Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CAMETÁ
2018
VICENTE DE PAULO RIBEIRO ESTUMANO
CAMETÁ
2018
VICENTE DE PAULO RIBEIRO ESTUMANO
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Prof. Dr. Cezar Luís Seibt
Universidade Federal do Pará - UFPA
Orientador - PPGEDUC
_________________________________________________
Prof.. Dr. Rogério José Schuck
Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES
Membro Externo - PPGENSINO
_______________________________________________
Prof. Dr. José Valdinei Albuquerque Miranda
Universidade Federal do Pará - UFPA
Membro Interno - PPGEDUC
Dedico esta dissertação à minha família, em nome do
meu Pai Benedito Estumano e minha Mãe Maria de
Jesus, minhas referências para a vida, pessoas que
acreditam em mim, torcem e me apoiam em todos os
desafios que a vida me apresenta.
A todos(as) os(as) jovens que, assim como eu, saíram de
famílias humildes e resolveram ousar, enfrentaram e
enfrentam todas as barreiras da exclusão, da
discriminação, do preconceito, da violência simbólica e
provaram que através das oportunidades se vai longe.
AGRADECIMENTOS
A Deus, com quem estou sempre conectado para realização dos meus sonhos, ele é meu refúgio
e minha fortaleza.
Aos meus pais, Benedito Estumano e Maria de Jesus, que proporcionaram o melhor
ambiente que um filho poderia desejar para o seu desenvolvimento. A vocês minha gratidão
eterna! Amo vocês!
À Cleice, agradeço por ser essa grande mulher em minha vida, que me apoia nos projetos e está
sempre ao meu lado para me escutar e me ajudar a avançar nas nossas conquistas. Obrigado
pelo cuidado com nossa Esther nos momentos de ausência para me dedicar aos estudos e por
ser a revisora do meu texto. Essa vitória é nossa, te amo!
À minha pequena Esther, minha inspiração para lutar todos os dias por um mundo melhor.
Hoje você tem quatro anos, ainda não compreendes o porquê fico horas, dias e noites em frente
ao computador, mas você não sabe a força que me proporcionas quando passas ao meu lado e
diz “Estuda bastante papai”. Te amo minha filha, você é tudo para mim!
Aos meus irmãos Rosa, Luiza, Terezinha e Messias, que mesmo de longe estão torcendo,
rezando e me ajudando a realizar meus sonhos. Amo vocês meus irmãos!
Aos meus sobrinhos, tios, primos, cunhados, cunhada, sogro, sogra, todos os familiares,
amigos e conhecidos que tem mandado boas vibrações e que torcem por mim e pela minha
família, meu muito obrigado!
Ao meu Orientador Prof. Dr. Cezar Luis Seibt, grande parceiro nessa empreitada, além de
orientador agiu como meu psicólogo, me acalmando e me fazendo pensar que o mestrado é um
processo doloroso, porém prazeroso de se conquistar. Você é uma das grandes referências em
minha vida. Muito obrigado por tudo!
Ao Prof. Dr. Valdinei e Prof. Dra. Mara Rita, que muitas vezes, quando me senti perdido,
pegaram na minha mão e me mostraram o caminho da minha pesquisa. Meu muito obrigado!
Aos meus amigos do Mestrado, pelos momentos compartilhados, em especial aos meus
queridos: Nonato, Miria, Gilma, Vilma e Rogério. A convivência com vocês deixou os
momentos difíceis mais leves. Vocês moram no meu coração!
O Sistema de Ensino é visto pela sociedade como uma das alternativas de enfrentamento para
a diminuição das desigualdades sociais, porém existe nele barreiras que dificultam o alcance
dos seus reais objetivos, obstáculos que impedem o sucesso de grande parte dos estudantes que
constituem esse sistema no Brasil. Nesse sentido, o sociólogo francês Pierre Bourdieu, principal
referencial teórico dessa pesquisa, a partir dos estudos do sistema de ensino francês, buscou
investigar quais seriam esses impecílios e revelou que, ao contrário do que se pensa, a escola
funciona como um instrumento de reprodução das desigualdades sociais, através da imposição
cultural de uma cultura dominante sobre uma cultura dominada, e que traz consequências
negativas para a vida dos estudantes. Dessa forma, o autor verificou que nesse processo existe
uma violência tanto ou mais prejudicial quanto outros tipos de violências, a qual passou a
chamar de Violência Simbólica. Na mesma direção, a presente pesquisa busca investigar quais
os impactos psicossociais da violência simbólica na vida dos estudantes de uma escola
municipal no centro da cidade do Município de Cametá/Pa. Para isso, definiu-se como objetivo
geral do estudo, problematizar a violência simbólica no contexto escolar e seus impactos
psicossociais na vida dos estudantes, e os objetivos específicos foram no sentido de discutir as
relações de poder e os conflitos nas instituições escolares; verificar situações que evidenciam
violência simbólica no contexto escolar e a percepção dos alunos envolvidos; refletir sobre os
impactos psicossociais provocados pela violência simbólica na vida dos alunos; identificar
ações pedagógicas que influenciam e combatem a violência simbólica. O estudo foi
desenvolvido com 06 alunos, escolhidos de forma aleatória, das séries do 6º ao 9º ano do Ensino
Fundamental da referida escola. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, onde utilizou-
se técnica de entrevista semi-estruturada para coleta de dados. Os dados foram analisados
através das categorias Relação de poder entre os alunos no espaço escolar, esta foi dividida em
duas subcategorias: a relação do poder do ponto de vista da linguagem, onde identificou-se nas
respostas uma significativa diferença de tratamento entre os alunos nas relações que se
estabelecem no espaço escolar pesquisado, constatou-se situações de correções, brincadeiras de
mal gosto, ou comportamentos não verbais. Como impactos psicossociais produzidos por essas
situações relatadas, identificou-se a presença de reações emocionais, através de sentimentos
negativos, como tristeza, raiva, baixa autoestima, nervosismo, inferioridade, principalmente na
correção do modo de falar dos alunos. Já na relação de poder do ponto de vista geográfico, foi
constatado uma luta de força característica dos campos, onde os alunos advindos de outros
lugares, como ilhas, vilas e estradas, enfrentaram certa rejeição, dificuldades no acolhimento
por outros alunos. Na categoria, Violência Simbólica do sistema de ensino, a (re)produção no
contexto pesquisado, verificou-se que na realização dos eventos os alunos não se sentiram
integralmente contemplados e valorizados culturalmente na escola, estes relataram uma postura
de ambiguidade e que provocaram consequências negativas nos aspectos psicossociais.
INTRODUÇÃO
As nossas vivências estão carregadas de situações que precisam ser abordadas na busca
por um entendimento. Circunstâncias que nos influenciam, dificultam nossos avanços, causam
desistências, mudam comportamentos e na maioria das vezes nem buscamos explicações ou
então analisamos de forma superficial, até mesmo não nos importamos e deixamos de lado.
Durante a vida o ser humano passa por um intenso aprendizado, e desde o nascimento é
condicionado a seguir regras, normas, ensinado a viver em sociedade. No entanto, em muitas
situações vivenciadas estão introduzidas mensagens que modelam o comportamento e de certa
forma o prejudicam. Somos violentados diariamente e inconscientemente, na escola, na mídia
e na sociedade de um modo geral.
O fenômeno da violência, sempre foi um tema que me chamou atenção, no sentido de
me instigar na sua compreensão e enfrentamento. Tema provocativo e difícil de ser trabalhado,
mas que necessita de atenção diante do cenário atual.
Ao longo da minha carreira acadêmica por vários momentos tive contato com a
violência, muitas vezes através do estudo da violência em si, em outras por vivenciar na pele
tal fenômeno. Na minha graduação aprofundei meus estudos na área quando estagiei na escola
por um ano, me deparei com diversos casos de violência que me desafiavam a buscar mais
conhecimento para entender essa problemática.
Dito isso, apresento nessa sessão meus caminhos percorridos, um pouco da minha
história, das minhas relações e meus encontros e desencontros com o meu objeto de pesquisa,
o tema violência e mais especificamente da violência simbólica. A nossa construção social é
feita de um emaranhado de relações e vivências que nos tornam esse produto da nossa história
de vida, sendo assim, apresento um pouco do meu caminhar.
Desde muito cedo uma das grandes prioridades na minha vida foi o estudo. Meu
interesse se mostrava na dedicação em fazer meus trabalhos, em não perder a hora da aula, tirar
boas notas, enfim, tudo que se relacionava a escola para mim sempre foi prazeroso. Era uma
felicidade conviver com os colegas e estar no ambiente escolar me despertava entusiasmo.
Aluno de escola pública, morador da Vila de Porto Grande, interior do município de
Cametá/Pa, sempre pensei em alcançar voos altos, por isso nunca me acomodei frente a
situações que dificultavam e via na educação o acesso para alcançar meus objetivos e sonhos.
10
Filho de professora, tive alguns pontos a favor, minha mãe me alfabetizou muito cedo e
sempre me incentivava a trilhar esse caminho. Além disso, via diariamente ela elaborando seus
planos de aulas e saindo para trabalhar na escola, portanto convivi com esse ambiente durante
minha infância e boa parte da adolescência. Apesar do contato com esse cenário, nunca
vislumbrei a profissão de professor, sempre disse que se algum dia eu trilhasse esse caminho,
seria professor de universidade.
Meu pai, agricultor, dava duro para sustentar e educar uma família com 05 filhos, ele
sempre acreditou na educação como elemento transformador da vida das pessoas. Militante de
movimentos sociais, sentiu na pele as consequências das suadas conquistas para a classe
trabalhadora. Sempre lutou e luta por uma sociedade igualitária onde os direitos sejam
garantidos e as pessoas sejam respeitadas nas suas singularidades.
As minhas grandes referências na luta por dias melhores para a coletividade, sempre
foram meus genitores, suas falas e atitudes estão entranhadas no meu modo de ser, me
posicionar e refletir sobre a maneira como as situações se apresentam. Essa herança familiar
que me foi repassada me impulsionaram para adentrar nos diversos espaços.
Tenho certeza que os dois influenciaram significativamente para eu trilhar a área de
humanas, não foi uma influência premeditada e muito menos forçada, mas através das atitudes
que apresentavam, ambientes que frequentavam e exemplos que os dois mostravam desde muito
cedo com o envolvimento nas causas sociais, tiveram um peso na minha formação.
A formação moral repassada pelos dois sempre foi em trabalhar com a justiça e os
valores, pesando os prós e os contras de todas as situações para tomada de decisão, e assim
tento agir em todos os momentos, com observações, análises, buscando o máximo de
assertividade. Isso se demonstra em todos os ambientes que eu frequento, família, trabalho,
igreja, e principalmente durante toda a minha vida acadêmica.
Lembro-me de várias situações que vivenciei na educação básica, tanto no ensino
fundamental quanto no ensino médio, me chamavam atenção, mas naquele momento não
conseguia entender. Hoje, estudioso da violência simbólica, tenho outro olhar e compreendo a
conjuntura do processo educativo de uma forma que me faz entender as situações vivenciadas
no passado e percebo o porquê tantos amigos, colegas e conhecidos tinham determinados
comportamentos e acabaram ficando pelo caminho.
Me recordo de uma situação específica, na 4ª série do ensino fundamental um colega de
turma, garoto carente, vindo de uma família em situação de pobreza, pediu a professora para ir
ao banheiro e ela não permitiu, disse que ele iria somente na hora do intervalo. O garoto sentou
11
em sua cadeira e logo depois fez xixi na calça, todos riram e faziam zoações, alguns colegas se
compadeceram com a situação, a professora ficou bastante chateada e mandou que ele fosse
para casa. O garoto muito envergonhado, passou por todos que estavam fazendo chacotas e foi
embora. Após esse episódio ele veio alguns dias na aula, e começou a faltar, até que parou de
estudar.
Esse pode não ter sido o motivo determinante para o fracasso escolar desse aluno, porém
com certeza teve um peso na sua desistência. O comentário que rolava era que ele não conseguia
se desenvolver e por isso desistiu. Ou seja, a culpa recaiu sobre o próprio estudante, a escola se
eximiu e ninguém falou em mudanças na prática pedagógica daquela professora, apenas que
ele tinha desistido pela sua falta de esforço.
Como abordaremos nesse estudo, a violência simbólica se mostra de inúmeras formas e
de maneira imperceptível nas diversas situações e instituições. Em relação a escola, ela se
mostra ao longo do processo educativo, deixando suas consequências marcadas na vida das
pessoas.
Os anos de ensino fundamental foram cruciais para a entrada no ensino médio, uma
preparação incansável de muito conteúdo e influências dos meus professores. E desde o início
desse processo, percebi a importância que o incentivo dos professores, dos pais e de todos os
atores que compõe a instituição escolar, surtem na vida de um estudante.
No ano de 2000 entrei para o ensino médio, Sistema de Organização Modular de Ensino
– SOME, nesse período tive contato com excelentes professores que me incentivaram a seguir
em frente, falavam que eu tinha um grande potencial, e que eu poderia alcançar grandes
conquistas.
Nesse período, foi um momento de construção e amadurecimento, adolescente, muitas
dúvidas pairavam na cabeça, mas uma coisa era certa eu queria fazer uma faculdade. O estímulo
dos meus professores me incentivava a querer mais, meus pais não pressionavam, me deixavam
à vontade.
Analisando esse contexto que vivi durante a minha vida escolar, percebo hoje a
influência que os professores possuem na vida de um aluno, desde as séries iniciais sempre fui
incentivado a ser o melhor da turma, os elogios dos professores, os vistos no caderno, a
aprovação, os olhares da turma, me faziam seguir naquele caminho. Esse tratamento não era
dado só a mim, outros poucos colegas recebiam também.
Olhando através de Bourdieu, percebo que a grande maioria dos alunos que se
destacavam nas turmas, mesmo que não possuísse o capital econômico, como era o meu caso,
12
tinham um certo nível de capital cultural, e isso facilitava nossa adaptação, fazendo com que
não sentíssemos muitas dificuldades. Contudo, a maioria dos alunos geralmente não possuía
nenhum tipo de capital e acabavam encontrando muitos obstáculos no processo de ensino e
desistiam de estudar, ou quando terminavam uma série não prosseguiam nas outras.
Terminei o ensino médio e foquei no vestibular, em 2003 tentei a primeira vez para o
curso de Pedagogia, não consegui passar. Naquela época as universidades ainda não tinham
aberto as portas para a classe trabalhadora, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva ainda
estava implementando as políticas educacionais, e não existiam os programas que hoje existem,
passar no vestibular era um acontecimento, poucos eram os felizardos, porém eu não desisti.
Não tenho dúvidas que essa frustrada tentativa me motivou ainda mais a alcançar a
difícil e concorrida vaga na universidade. Eu só tinha uma opção, passar em uma universidade
pública. Então, no ano de 2004, pedi para meus pais uma chance de ir para Belém fazer
cursinho, queria me preparar melhor, com toda dificuldade eles não hesitaram em me ajudar.
Viajei no meio do ano para Belém. Chagando lá me senti deslocado, a cidade, as pessoas, o
colégio era como se eu não pertencesse àquele lugar, como se eu não merecesse estar ali e mais
me sentia forçando uma situação que eu não iria conseguir, que eu iria fracassar.
Sair do interior, de uma vila pacata e me deparar com uma realidade oposta, me exigia
uma adaptação sub-humana. Enfrentei a dificuldade de locomoção na cidade, saudade da
família, e principalmente as relações interpessoais. Fui criticado e “corrigido” várias vezes pelas
pessoas e pelos meus próprios parentes que já tinham passado pelo processo de mudança. Sentia
certa vergonha ao falar com as pessoas, parece que meu sotaque não era bem aceito, por isso
tentava me policiar para falar que nem eles. Ficava observando os comportamentos dos colegas
para também imitá-los e não parecer um caboclo do interior.
Passei três meses em Belém, fiz cursinho intensivo, não me adaptei. As dificuldades
financeiras e emocionais foram tantas que resolvi voltar para Vila de Porto Grande/Cametá.
Trouxe todo material e continuei os estudos por conta própria. Diante de tudo isso, através das
leituras que realizei, compreendo que sofri um intenso processo de violência simbólica. Ou eu
me adaptava ou eu desistia, nesse momento eu desisti. Desisti do cursinho, mas jamais do meu
sonho de cursar uma faculdade.
No ano de 2005, prestei o vestibular novamente, consegui ser aprovado no curso de
Pedagogia. Tenho certeza que esse momento foi um divisor de águas na minha vida, entrei na
tão sonhada universidade. Eu sabia que tinha alcançado o meu objetivo e que não seria mais
13
um a ficar pelo caminho da exclusão social. Segurei essa oportunidade e rumei para a cidade
de Cametá, onde o curso seria realizado.
Passei por outras adaptações e enfrentei novamente a violência simbólica. É
desapontador quando os próprios habitantes de um grupo (município) estranham sua forma de
falar, seu jeito de se comportar. No município, a diferença entre o sotaque do interior e o da
cidade é mínimo, porém colegas, amigos e familiares faziam questão de destacar quando
determinadas palavras eram pronunciadas de modo “diferente” do sotaque da cidade. Contudo,
foi mais fácil a adaptação, pois as experiências vividas em Belém me ajudaram a desenvolver
estratégias para lidar com tais situações, além disso, eu enfrentaria tudo por essa vaga
conquistada com muito esforço.
Cursei por um ano e meio a faculdade de Pedagogia, e com incentivo dos meus
professores do ensino médio e da faculdade, vi na mobilidade interna uma alternativa para ir
além. No ano de 2006, fui aprovado no curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará.
Mudei-me para Belém e comecei uma nova jornada. A mudança de ambiente exigiu de
mim uma nova adaptação, agora mais maduro, consegui superar as dificuldades com as
habilidades desenvolvidas. Porém, mesmo assim ainda tive que enfrentar a exclusão velada, as
brincadeiras de mau gosto que me envergonhavam, uma nova forma de adaptação.
A construção de um novo habitus me foi exigida, aquela desconhecida estrutura social,
a cidade universitária, foi aos poucos sendo internalizada em mim, com todas as suas regras.
Fui percebendo meus colegas, os professores e outros agentes daquele campo e me guiando por
eles, estruturando dentro de mim as regras daquela estrutura.
Aproveitei daquela instituição todo o conhecimento que me foi disponibilizado, sempre
pensei na minha condição em estar ali naquele espaço, eu não poderia fracassar, eu era uma
exceção. Fugi a regra, pois eram poucas pessoas da vila na qual eu nasci que seguiram esse
caminho, a exemplo da minha turma do Ensino Médio, apenas eu e mais duas colegas
conseguiram aprovação na universidade.
No final do curso de Psicologia, precisei escolher os três campos de estágio necessários
para minha formação, então optei pela Clínica, Saúde e Escolar. Na área de Psicologia Escolar
fui apresentado ao Núcleo Integrado Pedagógico onde realizei a disciplina Estagio
Supervisionado de Psicologia Escolar.
Nesse contexto, entrei em contato com um novo cenário da violência e com as
observações e práticas, foi possível perceber e analisar melhor como a violência se mostra na
14
de uma cultura sobre a outra provoca consequências nos indivíduos dominados que fazem parte
desse processo e consequentemente envolve outros espaços e agentes.
Sendo assim, busco desvelar um novo campo através dessa pesquisa, entrar nesse
ambiente para conhecer suas particularidades, pois ao estudar um novo campo “descobrimos
propriedades específicas, próprias de um campo particular, ao mesmo tempo que fazemos
progredir o conhecimento dos mecanismos universais dos campos que se especificam em
função de variáveis secundárias” (BOURDIEU, 1984, p. 119)
A violência é uma problemática com que diariamente entramos em contato, seja pelos
meios de comunicação, pelo trabalho que realizamos, pelos ambientes que frequentamos,
enfim, convivemos com diversas formas de violências, visíveis e disfarçadas, que afetam a vida
dos indivíduos na sociedade, umas em menor grau e outras em maior profundidade.
Vale ressaltar que desde os tempos mais remotos utilizava-se o comportamento
agressivo como uma forma de sobrevivência, luta por espaços, busca por alimentos, por isso
essa característica não é de agora, não foi desenvolvida recentemente pelo homem
contemporâneo.
O que chama atenção na contemporaneidade são as derivações da violência, a utilização
para resolução de questões e a intensidade com que esse comportamento vem se manifestando
nas diversas instâncias sociais, fato que vem despertando ao longo dos anos nos estudiosos uma
intensa busca de compreensão e resolução desse que se intensificou como um problema social.
Nessa perspectiva, sabendo que a violência faz parte da história da humanidade e que
está marcada no desenvolvimento humano, cabe aos pesquisadores entender como esse
comportamento foi se aprimorando e quais os motivos para ser utilizado para dominar,
humilhar, oprimir. Além disso, houve um aumento na tipologia da violência, hoje observa-se
que a derivação se classifica por violência escolar, doméstica, sexual, psicológica, institucional,
etc.
As várias possibilidades de análises da violência devem ter como foco sempre que “a
violência só pode ser captada como consequência, precisamente por não ter uma essência, a
percepção da violência se associa a formas de conduta e a ações que configuram um modo de
ser ou de agir” (ABRAMOVAY, 2008), ou seja, a violência se mostra como produto de um
contexto, ela não se estabelece sozinha, mas sim por resultados das práticas sociais.
17
Porém, não se pode aceitar de forma natural e muito menos banalizar a violência na
sociedade por fazer parte da história ou ser intrínseca ao homem, por mais que existam desde
as eras mais remotas, a violência prejudica o ser humano e afeta diretamente a sua vida em
todos os aspectos, portanto a sociedade sente a necessidade de abordar, compreender e enfrentar
essa problemática que prejudica as individualidades e as coletividades.
Várias definições sobre o conceito de violência tem sido desenvolvidas no intuído de
tornar mais fidedigna a sua análise. Chauí (2000 apud BATISTA, 2011, p. 05) leva em
consideração o uso da força física e psicológica como forma de dominação, para ela a “violência
é entendida como uso da força física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir
de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é violação da integridade física e
psíquica, da dignidade humana de alguém”.
Faleiros e Faleiros (2007, p. 30) tem utilizado a teoria do poder para conceituar a
violência contra crianças e adolescentes. Segundo os autores “o poder é violento quando se
caracteriza como uma relação de força de alguém que a tem e que a exerce visando alcançar
objetivos e obter vantagens (dominação, prazer sexual, lucro) previamente definidas”
A Organização Mundial da Saúde (2002, p. 05) define violência como “o uso intencional
de força física ou poder, em forma de ameaça ou praticada, contra si mesmo, contra outra pessoa
ou contra um grupo ou comunidade que resulta ou tem uma grande possibilidade de ocasionar
ferimentos, morte, consequências psicológicas negativas, mau desenvolvimento ou privação.”
Analisando as definições acima, percebe-se claramente que a violência acontece pela
manifestação de um poder, exercido de forma explicita ou implícita, por um indivíduo ou por
grupos, para alcançar determinados objetivos. E mais, o uso desse poder pode levar a machucar,
ferir, dominar, constranger, excluir, ameaçar, sempre na intenção de conseguir se sobressair
sobre o outro.
Atualmente tem-se uma enxurrada de notícias sobre casos de violência que acontecem
em diversos ambientes como, na família, na escola, nos bairros, no trabalho, etc. Desses relatos
geralmente os tipos mais frequentes são: a violência física, a psicológica, sexual e a negligência.
A violência física, por ser mais perceptível e de fácil constatação tem uma maior visibilidade.
Contudo, a violência física e a violência psicológica estão intimamente ligadas, pois
geralmente uma ocorre em consequência da outra. A violência física apresenta-se através da
intenção de provocar danos à integridade física da pessoa, tais como: tapas, empurrões, chutes,
socos, beliscões, atirar objetos, etc (STELKO-PEREIRA E WILLIAMS, 2010). A finalidade
18
do agressor da violência física é causar sofrimento e dor à vítima, nesse tipo de violência se
percebe pelos sinais corporais deixados pela agressão como hematomas, fraturas, perfurações.
A violência psicológica são ações que têm como consequência danos psicológicos ou
emocionais a outros tais como ameaças, ridicularização, fofocas, desqualificação da pessoa,
provocar medo, terror, etc (STELKO-PEREIRA E WILLIAMS, 2010). Este tipo de violência
não deixa marcas visíveis no corpo, mas destrói a autoestima, a autoconfiança deixando a vítima
com seu emocional abalado.
A violência sexual é destacada por Stelko-Pereira e Williams (2010, p. 51) como “atos
contra a sexualidade do indivíduo (sem o consentimento do outro, acariciar, manipular
genitália, mama ou ânus, atos pornográficos ou exibicionismo, praticar ato sexual com ou sem
penetração, com ou sem uso de força física)”.
A negligência diz respeito ao comportamento de se omitir a ajudar o outro, ou a situação
de não evitar situações de perigo que possam prejudicar alguém. Inclui-se a essa classificação
a violência contra o patrimônio ou material que abrange atos como quebrar, danificar materiais
de instituições ou de pessoas e roubar” (STELKO-PEREIRA E WILLIAMS, 2010, p. 51).
Embora as violências sejam categorizadas pelas suas características, as consequências
são bastante parecidas entre elas. O efeito traumático na vida da vítima ficará registrado no seu
estado emocional negativo e se manifestará através de tristeza, medo, angústia, baixa
autoestima, perda da autoconfiança, pânico, fobias, dentre outros sintomas que afetará
consideravelmente a qualidade de vida da pessoa.
A escola vem se tornando um espaço onde a violência está sendo exercida de forma
banal, esse fato tem gerado preocupação no sistema de ensino e buscas por alternativas para
solucioná-lo. Não se trata de uma problemática nova, a violência sempre se fez presente no
contexto escolar, porém atualmente vem tomando proporções alarmantes.
São diversas as formas e maneiras com que a violência se apresenta na escola e
envolvem diferentes aspectos, muitas vezes ela pode ser facilmente percebida pois se mostra
nas relações, outras vezes ela é dificilmente notada e acaba se tornando naturalizada, o que
demanda um certo esforço para seu entendimento.
Os fatos que marcam a violência escolar são inúmeros, dentre eles podemos citar os
mais perceptíveis como agressões físicas, verbais e psicológicas entre alunos, violência de aluno
19
(SPOSITO, 2001). De acordo com a autora, além da maior visibilidade da violência escolar nos
anos 90, foi possível notar mudanças no comportamento, agora não somente o vandalismo era
praticado, mas adicionalmente práticas de agressões verbais interpessoais e ameaças eram mais
frequentes entre o público estudantil.
Um levantamento nacional publicado em 1998 sobre violência escolar traz dados
importantes, embora tenha sido realizado apenas com professores. Três tipos de situações foram
constatadas com mais frequência, são elas: danos ao patrimônio, agressões físicas entre alunos
e as agressões de alunos contra o professor (SPOSITO, 2001).
Diante do exposto, uma das grandes questões que provocam estudos e discussões a
respeito do tema é a conceituação de violência escolar. O que se configura como um ato violento
no contexto escolar? Esse questionamento é traçado por diferentes autores que buscam nas
diversas perspectivas e visões analíticas esmiuçar a temática para uma compreensão mais
fidedigna.
Na busca por uma resposta e uma reflexão do conceito e uma definição abrangente sobre
violência escolar, Stelko-Pereira e Williams (2010) destacam a difícil tarefa dos pesquisadores
de se entrar em um consenso, pois geralmente depende dos aspectos culturais, históricos e
individuais. Mas, apesar dos percalços, é necessário um esforço para sistematizar os fatos
pertencentes ou não ao fenômeno da violência escolar.
Nessa mesma perspectiva, Abramovay (2005) aponta que apresentar um conceito requer
certo cuidado, pois a violência também é algo dinâmico e mutável. De acordo com as
transformações da sociedade as formas de violência também mudam, sofrem adaptações. Um
fenômeno que pode se manifestar de múltiplas formas e pode ser compreendida de várias
maneiras.
Charlot (2002) destaca que para estudar essa temática é preciso compreendermos três
formas de manifestação da violência no ambiente escolar. A primeira forma diz respeito ao
espaço, à violência na escola, onde os atos violentos se produzem dentro da escola sem estar
ligada as atividades da instituição, como é o caso dos acertos de conta. A segunda, refere-se a
violência à escola que está ligada as atividades ou a didática usada pela instituição, os alunos
batem ou insultam os professores, provocam danos ao patrimônio. Esta deve ser analisada
juntamente com o terceiro tipo, que é a violência da escola, a chamada violência institucional,
simbólica, modo de imposição das regras, disciplinas, procedimentos institucionais.
A partir dessas definições, traçaremos uma explanação sobre o tema, pois entende-se
que esses destaques envolvem todos os atores que produzem a violência dentro e fora do
21
contexto escolar. Além disso, contemplam a perspectiva de análise que essa pesquisa se propõe
a traçar. Portanto, juntamente com o auxílio dos trabalhos dos pesquisadores da área discutiu-
se a temática em busca de um aprofundamento teórico e uma descrição analítica sobre o tema.
A violência na escola é detalhada por Charlot (2002) como sendo uma situação não
relacionada a dinâmica da instituição, a escola funciona apenas como o espaço do conflito, pois
poderia acontecer em qualquer outro local. Ela pode ser provocada no bairro, no trajeto da
escola-casa, na rua em que os alunos convivem, nos espaços de lazer do bairro, ou também nos
próprios espaços físicos da escola, conflitos mal resolvidos que eclodem no interior ou no
entorno da escola.
A imersão da escola em um contexto onde a violência é frequente também pode ser um
indicativo de que aquela instituição seja mais vulnerável a sofrer conflitos. Charlot (2002)
chama isso de tensão social, quando o bairro ou a sociedade são presas da violência, a
probabilidade de situações conflitivas aumenta. Porém, o autor destaca que isso não é uma
máxima, existem muitos lugares violentos que a escola não é tanto afetada, e existe lugares
menos violentos em que a escola apresenta um alto índice de violência.
Para Stelko Pereira e Williams (2010) além da localização geográfica, que é muito
importante, deve-se olhar para outros aspectos, pois essa violência também acontece além dos
espaços físicos, como exemplo temos os meios eletrônicos, onde mensagem, imagens e/ou
vídeos agressivos que desconstroem e difamam a imagem do outro são enviados entre os
membros da instituição. Essa forma de violência, chamada de cyberbullying, se tornou muito
comum, pois os autores agem de forma sigilosa, o que facilita a disseminação dessas mensagens
e dificulta a revelação da identidade do agressor.
Outro aspecto importante que merece destaque são os atores, geralmente costumamos
pensar que os únicos envolvidos nas situações de violência são alunos e professores, porém é
um equívoco, pois a violência pode acontecer em qualquer relação interpessoal, ou seja, todos
que fazem parte da escola podem ser vítimas, agressores ou testemunhas, como exemplo,
porteiros, cantineiras, inspetores, diretores, secretárias, faxineiras, pais. Além desses, podem
haver pessoas que adentrem a escola para cometer delitos, como assaltos, vendas de drogas, ou
para praticar intimidações aos membros da escola, esses não estão diretamente ligados a
instituição, mas que provocam violência (STELKO PEREIRA E WILLIAMS, 2010).
Stelko Pereira e Williams (2010) salientam que os papéis desempenhados pelos atores
são importantes para entender as práticas de violência. Dentro de uma situação conflituosa é
22
Diante disso, constata-se que os atos violentos na escola também são reflexos de um
contexto social, ou seja, apenas uma das consequências de uma série de fatores que o provocam.
Um efeito dominó que toma conta dos bairros, pois a comunidade sendo violentada socialmente
pela falta de políticas públicas, automaticamente afetará a população que repercutirá nas
instituições que pertencem a ela.
O desemprego provoca um aumento no tráfico de drogas, a falta de creches causa
desassistência as crianças, a ausência de praças e áreas de lazer aumenta a criminalidade, etc,
são inúmeras situações que afetam diretamente a população e repercutem no contexto escolar,
pois o público desassistido, será o que frequentará a escola diariamente e com ele virá todo o
peso da exclusão social.
De acordo com Charlot (2002), outra importante definição é a violência à escola,
situação que se tornou rotineira e onde encontramos atos que tentam atingir a instituição em sua
estrutura física, como o prédio, bem como o corpo funcional, gestão, professores, funcionários
de apoio, etc. Essa violência está diretamente ligada à natureza e as atividades da escola.
Encontramos nessa situação atitudes como danos ao patrimônio, agressões a professores,
comportamento desafiador ou descumprimento de regras e normas da escola que geram tensões
e conflitos no ambiente escolar, dentre outros.
23
O autor recomenda que esse aspecto deve ser analisado juntamente com a outra
definição que é a violência da escola. Pois as duas geralmente estão interligadas, uma é
provocada em função da outra.
Também conhecida como violência institucional ou simbólica, a violência da escola se
mostra através da imposição de normas, regras, modelos de comportamentos, avaliações dos
professores ou a própria estrutura física da escola já determina um tipo de violência. Violência
que se caracteriza com a imposição de um arbitrário cultural, onde em uma sociedade de classes
se reproduz a cultura dominante (BOURDIEU e PASSERON, 1970).
Deste modo, há um impasse nesse modelo de ensino, pois a escola tem a função de
formação cidadã e respeito a cultura e singularidades de cada aluno, levando em consideração
os métodos, técnicas, procedimentos registrados em um conjunto de leis e normas que regem o
sistema de ensino. Contudo, essas normatizações ficam no papel, pois o que se leva em
consideração são as imposições de uma classe que tenta de todas as formas dominar a classe
popular.
O não cumprimento pela escola de seu real objetivo e sua representação através da
violência institucional ou simbólica, provocam consequências negativas no público que a
frequenta, pois encontra-se uma dificuldade de adaptação dos alunos para esse processo
educativo, principalmente os advindos da classe popular, que passam a sofrer as sanções pela
sua não adaptação.
Abramovay e Rua (2002) enfatiza que dependendo da gravidade da transgressão das
normas da escola os alunos recebem as seguintes punições: encaminhamos para equipe
pedagógica da escola, para a biblioteca, advertências oral e escrita, perda de pontos nas
participação nas aulas, perda da hora do lanche, horário de saída adiado, não permissão de
entrada na escola, expulsão da sala, mudança de turma, impedimento de renovar matrícula,
suspensão por alguns dias ou semanas e expulsão definitiva da escola.
Nessa relação, como em toda forma de imposição, se configura uma violência através
do poder e do saber, onde a instituição escolar detém o poder de repassar as informações
culturais e os alunos recebem esses conhecimentos de forma imposta, dominadora, que não
permitem contestação. A revolta dos alunos frente a determinações da escola lhe causariam
grandes medidas de repressão.
Mesmo assim, muitos alunos tomam a posição contrária ao sistema de ensino, rebelam-
se e incomodam, gerando um clima conflitivo e tenso, forçando a escola a tomar medidas que
não estão nas suas regulamentações, mas que precisam ser efetivadas para a normatização
24
novamente daquele espaço, como se fosse um enquadramento dos alunos para seguirem suas
normas sem contesta-las.
Dessa forma, além de receber essa demanda e sofrer as consequências do descaso social
frente a violência na escola, Charlot (2002) destaca que a escola se torna impotente, porém não
totalmente, frente essa violência. Mas considera que a escola possa mudar a realidade no que
diz respeito a violência à escola e da escola.
Nos últimos anos o Brasil vem sofrendo um aumento significativo nos casos de
violência escolar, como mostra o Mapa da Violência no ano de 2012 (WAISELFISZ, 2012) a
idade compreendida entre 01 a 09 anos apresentou 1.563 casos de violência que ocorreram no
ambiente escolar com maiores índices entre as faixas etárias de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos.
Dentre os tipos de violência registrados, os maiores índices destacam-se a física com 59,6%, a
moral com 16,0% e a sexual com 10,9%.
Esse cenário nacional também reflete no Município de Cametá, que possui população
de 129.161 habitantes (IBGE, 2014) é classificado como uma jurisdição de grande porte, e não
está isenta da problemática da violência, em especial a violência escolar. Considerado um dos
maiores municípios do estado do Pará possui uma extensa rede educacional composta por 240
Escolas de Ensino Fundamental, dentre estas 234 públicas municipais e 6 privadas com um
total de 31.013 alunos matriculados. Já as Escolas de Ensino Médio somam um total de 11
instituições, com 07 públicas estaduais e 04 privadas, e conta com um público estudantil de
5.078 alunos matriculados (IBGE, 2012).
Recentemente, o município tem demonstrado uma triste realidade nos índices de
violência de modo geral, fato este que se constata nos registros do Centro Especializado de
Assistência Social – CREAS, um dos órgãos que recebe as demandas de violação de direitos
no município. No ano de 2013 foram registrados 172 casos de violência contra crianças e
adolescentes na faixa etária de 02 a 17 anos, dentre as ocorrências destacam-se a violência
sexual com 49 casos, a violência psicológica com 21 casos e a violência física com 16 registros.
No ano de 2014 houve 82 ocorrências de violência que o CREAS atendeu na faixa etária de <1
a 17 anos, os maiores índices encontram-se na violência psicológica com 52 casos, a violência
física com 29 casos e o abuso sexual com 07 registros.
No que diz respeito a violência escolar o destaque nos registros do CREAS, prevalecem
na presença de agressões físicas, psicológicas entre os alunos. No ano de 2014 e no primeiro
semestre de 2015 foram registrados 16 ocorrências de violência escolar. Os registros ocorreram
em consequência do bullying (agressões intencionais, verbais, físicas ou psicológicas, feitas de
25
maneira repetitiva, por um ou mais alunos contra um ou mais colegas), relação agressiva entre
alunos dentro da escola, relação agressiva do aluno com o professor e danos ao patrimônio.
Os dados demonstram que tanto a nível nacional como a nível local a violência direta
(física) e a indireta e emocional (psicológica) tem destaque dentre os tipos de violências nos
ambientes educacionais.
A escolha da escola onde esse estudo está sendo aplicado se deu justamente por esta
apresentar os maiores índices de violências no CREAS, sobressaindo-se os dois tipos de
violência física e psicológica que foram as principais formas identificadas, o que ressalta a
importância de se pesquisar a problemática para buscar a sua análise e entendimento, bem como
o enfrentamento.
Diante dos altos índices de violência escolar, pensando nas consequências que essa
problemática traz para a vida dos educandos, tanto socialmente quanto psicologicamente, é que
surgiu o interesse pela presente pesquisa. É importante lembrar que as violências estão
entrelaçadas, uma é consequência da outra e estudar uma, de certo modo, esbarra-se na
abordagem da outra, por isso a busca pela compreensão e análise tem que ir na raiz, na origem
do problema.
Tendo em vista este campo de estudo, o foco da pesquisa foi a violência simbólica e sua
relação com os impactos psicossociais causados na vida dos estudantes, para tanto, mergulhou-se
em uma análise para investigar e problematizar tal relação. Como hipótese norteadora a referida
pesquisa destacou que a violência simbólica vivenciada no contexto escolar provoca impactos
psicológicos e sociais nos alunos que limitam e prejudicam sua vivência educacional, seu
processo de aprendizagem e sua vida de modo geral.
Considerando as minhas observações do contexto escolar, a desigualdade social, o
contexto no qual a escola está inserida, a exclusão da escola por meio de uma prática de
reprodução, o alto índice de violência constatado atualmente, o expressivo índice de violência
na escola que será locus dessa pesquisa, a evasão escolar, a minha prática como psicólogo
clínico, me ajudaram na elaboração desta pesquisa e me instigaram a buscar respostas para
várias perguntas que rondam a problemática da violência simbólica: Qual a relação da violência
simbólica para outros tipos de violência no ambiente escolar?; Quais impactos psicossociais
são causados nos alunos vítimas de violência simbólica nas instituições escolares?; há indícios
26
sistema não alcançava o objetivo prometido, causando desapontamento nos jovens que
investiram na sua formação e esperavam um retorno econômico satisfatório no mercado de
trabalho (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).
Esse pessimismo em relação ao sistema de ensino, corroborou e impulsionou a visão de
Bourdieu sobre a escola, e deram força para justificar que o sucesso escolar não dependia
somente dos dons individuais, mas sim da origem social (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).
Bourdieu foi de encontro ao pensamento funcionalista, levantando um outro olhar sobre
a escola, revolucionando o pensamento da sociedade em relação a essa instituição. “Onde se
via igualdade de oportunidades, meritocracia e justiça social, Bourdieu passa a ver reprodução
e legitimação das desigualdades sociais” (NOGUEIRA, NOGUEIRA, 2009, p. 17).
Para o autor, a escola perde sua função social de transformadora e defensora da
democracia e passa a ser um instrumento de afirmação e disseminação das desigualdades
sociais. Dessa forma, há uma inversão no pensamento sobre a escola. Essa teoria juntamente
com os fatos ocorridos ganharam força e deram uma nova perspectiva de análise ao sistema de
ensino.
Nogueira e Nogueira (2009) destacam que, na visão de Bourdieu a sociedade é regida
por classes sociais e que os indivíduos não competem de forma igualitária no sistema de ensino,
cada um traz consigo a bagagem social e cultural de acordo com sua classe social de origem,
além disso, a escola é um instrumento de afirmação e reprodução dessa configuração social,
através de suas práticas a escola se torna um importante aliado para a classe dominante,
ocasionando o aumento das desigualdades sociais.
Para tanto, a partir de sua análise da sociedade, o autor desenvolveu vários conceitos na
escrita de suas obras, são importantes considerações que ajudaram e ajudam a explicar sua
teoria e a entender a dinâmica da sociedade na sua visão.
Dentre os vários conceitos desenvolvidos por Bourdieu, iremos abordar neste tópico os
que mais se aproximam e ajudam a explicar a problemática proposta por essa pesquisa.
Iniciamos nossa apresentação pelos conceitos de campo social e habitus. O primeiro está diluído
em várias obras escritas por Bourdieu e nasce de um artigo escrito pelo autor sobre
“Especificidade do campo científico e as condições sociais do progresso da razão” (1975). O
segundo, também já discutido nas obras de outros autores como Durkheim, foi abordado por
30
e efeito, começa a despertar uma percepção socioeconômica para as situações que ocorrem no
meio, começa a pensar que certas coisas não sejam tão naturais assim.
A terceira forma de conhecer o mundo o autor chama de praxiológica que tem como
objeto “as relações dialéticas entre essas estruturas e as disposições estruturadas nas quais elas
se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da
exterioridade e exteriorização da interioridade” (BOURDIEU, 1983, p. 47). Dessa forma, os
agentes conseguem compreender fenômenos, identificam a raiz dos problemas e conseguem
perceber as causas das situações vivenciadas na própria vida, qual a relação das estruturas com
a sua ação.
Essa última forma é onde Bourdieu vai desenvolver seus estudos e aprofundar o conceito
de habitus, pois entende que através desse ponto de vista os agentes passam a enxergar as
mudanças e a interiorização que ocorre dessa estrutura social que é externa a ele. Nesse sentido,
Bourdieu define habitus como um “sistema das disposições socialmente constituídas que,
enquanto estruturas estruturantes, constituem o princípio gerador e unificador do conjunto das
práticas e das ideologias características de um grupo de agentes” (BOURDIEU, 2011, p. 191).
Detalhando essa definição, entende-se que os sistemas de disposições socialmente
construídas, as ações, os pensamentos, os gostos, as escolhas, etc, que os agentes internalizam
no percurso de suas vidas são disponibilizadas no meio nos diversos espaços. Ou seja, o
repertório comportamental do indivíduo é regido pelas estruturas sociais os quais ele pertence
e convive, a forma como ele age na sociedade, na sua família, na escola, com os amigos, chefes,
com estranhos, com pessoas íntimas, são socialmente construídas. O indivíduo tem a escolha
de tomar várias atitudes, mas quem disponibiliza as opções para que essa ação ocorra é a
sociedade.
As estruturas estruturantes a que Bourdieu se refere diz respeito as estruturas sociais que
o cercam, como exemplo temos o Estado, a polícia, igreja, as ideologias das pessoas, etc, o que
o agente normalmente entende por sociedade. Porém essas estruturas externas são estruturantes
dentro dos agentes (no seu psiquismo). Para Bourdieu essas estruturas, estruturam os agentes,
e os agentes internalizam essas estruturas dentro deles próprios, é a dialética. A sociedade que
está fora é introjetada, internalizada, quando os agentes absorvem os pensamentos, as ideologias
das estruturas sociais e começam a pensar do seu jeito, mesmo assim, a estrutura social já estará
estruturada dentro dele.
Esses habitus constituem o princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e
ideologias características de um determinado grupo de agentes, ou seja, essas estruturas
32
internalizadas, os habitus adquiridos serão esse princípio gerador das práticas, ações dos
agentes ou das classes. Dessa forma, os agentes passarão a comportar-se nas instituições sociais
(campos) de acordo com suas regras, e espera-se determinados comportamentos dos agentes
dentro de um campo social.
Pensar a relação entre indivíduo e sociedade com base na categoria habitus implica
afirmar que “o individual, o subjetivo, é social, coletivo. O habitus é uma subjetividade
socializada, transcendental histórico, cujas categorias de percepção e de apreciação (os sistemas
de preferências) são o produto da história coletiva e individual” (BOURDIEU, 2005, p. 47).
Portanto, os agentes poderão seguir ou não do seu jeito, contestar as regras das estruturas, porém
Bourdieu insiste que a forma como os agentes entendem a sociedade não é construída da sua
própria mente e sim informada pela sociedade que o cerca.
Para melhor entendimento abordaremos o conceito de campo, pois não se pode falar em
habitus sem falar de campo social, os dois conceitos estão intimamente ligados, e os dois são
fundamentais para compreensão das teorias de Bourdieu. “A relação de interdependência entre
o conceito de habitus e campo é condição para seu pleno entendimento” (BOURDIEU, 1992
apud SETTON, 2002, p. 64).
Bourdieu tenta ultrapassar a oposição entre subjetivismo e o objetivismo propondo uma
nova relação entre esses dois conceitos. Essa nova relação intercede entre o sistema de posições
objetivas e disposições subjetivas de indivíduos e coletividades. Sendo assim, o autor ressalta
que o habitus faz referência a um campo, e se acha entre o sistema imperceptível das relações
estruturais, que moldam as ações e as instituições, e as ações visíveis desses atores, que
estruturam as relações (THIRY-CHERCHES, 2006, p. 35).
O campo, assim como o habitus, é uma abstração, um conceito científico “não são
estruturas fixas” (BOURDIEU, 2001, p. 129). Porém, em linhas gerais, o habitus seria tanto a
internalização da estrutura social, quanto operacionalização desse agente dentro dessa estrutura,
o externo, e o campo seria o conjunto dessas estruturas sociais, essa ação dos agentes ocorrem
dentro de certas regras que estão dentro desse campo. Dessa forma, Bourdieu acrescenta que:
O que determina a existência de um campo e demarca os seus limites são os interesses
específicos, os investimentos econômicos e psicológicos que ele solicita a agentes
dotados de um habitus e as instituições nele inseridas. O que determina a vida em um
campo é a ação dos indivíduos e dos grupos, constituídos e constituintes das relações
de força, que investem tempo, dinheiro e trabalho, cujo retorno é pago consoante a
economia particular de cada campo (BOURDIEU, 1987, THIRY-CHERCHES, 2006,
p. 36)
Bourdieu notou que as pessoas, dentro de uma organização como igrejas, instituições
militares, escolas, etc, tendiam a agir de uma certa maneira, utilizavam certos comportamentos
33
referentes aquele espaço, então usou o conceito de campo para fazer alusão a essas instituições,
onde esses espaços se caracterizavam por agentes que possuíam um mesmo habitus. Dessa
forma, concluiu que o campo estruturava o habitus e este compõe o campo (BOURDIEU, 1992;
DORTIER 2002 apud THIRY-CHERCHES)
A definição de Bourdieu (2005, p. 30) sobre campo faz referência a um “campo de
forças dentro do qual os agentes ocupam posições que, estatisticamente, determinam as
posições que eles tomam com relação ao campo, sendo estas tomadas de posição destinadas à
conservação ou à transformação da estrutura de forças constitutiva do campo.” De acordo com
o autor as pessoas pertencentes a determinados campos, tendem a agir de acordo com as regras
explícitas e/ou implícitas pertencentes aquele campo.
Para ilustrar melhor o conceito de campo, usaremos um campo de futebol como
exemplo. Dentro do campo de futebol existem regras e cada agente tem um papel, espera-se
que o zagueiro defenda, o atacante faça gol, o goleiro agarre a bola, o técnico oriente o time,
etc, essas são as regras do jogo, essas regras só valem para o campo futebol, não valem para
outro esporte. Essas regras nem sempre estão explícitas, elas já foram estruturadas tacitamente
no agente, ou seja, estes já possuem um habitus de atuação nesse esporte, já internalizaram
quais ações devem realizar naquele espaço.
Vale ressaltar que alguns comportamentos são consensuais, e Bourdieu chama esse fato
de doxa. Isso ocorre porque “uma das propriedades importantes de um campo reside no fato de
haver nele o impensável; quer dizer coisas que nem sequer se discutem” (BOURDIEU, 1984,
p. 87). Um conjunto de pressuposições subentendidas que organizam a ação dentro do campo,
as regras do jogo, por assim dizer. “A doxa é aquilo sobre o que todos os agentes estão de
acordo” (THIRY-CHERCHES, 2006). Agentes no mesmo campo tenderão a compartilhar um
conjunto de regras condutoras, como exemplo, usar somente os pés para jogar futebol, é
consensual, todos concordam sem questionar. “A doxa contempla tudo aquilo que é admitido
como “sendo assim mesmo”: os sistemas de classificação, o que é interessante ou não, o que é
demandado ou não” (BOURDIEU, 1984 apud THIRY-CHERCHES, 2006).
Bourdieu também ressalta que o campo
Se particulariza, pois, como um espaço onde se manifestam relações de poder, o que
implica afirmar que ele se estrutura a partir da distribuição desigual de um quantum
social que determina a posição que um agente específico ocupa em seu seio. Bourdieu
denomina essa quantum de capital social (BOURDIEU, 1983, p.21)
Nesse sentido, a estrutura dos campos é constituída pelas relações de poder, e essas
relações se dão de forma desigual, ou seja, existem polaridades que só tem significado na
34
desprovidos se arriscarão na subversão das regras desse campo. Sendo assim, “todo campo vive
o conflito entre os agentes que o dominam e os demais, isto é, entre os agentes que monopolizam
o capital específico do campo, pela via da violência simbólica (autoridade) contra os agentes
com pretensão à dominação (BOURDIEU, 1984 apud THIRY-CHERCHES, 2006, p. 37).
Nesse campo de lutas, conflitos e competições, emerge a imposição da autoridade, pelos
detentores do capital, através da violência, geralmente essa violência se manifesta de forma
implícita, violência simbólica, o que provoca inconscientemente concordância por parte dos
dominados nessa arena. Sobre essa dominação, Bourdieu destaca que:
Dessa forma, Bourdieu (1996) conclui que não existe uma dominação com uma luta
direta, aberta, explícita como se fosse “classe dominante” versus “classe dominada”, o que
existe é produto de uma série de ações da classe dominante que inculcam na classe dominada
uma mudança de comportamento sem que elas mesmas se dê conta, ou seja, mudam suas ações,
pensamentos e passam a agir de forma natural.
O sistema de ensino francês foi amplamente analisado por Bourdieu na década de 60.
Seu posicionamento pessimista, foi uma afronta ao pensamento positivo em relação a educação
na época. Em sua obra Les heritiers, publicado em 1964 conjuntamente com Jean-Claude
Passeron, Bourdieu inicia suas análises sobre o mundo social e o sistema de ensino. Os autores
vão de encontro a visão meritocrática e otimista vigentes na década de 1950, criticam o sistema
de ensino e o acusam de ser um aparelho de reprodução das desigualdades sociais, contestam a
ideia dos dons naturais e ressaltam que o sistema de ensino é um meio de aculturação dos jovens
provenientes das camadas populares (MENDES; SEIXAS, 2003).
Em suas análises, Bourdieu tenta desviar tanto do objetivismo quanto o subjetivismo na
análise dos fenômenos educacionais. Para o autor, o indivíduo “é socialmente configurado em
37
O autor ressalta que essa bagagem cultural denominada por ele de herança familiar, é
trazida por cada pessoa para o sistema de ensino, do seu ambiente familiar ou da classe à qual
pertence, esse conjunto de disposições que vão conduzir suas ações nos campos a que terá
acesso, principalmente no campo educacional, que determinarão seu sucesso ou fracasso na
carreira estudantil.
Através de sua percepção, o autor identificou que as capacidades individuais nada tem
a ver com os dons naturais, disseminado pela visão funcionalista. Portanto, em relação ao
sucesso ou fracasso escolar, Bourdieu (2007) por meio de sua análise sociológica esclarece que
as diferenças no destino escolar dos alunos não se relaciona a diferença de dons individuais.
Nesse sentido, Bourdieu enfatiza através de sua explicação sociológica que essa herança
familiar e cultural, que exerce sobre o indivíduo uma forte influência no seu desempenho
escolar, estaria sendo legitimado pelo sistema de ensino como uma aptidão inata, mérito ou um
dom individual adquirido desde o nascimento, teoria que posteriormente seria criticada pelo
autor.
Deste modo, o nível cultural repassado pela família faria a diferença na escalada de um
futuro promissor, quanto maior o capital cultural da família mais chances de sucesso o aluno
38
teria. Para Bourdieu (2007, p. 41) “um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais
chances de entrar na Universidade que um filho de um assalariado agrícola e quarenta vezes
mais que um filho de um operário, e suas chances são, ainda duas vezes superiores àquelas de
um jovem de classe média.”
Sobre a importância do capital cultural, no livro A Escola Conservadora: as
desigualdades frente à escola e a cultura, o autor expõe que a influência do capital cultural é
muitas vezes perceptível na relação nível cultura global da família e o êxito escolar dos filhos.
Bourdieu exibe uma pesquisa realizada por Paul Clerc que mostrou que,
Com diploma igual, a renda não exerce nenhuma influência própria sobre o êxito
escolar e que, ao contrário, com renda igual, a proporção de bons alunos varia de
maneira significativa segundo o pai não seja diplomado ou seja bachelier, o que
permite concluir que a ação do meio familiar sobre o êxito escolar é quase que
exclusivamente cultural. (BOURDIEU, 2007, p. 42).
Dessa forma, observa-se que independente da renda da familiar ser igual ou não entre
os membros, o que será definidor na vida das crianças, para seu sucesso ou fracasso escolar,
será o nível cultural global da família.
Como foi abordado acima, a família repassa para o indivíduo vários capitais como o
econômico, o social, o simbólico e o cultural, porém para Bourdieu a importância maior é dada
ao capital cultural, este teria um valor fundamental no destino escolar.
Nogueira e Nogueira (2009) analisando a teoria de Bourdieu, destacam que os outros
tipos de capitais funcionariam como um suporte para se acumular capital cultural. Como
exemplo, os autores citam o contato do indivíduo com pessoas que compreendem e tem
familiaridade com sistema de ensino, elas trariam informações importantes sobre a estrutura e
o funcionamento da escola, deixando o aluno em larga vantagem sobre os outros. No caso do
capital econômico, outro exemplo, é que ele dá acesso a estabelecimentos de ensino, eventos
culturais caros, a viagens de estudo. Contudo, o aproveitamento educacional dessas
circunstâncias só seria possível se o aluno tiver possuído capital cultural antecipadamente.
Para Nogueira e Nogueira (2009, p. 21), “cabe desde já, observar que, do ponto de vista
de Bourdieu, o capital cultural constitui (sobretudo, na sua forma incorporada) o elemento da
bagagem familiar que teria o maior impacto na definição do destino escolar”. Portanto, o capital
cultural trazido como herança familiar pelo agente seria um diferencial no seu desempenho
escolar. “A influência do capital cultural se deixa apreender sob a forma da relação, muitas
vezes constatada, entre o nível cultural global da família e o êxito escolar da criança”
(BOURDIEU, 2007, p. 42).
39
a intuição das derrotas e êxitos e, principalmente, as avaliações dos professores, que consciente
ou inconscientemente, julgam não somente os resultados escolares, mas a origem social do
aluno, acabam influenciando nas escolhas dos pais.
Assim, cada classe investiria nos seus sucessores com uma certa análise do contexto ao
qual vivem, demandando uma parcela de maior ou menor esforço, dependendo da classe social
a qual pertencem. Por exemplo, as elites econômicas não precisam investir tão pesadamente em
seus filhos, já as classes médias que, geralmente, mantém suas posições na estrutura em
decorrência de sua certificação escolar, necessitariam de um investimento mais efetivo
(NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).
Os investimentos na vida escolar dos filhos, teria como base a realidade de cada classe
social. Para Bourdieu, a classe popular, com escassos recursos econômicos e culturais, tenderia
a investir de forma moderada no sistema de ensino, pois percebem em suas experiências que as
histórias de sucesso são incertas, para tanto é preciso possuir certa bagagem de capital para se
manter e adquirir um bom desempenho. E mais, o retorno desse investimento se dá a longo
prazo, o que demandaria das famílias um suporte financeiro e uma espera maior para entrada
no mercado de trabalho, haja visto, que as classes populares tem pressa para que seus filhos
comecem a trabalhar para ter seu recurso financeiro (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).
Diante desse contexto, as classes populares deixariam a livre escolha e adotariam o que
Bourdieu chama de “liberalismo” para o percurso estudantil dos filhos. O comportamento dos
pais não seria de acompanhamento incisivo, e muito menos exigente em relação ao sucesso
escolar, aceitariam que os filhos conseguissem alcançar o máximo que pudessem, tenderiam a
valorizar os caminhos escolares mais curtos para adquirir um certificado para dar entrada no
mercado de trabalho.
De outro modo, para Bourdieu (2007) essa posição de livre escolha pelas classes
populares em relação ao destino escolar, também se deve em função da realidade apresentada
aos membros das classes pelas estruturas sociais, ou seja, “as aspirações e as exigências são
definidas, em sua forma e conteúdo, pelas condições objetivas, que excluem a possibilidade de
desejar o impossível”. Condições estas que refletem nos indivíduos um sentimento de
inferioridade, como se não tivessem capacidade de conseguir certos níveis de instrução, e não
pertencimento a determinados espaços.
O autor adverte que os filhos das classes populares que conseguem chegar ao ensino
superior, provém de família que possuem uma diferenciação das demais ou pelo seu capital
cultural global ou pelo tamanho da família, haja visto que as chances de conseguir esse feito é
41
de quarenta vezes mais forte para um filho da elite do que para um filho da classe popular
(BOURDIEU, 2007).
Observa-se nesse contexto que a incerteza do sucesso no mercado de trabalho, o alto
investimento na escolarização, a demora no retorno financeiro, e todas as outras exigências das
estruturas sociais, que fazem com que as famílias adotem a postura de livre escolha para seus
filhos no destino escolar, tornam os alunos dessa classe mais vulnerável ao fracasso, a
desmotivação, a evasão escolar, ao insucesso.
Já a classe média, possui outra postura em relação ao investimento escolar. Para eles a
educação dos filhos é vista como prioridade, e dessa forma, o investimento ocorre de forma
pesada e sistemática. Nogueira e Nogueira (2009) observam que esse comportamento advém
das maiores chances de ascensão por meio da educação. A classe média já possuiria um
considerável volume de capitais, o que lhe demandaria investimentos certos na vida escolar dos
filhos. Afinal, esse grupo social está nessa posição, em grande parte, por ter ascendido através
da escolarização, além do mais, alimentam a esperança de um dia se tornar parte da elite
econômica.
O efetivo investimento da classe média na educação dos filhos é compreensível, haja
visto que há uma certeza de retorno e uma maior possibilidade de mudança na posição da
estrutura social. Dessa forma, Bourdieu destaca que
Vale lembrar, que as famílias que pertencem a classe média também podem tomar
diferentes posturas frente a escolarização dos filhos, por exemplo, uma família que tem um
expressivo capital econômico e escasso capital cultural pode não priorizar tanto os estudos com
uma família que possui exclusivamente capital cultural (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009).
Por fim, a elite econômica e cultural, investiria nos seus filhos também de forma
intensiva, porém sem muita pressão, pois com o conjunto de capital econômico, social e cultural
que possuem dificilmente seus filhos teriam fracasso escolar. Mesmo assim, a elite não depende
do êxito dos seus filhos para ascender socialmente, ela já está no mais alto nível da estrutura.
Nesse caso, a escolarização dos filhos teria uma função de acesso a carreiras longas e
42
Nessa perspectiva, através de suas análises sobre o sistema de ensino francês, o autor
constatou que existia uma imposição e inculcação de uma cultura sobre a outra entre as classes
sociais, e que esse processo precisava ser descontruído para assim o sistema escolar, realmente,
ser um processo justo e democrático.
O autor identificou que dentro de uma sociedade de classes, onde os agentes que fazem
parte são separados entre burguesia e proletariado, existe uma diferença cultural que interfere
no movimento desses grupos. A primeira é detentora de um rico e completo capital cultural,
econômico, simbólico, social, que a impulsiona para a conservação e manutenção de seu status
quo dentro dos campos, já a segunda é detentora de características diferentes que trazem
consigo a bagagem que é repassada pelo seu grupo porém não suficiente para concorrer no
mesmo nível com a classe econômica, o que a faz lutar para modificar sua posição nessa
estrutura social.
Geralmente, o que se percebe é uma acomodação das classes desfavorecidas frente ao
sistema de ensino, que de acordo com Bourdieu e Passeron (1992, p. 213) na verdade o que se
verifica dessa relação que parece perfeita e harmônica, “é que as estruturas objetivas produzem
os habitus de classe, e em particular as disposições e as predisposições que, gerando as práticas
adaptadas a essas estruturas, permitem o funcionamento e a perpetuação dessas estruturas.”
Dessa forma, para manutenção de seu status quo, a elite elabora estratégias para
dominar e manipular as outras classes, como detentora do poder, legitima sua cultura para que
outras a tenham como referência.
Porém a forma de dominar não teria que ser imposta explicitamente, através da força
física ou psicológica, ela precisava ser dissimulada, mascarada, percebida como neutra e
original, aceita com naturalidade por todos, para que os indivíduos não percebessem sua
invasão. Portanto, buscou-se através de um poder exercido na sociedade manipular o sistema
de ensino para disseminar esse processo de dominação cultural.
Sendo assim, usou-se o que Bourdieu destaca como um poder exercido de maneira
implícita na sociedade, “um poder que está por trás, escondido nas entrelinhas e que é cunhado
com este propósito. Quando reconhecido, estamos diante do poder simbólico (BOURDIEU,
1989, p.7). Este poder está estruturado e entranhado em todos os espaços da sociedade como na
política, as religiões, as instituições escolares, nas artes, na linguagem, entre outros. Uma força
que se instala imperceptível e que através de sua imposição inconsciente, tem o consentimento
dos sujeitos dominados, se configurando uma violência simbólica.
44
Assim, Nogueira e Nogueira (2009), destacam duas formas de relação dos alunos com
a cultura e o saber, uma desvalorizada, que seria aquele aluno esforçado, estudioso, que busca
alcançar o mesmo nível da cultura legítima, através de sua perseverança. E o outro modo
valorizado, que se caracteriza pelo aluno brilhante, talentoso, inteligente, que não demonstra
dificuldades, desde muito cedo, para aprender os códigos repassados pela escola.
Para Bourdieu, o sistema de ensino exalta o aluno que adota a segunda forma de se
relacionar com a cultura, haja visto, que essa postura não é percebida pela escola como herdada
do ambiente familiar ou das classes sociais, mas sim como um dom natural, inato, uma
habilidade biológica (NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2009). Nessa perspectiva, a instituição
escolar reforça as desigualdades sociais favorecendo os beneficiados e desfavorecendo os
prejudicados.
A difícil tarefa de se ajustar a ideologia dominante implementada pelo sistema de ensino,
provoca na vida do aluno consequências desmedidas, pois este será deixado de lado, a margem
do sistema de ensino e essa exclusão provocará no estudante sentimentos de inferioridade,
menosprezo, incapacidade, medo, insegurança, baixa autoestima, o que ocasionará fracasso na
sua carreira escolar. Para Bourdieu, a imposição da cultura dominante pela ação pedagógica é
recebida pelo dominado com dificuldades, pois
[...] assume, muitas vezes, a forma da emoção corporal (vergonha, timidez, ansiedade,
culpabilidade), em geral associada à impressão de uma regressão a relações arcaicas,
aquelas características da infância e do universo familiar. Tal emoção se revela por
manifestações visíveis, como enrubescer, o embaraço verbal, o desajeitamento, o
tremor, diversas maneiras de se submeter, mesmo contra a vontade e a contragosto,
ao juízo dominante, ou de sentir, por vezes em pleno conflito interior e na “fratura do
eu”, a cumplicidade subterrânea mantida entre um corpo capaz de desguiar das
diretrizes da consciência e da vontade e a violência das censuras inerentes às estruturas
sociais. (BOURDIEU, 2001, p. 205).
Não adianta garantir vagas para todos nas escolas, se seus métodos pedagógicos estão
impregnados de um processo de negação cultural, e imposição de uma cultura elitista,
dominante. “Por mais que se democratize o acesso ao ensino por meio da escola pública e
gratuita, continuará existindo uma forte correlação entre as desigualdades sociais, sobretudo,
culturais, e as desigualdades ou hierarquias internas ao sistema de ensino” (NOGUEIRA;
NOGUEIRA, 2009, p. 32)
A escola precisa perceber que não se trata de um esforço individual ou pessoal para
conseguir o sucesso escolar, mas sim de todo um contexto que envolve as macroestruturas e
estruturas sociais, e que esse aluno está inserido nesse processo, ele é apenas o produto de uma
conjuntura social.
47
Dessa forma, o aluno que não se encaixar nessa lógica, manifestará de alguma forma
sua repulsa a uma cultura que não lhe pertence e este poderá estar fadado ao insucesso e ao
fracasso escolar. Precisamos mudar essa lógica, e para isso é necessário um conjunto de
mudanças sobre a práticas das instituições escolares.
48
Boa parte dos alunos atendidos pela escola depende do transporte escolar, por causa da
distância da escola até a localidade onde moram. No turno da manhã 90% dos alunos são das
ilhas do município que migram para a cidade para estudar, à tarde e à noite a maioria são dos
bairros periféricos (Projeto Político Pedagógico, 2013).
A estrutura física da escola compreende 08 salas de aulas, sendo duas climatizadas e
seis com ventiladores, 01 sala da direção, 01 sala da secretaria, 01 sala de professores, 01 sala
de biblioteca, 01 quadra poliesportiva, 01 copa/cozinha, 01 refeitório, 01 sala de arquivo, 02
banheiros (um masculino e um feminino, cada um com três boxes), 01 banheiro dos
funcionários. A instituição conta com equipamentos de apoio como: data show, aparelho de
som, TV, DVD, além de uma rádio escolar. A merenda está sendo oferecida regularmente aos
alunos.
A escolha do local deu-se pelo alto índice de violência ocorridos na referida instituição,
as ocorrências são registradas no Centro de Referência de Assistência Social, órgão de proteção
e defesa da criança e do adolescente do município, também utilizou-se o Livro de Ocorrência
da instituição para levantamento dos dados sobre a violência escolar.
Além da violência no contexto escolar, algumas situações fogem do controle do meio
educacional pela localização no centro da cidade e em frente às praças, a escola participa direta
e indiretamente dos eventos de grandes movimentos na cidade, como: carnaval, férias de julho,
festividades dos santos padroeiros da cidade, feiras culturais, jogos de futebol.
Próximo à instituição funciona um ponto de encontro de jovens e adolescentes da escola
e de outros lugares. A música alta atrapalha as atividades, além disso, alguns alunos já foram
vistos fazendo tatuagens e consumindo bebidas alcóolicas e outras drogas no local durante o
horário de aula.
Nos últimos anos, a instituição vem apresentando um elevado índice de fatos que fogem
da rotina escolar e em 2013 a direção criou um livro de ocorrências, onde se registram todos os
acontecimentos relevantes da escola, e este foi disponibilizado para análise e levantamento dos
dados desta pesquisa. O livro corresponde ao segundo semestre de 2013 e ao primeiro e segundo
semestre de 2014. De acordo com o livro, foram registrados 70 ocorrências que envolvem
situações violentas ou transgressão de regras da instituição, dentre as quais destacam-se:
violência física entre alunos, bullying, violência de alunos ao professor, porte de armas, danos
à escola, porte e venda de drogas, violência a funcionários de apoio, fugas pelo muro da escola.
51
Walter está morando há 3 anos na cidade de Cametá junto com sua mãe e sua irmã de
24 anos em uma residência alugada em um bairro do centro da cidade, até os 11 anos morou
em uma Vila no interior do município, já repetiu três vezes a quinta série. Mudou-se para a
cidade em decorrência dos estudos, pois sua mãe entende que na cidade o estudo é mais “forte”,
seu pai sabe ler e escrever, trabalha como agricultor e mantem a família na cidade, sua mãe tem
ensino médio completo, é dona de casa e recebe a transferência de renda do Programa Bolsa
Família. Walter tem como referência familiar nos estudos sua irmã que já concluiu o Ensino
Médio e faz cursos no Instituto Federal do Pará, a mesma o incentiva a seguir os estudos.
“Minha irmã, ela incentiva e fala que eu tenho que estudar pra depois não ter que
seguir um caminho ruim”
(Walter, 14 anos)
Além disso, Walter relata que tem uma atividade a desenvolver em sua casa quando
chega do colégio
“De manhã acordo me arrumo e venho pro colégio, depois do colégio eu ajudo em
algumas coisas lá, em varrer a casa, arrumar as coisas por lá, ajudar ela fazer o
almoço”
(Walter, 14 anos)
A participante Rita, mora com seu pai, mãe e seus dois irmãos em residência própria na
zona ribeirinha do município de Cametá, seu pai tem nível superior completo e trabalha como
diretor da escola de sua localidade, seu avô paterno também foi professor, sua mãe é dona de
casa e estudou até o sétimo ano. Sua irmã mais velha está no Ensino médio e o irmão do meio
está no oitavo ano junto com ela. Rita diz que nunca reprovou e nem repetiu de série, tem seu
pai como principal referência nos estudos e relata que a família tem uma renda mensal de mais
de um salário mínimo. Sobre suas atividades atuais e o percurso feito de sua casa até a escola
na cidade a aluna descreve que acorda de madrugada pois o transporte escolar (barco) passa
bem cedo.
“Umas seis e quinze, seis e meia [...] Cinco e meia que eu me acordo, eu com meu
irmão, todo dia”
53
“Assim, eu acordo bem cedo pra vim pra escola, aí chega aqui eu saio meio dia e
pouco quando saio de lá do barco pra ir de volta pra casa chego almoço, não consigo
dormir de tarde, ou eu fico fazendo alguma coisa, assistindo televisão, escutando
música, aí de tarde tem vez que eu brinco bola, e é isso”
(Rita, 13 anos)
“Acordo, aí eu faço as coisas em casa, cuido do meu irmão, aí venho pra escola,
quando chego da escola, aí eu vou pra igreja com o papai, aí é só”
Já Otávio, mora na zona ribeirinha do Município de Cametá juntamente com seu pai,
sua mãe e sua irmã, a residência também serve de moradia para as famílias dos seus tios e avós
paternos. O pai sabe ler e escrever e trabalha com extração de açaí (fruta típica da região), sua
mãe sabe escrever, mas não sabe ler, também trabalha com a extração de açaí e recebe a
transferência de renda do Programa Bolsa Família, a sua irmã está no nono ano do Ensino
Fundamental, a renda da família é de menos de um salário mínimo. O adolescente já repetiu de
54
série uma vez e tem seus avós e seus pais como referências nos estudos. Uma característica que
se destaca no participante Otávio é o seu sotaque carregado, típico de moradores do interior
cametaense. De acordo com o adolescente ele tem uma rotina intensa fora do ambiente escolar.
“Olha fessô, quando eu chego da escola, eu almoço, descanso, vou pro campo, faço
minhas atividades, ajudo meu avô, carregar as coisas que ele não dá conta, apanho
açaí”
(Otávio, 15 anos)
Por fim, Kele é moradora da zona ribeirinha, quarta de uma prole de oito filhos, seus
pais são separados, mora com o pai que trabalha como padeiro em uma panificadora, sabe ler e
escrever, sua mãe é dona de casa e estudou até a quinta série. A adolescente nunca repetiu a
mesma série e tem o primo, que é professor, como referência nos estudos. Sua família tem uma
renda de mais de um salário mínimo e sua rotina é tranquila quando está na sua casa.
“Assisto televisão e durmo, só isso...chego da escola, almoço, aí depois eu
descanso...eu ajudo as vezes o papai lá”
(Kele, 15 anos)
Vale ressaltar que em se tratando de um assunto que aborda violência, um tema que nem
todos se sentem à vontade para falar, todos os participantes que se dispuseram foram muito
solícitos e demonstraram interesse em responder as perguntas. Para tanto, adotou-se uma escuta
qualificada e sensível para estabelecer um vínculo de confiança entre entrevistador e o
entrevistado. O único critério de exclusão foram alunos com limitações psicocognitivas, que
dificultem a participação no estudo.
Nos dois períodos utilizamos uma postura de observação e não intervenção na rotina da
escola. Apesar de que apenas a presença do pesquisador na instituição já desperta a curiosidade
dos agentes, porém buscou-se não intervir nas situações vivenciadas pelos alunos, ou seja, não
interferir no ambiente natural. Essas observações ajudaram na realização das análises dos
conteúdos coletados pelo instrumento de coleta de dados, a entrevista semiestruturada.
acrescentar indagações sobre as experiências dos alunos para que tivéssemos um volume de
dados expressivos para nossa posterior análise.
No momento da entrevista todos os aspectos foram levados em consideração: tom de
voz, linguagem não verbal, apresentação, comentários. Essas informações foram transcritas e
analisadas na fase de análise dos dados. Cada entrevista teve a duração de aproximadamente 30
minutos e com a permissão dos participantes foi gravada para posterior transcrição, além da
gravação foi utilizada anotações escritas pelo pesquisador.
colhido e categorizado dos participantes, nessa fase deu-se abertura também para o surgimento
de novas visões teóricas que surgissem, além das propostas no texto. (MINAYO, 2007).
58
A violência é um assunto que transcorre os meios sociais de modo assustador, faz parte
dos noticiários e da vivência em sociedade. É constituída por atitudes, comportamentos que
ferem, machucam e geralmente abalam os aspectos emocionais e psicológicos do outro.
Geralmente é praticada nos diversos contextos da sociedade, mas em um específico tem tomado
proporções preocupantes, é o caso da escola.
Em se tratando do tema violência, frequentemente estamos acostumados a nos deparar
com a do tipo descrita, aquela que se mostra nas relações, uma violência percebida e praticada
de forma aberta e aparente através de agressões verbais, físicas e psicológicas. No entanto, nessa
pesquisa optamos por destacar uma violência que não se mostra, praticada de forma
naturalizada nos diversos contextos, que envolve mais do que as relações sociais, envolve as
estruturas e macroestruturas sociais, escolhemos a violência simbólica exercida no sistema de
ensino como problemática a ser estudada.
Trata-se de violência simbólica, práticas de condutas invisíveis, sutis, que não se
mostram, naturalizadas nas relações de forma que nem mesmo a própria vítima consegue
identificar, ocorre nas relações sociais entre os agentes que constituem um determinado espaço.
A naturalidade com que ocorre essa violência e a não percepção dos agentes que sofrem,
acarreta significativas consequências para a vida estudantil dos mesmos.
Dessa forma, o tema foi eleito para ser problematizado e será analisado nas falas dos
alunos que participaram do estudo, como forma de desvelar e descortinar tal violência. Com
este propósito, procurou-se identificar a percepção dos estudantes, que fazem parte de uma
realidade escolar da zona urbana do Município de Cametá/Pa, sobre a violência simbólica.
Nossas análises estão apoiadas nos pressupostos teóricos do sociólogo francês Pierre Bourdieu
já discutidas ao longo dos capítulos dessa pesquisa.
Após os procedimentos de coleta de dados, organizou-se as respostas das entrevistas de
modo que o leitor pudesse apreender a percepção dos alunos através das informações coletadas
e categorizadas, no sentido de agrupar as informações e diminuir a quantidade de informação,
ou seja, dar ênfase ao que era mais relevante para responder aos objetivos da pesquisa. Assim
diz Minayo (2007), que a categorização consiste num processo de redução do texto às palavras
e expressões significativas.
Sendo assim, o presente capítulo apresenta o resultado da pesquisa através das análises
realizadas sobre as informações coletadas dos participantes. Foram organizados os dados
59
colhidos em quatro categorias que apresentaram maiores ênfases nas falas dos participantes,
sendo que duas delas se desdobram em mais uma subcategoria, para atingirmos os objetivos da
pesquisa.
Portanto, elegeu-se como categorias a serem analisadas, a relação de poder, linguagem
e a cultura, a violência simbólica do sistema de ensino, a percepção dos alunos sobre a escola e
sobre a educação e as ações pedagógicas que combatem a violência simbólica. Nas duas
primeiras categorias foram analisadas duas subcategorias dando ênfase aos impactos
psicológicos e sociais na vida dos alunos. O conteúdo colhido permitiu-nos realizar uma análise
das percepções dos participantes e identificar aspectos até então escondidos, velado através da
violência simbólica. Dessa forma, as falas permitiram problematizar a violência simbólica no
espaço escolar e nessa linha de pensamento apresentamos abaixo os resultados.
Desde o nascimento, o ser humano está imerso em relações sociais, é fato que este não
sobrevive sem esta interação. A medida em que se desenvolve transforma-se nesse ser social
que vai aprendendo a lidar com os atravessamentos que envolvem o convívio em sociedade.
Nesse processo de socialização os seres humanos dependem do ponto de vista do outro, ou seja,
do reconhecimento dado pelas pessoas que estão a sua volta, e por isso precisa desenvolver
diariamente a “luta simbólica pelo reconhecimento, pelo acesso a um ser social socialmente
reconhecido, ou seja, numa palavra, à humanidade” (BOURDIEU, 2007 p. 295).
O sistema de ensino é um dos dispositivos que desperta nas crianças e adolescentes,
desde muito cedo, a construção de características para esse convívio em sociedade, seja através
da interação com os colegas, da aprendizagem, da relação com o professor ou das avaliações.
Cabe a nós, pesquisadores, questionarmos esse aluno para descobrir como está sendo
vivenciado por ele esse processo.
Sendo assim, no presente estudo nossa intenção foi justamente captar a percepção dos
estudantes sobre sua experiência de vida em relação a esses elementos que estão em construção
durante seu desenvolvimento como ser social, dando um enfoque significativo para a violência
simbólica. No sentindo de trazer à tona o escondido, o não percebido, o fenômeno que acontece
no meio, mas que ninguém vê, apenas vivencia seus efeitos.
60
Nessa categoria iremos falar sobre dois fortes aspectos que apareceram enfaticamente
nas respostas dos entrevistados, que estão diretamente relacionadas às relações traçadas no
contexto escolar e por sua vez influenciam as vivências de cada agente no sistema de ensino:
estamos nos referindo ao poder e a linguagem.
O poder é um fenômeno exercido na sociedade que faz parte do nosso dia a dia, de forma
transparente ou velada, que influencia, manda, impõe, impera, e que está permanente no meio
social, entranhado nas instituições diluído nas relações. Na perspectiva de Bourdieu (1989, p.7)
o poder é caracterizado como um “círculo cujo centro está em toda parte e em parte alguma”.
Além disso o autor salienta que o poder pode ser exercido de forma simbólica, porém é
necessário consentimento dos indivíduos que estão sendo afetados ou que estão exercendo o
poder. Nesse sentindo, “esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU,
1989, p.7).
Já a linguagem é um dos meios de comunicação mais utilizado nas relações entre os
seres humanos, seja de forma verbal, não verbal, através de signos. Sem a linguagem
dificilmente as relações sociais aconteceriam, pois também é através dela que se cria os
processos de interação. O poder e a linguagem tem muito em comum, pois a linguagem é
também utilizada como uma forma de poder, de dominação, imposição e de transmissão, como
afirma Bourdieu (1983, p. 160-161) quando diz que “a língua não é somente um instrumento
de comunicação ou mesmo de conhecimento, mas um instrumento de poder. Não procuramos
somente ser compreendidos mas também obedecidos, acreditados, respeitados, reconhecidos.”
Os primeiros contatos do ser humano com a linguagem geralmente é no ambiente
familiar, dentro de casa. É nesse espaço que se forma as concepção e desenvolve-se a linguagem
que é tida como correta, porém a medida em que o indivíduo sai do espaço familiar e adentra o
sistema de ensino percebe que existe outra forma de linguagem, além da forma que ele até então
tinha conhecido.
O campo escolar, tem como objetivo a aquisição de conhecimentos, capital cultural,
simbólico, e para tanto a linguagem ensinada e eleita como oficial nesse espaço é a língua culta,
formal, erudita, repassada pela classe dominante. Portanto, os agentes que detém a norma culta
ou se aproximam dessa forma de expressão linguística terão mais chances de alcançar posições
mais elevadas na estrutura escolar.
61
Dessa forma, nesse contexto escolar os agentes percebem que a língua que outrora era
tida como correta, original, falada por eles, é colocada em segundo plano, pois a escola passa a
ensinar gramaticalmente a linguagem formal, língua culta.
Assim, emerge no indivíduo uma percepção de que sua forma de falar nesse novo espaço
não é bem aceita, a linguagem aprendida no seu contexto familiar, sua forma de falar praticada
diariamente, é colocada em segundo plano, ou seja, é desvalorizada, é tida como a forma
“errada”.
Dito isso, deu-se destaque na entrevista a esses aspectos levando em consideração a
extensão territorial e a diversidade cultural e linguística do município de Cametá/Pa. Também
verificou-se como essas relações estão acontecendo do ponto de vista da linguagem, no contexto
de uma escola da zona urbana, onde grande parte dos alunos são ribeirinhos que se deslocam
dos interiores para estudar na instituição.
Algumas considerações são necessárias para um melhor entendimento das análises que
irão ser traçadas. No Município de Cametá existe uma diferenciação de espaços, onde os grupos
criam culturalmente suas representações simbólicas particularizadas, esse fato é denominado
por Bourdieu de Campo Social de Produção Simbólica.
Essa característica é comum a sociedade, pois para ele os campos são diferentes espaços
que possuem estrutura própria e leis, regras que o regem, e agem de forma independentes a
outros campos. São microcosmos autônomos no interior do mundo social. Todo campo se
caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus. O campo estrutura o habitus e o habitus
constitui o campo (BOURDIEU, 1992, 102-103).
Todos os campos que constituem o município tem em seus agentes características em
comum, ou seja, o objetivo de ascensão na estrutura social, que Bourdieu identifica como a luta
pelo poder simbólico em disputa nos campos (BOURDIEU, 2003), isto é, todos os agentes
sejam dos campos ilhas, dos campos vilas, dos campos estradas, do campo cidade, lutam pelas
mudanças de posições na estrutura do seu campo e todos possuem determinados níveis de
capital e habitus específicos de acordo com sua realidade social.
Nessa perspectiva, quando um agente de um campo tenta adentrar outro, podemos citar
exemplificando um agente do interior, que já possui o capital linguístico do seu campo, vem
estudar em uma escola da cidade, uma vez que na sua visão nessa escola há possibilidade de
alcance de sua ascensão dentro da estrutura social, ou que, o sistema de ensino não lhe oferece
a estrutura suficiente na sua localidade para que o agente possa lutar pelas suas posições, é
62
necessário que este assimile todas as regras impostas e enfrente todo o processo de luta dentro
desse novo campo.
Para tanto, é necessário que ele adquira o que Bourdieu (1983, p. 182) chama de “habitus
linguístico – capacidade de utilizar as possibilidades oferecidas pela língua e de avaliar
praticamente as ocasiões de utilizá-las”.
Além da linguagem, essa adaptação exige do agente uma percepção de todos os aspectos
do novo campo necessários para que os seus interesses sejam conquistados, pois de acordo com
Martins (1990, p. 66) “é característico do campo possuir suas disputas e hierarquias internas,
assim como princípios que lhe são inerentes, cujos conteúdos estruturam as relações que os
atores estabelecem entre si no seu interior.
Portanto, as questões foram feitas a todos os participantes e a maioria relatou que já
haviam passado por situações como essa, uns mais e outros menos, porém que ficaram
registrados nas suas memórias. Percebeu-se através dos relatos, a imposição mesmo que velada,
diluída nas relações do campo escolar da cidade, o poder exercido através da linguagem entre
os alunos.
Para os participantes foi perguntado se na escola alguém já havia corrigido sua forma
de falar? De que forma? Em que situação? Como se sentiu? e que atitude tomou? às respostas
foram as seguintes:
“meus colegas sim, quando eu falava alguma palavra errada eles me corrigiam, as
vezes. (colegas da onde?)[...] da minha sala”
(Esther, 13 anos)
“Já (risos), foi a minha colega, porque eu nasci em Tucuruí né, puxava o “s”, aí ela
veio falou que não era pra eu ficar falando desse jeito, falava assim meio cametaense,
ai eu comecei falar, mesmo porque eu nasci e depois a gente veio morar prá cá[...]
Eu nasci em Tucuruí, e com uns 5 anos vim morar pra cá”
(Carla, 13 anos)
“Já, que diante eu falava meu “r” meio torto, meu sotaque era diferente, eles me
caçoavam, agora eu falo direito... Quando eu falava fugão, aí eles falavam pra mim
é fogão, não é “fugão”. Aí eu não gostava. Eu nem falava quase com meus colegas,
eu não falava porque eu ficava com vergonha deles caçoarem de mim, rirem de mim,
que quando eles vinha pro meu lado eu me saia. Teve uma semana, que eu fiquei uma
semana sem falar com meu colega por causa disso, mas agora eu falo direito, eu não
tenho vergonha mais”
“Quando eu chegava da escola eu ficava treinando, falando direito, foi, foi até que
um dia eu aprendi”
(Otávio, 15 anos)
Cada indivíduo tem sua forma de falar, adquirido do meio familiar ou do contexto social
a qual pertence. Nestas colocações, percebeu-se nas falas da maioria dos estudantes que a
63
correção por outros colegas no seu modo de falar trazido de casa e do seu campo de atuação,
influencia diretamente na sua linguagem e no seu comportamento. A postura corretiva pode se
configurar como forma de menosprezar ou ridicularizar através da exposição a característica de
um habitus já constituído que não é aceito ou que não faz parte daquele campo.
Mesmo que de forma sutil ou não intencional, a linguagem de um outro campo é
rejeitada através de uma atitude de estranhamento do sotaque do outro, através de uma fala
despretensiosa que causa uma inquietação no indivíduo corrigido e que por sua vez lhe provoca
uma mudança de comportamento e pensamento, ou seja, a aquisição de um novo habitus.
Levando em consideração a história de vida dos participantes mencionados, constata-se
que os mesmos vieram de outros campos, do interior ou de outras cidades, e entraram no campo
escolar da zona urbana. Sendo que cada um trouxe consigo uma bagagem de informações, um
capital diferenciado que influenciará sua forma de lidar nesse novo campo.
Quando Bourdieu fala da dominação dentro de um campo, refere-se a tal situação
relatada pelos participantes, onde o capital linguístico trazido não é o mesmo valorizado dentro
desse campo escolar pesquisado, considerando que as posições no campo são definidas pela
posse dos capitais. Entende-se que esses participantes para almejarem posições de destaque
terão que correr atrás do capital linguístico reconhecido nesse campo, ou seja, esses serão
dominados através do poder simbólico exercido pelos agentes que já possuem o capital
valorizado.
A mudança de atitude frente a um novo campo é necessário para que o agente tenha
chances de sucesso. Dessa forma, “toda dominação simbólica supõe, por parte daqueles que
sofrem seu impacto, uma forma de cumplicidade que não é submissão passiva a uma coerção
externa nem livre adesão a valores” (BOURDIEU, 1996, p. 38).
Através desses fatos que ocorrem nas relações do dia a dia se confirmam os estudos
desenvolvidos por Bourdieu sobre esse poder que o autor chama de poder simbólico. Um poder
que se faz presente nas relações e se caracteriza como uma forma de impor uma cultura sobre
a outra de forma sutil e naturalizada, que é consentido pelos agentes sujeitos a ele, como afirma
Bourdieu (1989), o poder simbólico é invisível e só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que estão sujeitos a ele.
Para analisarmos os resultados é importante levar em consideração cada habitus
constituído de cada participante em seus contextos sociais e trazidos para esse novo campo,
para um melhor entendimento dos posicionamentos.
64
Como no caso de Carla e Otávio, que destacaram que foram corrigidos na forma de falar
seu sotaque, a primeira proveniente de Tucuruí/Pa1 e o segundo do interior cametaense. Nas
duas situações os alunos precisam mudar sua forma de falar, perder o seu sotaque e adquirir um
novo, ou seja, precisaram se despir de suas origens, seu antigo campo, e constituírem um novo
habitus, uma vez que nesse campo os capitais linguísticos são outros.
Constata-se assim a mudança de comportamento dos alunos para serem aceitos no novo
campo, ou seja, para serem reconhecidos pelos outros no espaço escolar. A linguagem
valorizada e instituída nesse campo pelos agentes é outra, está simbolicamente representada na
instituição escolar e os alunos reproduzem nas relações que vivenciam dentro desse espaço.
Essa luta pelo reconhecimento dentro de um campo está diretamente relacionada a aquisição do
capital simbólico, pois a partir desse acumulo de capital o agente percebe que poderá ter
credibilidade, notoriedade, reputação que necessita para seu sucesso dentro do campo.
Os dois alunos se policiavam para falar de acordo com a linguagem cametaense da
cidade para não sofrerem nenhum tipo de represália. A participante Carla sorria quando relatava
a situação vivenciada sobre a correção de sua fala, nesse sentido, percebeu-se uma naturalidade
no relato, como se ela tivesse que se adaptar a essa nova linguagem. O participante Otávio,
vindo do interior, destaca seu retraimento e dificuldade em manter suas relações no ambiente
escolar, chegando a fazer treinos em casa da linguagem falada na escola pelos outros colegas.
Aprofundando o diálogo com Bourdieu, fica evidente nessas situações a aceitação de
forma naturalizada da violência simbólica nesses alunos, a influência desse campo escolar
através da relação com outros alunos. Nessa mudança configura-se um aprendizado de uma
nova forma de se comportar, e nesse processo percebe-se a aquisição de uma mudança no
habitus desses agentes, ou seja, o habitus é o “produto da relação dos agentes sociais com
diversas modalidades de estruturas sociais” (CATANI, 2004, p. 4).
Pois o sistema de disposições que configura o habitus de um agente é caracterizado por
essa maleabilidade, uma forma de se adaptar ao meio, ou seja, aos diferentes campos. Essa
flexibilidade para mudanças e adaptações está baseada em todas as vivências do agente, tanto
passadas quanto presentes, que servirão de apoio para suas ações no campo. Sobre habitus
Bourdieu diz que se configura como:
[...]um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as
experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de
apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente
diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas. (BOURDIEU, 1983,
p. 65).
1
Tucuruí é um Município do Baixo Tocantins no Estado do Pará.
65
O capital cultura linguístico repassado pelos agentes que moram na cidade, foi
simbolicamente transferido aos agentes provenientes do interior, através dos seus
comportamentos que denotavam reprovação como olhares, falas, comportamentos não verbais,
brincadeiras, zoações. Dessa forma, o modo de perceber, de sentir, de pensar dos agentes do
interior foi modificado, passando a internalizar que a forma aceita, aprovada naquele campo era
a transmitida pelos colegas da cidade.
A estudante Rita, apresentou durante a entrevista um domínio da norma culta,
demonstrou firmeza nas respostas, é oriunda do interior; seu pai foi indicado como sua principal
referência nos estudos, o mesmo tem nível superior completo, é diretor de escola e professor.
Na colocação da aluna, ela destaca que o colega que lhe corrigia, tentava fazer com que ela
falasse de forma “errada” fora da norma culta a que ela falava, como confirmado pela resposta
abaixo:
“Já, assim, mas ele corrigia pro errado, sabe? Foi um menino, a gente falava certo,
mas ele que falava errado, ele corrigia pro errado.”
“Ah eu me sentia normal, porque ele que estava corrigindo pro errado, porque ele
que tava sendo..., não sei eu me sentia normal”
“Nisso que não fiz nada, porque acho que não era pra contar pra diretora”
(Rita, 13 anos)
Analisando esse contexto, percebe-se que o fato de Rita trazer consigo uma bagagem
cultural e linguística valorizada pelo campo escolar pesquisado, denota um receio pelos agentes
que já compõe o campo. Possivelmente a adolescente pode ser uma ameaça a suas posições na
estrutura desse campo, no sentindo de que ela poderá ter facilidade de alcançar outros níveis na
estrutura do campo ou sistema de ensino. Dessa forma, os alunos tentavam constranger a
participante na sua forma de falar, fazendo com que ela usasse expressões que não condiziam
com a valorizada.
Além disso, outro fator que chamou atenção no caso dessa participante foi sobre a
herança familiar, haja vista, que a adolescente tem seu pai, que tem um elevado grau de
instrução, como grande referência nos estudos. Constatou-se que essa aluna possui um
significativo capital cultural, além de grande influência familiar. Dessa forma, Bourdieu (2007)
afirma que a família tem importante papel no repasse do capital cultural e sistema de valores
implícitos para seus filhos, esse repasse se dá mais de forma indireta do que direta, e que irão
nortear seus posicionamentos frente ao capital cultural e ao sistema de ensino.
66
(Otávio, 15 anos)
Nesse sentido, através dos relatos pudemos identificar quais posições eram ocupadas
pelos agentes sociais no campo escolar, como se dava a relação interpessoal dos estudantes, a
formação de grupos e a identificação com os pares de lugares diferentes do município de
Cametá. Além disso, verificou-se o grau de afinidade entre os pares e a reprodução velada da
violência simbólica nas relações desse campo.
As percepções dos participantes sobre a relação interpessoal entre os alunos das
diferentes localidades foram solicitadas através do seguinte questionamento: “Você tem amigos
da cidade e/ou do interior na escola? Se sim, me descreva como é a relação?” Obteve-se as
seguintes respostas:
“Tenho amigos do interior e da cidade, do interior é mais”
(Como é sua relação com os colegas da cidade?) “com alguns é normal, assim, como
expliquei, tem alguns que são muito já metidinho assim, não querem se misturar com
o pessoal do interior, tem preconceito, com esses aí eu não me dou muito bem, mas
eu não falo nada, fico na minha”
(Rita, 13 anos)
Constatou-se nas respostas que alunos do interior (zona ribeirinha) tem maior
proximidade com os alunos que possuem habitus parecidos com os seus. Ou seja, nesse
contexto escolar houve uma identificação entre os participantes com realidades parecidas. Nos
relatos, também identificou-se uma harmonia na relação entre os alunos de realidades
geográficas parecidas e um incômodo na relação entre alunos de localidades diferentes.
Essa identificação ocorre em decorrência da vivência desses participantes em realidades
semelhantes, além do processo de aprendizado ocorrido durante suas histórias de vida que lhes
proporcionaram ações e interpretações do meio social de certa forma homogênea nas
disposições, nos gostos e preferências. De acordo com Bourdieu:
Pelo fato de que a identidade das condições de existência tende a produzir sistemas de
disposições semelhantes (pelo menos parcialmente), a homogeneidade (relativa) dos
69
habitus que delas resulta está no princípio de uma harmonização objetiva das práticas
e das obras, harmonização esta própria a lhes conferir a regularidade e a objetividade
que definem sua ‘racionalidade’ específica e que as fazem ser vividas como evidentes
e necessárias, isto é, como imediatamente inteligíveis e previsíveis, por todos os
agentes dotados do domínio prático do sistema de esquemas de ação e de interpretação
objetivamente implicados na sua efetivação, e por esses somente. (Bourdieu, 1983, p.
66).
Além disso, ocorre uma certa tensão nessa relação, onde os alunos do interior
destacaram um certo distanciamento dos alunos da cidade, pois percebem um certo preconceito
em relação a eles, como relatam Rita e Kele. Essa tensão denota que os agentes que já fazem
parte desse campo e querem manter suas posições, percebem os novos agentes como
concorrentes nessa luta de forças pelos interesses, desse modo, agem de forma a dificultar o
acesso dos agentes.
Sendo assim, mesmo os alunos que moravam no interior e mudaram para o campo
cidade já sofreram as influências desse meio, incorporaram esse habitus e passaram a pensar e
agir dessa forma, pois já estruturaram a estrutura do campo em seu habitus e agora veem nos
novos agentes uma concorrência, como é o caso das duas participantes abaixo.
(relação com os da cidade?) “é legal, a gente conversa, a gente brinca, faz trabalho
juntos, é bem legal”
(e do interior?) “é normal, só que as vezes do interior eles ficam se reclamando que
a gente é pavulagem e tal, porque a gente é daqui e eles são de lá, ficam se
reclamando as vezes”
(Esther, 13 anos)
“Tenho, mais da cidade, do interior é meio estranho porque eles não entendem
algumas coisas que eu falo, aí fica meio estranho(risos) conversar com eles. E da
cidade não, a gente conversa normal”
(Que conversas você tem com o pessoal do interior que vocês não se entendem?)
“Tipo, a gente vai conversar pelo whatsapp, eu não entendo o que ele manda, aí eu
já falo pra ele mandar direito, aí ele manda pelo viva voz(risos) aí que eu não entendo
mesmo (o sotaque), aí quando a gente vai pra lá, eu já entendo, porque ele vai falando
mais direito quando ele vê eu falando aí ele tenta falar igual eu assim pra mim
entender”
(Carla, 13 anos)
querem entrar nos campos e terão que adquirir o habitus daquele campo e agentes que já fazem
parte desse campo e que querem manter seu status quo, suas posições.
Assim, abre-se a possibilidade de pensar que em todos os espaços que novos agentes
tentarão se inserir haverá esse processo de lutas de forças e imposições de arbitrários através da
violência simbólica. Por exemplo, da mesma forma que um aluno do interior veio estudar em
uma escola da cidade e precisou se adaptar as suas regras de postura, linguagem daquele
contexto, assim também um aluno que vai da cidade para o interior terá que se ajustar a toda
configuração exposta por esse campo.
Portanto, a relação estabelecida entre os pares no ambiente escolar na visão dos
participantes, é a de que existe um grau de amizade entre os alunos das diferentes regiões, porém
a afinidade maior acontece entre os alunos de mesma localidade que possuem habitus parecidos,
onde se tem uma visão de que a cultura da cidade é a oficial, e que ainda é disseminada como
a forma mais correta de se comportar.
As questões geográficas também aparecem na vida dos participantes em relação a sua
chegada no ambiente escolar estudado. Quando perguntados sobre “Como foi sua recepção
pelos alunos, professores e equipe de apoio nessa escola? Você se sentiu acolhido? Cite pontos
positivos e negativos de sua impressão da instituição”.
As respostas foram unanimes de uma boa acolhida pelos professores e equipe de apoio.
Em seus relatos disseram que tiveram atenção e cuidado da instituição em sua chegada. Porém,
em relação aos alunos as respostas foram diferenciadas. Os alunos do interior disseram que
sentiram dificuldades na interação, que sofreram bullying, exclusão, e que não foi fácil para se
integrarem no contexto escolar. Importante destacar, que alguns referiram que essas situações
aconteceram também em outras escolas da cidade pelas quais passaram, como podemos
confirmar nos relatos:
“Bom, no começo eu não consegui me dá com nenhum, só com meus primos e amigos
que eu consegui fazer amizades, depois fui fazendo, demorou um tempo, mas eu
consegui”.
“Porque no começo, no sexto ano, tinha um menino muito péssimo, ele ficava, assim,
xingando a gente toda hora, toda hora, de tudo, se a gente errasse alguma coisa ele
ficava logo caçoando da gente, tudo, falava um monte de coisa, aí foi difícil no
começo, mas depois eu consegui”.
“e, como eu já disse no começo os alunos que xingavam muito a gente, só que desses
já saíram, era do nono ano que já tão agora no ensino médio”
(Rita, 13 anos)
“Aqui eles me humilhavam, “muleque” me batia em mim, mas eu não fazia nada,
porque eu não gosto de briga. Só evitava...”
71
“Me senti nervoso, eu fico nervoso, quando o meu primeiro dia não me senti acolhido,
não conhecia ninguém”.
“não gostei, no primeiro dia na Santa Santos eu não gostei, liguei pra mamãe vim me
buscar, não me senti acolhido”.
(Otávio, 15 anos)
“Olha foi boa, porque praticamente já conhecia todo mundo, a gente “cheguemo” a
estudar junto, a gente somos praticamente todos familiares.”
“Os professores também dão uma boa influência, né.”
(Recepção pelos professores?) “Eles se a gente não entende alguma coisa a gente vai
perguntar, eles falam se tá certo ou não, se tiver errado a gente vai corrigindo.”
(Recepção pelos funcionários de apoio?) “ah eles são muito legais, já cheguei até ir
pra casa da Diretora um dia, passar um dia lá.”
(Kele, 15 anos)
“[...] foi estranha, sei lá, quando eu comecei, comecei a falar com todo mundo só no
meio do ano, no caso, no meio do ano, porque eu não me dava com ninguém, ficava
só eu assim sentada numa parte, aí depois que eu comecei a falar com as pessoas, aí
foi que eu comecei a falar com eles, e pronto[...]”
(pontos negativos) “[...]acho que, mais ou menos dos alunos, que eles ficam
apelidando a gente assim, apelidando, falando coisas assim, tipo quando eu comecei
a estudar falavam que eu era estranha, monte de coisa eles falavam, aí eu não me
dava muito com eles, depois que eu fui me dá só[...]”
(Esther, 13 anos)
Essa análise foi importante para salientarmos como se estabelecem as relações de poder
entre os alunos de diferentes regiões geográficas, dentro do município, no espaço escolar
pesquisado através das lutas dentro dos campos, além disso, identificar nos detalhes dessas
relações as dificuldades e facilidades encontradas pelos alunos. Constatou-se que para os alunos
do interior foi mais difícil lidar com um novo espaço; já para os alunos da cidade, nesse
momento houve algumas dificuldades, porém bem menores comparadas aos alunos do interior,
em virtude das suas vivências diferenciadas pelos grupos.
tentando manter a dominação existente e outros tentando chegar a postura de dominantes. Sendo
assim, os agentes buscam sempre manter-se em destaques para melhor alcançarem seus
objetivos.
Para Bourdieu e Passeron, o campo do sistema de ensino é utilizado como um
instrumento de dominação pela classe dominante. Para os autores, através de sua prática
pedagógica a escola reproduz a cultura dominante para os estudantes, interferindo diretamente
no desenvolvimento e sucesso escolar do aluno.
Assim sendo os autores enfatizam que a incumbência do sistema de ensino na sociedade
é a “comunicação, inculcação de uma cultura legítima, seleção e legitimação” (Bourdieu,
Passeron 1992, p. 11). Uma comunicação simbólica tão eficaz e verdadeira que essa cultura
legitima seria vista como um elemento indispensável para se alcançar os objetivos dentro do
campo escolar.
Os autores advertem que esse repasse cultural não seria algo premeditado pela gestão,
professores ou alunos, mas sim elaborado pela classe dominante e transmitido pelo sistema de
ensino e que estes apenas reproduzem não intencionalmente nas suas práticas, muitas vezes
com as melhores das intenções, tentando desenvolver o aluno, porém contribuem para a
transmissão do poder e dos privilégios de um grupo dominante (Bourdieu, 1992).
Assim, no espaço escolar pesquisado encontrou-se fatos que denotam as práticas de
violência simbólica destacadas pelos autores. Nas respostas dos alunos foram identificadas
situações de violência simbólica que são reproduzidas pela escola, como no caso do aluno
Walter, quando perguntado sobre se ele “Se sente envolvido/contemplado/valorizado nos
eventos promovidos pela escola” onde relata uma contradição na sua fala, um comportamento
de dúvida e incerteza:
“bom, nem tanto porque eu não participo muito desses eventos, mas me sinto um
pouco..., alguns eu já participei.”
“Eu gostei foi do festival do sorvete que teve agora, e foi bom”
“Gostar eu gosto, mas não tenho vontade de vir aqui, porque eu to mais acostumado
com os lá do interior, os eventos vou pra lá pro interior.”
(Walter, 14 anos)
ele se sente mais valorizado pelos eventos realizados na escola localizada no seu interior de
origem, onde morou maior parte de sua vida, do que na sua escola atual.
A explicação para esse fato permeia a identificação e a mudança de habitus através da
violência simbólica, mesmo o aluno não se sentindo contemplado ou valorizado pelos eventos
da escola ele precisa participar, pois a aprovação e chances de sucesso nesse campo envolve a
participação do aluno na mesma.
Vale ressaltar que uma das avaliações do sistema de ensino é a participação do aluno
nos eventos da escola, geralmente dando pontos de participação nas apresentações, nas danças,
nos jogos, ou seja, esse aluno já se encontra condicionado a prejuízos, pois o seu não
envolvimento com tais eventos podem gerar reprovações nas disciplinas e até mesmo
repetência.
Nessa análise onde o aluno não se sente totalmente valorizado e motivado a ir para os
eventos da escola, a violência simbólica entra em foco, pois geralmente a escola tenta seguir
um cronograma de planejamento anual repassado pelas instituições que o rege e não procura
saber o porquê da não participação dos alunos, e até mesmo mudar sua prática pedagógica para
que sejam desenvolvidos os aspectos que estão sendo apontados pelos estudantes, como na fala
de Esther, que também demonstra um duplicidade denotando dúvida na resposta:
“Gosto de participar de todos os eventos da escola, dos jogos não gosto muito.”
(Esther, 13 anos)
Esther é enfática em dizer que o único evento da escola que não se sente contemplada
são os jogos, porém esse evento faz parte do calendário escolar e a mesma tem que participar,
mesmo contra sua vontade. Situação que foi destacada como negativa por outro aluno:
“[...]eu joguei porque era, porque o fessô falou que era importante, se eu não viesse
eu ia pegar falta, tinha que vim todo dia, por isso que eu joguei, me escolheram pra
mim ser o capitão.”
(Otávio, 15 anos)
Otávio inclusive deixou claro que o único lugar que não gosta na escola é a quadra de
esporte. Porém, o aluno aceita a condição da escola e do professor, que utiliza de sua Autoridade
Pedagógica para comunicar ao aluno que as atividades esportivas são práticas necessárias,
relevantes e legítimas para que ele seja aprovado e que para isso sua participação nos jogos
seria avaliada pela frequência.
A não participação dos alunos na atividade esportiva proposta pela escola culminaria na
sua reprovação por falta, uma das punições do sistema de ensino caso o aluno não se encaixe
nas regras desse campo. Dessa forma, fica evidente a aceitação da violência simbólica na fala
75
do participante Otávio, que mesmo não gostando da prática esportiva, foi obrigado sutilmente
pelo professor a participar dos jogos.
A violência simbólica tem como principal característica a mudança na percepção dos
agentes, fazendo com que o dominado acredite que aquela imposição é legitima para que possa
alcançar o sucesso no campo escolar. Dessa forma, o agente passa a defender que aquela regra,
norma, atividade é necessária para si e para os outros, como no caso desse aluno. Para Bourdieu
(2014, p. 25) “todo poder de violência simbólica, isto é, todo poder que chega a impor
significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base
de sua força, acrescente sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de
força.”
Em relação a esses aspectos encontramos nas respostas de alguns alunos a percepção de
que determinados métodos de avalição ou punições são necessárias para que o critério de
seleção seja mais rigoroso, como exemplo temos os participantes falando sobre os métodos de
avaliação:
“Acho que nas avaliações, as vezes fica meio difícil, pra fazer, fica meio difícil, sabe,
as vezes tem alunos que entregam em branco, outros que não, aí fica meio difícil, tem
pessoas que repetem outras que não, tem outros que fazem trabalho outros que não,
na frequência várias pessoas matam aula e outras não, tipo em Matemática quase a
metade mata aula, só que fica bem pouca gente, tipo o professor tava falando que
nem todos vão passar da sala.”
(Esther, 13 anos)
“[...]minha opinião? é, eu acho bom assim que eles façam, eu sempre passo porque
eu estudo, estudo antes, ontem foi prova, eu não tinha estudado porque meu caderno
estava com a minha colega... só que mesmo assim eu fiz veio na minha cabeça já as
atividades que eu fiz de ciências, aí eu fiz e ela logo deu a nota que eu peguei 6[...]”
(Carla, 13 anos)
“[...]Eu acho bom fessô, pra nós, pra nós aprender mais, que o fessô passa, é bom o
que o professor passa pra nós trabalho, exercício, atividade, prova avaliativa,
avaliação [...]”
(Otávio, 15 anos)
comunicação de sua ação pedagógica arbitrária através da autoridade do professor, pois para
esse é transferido o poder de disseminar os conteúdos repassados pelas classes detentoras do
poder.
Sendo assim, o professor é um dos atores fundamentais para a violência simbólica
acontecer no ambiente escolar. Esse poder exercido pelo professor através de sua Autoridade
Pedagógica é utilizado exatamente para repassar esse arbitrário cultural, onde alunos que tem
um habitus diferente do transmitido pelo sistema de ensino, no caso dos alunos estudados, que
tem uma bagagem cultural referente as suas realidades vivenciadas nos seus campos
anteriormente, precisam deixar suas características de lado e assimilar uma outra cultura. Sobre
a Autoridade Pedagógica, Bourdieu e Passeron dizem que:
Enquanto poder arbitrário de imposição que, só pelo fato de ser desconhecido como
tal, se encontra objetivamente reconhecido como autoridade legítima, a AuP, poder
de violência que se manifesta sob forma de um direito de imposição legítima, reforça
o poder arbitrário que a estabelece e que a dissimula. (BOURDIEU; PASSERON,
2014, p. 34).
A violência simbólica também é uma forma de violência que deixa marcas na vida dos
estudantes. Apesar de ser uma violência reproduzida nas relações do sistema de ensino e aceita
de forma legítima pelo agente dominado, ela aflora sentimentos nos seres humanos que os deixa
sem explicação, pois ao mesmo tempo que se sente prejudicado, percebe que precisa continuar
a frequentar e se expor a aquela situação.
O professor, como detentor do poder de autoridade dentro da sala de aula é uma grande
referência para os alunos, pois através dele será repassada grande parte das informações
necessárias para o sucesso do aluno dentro do campo escolar. Dessa forma, uma ação negativa
emitida pelo professor irá despertar grande carga emocional no aluno, como se confirma na
resposta do aluno sobre sua relação com o professor:
“Sim fessô, quando eu vou levar atividade, que a gente leva que ta errada, ela fala
pro cara pra ir voltar e fazer tudo direito, o cara fica com vergonha, na Santa Santos
comigo era diferente, a professora falava calma, a fessora agora, tem vez que ela fala
braba com a gente.”
(Otávio, 15 anos)
Nessa situação, possivelmente a forma correta que a professora quer que o aluno faça a
atividade é a orientada pela ação pedagógica, já a forma como o aluno trouxe não é levada em
consideração. Sendo a Autoridade Pedagógica, o professor, que tenha repreendido o aluno, fará
com que ele passe a sentir vergonha.
O sentimento de vergonha é emitido junto com o medo de ser exposto ou descoberto
algo que irá lhe humilhar ou expor fraquezas. Desse modo, o agente que está lutando para
conquistar seu espaço e que sofre uma repreensão do professor, tem sua autoestima rebaixada
e então passa a se contestar se realmente irá dar conta de enfrentar aquele sistema de ensino, já
que este não leva em consideração as suas práticas culturais e seu habitus.
78
As atividades são realizadas na escola como método avaliativo, porém não se leva em
consideração o nível e as diferenças culturais desse aluno. Na verdade, esses aspectos são
ignorados pelo sistema de ensino, sendo assim o fracasso do aluno é considerado como se os
mesmos fossem incapazes, ou que não se esforçaram para conseguir. Nesse sentido, a escola
reforça as desigualdades tornando difícil o acesso das camadas populares a níveis elevados
dentro do campo escolar.
Outro ponto importante que demanda uma análise sobre a violência simbólica é na fala
de Rita, ela expõe em sua resposta, sobre a relação com os professores, que quem segue as
regras do campo escolar é visto como “normal”, e quem não segue é levado para a diretoria da
escola para conversar com a gestão.
“os professores eu respeito eles, como a professora diz, você tem que respeitar pra
ser respeitado, eu respeito eles e eles nunca, como um colega meu que todo dia ele
vai pra diretoria com a diretora, todo dia algum professor traz ele, mas não é assim
comigo, sou normal, só o que chama a atenção minha é que eu converso muito na
sala, muito mesmo com minha outra amiga.”
(Rita, 13 anos)
Nesse caso, o impacto psicossocial causado é sobre uma visão deturpada de
normalidade, que acaba gerando um certo preconceito em relação aos colegas, pois a aluna acha
que para ser normal é preciso aceitar de forma passiva as imposições do sistema de ensino. Vale
destacar que essa aluna é do interior e está há pouco tempo estudando na escola, enfrentou a
violência simbólica na sua entrada nesse contexto para adquirir o habitus desse campo, agora
percebe que as regras instituídas nesse campo é necessária para a vida dos agentes, porém ela
não percebe que essa é mais uma forma de exclusão do sistema de ensino.
Apesar de Bourdieu enfatizar que toda prática pedagógica é uma violência simbólica, o
autor ressalta que o sistema de ensino pode ser um grande dispositivo para suprimir as
diferenças sociais, porém, para ser justo e democrático precisa desenvolver estratégias que
eliminem as desigualdades e desenvolva os aspectos que dificultam o aprendizado do aluno.
Pois as desigualdades culturais são percebidas nos alunos através da herança familiar
que o aluno carrega, ou seja, no acesso aos bens culturais e saberes valorizados pela escola, que
vai repercutir na diferença de desempenho e sucesso escolar. Dessa forma, Bourdieu e Passeron
79
(20062, p.113 apud PRAXEDES, 2016) traçaram estratégias através de uma pedagogia onde
um sistema de ensino democrático deve ter como principal finalidade “permitir ao maior
número possível de indivíduos a aquisição no menor tempo possível, da forma mais completa
e perfeitamente possível, o maior número possível das competências que conformam a cultura
educacional em um momento dado”.
Nesse sentido, a autoridade pedagógica do professor é um fator que deve ser revisto,
pois para Bourdieu toda ação pedagógica produz uma autoridade pedagógica (BOURDIEU,
2014). O professor, como emissor dos conhecimentos, por mais que esteja incluso no sistema
de ensino e reproduzindo os conteúdos disponibilizados, pode adotar métodos que amenizem
essa violência.
Identificou-se alguns aspectos na instituição que coadunam com as diretrizes traçadas
por Bourdieu para o sistema de ensino, onde leva-se em consideração a interação, as
dificuldades ou a diversidade cultural dos alunos. Para o autor nenhuma cultura é superior ou
mais importante que a outra, todas tem seu valor legítimo pela população que segue seus
preceitos de origem. Portanto, deu-se destaque as seguintes falas que confirmam tais práticas
pedagógicas positivas no ambiente escolar. Sobre a relação com os professores, percebeu-se a
atenção e mudanças nas atividades para o envolvimento cultural dos alunos:
“Sim, lá no antigo colégio os professores tratavam a gente diferente, eles não ligavam
pra gente e aqui nesse eles se importam com a gente, eles dão atenção.”
(Walter, 14 anos)
“É que aqui quando a gente tá com dificuldade em alguma parte assim, o professor
vem e ajuda a gente, e lá no nosso não tinha isso.”
(Carla, 13 anos)
Quando Walter e Carla fazem a comparação com suas antigas escolas, deixam
claro que o contexto escolar está sendo positivo, pois estão tendo um suporte necessário quando
precisam na relação professor-aluno. Essa relação próxima e positiva, encurta a distância entre
a mensagem pedagógica emitida pelo professor e a mensagem pedagógica recebida pelos
alunos, resultando em um melhor aproveitamento e respeito ao tempo de aprendizado do aluno.
Levando em consideração a diversidade cultural do Município de Cametá, dentro
desse espaço escolar encontram-se várias formas de manifestação cultural, seja pela linguagem
e/ou outros tipos de comportamentos. Neste sentido, em algumas ações observou-se que a
escola também respeita as singularidades dos estudantes, como por exemplo, a adaptação de
atividades para que o aluno não sofra prejuízos.
2
BOURDIEU, P. Los herederos: los estudiantes y la cultura. Buenos Aires, Siglo XXI Editores Argentina, 2006.
80
“eu acho que é em eventos, que a gente é da igreja e tem eventos de dança, é meio
difícil eu dançar, e as vezes vale ponto, só que mesmo assim eu não danço, eu já pego
outra coisa pra mim fazer[...] Eu já peço pra professora fazer um trabalho, pra mim
fazer um trabalho, ela pergunta porque eu não danço, aí eu já falo porque eu sou da
igreja, eu não posso, aí ela vai e deixa eu fazer o trabalho.”
(Carla, 13 anos)
Essa é uma das estratégias expostas por Bourdieu e Passeron, a escola se adapta ao aluno
tentando ampliar o seu capital cultural, numa tentativa de valorizar o capital cultural trazido
pelos alunos e aumentando as chances desse agente de ampliar o seu acesso aos bens culturais
para que diminua a desigualdade cultural entre os alunos.
No estado atual da sociedade e das tradições pedagógicas, a transmissão das técnicas
e dos hábitos de pensamento exigidos pela educação nos remete primordialmente ao
meio familiar. Portanto, toda democratização real supõe que os ensine ali onde os mais
desfavorecidos podem adquiri-los, quer dizer, na escola; que se amplie o domínio do
que pode ser racional e tecnicamente adquirido através de uma aprendizagem
metódica em prejuízo do que é abandonado geralmente à sorte dos talentos
individuais, ou seja, de fato, à lógica dos privilégios sociais. (Bourdieu, Passeron
20063, p. 110 apud PRAXEDES, 2016).
Essa seria uma das práticas que os autores elegem como atribuição da escola para a
diminuição da desigualdade cultural e democratização do ensino. A escola precisa trabalhar
com o aluno, o capital trazido do contexto familiar e de outros ambientes juntamente com os
que a escola planeja em suas ações pedagógicas, ampliando e nivelando seus conhecimentos e
habilidades exigidas para o sucesso no sistema de ensino.
No contexto escolar pesquisado, identificamos situações em que a escola oferece essa
estratégias de valorização da cultura trazida pelo aluno e implementação de um novo capital,
como no caso da Participante 6 quando relata sobre sua valorização e participação nos eventos
da escola.
“Me sinto, porque quase em todos os eventos eu participo de alguma coisa. Gosto
das lendas, festa junina, festival do sorvete.”
(Kele, 15 anos)
A participante, proveniente do interior, descreve seu gosto pelos eventos que fazem
parte do seu antigo habitus e revela um detalhe importante, ela já passou pelo processo de
transformação cultural, modificou alguns comportamentos e ampliou seu repertório de
conhecimentos em virtude das estratégias implementadas pela escola.
Durante o processo de chegada do aluno nesse ambiente escolar e sua adaptação foi
identificado foram identificadas situações que os estudantes se sentiram a vontade
principalmente com os professores, como se percebe nas resposta a seguir:
3
BOURDIEU, P. Los herederos: los estudiantes y la cultura. Buenos Aires, Siglo XXI Editores Argentina, 2006.
81
CONSIDERAÇÕES FINAIS
significativa diferença de tratamento entre os alunos nas relações que se estabelecem no espaço
escolar pesquisado. Esse fato se explica pela extensão territorial e diversidade cultural existente
na localidade, onde promove a possibilidade de formação de vários campos, como os campos
ilhas, campos vilas, campo cidade.
Nesse sentido, em cada campo que novos agentes tentarem entrar terão que assimilar
uma nova forma de se comportar, ou seja, terão que adquirir o habitus daquele campo para
poderem ter chance de sucesso nas lutas de poder travadas nesse campo. Como na situação de
uma participante que veio de um outro Município sofreu a violência simbólica, em relação a
sua linguagem quando entrou no campo da cidade de Cametá, e agora já com seu habitus
adaptado, reproduz a violência simbólica na linguagem dos alunos provenientes das ilhas que
adentraram no campo escolar da cidade.
No caso da instituição pesquisada, seu público estudantil é proveniente das ilhas, das
estradas e da cidade do município, portanto nesse contexto existe uma grande diferença entre
os estudantes em relação aos seus capitais cultural, econômico, social, simbólico, fato esse
confirmado nas entrevistas.
A partir desse estudo verificou-se que após as correções, brincadeiras de mal gosto, ou
comportamentos não verbais os alunos identificaram que sofreram mudanças na sua forma de
falar e se comportar. Porém, nos seus relatos percebeu-se que os alunos acharam que é
necessário passarem por esse processo para serem aceitos no meio escolar, em nenhum
momento demonstraram que essa ação poderia ser algo contraditório ou prejudicial a sua
linguagem ou a sua formação pessoal. Essa análise, é corroborada pela teoria de Bourdieu
quando destaca que a violência simbólica naturalizada nas relações, tem como característica a
submissão do dominado, onde o mesmo é conivente e passivo frente a sua manifestação.
Nessas conclusões, vale ressaltar o papel da herança familiar no posicionamento do
agente em um novo campo. Em relação a esse fato, identificou-se entre os participantes que
uma aluna advinda do interior (ilha) possuía um capital cultural aceito pelo ambiente estudado
e desta forma se destacava entre os demais alunos, mesmo entre os que já faziam parte do campo
pesquisado. O que observou-se nessa situação foi que os alunos que já estavam adaptados e
faziam parte do campo viram na nova aluna uma ameaça para suas posições dentro da estrutura,
sendo assim, boicotavam sua forma de falar para que a aluna não reproduzisse a linguagem
ensinada pela escola.
Dentro da relação de poder do ponto de vista da linguagem, deu-se destaque aos
impactos psicossociais produzidos por essas situações relatadas. Constatou-se a presença de
84
reações emocionais, através de sentimentos negativos, como tristeza, raiva, baixa autoestima,
nervosismo, inferioridade, principalmente na correção do modo de falar dos alunos.
Nesse sentido, percebe-se que a mudança do habitus linguísticos, através da imposição
de outra forma de falar, despertou esses sentimentos negativos. Sentimentos esses que
possivelmente possam dificultar o desenvolvimento do agente dentro do sistema de ensino, pois
sua não adaptação será avaliada de forma negativa, o que poderá repercutir no seu fracasso
escolar através da desistência dos estudos.
As reações emocionais negativas também são produtoras de um ambiente escolar tenso
e conflitivo. Em uma das respostas o participante afirmou que chegou a agressão física com seu
colega pelo fato dele ter feito zoações e correções na sua linguagem. Portanto concluímos que
a violência simbólica produz outras formas de violência, ou seja, a violência invisível,
dissimulada nas relações, se mostra através de uma violência física, ou verbal, que se caracteriza
pela manifestação de socos, empurrões, palavrões, etc.
Na segunda subcategoria, discutiu-se a Relação de poder do ponto de vista dos aspectos
geográficos de cada participante, nesse sentindo buscou-se verificar como se tece as relações
no campo escolar levando em consideração a origem do estudante. Obteve-se na maioria das
repostas um identificação entre alunos que possuem habitus semelhantes, ou seja, alunos que
possuíam vivências parecidas.
Nesse contexto também foi constatado uma luta de força característica dos campos, onde
os alunos advindos de outros lugares, como ilhas, vilas e estradas, enfrentaram certa rejeição,
dificuldades no acolhimento por outros alunos. Possivelmente, em decorrência das lutas pelas
posições no campo, alunos novos querendo entrar nesse campo escolar, eram vistos como
concorrência ou ameaça nas posições conquistadas pelos agentes que já fazem parte do campo,
essa situação ocorre mesmo entre alunos que vieram de outros campos e já conseguiram seu
espaço dentro do contexto escolar pesquisado.
Os alunos que pertenciam a localidades afastadas da zona urbana que estavam tentando
entrar no campo pesquisado, relataram sofrer uma certa resistência e dificuldades no processo
de adaptação, já os que moravam na cidade e apenas mudaram de escola da zona urbana
relataram sofrer menos. Possivelmente esse fato se deve a questões culturais, onde os alunos
que moravam na cidade já possuem as características culturais da cidade, já os que vem dos
interiores, além de terem que se adaptar a cidade terão que assimilar as regras do campo
educacional.
85
as habilidades dos agentes dentro do campo escolar, para que tenham sucesso. Nesse sentido, a
escola pesquisada realiza algumas dessas ações, como exemplo a valorização do capital cultural
dos alunos de outros campos, a aproximação do professor com o aluno, a adaptação de atividade
conforme sua cultura, o acolhimento pelos professores e equipe de apoio na chegada do aluno
no contexto escolar. Essas ações são vistas por Bourdieu como formas positivas que repercutem
na vida dos alunos, ajudam na sua adaptação dentro do sistema de ensino e no seu sucesso
escolar.
Dentro do campo escolar pesquisado, são travadas lutas entre os agentes para alcançar
seus interesses e o troféu maior que é sua elevada posição na estrutura social. Percebe-se que
os maiores conflitos ocorrem na relação de poder em relação a linguagem e a origem dos
agentes. A entrada de um agente nesse campo escolar da cidade exige uma postura de rejeição
por parte dos agente que já fazem parte do campo e uma postura de subversão, adaptação pelos
agentes que estão entrando no campo. Nesse sentindo, observa-se uma mudança de
comportamento por parte dos alunos do interior que vieram estudar na cidade, aquisição de
novos padrões comportamentais para serem aceitos no campo escolar da cidade.
A vergonha, o nervosismo, a timidez, a inferioridade, a baixa autoestima, a raiva, a
tristeza, a separação familiar, são impactos psicológicos e sociais que nesse processo dificultam
a vida dos alunos e repercutem negativamente no processo ensino aprendizagem, fazendo
muitas vezes que ocorra o fracasso escolar. No entanto, esse fracasso é visto como uma falta de
competência do aluno e não do sistema de ensino. Entretanto, mudanças nas práticas
pedagógicas no sistema de ensino o tornariam um aliado para enfrentar as desigualdades sociais.
Essas reflexões sobre a violência simbólica no espaço escolar e os impactos
psicossociais na vida dos estudantes, suscitaram uma série de questionamentos que nos
provocam a continuar as buscas por respostas através de novas pesquisas.
Ao concluímos, destacamos o quão difícil é fazer essa análise e compreender uma
violência que não se mostra e que o agente defende como necessária para sua vida. É, muitas
vezes, incompreensível dizer que a instituição escolar exerce uma violência contra seus
educandos, porém somente quando saímos do senso comum passamos a visualizar por outro
ângulo esse fato que intriga, inquieta e aumenta as desigualdades na sociedade.
87
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, P. Esboço de uma teoria da prática. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu
– Sociologia. São Paulo: Ática. 1983.
______. A economia das trocas linguísticas. In: ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu –
Sociologia. São Paulo: Ática. 1983.
______. Questões de sociologia. Tradução de Miguel Serras Pereira. Lisboa: Fim de Século,
1984.
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 1996.
______. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
UNESP, 2004. 86 p.
88
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. Antônio Carlos Gil. - 4. ed. - São Paulo:
Atlas, 2002
MAZZA, V. A.; MELO, N. S. F. O.; CHIESA, A. M. O grupo focal como técnica de coleta de
dados na pesquisa qualitativa: relato de experiência. Cogitare Enfermagem, v. 14, n. 1, p. 183-
8, 2009.
MINAYO, M. C. de S. (Org.). Pesquisa social: teoria método e criatividade. 17ª ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 1994. 80 p.
______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10. ed. São Paulo:
Hucitec, 2007.
PRATES, L. A.; CECCON, F. G.; ALVES, C. N.; WILHELM, L. A.; DEMORI, C. C.; SILVA,
S. C.; RESSEL, L. B. O uso do grupo focal em pesquisa qualitativa. Texto Contexto
Enfermagem, Florianópolis, 2008, Out-Dez: 17(4): 779-86
PRAXEDES, W. A pedagogia proposta por Bourdieu. Ensaios sobre temas, autores e obras
com suas diferentes representações da realidade, 2016. Disponível em
https://walterpraxedes.wordpress.com/2016/10/12/a-pedagogia-proposta-por-pierre-bourdieu/
YIN. R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3 ed., Porto Alegre: Bookman, 2005.
1-Quantas pessoas moram com você? (Incluindo filhos, irmãos, parentes e amigos)
R:_________________________________________________________________________
2- Sua casa está localizada em?
R: ________________________________________________________________________
3. Qual é o nível de escolaridade do seu pai?
R: ________________________________________________________________________
5. Qual é o nível de escolaridade da sua mãe?
R: ________________________________________________________________________
6. Qual a profissão do seu pai?
R: ________________________________________________________________________
8. Qual a profissão de sua mãe?
R: ________________________________________________________________________
9. Quantos irmãos você tem?
R: ________________________________________________________________________
10. Escolaridade e profissão dos irmãos:
R: ________________________________________________________________________
11. Algum familiar é referência nos estudos para você? Quem?
R: ________________________________________________________________________
12- Somando a sua renda com a renda das pessoas que moram com você, quanto é,
aproximadamente, a renda familiar mensal?
R: ________________________________________________________________________
13- Você já reprovou alguma vez?
R: ________________________________________________________________________
14- Quais suas atividades atuais?
R: ________________________________________________________________________
15- Como está sendo sua experiência no ensino básico na nessa escola?
R: ________________________________________________________________________
16- Como foi sua recepção pelos alunos, professores e equipe de apoio nessa escola? Você se
sentiu acolhido? Cite pontos positivos e pontos negativos de sua impressão da instituição.
R: ________________________________________________________________________
17- Como você se sente no ambiente escolar?
92
R: ________________________________________________________________________
18- Quem mais motiva/incentiva você a estudar? Quais as falas dessas pessoas que você lembra
sempre?
R: _________________________________________________________________________
19- Você já se sentiu rejeitado no contexto escolar? Em que situação? Como se sentiu? O que
você fez? Isso mudou seu comportamento na escola?
R: ________________________________________________________________________
20- Na escola, alguém já corrigiu a sua forma de falar? Como? Em que situação? Como você
se sentiu? Que atitude tomou?
R: ________________________________________________________________________
21- Já passou por alguma situação vexatória? Qual? Como reagiu?
R: ________________________________________________________________________
22- Você percebe alguma diferença no tratamento dos professores com os alunos? Em que
sentido? Quais situações?
R: ________________________________________________________________________
23- Como é sua interação com outros alunos e com os professores?
R: ________________________________________________________________________
24- Como você se percebe no contexto escolar?
R: ________________________________________________________________________
25- Qual sua opinião/percepção sobre a educação? E sobre a escola? Cite pontos positivos e
negativos.
R: ________________________________________________________________________
26- Quando você pensa na escola que sentimentos lhe vem?
R: ________________________________________________________________________
27- Você tem amigos da cidade ou do interior que estudam com você? Se sim, como é a relação?
R: ________________________________________________________________________
28- Como geralmente os grupos para trabalhos são divididos na sua sala? O que você acha dessa
divisão?
R: ________________________________________________________________________
29- Quais atividades você sente mais dificuldade em realizar na escola?
R: ________________________________________________________________________
30- Quais atividades você tem facilidade e gosta de realizar na escola?
93
R: ________________________________________________________________________
Participante Citação
“Já, que diante eu falava meu “r” meio torto, meu sotaque era
diferente, eles me caçoavam, agora eu falo direito... Quando eu
falava fugão, aí eles falavam pra mim é fogão, não é “fugão”. Aí
eu não gostava. Eu nem falava quase com meus colegas, eu não
falava porque eu ficava com vergonha deles caçoarem de mim,
rirem de mim, que quando eles vinha pro meu lado eu me saia. Teve
Otávio uma semana, que eu fiquei uma semana sem falar com meu colega
por causa disso, mas agora eu falo direito, eu não tenho vergonha
mais”
“Quando eu chegava da escola eu ficava treinando, falando direito,
foi, foi até que um dia eu aprendi”
“Já, assim, mas ele corrigia pro errado, sabe? Foi um menino, a
gente falava certo, mas ele que falava errado, ele corrigia pro
errado.”
“Ah eu me sentia normal, porque ele que estava corrigindo pro
Rita
errado, porque ele que tava sendo..., não sei eu me sentia normal”
“Nisso que não fiz nada, porque acho que não era pra contar pra
diretora”
Participante Citação
“Me senti meio triste, porque era meu jeito de falar, aí ela me
corrigiu, aí já fui pensando, já fui vendo como é que ela fala
também e me acostumei”
Carla (Isso mudou tua forma de falar?) “um pouco, às vezes quando eu
vou pra lá (Tucuruí) a gente, aí vem, fica querendo falar daquele
jeito, como era”
95
“Me senti com raiva, “fessô”, porque eu não gostava que eles
falavam isso pra mim, me corrigi, porque eu sou do jeito que eu
sou, falo do jeito que eu sou, eu não gostava.”
“Já briguei com meu colega, me afastei dele, por causa que ele me
caçoava e eu não gostava, eu briguei com ele” (quando perguntado
Otávio
se chegou a briga corporal, agressão física, o adolescente sacodiu a
cabeça positivamente dizendo que “sim”)
Participante Citação
“[...] foi estranha, sei lá, quando eu comecei, comecei a falar com
Esther
todo mundo só no meio do ano, no caso, no meio do ano, porque eu
não me dava com ninguém, ficava só eu assim sentada numa parte,
aí depois que eu comecei a falar com as pessoas, aí foi que eu
comecei a falar com eles, e pronto[...]”
(pontos negativos) “[...]acho que, mais ou menos dos alunos, que
eles ficam apelidando a gente assim, apelidando, falando coisas
assim, tipo quando eu comecei a estudar falavam que eu era
estranha, monte de coisa eles falavam, aí eu não me dava muito com
eles, depois que eu fui me dá só[...]”
aí quando a gente vai pra lá, eu já entendo, porque ele vai falando
mais direito quando ele vê eu falando aí ele tenta falar igual eu assim
pra mim entender”
Carla
“foi boa, porque eu já conhecia algumas pessoas, primeiro eu estudei
de manhã e já conhecia algumas pessoas, aí eles me trataram super
bem”
“Me sinto acolhida sim, porque na outra não era igual, porque lá eu
não gostava muito de lanchar e agora eu já faço isso aqui”
“foi, que aqui, tem vários professore, que lá só tinha um, ficava meio
ruim, aqui tem vários”
Walter “Eu ficava quieto, ficava por lá, tentava interagir com eles, fazer
amizade.”
Participante Citação
“bom, nem tanto porque eu não participo muito desses eventos, mas
me sinto um pouco..., alguns eu já participei.”
“Eu gostei foi do festival do sorvete que teve agora, e foi bom”
Walter
“Gostar eu gosto, mas não tenho vontade de vir aqui, porque eu to
mais acostumado com os lá do interior, os eventos vou pra lá pro
interior.”
“Gosto de participar de todos os eventos da escola, dos jogos não
gosto muito.”
“Acho que nas avaliações, as vezes fica meio difícil, pra fazer, fica
meio difícil, sabe, as vezes tem alunos que entregam em branco,
outros que não, aí fica meio difícil, tem pessoas que repetem outras
que não, tem outros que fazem trabalho outros que não, na
frequência várias pessoas matam aula e outras não, tipo em
Esther
Matemática quase a metade mata aula, só que fica bem pouca gente,
tipo o professor tava falando que nem todos vão passar da sala.”
“[...]eu joguei porque era, porque o fessô falou que era importante,
se eu não viesse eu ia pegar falta, tinha que vim todo dia, por isso
que eu joguei, me escolheram pra mim ser o capitão.”
Otávio
“[...]Eu acho bom fessô, pra nós, pra nós aprender mais, que o fessô
passa, é bom o que o professor passa pra nós trabalho, exercício,
atividade, prova avaliativa, avaliação [...]”
“[...]minha opinião? é, eu acho bom assim que eles façam, eu sempre
passo porque eu estudo, estudo antes, ontem foi prova, eu não tinha
estudado porque meu caderno estava com a minha colega... só que
mesmo assim eu fiz veio na minha cabeça já as atividades que eu fiz
de ciências, aí eu fiz e ela logo deu a nota que eu peguei 6[...]”
Carla “é tudo misturado, os alunos que escolhem, a gente que escolhe, tipo
tem alunos que moram perto aí a gente já escolhe eles pra faze
trabalho, eu acho legal, porque que a gente escolhe assim já fica,
porque se for eles (professores) que escolhem já fica difícil porque
as vezes eles escolhem alunos que ficam pra cá, né, pra Matinha, aí
fica ruim de a gente se juntar pra fazer o trabalho”
Participante Citação
“Sim fessô, quando eu vou levar atividade, que a gente leva que ta
errada, ela fala pro cara pra ir voltar e fazer tudo direito, o cara fica
Otávio com vergonha, na Santa Santos comigo era diferente, a professora
falava calma, a fêssora agora, tem vez que ela fala braba com a
gente.”
“os professores eu respeito eles, como a professora diz, você tem que
respeitar pra ser respeitado, eu respeito eles e eles nunca, como um
colega meu que todo dia ele vai pra diretoria com a diretora, todo
Rita dia algum professor traz ele, mas não é assim comigo, sou normal,
só o que chama a atenção minha é que eu converso muito na sala,
muito mesmo com minha outra amiga.”
Carla “eu acho que é em eventos, que a gente é da igreja e tem eventos de
dança, é meio difícil eu dançar, e as vezes vale ponto, só que mesmo
assim eu não danço, eu já pego outra coisa pra mim fazer[...] Eu já
peço pra professora fazer um trabalho, pra mim fazer um trabalho,
ela pergunta porque eu não danço, aí eu já falo porque eu sou da
igreja, eu não posso, aí ela vai e deixa eu fazer o trabalho.”
____________________________________
Assinatura do Pesquisador
_____________________________________
Assinatura do Participante (menor de idade)
____________________________________
Assinatura do Pesquisador
____________________________________
Assinatura do Responsável