mais amplo, o Movimento vem articulando sua
organização de base a partir de projetos que possam garantir a
construção de um novo modelo de produção orientado por estratégias
sociais, econômicas e técnicas voltadas para a formação coletiva.

Nosso movimento tomou uma proporção


gigantesca, que só a organização interna do nosso
movimento social não dá conta, é preciso a
interferência de parceiros, do próprio governo
municipal, estadual e federal. A nível de
produção, um sistema conjunto, nós temos uma
assistência técnica própria, embora seja pública,
do ponto de vista financeiro somos nós que
através das cooperativas nossas, a gente tem a
coordenação desta assistência prestada. A
assistência técnica compreende todas as
dimensões, que vai da agropecuária ao social.
Então temos esta cobertura, ainda também com
aquela limitação, porque a gente ainda não
conseguiu de fato implantar um novo modelo de
182

produção e tal, diferente deste do modelo do


capital. Mas a gente tem e é uma ferramenta
importantíssima que está ao nosso comando. [...]
Todas as nossas ações estão voltadas pra
formação dos sujeitos, pra que venham ajudar a
contribuir e resolver nossos problemas, que não
sejam transmissores do capital. (Francisco,
liderança estadual).

Então sempre está acontecendo cursos de


formação, seja pra assentados ou acampados. Seja
pra construir cooperativas, associações [silêncio].
Então sempre tem ciclos de formações
acontecendo. E a assistência técnica, ela vem
contribuindo muito, dando formação pra essas
famílias assentadas, né. [...] Hoje temos o ATERA
[Assistência Técnica de Extensão Rural], vem
buscar essas demandas, levanta quais são essas
demandas que existem dentro dos assentamentos,
busca trabalhar nesse processo com as famílias,
sempre buscando de forma coletiva a organização.
Sempre fortalecendo essa autonomia que as
famílias tem, né. (Rosa, liderança estadual).

Nas análises realizadas em cartilhas de formação da base


militante pode-se perceber que o MST, desde a sua gênese, prima pela
organização e participação das famílias no processo da luta pela terra e,
por sua vez, pela concretização de uma reforma agrária que venha
atender aos interesses dos trabalhadores do campo.
Contudo, as formas como os vínculos das famílias acampadas e
assentadas vão sendo constituídos neste processo são variadas e
demonstram que as percepções dos entrevistados sobre a participação
nas atividades de formação são heterogêneas e nem sempre
correspondem à proposta de continuidade do projeto de luta do
Movimento, como podemos verificar nos depoimentos a seguir:

[...] no tempo de acampamento era bastante, todo


mundo participava. Agora já não, cada um tem
seus próprios interesses. [...] Cada um tem que se
virar, cada um tem opinião própria, diferente, né.
Aí tem a terra, que é tua, tu quer mandar né, é da
natureza do homem isso, querer mandar.
(Assentado João).
183

Nóis quase sempre somos convidado, mais a gente


não vai. Meu marido não tem muito tempo e eu
cuido da terra praticamente sozinha. A gente se
vira [risos] [...], é que nóis não temo interesse de
participar. Prefiro não me incomodá. (Assentada
Ana).

Sobre a possibilidade de um consenso em relação à continuidade


da luta proposta pelo MST após a conquista da terra, um assentado se
expressa da seguinte forma: “[...] é difícil ter o consenso de todo mundo,
nem todos querem a mesma coisa, mas quando surge alguma proposta,
quem tem interesse participa. O problema é que nem todo mundo vai pra
luta, mais na hora boa, todo mundo ganha.” (Alexandre).
Observamos que a opção pela não participação nas atividades de
formação do MST tem gerado conflitos entre as famílias de assentados,
na medida em que aqueles militantes que se consideram mais “ativos”
no processo de luta do Movimento acreditam ter mais direitos, como
expresso na fala anterior. É diante de conflitos como este que a
formação de base se constitui como importante mediadora na resolução
dos diferentes interesses dos assentados, significando que o projeto de
“organicidade” do Movimento deve ser constantemente debatido e
negociado a partir das necessidades dos sujeitos que constituem as
bases.
Em relação à organicidade, tem-se a consciência de que um
movimento necessita ser bem estruturado, no entanto, este se configura
como sendo um dos grandes desafios perante uma nova ocupação, já
que ainda encontra-se limitado o funcionamento das estruturas em áreas
de acampamento. O MST, enquanto movimento de massa, busca
durante a construção da organicidade partir da necessidade geral de
subsistência mínima, com estruturas provisórias como, barracos,
localizações próximos aos rios e lagos etc.
Outro fator relevante e que contribui muito para a organicidade e
que as lideranças buscam reestruturar é garantir estreita ligação entre as
instâncias de cunho local, regional, estadual e nacional. O fio condutor
da organicidade é fazer com que aconteçam movimentos capazes de
garantir uma sintonia que perpassa desde o núcleo de base até a direção
nacional do MST, ampliando a participação das famílias no processo
decisório da luta pela terra.
Ao constatarmos que a realidade está em permanente movimento
e que o processo de formação do MST se caracteriza enquanto um ato
político, ressalta-se a reflexão de Peloso (2009) de que “A educação é
184

tanto um ato político, quanto um ato político é educativo.” (p. 19). Não é
possível negar, de um lado, a politicidade da educação e, de outro, a
educabilidade do ato político. Esta reflexão remete aos princípios
pedagógicos que orientam um processo de formação que pretende ser
libertador e emancipatório, como o proposto pelo MST.
Para este autor, “[...] o princípio de toda formação político-
ideológica está no fato de estar com o povo e não simplesmente para ele
e jamais sobre ele” (PELOSO, 2009, p. 18), isso é o que caracteriza a
postura libertadora. Nesta perspectiva, o autor propõe pensar sobre a
relação entre os discursos e as práticas, na medida em que “Não é o
discurso que diz se a prática é válida; é a pratica que diz se o discurso é
válido ou não.” (p. 19).
O depoimento seguinte, da liderança nacional, Maria, revela as
dificuldades encontradas pelo Movimento na construção de um projeto
coletivo mais amplo que possa transformar o modelo econômico e
político vigente, bem como pensar e concretizar esta proposta no âmbito
do próprio MST.

A gente viveu momentos muito fortes, com muito


sofrimento, às vezes muitas decepções. Tentamos
construir tantas coisas, implantar um modelo
diferenciado do capitalismo, nossas cooperativas,
como tem sido difícil de fazer as pessoas
entenderem o sentido cooperativista. Não é fácil, a
gente luta pela terra, mais também busca mudar as
relações humanas, de gênero, companheirismo, de
solidariedade. A gente quis ir muito além da terra
e isto é muito mais difícil de mudar. Como diz
Paulo Freire, mesmo depois que você derrotou o
último inimigo de classe, você tem um inimigo
maior pra derrotar, que é o teu individualismo. O
pior não é lutar com o inimigo de classe, este a
gente já tem consciência. O pior é lutar com o
inimigo dentro da classe, porque este é aquele que
te puxa o tapete, te põe pra baixo. Mesmo a gente
buscando construir a questão coletiva dentro do
Movimento, não é fácil, as relações humanas
talvez sejam as mais difíceis da gente construir.

Nessa direção, a formação político-ideológica do MST,


considerando os achados desta pesquisa, ainda continua sendo um dos
principais desafios do Movimento, inclusive no que se refere a pensar
185

sobre as dificuldades encontradas de acordo com a avaliação realizada


no depoimento acima, o que significa que o trabalho de base exige um
recomeçar e um reinventar a cada dia. “Retomar o trabalho de base é o
resgate de uma estratégia de um caminho de luta e organização que
envolve os próprios interessados no conhecimento e solução dos
desafios individuais e coletivos.” (PELOSO, 2009, p. 27), pois, para este
autor, o trabalho de base reafirma objetivos como:

- Participação massiva dos trabalhadores - As


elites não têm medo de lideranças que se
destacam. Para elas é fácil isolar, destruir,
“comprar” algumas cabeças que sobressaem.
Multiplicar militantes e ações é o que mete medo
em todos aqueles que se acostumaram com a
prática da dominação. Por isso, multiplicar
combatentes deve invadir todos os espaços da
vida (trabalho, política, cultura, religião, lazer) e
se tornar uma rede de animação, de resistência e
de vitórias. O trabalho de base é condição e
sustento do trabalho de massa; o trabalho de
massa é a expressão e a consequência do trabalho
de base.
- Democratização do poder - Participar do poder é
ser capaz de fazer propostas, de tomar decisões e
de repartir responsabilidades para concretizar o
sonho da classe oprimida. O trabalho de base,
enquanto experiência de nova convivência entre
pessoas, pode ser escola de participação política.
O ato de falar e ouvir, de propor e negociar, de
ganhar e perder, de disputar e decidir, de
comandar e de obedecer, de responsabilizar-se e
de cobrar estimula a ambição de ser gente e de ter
o poder coletivamente. Uma escola onde se
aprende a pôr o poder a serviço da maioria,
visando a transformações do país.
- Construção socialista - A finalidade da luta é a
realizar o sonho do mundo novo, livre de todas
formas de opressão e com a possibilidade real de
satisfazer os anseios materiais e espirituais das
pessoas. Isto será possível quando a produção,
distribuição e consumo forem feitos de forma
solidária. Este projeto implica, desde agora, em
uma nova relação entre os humanos e com a
186

natureza, sem dominação, sem competição, sem


preconceitos e sem destruição. (p. 27- 28).

O incentivo à prática multiplicadora do trabalho de base sustenta-


se com “os pés no chão e a cabeça nos sonhos”, como afirma Peloso
(2009). A finalidade do trabalho de base e a razão pela qual é organizada
tem a ver com uma sociedade mais justa e igualitária, que possa
transformar a realidade e conseguir vitórias em todos os campos e as
dimensões para satisfazer os justos anseios da população (PELOSO,
2009).
O sentido da categoria base, quando pensada no contexto de um
movimento social, como o MST, deve ser compreendido de acordo com
este autor a partir da constituição dos movimentos populares. Assim, ele
argumenta:

- Base da pirâmide – nasce de uma análise da


sociedade capitalista, dividida em classes, onde a
classe trabalhadora produz as riquezas e a classe
proprietária (das terras, fábricas, bancos...) se
apodera dos frutos do trabalho. Nesse modo de
ver quem trabalha é a base do mundo. Ao
descobrir a força que têm, pode derrubar a velha
pirâmide e organizar uma sociedade sem
opressão.
- Comunidade de base – Nasceu com a
experiência da população se mexendo para
resolver um problema concreto de um bairro ou
localidade (luz, água, asfalto, saúde, festa).
Tomou força com as CEBs que levou os cristãos
ao compromisso social, a partir da sua fé
evangélica.
- Categoria profissional – Na reconstrução das
organizações populares, sobretudo os sindicatos, a
palavra base passou a significar o conjunto de
pessoas que têm a mesma profissão e os mesmos
interesses econômicos, mesmo que não sejam
filiados, nem se mobilizem.
- Opção política – O crescimento da luta popular
mostrou que não basta a pessoa trabalhar ou ser
explorada para ser militante da transformação
social. (PELOSO, 2009, p. 29 - 30).
187

No que se refere ao sentido do termo no contexto dos


movimentos populares, o autor afirma que o mesmo se originou nas
experiências chamadas comunidades de base que atuavam em problemas
concretos de contextos específicos, a partir de compromissos sociais e
cristãos. Esta orientação possibilitou a formação de organizações e
categorias profissionais, tais como os sindicatos e movimentos
populares que adotaram uma opção política orientada para a atuação e
luta popular militante objetivando processos de transformação social.
Nesta direção, o termo passa a significar a atuação de um coletivo tal
como expresso na fala a seguir: “[...] não cabe só ao setor de formação
pensar, todos articulam juntos!” (Maria, liderança nacional),
significando que, neste processo, o militante deve assumir-se como
sujeito de sua história (PELOSO, 2009).
O trabalho de base exige, portanto, envolvimento na luta de uma
organização ou movimento social, pois os sujeitos envolvidos devem
estar conscientes de que a causa pela qual estão lutando é de todos na
perspectiva das experiências comuns, orientadas por valores, ideias e
formas institucionais tal como nos remete a categoria de consciência de
classe proposta por Thompson (1987). As metodologias e princípios que
orientam a formação de base também devem ser observados, já que
expressam os objetivos defendidos pelo coletivo, assim, “[...] o método
que se pratica deve ser coerente com os objetivos que se prega.”
(PELOSO, 2009, p. 30).

O trabalho de base é um trabalho profissional,


mas tem um segredo que anima a esperança da
militância e que a alimenta até a doação da
própria vida. A vida, a dignidade, a liberdade das
pessoas e a fraternidade universal formam a base
dessa paixão que invade sua alma e dá sentido à
sua dedicação. Tal convicção se traduz no respeito
ao povo, no carinho aos iniciantes, no
cumprimento dos acertos coletivos, na capacidade
de tomar iniciativas, na coragem de encarar os
desafios e nos gestos de indignação, entusiasmo e
celebração. (PELOSO, 2009, p. 30 - 31).

Dessa forma, para um dos assentados entrevistados “[...]


participar dos momentos de formação de base era um compromisso que
todos assumiam juntos e que tem consciência de que sem seu
comprometimento com o Movimento não teria a chance de ter seu
pedacinho de terra.” (Ulisses). Apostar no trabalho de base exige
188

vontade política, pessoas comprometidas e dedicação, pois “[...] só uma


convicção profunda pode dispor a vencer a cultura autoritária e o
personalismo e contribuir para que o povo se torne protagonista e tome a
direção da barca.” (PELOSO, 1999, p. 18). Segundo o assentado Carlos,
“Discutir a parte política é fundamental pra tentar criar uma consciência
diferente, pra poder manter a organização depois.”
Sendo assim, a coerência do trabalho de base está na postura
protagonista de cada sujeito, ou seja, na consciência de classe assumida
durante toda a trajetória política que envolve um movimento em
movimento. Para Peloso (2009), é neste movimento que este sujeito se
constrói e, ao mesmo tempo, permite ser construído. Ao tornar-se
militante, este mobiliza, anima, apaixona e resgata sua identidade, sua
autoestima, sua dignidade, como bem explicita o autor: “Quando
qualifica militantes e educadore (a) s há uma reprodução criativa, que se
assume como parte e se tornam multiplicadore (a) s.” (p. 32).
É nessa perspectiva de análise do MST e dos processos de
formação político-ideológica vivenciados através das trajetórias
construídas pelos entrevistados no processo de conquista pela terra e de
constituição do Assentamento que se reafirma a importância das
categorias analíticas experiência, classe e consciência de classe em
nosso estudo, como um processo social do “vir a ser”, conforme
pensado por Thompson (1981).
Retomando a perspectiva do sonho em conquistar a terra expressa
anteriormente quando da inserção dos entrevistados no Movimento,
apresentaremos os significados atribuídos à conquista da terra para os
assentados e os sentidos desta, destacando alguns enunciados expressos
nas falas que seguem, tais como: a “transformação de vida”, a
“libertação”, “o valor que tem nossa terra”, “sonho conquistado”,
“melhoria de vida”, “o movimento nunca vai morrer”, “o Assentamento
é nossa vida”, “o que mais nós ia querer?!”:

Eu acho que o Assentamento significa uma


transformação de vida pra todo mundo, porque aí
você saiu de uma condição de dominação pra
libertação. (Assentado José).

[...] significa tudo! Porque você olhar pra tudo isto


e saber que é teu isso tudo que está aqui, não tem
preço. Só de pensar que sozinho você jamais
conseguiria, faz com que valorize ainda mais. O
valor que tem nossa terra é muito grande. É um
sentimento que eu pretendo passar pro meu filho
189

para que ele dê valor à conquista que tivemos.


(Assentada Olga).

Mas para mim é tudo, né. [...] Pra nós isso é um


sonho conquistado né, é um orgulho pra gente
fazer parte de um movimento, porque se não fosse
o Assentamento sabe-se lá o que seria da minha
vida. (Assentado Carlos).

Pra nós, significou melhoria de vida. A conquista


de um sonho realizado. E aqui a gente produz de
tudo, a gente tem tudo que precisa. E eu acho que
o Movimento nunca vai morrer, o sentimento de
gratidão de quem conquistou é pra sempre.
(Assentado Alexandre).

Acho que hoje, se não fosse o MST nós não


estaria onde nós estamos. [...] É graças a este
movimento que nós temos nossa terra, nossa casa.
E a única certeza é que o Assentamento é nossa
vida. (Assentada Anita).

Para mim é tudo. Eu vim pro Assentamento sem


nada, só com a cara e a coragem e a esperança de
um dia ter uma vida melhor. E se for pesar tudo
hoje, eu faria tudo de novo. [...] A gente viu que
pra nós foi [emociona-se], nós estamos aqui há 10
anos trabalhando e já conquistamos quase tudo
que nós sonhava. O que mais nós ia querer?!
(Assentada Isabel).

As falas através dos enunciados destacados remetem para


categorias empíricas que expressam os significados das experiências
vividas pelos entrevistados em suas trajetórias individuais e coletivas,
que revelam a importância do processo de formação política-ideológica
como formação humana para a transformação da vida através do sonho
da conquista da terra, na melhoria da vida e da libertação da condição de
expropriação da terra, do trabalho e dos direitos sociais, concretizada no
projeto coletivo do Assentamento como perspectiva do “vir a ser”,
futuro para os filhos e construção de uma sociedade diferente.

Aqui é minha vida, né! [emociona-se] [...]. Aqui é


onde eu vou terminar de criar meus filhos, onde
eles vão terminar os estudos [silêncio]. E é o lugar
190

que nunca vai faltar nada pra eles [chora]. Aqui


todo mundo cuida um do outro, eu tenho paz, boa
vivência com meus companheiros [silêncio]. Eu já
tenho tudo! Eu sou o resultado de um projeto
social que deu certo! Um projeto que mudou a
minha vida e a vida de muitas outras pessoas. E o
sol nasceu pra todos! (Assentada Joana).

[...] significa um sonho que já se realizou. Eu


sempre tive a esperança de conseguir um pedaço
de terra [...]. Conquistamos a terra, que é vida!
[...] Na questão da sociedade, pra mim é a ruptura
do preconceito. E nós estamos aí pra denunciar as
injustiças do mundo. Nós temos a consciência que
a sociedade é capitalista e que vai continuar
capitalista, mas nós não podemos pensar que nós
não temos força pra mudar tudo isso. Se nós
fizermos pequenas coisas, como doar aquilo que
tá sobrando, automaticamente nós estamos
contribuindo pra um projeto contra hegemônico.
Se a gente pensar que dá pra fazer uma sociedade
diferente, a gente consegue mudar esta estrutura,
este modelo. (Assentado Ulisses).

[...] significa futuro. Eu que tenho filho pequeno,


hoje posso dizer que posso dar um futuro pra ele.
Um futuro melhor, que eu quando criança não
tive. (Assentado Eva).

Ao identificarmos estes fenômenos como estando sempre em


movimento, confirma-se a relevância do materialismo histórico e
dialético na compreensão dos eventos em suas manifestações
contraditórias e particulares, e não a partir de hipóteses genéricas, o que
permite a partir dos achados empíricos afirmar que as experiências
identificadas no processo de conquista pela terra e organização atual do
Assentamento Dom José Gomes em Chapecó, revelam um processo que
se constitui como formação humana e ato histórico em constante
transformação na produção da vida permeada por contradições, sonhos,
rupturas de preconceitos, e a construção de um projeto contra
hegemônico revelando as condições objetivas e subjetivas destes
sujeitos em suas experiências reais e constante tomada de consciência de
classe sempre em movimento, na expressão bastante simbólica da
assentada Isabel: “O que mais nós ia querer?!”
191

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Propusemo-nos compreender e analisar como se caracteriza a


relação entre formação político-ideológica e práticas educativas não
formais do MST, no processo de conquista pela terra e organização atual
do Assentamento Dom José Gomes, em Chapecó (SC). No percurso da
pesquisa, foi possível estabelecer maior aproximação com o universo
investigado, sendo que nossa inserção no Assentamento permitiu que
observássemos as contradições que permeiam os processos político-
formativos e, assim, evidenciar as dificuldades enfrentadas pelo MST na
luta pelo acesso democrático à terra diante dos entraves produzidos pelo
capitalismo, no sentido de que, para este modo de produção, a terra é
propriedade privada e meio de acumulação de capital.
A partir dos objetivos propostos, buscamos elencar alguns temas
que nos permitiram dialogar com os processos educativos da formação
político-ideológica do MST, observando contradições e dificuldades
presentes na luta por transformações sociais, estruturais e econômicas,
travadas pelo Movimento e pelos sujeitos que dele fazem parte.
Ao analisar a formação político-ideológica a partir dos conceitos
de experiência, formação de classe e consciência de classe, de E. P.
Thompson, possibilitou-nos resgatar trajetórias de lutas individuais e
coletivas que contribuíram para formação desta classe (trabalhadores
sem terra) e assim compreender as relações existentes na base do
Assentamento e no MST.
Pudemos observar as dificuldades que influenciaram e levaram
estes trabalhadores a participar do Movimento, tanto por suas trajetórias
marcadas pelo sofrimento e assujeitamento ao capitalismo quanto pelo
sonho de conquista da terra. Antes da entrada no MST os entrevistados
se mostravam individualistas, individualismo este que é uma marca da
ideologia capitalista. Já na luta coletiva, passaram a questionar sua
condição social e os valores atribuídos pelo capital. Ponderamos que a
situação de exclusão foi uma das propulsoras para o ingresso e
experiência de luta dos entrevistados junto ao Movimento, permitindo-
lhes assumir uma luta mais ampla: pela reforma agrária e por uma
sociedade mais igualitária.
A formação político-ideológica promovida pelo MST junto ao
Assentamento foi discutida a partir das categorias analíticas, que ora
relembramos: as experiências e histórias de vida dos entrevistados os
motivaram a inserir-se no Movimento e possibilitaram o pensar e agir
192

sobre sua condição social; as experiências individuais e coletivas em


torno do processo de luta pela terra possibilitaram o reconhecimento e
pertencimento a uma classe social; a formação de uma classe é
permeada por experiências político-ideológicas e práticas educativas que
permitem aos trabalhadores pensar sobre a sua condição subalternizada;
os trabalhadores, ao reconhecer-se enquanto classe, passam a refletir e
agir para transformar sua condição social, gerando a consciência de
classe. Assim como, a formação promovida pelo MST foi discutida por
meio das categorias empíricas, ora também relembradas: experiências e
histórias de vida: do sonho à conquista da terra; processo de luta e
conquista pela terra: reconhecimento e pertencimento a uma classe
social; processos formativos nos períodos de acampamento e
assentamento: uma nova experiência de classe (participação dos sujeitos
nas atividades de formação e interesse dos assentados por elas; e
diferentes espaços de formação); as práticas educativas no MST e suas
possíveis caracterizações conceituais: da formação político-ideológica à
consciência de classe.
Estas categorias de análise nos proporcionaram chegar à
conclusão de que a formação, no ADJG e no MST como um todo, não
está limitada aos espaços formais, pois está relacionada às experiências
vividas e, assim, perpassa diferentes espaços socializadores. Nesse
sentido, poderíamos inferir que a formação destes sujeitos é iniciada no
momento em que estes trabalhadores começam a participar de
manifestações, reuniões, passeatas, ocupações etc. São em momentos
como estes que a formação da identidade coletiva se constrói. É uma
identidade coletiva referente a uma mesma condição social, no caso, o
fato de todos eles não possuírem terra.
Considerando a “falta” como pilar propulsor da luta destes
trabalhadores, observamos que a tomada de consciência se dá na
condição comum de subalternidade destes sujeitos. A condição deles
serve de base para a afirmação e confirmação de uma identidade
coletiva, para uma aliança política que se dá a partir de interesses
comuns.
A partir da observação, nesta pesquisa, de diferentes espaços de
formação, podemos afirmar que a proposta do MST de formação
política não necessariamente acontece em um local específico, pré-
determinado, mas sim, em diferentes lugares. As atividades de formação
desenvolvidas são importantes porque se constituem como experiências
contra hegemônicas e que trazem presentes a conflitualidade que marca
a sociedade de classes. Todavia, não significa que a educação formal
esteja sendo desconsiderada pelo MST, mas que o Movimento afirma
193

existirem outras e novas possibilidades de se promover uma educação


que tenha sentido amplo à formação humana.
Diante da proposta educativa do movimento em formar
politicamente seus militantes, observamos que dentre seus objetivos está
a disseminação de uma ideologia enquanto classe trabalhadora e embora
vem sendo fortalecida para assim avançar em seus projetos de luta e
transformação da sociedade, nossa análise é de que a formação político-
ideológica assumida por este movimento social ainda apresenta muitas
dificuldades, o que representa grandes desafios aos dirigentes, militantes
e lideranças que estão a frente deste movimento e pretendem superar as
dicotomias ainda existentes.
No que se refere aos investimentos educativos governamentais,
os sujeitos investigados falaram da existência de grande morosidade na
criação e implementação de políticas públicas em relação à Educação do
Campo e à própria reforma agrária. Posição firme acerca desta situação
foi expressa por Maria, liderança nacional: “[...] a Educação do Campo,
não é prioridade [...] Nós não somos prioridade. E a Reforma Agrária,
não é prioridade. [...] Então, na minha avaliação, não existem políticas
públicas pros assentamentos.” Esta colocação pode ser relativizada dada
a existência de iniciativas governamentais, porém, no âmbito desta
pesquisa, adquire sentido especial visto demonstrar a posição desta
liderança sobre o modo como tem sido atendido pelo Estado.
Constatamos que a educação em seu sentido amplo vem sendo
discutida pelo MST enquanto proposta de formação política, além de
perceber que ele é um formador que se movimenta através das práticas e
valores diferenciados da classe hegemônica, que sua ação se estabelece
com base em visões críticas que almejam um outro modelo de
sociedade. Observamos que o MST, ao propor outras formas de relações
sociais que enfatizam novas práticas e valores coletivos, contrapõe-se à
ordem social capitalista e oferece outras possibilidades de socialização
contra hegemônica.
Faz-se importante destacar, com base nas reflexões realizadas
nesta pesquisa, que o conjunto de atividades formativas do MST permite
que identidades coletivas sejam afirmadas e, assim, consideramos que
nos processos de formação político-ideológica e experienciação da luta
se definem novas identidades coletivas que fazem com que os
indivíduos se reconheçam na organização política e ascendam o MST
como instrumento de resistência ao capital.
Diante desta exposição, podemos inferir que o MST, na condição
de formador de um projeto político-ideológico, acumula experiências
que possibilitam dar continuidade a sua luta. Ou seja, seus militantes, ao
194

fazerem parte de um movimento educativo como o MST, deixam de ser


João, Maria, José, para ser um só, coletivo em movimento.
Diante deste escopo, é possível afirmar que o MST em seu
trabalho de base vem fortalecendo uma nova identidade socialmente
construída frente a uma sociedade marcada por desigualdades sociais.
Na concepção de Pollak (1992), identidade social refere-se à identidade
enquanto ato de pertencimento e de união. Na busca por uma sociedade
solidária, com justiça social e pelo direito de construir sua própria
história, o MST confronta, em cada bandeira levantada, os pilares de
sustentação de uma sociedade capitalista. Mediante alternativas de
trabalho e produção constrói também uma proposta econômica
diferenciada do modo capitalista hegemônico, fortalecendo sua
“identidade sem terra”.
Conceituar sobre os processos de construção identitária implica
também, refletir sobre o papel da cultura nos processos de formação de
identidades coletivas. As relações estabelecidas dentro e fora do
Movimento se organizam em torno de componentes culturais que
delimitam o pertencimento coletivo de determinado grupo social,
demarcando, portanto, a identidade social. Nesse sentido, toda
militância dos sem terra se estabelece em um coletivo de cultura, que em
sua origem e continuidade tem sido fortemente alimentada pelas
músicas, danças, teatros, poesia etc., ou seja, pela mística que marca o
MST, que também pode ser identificada como um componente
socioeducativo presente nos vários espaços formativos deste
movimento.
Sobre os espaços formativos, podemos inferir que estes têm sido
espaços contra hegemônicos para tratar as relações de conflitualidade
presentes na sociedade de classes, afinal, no capitalismo, “[...] tudo, das
suas escolas, às suas lojas, das suas capelas aos seus divertimentos,
converteu-se num campo de batalha de classe.” (THOMPSON, 2002, p.
439). Assim sendo, compreendemos que as experiências compartilhadas
e o envolvimento em atividades de formação de base realizadas pelo
MST em espaços diversos têm possibilitado que os trabalhadores
encontrem-se na luta, não mais por suas necessidades individuais, mais
sim pela existência de uma identidade e consciência, por sua
importância e atuação na luta pela reforma agrária, e por tantas outras
que este movimento tem alçado.
O MST é um movimento social com objetivos e interesses mais
amplos, que tem evidenciado formação política e identidade social como
processos indissociáveis. O MST enquanto organização coletiva de
caráter político-social, cria condições para que os agentes transformados
195

sejam agentes transformadores, por isso investe tanto em processos de


formação política de base. É inegável que a formação realizada pelo
MST tem estabelecido fortes laços entre Movimento e militantes.
Muitos assentados entrevistados demostram que incorporaram a luta do
MST, indicando a capacidade deste em formar política e
ideologicamente estes sujeitos, visto ter constituído sujeitos
comprometidos em dar continuidade à luta e às práticas do MST.
Por outro lado, ao analisar este movimento não o observamos
enquanto grupo fechado, centrado apenas em sua configuração enquanto
classe trabalhadora, buscamos compreendê-lo em sua heterogeneidade,
sob a perspectiva de um movimento social formado por culturas,
gêneros e faixas etárias dispares, o que nos apontou algumas
divergências de opiniões e pontos de vista diferenciados da luta pela
terra no ADJG. As análises realizadas, apontam para um grupo com
olhares e desejos contraditórios, pois muitas famílias têm buscado
enquadrar-se nos padrões da comunidade tradicional, no qual sua
propriedade, seu trabalho, seu lazer é independem do movimento ao
qual fazem parte.
Analisar os processos formativos deste movimento constituiu-se
numa caminhada marcada por grandes descobertas e incertezas, pois não
poderíamos inferir de modo algum sobre um processo que encontra-se
em constante movimento. Conscientes de nosso papel formador, não
fecharemos este debate, pois acreditamos que o tema merece ser ainda
adensado. Assim como Japiassu (1976), acreditamos que, quando nos
propomos a pesquisar, não cabe findar uma investigação, pois “[...] ela
está sempre fazendo-se e construindo-se. Jamais atinge um estado
definitivo. Uma produção cientifica acabada é um absurdo
epistemológico.” (p. 26).
Nesse sentido, acreditamos ter muito a estudar ainda. No entanto,
consideramos que o estudo tenha dado conta de cumprir aquilo a que se
propôs investigar. Esta constatação é parte do resultado que
conseguimos alcançar com a realização do trabalho de campo e as
análises empreendidas. Foi possível, durante todo o estudo, juntarmos
elementos principais que nos possibilitassem compreender a tomada de
consciência social e política destes trabalhadores.
Enfim, nosso objetivo em compreender a formação político-
ideológica do MST e suas práticas educativas não formais no processo
de conquista pela terra e organização atual do Assentamento Dom José
Gomes, legitimou a função emancipadora do MST, no sentido
transformador social e estrutural, enquanto projeto contra hegemônico,
196

ao passo que os sujeitos entrevistados se posicionaram e se


reconheceram na luta deste movimento.
E assim, chegamos não ao fim, mas ao início de tantas novas
lutas, como bem diriam os companheiros e companheiras do MST...

... a luta continua!


197

REFERÊNCIAS

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um novo modo de partilhar as experiências do mundo. Disponível em:
<http://alice.ces.uc.pt/>. Acesso em: 22 jan. 2014.

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debate. Lua Nova, [online], n. 76, p. 49-86, 2009. Disponível em:
<http//dx.doi.org/10.1590/S102-64452009000100003>. Acesso em: 08
jun. 2015.

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211

APÊNDICES
212
213

APÊNDICE I – Termo de consentimento livre e esclarecido

UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ -


UNOCHAPECÓ
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES
HUMANOS
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma


pesquisa. Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no
caso de aceitar fazer parte do estudo, assine no final deste documento,
que está em duas vias. Uma dela é sua e outra é do pesquisador.

Título da pesquisa: PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICO-


IDEOLÓGICO E PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO FORMAIS
EXPERIENCIADAS POR SUJEITOS SOCIAIS NO
ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES – CHAPECÓ (SC)

Pesquisador responsável: ELIANE PEREIRA


Telefone para contato: (49) 8415-0732

O objetivo desta pesquisa é analisar a relação entre formação


político-ideológica e práticas educativas não formais no processo de
conquista pela terra e organização atual do Assentamento Dom José
Gomes.
A sua participação na pesquisa consiste em participar de uma
entrevista semiestruturada, que será gravada em áudio, que será
realizada pelo próprio pesquisador, sem qualquer prejuízo ou
constrangimento para o pesquisado. Os procedimentos aplicados por
esta pesquisa não oferecem risco a sua integridade moral, física, mental
ou efeitos colaterais. As informações obtidas através da coleta de dados
serão utilizadas para alcançar o objetivo acima proposto, e para a
composição do relatório de pesquisa, resguardando sempre sua
identidade. Caso não queira mais fazer parte da pesquisa, favor entrar
em contato pelos telefones acima citados.
214

Este termo de consentimento livre e esclarecido é feito em duas


vias, sendo que uma delas ficará em poder do pesquisador e outra com o
sujeito participante da pesquisa. Você poderá retirar o seu
consentimento a qualquer momento.

CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA PESSOA COMO


SUJEITO DE PESQUISA
Eu, ______________________________________________________,
RG _____________________________ CPF ____________________,
abaixo assinado, concordo em participar do estudo como sujeito. Fui
devidamente informado e esclarecido pelo pesquisador sobre a pesquisa
e, os procedimentos nela envolvidos, bem como os benefícios
decorrentes da minha participação. Foi me garantido que posso retirar
meu consentimento a qualquer momento.

Local: _________________________________________
Data ____/______/_______.

______________________________________
Assinatura do sujeito de pesquisa
215

APÊNDICE II – Termo de consentimento para uso de voz e imagem

UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ –


UNOCHAPECÓ
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES
HUMANOS
ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA USO DE VOZ E


IMAGEM

Título da pesquisa: PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICO-


IDEOLÓGICO E PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO FORMAIS
EXPERIENCIADAS POR SUJEITOS SOCIAIS NO
ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES – CHAPECÓ (SC)

Pesquisador Responsável: ELIANE PEREIRA

Eu, _______________________________________________________
permito que o pesquisador relacionado acima obtenha fotografia e
gravação de voz de minha pessoa para fins de pesquisa científica/
educacional.
Concordo que o material e as informações obtidas relacionadas a
minha pessoa possam ser publicados em aulas, congressos, eventos
científicos, palestras ou periódicos científicos. Porém, minha pessoa não
deve ser identificada, tanto quanto possível, por nome ou qualquer outra
forma.
As gravações de áudio ficarão sob a propriedade do grupo de
pesquisadores pertinentes ao estudo e sob sua guarda.

__________________________________
Assinatura do Sujeito de Pesquisa
216

APÊNDICE III – Termo de compromisso para uso de dados em arquivo

UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ –


UNOCHAPECÓ

COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA ENVOLVENDO SERES


HUMANOS

ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO

TERMO DE COMPROMISSO PARA USO DE DADOS EM


ARQUIVO

Título da Pesquisa: PROCESSO DE FORMAÇÃO POLÍTICO-


IDEOLÓGICO E PRÁTICAS EDUCATIVAS NÃO FORMAIS
EXPERIENCIADAS POR SUJEITOS SOCIAIS NO
ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES – CHAPECÓ (SC)

Instituição: ASSENTAMENTO DOM JOSÉ GOMES –


CHAPECÓ-SC
A pesquisadora do projeto acima identificado assume o
compromisso de:
I. Preservar a privacidade dos sujeitos cujos dados serão
coletados;
II. Assegurar que as informações serão utilizadas única e
exclusivamente para a execução do projeto em questão;
III. Assegurar que as informações somente serão divulgadas
de forma anônima, não sendo usadas iniciais ou quaisquer outras
indicações que possam identificar o sujeito da pesquisa.

____________________________________
Ciência do responsável do Assentamento:

____________________________________
Assinatura do pesquisador responsável:

Chapecó (SC), 01 de abril de 2015.


217

APÊNDICE IV – Roteiro de entrevista semiestruturada com assentados

Dados de caracterização básica:

1. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino


2. Idade:
3. Escolaridade:
4. Religião:
5. Profissão:
6. Desde que período reside no assentamento?
7. Exerce alguma liderança no assentamento? Se positivo,
especificar e detalhar a função.
8. Número de moradores na residência
9. Especificar configuração familiar
10. Quantos membros da família trabalham no assentamento e em
que atividades?
11. Quantos membros da família trabalham fora do assentamento e
em que atividades?

Questões gerais

1. Relate como foi sua inserção no Movimento dos Trabalhadores


Sem Terra? (Período, motivos, expectativas...)
2. Conte-nos como foi o processo de luta pela terra? (Detalhar sobre
o acampamento e regularização da terra)
3. No período em que esteve no acampamento, o movimento
realizava processos de formação e discussão? (Detalhar que tipo
de atividades eram realizadas, que tipo de material era
utilizado?)
4. Quais os principais espaços utilizados para a formação política
dos moradores do Assentamento Dom José Gomes?
5. Como as lideranças do MST tem articulado as atividades de
formação e/ou capacitação dos moradores do Assentamento
Dom José Gomes?
6. Como tem sido efetivamente a participação dos assentados nos
momentos de formação?
7. Quais experiências educativas e sociais são promovidas pelo
MST com os moradores do Assentamento Dom José?
8. Como estas atividades se articulam com seus interesses e de sua
família?
218

9. Nas formações de base política, articulam-se as lutas por


transformações estruturais e sociais e/ou cotidiano?
10. As atividades de formação/capacitação realizados têm
contribuído para melhorar a organização do assentamento?
11. Além das atividades promovidas pelo MST no assentamento
você e sua família têm participado de outros espaços de
formação/capacitação? Se sim, detalhar quais e que
entidades/instituições têm apoiado o assentamento?
12. São feitos, acompanhamentos das atividades de formação
realizadas no assentamento?
13. O que significa a conquista do assentamento no sentido de
transformação social e estrutural, enquanto projeto contra
hegemônico?
14. Fale-me sobre os sonhos, perspectivas e desafios que ainda
restam?
15. Dentro do tema proposto pela pesquisadora, teria alguma
pergunta a fazer?
219

APÊNDICE V – Roteiro de entrevista semiestruturada com lideranças


do MST

Dados de caracterização básica:

1 Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino


2 Idade:
3 Escolaridade:
4 Religião:
5 Profissão:
6 Exerce liderança: Municipal ( ) Estadual ( ) Nacional ( )
7 Desde que período é liderança no MST?
8 Fale sobre sua experiência de vida, de onde você vem, qual é sua
trajetória pessoal, familiar e como você se tornou liderança do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?
9 Como é ser militante e liderança ao mesmo tempo?
10 O que significa para você fazer parte de um movimento social e
quais experiências você considera mais significativas nessa
trajetória histórica de luta?
11 Fale sobre os processos de formação e discussão realizados pela
coordenação central do MST?
12 De que forma o MST acompanha os assentamentos, quais
projetos, ações, processos de formação vem sendo realizados?
13 Como tem sido a participação dos trabalhadores nas atividades
de formação de base? E como você as percebe?
14 De modo geral, que tipos de atividades de formação são
realizadas, e quais materiais utilizados para a discussão?
15 Existe um controle (agenda) de acompanhamento das atividades
que são (ou serão) desenvolvidas?
16 Quais os principais espaços utilizados para a formação política
dos trabalhadores rurais sem-terra?
17 Como você avalia as lutas dos trabalhadores sem-terra,
desenvolvidas pelas instituições representativas da categoria?
(INCRA, ITERRA, Governo Federal, Secretaria Nacional do
MST etc)
18 Como você avalia as Políticas Públicas voltadas a Reforma
Agrária atualmente? Você acha que existem políticas de fato,
que contribuem para as melhorias de vida no campo?
220
221

ANEXOS
222
223

ANEXO I – Parecer consubstanciado CEP n. 167/14


224

ANEXO II – Galeria de fotos45

Curso de costura: Grupo Costurando Sonhos

45
Fotos disponibilizadas pela COOPTRASC e CHAGAS (2009).
225

Encerramento do curso de costura: Grupo Costurando Sonhos

Reunião social: Grupo de Mulheres – ADJG


226

Unidade demonstrativa – ADJG

Horto medicinal – ADJG


227

Artesanato como fonte de geração de renda – ADJG

Assembleia – ADJG

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