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FORTALEZA
2014
SARA SAMLA DE MORAIS MATOS
FORTALEZA
2014
M425a Matos, Sara Samla de Morais
O autismo e a construção de uma nova forma de ser famíla /
Sara Samla de Morais Matos. Fortaleza – 2014.
70f.
Orientador: Profº. Ms. Jefferson Sales.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade
Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.
CDU 364
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
SARA SAMLA DE MORAIS MATOS
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Professor Ms. Jefferson Falcão Sales (Orientador)
___________________________________________________________
Professora Ms. Francisca Márcia Mourão Pereira (Membro da Banca)
___________________________________________________________
Professora Ms. Valdícia Falcão Sales (Membro da Banca)
A minha família, pela força, e a todas às
“Famílias Autistas”.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço ao meu Deus, pelo dom da vida e pelo seu infinito amor -
sem Ele, nada sou. Agradeço por ter me fornecido sabedoria para a conclusão desse trabalho,
e por sempre estar ao meu lado.
Agradeço aos meus pais, Vicente Matos de Araújo e Maria Selma de Morais
Matos, por todo amor, carinho e os grandes ensinamentos que me deram, o que me tornou a
pessoa que sou hoje. Agradeço o apoio nessa jornada, onde nos momentos difíceis
permaneceram ao meu lado acreditando na minha capacidade. Sem vocês eu não teria
chegado até aqui. Vocês são essenciais na minha vida.
Ao meu irmão Samuel Matos, meu exemplo na nossa convivência diária, e que
sempre esteve ao meu lado me apoiando, e repassando ensinamentos.
Ao meu namorado, Tiago Ratts, por sempre estar orando por mim, pelas palavras
de incentivo, e por acreditar que um dia eu poderia chegar até aqui.
Agradeço à minha amiga, Kênia Chaves, que também escolheu essa temática para
estudo, minha companheira de entrevistas. Agradeço pelos momentos em que aprendemos
juntas.
Agradeço ao meu orientador, Jefferson Salles, pelo seu apoio e dedicação, sempre
me incentivando a continuar esse trabalho. Essa temática linda, na qual ele tem vastos
conhecimentos. A sua paciência e ensinamentos passados a mim foram de grande importância
para a construção desse trabalho.
Eu, autista
Entender de forma clara os principais desafios que a família passa por ter um filho com
transtorno do espectro autista (Asperger e outros), entender o seu dia a dia, e também como a
família se comporta perante essa situação, foi o que se pretendeu nesta pesquisa. Através de
um estudo qualitativo e abordagem metodológica, realizado no Instituto Projeto Diferente,
utilizou-se também da história oral, e como técnica de coleta de dados, a observação
participante. Outra abordagem utilizada foi um a entrevista semiestruturada com perguntas
fechadas e abertas. O autismo, nos últimos anos, tem sido percebido com mais frequência
pelas famílias, embora muitas não entendam o seu significado, e nem como se comportar
diante dessa situação, principalmente devido às muitas dificuldades que esse transtorno
apresenta. Neste estudo analisamos enfoques teóricos sobre o autismo, explicando
detalhadamente o que significam algumas leis direcionadas para o público alvo, as
dificuldades mais frequentes dos pais, mas, também, algumas medidas que podem ser
tomadas para o cuidado dos portadores. Desse modo, vimos o autismo e suas relações
familiares, e, em conversa com os pais, quando das entrevistas, entendemos com mais
propriedade o significado do mundo particular dos autistas e seus comportamentos. A
pesquisa foi embasada por autores com profundos conhecimentos sobre o tema, e por
testemunhos de familiares dos sujeitos.
The clear understanding of the main challenges in a family with autistic disorder aspect child
(Asperger syndrome and others), understanding his or her routine, also visualising how is the
family’s behaviour facing this situation, was the principal objective of this research.
Throughout a qualitative study and a methodological approach, it happened at the Institute
Projeto Diferente (Different Project), it was used oral history as well, and as data collection
technique the participant observation. Another approach that was used was a semi structured
interview with items questions and opened questions. Autism, in the last years, has been
noticed more often by the families, even a great part of them do not understand its meaning,
nor how to act and face it, mainly for the many difficulties presented by this syndrome. It is
analysed theoretical approaches in this research about autism, explaining minutely the
meaning of the rules to a specific audience, the most common difficulties faced by the
parents, but also, some of the attitudes that should be taken to the care of the carriers. In this
perspective, it is visualised the autism and its family relationships, and by the interviews with
the parents, it was possible to understand with property the meaning of the particular autism
world and their behaviours. The research was based on very respected authors and the
testimony of families of autistic subject.
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
1.1 Aproximações com o tema da pesquisa.................................................................. 13
1.2 Metodologia da pesquisa ........................................................................................ 20
1.3 Lócus da Pesquisa ................................................................................................... 23
2 ENTENDENDO O AUTISMO .............................................................................. 24
2.1 Diferenças entre autismo e Síndrome de Asperger ............................................... 25
2.2 Autismo e suas características ................................................................................ 28
2.3 Melhorias para o Autismo (Tratamentos) ............................................................. 31
3 AUTISMO E FAMÍLIA ......................................................................................... 35
3.1 Características das famílias .................................................................................... 35
3.2 Estatuto Sócio Econômico ...................................................................................... 38
3.3 O autista e seu irmão .............................................................................................. 39
3.4 Interação da família alargada ................................................................................ 40
3.5 Maiores dificuldades encontradas pela família ..................................................... 42
3.6 Serviço Social frente à “família autista” ................................................................ 44
4 RESULTADO DAS ENTREVISTAS .................................................................... 47
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 56
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 58
APÊNDICES ........................................................................................................... 61
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................ 62
APÊNDICE B - RELATÓRIO DAS ENTREVISTAS .......................................... 63
APÊNDICE C - D E C L A R A Ç Ã O .................................................................. 64
APÊNDICE D – DIPLOMA DO REVISOR (Anverso) ........................................ 65
APÊNDICE E – DIPLOMA DO REVISOR (Verso)............................................. 66
11
1 INTRODUÇÃO
O objetivo dessa pesquisa é saber como os pais lidam com seus filhos autistas,
quais as maiores dificuldades dessas crianças, como ocorre à interação familiar com esses
indivíduos, e como é a experiência de viver essa nova construção de família.
A instituição Projeto Diferente1, local onde foi feita a pesquisa, é conhecido como
O Centro de Vida para Pessoas com Autismo, ela tem por finalidade o atendimento às pessoas
com Transtornos do Espectro Autista (TEA), e também outros transtornos invasivos do
desenvolvimento. No local é utilizada uma abordagem psicoeducacional e terapêutica, na
perspectiva de existir um desenvolvimento de suas potencialidades, além da melhoria de sua
qualidade de vida, e de sua inclusão social.
Para a realização desse estudo foram feitas seis visitas ao Projeto Diferente, onde
surgiram inquietações que motivaram mais questionamentos: como se dava a interação com
1
A Fundação Projeto Diferente acolhe crianças autistas e proporciona da melhor forma possível seu bem- estar.
O Projeto utiliza uma abordagem psicoeducacional e terapêutica para a melhoria da qualidade de vida e da sua
inclusão social.
12
as professoras, com os funcionários, com as famílias, e de que maneira estas crianças eram
observadas e avaliadas? A partir destes questionamentos, as famílias relataram seus medos,
suas angústias, alegrias e preocupações.
A pretensão desse trabalho é investigar a vida dos autistas, como é seu processo
de educação, e sua integração, e os desafios enfrentados pela família. Contudo, a necessidade
de conhecer as famílias mostrou-se ser essencial. No primeiro momento realizou-se algumas
visitas para o reconhecimento do local, depois conversou-se com os profissionais, observou-
se as crianças, e entrevistou-se as famílias. Essas entrevistas aconteceram na própria
instituição, e as observações das crianças eram realizadas na sala de aula, no intervalo e na
hora da saída.
Desse modo, uma família pode ter dois filhos com autismo, e cada um deles com
graus e características diferentes. Crianças com autismo, com um grau de funcionamento
maior, podem morder as mãos ou punhos, muitas vezes ocasionando sangramento e
formações calosas. Essas crianças podem, também, arrancar os cabelos, bater no peito ou
golpear-se - elas têm uma percepção menor do perigo -, já outras são extremamente
reservadas e inteligentes, e preferem ficar sozinhos (KLIN, 2006).
Os pais necessitam estar bastante atentos aos seus filhos, pois os primeiros sinais
de autismo, geralmente, são percebidos por quem tem mais contato com a criança.
Contudo, apesar de a escola ser um espaço privilegiado para tal fim, a preparação
para exercício da cidadania não se aprende só nas carteiras da sala de aula. Várias instituições
compartilham de tal processo formativo, entre elas a família, os meios de comunicação de
massa, a igreja, o sindicato, os movimentos sociais e as ONGs, além das demais relações
sociais a que o indivíduo participa na vida cotidiana. Os meios de comunicação de massa,
especialmente a televisão, têm evidenciado seu potencial e poder de influência na sociedade.
Como diz Barros (1997, p. 28), a formação do conhecimento contemporâneo se dá para além
da educação formal, numa dinâmica de múltiplas mediações sociais. Expressiva porção de
conteúdos assimilados pelas pessoas é absorvida através dos meios de comunicação de massa.
A maioria das crianças autistas tem um repertório limitado. Elas têm muitas
dificuldades de concentração, dificuldades de raciocínio e também muita relutância em aceitar
que está fazendo algo errado. Para a melhoria desse quadro é necessário planejar novas
situações de ensino estruturadas, um ensino completamente diferente, com professores
capacitados para a educação das crianças, e um ambiente que permita a socialização das
mesmas.
A educação ajuda a pensar tipos de homens, mais do que isso, ela ajuda a criá-los,
através de passar uns para os outros o saber que o constitui e legitima. Produz o conjunto de
crenças e ideias, de qualificações e especialidades que envolvem as trocas de símbolos, bens e
poderes que, em conjunto, constroem tipos de sociedades. Segundo Brandão (1993), quando o
educador pensa a educação, ele acredita que, entre homens, ela é o que dá a forma e o
polimento.
Segundo Carvalho (1997), a família tem estado por trás do sucesso e do fracasso
escolar. O sucesso escolar tem dependido, em grande parte, do apoio direto e sistemático da
família que investe nos filhos, compensando tanto dificuldades individuais quanto
deficiências escolares. Trata-se, em geral, de família dotada de recursos econômicos e
culturais, dentre os quais se destacam o tempo livre e o nível de escolarização da mãe,
expressos no conceito de capital cultural (BOURDIEU; PASSERON, 1997). A família que
está por trás do sucesso escolar, salvo exceções, ou conta com uma mãe em tempo integral ou
uma supermãe, no caso daquelas que trabalham muitas horas exercendo o papel de professora
dos filhos em casa, ou contratando professoras particulares para as chamadas aulas de reforço
escolar e até mesmo psicólogas e psicopedagogas, nos casos mais difíceis.
Muito antes de falar, os bebês autistas não usam sons para se comunicar; há um
déficit nas habilidades pré-verbais como o jogo simbólico ou de faz-de-conta; os
autistas não conseguem se comunicar através do uso de gestos, como as crianças
surdas fazem; a falha em responder à comunicação dos outros e em sustentar uma
conversa, além de haver uma falta de uso social das habilidades de linguagem
possuídas. (RUTTER; SCHOPLER, 1988, p. 34).
São vários os sinais que a criança deixa transparecer nos primeiros anos de vida
que podem ser características do autismo, o não reconhecimento da fala da mãe, ou não gostar
de brincadeiras, e até mesmo não ter contato visual, são algumas características percebidas
pelos pais nos primeiros anos de vida dos seus filhos. As crianças autistas preferem
permanecer isoladas, porém é necessário, até mesmo para a saúde de seus filhos, que os pais
sempre estimulem a participação da criança no ambiente familiar, para que, dessa forma,
possam despertar, nela, trocas sociais.
O autismo leva a família a viver rupturas por interromper suas atividades sociais
normais, transformando, assim, o clima emocional no qual vive. A família sente-se frustrada e
diminuída frente ao meio, com os pais e as crianças passando a ser desvalorizados.
Segundo Moretti (1999), a vida profissional tem que ter o objetivo de preparar as
pessoas para o exercício de seus direitos, direitos humanos, direitos de cidadão, ou seja, dos
direitos civis, sociais e políticos. Esses direitos são vivenciados e aprendidos na escola, e os
pais sentem uma dificuldade enorme em incluir o seu filho na escola, e em serem beneficiados
por esses direitos.
É de grande importância que essas crianças tenham uma boa relação com seus
familiares, na escola, e também com outras crianças autistas, para assim terem um
crescimento favorável, a ser reconhecido no seu dia a dia. São essas relações que se pretende
entender e responder, através das visitas ao campo de pesquisa.
relativamente longo com uma associação humana na sua situação natural com o propósito de
desenvolver um entendimento científico daquele grupo (MAY, 2001, p. 177)
A entrevista faz o sujeito refletir sobre o seu ponto de vista em relação ao assunto
abordado. Boni e Quaresma (2005) dizem que a entrevista deve proporcionar, ao pesquisado,
bem-estar para que ele possa falar sem constrangimento de sua vida e de seus problemas, e
quando isso ocorre, surgem discursos extraordinários, e são esses discursos que o pesquisador
deve usufruir de forma correta para o desenvolvimento de seu trabalho, desta forma, o
entrevistador deve deixar o entrevistado à vontade para falar o que ele achar que seja
necessário, ser dito, naquele momento - nada que lhe traga constrangimento ou, sequer,
vergonha.
A pesquisa foi feita na instituição Projeto Diferente, localizada na Rua José Vilar,
938. Essa instituição tem 25 anos de existência e funcionava na Av. João Pessoa, à época,
conhecida por “A Casa dos Bichos” - era um espaço muito pequeno. A instituição era mantida
financeiramente por um grupo de treze pais, eles assumiram a instituição e a denominaram de
Projeto Diferente, que após um tempo mudou o endereço, conforme visto acima. O projeto
continua sendo mantido por pais, que obrigatoriamente tem que ter filhos na instituição, e
também por doações de familiares das crianças do projeto. O quadro funcional é composto
por Psicóloga, Educadora Física, Terapeuta Ocupacional, Fonoaudióloga, e Psicopedagogas,
que acompanham as atividades das crianças durante o dia. Essas professoras (psicopedagogas)
são selecionadas por seleção pública, renovada a cada dois anos. De início, a primeira visita
ao local da pesquisa foi realizada para observar como funciona a instituição, observar as
crianças, e também os funcionários.
Atualmente, o Projeto Diferente é uma instituição que conta com um espaço físico
grande, e possui treze funcionários, ao todo, cinco salas de aula - além da sala onde funciona a
brinquedoteca -, da informática, de artes, e de uma sala para os acompanhamentos individuais,
com a psicóloga, a fonoaudióloga e a terapeuta ocupacional. A instituição comporta 50
estudantes (de 5 a 38 anos) divididas entre os turnos da manhã e tarde. Pela manhã estudam os
alunos até 18 anos, e à tarde estudam os demais, com idade até 38 anos. Na sala de
informática os alunos vão uma vez por semana, e também frequentam uma vez por semana a
piscina, nas aulas de Educação Física. O acompanhamento com a psicóloga, e com a terapeuta
ocupacional, ocorre uma vez por semana, e, com a fonoaudióloga, duas vezes por semana. Os
alunos também desfrutam de várias atividades que são realizadas nos brinquedos na hora da
recreação: cama elástica, cavalinho e outros.
2 ENTENDENDO O AUTISMO
O Autismo Infantil foi descrito inicialmente por Kanner, em 1943, quando ele
identificou crianças apresentando prejuízos nas áreas da comunicação, do comportamento e
também da interação social, e caracterizou essa condição como sendo única e não pertencente
ao grupo das crianças com Deficiência Mental. Foi proposto o nome de autismo para chamar
a atenção para o prejuízo severo na interação social, que era uma característica desde o início
da vida desses pacientes. Segundo leitura feita na “Revista Autismo”, constata-se que, embora
a causa dessa condição não fosse conhecida, acreditava-se que o ambiente desfavorável seria
o responsável. No entanto, alguns casos de transtornos eram tão precoces que não haveria
tempo para a interferência do ambiente.
Existe uma relação entre autismo e Síndrome de Asperger, que foi estabelecida
em 1988. Alguns autistas não desenvolvem a fala, a interação social é bastante precária e
apresentam grandes interações de comportamento, enquanto que as pessoas acometidas pela
síndrome de Asperger apresentam inteligência normal, linguagem sem atraso, porém
repetitiva, e as alterações de comportamento são praticamente ausentes. Para o diagnóstico
mais preciso da síndrome de Asperger, ocorre a demonstração de prejuízos mais qualitativos
na interação social, e, também, padrões restritos de interesses - esses critérios são idênticos ao
autismo, porém, não existe atraso na aquisição da linguagem, nas habilidades intelectuais e de
auto cuidado (KLIN,2006)
Segundo Klin (2006), a Síndrome de Asperger foi descrita em 1944 por Hans
Asperger, e é um quadro caracterizado por pobreza na fala verbal, tendência a sempre
intelectualizar as emoções, a fala bastante prolixa e até mesmo incoerente, uma linguagem
que tende ao formalismo, além de dificuldades na coordenação motora. Estima-se que a
prevalência de síndrome de Asperger seja de 3 para cada 10.000 crianças, segundo Fombonne
(2005). Contudo atualmente esse número é maior.
Existe uma estranheza que é percebida como uma frieza ou uma forma de se mostrar
amável antiquada e pedante. Eles percebem que são diferentes dos seus pares e que
existe uma esfera de relações pessoais das quais eles foram excluídos, eles aprendem
vários fatos sobre o mundo, mas este saber parece fragmentado (FRITH,1991, p.
28).
Eles são capazes de concluir uma conversa em monólogo, que tem por
característica uma linguagem bastante cansativa. Além disso, eles possuem uma dificuldade
imensa de perceber os sentimentos e os desejos das outras pessoas.
26
Quando adultos são bem adaptados, parecem não possuir habilidades em se envolver
ou manter uma relação íntima a dois considerando que suas interações sociais
rotineiras são alcançadas. Por causa das suas peculiaridades, seu egocentrismo rude
e fragilidade, eles têm dificuldades de viver e trabalhar com outros e podem
necessitar de ajuda psiquiátrica independentemente de serem capazes
intelectualmente e terem habilidades especiais e talentos. Na linha destas habilidades
eles tendem a se preocupar com interesses fanaticamente e em circunstâncias
favoráveis eles podem alcançar satisfação e sucesso. (FRITH, 1991, p. 32).
Por outro lado, algumas pessoas com Síndrome de Asperger podem desenvolver
uma linguagem oral extremamente sofisticada, utilizando expressões complexas, o que dá, de
certa forma, ao seu discurso, um posicionamento pedante. Mesmo os que falam, apresentam
em geral muitas dificuldades na compreensão do que lhe é dito, eles compreendem a fala de
forma literal, não sendo assim capazes de compreender o duplo sentido, as metáforas e o
sentido figurado.
A partir dos cinco meses, a criança autista não reage, não responde ao nome, não
se reconhece pelo som de seu nome, e esse é o sinal mais fácil de ser percebido por qualquer
pessoa, principalmente as mais próximas - por volta dos oito meses ela não aponta o que quer.
Com um ano, não aponta para partilhar interesses, e a fala, geralmente, não surge na
quantidade esperada, e quando fala, fala sobre si na terceira pessoa (ele), para se nomear.
Como é possível perceber, a criança autista apresenta prejuízo nas três áreas, que
são: a interação, a comunicação, e comportamento, esses formam os critérios básicos de
diagnóstico do autismo infantil.
28
O autismo vem sendo discutido com bastante intensidade nesses últimos anos, em
matérias de jornais, de televisão, entrevistas, revistas, novelas, e, até mesmo, pode-se perceber
pessoas discutindo esse tema, geralmente por ter alguém próximo, com esse transtorno.
Boralli (2008) diz que, hoje, na sociedade, há uma grande diversidade de opiniões
sobre o autismo, em que a maioria delas são concepções erradas, e que geram preconceitos. O
autor informa que o Brasil, cada vez mais, aumenta a sua dificuldade em direção aos
atendimentos de milhares de autistas. Segundo o autor, em pleno século XXI o Estado segue
uma postura assistencialista, que é típica de países que estão em desenvolvimento, sem
proporcionar aos autistas o que lhes é de direito. Enquanto isso, espera-se que as entidades
ligadas ao autismo lutem por mudanças que deveriam partir do governo.
Boralli (2008) relata que a mudança nas políticas de assistência ao autista deve
acontecer a partir de propostas que visem a garantia dos direitos das pessoas com autismo, e
com deficiência, para que assim eles se tornem sujeitos do processo de sua integração à
sociedade.
O autismo pode ser identificado nos primeiros meses de vida. Pesquisas relatam
que há crianças que, desde cedo, apresentam algumas alterações - aquelas que antecedem a
linguagem -, como a falta de curiosidade pelas pessoas – o contrário, ou seja, a extrema
curiosidade pelo que se passa ao seu redor é o comum em uma criança que está em
crescimento -, também por seu jeito de falar, que não é o mesmo de uma criança que não é
portadora desse transtorno (BORALLI, 2008).
dificuldades são encontradas nessas crianças, inclusive a extrema sensibilidade a alguns sons,
além dos distúrbios de sono.
Todas as características dos autistas devem ser analisadas, caso a caso, pois a
criança quando é inserida em um ambiente que estimule a interação social, os sintomas são
mais facilmente tratados. Por isso é tão importante que os pais fiquem atentos aos sinais
característicos do autismo, que podem levar a um diagnóstico mais rápido. Entretanto, antes
mesmo de estabelecer um diagnóstico, é necessário a estimulação, o carinho e também a
atenção, para que assim a criança se desenvolva, e interaja com a sua família.
Segundo o (PNPI) Plano Nacional pela Primeira Infância (2010), o Estado tem
que atender, com prioridade absoluta, o compromisso constitucional de garantir à criança, o
direito a saúde, à alimentação, à nutrição, ao desenvolvimento, ao respeito, à proteção
especial, quando necessária, e que esta não seja vítima de negligência.
2
O ECA foi promulgado em 1990 e consiste na legislação específica que regulamenta o paradigma da proteção
integral a crianças e adolescentes. O ECA substitui o Código de Menores, uma legislação voltada para os
“abandonados”, “carentes” ou que seja autores de atos infracionais, e por isso necessitam da lei.
30
Por mais que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 2009) tenha surgido
com o objetivo de promover a proteção integral à criança e ao adolescente, o que inclui o
direito à educação e à saúde, esses direitos já haviam sido garantidos na Constituição Federal
de 1988. Todavia, o verdadeiro desafio é fazer com que essas leis aconteçam na prática, para
que, assim, as crianças tenham oportunidades de se desenvolver, sendo elas autistas ou não.
A família, na maioria das vezes, está tão presa aos medos, à desconfiança de que a
criança pode ter uma vida equilibrada, que eles esquecem que, cuidar também é buscar ajuda
para essas crianças, pois elas podem desenvolver grandes potencialidades, e os pais precisam
deixar que elas mostrem do que são capazes. É muito difícil entender e aceitar o diagnóstico
de autismo, porém, existem alguns tratamentos que ajudam a criança a se desenvolver, e os
pais ao verem as suas crianças melhorando o seu desenvolvimento, acabam por se beneficiar
deste mesmo tratamento.
A Lei Berenice Piana, de proteção aos direitos da pessoa com autismo, foi
sancionada pela presidente Dilma Rousseff. A lei nº 12.764 institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e prevê a participação
da comunidade na formulação das políticas públicas voltadas para os autistas, além da
implantação, acompanhamento e avaliação da mesma. Com essa lei fica assegurado o acesso
às ações e serviços de saúde, incluindo: o diagnóstico precoce, o atendimento
multiprofissional, a nutrição adequada e a terapia nutricional, os medicamentos e as
informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento. Da mesma forma, a pessoa com
autismo terá assegurado o acesso à educação e ao ensino profissionalizante, à moradia, ao
mercado de trabalho, e à previdência e assistência social.
Os pais sofrem bastante com essa falha existente em nosso país, pois eles querem
ver o desenvolvimento de seus filhos. A maioria deles possui a informação de que devem
procurar tratamentos que se adequem à realidade de seus filhos, propiciando-lhes uma
convivência normal na sociedade.
tempo, garantir o direito das pessoas que são ditas especiais ao tratamento específico para as
suas necessidades de saúde e educação.
3
PECS (Sistema de Comunicação por troca de figura) é muito utilizado para o auxílio na comunicação dos
autistas, é a comunicação por figuras. Foi desenvolvido em 1985 para crianças do pré-escolar portadora do
transtorno do espectro autista, e também outros transtornos em comunicação social. A criança que utiliza o
PECS aprende a abordar outro indivíduo, desse modo à criança inicia a sua forma de comunicação obtendo
assim um resultado concreto, aprendendo a descrever o que observa.
33
A revista “Autismo Informação Gerando Ação” relata a história que, nos anos 70,
o casal Barry e Samahria Kaufman, com o diagnóstico de autismo, de seu filho, fundou o
programa Son-Rise4. O filho do casal tinha um autismo severo e um QI abaixo de 30, e os
especialistas diziam que não havia esperança para sua recuperação, pois ele se encontrava em
estado de isolamento, não interagindo nem mesmo com os pais. Os pais da criança decidiram
acreditar na ilimitada capacidade humana para a cura e o desenvolvimento. Com a
experimentação criativa e amorosa com Raun, seu filho, eles desenvolveram o Programa Son–
Rise. Raun se recuperou de seu autismo após três anos e meio de trabalho intensivo com seus
pais. Ele continuou a se desenvolver de maneira típica, cursou uma universidade altamente
conceituada, e agora é o CEO5 do Autism Treatment Center of America6, fundado por seus
pais. Desde esse acontecimento milhares de crianças utilizam o programa Son-Rise e se
desenvolvem muito além das expectativas convencionais. O programa Son-Rise têm recebido
boa cobertura da mídia internacional, principalmente nos Estados Unidos e Europa
(TOLEZANI, 2010). Nesse programa, eles aceitam a pessoa com autismo e fazem uma
associação com uma atitude positiva de entusiasmo e esperança - esses são os princípios
básicos para o tratamento.
Quando o adulto se junta com a criança, ele permanece disponível para interagir
com ela quando ela quiser e puder, e alguns sinais, como olhar na mesma direção ou para o
que a pessoa está fazendo, olhar nos olhos, oferecer algum contato físico, demonstra que ela
está interessada na outra pessoa e no mundo dela. Essa oportunidade gera a tentativa de criar
alguma atividade interativa, aplicando metas educacionais que ajudam a criança a aprender
brincando. De uma forma divertida, a criança é incentivada a superar suas dificuldades e
desenvolver suas habilidades.
Para o autista, além de todos esses tratamentos que foram citados acima, o melhor
é o acompanhamento da família, ela, sim, é imprescindível para o prosseguimento e sucesso
do tratamento. Os pais, sem dúvida, são os que sofrem mais com o diagnóstico, porém, eles
são o alvo principal para a continuação dessa jornada. No próximo capítulo iremos relatar, de
uma forma mais detalhada, sobre a “família autista”.
35
3 AUTISMO E FAMÍLIA
Alguns pais sentem culpa, revolta, e até mesmo chegam a rejeitar o filho, porém,
eles são os principais responsáveis para eficácia do tratamento e desenvolvimento dessas
crianças. Entretanto, o diagnóstico sofrido de um filho autista faz com que a família crie
novos laços que antes não eram necessários - são laços mais fortificados -, os pais passam a
ter um interesse maior de conhecimento em relação às outras deficiências, pois novas
experiências vão sendo encontradas nos ambientes mais frequentados pelos autistas, e seus
pais, e essas experiências passam a ser compartilhadas - há um desenvolvimento equilibrado
36
da paciência, e tolerância. O autismo, por mais com que faça a família viver várias rupturas -
interferências em suas atividades sociais, transformando completamente o clima emocional, a
fazer com que a família sinta-se frustrada, e até mesmo diminuída -, mesmo assim ele
promove a união dessa família - referindo-se a pais e filhos -, o “amor” passa a ser o principal
fundamento.
É lógico que toda família se prepara para a chegada de um filho e, para alguns,
essa chegada é a realização de um sonho, porém, pode acontecer que essa tão esperada criança
venha de uma forma “não-desejada”, ou seja, a chegada de um filho que não fazia parte dos
sonhos dos pais.
Em relatos, nas entrevistas feitas com as mães do Projeto Diferente, era comum
ouvir que os seus bebês eram muito quietinhos, ou então, muito agitados, e que muitas vezes
não conseguiam entender o comportamento deles. Alguns sinais vão sendo descobertos aos
poucos, como por exemplo, não estabelecer um sorriso social, não gostar de ficar no colo, e
principalmente - uma das características mais fortes - não estabelecer o contato olho no olho.
É imprescindível que toda família aprenda a lidar com seu filho autista. Cabe ao
profissional de saúde entender como se dão essas relações e ajudar, quando necessário, dando
suporte para que essa família não tenha prejuízos em seus relacionamentos, tanto sociais
como familiares.
É necessário que os pais tenham muita paciência, pois a rotina não vai ser como
antes. Há relatos de famílias em que as mães deixam de trabalhar para poder ficar com a sua
criança, pois ela necessita de uma atenção maior, e, às vezes, as mães deixam seus trabalhos, e
os pais tem que trabalhar dobrado para o sustento da família.
Rosenberg (1979) declara que os membros das famílias de classes mais baixas
demonstram situações de stress mais severas, o que influencia na capacidade de os pais
interagirem com os filhos. A presença de um membro com transtorno do espectro autista na
família gera grandes necessidades financeiras: os medicamentos, as ajudas técnicas, e as
terapias são de grande necessidade nesse caso, porém, não são todas as famílias que desfrutam
desses atendimentos. O apoio profissional pode ajudar aos pais a lidar com uma criança
autista, pois o cuidado com essa criança pode ser exaustivo e frustrante, mas infelizmente nem
todas as famílias têm acesso a esses serviços profissionais por falta de recursos financeiros.
A verdade é que são muitos gastos com a criança autista: médicos, terapeutas, e
educadores físicos, entre outros. As crianças com autismo necessitam desenvolver seus
39
padrões sociais, e as famílias que não têm condições financeiras não podem disponibilizar
esses tratamentos aos seus filhos. Isto está explícito no depoimento da Mãe B, uma das
entrevistadas desta pesquisa:
É muito difícil porque o Estado não se manifesta em nada, não tem a quem a mãe
recorrer quando descobre que seu filho é autista. Graças a Deus eu tenho condição,
mas quem não tem, faz como? Tem família, eu conheço! Eu ouvi o pai dele dizendo:
Ai, que bom que lá em casa tem aquele quintal...Tem família que cria o filho sem
saber direito o que ele tem, como bicho, no quintal..., gente é muito triste isso! Olha,
por isso também que eu não voto, porque nenhum político assume essa
responsabilidade de abraçar a causa do deficiente em geral. (Mãe B).
A interação do autista com o seu irmão que não possui o transtorno do espectro
autista é uma relação que contém desafios, os pais têm uma grande responsabilidade em
explicar ao filho que seu irmão é diferente que ele não vai poder fazer as mesmas atividades,
pois ele possui algumas limitações. Muitas perguntas serão feitas e cabe aos pais dar as
respostas para eles.
Nas entrevistas feitas no Projeto Diferente, com os pais das crianças portadoras do
transtorno, foram feitas algumas perguntas sobre a relação dos irmãos dos autistas: como era
feita pelos pais a interação dos irmãos? E eles responderam que era muito complicado,
principalmente no começo, em que muitas perguntas não tinham respostas claras, como: Por
que ele não fala? Por que ele não responde quando eu chamo? Ele não gosta de mim? Entre
várias outras. Os pais disseram que respondem para os seus filhos, que eles têm que ter
paciência, ele é especial, não fala agora, mas depois vai falar.
Filha, escuta a mamãe! A sua irmã não fala ainda porque ela é pequena. Você
também não falava, e você tem que chamar ela bem pertinho por que ela não escuta
direito. Ela ama você, mas de uma forma diferente, e você vai ter que ajudar a
mamãe e o papai a cuidar dela. (Mãe B).
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Foi percebido pelos pais, que os filhos entendem que seu irmão possui uma
deficiência, só não entendem qual é, e dessa forma ajudam bastante aos seus pais, interagem
com os irmãos, brincam e têm um cuidado diferente com eles na presença dos outros
coleguinhas. A interação do irmão com a criança autista proporciona um desenvolvimento
bastante significativo - essas interações ajudam-na a vivenciar o companheirismo, a lealdade,
e os sentimentos vão aflorando mediante essa amizade fraternal.
Pereira (1996) fala que mesmo que os irmãos não propaguem as mesmas
necessidades que os autistas, eles podem ter atitudes e comportamentos especiais como
consequência de terem um irmão autista ao seu lado, contudo, ainda podem ter aumento de
problemas emocionais que são resultantes do fato de cuidarem diariamente de seu irmão ou
irmã com deficiência, porém, dessa forma, cabe aos pais ensinarem aos seus filhos que não
possuem o autismo, como se comportar e entender a situação de seus irmãos.
É comum os irmãos dos autistas receberem uma atenção diferenciada por parte
dos pais, isso acontece porque os autistas necessitam de uma atenção especial para fazer
atividades que, para outras crianças, são facilmente executadas, porém, é necessário que os
pais conversem com seus filhos, e utilizem estratégias para que os mesmos não tenham uma
sensação de abandono.
A família alargada, definida nesse tópico, consiste em, além dos pais que formam
a unidade central da família, outros relacionamentos intrafamiliares: os tios, os avós, primos,
amigos, e até vizinhos, que, de certa forma, exercerão influência uns sobre os outros. Quando
essa interação é coerente, ocorre uma redução dos problemas, pois todos os membros da
família conhecem seus papéis e sabem como exercê-lo.
7
Fonte: <www.notes/grupo-asperger-brasil/irmãos-de-crianças-com-síndrome-de-asperger-ou-autimo/>. Acesso
em: 14 dez. 2014.
41
É verdade que a família deva assumir sua parte da responsabilidade, pois é dentro
dos limites desta unidade social que a criança aprenderá a ser o tipo de ser humano
que a sociedade determina como normal. Mas, além disso, é também aqui que se
aprende a ser único, a desenvolver a individualidade e a tornar-se uma pessoa
criativa, em busca da auto- realização. Esse é um difícil encargo para os membros da
família, os quais são produtos de outras famílias e, na maioria dos casos, preparam-
se de forma inadequada para essas complexas tarefas. Buscaglia (2010).
Eles não entendem! Não sabem o que é, e fica dando pitaco. Uma vez sai com a
minha filha e ela conversou comigo, só que não completou a frase, porque ela ainda
tá aprendendo a construir as frases, aí eu respondi a ela como se eu tivesse entendido
o que ela estava falando, como sempre faço. Aí, uma moça perguntou assim: Ela
num é daqui não? E eu respondi que não..., e desse jeito foi que eu me saí! Peguei
minha mercadoria e fui embora. Eu não ia explicar a ela que minha filha era autista,
que ainda não sabia falar, porque isso não vinha ao caso, primeiro: ela não ia
entender, segundo que, se eu fosse explicar, eu num ia sair dali tão cedo, e outra, eu
nem conhecia ela pra ir falando da minha filha. (MÃE B).
Buscaglia (2010) relata que pesquisas clínicas têm revelado que a maior influência
sobre a aceitação ou rejeição da criança com algum transtorno, pela família, é a atitude da
mãe, se ela é capaz de lidar com o fato, com aceitação e segurança razoáveis, de uma forma
bem ajustada, assim a família, também, será capaz do mesmo.
A presença dessa criança na casa continuará a criar situações que exigirão dos
demais membros uma redefinição de papeis e algumas outras mudanças. Haverá sempre
necessidades excepcionais e uma reestrutura familiar, mudanças de atitudes e valores, e um
novo estilo de vida. É provável que a criança necessite de cuidados médicos constantes,
medicamentos e tratamentos. Na maioria dos casos, a pessoa que oferece esses cuidados é a
mãe, portanto, ela terá que dar ao bebê profunda atenção, e dessa forma terá menos
oportunidades para relaxar e interagir com os outros membros da família. Para o marido e os
outros filhos será necessária uma readaptação, para que ajudem e apoiem durante esse período
desgastante. Essas responsabilidades irão perdurar por meses, anos, ou até por toda a vida.
Não será fácil, principalmente para aqueles filhos e maridos que são acostumados a ser o
centro de atenção da mãe e da mulher.
atividades que antes conseguia fazer normalmente. É difícil essa situação, pois os pais ficam
ansiosos para ouvir as primeiras palavrinhas do filho, ouvir “mamãe” e “papai”, são as duas
palavras mais esperadas que muitas vezes são tiradas, dos pais, pelo autismo. Ao sair com a
criança para algum lugar, os pais passam pelo constrangimento de a criança não verbalizar. O
desenvolvimento das habilidades linguísticas é muito diferente das crianças ditas normais, até
mesmo uma criança autista que fala normal, possui uma fala prolixa, e muito repetitiva, o que
para outras pessoas que estão perto causa cansaço, e até mesmo tédio.
Outra dificuldade encontrada pela família, e que foi discutida nas entrevistas, é a
procura da primeira escola do filho. A criança autista de forma alguma pode permanecer em
casa sem frequentar a escola, sem ter os acompanhamentos especializados, mas, infelizmente,
é muito difícil encontrar uma escola que faça a inclusão da criança autista, e, quando os
aceitam, os pais têm que disponibilizar uma itinerante (pessoa que permanece com a criança
autista dentro da sala de aula). Os projetos que trabalham com os autistas sempre são muito
cheios e não têm vaga para uma nova criança, os pais, às vezes, ficam perdidos e bastante
incomodados por não ter a quem recorrer em uma situação como essa.
Olha, eu fui atrás de uma escola pra minha filha, porque eu queria colocar elas duas
juntas na mesma escola [referindo-se à sua outra filha, que não tem autismo], aí
cheguei lá, conversei com a diretora, conheci a escola, mas não falei nada, só disse
que ela tinha um atraso na fala, ai ela disse: ah é?! Tá certo! Mas, quando eu fui pra
entrevista com a psicóloga, ela disse: olha eu tô aqui com a ficha delas, nós só
vamos ter vaga pra uma. Aí eu disse: é mesmo? Deixei ela terminar, eu sei que ela
foi pau mandado, mas eu, como profissional, não faria um papel desses..., Aí eu
disse assim: engraçado! No dia que eu vim, falei com a diretora, e a diretora não
disse pra mim que não tinha vaga, isso é preconceito..., e eu peguei a minha bolsa e
disse na cara dela: Olha, você crie vergonha! Isso num é papel de uma profissional
não! Ela ainda tentou falar, mas eu disse que não queria conversa, e disse que
quando saísse dali eu ia processar a escola. Aí quando eu saí, ela saiu atrás e eu fui
lá na sala da diretora, e disse: a senhora num tem vergonha na cara não? Porque que
a senhora não me disse logo que não ia ter vaga pra minha filha, porque ela tem um
atraso na fala. Me fez vir aqui e fazer um papel de besta. Vou processar a escola,
pode ter certeza. (Mãe C).
Essa mãe tem condições financeiras para procurar outra escola, e, até mesmo,
pagar mais caro, se for preciso. Mas tem muitas famílias que são barradas dessa forma, e não
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têm para onde levar sua criança, que necessita de atendimento especial. Os remédios, os pais
têm que comprar, a escola é muito difícil encontrar, as dificuldades de ter um filho autista são
muitas, a família precisa ser forte e se unir para, assim, conseguir ultrapassar essas barreiras.
Enfim, as dificuldades, os desprezos sentidos e presenciados são vistos todos os dias por esses
pais.
Buscaglia (2010) relata que a sociedade tem muita dificuldade em conviver com
diferenças, e deixa isso muito claro de muitas formas sutis, dissimuladas e mesmo
inconscientes, através do modo como isola o deficiente físico e mental. Essa sociedade olha-o
abertamente em público, mas evita o contato com ele sempre que possível. A sociedade está
sempre revelando sua insensibilidade, falta de conhecimento, rejeição e preconceito em
relação a esses indivíduos. Esses sentimentos da sociedade têm seus efeitos sobre toda a
família. São comuns as histórias de vizinhos que apresentam atitudes como: “Há uma criança
excepcional naquela casa, e deve haver algo de muito errado com aquela família para ter um
bebê assim”.
Não é uma questão..., eu quero..., eu não quero nada! Eu não quero nada! Eu só
quero respeito! Eu não quero que alguém me veja de alguma forma, eu não quero
que te vejam de alguma forma, eu só quero que te respeitem na rua. Eu só quero que
me respeitem na rua, e eu só quero que respeitem “ele” na rua. Eu só não quero que
tirem..., não quero que façam nada com meu filho..., eu só não quero que tirem o
direito dele. Eu acho que é isso: eu não quero nada, eu só quero que não tirem nada
dele, né? Eu não quero que vejam “ele” de alguma forma, e aí, aí sim, vem o fato de
não querer que vejam “ele” de alguma forma..., não venham querer ver “ele” de
alguma forma desagradável. Agora, eu não quero que... eu não preciso que vejam ele
de alguma forma..., eu só não preciso que vejam “ele” de forma errada. Eu vou
andar de ônibus, a frase que eu digo é...: O Senhor Por gentileza faz uso da Lei? É
deficiente? É idoso? Ou tá grávida? Ou é obeso? Ou se enquadra em outra
característica da lei? Não? Então, por gentileza, eu tenho uma pessoa aqui que faz
uso da Lei [referindo-se ao direito de assento especial nos coletivos]. (Mãe A)
É revoltante para os pais verem que as leis não são respeitadas de forma nenhuma,
e que, muitas vezes, eles têm que correr atrás daquilo que é direito deles. O pior é que a
sociedade é ciente disso, mas não faz nada para que essa situação melhore.
Na constituição Federal de 1988, no Artigo 203, diz que a Assistência Social será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e
tem por uns dos objetivos: a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes, dentre outros.
[...] Olha, você crie vergonha! Isso num é papel de uma profissional não, ela ainda
tentou falar mas eu disse que não queria conversa, e disse que quando saísse dali eu
ia processar a escola [...]. Mãe C.
Essa fala é de uma mãe, como já foi colocado anteriormente, que foi matricular as
duas filhas na mesma escola, e, no dia da visita, a direção afirmou que haveria vaga para as
duas, mas, no dia que a mãe foi fazer a matrícula, a escola havia desistido de aceitar a
matrícula da criança autista, pois certamente não haveria profissionais necessários, ou seja,
competentes para a inclusão da mesma.
Em uma situação como essa caberia uma fala mais cuidadosa para com esses pais,
e o assistente social teria que conversar, com os mesmos, explicando a situação, e mostrando-
lhe uma saída, onde eles devem ir, quem procurar, quais são seus direitos, onde encontrá-los,
enfim, viabilizar da melhor forma possível o acesso aos seus direitos, e sempre comunicar que
o tratamento começa em casa, com a estrutura familiar.
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Foi entregue, a essas mães, um termo que enfatizava o seu anonimato nas
entrevistas e explicava o que iria ser feito naquele instante, no entanto, elas não se sentiram
incomodadas e falaram seus nomes e os dos seus filhos, sentiram-se bastante à vontade e
deixaram claro que não tinham problemas com a revelação dos nomes. Também foi entregue
a folha com as perguntas, ou seja, o roteiro das entrevistas, porém, todas preferiram ter uma
conversa, e, com a continuação, ir respondendo às perguntas.
Mãe A
A Mãe A foi a primeira mãe a ser entrevistada no Projeto Diferente, ela trabalha
no projeto como educadora física, e diz que mãe de autista é assim: tem que trabalhar onde o
filho estuda. A mãe A é viúva e residia no Rio Grande do Sul, porém, com o diagnóstico do
seu filho, que hoje tem 16 anos, resolveu vir embora para o Ceará, pois lá não tinha os
recursos necessários para o tratamento do mesmo.
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[...] quando “ele” nasce diferente, o que que acontece?: A gente não sabe o que
fazer, né?... e aí o quê que a gente faz? A gente enlouquece! Porque tu olha “pros”
lados, ninguém sabe o que fazer, tu olha “pro” teu vizinho, que tá te olhando com
aquela cara..., tu olha “pro” outro, que tá te olhando esquisito..., O médico não sabe
como te falar pra..., né? Ninguém..., Os terapeutas não sabem, e lá pelas tantas
começam a te condenar, ainda, né? Tu não sabe o que fazer..., é um inferno! Eu vejo,
que se eu morrer e for para o inferno, pobre do capeta, porque eu vou tocar o terror
nele. (Mãe A)
É bastante complicado para essas mães que são sozinhas, como essa citada acima,
que é viúva, e teve que sair da sua cidade natal, porque não tinha o tratamento adequado para
seu filho. No Rio Grande do Sul ela trabalhava, mas, com o diagnóstico, teve que priorizar o
tratamento, para que, assim, o seu filho pudesse ter uma vida tranquila. Essa mãe disse que
percebeu que em casa a criança não ia ter melhoras, só regressão, portanto, teve que ir embora
para o Ceará, onde construiu uma nova forma de viver. Ela trabalha onde seu filho estuda, e
dessa forma pode acompanhar o seu desenvolvimento, e participar dele.
E aí, hoje, como sou viúva, eu moro aqui, sozinha. Meus pais moram lá! Eu tenho o
resto da família, tenho avós, tenho primos, tenho a minha outra mãe também, e todo
mundo me ajuda muito..., a gente super... se dá bem com todo mundo, mas o nosso
vínculo maior é com meu pai e com minha mãe, né? Eu tenho que trabalhar no
mesmo lugar, eu não conseguiria trabalhar noutro lugar, porque eu tenho que...,
muitas vezes eu tenho que ir ao médico pra mim, e eu tenho que deixa-lo aqui onde
confio. Não é uma questão, eu quero..., eu não quero nada! eu não quero nada! Eu só
quero respeito, eu não quero que alguém me veja de alguma forma, eu não quero que
te vejam de alguma forma, eu só quero que te respeitem na rua [...] eu não quero que
façam nada com meu filho, [...] eu só não preciso que vejam “ele” de forma errada.
Eu vou andar de ônibus, a frase que eu digo é: “O Senhor Por gentileza faz uso da
Lei? É deficiente? É idoso? Ou tá grávida? Ou é obeso? Ou se enquadra em outra
característica da lei? Não? Então, por gentileza, eu tenho uma pessoa aqui que faz
uso da Lei”.
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Terem os seus direitos respeitados é o que os pais mais querem que aconteça com
seus filhos. Eles sentem uma insegurança enorme porque os direitos de seus filhos não são
assegurados de forma correta.
[...] O meu maior medo é que ele não seja visto pela sociedade da forma como ele
merece, quero que respeitem ele. O D é normal, normal... Você olha pra ele e não
percebe nada de diferente, ai né?... eu tenho medo que façam alguma coisa com meu
filho. (Mãe A).
Mãe B
Essa mãe teve muitas complicações no parto de sua filha, pois a criança demorou
a nascer e ingeriu mecônio, o parto foi feito às pressas, e ela passou 20 dias internada. Quando
a mãe foi visitar a filha, a médica disse que a situação da criança era grave e que a mãe iria ter
que ajudar, para, dessa forma, a criança sobreviver. Nesse momento começou o seu desespero
na busca de ajudar sua filha a permanecer viva. Alguns dias depois a sua filha recebeu alta,
porém, os momentos difíceis perduraram. Sua filha, hoje, tem 9 anos.
Com o passar dos anos, a BE fez o tratamento no NUTEP..., não sei se vocês
conhecem, o NUTEP [Núcleo de Estimulação e Tratamento Precoce do Estado do
Ceará] ..., fica em frente ao Instituto do câncer (pausas) aí ela fez de zero a três lá.
Aí ela fazia Fisio, Fono, T.O, né? Quando foi com cinco meses, foi detectado que
ela tinha baixa visão, que ela não (pausas) seguia os objetos, os brinquedos, aí a
fisioterapeuta falou e eu falei com o neurologista..., ele pegou, passou o exame, e foi
detectado que ela tinha baixa visão - a baixa visão dela não é na córnea, não é no
nervo óptico, é no cérebro, por causa da falta de oxigenação na hora do parto
(pausas) que ocasionou a baixa visão dela. Ela enxerga tudo, mas é como se o
cérebro não mandasse a resposta do que vê (pausas) ela já conhece aqui, mas quando
ela vai pra um lugar... ela não conhece, ela bate nas coisas..., se eu trocar alguma
coisa [de lugar] dentro de casa ela bate. (Mãe B).
A mãe relata na entrevista todo o sofrimento da filha, desde quando nasceu até os
dias de hoje. Ela se mostrou bastante tranquila durante as entrevistas e fez questão de contar
os detalhes. Aos três anos a criança foi ao Instituto dos Cegos, porém as professoras
começaram a reclamar que ela estava muito agitada, e que isso não era normal, contudo foi
indicado que a mãe comparecesse ao Projeto Diferente, porque ela estava com algumas
características do autismo: repetia várias vezes à mesma conversa, não tinha noção do perigo,
entre outras características. Além do Projeto Diferente, ela faz tratamento em uma escola
particular, onde eles trabalham o método Teacch. Esse método é para que os autistas
desenvolvam a concentração, desenvolvam um trabalho, e para que o autista aprenda as
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atividades exercidas no cotidiano, como comer sozinho, se vestir, tomar banho, entre outras
atividades.
Sou feliz por minha filha tá comigo. Foi uma coisa que pedi quando ela tava na
UTI..., eu dizia assim: Senhor, se for deixar ela viver, que ela seja uma criança feliz.
Não quero uma criança infeliz, que fique assim só feito um vegetal..., eu entrego nas
tuas mãos. A minha filha é super feliz, adora praia, ama piscina..., uma hora dessas
ela deve estar na piscina, na aula de natação..., então, foi o que mais pedi..., ela é
muito feliz. (Mãe B).
A mãe relata que sua família é: seu esposo, suas filhas e sua mãe, que ajuda muito
com as crianças - essa mãe trabalha voluntariamente no Projeto. Seu esposo é muito
cuidadoso com as meninas, e ela afirma que confia muito nele, que ele é muito responsável,
porém, há famílias que não podem contar com a ajuda do esposo e de mais ninguém da
família.
Essa mãe tem duas filhas, e a BE, que têm o transtorno, é a mais velha, porém a
mais nova tem muito cuidado com ela quando estão brincando. Ela disse que a pequena, de
dois anos, é muito esperta e cuida muito de sua irmã, pois ela já percebe que a irmã tem algum
problema. A mãe diz que as prepara para serem muito amigas, pois a BE não vai poder viver
sozinha nunca, e os pais não estarão com ela pra sempre. Ela diz que o mundo, infelizmente,
não entende o que é uma criança autista, até mesmo a família não compreende o que isso
significa, porém, na família da Mãe B, existe um cunhado esquizofrênico, desta forma, a
atenção é mais voltada para ele, pois o caso dele é grave. A mãe não mostra muita chateação
por isso, pois ela disse que o importante é que a sua filha é muito feliz, e isso basta.
A gente vive no mundo cruel. As meninas que sabem falar, sabem explicar..., se
fizerem alguma coisa com ela..., mas a minha filha, ela não vai saber me dizer
nunca! (pausas) Talvez, Deus me perdoe, só se for uma coisa que deixe marcas, tá
entendendo? Que deixe marcas de alta violência, mas se for uma coisa sutil?... eu
nunca vou saber. Ela nunca vai saber me dizer..., então, a pediatra dela vive me
perguntando: quais os homens que tem contato com sua filha? Né? Aí digo: só o pai
dela e meu irmão, e na escola é tranquilo, eu passo a tarde com ela. Lá são só dois
meninos na turma, e todos os dois têm deficiência visual, também não tem muito
entendimento das coisas (pausas). Eu tenho bastante cuidado, porque não deixo ela
sozinha, com ninguém..., quando ela tá brincando lá fora, eu estou lá fora, tá
entendendo? Eu não boto ela pra brincar com as outras crianças e fico dentro de casa
não, primeiro porque ela não tem entendimento, quando entra um carro, ela tem
percepção de luz, ela corre pra cima do carro..., por que ela vê a luz, e ela corre pra
cima. Já a pequena tem entendimento, quando eu digo: lá vem um carro B, ela já se
esconde, coisa que a BE não faz.
cruel, como ela falou, não se pode confiar em ninguém, e a atenção tem que permanecer
dobrada.
Mãe C
A mãe relata que o seu maior medo era de que a sua criança regredisse, mas hoje
ela percebe que isso é praticamente impossível. Ela diz que a L é a alegria da casa, amorosa,
dedicada, e muito amada.
Essa mãe tem o apoio da família, sua mãe ajuda muito, e seus tios são muito
presentes. Ela relata que não confia em deixar a sua filha com ninguém, só com a sua mãe. A
criança é muito simpática e o medo maior dela é que alguém faça algum mal a ela.
Essa mãe teve problemas no casamento, ela informa que seu marido não a ajudava
em nada, só a sua mãe. Ela relata que ele não fazia o papel de pai, de passear, de dar atenção,
amor, carinho, e isso foi tornando o casamento muito difícil, o que resultou em uma separação
“temporária” - ela enfatiza isso.
A procura da escola para sua filha foi muito complicada, porque eles não queriam
aceitar fazer a inclusão da L.
[...] Fui atrás de uma escola pra minha filha, porque eu queria colocar elas duas
juntas na mesma escola [referindo-se à sua outra filha, que não tem autismo], aí
cheguei lá, conversei com a diretora, conheci a escola, mas não falei nada, só disse
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que ela tinha um atraso na fala, ai ela disse: ah é?! Tá certo! Mas, quando eu fui pra
entrevista com a psicóloga, ela disse: olha eu tô aqui com a ficha delas, nós só
vamos ter vaga pra uma. Aí eu disse: é mesmo? Deixei ela terminar, eu sei que ela
foi pau mandado, mas eu, como profissional, não faria um papel desses..., Aí eu
disse assim: engraçado! No dia que eu vim, falei com a diretora, e a diretora não
disse pra mim que não tinha vaga, isso é preconceito..., e eu peguei a minha bolsa e
disse na cara dela: Olha, você crie vergonha! Isso num é papel de uma profissional
não! Ela ainda tentou falar, mas eu disse que não queria conversa, e disse que
quando saísse dali eu ia processar a escola. [...].
A mãe disse que já tinha ido visitar algumas escolas, mas não tinha gostado, pois
ela ficou com medo da sua filha ficar com os movimentos estereotipados, iguais aos das
outras crianças que ela viu – nesse contexto, ela não iria permitir que sua filha convivesse
nesse ambiente.
A mãe disse que, hoje, a filha estuda em uma escola particular muito boa, que ela
confia, mas que sempre pergunta, à professora, como é a rotina da filha na escola, e sempre
recomenda, à professora, que não deixe L ir ao banheiro sozinha, pois lá tem a presença de
funcionários homens. Desse modo, o medo prevalece sobre a confiança, pois, como ela
mesmo disse: “no mundo de hoje não se pode confiar em ninguém”, por isso ela sempre é
muito presente na escola das filhas.
Mãe D
Eu sou sozinha, só eu e meu filho. Meu marido, faz quase 4 anos que me separei, e
percebi que meu filho tá bem melhor com essa separação. Eu descobri que ele tinha
autismo, porque ele tava ficando agressivo, aí minha vizinha mandou eu ir em um
médico, eu ainda era casada, ai.. ai eu fui, e ele disse: mãezinha ele é autista e vai ter
que fazer tratamento enquanto tiver vida..., eu não sabia o que era isso, mas ele me
explicou. Eu era calma, eu... eu, sou calma, mas tava muito preocupada com meu
filho, porque meu ex marido não se dava com ele..., ele não deixava eu receber
visitas, e não levava meu filho pra passear, mas aí eu me separei e... ele tá bem
melhor..., ele já passeia, come direito, fala um pouquinho, entende, e é obediente. O
pai dele tava fazendo mal a ele... é tanto que já fazem quase quatro anos, e ele nunca
nem perguntou pelo pai.
Essa mãe foi muito simpática na entrevista, e se mostrou bastante firme em suas
palavras. Informou que é sozinha, e não tem ninguém para ajudá-la, mas, imediatamente, ela
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informa que não acha ruim, essa situação, e que só é complicado porque ela é quem faz tudo.
Seu sobrinho, que mora com ela, trabalha o dia inteiro, mas a ajuda sempre que pode, o seu
filho gosta muito dele, e isso deixa ela muito feliz.
Ela fala que seu ex-marido não quer saber de seu filho, não liga, não ajuda
financeiramente, o que pesa muito, pois ela tem que pedir ajuda a todos, e já faz muito tempo
que ela não tem contato com ele. Como o filho não sente falta, então, pra ela, é melhor assim.
O povo olha muito quando eu saio com ele, mas eu nem ligo não..., as minhas
vizinhas são legais, elas já sabem do problema e até visitam ele..., de umas ele gosta,
de outras ele num faz nem questão (risos). (Mãe D).
A mãe relata que reside em um lugar bom, as pessoas não falam muito quando ela
sai com ele, mas as outras pessoas “olham” bastante, mas ela não se incomoda com isso. O
importante é a saúde de seu filho, e nada mais.
Meu sobrinho, que mora na minha casa, ele se dá bem com ele, eu confio e deixo...,
e com a minha irmã mais nova eu confio..., ele fica bem com os dois. Já uma pessoa
de fora, eu não confio, porque ele não tem muito contato, e ele pode aperrear o povo
(pausas)..., eu morro de medo de acontecer isso, ele não sabe se defender, eu não
deixo ele só não, é por isso que eu fiquei doidinha quando minha mãe adoeceu e eu
tive que ir para o hospital, e ele ficou a noite só, sem mim. Depois de dezoito anos
eu deixei ele em casa, à noite, eu liguei, aí minha irmã disse: Não tia, se preocupa
não, tá tudo bem, (ela me chama de tia) eu só ouvia era a risada dele achando graça,
mais o pequenino dela, de três anos, assistindo desenhos (pausas)... ai eu disse: tem
mal que vem para o bem, se a mãe não tivesse adoecido eu não teria dado esse
avanço.
Os medos são constantes na vida dessas mães, porém é necessário deixar que
esses medos se transformem em aprendizado.
começa em casa com a harmonia dos pais, a paciência, atenção, e a preocupação em ver o
filho bem, feliz.
Uma entrevista foi publicada no site do G1 (Globo.com), sobre um pai que criou
um balanço portátil para o filho com autismo, para que, dessa forma, ele viesse a interagir
com o ambiente, na intenção de unir a brincadeira com a possibilidade de conhecer novos
lugares. A entrevista informa que o pai queria ver seu filho feliz em qualquer lugar, pois, no
balanço, o pequeno se sente seguro e aproveita os finais de semana em família, fazendo o que
ele gosta. O pai, com essa atitude, queria também combater o preconceito, pois as pessoas
muitas vezes não sabem o que é o autismo e divulgam informações erradas, que chegam a
ferir a família. A intenção do pai era atingir, também, quem discriminava seu filho.
Sassaki (1997) diz que a integração é uma das mais importantes consequências do
princípio de normalização.
A interação de pai e filho é muito importante para o tratamento da criança, pois
ela se sente segura dentro do ambiente familiar, e isso é um ponto positivo para seu
tratamento.
Outro assunto que as mães falaram bastante foram seus medos, pois o mundo está
muito perigoso, disseram elas, e os autistas não têm noção do perigo. Eles têm ausência de
medos de perigos reais, são inocentes, e muitas vezes reagem de forma errada, pensando que
essa atitude é a correta. As mães de filhas autistas demonstraram um medo ainda maior: de a
criança andar sozinha, medo do contato com outras pessoas, principalmente se forem do sexo
masculino. Os pais, em sua maioria, não confiam em deixar seus filhos com outras pessoas,
somente com alguns membros da família, e mesmo assim são poucos, até porque não são
todos que aceitam ficar com a criança.
Sabe- se que o autismo é uma condição crônica e não tem cura. Não existem
médicos específicos para esse transtorno, mas existem aqueles que podem ajudar a controlar
os sintomas, para que, assim, a pessoa com autismo possa ter uma vida controlada e mais
próxima da normalidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
autismo: “Rain Man”, que relata a história da interação de dois irmãos que descobrem o amor
fraternal; “Toda Criança é Especial”, que fala do comportamento dos pais com a descoberta
do transtorno do filho, e sobre quais as medidas radicais que necessitam ser tomadas para os
padrões dos demais seres humanos impostos pela vida em sociedade. Comunidades do
Facebook, como a “Son Rise”, bastante citada na pesquisa, referindo-se aos tratamentos para
os autistas, e que também me ajudou muito a compreender essa temática, pois os pais
compartilham suas maiores dúvidas com vários especialistas que são os criadores dessa
comunidade.
Uma fala constante das mães nas entrevistas foi a de que o Estado não se
manifesta frente à situação autista - os pais permanecem sozinhos nessa jornada. Porém, no
dia 2 de Dezembro de 2014, foi concretizado o decreto de regulamentação da Lei do Autismo,
que Regulamenta a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2014, que instituiu a Política
Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Espera-se
ansiosamente para que os direitos dos autistas sejam respeitados por todos.
Sendo assim, aqui também permanece o desejo de modificar tudo que vem a
contrariar a inserção do autista na sociedade. Seus direitos devem ser respeitados para que,
dessa forma, haja segurança para os pais que vivenciam, dia após dia, a crueldade de seus
filhos serem deixados à margem da sociedade em convivem. E, como era de se esperar, essa
pesquisa não encerra este assunto, longe disso, mas é possível que influenciem outros
pesquisadores para que deem continuidade à ela, e a outras iniciativas semelhantes. É o nosso
desejo!
58
REFERÊNCIAS
ALBERT, Verena. Manual da História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
BORALLI, Eliana Rodrigues. Autismo: trabalhando com a criança e com a família. 3 ed.
São Paulo: Edicon / AUMA, 2008.
DOURADO, Ana Cristina Dubeux. História da infância e direitos da criança. Revista Salto
para o futuro. Ano XIX n. 10, 2009. Ministério as Educação, Secretaria de Educação a
Distância. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/00000
12183.pdf> Acesso em: 20 out. 2014.
FREIRE, Paulo. A educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
59
FREITAS, Sônia Maria de. História Oral: possibilidades e procedimentos. São Paulo:
Editorial Humanistas, 2006.
FRITH, U. Asperger and his syndrome. IN U. Frith (ed.), Autism and syndrome Syndrome.
Cambriggi: Cambridg University Press. 1991, p. 1-36.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.
GILBERG, G. Infantile autism diagnosis and treatment. Acta Psychiatr Scand. v. 81,n. 209,
1990. p. 215
GREENSPAN, S. I.; WIEDER, S.; SIMONS, R. The Child with Special Needs:
Encouraging Intellectual and Emotional Growth. Perseus Books, 1997.
RAPIN, I. Historical data. In: Rapin (Org.), Prescholl children with inadequate
communication. Developmental language disorder, autism. London: Mac Keith Press,
1996. P. 58-97.
RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão, construindo uma sociedade para todos. Rio de
Janeiro: WVA, 1997.
SILVA, Ana Beatriz; GAIATO, Mayra; REVELES, Leandro. Mundo Singular: entenda o
autismo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
Disponível em:<http://www.educarparacrescer.abril.com.br/politica-publica/plano-nacional-
primeira-infancia> Acesso em 07/12/14 às 11:45 min.
61
APÊNDICES
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Eu, Sara Matos gostaria de convidá-los (as) para participar da pesquisa de conclusão
de graduação do curso de Serviço Social das Faculdades Cearenses – FAC cujo objetivo é o
melhor conhecimento do cotidiano das mães das crianças que recebem o diagnóstico do
Transtorno do Espectro Autista; sob orientação da professora, Mestra em Saúde Pública pela
Universidade Federal do Ceará (UFC), Francisca Márcia Mourão
Todas as informações obtidas no termo por meio de pesquisa são confidenciais e
sigilosas, ou seja, os dados obtidos na pesquisa não serão divulgados, como também sua
identificação. Em relação à sua privacidade, seu nome e dados não constarão na pesquisa.
Sua participação não é obrigatória, podendo a qualquer momento retirar seu
consentimento, sem prejuízos de qualquer natureza. Não haverá formas de ressarcimentos e
indenização, sua participação será voluntária.
Os senhores(as) receberão uma cópia deste termo, com telefone para tirar possíveis
dúvidas do projeto de pesquisa. Fica responsável, a Sra. Kênia Chaves, com o telefone (85)
8825.0274.
A presente pesquisa se dará por meio de perguntas abertas e claras e sem prejuízos
para o participante, ou seja, as respostas são totalmente livres. E todas as entrevistas serão
realizadas em um ambiente tranquilo, sem presença de terceiros, caso seja do desejo do
entrevistado (a).
Identificação de Consentimento.
Eu......................................................................................................................., declaro
que aceito participar, como voluntário(a), e de forma consciente e livre, da pesquisa.
Assinatura do participante.................................................................................
Assinatura do pesquisador................................................................................
Sara Samla de Morais Matos
Matricula 10003285 Faculdades Cearenses- FAC
Fortaleza......../......../........
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APÊNDICE C - D E C L A R A Ç Ã O