Você está na página 1de 137

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

SAMUEL ALVES DOS SANTOS

O DIREITO À EDUCAÇÃO DOS AUTISTAS E NOVAS FORMAS DE SUPLÍCIO

CAMPINAS
2020
Samuel Alves dos Santos

O Direito à Educação dos Autistas e Novas Formas de Suplício

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas
para obtenção do título de Mestre em Educação, na
área de concentração de Educação.

Orientadora: Profª. Dra. Regina Maria de Souza

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA


DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO SAMUEL
ALVES DOS SANTOS E ORIENTADA PELA
Prof.ª DRA. REGINA MARIA DE SOUZA

CAMPINAS
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751

Santos, Samuel Alves, 1964-


Sa59d O direito à educação dos autistas e novas formas de suplício / Samuel
Alves dos Santos. Campinas, SP : [s.n.], 2020.

Orientador: Regina Maria de Souza.


Dissertação (mestrado) Universidade Estadual de Campinas, Faculdade
de Educação.

1. Autismo. 2. Educação. 3. Direito à educação. 4. Biopolítica. I. Souza,


Regina Maria, 1957-. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de
Educação. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Autism right to education and new forms of supplication
Palavras-chave em inglês:
Autism
Education
Right to education
Biopolitcs
Área de concentração: Educação
Titulação: Mestre em Educação
Banca examinadora:
Regina Maria de Souza [Orientador]
Pedro Ganzeli
Leandro Calbente Câmara
Data de defesa: 28-02-2020
Programa de Pós-Graduação: Educação

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: 0000-0003-1581-427X
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/8409374651335525
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

O DIREITO À EDUCAÇÃO DOS AUTISTAS E NOVAS FORMAS DE SUPLÍCIO

Autor : Samuel Alves dos Santos

COMISSÃO JULGADORA

Regina Maria de Souza


Pedro Ganzeli
Leandro Calbente Câmara

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de


Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade

2020
O fato de me perceber no mundo, com
o mundo e com os outros me põe
numa posição em face do mundo que
não é de quem nada tem a ver com
ele. Afinal, minha presença no mundo
não é de quem a ele se adapta, mas a
de quem nele se insere. É a posição
de quem luta para não ser apenas
objeto, mas sujeito também da história
(Paulo Freire, Pedagogia da
Autonomia, 2013, p. 53).
AGRADECIMENTOS:

A Deus, a quem conservo a dimensão do sagrado e submeto os meus


projetos.
Aos meus pais (In Memorian), seres iluminados, que sempre incentivaram
os meus estudos, contrariando a racionalidade do capital econômico e da origem
social.
À Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, a todos os
professores da Pós-graduação, que tive o privilégio de ser aluno e poder avançar
alguns degraus.
À minha Orientadora, Profa. Dra. Regina Maria de Souza, que soube
conduzir a orientação oportunizando a autonomia do aprendizado acadêmico, pela
parceria, paciência e generosidade nos acolhimentos durante os encontros de
orientação e estudos, bem como pelo apreço às nossas lutas e desafios.
Aos companheiros do nosso grupo de pesquisa, que sempre contribuíram
para o nosso crescimento, em especial a Morena Dolores Patriota, que não
poupou esforços para contribuir.
Aos Professores que participaram da minha Qualificação: Dr. Evaldo Piolli e
Dra. Ana Elisa Spaolonzi Queiroz Assis, que muito contribuíram para a realização
desta pesquisa.
Aos Professores que participaram da minha defesa: Dra. Regina Maria de
Souza; Dr. Pedro Ganzeli; Dr. Leandro Calbenti Câmara; Dr. Evaldo Piolli; Dra.
Eliana Bär; por todas as contribuições.
Aos amigos do meu círculo de trabalho e convivência, em particular a
Supervisora de Ensino Eliana Pahin, amiga e conselheira, que incentivaram e
apoiaram a iniciativa de cursar o mestrado numa Universidade Pública; ao
professor e amigo Iraci José Francisco que não economizou esforços para que eu
pudesse ingressar na Unicamp, meu sincero reconhecimento; ao professor e
amigo Geraldo Oscar Scheid, pelos momentos em que participou das minhas
reflexões e pela revisão da escrita, minha gratidão.
Aos meus familiares, os mais próximos e mesmo aqueles que não estando
tão próximos, emitiram energia positiva e me desejaram sucesso.
AGRADECIMENTO ESPECIAL

Meu agradecimento mais profundo só poderia ser dedicado à minha família,


na pessoa da minha companheira Patrícia Cardoso Gomes dos Santos e dos
meus filhos, Luis Augusto, Samuel Vitor e Leonardo Gabriel, que,
incondicionalmente, participaram de cada momento de angústia e alegrias, que
não foram poucos, durante a realização desta pesquisa. Sou grato por cada gesto
carinhoso, cada sorriso e por estarem ao meu lado. Com amor, meu muito
obrigado.
RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de discutir a partir da análise de uma Ação Civil
Pública, a favor das pessoas com Transtorno do Espectro Autista, as formas de
suplício pelas quais passam autistas, familiares, profissionais de educação e
instituições de atendimento educacional a contradição entre Direito e Justiça,
estabelecendo uma relação entre o processo de judicialização e o sofrimento
caracterizado pelo suplício, bem como o desdobramento e os impactos de uma
nova razão governamental que através da governamentalidade e processos de
biopoder e biopolítica, passaram a sujeitar as políticas de direito à educação à
uma nova ordem cujos interesses, valores e práticas podem resultar na exclusão
e no suplício das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.

Palavras chaves: Autismo. Direito. Educação. Suplício. Biopolítica.


ABSTRACT

The present work aims to discuss from the analysis of a Public Civil Action, in favor
of people with Autism Spectrum Disorder, the forms of torment through which
autistic, family members, education professionals and educational institutions
educational care the contradiction between law and justice, establishing a
relationship between the judicialization process and the suffering characterized by
the torment, as well as the unfolding and impacts of a new governmental reason
that through the governmentality and biopower and biopolitical processes, have
subjected policies of the right to education to a new order whose interests, values
and practices can result in the exclusion and torment of people with autism
spectrum disorder.

Keywords: Autism. Right. Education.Torment. Biopolitics.


RESUMEN

El presente trabajo tiene como objetivo discutir desde el análisis de una Acción
Civil Pública, a favor de las personas con Trastorno del Espectro Autista, las
formas de tormento a través de las cuales autista, familiares, profesionales de la
educación e instituciones educativas educación la contradicción entre la ley y la
justicia, estableciendo una relación entre el proceso de judicialización y el
sufrimiento caracterizado por el tormento, así como el desarrollo y los impactos de
una nueva razón gubernamental que a través de la la gubernamentalidad y la
biopotencia y los procesos biopolíticos, han sometido las políticas del derecho a la
educación a un nuevo orden cuyos intereses, valores y prácticas pueden dar lugar
a la exclusión y tormento de las personas con trastorno del espectro autista.

Palabras clave: Autismo. Derecha. Education. Tormento. Biopolítica.


LISTA DE SIGLAS

ACP Ação Civil Pública


AEE Atendimento Educacional Especializado

APAE Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais


APE Atendimento Pedagógico Especializado
CF Constituição Federal
CGEB Coordenadoria de Gestão de Educação Básica
CREMESP Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
CRPE Classe Regida por Professor Especial
DSM Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
DUDH Declaração universal dos Direitos Humanos
FESP Fazenda Estadual de São Paulo
GAESP Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública
GDOC Gestão de Documentos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional
MEC Ministério de Educação e Cultura
MPSP Ministério Público de São Paulo
OMS Organização Mundial da Saúde
Programa de Assistência Brasileiro Americano ao Ensino
PABAEE
Elementar
PCD Pessoa com Deficiência
PLC Projeto de Lei da Câmara
PNE Plano Nacional de Educação
Política Nacional de Educação Especial Na Perspectiva da
PNEEPEI
Educação Inclusiva
SGSP Secretaria de Gestão Pública de São Paulo
SUS Sistema Único de Saúde
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TEA Transtorno do Espectro Autista
TJSP Tribunal de Justiça de São Paulo
SUMÁRIO
I. INTRODUÇÃO

efeitos da dor psicológica, que afetava os condenados, tinha também a função de


estender a dor e a punição para todas as esferas que compreende o ser humano,
inclusive causando impacto emocional e ético naqueles que presenciavam o ritual,
não ficando a punição somente no patamar físico.
O supliciamento físico e público, causavam nos espectadores participantes
do teatro e arena onde seria posto em marcha, os efeitos pedagógicos de
percepção da proximidade possível da punição, que poderia ser estabelecida
para cada indivíduo, que ousasse a desafiar o soberano e as suas leis que auto
afirmavam o seu poder e do Estado, que por ele era representado, caracterizando
assim, uma Razão de Estado em que o flagelo dirigido ao transgressor, visava
alcançar toda a sociedade e ao mesmo tempo a consagração da soberania do
governante.
Vigiar e punir é uma genealogia do poder punitivo. Foucault considera que

pena. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma


Se a suspensão dos
direitos configura uma nova forma de suplício e se o poder punitivo se transformou
de tal maneira que seus aspectos simbólicos alcançam também a suspensão dos
direitos das pessoas com deficiência, em especial das pessoas com o Transtorno
do Espectro do Autismo
ferramentas, que pode ser utilizada para ressignificar e discutir a relevância dos
meandros que estão implicados na Ação Civil Pública ACP, dos autistas, a qual
envolveu um longo percurso de dor e sofrimento.
Para Foucault, no final do século XVIII e ao longo do século XIX, a punição
vai se tornando a parte mais velada do processo penal, provocando várias
consequências:
deixa o campo da percepção quase diária e entra no da
consciência abstrata; sua eficácia é atribuída a sua fatalidade, não
a sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve
desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a
mecânica exemplar da punição muda as engrenagens.
(FOUCAULT, 2013, p. 14)

Ao nos referirmos aos autistas como os supliciados, temos que diferenciar


que não se trata de algum crime cometido por estes, mas a transferência do
caráter simbólico da punição para um novo alvo, que também desafiou, por assim
ao confrontar as forças políticas e
administrativas do governo paulista com uma Ação Civil Pública. Embora o
contexto dos autistas não seja análogo ao que aconteceu no caso do condenado
1 buscamos estabelecer um
simbolismo do sofrimento em outros termos, ou como novas formas de suplício.
No caso relatado por Foucault, o processo de acusação e atribuição da
penalidade ao condenado Damiens, foram muito controversos: teria sido o crime
dele tão grave a ponto de sofrer uma sentença onde o suplício fora absurdamente
cruel? O que estava em questão não era necessariamente a gravidade do ato que
fora praticado, mas a ameaça que esse ato poderia representar, contra a
capacidade do poder soberano conservar seu domínio e controle sobre todos os
outros.

1Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da porta

principal da igreja de Paris, aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de
camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida na dita carroça, na
Praça da Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e
barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o parricídio, queimada
com fogo de enxofre, e às partes que serão atenazadas se aplicarão chumbo derretido, óleo
fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será
puxado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas e
OUCAULT, 2013, p. 9)
De acordo com a Enciclopédia Britânica, Robert-François Damiens (nascido em 9 de janeiro de
1715, La Tieuloy, França - morreu em 28 de março de 1757, Paris), fanático francês que em 1757
fez uma tentativa frustrada de tirar a vida do rei Luís XV. Damiens, filho de um porteiro, teve uma
sucessão de empregos como empregado doméstico e foi demitido de vários deles por roubar seus
empregadores. Em 5 de janeiro de 1757, ele esfaqueou Louis quando o rei estava prestes a entrar
em sua carruagem em Versalhes. Louis ficou levemente ferido, mas o incidente pode ter tido
graves repercussões políticas envolvendo a Companhia de Jesus e os jansenistas, duas facções
rivais dentro da igreja católica romana francesa. Muitos acusaram Damiens de fazer parte de uma
conspiração jesuíta contra a coroa, enquanto outros suspeitavam que ele era um agente dos
Parlamentos (altos tribunais de justiça), que entraram em conflito com o rei apoiando os
jansenistas. No entanto, o governo não conseguiu provar que o obviamente perturbado Damiens
estava envolvido em uma conspiração. Condenado como um regicídio, ele foi condenado a ser
despedaçado por cavalos na Place de Grève. Por quatro horas, antes de ser morto, ele foi bárbaro
torturado com pinças em brasa; e cera derretida, chumbo e óleo fervente foram derramados em
suas feridas. Após sua morte, sua casa foi arrasada, seus irmãos e irmãs foram obrigados a mudar
de nome e seu pai, esposa e filha foram banidos da França.
O fato do nascimento de autistas seria tão incômodo para o Estado, a ponto
de deixá-los à própria sorte, ou no mínimo, lhes sujeitando os serviços
educacionais aquém das suas necessidades e também exigindo deles reiteradas
súplicas, em um ritual que vai de solicitação por vaga, à direção de uma escola à
elaboração de um processo contra o Estado para que o seu direito à educação
seja atendido?
Nesse ponto, a ACP como um todo e mais especificamente o cenário da
audiência pública ocorrida em novembro de 2014, será considerada como uma
das etapas do suplício. O processo da ACP, por uma questão de segurança
jurídica, deveria ter sido concluído em janeiro de 2006, com o trânsito em julgado,
quando foi imposta a condenação ao Estado, obrigando-o a cumprir determinados
deveres com a Educação dos indivíduos com TEA, entretanto tal fato não
consubstanciou os efeitos favoráveis esperados pelas famílias dos autistas.
Não deveria haver motivo para estranhamentos, tal sucesso obtido a partir da
Ação Civil Pública ACP, que lhes foi favorável, pois trata-se de direitos já
consagrados no texto constitucional2 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional3, dentre outras leis que complementam o tema, entretanto, o Estado
considerou outros fatores que impactam suas ações, sendo a orçamentária a
principal (criando jurisprudência possível pelo artigo 2 do Decreto 6949/2009, que
.
Fica evidente, devido ao longo tempo, no caso da ACP que se estende desde
a decisão em primeira instância no ano 2001, até o trânsito em julgado após cinco
anos, e posteriormente as ações pós judicializadas pela Defensoria Pública, até o
momento da decisão judicial em 2016, como resultado da audiência pública
ocorrida em 2014, que a inversão em relação a quem comete o ilícito está posta.
A ilicitude do Estado, de negar e resistir até os limites legais, para não acolher
o cumprimento dos termos da condenação que lhe foi imposta, materializa a
inversão dos valores éticos, que são silenciosamente dispensados de forma
burocrática, através das estratégica possibilitadas pela agenda judicial.
A ideia de igualdade, direitos humanos e liberdades fundamentais, se
projetou e passou a ter muitas nações como signatárias no mundo pós-guerra,

2 Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro


de 1988 (BRASIL, 1988).
3 Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: estabelece a Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional (BRASIL, 1996).


dentre elas o Brasil, com os documentos:
(DUDH), aprovada em 1948 na Assembleia Geral da Organização das
Nações Unid
Resolução aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas
em 09/12/754 (ONU, 1975).
Importante destacar que o Brasil, através do Decreto do Presidente da
República, Nº 6.9495, de 25 de agosto de 2009, promulgou a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Este decreto, por
ter sido decorrente de um Decreto Legislativo, passa a ser emenda constitucional,
conferindo assim legitimidade para decisões políticas para a implantação e
implementação de políticas públicas do direito à educação6 das pessoas com
deficiência.
Os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista TEA estão
inscritos nos documentos legais brasileiros e convenções internacionais e podem
ser resumidos como o direito a uma educação digna, sem discriminação, que
respeita a sua diferença e promova todo o seu potencial de desenvolvimento
pessoal, com vias a favorecer a construção da sua cidadania, como brasileiro
sujeito dos direitos garantidos constitucionalmente.
4 Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes - Resolução adotada pela Assembléia Geral
das Nações Unidas 9 de dezembro de 1975 Comitê Social Humanitário e Cultural.
5 O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da

Constituição, e Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo
no 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados
em Nova York, em 30 de março de 2007; Considerando que o Governo brasileiro depositou o
instrumento de ratificação dos referidos atos junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em
1o de agosto de 2008; Considerando que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para
o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008; DECRETA: Art. 1o A Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao
presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em
revisão dos referidos diplomas internacionais ou que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição. Art. 3o Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 25 de agosto de 2009; 188o da
Independência e 121o da República.
6 A concepção de direto à educação que está sendo considerado nesta pesquisa está definida no

artigo 24 da Convenção sobre os Direitos das


reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem
discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema
educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com
os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade
e auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades
fundamentais e pela diversidade humana; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência
Embora as Declarações e os acordos internacionais representem um
importante avanço no campo dos Direitos Humanos, inclusive conferindo um valor
simbólico expressivo para os movimentos ativistas em defesa dos direitos das
pessoas com o Transtorno do Espectro Autista - TEA, pesa em desfavor destes,
sobremaneira, o infiel cumprimento dos pactos internacionais ratificados pelos
países membros, ao se constatar o desvio inconsequente de determinadas
Políticas Públicas, referentes ao reconhecimento prático dos direitos
estabelecidos, no caso do Brasil, também não viabilizados através dos setores
governamentais, responsáveis pela implantação e implementação das ações de
efetivação dos termos do tratado nos acordos.
A Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência reconhece que o
conceito de deficiência está em evolução, portanto a deficiência resulta da
interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao
ambiente, que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na
sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Nesse
sentido, a garantia do direito à educação para as crianças portadoras da
Transtorno do Espectro Autista TEA, se mostra como uma inadiável
responsabilidade, que deve ser assumida e atendida através de políticas públicas
efetivas, que garantam o atendimento educacional com o respeito e a
especificidade que caracteriza a deficiência.
Em relação à Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da
Educação Inclusiva PNEEPEI7, documento que foi publicado pelo MEC em
2008, teve como objetivo orientar a implantação das políticas públicas de
Educação Especial, com a humanista, traduzida nas convenções e documentos
dos organismos internacionais tais como: Declaração Mundial de Educação para
Todos (1990), Declaração de Salamanca (1994), Convenção de Guatemala (1999)
e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela
ONU em 2006. Ainda assim, observa-se que a PNEEPEI restringe e submete o
Decreto 6949 de 2009 a uma única modalidade de ensino: inclusão com
Atendimento Educacional Especializado - AEE, corrigido pela meta 4 do PNE

7Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada
pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008.
(Plano Nacional de Educação) de 20148, que teve o cuidado de não restringir a
possibilidade do atendimento especializado inclusive em instituições conveniadas.
A confinação dos alunos com TEA, nas redes de Ensino, sem levar em
conta a complexidade que envolve as necessidades desses alunos, resulta na
normalização imposta por uma política pública de inclusão que se limita a ofertar,
muitas vezes de forma precarizada, o Atendimento Educacional especializado
AEE, que de acordo com as diretrizes dessa política:

Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o


atendimento educacional especializado é organizado para apoiar o
desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos
sistemas de ensino e deve ser realizado no turno inverso ao da
classe comum, na própria escola ou centro especializado que
realize esse serviço educacional. (BRASIL, 2008)

De fato, as diretrizes passaram a ser utilizadas de forma genérica pelos


sistemas educacionais em função do formato proposto, com o significativo
aumento no volume de matrículas de acordo com o Censo Escolar do ano 2010,
passando a significar mais recursos financeiros em decorrência da quantidade de
alunos matriculados no contraturno. O resumo técnico do Censo Escolar 2010
registrou esse aumento nas matrículas conferindo tal crescimento à nova política
de inclusão.

Os importantes avanços alcançados pela atual política são


refletidos em números: 62,7% do total de matrículas da educação
especial em 2007 estavam nas escolas públicas e 37,3% nas
escolas privadas. Em 2010, estes números alcançaram 75,8% nas
públicas e 24,2% nas escolas privadas, mostrando claramente a
efetivação da educação inclusiva e no empenho das redes de
ensino em envidar esforços para organizar uma política pública
universal e acessível às pessoas com deficiência. (BRASIL, 2010,
p. 13)

Foram produzidos no Brasil, nas últimas décadas, diversos documentos que


normatizaram a implantação das Políticas Públicas Educacionais para o público
alvo da Educação Especial, que em princípio deveriam contemplar os acordos e

8 Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos

globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao


atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a
garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas
ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
convenções internacionais, todas devidamente assinadas pelo governo brasileiro,
entretanto, não avançaram de forma satisfatória, provocando nos principais
interessados pela defesa dos direitos humanos e usuários desses serviços
públicos, a articulação de recorrentes movimentos que exigiam o cumprimento das
garantias constitucionais e das leis, que em tese garantiriam direitos, mas que na
prática criam os crimes, ou seja, controlam os limites entre o legal e o ilegal,
limites esses que estabelecem uma linha tênue, e , quando ultrapassada, coloca o
Estado na condição de negligência e violação de direitos. Foucault trata dessa
, quando se refere à crise da ilegalidade popular que se
abriu progressivamente no século XVIII, considerando que uma boa parte da
burguesia aceitou sem muitos problemas a ilegalidade dos direitos, exceto quando
se tratava dos seus direitos de propriedade.

A economia das ilegalidades se reestruturou com o


desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens
foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a
uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais
acessível às classes populares seria a dos bens transferência
violenta das propriedades; de outro a burguesia, então se
reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar
seus próprios regulamentos e suas próprias leis; de fazer funcionar
todo um imenso setor da circulação econômica que se desenrola
nas margens da legislação margens previstas por seus silêncios,
ou liberadas por uma tolerância de fato. (FOUCAULT, 2013, p. 84)

Foucault considera que uma nova ordem foi estabelecida com o advento do

conjunto de objetos valorados por essa nova forma de riqueza, passaram a ter
uma prevalência. Isso significa que a transgressão seria agravada ou amenizada,
em função das próprias normas que regem a proteção da mercadoria e não
necessariamente em decorrência do direito. Uma vez que o direito abrangeria o
que previamente estava na lei e o seu cumprimento não se daria dessa forma,
pois o percurso poderia ser longo e a sua aplicação improvável nos termos em
que foi concebido.
Evidentemente que os direitos dos autistas, se inscrevem nessa lógica
revelada por Foucault e que foi materializada com o advento da Ação Civil Pública,
reunindo os elementos de luta, que inevitavelmente nos possibilita observarmos a
distinção quando os direitos se referem às pessoas de uma minoria representativa
e quando se referem a proteção de bens públicos ou privados.

Só uma ficção pode fazer crer que as leis são feitas para serem
respeitadas, a polícia e os tribunais para fazê-las respeitar. Só
uma ficção teórica pode fazer crer que subscrevemos de uma vez
por todas às leis da sociedade à qual pertencemos. Todos sabem,
também, que as leis são feitas por uns e impostas aos outros. [...]
Todo dispositivo legislativo providenciou espaços protegidos e
aproveitáveis nos quais a lei pode ser violada, outros em que ela
pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são
sancionadas. No limite diria, de bom grado, que a lei não foi feita
para impedir tal ou qual tipo de comportamento, mas para
diferenciar as maneiras de dobrar a própria lei. (FOUCAULT, 2012,
p. 35)

Para Michel Foucault, portanto, são instrumentos pelos quais lutar, não
para neles se esperar a superação da injustiça social, ou uma nova política de
gestão ética da população onde elas, as leis, fossem minimamente necessárias.
De fato, a tolerância relativa aos crimes dos direitos, conta com a transigência que
hora é justificada pelo viés econômico, ora pela falta de normatização, ora pela
justificativa de que não há possibilidade de exigir formação a todos os educadores,
que terão como estudantes, sujeitos com deficiência; ora argumentando sobre a
impossibilidade financeira de tornar acessível a todos, aos menos os espaços
públicos
protegidos e aproveitáveis nos quais a lei pode ser violada, outros em que ela
pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são sancionadas.
(FOUCAULT, 2012, p. 35).
Por exemplo, na Convenção dos Direitos das Pessoas com deficiência,
instituída pelo Decreto 6949/2009, há um trecho que abre possibilidades de não
cumprimento, na prática, do que nele se prescreve, já que esse Decreto é Emenda
Constitucional.

necessários e adequados que não acarretem ônus


desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso,
a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar
ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais
(BRASIL, 2009, grifos nossos).

Portanto, está evidente que há uma clara vinculação do Estado reconhecer


os direitos das pessoas com deficiência, ao mesmo tempo que explicita que o

da garantia de direito,
custar Adaptar sem gerar custo desproporcional (quanto valem os direitos das
PcD?) abre jurisprudência para as instituições de ensino (do básico ao superior)
não garantir direito, por isso não é de se estranhar que as instituições que
produzem teorias sobre inclusão não são, elas mesmas, inclusivas. Da mesma
forma, permite ao Estado impor a inclusão a ser feita: os repasses de recursos
devem privilegiar as entidades federativas que optem por inclusão em classe
comum, independente do preparo ou não do educador, com AEE no contraturno
ou, no caso dos estudantes surdos, com intérpretes de Libras sem que se exija
formação inicial (posto que o Estado não investe o necessário na formação de
educadores bilíngues: faz o que pode e quer conforme as Adaptações Razoáveis
rezam).
Em tal contexto histórico, não é de se estranhar o avanço da judicialização
dado que cabe ao cidadão comum de modo solitário ou em grupo - interpelar o
Estado pelo recuo, omissão, anulação e a formulação de outras leis que isenta o
Estado de sua responsabilidade9. O fato do direito à educação ser assegurado
legalmente, para esse segmento de pessoas não corresponde à realidade, sendo
os esforços, principalmente dos familiares no campo escolar quer seja de
qualidade ou de saúde, percorridos com grande dor e sofrimento.
Sabe-se, que não é incomum às dificuldades para se incluir pessoas com
deficiência na rede pública de ensino, que ainda não estabeleceu política pública
eficaz que correspondesse aos acordos celebrados em nível internacional, em

9 No momento da redação deste trabalho, o atual ministro da Economia, contrariando a Lei 13.146

de 2015, apresentou à Câmara o projeto de lei 6.159/19 segundo o qual é proposto uma forma

a empresa trocar a contratação de uma pessoa com deficiência pelo pagamento de uma multa de
2 salários mínimos a ser gerenciada pelo Programa de Habilitação e Reabilitação Física e
Profissional (contra a Lei 8.213/91 art. 93). O Ministério Público já está entrando em campo em
Brasília para que o projeto de lei não passe como está (SPBANCÁRIOS, 2019).
especial o disposto nas obrigações gerais ratificadas pelos Estados parte da ONU
na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência10.
Dentre os desdobramentos das lutas pelos direitos individuais e coletivos,
verifica-se o ajuizamento de diversas ações contra o Estado pelo direito à
educação, resultando num extenso e moroso processo de judicialização das
Políticas Públicas destinadas às pessoas com o Transtorno do Espectro Autista
(TEA), que buscam na decisão judicial uma determinação clara e objetiva, que
estabeleça para Estado, a obrigação de garantir as condições educacionais
necessárias para a sua escolarização e em decorrência, a conquista da cidadania,
portanto, contra uma política de gestão financeira que poupa recursos às custas
de uma parte significativa de sua população.
A escolha do tema que está sendo tratado, o direito a educação dos
autistas e as novas formas de suplício sofridas pelos diversos atores que estão
envolvidos, autistas, familiares e instituições, em decorrência dos desdobramentos
da judicialização em desfavor do Estado de São Paulo e que resultou em causa
ganha em favor dos autistas, nos despertou singular interesse como objeto de
pesquisa considerando que a minha proximidade com o tema, uma vez que
exerço o cargo público de Supervisor de Ensino da Rede Pública Estadual. Esse
cargo me coloca diante dos casos concretos de atendimento dos interessados por
vaga em escola especializada ou o serviço de auxiliar pedagógico, sendo flagrante
a dificuldade do setor público educacional em atender os alunos com TEA, dentro
das expectativas dos familiares e das exigências impostas pelos termos da Ação
Civil Pública que transitou em julgado, e a qual exporei ao longo desse estudo.
Com regular frequência nos deparamos com decisões judiciais, a maioria
sob a provocação e condução da Defensoria Pública, alguns processos que
determinam a providência de matrícula em escola especializada e outros em que
se determina a contratação de auxiliar pedagógico para atuar em sala de aula

10

todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem
qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se
comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra
natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b)
Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis,
regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com
deficiência; c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos
direitos humanos das pessoas com deficiência; d) Abster-se de participar em qualquer ato ou
prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e
comum juntamente com o professor titular. Tanto num caso quanto no outro, a
dificuldade de cumprir as decisões judiciais são flagrantes, pois não se
estabeleceu políticas garantidoras que possibilitam a operacionalização das
demandas por vagas em escolas especializadas ou a contratação de auxiliar
pedagógico. Dessa forma é inevitável observar a tristeza e frustração dessas
famílias que estão lutando para ter o direito à educação para os seus filhos de
forma a atender e respeitar a sua diferença.
Tendo em vista o exposto, e meu interesse particular na análise do
processo acima citado, dividirei o presente estudo em:

Capítulo I: será a introdução, com o objetivo de dar um panorama dos


capítulos que foram desenvolvidos no presente estudo e já fazendo uma
interlocução com o pensamento de Michel Foucault.

Capítulo II: será explicitado o objetivo do presente estudo e a metodologia


a ser usada para análise do processo: TJ SP - ACP, nº 053.00.027139-2, que
teve início no ano 2000 e transitou em julgado em janeiro de 2006.

Capítulo III: terá como objeto fazer uma revisita histórica à emergência da
função do supervisor de ensino e um retorno a minha própria história como
supervisor de ensino e como ela me levou ao processo TJ SP - ACP, nº
053.00.027139-2, SP, e discutirei o que me levou a fazer de um processo de
demanda judicial objeto de análise e reflexão teórica.

Capítulo IV: será feito um resumo, breve, pois o processo conta 1715 (hum
mil setecentos e quinze) páginas até o trânsito em Julgado em 27 de janeiro de
2006, com cerca de 9 (nove) volumes, mais o que foi acrescido após o pedido de
extinção pelo MPSP em 2014, dando voz aos principais personagens que o
integram.

Capítulo V: exporei as principais ideias de Foucault, sobre direito em


diálogo com o processo. Discutirei o que, neste trabalho, será entendido
teoricamente como suplício: do ganho de causa ao arquivamento do processo.
Farei uma análise global sobre os direitos dos autistas e as novas formas de
suplícios

Capítulo VI: serão discutidos os conceitos foucaultianos de biopoder e


biopolítica e a sua relação com a normalização do suplício dos autistas e dos
envolvidos no processo e pelo processo.

Capítulo VII: em considerações finais,


dos pais dos autistas têm a ver conosco, como integrantes do Sistema
Educacional e como agentes de transformação, mas também de submissão da
história.
II. OBJETIVO, PERGUNTAS E METODOLOGIA

O presente trabalho, tem o objetivo de discutir a partir da análise de uma


Ação Civil Pública, a favor das pessoas com Transtorno do Espectro Autista , as
formas de suplício pelas quais passam autistas, familiares, profissionais de
educação e instituições de atendimento educacional a contradição entre Direito
e Justiça, será analisada a partir das abordagens de Michel Foucault,
estabelecendo uma relação entre o processo de judicialização e o sofrimento
caracterizado pelo suplício, bem como o desdobramento e os impactos de uma
nova razão governamental que, através da governamentalidade e processos de
biopoder e biopolítica, passaram a sujeitar as políticas de direito à educação à
uma nova ordem cujos interesses, valores e práticas, podem resultar na exclusão
e no suplício das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.
A seguir apresentaremos as perguntas que nortearam a perspectiva teórica
desta pesquisa, considerando que o esforço para responde-las se constituiu numa
dimensão do exercício acadêmico da escrita dissertativa.

■ A partir das abordagens de Michel Foucault, é possível considerar que


relações de poder verificadas na Ação Civil Pública resultaram em
estratégias governamentais que mantiveram a tendência de negação ao
direito à educação?
■ Através de práticas governamentais relativas ao biopoder e a biopolítica,
pautaram-se os interesses, princípios e valores de caráter econômicos e de
mercado em detrimento dos direitos dos autistas, o que teria suscitado a
resistência materializada na Ação Civil Pública?
■ Há sujeição das políticas de direito à educação, a uma nova ordem
econômica, cujos valores podem resultar na exclusão das pessoas com TEA
do próprio Sistema Educacional e no seu suplício?

A metodologia consiste em uma Análise documental numa perspectiva


autobiográfica, pois não há descolamento entre a minha prática como Supervisor
de Ensino e os desdobramentos da Ação Civil Pública dos autistas ACP Nº
1679/00 - Processo nº 053.00.027139-2, de 2000 - 2016, que inevitavelmente
desembocou na nossa rotina de trabalho, que dentre as diversas atividades, estão
incluídos os encaminhamentos dos casos judiciais, versando sobre o direito à
educação, em relação ao atendimento especializado conforme tem sido decidido
em juízo, na Vara da Infância e da Juventude do Fórum da nossa região
administrativa, e que remetem a ACP dos autistas.
A perspectiva autobiográfica, aborda a função do Supervisor de Ensino em
relação a três dimensões: histórica, trajetória pessoal e o envolvimento com a
demanda judicial dos pais dos autistas.
A dimensão histórica, vai mostrar as características da atuação desse
profissional, desde o surgimento da função do Supervisor de Ensino, suas
transformações ao longo das décadas e as normativas que prescrevem suas
atribuições, ao mesmo tempo em que a sua atuação se dá num contexto de
contradições, pois o seu papel de exercer as atribuições disciplinadoras colidem
com os princípios de autonomia. Ao abordar as concepções foucaultianas de
Panoptismo e de governamentalidade, pretende-se aprofundar o sentido de
verdade para a racionalidade que acasala a ação do Supervisor de Ensino, mas
que também suscita a sua luta e resistência.
A dimensão que aborda o percurso que me constituiu um profissional da
educação, busca mostrar a trajetória percorrida em diversas funções que foram
exercidas e como a Educação Especial passou a ser parte das minhas atribuições,
relacionando as normas para a implantação da política de Educação Especial com
o conceito foucaultiano de racismo de Estado.
Ainda considero nesta dimensão, as suas atribuições posicionadas entre o
real e o prescrito, e, que lhe causa um quadro de sofrimento, definido por Danièle
Linhart como uma penosidade no trabalho, pois se inscreve num contexto de
sofrimento, de penosidade no trabalho e de suplício, pois o dever de cumprir ou
fazer cumprir uma instrução que está distanciada da realidade pedagógica das
escolas, torna esse profissional desqualificado administrativamente e
politicamente, pois vai depender das prioridades governamentais para que possa
exercer com efetividade o seu trabalho.
A terceira dimensão autobiográfica, apresenta a narrativa em que o
envolvimento profissional com a demanda dos pais dos autistas, desperta singular
interesse pelo tema, visto que a especificidade dessa diferença das características
individuais dos autistas, requer um olhar irrestrito para o seu direito a vida e a
cidadania. Nesse sentido, o meu lugar de fala também dialoga com esses pais,
haja vista que sou pai de filho com deficiência visual e, sei como as portas se
fecham quando se trata de exigir os direitos que minimamente estão prescritos
legalmente.
O documento principal a ser analisado é a ACP dos autistas, que teve um
percurso longo e que ainda, até o final desta pesquisa, em janeiro de 2020,
continua a demandar ações judiciais, pois há entendimentos diversos sobre como
se deve dar o seu cumprimento, portanto a legislação educacional também será
objeto de análise, visto que a mesma tem sido a ancoragem para os diversos
entendimentos de como deve ser a garantia do direito à educação dos autistas.
Quanto à análise da legislação, O campo da Educação será
contextualizado em função das normas e legislação vigentes e, sempre com a
refutação da nossa argumentação ancorada no referencial teórico numa
perspectiva foucaultiana. Será demonstrado como a mesma está envolta por
contradições e flancos que possibilita o seu descumprimento de forma flexível e
opaca, numa proximidade com a transgressão dos direitos que a mesma afirma
garantir, como afirmou Foucault:

Todo dispositivo legislativo providenciou espaços protegidos e


aproveitáveis nos quais a lei pode ser violada, outros em que ela
pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são
sancionadas. No limite, diria de bom grado que a lei não foi feita
para impedir tal ou tal tipo de comportamento, mas para diferenciar
as maneiras de dobrar a própria lei. (FOUCAULT, 2012, p. 35)

Dessa forma, não seria exagero concordar com Foucault, que as leis não
garantem direitos, mas criam os crimes e delimitam os ilegalismos.
As fontes utilizadas para o nosso acesso a documentação jurídica, também
denominada como referências processuais, foi o acesso a rede mundial de
computadores, ou seja, a internet. Os sítios virtuais consultados foram de domínio
público, do Ministério Público de São Paulo - MPSP e do Tribunal de Justiça de
São Paulo TJSP.
O período de análise, que será abrangido por esta pesquisa, será restrito
entre os anos 2000 (dois mil) e 2016 (dois mil e dezesseis), pois compreende o
momento inicial da ACP, com o Inquérito Civil -IC Nº 029/00, em 31 de agosto do
ano 2000, ACP Nº 1679/00, de 26 de outubro de 2000, pelo Ministério Público de
São Paulo MPSP e a decisão da Juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública,
Processo Nº 0027139-65.2000.8.26.0053, ocorrida em 30 de agosto do ano 2016.
Será analisada cada etapa judicial que percorreu o processo da ACP,
sempre com a discussão teórica fundamentada nas obras de Michel Foucault, com
ênfase nos conceitos desenvolvidos pelo pensador, como suplício, biopoder,
biopolítica, direito, justiça, governamentalidade e capital humano.

O recorte temporal, contendo as etapas que compreendem o processo dos


autistas são: Inquérito Civil IC Nº 029/00, ano 2000; Ação Civil Pública- ACP Nº
1679/00, ano 2000; Processo Nº 053.00.027139-2, ano 2000 a 2006, que inclui (
Petição do MPSP a partir do Inquérito Civil, Justificativa dos Promotores Públicos
do MPSP, argumentos de defesa da Fazenda Pública do Estado de São Paulo-
FESP, decisão do juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, apelação da FESP,
decisão favorável aos autistas dos Desembargadores do TJSP, os Embargos e o
Trânsito em Julgado com a decisão a favor dos autistas); Pedido de extinção pelo
MPSP no ano de 2014; Audiência Pública solicitada pela Defensoria Pública no
ano de 2014 e Decisão da 6ª Vara de Fazenda Pública no ano de 2016.
A aplicação do conceito de suplício, que foi utilizado nesta pesquisa,
encontra no cenário da Audiência Pública, o mais fértil terreno para sua
significação, posto que a tortura psicológica se fez presente sobretudo em relação
aos familiares dos autistas. Esta constatação foi identificada em cada
pronunciamento que ocorreu durante a Audiência Pública, portanto tivemos o
cuidado de sintetizá-los preservando-se a ideia principal de cada um.
O conceito de Capital Humano, demostrado por Foucault durante o curso
, ganhou espaço na nossa análise teórica no cenário
da Audiência Pública. Nosso interesse foi demonstrar como esse conceito se faz
presente através da imposição das políticas públicas de inclusão que, no geral não
considera o sujeito autista nas suas diferenças, pelo contrário, espera que cada
um possa apresentar o máximo de desempenho dada as condições padronizadas
pela política de inclusão.
Por fim, desenvolvemos dois capítulos, V e VI, cujo enfoque foi a análise
dos conceitos de direito, suplício, biopoder e biopolítica. Entendemos que o olhar
foucaultiano, lança luz a compreensão da racionalidade governamental que, de
forma oficial, defende o direito à educação dos autistas e, que através das práticas
prescritivas e da precarização dos serviços e das condições materiais oferecidas,
consumam a negação desse direito. Ainda por fim, utilizam a estrutura do próprio
Estado, na figura do judiciário para aplicar as estratégias que definem a letargia
com que os direitos à educação são tratados.
O diálogo com Michel Foucault a partir nas obras em que trata, diretamente
sobre a regulamentação do Estado no que tange a Justiça e o Direito e, a
racionalidade de Estado exercida por uma razão governamental, evidencia-se que
os valores vigentes causam a exclusão.
As principais obras de Mich

, possibilitam
uma análise sobre as relações de poder que estão implicadas na ideia de suplício
que defendemos, ao considerarmos que a negação, sob várias formas de
atendimento, ao direito à educação dos autistas, em razão das lutas e da
resistência implicadas resultam numa nova forma de suplício.
Em relação às Leis, serão considerados os documentos produzidos pelo
MEC, O PNEEPEI (Plano Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva) de 2008. Lei 12.764/2012 (Institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) e
documentos produzidos pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo.
III. A FUNÇÃO SUPERVISORA

A. Um olhar histórico

Atualmente, o Supervisor de Ensino do Sistema de Educação do Estado de


São Paulo, é um profissional do quadro do magistério que, dentre diversas
atribuições, o acompanhamento para a implantação e implementação das políticas
públicas caracterizam suas principais atribuições. Para tanto, seu trabalho é
exercido junto às escolas da Rede Pública Estadual como um suporte pedagógico,
que além de subsidiar a prática da gestão escolar, também tem um papel
fiscalizador.
O que se espera desse profissional do ponto de vista do direito à educação,
principalmente após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, LDBEN Nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, em especial os artigos 58
a 6011, que tratam da educação especial, são ações que favoreçam a
implementação das políticas públicas que, na prática, devem favorecer o
educando matriculado, preferencialmente na rede regular de ensino, que deve
reunir as condições necessárias para que o direito à educação seja garantido para
todos, inclusive para o público alvo da Educação Especial, dentre eles, os alunos
com Transtorno do Espectro Autista TEA, alvo desta pesquisa.

11 Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação
dada pela Lei nº 12.796, de 2013) § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre
que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas
classes comuns de ensino regular.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de
2013) I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades; [...] III - professores com especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns; [...]
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização
das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação
especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do
atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do
apoio às instituições previstas neste artigo.(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
(Legislação Brasileira sobre Educação / Câmara dos deputados. -3. Ed. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2015). 238 p. (Série legislação; n. 138)
De acordo com Saviani, a Supervisão Escolar no Brasil, tem início
quando se queria emprestar à figura do inspetor um papel predominantemente de
orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar da
fiscalização para detectar falhas e aplicar punições.

é condição para o surgimento da figura do supervisor como distinta


do diretor e também do inspetor. Com efeito, na divisão do

emprestar à figura do inspetor um papel predominantemente de


orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em
lugar da fiscalização para detectar falhas e aplicar punições, que
esse profissional passa a ser chamado de supervisor. É este o
caso do Estado de São Paulo, onde se reserva o nome de
supervisor ao agente educativo que desempenha as funções antes
atribuídas ao inspetor, denominando-se coordenador pedagógico
ao supervisor que atua nas unidades escolares. (SAVIANI, 1999,
p. 28-29).

No final da década de 50 e início da década de 60, em virtude do acordo


firmado entre Brasil e Estados Unidos da América para implantação do Programa
de Assistência Brasileiro Americano ao Ensino Elementar, o PABAEE, o
Supervisor Escolar tem estritamente a função de controlar e inspecionar.
, a fim de que
estes garantissem a execução de uma proposta pedagógica, voltada para a
educação tecnicista, dentro dos moldes norte-americanos. Alguns estados
brasileiros como Minas Gerais, Goiás e São Paulo foram os principais aplicadores
do Programa, porém esta tendência influenciou a educação e a função do
Supervisor Escolar em todo o país.
As atribuições do Supervisor de Ensino, de acordo com a Legislação e
Normas do Estado de São Paulo, a exemplo dos modelos norte-americanos, teve
sua origem relacionada ao modo de produção capitalista, que objetivava a
racionalização do trabalho e o controle da mão de obra, visando ao aumento da
produtividade, no caso representada por melhoria dos resultados educacionais e
alcance de metas estabelecidas pelos órgãos oficiais.
O Supervisor de Ensino possui legalmente um poder instituído que
determina suas ações frente ao corpo docente, à direção escolar e à proposta
pedagógica da escola, e a partir de então, passando a ter suas atribuições
definidas pelos órgãos superiores a partir das diversas legislações e normas que
foram sendo modificadas e substituídas ao longo dos anos, conforme
demonstrado a seguir:

Artigo 7º [...] II- Zelar pela integração do sistema, especialmente


quanto à organização curricular; [...] IV- Elaborar os instrumentos
adequados para a sistematização das informações; [...] X- Cumprir
e fazer cumprir as disposições legais relativas à organização
didática, administrativa e disciplinar emanadas das autoridades
superiores; [...] XI- Apresentar relatório das atividades executadas,
acompanhado de roteiro de inspeção. (SÃO PAULO, 1975)

Artigo 78 [...] I- na área curricular, II - na área administrativa; III-


supervisionar
atividades pedagógicas e de orientação educacional (introduzido
pelo Decreto nº 39.902/95), IV- colaborarn a difusão e
implementação das normas pedagógicas emanadas dos
órgãos superiores (introduzido pelo Decreto nº 39.902/95), V-
avaliar os resultados do processo ensino-aprendizagem
(introduzido pelo Decreto nº 39.902/95), VI- analisar dados
relativos à Delegacia e elaborar alternativas de solução para os
problemas específicos de cada nível e modalidade de ensino
(introduzido pelo Decreto nº 39.902/95), VII- assegurar a retro
informação ao planejamento curricular (introduzido pelo Decreto nº
39.902/95). (SÃO PAULO, 1976)

A Lei Complementar nº 744 de 1993, confirmada por Resolução da


Secretaria Estadual de Educação prescreve que aos integrantes da classe de
Supervisor de Ensino compete:

I Exercer, por meio de visita aos estabelecimentos de ensino, a


supervisão e a fiscalização das unidades escolares incluídas no
setor de trabalho que lhe for atribuído, prestando a necessária
orientação técnica e providenciando a correção de falhas
administrativas e pedagógicas, sob pena de responsabilidade, (Lei
Complementar nº 744 de 28 de dezembro de 1993; Resolução da
Secretaria da Educação nº 28 de 1994). (SÃO PAULO, 1993)

A Secretaria da Educação no ano de 2011 iniciou um impactante processo


de reorganização administrativa que descentralizou diversas competências que,
antes, eram exercidas pelos órgãos centrais da Secretaria e que a partir do
Decreto governamental passou para responsabilidade das Diretorias de Ensino.
Importante lembrar que a reorganização sobrecarregou a estrutura limitada das
diretorias acarretando problemas, tanto de recursos humanos pela falta de mão de
obra como dificuldades técnicas e materiais.
As Equipes de Supervisão de Ensino têm, por meio dos
Supervisores de Ensino que as integram, as seguintes atribuições:
I - exercer, por meio de visita, a supervisão e fiscalização das
escolas incluídas no setor de trabalho que for atribuído a cada
um, prestando a necessária orientação técnica e providenciando
correção de falhas administrativas e pedagógicas, sob pena de
responsabilidade, conforme previsto no inciso III do artigo 9º da Lei
Complementar nº744 de 28 de dezembro de 1993. O Decreto nº
57.141, Art. 72 de 18 de julho de 2011. (SÃO PAULO, 2011)

Os termos de caráter pedagógico, como assessorar, orientar, avaliar,


participar, informar, apoiar, acompanhar, dentre outros, correspondem a uma
parcela menor da prática supervisora, dentre outras que não são prescritas, como
ouvir a equipe escolar e compreender suas ansiedades e angústias. A considerar
a própria etimologia da palavra Supervisão, do inglês supervise, que
significa dirigir, orientar ou inspecionar em plano superior, corroborado pelo peso
da legislação e das normas, fica evidente que o controle, a fiscalização e a
responsabilização representam na prática e com peso simbólico significativo, o
verdadeiro sentido da existência da supervisão escolar, exercida pelo Supervisor
de Ensino, que sob pena de responsabilidade, conforme expresso na legislação,
deve exercer a sua função como bem observa Foucault:

Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto


interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez,
certamente, que o corpo e objeto de investimentos tão imperiosos
e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior
de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,
proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto, são novas
nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: não se
trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse
uma unidade indissociável mas de trabalha-lo detalhadamente; de
exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível
mesmo da mecânica movimentos, gestos atitude, rapidez:
poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do
controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a
eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz
mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimonia que
realmente importa e a do exercício. A modalidade enfim: implica
numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos
da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo
com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o
espaço, os movimentos. (FOUCAULT, 2013, p. 132-133)
As atribuições destinadas ao supervisor são contraditórias, pois a ideia de
que o Supervisor de Ensino deve dar suporte pedagógico, fiscalizar e também
corrigir falhas administrativas e pedagógicas pressupõe que esse profissional
reúne as condições técnicas e deliberativas para que, de fato, possa estabelecer a
esperada correção, o que de fato não pode realizar, pois esbarra nos limites
impostos não apenas pelas condições precárias de trabalho que cercam a
realidade escolar como também por um mecanismo de atenta vigilância e de
conflitos internos no próprio lugar de trabalho (discordâncias na forma de gestão,
competição entre pares, ingerências políticas entre secretaria de estado e os
trabalhadores de base etc). Nesse sentido, o papel disciplinador que deve ser
exercido pelo Supervisor, guarda semelhança com o que Foucault esclarece:

Duas imagens, portanto, da disciplina. Num extremo, a disciplina-


bloco, a instituição fechada, estabelecida a margem, e toda voltada
para funções negativas: fazer parar o mal, romper as
comunicações, suspender o tempo. No outro extremo, com o
panoptismo, temos a disciplina-mecanismo: um dispositivo
funcional que deve melhorar o exercício do poder tornando-o mais
rápido, mais leve, mais eficaz, um desenho das coerções sutis
para uma sociedade que está por vir. O movimento que vai de um
projeto ao outro, de um esquema da disciplina de exceção ao de
uma vigilância generalizada, repousa sobre uma transformação
histórica: a extensão progressiva dos dispositivos de disciplina ao
longo dos séculos XVII e XVIII, sua multiplicação através de todo o
corpo social, a formação do que se poderia chamar grosso modo a
sociedade disciplinar. (FOUCAULT, 2013, p. 198)

Temos ainda que considerar que o supervisor é visto como um profissional


docente, ainda que a relação que estabelece com o seu trabalho seja determinada
por normativas que o levam a ter um olhar fiscalizador e de controle sobre os
processos de trabalho que ocorrem no interior das escolas. Esse trabalhador não
estabelece com o seu trabalho, uma relação de forma autônoma e isso pode ser
compreendido, considerando o que Foucault discutiu em relação às
, em q o que ele
é, e o mundo no qual vive, agregando uma determinada resistência, no sentido de
que:

[...] essa problematização estava relacionada a um conjunto de


práticas que, certamente, tiveram uma importância considerável
-se entender, com isso, práticas reflexivas e
voluntárias através das quais os homens não somente se fixam
regras de conduta, como também procuram se transformar,
modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que
seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos
critérios de estilo. Ess

sua autonomia quando, com o cristianismo, foram integradas no


exercício de um poder pastoral e, mais tarde, em práticas do tipo
educativo, médico ou psicológico. (FOUCAULT, 1984, p. 14-15)

A própria prescrição da ação supervisora, que por ele é incorporada, acaba


por determinar, pelas normativas citadas, estabelecendo os limites desse fazer
que não permitiriam a autonomia profissional, correspondendo ao conformismo
das suas práticas alinhadas com os valores estéticos e de estilo que passa a
adotar. Estaria o Supervisor nesse sentido e de acordo com a prescrição do seu
trabalho exercendo, sobre si mesmo e sobre aqueles que são submetidos ao seu
acompanhamento, um poder do tipo pastoral, pois também, a exemplo do pastor
de ovelhas, se sacrificaria pela ovelha. No caso do Supervisor, poderia ser
responsabilizado pelas falhas da gestão escolar, caso não obtenha êxito nas
correções e resgate do gestor errante. Foucault considera que a autonomia e as
técnicas de si, entendida também como resistência, perderam parte da sua
importância quando foram integradas no exercício do poder pastoral 12 e nas
práticas do tipo educativo.

Essas novas relações dos méritos e deméritos, da obediência


absoluta, da produção das verdades ocultas, é isso que, a meu
ver, constitui o essencial, a originalidade e a especificidade do
cristianismo, e não a salvação, não a lei, não a verdade.
(FOUCAULT, 2008, p. 242)

12 (...) O poder pastoral é, na realidade, uma figura que se forma com o Cristianismo a partir da

tradição hebraica e em certas técnicas de vida da tradição grega, sobretudo, da filosofia da época
helenística. (...) O poder pastoral é em definitivo, uma técnica de individualização. (...) O poder
pastoral foi uma prática própria das comunidades monásticas que teve um importante
desenvolvimento na literatura cristã dos primeiros séculos. Contudo, o poder pastoral não foi a
forma triunfante durante a Idade Média, mas o Império. (...) a reforma protestante e a chamada
contrarreforma católica, com o fim do feudalismo e o abandono do ideal de um sacro império,
determinaram uma reativação desse modelo. A pastoral da confissão e da direção da consciência
a partir do século XVI são exemplos mais eloquentes dessa reativação. A tese de Foucault é que
as formas de racionalidade do poder, no Estado moderno, são uma apropriação-transformação das
práticas de poder pastoral. Mais precisamente, a especificidade do Estado consiste, como já
indicamos, em haver integrado em uma forma jurídica nova as técnicas individualizantes do poder
pastoral. (CASTRO, Vocabulário de Foucault, 2016, p. 329)
Para Foucault, o pastorado cristão estabelece uma rede de servidão, de
todo mundo em relação a todo mundo, ou seja, a responsabilidade é distributiva
de forma numérica e qualitativa (FOUCAULT, 2008). Faz sentido compreender
que, os limites impostos por normas de trabalho, estão evidenciados nos relatórios
empre retratar a sua
observação em relação às obrigações, também prescritas para o funcionamento
das escolas, gerando assim uma obediência que é partilhada por todos, pois os
termos de orientações do Supervisor só tem validade se for autenticado pelo
Diretor de Escola ou, quem designado por este, para acompanhar a visita do
Supervisor.
Há nesse sentido, uma individualização marcada pela obediência, que
independeria de certa forma o princípio da lei ou da verdade, mas que seria
influenciada por diagonais que implicam outros tipos de relações. Um exemplo
claro dessa diagonal é o fato de que, todas as ações para melhoria dos resultados
educacionais da escola, ignoram o todo do currículo escolar e se detém
especificamente em dois componentes curriculares, no caso, Português e
Matemática. A negação dos demais componentes, corresponde a outro tipo de
relação com a formação do educando que ofende o princípio de que o aluno tem
direito a formação integral correspondente a todo o currículo escolar.

A individualização no pastorado cristão vai se efetuar de acordo


com um modo que é totalmente particular e que pudemos
apreender justamente através do que dizia respeito à salvação, à
lei e à verdade. É que, de fato, essa individualização, assim
assegurada pelo poder pastoral, já não vai ser definida pelo
estatuto de um indivíduo, nem por seu nascimento, nem pelo brilho
das suas ações. (...), é uma individualização que vai se dar não
pela marcação de um lugar hierárquico do indivíduo. Ela não vai se
dar, tampouco, pela afirmação de um domínio se si sobre si, mas
por toda uma rede de servidões, que implica a servidão geral de
todo mundo em relação a todo mundo, e ao mesmo tempo a
exclusão do egoísmo como forma central, nuclear do indivíduo, É
portanto uma individualização por sujeição. (FOUCAULT, 2008, p.
242-243)

A ênfase no alcance dos resultados e metas insta o Supervisor de Ensino a


exercer o seu papel dentro de uma moldura que não teve a sua participação e
muito menos sua aprovação, portanto trata-se de uma descaracterização do
alcance que seria possível num trabalho com autonomia, entretanto não está
inviabilizado a sua resistência que guarda em certa medida os valores que
singularizam sua individualidade de acordo com seus critérios estéticos e de estilo.
Além dessa questão do profissionalismo ausente, impõe-se uma
expectativa ou exigência institucional que estabelece um perfil, regulamentação ou
performance desejada para esse profissional que o coloca numa posição de
subordinação incalculável, ainda que a resistência que exerce sob a coerção, se
traduz algumas vezes no adoecimento, que já faz parte da rotina desse
profissional.
Para Foucault, a resistência é suscitada pelo exercício do poder e, a sua
possibilidade não é essencialmente da ordem da denúncia moral ou da
reivindicação de um direito determinado, mas da ordem estratégica e da luta.
(CASTRO, 2016).

Quero dizer que, as relações de poder suscitam necessariamente,


apelam a cada instante, abrem a possibilidade a uma resistência, e
é porque há possibilidade a uma resistência real que o poder
daquele que domina tenta se manter com tanto mais força, tanto
mais astúcia quanto maior for a resistência. De modo que é mais a
luta perpétua e multiforme que procuro fazer aparecer do que a
dominação morna e estável de um aparelho uniformizante.
(FOUCAULT, 2006, p. 232)

Nesse sentido, o que temos em função das ações prescritivas e


normatizadas da ação do Supervisor de Ensino, é um profissional que exerce sua
função dentro de parâmetros de controle e que está sujeito a ser responsabilizado
e julgado em decorrência de problemas não observados, pois a complexidade das
atividades que ocorrem numa escola, nem sempre estão ao alcance do seu olhar,
ainda que possa prescrever todas as orientações nos seus termos de visitas.
A Educação Especial, pode facilmente exemplificar a impossibilidade de a
ação supervisora em garantir os direitos desses alunos público alvo da Educação
Especial. A própria falta de estrutura material e de recursos humanos para o
atendimento adequado dos alunos com deficiência, sempre coloca o Supervisor
de Ensino numa posição em que a lei cria o ilegal na medida em que ele não tem
força para fazer cumprir a lei, no sentido de que também não reconhece a força
que tem e por isso não se organiza e passa a sofrer sozinho, ao mesmo tempo em
que se depara com a negligência pedagógica, gerada pela falta de estrutura que
não foi providenciada pelo Estado, e o atendimento, no caso específico dos alunos
com TEA, não é efetivado conforme os direitos previstos nas prescrições legais.
A implementação de uma política pública para a efetivação de um programa
educacional, como de Educação Especial, se dá pelas por 3 etapas: i) Formatação
ou desenho do programa que envolve o planejamento, com detalhes, objetivos,
indicadores, metas e estrutura necessária para a operação . ii) Estruturação que
implica na implantação da estrutura necessária para a operação do programa , de
tal maneira que viabilize o cumprimento das rotinas necessárias para a execução
do programa. iii) A operação que se constitui como a etapa em que a rotina da
execução ocorre. (BRITO et al, 2009, p. 92-93).
Ainda de acordo com o Desenvolvimento Gerencial na
Administração Pública do Estado de São Paulo”, o não reconhecimento dessas
etapas e suas diferenças, podem ser consideradas as principais razões para o
insucesso de programas governamentais e os grandes problemas na etapa
operacional, são sintomas da falta de estrutura, indicando que o programa
struturação. (BRITO et al,
2009, p. 92-93). Por outro lado, não se possibilita a organização de uma estrutura,
por falta de interesse político de investimento na área da Educação Especial - qual
seria a razão desse desinteresse? - Ou de não a priorizar no momento em que os
recursos são distribuídos, racionalizados e distribuídos em rubricas, nem sempre
possíveis de serem remanejadas? O que me parece é uma certa política, efeito do
Racismo de Estado, que por meio de benefícios previdenciários precários, acaba
por manter o anormal fora das vistas dos "normais". E aí a base eugênica alimenta
a exclusão e pode justificar a falta de interesse político: "lugar de anormal é em
casa" com sua inutilidade e ônus aos cofres públicos.
À luz dessa publicação, seria possível num primeiro momento, qualificar a
obviedade dos porquês que são imperativos na falta de garantia ao direito `a
educação dos alunos com TEA, entretanto, vamos considerar os fatores mais
estruturantes que estão sob uma racionalidade governamental e, que o seu
produto prático e aviltante, são as diversas formas de suplício que alcançam os
autistas, familiares, profissionais da educação e instituições voltadas para o
atendimento dos indivíduos com TEA.
Se o castigo decorrente do suplício, para Foucault, passou de uma arte das
sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos (FOUCAULT,
2013), podemos entender que, as diversas formas de suplícios que alcançam o
contexto dos autistas, podem ser concebidas em relação à conservação do fator
dor ou sofrimento, mas incorpóreo, através da aplicação das técnicas de governar
que lhes causam a exclusão do direito à educação. Importante ressaltar que das
diversas categorias profissionais que passaram a substituir o carrasco na
aplicação da pena, Foucault menciona o educador, portanto faço a inferência para
o Supervisor de Ensino, que tem participação ativa na fronte da condução dos
atendimentos aos autistas em busca dos seus direitos.
O controle que é exercido sobre o trabalho do Supervisor de Ensino se
inscreve numa lógica panóptica, conforme abordado por Foucault em Vigiar e
Punir.

O Panótpico de Benthan é a figura arquitetural dessa composição.


O princípio é conhecido: na periferia uma construção em anel; no
centro, uma torre: esta é vazada de largas janelas que se abrem
sobre a face interna do anel: a construção periférica é dividida em
celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção;
ela tem duas janelas, uma para o interior, correspondendo as
janelas da torre, outra, que dá para o exterior, permite que a luz
atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na
torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um
condenado, um operário ou um escolar. [...] O Panóptico é uma
máquina de dissociar o par ver-se visto: no anel periférico, se é
totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo sem
nunca ser visto. [...] O panoptismo é o pricípio geral de uma nova

[...] O arranjo panóptico


dá a fórmula dessa generalização. Ele programa, no nível de um
mecanismo elementar e facilmente transferível, o funcionamento
de base de uma sociedade toda atravessada e penetrada por
mecanismos disciplinares. (FOUCAULT, 2013, p. 190, 194, 197,
198)

Para Foucault, segundo Castro (2016), nós vivemos em uma forma de


governamentalidade que se organiza no século XVIII, e que foi formada a partir de
três elementos: a pastoral cristã, a técnica diplomático-militar, a polícia. A
governamentalização do Estado teria para Foucault destacada importância, mais
do que o próprio Estado ou até mesmo a estatização da sociedade. O movimento
de Foucault, para Castro, se dá como uma tipologia dos Estados:

O Estado de justiça (nascido numa territorialidade de tipo feudal), o


Estado administrativo dos séculos XV e XVI, (com uma
territorialidade de fronteiras e não feudal, correspondendo a uma
sociedade de regramentos e disciplinas), o Estado governamental
(que tem por objetivo a população e não o território, que utiliza um
saber econômico, que controla a sociedade por dispositivos de
segurança (FOUCAULT, 1994, p. 656-657 apud CASTRO, 2016,
p. 193).

Castro identificou duas ideias de governamentalidade utilizadas por Foucault,


a primeira sendo política e que se consagra no Estado governamentalizado, ou
seja, o poder sobre todos os outros: a soberania, a disciplina e que permitiu o
desenvolvimento de toda uma série de saberes. A segunda ideia de
[...] ao encontro entre as técnicas
de domina
p. 785 apud CASTRO, 2016, p. 191).
As técnicas de si estão inscritas num contexto em que a governamentalidade
é exercida não só em relação a biopolítica, que se destina ao governo sobre
todos, mas também em relação a arte de governar a si mesmo. Para Castro, a
questão do liberalismo, terá fundamental importância para o pensamento de
Foucault, desde o ponto de vista da racionalidade das práticas de
governamentalidade. (CASTRO, 2016). Esse tema será abordado com mais
profundidade no capítulo VI.
Para Foucault, a governamentalização do Estado, se deu a partir do
liberalismo econômico, em que a frugalidade do governo é a própria questão do
liberalismo e o mercado passando a ser o lugar consagrado da verdade, ou seja,
um lugar de veridição.
, está
associado a ideia de governo mínimo como princípio de organização da razão de
Estado. Diz Foucault:

Pois bem, creio que, de fato, entra-se nesse momento numa época
que poderíamos chamar de época do governo frugal, o que não
deixa, claro, de apresentar certo número de paradoxos, já que é
durante esse período do governo frugal, inaugurada no século
XVIII e de que sem dúvida ainda não saímos, que vemos
desenvolver-se toda uma prática governamental, ao mesmo tempo
extensiva e intensiva, com efeitos negativos, com as resistências,
as revoltas, etc. que se sabe, precisamente contra essas invasões

2008A, p. 40).
O mercado deve dizer a verdade, deve dizer a verdade em relação
à prática governamental. Seu papel de veridição é que vai,
doravante, e de uma forma simplesmente secundária, comandar,
ditar, prescrever os mecanismos jurisdicionais ou a ausência de
mecanismos jurisdicionais sobre os quais deverá se articular.
(FOUCAULT, 2008A, p. 45)

Essa questão é muito importante no sentido de que a invisível do


mercado o qual Adam Smith considera, que a invisibilidade é
absolutamente indispensável . Considera que é uma invisibilidade que faz que
nenhum agente econômico deva e possa buscar o bem coletivo , (FOUCAULT,
2008A, p. 381) dessa forma opera dando visibilidade às práticas decorrentes da
sua predeterminação, logo, as práticas governamentais devem seguir a veridição
que é estabelecida no mercado, nesse sentido, a justiça deixa de ser a referência,
como ocorria antes da era moderna, quando o mercado era o lugar da jurisdição.
O mercado na idade média, segundo Foucault era o lugar da justiça e não o
da verdade como se constitui atualmente, no sentido de que era um lugar dotado
de regulamentação quanto aos objetos a levar aos mercados, quanto ao tipo de
fabricação desses objetos, quanto à origem desses produtos, quanto aos próprios
procedimentos de venda, quanto aos direitos a serem pagos e quanto aos preços
estabelecidos.

O mercado, no sentido bastante geral da palavra, tal como


funcionou na Idade Média, no século XVI, no século XVII, creio
que dizer, numa palavra, que era essencialmente um lugar de
justiça. Um lugar de justiça em que sentido? Em vários sentidos.
Primeiro, claro, era um lugar dotado de uma regulamentação
extremamente prolifica e estrita: regulamentação quanto aos
objetos a levar aos mercados, quanto ao tipo de fabricação desses
objetos, quanto a origem desses produtos, quanto aos direitos a
serem pagos, quanto aos próprios procedimentos de venda,
quanto aos preços estabelecidos, claro. Logo, lugar dotado de
regulamentação - isso era a mercado. Era também um lugar de
justiça no sentido de que o preço de venda estabelecido no
mercado era considerado, aliás tanto pelos teóricos quanto pelos
práticos, um preço justo ou, em todo caso, um preço que deveria
ser o justo preço, isto é, um preço que devia manter certa relação
com o trabalho feito, com a necessidade dos comerciantes e, é
claro, com as necessidades e as possibilidades dos consumidores.
Lugar de justiça, a tal ponto que o mercado devia ser o lugar
privilegiado da justiça distributiva. [...] A regulamentação do
mercado tinha por objetivo, portanto, de um lado, a distribuição tão
justa quanto possível das mercadorias, e também o não-roubo, o
não-delito. [...] Esse sistema regulamentação, justo preço,
sanção da fraude fazia, portanto, que o mercado fosse
essencialmente, funcionasse realmente como um lugar de justiça,
um lugar em que devia aparecer na troca e se formular nos preços
algo que era a justiça. Digamos que o mercado era um lugar de
jurisdição. (FOUCAULT, 2008A, p. 42-43)

Evidentemente que a verdade do mercado, nesta pesquisa exemplificada


pela Ação Civil Pública dos autistas, se sobrepõe a justiça, portanto criando os
paradoxos e as novas formas de suplício, que são destilados através das
instituições e materializados por sujeitos profissionais supostamente cumprindo os
seus deveres. Para Foucault, a ideia de justiça
posta em circulação em diferentes tipos de sociedade como um instrumento de
determinado poder político e econômico ou como uma arma contra esse poder. (
FOUCAULT; CHOMSKY, 2014). O tema justiça e direito será discutido mais
densamente nos capítulos V e VI.
Em relação a disciplina institucional que caracteriza e direciona o agir do
Supervisor de Ensino, utilizam-se as leis e as normas para parametrizar suas
ações, ainda que expressem as contradições entre a lei e a norma e o direito à
educação, além de impor uma penalidade nas relações de trabalho, que pode ser
traduzida como uma das faces do suplício. Dito de outra forma, a convivência com
os colegas de trabalho que não demonstram se importar com a violação dos
direitos à educação que inevitavelmente autentico e, reconheço por ofício, a
dissimulação diante das questões que opõe leis e normas, sendo a primeira na
maioria dos casos garantidora de direitos e a segunda a negação desses direitos
pela regulamentação do sistema educacional, com instruções e pareceres,
predicam o suplício profissional, no sentido de que a lógica que normatiza o
trabalho do Supervisor, se inscreve nas contradições que afrontam os princípios
que acredita ter o dever de defender e por eles agir.

as condições particulares que os obrigam a trabalhar e se comportar como


226). É claro que essas
condições estão postas, não significando é claro, que se trata de condições
adequadas em relação ao direito à educação, mas as condições que cumprem a
veridição de um Estado governamentalizado.
B. Constituindo-me supervisor de ensino

Em minha experiência no mestrado, identifiquei-me e concordo com as


asserções acima expostas, pois uma das atribuições norteadores da ação
supervisora se refere a acompanhar e garantir a implementação das políticas
públicas de educação, e nesse sentido a autonomia desejada não corresponde a
efetivação do planejamento, que seria a primeira etapa da implementação de uma
política pública, seguida pela estruturação e operacionalização.
O meu ingresso no cargo de Supervisor de Ensino do Sistema de Educação
Pública de São Paulo foi na Diretoria de Ensino da Região Sul 3, após aprovação
em concurso público no ano de 2002, com as primeiras nomeações a partir de
2003, só ocorreu em junho de 2005. Importante relatar que iniciei como professor
desse sistema de Ensino no ano de 1988, lecionando em diversas escolas
estaduais da Região Sul de São Paulo. Além da função de professor, exerci
também as funções de Professor Coordenador Pedagógico, vice-Diretor e Diretor
de Escola, sendo este, cargo efetivo cujo ingresso ocorreu em janeiro do ano de
2002.
Durante quase nove anos, ocupei o cargo de Dirigente de Ensino, do mês de
agosto 2006 a março de 2015, função cuja as atribuições se destacam aquelas
que se referem a liderança de equipes de trabalho, tanto pedagógico quanto
administrativo. Após deixar o cargo de Dirigente de Ensino, retornei para o cargo
de Supervisor de Ensino e também com a atribuição de responsável pela
Educação Especial na Diretoria de Ensino Sul 3.
A primeira instrução normativa para estruturar a Educação Especial no
Estado de São Paulo, em termos pedagógicos, só ocorreu em 2015. A instrução,
pela primeira vez estabelecia a obrigatoriedade de as escolas realizarem a
avaliação inicial dos alunos com deficiência, processo que iniciaria de forma
técnica o atendimento aos alunos deficientes com a construção do Plano de
Atendimento Individualizado e encaminhamento para sala de recursos. Tinha
consciência do desafio de trabalhar com uma política pública (voltada para
estudantes com deficiência) que sequer figurava como uma prioridade educacional
no sentido prático e ao mesmo tempo que as normas da Secretaria de Educação
descentralizava as responsabilidades para as escola e diretorias de ensino na
condução e execução dessas normas.
A Coordenadoria da Educação Básica, órgão que pertence a Secretaria de
Educação do Estado de São Paulo, publicou no Diário Oficial do Estado a
Instrução CGEB de 14 de janeiro de 2015, que dispõe sobre a escolarização de
alunos com deficiência. Se levarmos em conta que, não há infraestrutura física,
recurso humanos e nem programa devidamente implementado ou em execução
para atender a Educação Especial, nos termos dos acordos internacionais como a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência na Rede Estadual de
Ensino paulista, tal Instrução apenas potencializa mais um discurso cínico13 a
favor de uma prática limitada pela carência de infraestrutura pedagógica que, já se
sabe, será submetido ao princ : reconhece-se o
direito mas, e também, se reconhece que os custos para a formação de
educadores, para os devidos arranjos para a acessibilidade arquitetônica ou
comunicacional etc. são, supostamente, altos demais para o Estado. Esta lógica
parece perpassar várias gestões de governo independentemente da posição
partidária ou ideológica, o que vem ao encontro da tese foucaultiana sobre os
efeitos das novas formas de regulamentação do Estado Moderno e o racismo de
Estado que produz.
, mas
longe dos olhos, mantidos por sistemas previdenciários, incluídos - poderíamos
agregar - em sistema excludente nas instituições escolares, aprovados
automaticamente ou sendo minorizados na aprendizagem por um currículo
adaptado que minimiza os esforços do educador e do próprio Estado em, de fato,
prover condições educacionais equânimes
ULT, 2000). No final, poucos incomodarão os professores
universitários com suas presenças corporais, afrontando-os com a materialidade
da distância entre a teoria que defendem e a prática que apregoam para a escola
do outro, pois dos docentes universitários se exigiria o (in)suportável: a presença
corporal das pessoas com deficiência na universidade olhando-os nos olhos. Fora
dela, lhes restam aceitar subempregos ou trabalhos precarizado ganhando, não
cerem a mesma
função.

13De acordo com o dicionário Houaiss (2009), cínico consistem em aquele que afronta
ostensivamente as convenções e conveniências morais e sociais
A precarização do ensino se faz por práticas de acompanhamento
educacional, em curtos períodos durante a semana, quando são oferecidos, ou
por professores itinerantes responsáveis por um grupo de estudantes que, não
raro, não têm contato direto ou contínuo para que com eles possam estabelecer
uma relação efetiva e afetiva de aprendizagem.

O Atendimento Pedagógico Especializado (APE) disponibilizado


aos alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA),
matriculados em classe comum, será garantido sob a forma de: [...]
Salas de Recursos; [...] Itinerância; [...] Classe Regida por
Professor Especializado (CRPE); para os alunos que não se
beneficiarem da escolarização no ensino regular por exigirem
apoio muito substancial. Trata-se de fase transitória, oferecido no
contexto da educação inclusiva, a alunos até a idade de 17 anos;
[...] Escolas Credenciadas e Conveniadas, de acordo com a
legislação específica. (SÃO PAULO, 2015)

Nessa Instrução está evidente a preocupação de caráter estritamente formal


que se atém às formas adaptadas do conteúdo curricular, sem atentar para os
aspectos subjetivos que compreendem a educação das pessoas com deficiência
nas suas mais variadas diferenças, em especial dos alunos com TEA. A Instrução
CGEB de 2015 pode ser considerada como antagônica a subjetividade e a
identidade do seu público alvo, por tratar de norma que estabelece procedimentos
a serem observados na escolarização de alunos com TEA, matriculados na Rede
Estadual de Ensino de que trata a Resolução SE nº 61/201414, ao mesmo tempo
em que inviabiliza um dos seus princípios: a necessidade de se garantir
atendimento a diferentes características, ritmos e estilos de aprendizagem dos
alunos, público-alvo da Educação Especial. (SÃO PAULO, 2015).
Essa Instrução, do ponto de vista dos objetivos de uma política pública,
apresenta uma estrutura que determina procedimentos, sem levar em conta a real
condição para sua implantação. O problema que queremos iluminar expõe
potencialmente dois aspectos não considerados nesta norma instrucional. O
primeiro se refere a total ausência de elementos que apontem algum interesse ou
compromisso com a educação do indivíduo por parte do órgão proponente,
respeitando as especificidades individuais, em outras palavras, não há correlação

14Resolução SE 61, de 11-11-2014, Dispõe sobre a Educação Especial nas unidades escolares da
rede estadual de ensino.
da proposta com os aspectos subjetivos15 que compreende as diferenças dos
alunos com TEA. O segundo, de caráter material e pedagógico, também não é
contemplado à medida que ignora a precarização do trabalho na Rede Pública
Estadual, tanto pela ausência de estabelecimentos de ensino ou salas de aula
específicas, quanto pela insuficiência de profissionais com especialização na área
do autismo, ou seja, trata-se de uma instrução com pouca validade no que
concerne a uma efetiva transformação da realidade desses estudantes e, sim,
aqui se expõe a face cínica em que as redes de saber de professores, famílias,
áreas clínicas, universidades acabam por participar, ainda que de forma não
premeditada, da manutenção do sistema tal como está: includente e excludente ao
mesmo tempo. Cada um faz o que pode...
Para exemplificar e retornar à instrução CGEB, um de seus escopos se
refere à avaliação inicial. Esta avaliação se divide em relatório pedagógico a ser
elaborado pelo professor da classe comum e pelo professor especializado.
Considerando a realidade da Rede Pública do Estado de São Paulo e a falta de
professores especializados, por recuo das universidades na formação desses
profissionais em quantidade suficiente, a determinação posta na Instrução da
CGEB, quanto ao atendimento do anexo 1 (um), em especial o item III 16 , se
mostra insubsistente.

15 O indivíduo com TEA, conforme o DSM-5 (APA, 2013), caracteriza-se por apresentar um
desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da inserção social e da comunicação
e um repertório muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam
imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica. O atraso pode
ocorrer em pelo menos uma das seguintes áreas: interação social, linguagem comunicativa, jogos
simbólicos ou imaginários (CABRAL & MARIN, 2017, p. 4. Apud, BAGAROLLO; RIBEIRO;
PANHOCA, 2013).
16 III- Avaliação pelo professor especializado

1- Comunicação: habilidades para compreender e expressar informações por meio de


comportamentos simbólicos ou não simbólicos; comunicação por mensagens: verbais, gestuais,
expressões corporais e faciais; clareza da comunicação; coerência e coesão na comunicação;
elaboração de frases com estrutura lógica de fatos (começo, meio e fim); compreensão de
respostas; adequação do discurso a diferentes contextos. 2- Autocuidado:
independência/autonomia em relação a higiene pessoal (banhar-se, secar-se, lavar as mãos, etc.);
independência/autonomia em relação ao controle do esfíncter; independência/autonomia para
vestir-se e alimentar-se. 3- Vida no lar: alimentação (abrir a geladeira, pegar o alimento, preparar
a refeição ou esquentar) realização de tarefas domésticas (limpar a casa, lavar louça, roupas,
passar a ferro, fazer compras, preparar refeições, etc.). 4- Habilidades sociais: relações
familiares; relações com o grupo (interações interpessoais); relações com estranhos; relações
formais; estabelecimento de vínculos; liderança; autodefesa; autocrítica. 5. Desempenho na
comunidade: conhecimento de seus direitos; conhecimento de seus deveres; conhecimento dos
recursos da comunidade (igreja, hospital, corpo de bombeiro, clube, etc.); utilização dos recursos
da comunidade com autonomia/independência; desempenho de atividade na comunidade, com
suporte ou não; reconhecimento pelas atividades que desempenha.
A matrícula de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA)
em unidades escolares da Rede Estadual de ensino seguirá os
trâmites definidos para todos os alunos em idade escolar. A
caracterização como alunos com TEA somente deverá ser
registrada na ficha individual e no Sistema de Cadastro de Alunos,
a partir da apresentação de avaliação inicial do aluno (Anexo I) e
do laudo médico. [...] Para matrícula do aluno em Sala de
Recursos, e garantia do respectivo atendimento, a avaliação inicial
do aluno (Anexo I) e o laudo médico deverão fazer parte da
documentação. (SÃO PAULO, 2015)

A avaliação inicial (anexo I) é considerada como avaliação pedagógica e


está dividida em seis itens, cabendo ao professor da classe comum e ao
coordenador pedagógico o preenchimento dos itens I e II, que tratam dos dados
do aluno e das observações relativas ao comportamento do aluno. Os itens III, IV
e V, são da responsabilidade do professor especializado. Ao final, essa avaliação

professor coordenador responsável; diretor da unidade escolar; PCNP (Professor


Coordenador do Núcleo Pedagógico) de Educação Especial e Supervisor de

essa avaliação não ocorre pelas razões já expostas e ainda que as condições
para sua realização estivessem garantidas, fica evidente a burocracia logística
para o atendimento desse aluno.
O que se observa a partir dessas normas, senão uma disposição em nível
formal, do poder executivo representado pela Secretaria de Educação e seus
servidores públicos dentre eles o Supervisor de Ensino, de apresentar para o

6. Independência na locomoção: deslocamento com independência em casa, na escola, na rua;


utilização de transporte (carros, ônibus, trem, avião, etc.); independência e autonomia na utilização
dos transportes. 7. Saúde e Segurança: cuidado com a própria saúde: consciência, autonomia e
independência para cuidar da própria saúde; administração de medicamentos; preservação da sua
vida e do outro. 8.Habilidades acadêmicas: interesse (foco de interesse, realização com
competência/autonomia); atenção (tempo de atenção ao receber as comandas, impulsividade);
concentração (sustentação do foco, tempo de atenção para realização da atividade com
independência, autonomia, buscando recursos internos); compreensão e atendimento a ordens
(simples e complexas); qualidade da atividade desempenhada (atingiu o objetivo proposto com
proficiência para habilidade avaliada); habilidade sensório-motora: a. imagem corporal; b.
esquema e equilíbrio corporal; c. percepção e memória visual; d. percepção e memória auditiva; e.
percepção gustativa, tátil, olfativa; f. orientação temporal; g. orientação espacial; h. habilidade
motora; pensamento lógico; expressão criativa; linguagem e comunicação escrita; raciocínio
lógico-matemático: a. conhecimento de numerais ( identifica, nomeia, associa o numeral à
quantidade); b. identificação, comparação, pareamento, agrupamento, classificação, seriação; c.
realização de operações matemáticas; d. resolução de problemas simples; e. resolução de
problemas complexos. 9. Lazer: manifestação de preferência por alguma atividade de lazer;
utilização de jogos, brincadeiras, danças, etc.; entendimento de regras dos jogos, brincadeiras,
poder Judiciário, Ministério público e Defensoria Pública um plano de atendimento
que contempla em perspectiva o direito à educação dos alunos com TEA. Nesse
sentido, a ética profissional que deve ser praticada pelo Supervisor de Ensino
responsável pela Educação Especial se inscreve num contexto de sofrimento, de
penosidade no trabalho e de suplício, pois o dever de cumprir ou fazer cumprir
uma instrução que está distanciada da realidade pedagógica das escolas torna
esse profissional desqualificado administrativamente e politicamente, pois vai
depender das prioridades governamentais para que possa exercer com efetividade
o seu trabalho, pois a estratégia adotada pelo governo tem sido gerencial,
meritocrática e com foco na avaliação para resultados quantificáveis, como
observam Pioli, Silva e Heloani:

Em pesquisas com diretores de escola (PIOLLI, 2013) e


professores universitários (SILVA JÚNIOR et. al., 2011)
constatamos que alguns passaram a adotar práticas em
conformidade com os propósitos da avaliação, fato que tem
afetado a relação entre todos no ambiente educacional, com
repercussões negativas sobre sua estabilidade emocional e saúde.
Piolli (2013) apurou que, quando verificados os casos de estresse
e/ou adoecimento, foram identificados os seguintes sintomas:
físicos (dores na coluna, arritmia, palpitações, hipertensão e
problemas na garganta, na vesícula, na pele e renais) e
emocionais (ansiedade, nervosismo, irritabilidade, depressão,
síndrome do pânico, impaciência, instabilidade emocional, choro
fácil, ciclotimia, sentimentos de inutilidade, isolamento no trabalho,
culpa, ressentimentos, frustrações e/ou desesperança, medo,
insegurança, indiferença, despersonalização, angustia, frieza,
conflitos identitários, desmotivação e cansaço), geralmente aliados
à preocupação excessiva. (PIOLI; SILVA; HELOANI, 2015, p. 602)

Como citado acima, também o Supervisor - tendo que atuar em meio às


contradições que cercam e condicionam o seu trabalho - vem adoecendo porque,
talvez, ficar doente lhe seja a única forma que encontra de resistir ou de não
participar desse jogo cínico.
De fato, adoecimento em decorrência das relações de trabalho no mundo
atual, tem sido objeto de estudos e pesquisas científicas, como, por exemplo, as
realizadas por Vincent de Gaulejac17 que considera a Gestão como doença social
e Danièle Linhart, que desenvolveu o conceito de penosidade no trabalho e
precariedade subjetiva e que também associa os desdobramentos do

17Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social, obra publicada
pelo autor em 2007.
neoliberalismo como fator determinante e direcionado ao sofrimento do
trabalhador, levando-o a quadros patológicos de depressão, síndrome de
Burnout18 e até ao suicídio.
A realidade da sala de aula em que há alunos com TEA, sem a estrutura
mínima de apoio ao professor gera angústia e o sentimento de desamparo
também no professor, ou seja, torna seu trabalho como algo penoso. A socióloga
Danièle Linhart, professora da Univer sidade Paris X, debruçando-se sobre esse
tema, elabora o conceito de penosidade. Segundo a autora, penosidade pode ser
definida como:

As penosidades sempre fizeram parte do mundo do trabalho, pois


este se caracteriza pelas restrições que ele impõe aos indivíduos e
necessariamente constitui veículo de desacordos dificuldades que
ressoam em todas as dimensões da existência. Mas, bem
contemporaneamente, a temática das penosidades tomou força e
entra em ressonância com o tema onipresente do sofrimento no
trabalho. O trabalho tende a ser associado à ideia de mal-estar e
de uma possibilidade tão presente de dano psicológico que pode
até conduzir ao suicídio, ou pelo menos à depressão. [...] A
penosidade vem da sensação de injustiça e de desordem,
acrescida à de impotência. Quando este sentimento é vivido de
forma individual sem o apoio do grupo, capaz de relativizá-lo pelo
simples fato de compartilhá-lo, adquire, sem dúvida, mais força,

Assumindo o conceito acima, posso afirmar que há penosidade tanto para o


professor quanto para o Supervisor de Ensino que se depara com a
impossibilidade de garantir que a política de atendimento educacional para a
pessoa com deficiência se cumpra. O sofrimento daqueles que contam com o
serviço educacional oferecido pelo Sistema de Ensino de forma inadequada, em
menor proporção é claro, também afeta os profissionais que estão diretamente
envolvidos com a garantia do direito à educação.
Em entrevista, Danièle Linhart (2011) discute, de forma detalhada as
penosidades no trabalho no sentido de que sempre fizeram parte do mundo do
trabalho, pois este se caracteriza pelas restrições que ele impõe aos indivíduos e

18Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento


um estado de
esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional". Cf: BRASIL.
Síndrome de Burnout: o que é, quais as causas, sintomas e como tratar. Portal do Governo
Brasileiro: Ministério da Saúde. s/d. Disponível em: http://saude.gov.br/saude-de-a-z/saude-
mental/sindrome-de-burnout
necessariamente constitui veículo de desacordos, dificuldades que ressoam em
todas as dimensões da existência.
A penosidade, descreve Linhart, vem da sensação de injustiça e de
desordem, acrescida à de impotência. A penosidade surge quando se reafirma e
se mostra a ferocidade do contrato de trabalho, que é um contrato de:
subordinação jurídica estipulando o tempo do assalariado que pertence ao
empregador, que o organiza e o utiliza em função de seus interesses próprios e da
própria lógica, criando um tipo de precariedade subjetiva para que os
trabalhadores não se sintam à vontade no trabalho e nem entre eles.
Sendo a subjetividade indispensável para as novas formas de organização
do trabalho, conclui a pesquisadora, ela só é, na realidade, reconhecida a partir do
momento em que se torna objeto de uma ação que visa canalizá-la, controlá-la,
estimulá-la e envolvê-la em uma situação muito precisa e pré-construída através
das estratégias corporativas como: aplicação de códigos de comportamento ou de
ética, gestão muito individualizada, assalariados em concorrência, formações bem
demarcadas, imposição de obj
dificilmente atingível, onipresente e funcionando como uma incitação permanente
sob a forma de condicionamento.
O Supervisor de Ensino está dentro de uma lógica em que a arte de
governar pode ser entendida, de acordo com os estudos de Foucault, como uma
técnica de poder que utiliza mecanismos de observação, monitoramento, moldura
e o controle do comportamento das pessoas, foram transformadas e
aperfeiçoadas como contrapartida às formas de resistência e estratégias
antagônicas à dominação e exploração direta e indireta do trabalhador
possibilitados pela forma de governar.

No âmbito social, destaca Foucault (1995), geralmente existem


três tipos de lutas: lutas contra as formas de dominação (ética,
religiosa etc.); contra as formas de exploração que separam os
indivíduos daquilo que eles produzem e, por fim, contra aquilo que
liga o sujeito a si mesmo e o submete aos outros (lutas contra a
sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão)
(SILVEIRA, 2005, p. 94).

Resistir a uma técnica de poder que prevalece em nosso tempo, seria para
Foucault, o objetivo das lutas atuais. O aprisionamento da subjetividade, configura
como estratégia do mundo do trabalho, regido pela lógica concorrencial do
mercado, pois o consentimento do indivíduo para a sujeição às mais variadas
formas de exploração, resultaria na perda da própria identidade, tornando-o
fragilizado e vulnerável.
Todavia, há espaços para o exercício de poder contra o governo da
individualização, que ofende de forma coercitiva o estatuto do indivíduo, que
busca a garantia do direito de ser diferente enfatizando tudo que o torna sujeito,
autor estético e ético da própria história.
A aproximação da penosidade no trabalho com o exercício laboral do
Supervisor de Ensino, durante sua atuação de rotina, possibilita que a ideia de
suplício tenha uma ressignificação que se materializa no sofrimento psicológico
que afeta esse servidor público, tornando essa nova forma de suplício um
componente turbulento e consequentemente acelerando os possíveis efeitos
patológicos na sua saúde.
A nova forma de suplício, ao garantir seu espaço no cenário do exercício
profissional do Supervisor de Ensino, representa de alguma maneira o poder do
Estado que é distribuído na sua horizontalidade através das relações de poder
exercidas nos espaços de convivência corporativa.
C. Meu envolvimento com a demanda judicial dos pais de autistas

Em meu cotidiano como supervisor, no front, como já escrevi, vivencio de


perto o sofrimento e o suplício pelos quais passam os pais de autistas, mas não só
de autistas... Ao deparar-me com a Ação Civil Pública que foi judicializada pelo
Ministério Público de São Paulo no ano de 2000, a favor dos autistas contra o
Estado de São Paulo, este, representado pela Fazenda Pública, por não estarem
sendo devidamente atendidos pelos serviços públicos de saúde e educação,
observei o quanto a questão é séria considerando que não há uma política pública
específica para alunos com TEA posto que sequer são, até o momento,
recenseados pelo IBGE. Nesse sentido a não política pública pode ser
considerada uma política em que o não lugar passa a fazer parte da realidade do
atendimento aos autistas.
As políticas de Educação Especial existentes são mais generalistas e visam
incluir preferencialmente todos os alunos com as mais variadas deficiências nas
salas de aula comuns, com possibilidade de atendimento em salas de recursos,
que são insuficientes e quase sempre oferecidas em outra unidade escolar com a
exigência de ser um atendimento no contraturno; essa situação eleva a dificuldade
das famílias em se deslocarem de um ponto da cidade a outro bairro -
deslocamento esse que envolve custos de transporte pelos pais, a necessidade de
um dos pais ter que abrir mão de trabalho remunerado e, com isso, há impacto
negativo nas condições de subsistência da família e, a longo prazo, na
possibilidade de aposentadoria de um dos membros do casal.. Além desses
aspectos logísticos, o estudante passa bom tempo em ônibus, na espera de
ônibus tanto na ida como na volta da instituição que credenciada para a oferta do
AEE para ter poucas horas de instrução. Esses estudantes não brincam ou vivem
a infância - seus tempos são destinados a auto normalização. Ao Estado competia
fornecer transporte casa- escola- instituição de oferta de AEE-casa bem como
cuidador. Estes serviços não são oferecidos ou o são de modo parcial (caso do
transporte do estudante casa a casa) ou imediatos como a presença de um
cuidador ou profissional especializado. Há casos de alunos que, não são
atendidos durante o ano letivo, devidos às dificuldades de licitação desses
serviços que, dependem de liberação de recursos financeiros por parte da
Secretaria da Educação para a Diretoria de Ensino.
Cotidianamente recebemos da Secretaria da Educação, as ações judiciais
impetradas pela Defensoria Pública devido o não cumprimento da ACP a favor dos
autistas. É uma situação bastante controversa, pois trata-se de uma pós-
judicialização, uma vez que estão sendo judicializados os pedido dos direitos já
previstos na ACP, que transitou em julgado, ou seja, que foi decidido em última
instância pelos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, que
sentenciou o Estado de São Paulo a cumprir a favor dos autistas os direitos à
educação e a saúde de forma a atender suas necessidades específicas em
respeito às suas diferenças.
No processo, encontra-se a definição do que seja autismo pelos
demandantes da ACP do Ministério Público de São Paulo:

O Autismo é uma incapacidade complexa do desenvolvimento


mental que tipicamente aparece durante os três primeiros anos de
vida, é o resultado de um desarranjo neurológico que afeta o
funcionamento do cérebro, sendo um dos mais graves distúrbios
da comunicação humana. Doença grave, crônica, incapacitante,
caracteriza-se por lesar ou diminuir o ritmo do desenvolvimento
normal de uma criança, a qual apresenta reações anormais
quando se deparam com sensações como ouvir, ver, tocar,
degustar. (TJ SP - ACP, nº 053.00.027139-2, SP, p. 6)

De acordo com o Dicionário de Psicanálise, o termo foi criado em 1907 por


Eugen Bleuler19, derivado do grego autos (o si mesmo), para designar o
ensimesmamento psicótico do sujeito em seu mundo interno e a ausência de
qualquer contato com o exterior, que pode chegar inclusive ao mutismo.
(ROUDINESCO, 1998). Mas em 1911, Bleuler designou por esse termo um
distúrbio de esquizofrenia e característico dos adultos.
Foi o psiquiatra norte-americano Leo Kanner, que, após observações e
pesquisas, denominou de autismo infantil precoce um quadro que se aplica
também a crianças e não apenas a adultos. Ainda considerou o autismo como
uma afecção psicogênica, caracterizada por uma incapacidade da criança, desde
o nascimento, de estabelecer contato com o seu meio (ROUDINESCO, 1998).

19. Eugen Bleuler, (nascido em 30 de abril de 1857, Zollikon, Suíça - morreu em 15 de julho de

1939, Zollikon), um dos psiquiatras mais influentes de sua época, mais conhecido hoje por sua
introdução do termo esquizofrenia para descrever o distúrbio anteriormente conhecido como
demência praecox e por seus estudos de esquizofrênicos.
A marca clínica impressa no autismo, foi superada pela doutrina psicanalítica
que, sem excluir a priori a eventualidade de causas múltiplas, considerou também
a dimensão psíquica dos sujeitos que expressavam os sintomas rompendo,
assim, com a redução do autismo a um condicionante orgânico irreversível, giro
teórico que possibilitou estudos e a fundação de instituições especializadas de
suporte para a educação formal de crianças autistas (ROUDINESCO, 1998).
Atualmente não é possível precisar quantos autistas há no Brasil, pois até o
momento o Instituto Brasileiro de Geografias Estatísticas IBGE não faz o
levantamento dessa população. Inquirido pela Revista Autismo (PAIVA JR., 2019),
o IBGE respondeu que planejava investigar o tema futuramente em uma pesquisa
específica de saúde.
Ainda de acordo com a Revista, o que há de fato sobre a inclusão do tema no
censo demográfico é um Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados em
2016, que foi encaminhado para o Senado Federal em dezembro de 2018, sob
nome de PLC 139/18, aguardando apreciação da Comissão de Direitos Humanos
e Legislação Participativa. Numa consulta atualizada, constatamos que a PLC 139
/18, foi tornada Lei de Nº 13.861 e publicada no Diário Oficial da União em
19/07/201920.
Portanto, identificar o número de autistas no Brasil será tarefa do IBGE
somente a partir do próximo Censo Demográfico. As implicações decorrentes da
falta de dados estatísticos acabam por manter em invisibilidade os autistas e
considerá-los nas políticas públicas nos Sistemas de Saúde e de Educação.
Dessa forma, a ACP dos autistas se justifica como uma luta pelo direito jurídico à
educação previsto nos diplomas legais, mas não se garante, como em outros
casos, que a lei dará efetividade a uma política que não seja apenas mais uma

20 ULHO DE 2019 Altera a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, para


incluir as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista nos censos demográficos. [...]
o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º O artigo 17 da Lei nº 7.853, de
24 de outubro de 1989, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: "Art. 17 - Parágrafo
único. Os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluirão as especificidades inerentes
ao transtorno do espectro autista, em consonância com o § 2º do art.1º da Lei nº 12.764, de 27 de
dezembro de 2012." (BRASIL, 2019).
De acordo com Maria Cristina Kupfer21 (1996), o Brasil não dispõe de
estatísticas capazes de apontar o número de crianças que se encontram hoje
nessa situação de pobreza conjugada às psicoses ou ao autismo. Qual seria a
razão para isso segundo Kupfer?

Uma das principais razões para a ausência de dados


epidemiológicos está na profunda discordância, entre os
profissionais da área, sobre o que sejam as psicoses infantis e
sobre quais sejam suas causas. O DSM-III R coloca dentro de uma
mesma categoria as crianças que eram anteriormente
classificadas como esquizofrênicas, psicóticas e autistas, sejam
quais forem as causas admitidas. Às crianças desta ampla
categoria foi atribuído o nome de "portadores de distúrbios globais
do desenvolvimento." (Associação Americana de Psiquiatria,
1989). (KUPFER, 1996, p. 3)

Entretanto, mesmo sem dados oficiais, os promotores do processo em


análise apresentaram a estimativa de que de 4 (quatro) a 5 (cinco) brasileiros em
um universo de 10.000 (dez mil) nascidos possuem autismo ou a síndrome de
espectro autista, baseando-se em referências estatísticas internacionais da
Organização Mundial de Saúde (OMS). Se a estimativa da OMS for correta, sua
incidência no Brasil deve estar em torno de 0,04 a 0,05%.
Da mesma forma que os promotores, o Juiz da 6ª Vara da Fazenda
Pública, nos autos da sua decisão e sentença, apresentou e apoiou-se no
estabelecido pela OMS, conforme consta a seguir:

Na definição atual da Organização Mundial da Saúde (in


Classificação Internacional de Doenças, 9' ed.), o "Autismo Infantil
é uma síndrome presente desde o nascimento, e se manifesta
invariavelmente antes dos 30 meses de idade. Caracteriza-se por
respostas anormais a estímulos auditivos ou visuais, e por
problemas graves quanto à compreensão da linguagem falada. A
fala custa a aparecer, e, quando isto acontece, nota-se ecolalia,
uso inadequado dos pronomes, estrutura gramatical imatura,
inabilidade de usar termos abstratos. Há também, em geral, uma
incapacidade na utilização social, tanto da linguagem verbal como
corpórea. Ocorrem problemas muito graves de relacionamento
social antes dos 5 anos de idade, como incapacidade de
desenvolver contato olho a olho, ligação social e jogos em grupo. 0
comportamento é usualmente ritualístico e pode incluir rotinas de
vida anormais, resistência a mudanças, ligação a objetos
estranhos. E um padrão de brincar estereotipado. A capacidade

21Psicanalista, professora doutora do Instituto de Psicologia da USP, diretora geral do Lugar de


Vida.
para pensamento abstrato simbólico ou para jogo imaginativo fica
diminuída. A inteligência varia de muito subnormal, a normal ou
acima. A performance é com freqüência melhor em tarefas que
requerem memória simples ou habilidade visual-espacial,
comparando-se com aquelas que requerem capacidade simbólica
ou lingüística.
Usa-se como sinônimos da síndrome autista os termos: Autismo
da Criança, Psicose Infantil, Síndrome de Kanner, e o número
estatístico é 299.0. Esta classificação ainda cita três outras, sob o
título geral de Psicose com Origem Específica na Infância (299. 0):
a Psicose Desintegrativa (299. 1); a Psicose/outra (299.8) e a
Psicose Inespecífica (299.9)." (in AUTISMO, Ed. Atheneu, 3ª ed.,
p. 14) (ACP, nº 053.00.027139-2, p. 597-598).

Tendo em vista a complexidade que os estudantes diagnosticados como


autistas trazem à rede escolar, o fato de não aparecerem no censo, de uma
política de educação especial que os apaga como sujeitos de existência e de
história, o processo, abaixo detalhado, me mobilizou muito. Tocou-me
afetivamente também, pois fez confrontar meu lugar de Supervisor de ensino
pago pelo Estado e submetido a sua política de Educação Especial com a notável
contradição em não promovê-la de fato e o sofrimento de um coletivo de pais
que se organizaram para que seus filhos pudessem ter, de forma imediata,
acolhida pela escola e o devido acompanhamento clínico, se necessário. Por isto,
tomei esse objeto como análise pessoal e o converti em tema de minha
dissertação, posto que, em vários momentos também me impliquei no drama
desses pais e senti o suplício do desdobrar de um processo que efetivamente
atendesse o pleito. É sobre essa situação combinada: a minha, como supervisor -
que também tem um filho com deficiência visual - e dos pais de autistas que
tomarei como objeto de consideração teórica e analítica de minha parte.
IV. O PROCESSO - uma materialidade do suplício: um sobrevoo à sua
emergência e seu lento desdobramento

No dia 31 de Agosto de 2000, o Ministério Público do Estado de são Paulo -


MPSP por seu promotor de justiça do GAESP Grupo de Atuação Especial da
Saúde Pública e da Saúde do Consumidor, instaurou a AÇÃO CIVIL PÚBLICA
contra o Estado de São Paulo (Fazenda Estadual), a favor das reivindicações dos
autistas sobre os seus direitos à educação e à saúde, ocorrendo seu ajuizamento
no dia 26 de outubro de 2000 sob registro de protocolo número 1679 de 2000.
A ação civil pública22 é o instrumento adequado para a proteção dos
interesses difusos e coletivos e nesse caso trata-se de uma ação de caráter
coletivo e visa proteger um determinado grupo. Essa ACP se justificou pelo fato de
não haver a inclusão necessária dessas pessoas ao sistema de educação pública,
que se quer venceu as barreiras de planejamento administrativo para a definição
dos investimentos e ações orçamentárias, que garantisse a esse público alvo os
seus direitos.
O fato, já mencionado, de que os autistas nunca foram contemplados pelo
Censo demográfico do Brasil e nem há dados estatísticos oficiais sobre esse
público, se mostrou importante para a impetração da ACP a favor dos autistas,
portanto, para a intervenção do Ministério Público de São Paulo.
Aproximadamente quatorze meses após o ajuizamento da ACP, o poder
Judiciário, pelo juiz estadual de primeira instância da 6ª Vara da Fazenda Pública,
proferiu a sentença no dia 28 de dezembro de 2001, em que condenou o Estado
de São Paulo a fornecimento de tratamento especializado aos autistas. Tal
decisão favorável estava longe de consagrar uma vitória para além do campo da
retórica, pois o quadro de enfrentamentos entre as forças públicas, de um lado o
MPSP/autistas e do outro o Estado de São Paulo/Fazenda Pública, estava sendo

22 Como descreve Maria Sylvia Zanella di Pietro ao tratar da ação civil pública em relação ao texto

que se protege são os interesses metaindividuais, os chamados interesses públicos, que


abrangem várias modalidades; o interesse geral, afeto a toda a sociedade, o interesse difuso,
pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e indivisibilidade, e os

e a ação pública tem a caraterística de ser considerada uma ação coletiva. (DI PIETRO, 2017, p.
1061-1062).
desenhado com contornos opacos e suportado por cavaletes movediços, de idas e
vindas de documentos, reuniões, convocações para depoimentos etc,
configurando um suplício para os autistas e seus pais, sem prazo definido para o
fim desse ritual (sádico?).
A Fazenda Pública, representando o interesse do Estado de São Paulo, fez
a apelação recorrendo da sentença com recurso impetrado e que foi negado no
dia 26 de abril de 2005. Como ainda havia possibilidade jurídica para opor-se a
ACP junto ao Tribunal de Justiça, a Fazenda Pública ent 23 de
declaração, em face do acórdão que negou recurso à apelação por ela interposto,
mantendo a sentença de procedência da ação em nível de primeira instância.
Após os votos dos desembargadores, já esgotadas as instâncias possíveis
para a contestação da Fazenda Pública, a decisão do Tribunal de Justiça de São
Paulo foi favorável aos autistas e transitou em julgado no dia 27 de janeiro de
2006.
Se o trânsito em julgado24 representou, em tese, a segurança jurídica de
que a sentença seria executada e obrigatoriamente cumprida pela parte
condenada, no caso o Estado de São Paulo, poderia parecer óbvio que o direito
aos serviços especializados para os autistas estaria garantido, no entanto, a
prática da prestação dos serviços de educação ofertados pelo Estado não
consagraram essa dimensão das expectativas dos pais dos autistas, portanto, a
partir das reincidentes busca desses pais por justiça, a Defensoria Pública tem
atuado e representado os interesses desses pais junto ao Poder Judiciário e
consubstanciando dessa forma uma constante prática de pós judicialização pelo
ajuizamento de inúmeras ações judicias requerendo que o Estado forneça os
serviços de Educação Especial.
Antes de recorrerem à Defensoria Pública, os pais já cumpriram as
exigências dos procedimentos iniciais exigidos pelo próprio Estado para a vaga
em escola especializada e quando não foram contemplados, sentiram a frustração
pela oferta de vaga em escola comum sob a alegação de que o atendimento
ocorreria na perspectiva da educação inclusiva, conforme definido pelo MEC.

23 De acordo com o dicionário Houaiss, se refere a qualquer um de vários institutos jurídicos que

impõem obstáculo à pretensão do adversário na conquista de um direito


24 Trânsito em julgado expressão usada para uma decisão (sentença ou acórdão) da qual não
se pode mais recorrer, seja porque já passou por todos os recursos possíveis, seja porque exauriu
o prazo para recurso
Nesse caso, com as mesmas condições que foram motivo da luta na justiça por
direitos à educação compatível com as singularidades dos autistas. Recorrer a
Defensoria Pública para que esta exija junto à justiça o cumprimento da ACP,
parece ter sido o único caminho encontrado por seus pais para exigir do Estado o
direito à educação digna e de qualidade também para seus filhos.
Aproximadamente oito anos após o trânsito em julgado, o MP/SP, de forma
surpreendente, por ter sido o interlocutor que consagrou a vitória da ACP dos
autistas, ajuizou na 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo o pedido de
extinção dessa ACP dos autistas, alegando que o Estado de São Paulo formulou
política pública para o tratamento de pessoas com autismo, inclusive de
educação, que leva em conta a nova legislação e o entendimento da Constituição
Federal acerca da integração do Estado, Município, e União acerca de políticas
públicas do SUS25.
A impressão que ficou foi de que houve uma reavaliação pelo MPSP em
relação à ACP - solicitou-se arquivamento do processo -, afetado talvez, pelas
relações que existem na prática entre as várias esferas públicas de gestão da
população. A decisão denota que houve por parte do MPSP um novo
entendimento em como considerar, para os autistas, o direito a uma educação
inclusiva de acordo com o MEC. De qualquer forma, causou estupefação no
público apoiador dos autistas e principalmente dos pais, ao considerar que os
esforços do Estado de São Paulo para garantir o direito à educação estaria
contemplado em função das atuais políticas públicas federais e estaduais,
principalmente após a aprovação, no ano de 2007, da Política Nacional de
Educação Especial26 do Ministério da Educação e Cultura MEC e da

25 Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. - Dispõe sobre as condições para a promoção,

proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes


e dá outras providências. Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica
do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade
física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais. (Redação dada pela Lei nº
12.864, de 2013)
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo
anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental
e social. (BRASIL, 1990).
26 Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva Documento

elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de
2007, prorrogada pela Portaria nº
promulgação da Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 27. Todavia,
essa lei e sua interpretação está sujeita, vale sempre repetir, ao reconhecimento
do Estado pelos direitos das PcD, mas também, à justificativa de impedimentos
financeiros apoiando-se no Decreto 6949 de 2009, artigo segundo da Convenção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência que lhe integra. Além disso, o Programa
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008) prioriza, vale lembrar, o repasse de verbas para os órgãos da federação que
elegem a escola inclusiva com AEE no contraturno. Para o grupo que elaborou o
documento, o problema era do Estado em resolver a logística para que essa
opção fosse implementada. Por sua vez, o Estado se vale, circularmente, do

justificar ausência de recursos para a formação de educadores, para o


oferecimento de transporte escolar casa-escola-casa, para a contratação de
educadores com formação inicial em que se comprove a experiência prática dos
profissionais a serem contratados, para redesenhar a arquitetura escolar em
conformidade com o desenho universal e por aí afora. Todos fazem o que
razoavelm
e prática, leis e garantia automática de direitos.
Tal iniciativa do MPSP não ficou incompreensível e nem despercebida, pois
desencadeou reações da Defensoria Pública que logo questionou junto a justiça
e também
ajuizou pedido de audiência pública e que foi deferida pela Juíza da 6ª Vara da
Fazenda Pública. A audiência pública ocorreu nos dias vinte e cinco e vinte e seis
de novembro de 2014. Lembrar que o MPSP se valeu do argumento - para
arquivamento do processo - de que já havia uma política de inclusão proposta pelo
MEC, que seria seguida pelo Estado de São Paulo.
O valor da presente pesquisa está em demonstrar que uma nova forma de
suplício, principalmente dos pais, mas não só, decorre de uma política de Estado
que, historicamente, viola direitos das PcD talvez por, na lógica neoliberal, ser um
segmento quase inútil para o mercado a não ser que seja de tal forma reabilitado e

27 Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 1º Esta Lei
institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
e estabelece diretrizes para sua consecução.
orçamentárias, ainda que razoáveis.
O material aqui resumido, e seu desenrolar, foi redigido a partir da leitura e
estudo da ACP nº 1679 de 26 de outubro de 2000 - processo nº 053.00.027139-2,
que me permitiu visualizar as cinco principais etapas que percorreu a ACP dos
autistas entre os anos 2000 e 2016, que foram protagonizadas por uma corte de
atores: Promotores do MPSP, pais dos Autistas e apoiadores, profissionais de
instituições de saúde e de ensino, advogados, Procuradores da Fazenda Estadual
de SP, técnicos do Governo do Estado de São Paulo e do Município, Defensores
da Defensoria Pública de SP, Juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de SP, os
Desembargadores do Tribunal de Justiça de SP. O último cenário, a pós
judicialização, ocorreu em diversos momentos desde o trânsito em julgado e
permanece até a realização desta pesquisa, sem previsão de que deixará de
ocorrer, sendo protagonizado também por agentes públicos com função técnica,
além dos defensores públicos, procuradores da Fazenda Estadual e Juiz de
primeira instância.
A Petição do MPSP a partir do Inquérito Civil28

Nos anos 2000/2001, considerando o resultado das apurações instruídas


num Inquérito Civil, os Promotores/MPSP, impetraram junto ao Juiz da 6ª Vara da
Fazenda Pública de SP a Ação Civil Pública29 - ACP Processo nº 053.00.027139-
2. Antes do MPSP instruir a petição junto a Vara de justiça, instaurou um Inquérito
Civil30, instrumento que é utilizado pelo órgão para apurar denúncias de violação
dos direitos coletivos. Dessa forma, ouviu todos os interessados que estavam
numa luta pelo direito à educação das pessoas com TEA, dentre esses, os pais,
irmão, presidente de associação para tratamento de pessoas com TEA e um
médico.31
No depoimento do Sr. Luis Fatimo Fernandes de Almeida, pai de criança
autista, mencionou que o Estado não proporciona qualquer tratamento
especializado aos autistas e que tal tratamento seria essencial para gerar uma
maior possibilidade do autista adequar-se melhor e gradativamente ao meio social.
utistas pertencentes a famílias de menor nível social e econômico
encontram-
Já o Sr. José Marques Inácio Júnior, dentista e irmão de autista, afirmou
um acompanhamento
especializado e que a própria família, por si só, não tem condições de cuidar
adequadamente e que em camadas menos instruídas da população é comum

xistirem órgãos públicos que forneçam à população


serviço especializado para o tratamento do autista, bem como desconhece a
existência de qualquer convênio firmado por órgãos públicos com unidades

28 A síntese dos depoimentos que serão mencionados é parte integrante do processo - MPSP-
Inquérito Civil nº.029/00, p. 90-91; 146-147.
29

ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses e direitos sociais e individuais


indisponíveis; Art. 177. O Ministério Público exercerá o direito de ação, em conformidade com suas
Público estão previstas no
Capítulo IV e Seção I, da Constituição da Repúbli
30 De acordo com a Constituição Federal Art. 129

institucionais de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção dos interesses
(BRASIL, 1988).
31 A síntese dos depoimentos que serão mencionados é parte integrante do processo - MPSP-

Inquérito Civil nº.029/00, p. 90-91; 146-147.


particulares. Esclareceu que em geral uma instituição em tempo integral é o ideal
para as pessoas que padecem de tal problema, isto considerando exclusivamente
o bem do autista e deixando em segundo plano os sentimentos familiares de
saudades, por exemplo.
O Sr. André Luiz Mancuzo, pai de criança autista e que também foi
presidente de uma associação especializada no tratamento do autismo,
esclareceu que o autista necessita de acompanhamento e cuidados
especializados. Explicou que, por si só, a família não detém os conhecimentos
necessários para fornecer adequado t [...] tem
conhecimento que nas periferias e nos lugares mais pobres existem autistas
vivendo em condições sub-humanas, não lhes sendo propiciado qualquer
nto
especializado ao autista, sendo que, eventualmente, o Estado repassa verbas
para algumas entidades não governamentais. Porém, esclareceu que tais valores
são ínfimos, pelo que insuficientes para manter o funcionamento das instituições
que se valem de outras fontes de renda. Asseverou que dependendo do caso,
considerada a gravidade da doença, é que se decide sobre a adequação do
período de tratamento, ou seja, in o tratamento a ser
dispensado a um autista não é o mesmo que é devido a um deficiente mental
padrão, ou seja, o autista necessita de tratamento especial, multidisciplinar,

Dentre os depoentes, observamos com significativo destaque as


declarações do Dr. Raymond Rosenberg, (CREMESP 18045 ), médico filiado ao

Foundation, Ex-Diretor da Henry Schumaker Children`s Unit e Ex Residente do


Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, pelo que fala com
propriedade sobre o assunto e demonstrou um nível de conhecimento que pode
ser considerado relevante para clarear a complexidade que está relacionada
diretamente às pessoas com TEA. Segundo esse médico:

a) o autismo infantil é uma alteração de desenvolvimento


humano, severa, que se inicia antes dos três anos de idade. As
áreas atingidas são: socialização, comunicação,
desenvolvimento de padrões no uso dos objetos. Tais
alterações são extremamente incapacitantes pois impedem a
aquisição de repertório comportamental condizente à
adaptação nas atividades da vida diária. b) não podemos

severos, moderados e leves. Esta gradação irá depender do


grau de inteligência, capacidade de fala (mesmo que não
comunicativa), nível de enfermidade(s) orgânica(s)
concomitante, nível sócio-econômico dos pais e capacidade de
continência que estes últimos têm em relação ao filho autista.
c) o diagnóstico pode ser feito precocemente, ou seja, já entre
os 14 e 20 meses de idade. d) quanto mais precoce for feito o
diagnóstico, mais precoce será a intervenção e mais fácil será
a adaptação e o ensino do autista. e) o autista necessita de
tratamento especializado nas seguintes áreas: comunicação
(fonoaudiologia), aprendizado (pedagogia especializada),
psicoterapia comportamental (psicologia), psicofarmacologia
(psiquiatria infantil), capacitação motora (fisioterapia) e
diagnóstico físico (neurologia). f) Dependendo das cidades há
algumas salas de educação especial no ensino Público. São
raras e posso mencionar São José do Rio Preto e São Vicente.
A grande maioria está nas APAEs, que cuidam dos autistas
muitas vezes confundindo-os com retardo mental. O Poder
Público auxilia direta ou indiretamente as APAEs. g) sem
atendimento especializado o indivíduo autista não tem
condições de desenvolver-se. Embora muitas famílias sejam

amem o indivíduo autista, elas não têm capacidade de


o indivíduo autista
de família pobre é amado, porém o seu comportamento é tão
desviado que ele não recebe dos pais uma atenção em tempo
adequado pois todos os membros da família necessitam estar
envolvidos na captação de renda. Muitas vezes, para não dizer
na totalidade dos casos, o autista é deixado em casa sozinho
ou sob o cuidado de alguém (familiar que não participe na
captação de recursos pelos ... ou vizinho que é caridoso) que
não tem treino para cuidar do mesmo. Com a falta de preparo
e a incompreensão das dificuldades do indivíduo autista, os
cuidadores acabam por negligenciá-lo e até, às vezes, abusá-
lo nas tentati - ...]. (MPSP-Inquérito Civil
nº.029/00, p. 146-147)

O depoimento do renomado especialista já apresentaria os elementos


suficientes para justificar a necessidade da ACP que contou também com as
declarações dos familiares dos autistas, indispensável para qualificar o abandono
a que são submetidos face à ausência de política pública que contemplasse a
educação dessas pessoas com TEA e o seu direito de cidadania.
A Justificativa dos Promotores Públicos do MPSP32

Fundamenta que a legitimidade do Ministério Público para impetrar Ação Civil


Pública ACP está previsto no ordenamento legal como Constituição Federal,
Constituição do Estado de São Paulo, Lei Orgânica Nacional do Ministério Público,
Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo33.
Defende que o autista necessita de tratamento multidisciplinar específico,
sendo dever do Estado garantir por meio de políticas sociais e econômicas, o
acesso universal e igualitário as ações e serviços objetivando a promoção,
proteção e recuperação, (artigo 196 da Constituição Federal). O artigo 208 inciso
III, prevê educação especial aos portadores de deficiência34. O artigo 2º da Lei
7853/89, estabelece obrigação do Estado fornecer tratamento prioritário e
educação especial e serviços de saúde aos portadores de deficiência 35. Há
reconhecimento de forma plena de acordo com o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que é dever do poder público, assegurar com absoluta prioridade, a
efetivação dos direitos referentes, dentre outros, à vida, à saúde e à educação,
menciona a convenção internacional dos direitos da criança adotada pela
Assembleia Nacional das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989, ratificada
pelo Brasil em 24 de setembro de 1990, que dentre outros direitos, visa assegurar
o acesso à educação36.
Salienta que, o serviço a ser deferido aos autistas é especializado porque,
envolve diversas disciplinas seja no campo da saúde, seja no educacional, e trata-
se de sistema de alta complexidade, de responsabilidade da gestão estadual,

32 Os argumentos foram resumidos da ACP- Processo nº 053.00.027139-2, p. 17-36


33 Constituição Federal Artigos 127, caput, 129, inciso 3; Constituição do Estado de São Paulo
artigo 91; Lei Federal 8625/93; artigo 25, inciso 4, alínea
103 inciso 8,
34 Constituição Federal - Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a

garantia de: III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,


preferencialmente na rede regular de ensino;
35 Lei Federal nº 7853/89 Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas
portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à
educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à
maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar
pessoal, social e econômico 989).
36 Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990 Art. 1° A Convenção sobre os Direitos da
Criança, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como
conforme disposto na Lei Complementar 791/95 do Art. 4º 37. De acordo com a Lei
8080/90 nos seus Art. 16, 17 e 18, dada a complexidade dos serviços a serem
prestados consiste na disponibilização do serviço de assistência aos autistas,
providência que se torna inviável para cada um dos municípios e que deve ser
suportada pelo Estado de São Paulo.
O MPSP é fático ao solicitar a Condenação do Estado de São Paulo
(Fazenda Pública Estadual de São Paulo) às obrigações de fazer, nos seguintes
termos: arcar com as custas integrais do tratamento, da assistência, da educação
e da saúde específicos, custeando tratamento especializado em entidade
adequada, para o cuidado e assistência aos autistas residentes no Estado de São
Paulo que, por seus representantes legais ou responsáveis, comprovem por
atestado médico tal condição, documento este que deverá ser juntado ao
requerimento ao Exmo. Secretário da saúde. (Protocolo/Registro nº 1679/2000, da
ACP com pedido de tutela antecipada).
Propôs ainda os procedimentos especificando que, a partir da data do
protocolo, ou do recebimento da carta registrada conforme o prazo, o Estado terá
o prazo de trinta dias para providenciar, às suas expensas, instituição adequada
para o tratamento do autista requerente, sendo que no corpo do requerimento
poderá constar a instituição de preferência dos responsáveis ou representantes
dos autistas, cabendo ao Estado fundamentar a inviabilidade da indicação, se for o
caso e eleger outra entidade adequada e que após isso deverá providenciar a
indicação da instituição, deverá notificar o responsável pelo autista, fornecer os
dados necessários para o início do tratamento de saúde, educacional e
assistencial, em regime integral ou parcial. (Protocolo/Registro nº 1679/2000, da
ACP com pedido de tutela antecipada).
Ainda se posicionou pelo rigor punitivo caso houvesse, por parte do Estado,
descumprimento das diversas obrigações de fazer, determinando-se o
cumprimento das atividades devidas, sob pena de cominação de multa no valor de
R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que deverão ser revertidas para o fundo de
reconstituição dos interesses metaindividuais lesados, criado pelo Art. 13 da Lei

37Lei Complementar 791/95 Art. 4º. Parágrafo 1° Por serem de relevância pública, as ações e os
serviços públicos e privados de saúde implicam co-participação do Estado, dos Municípios, das
pessoas e da sociedade em geral, na consecução de resultados qualitativos e quantitativos para o
bem comum em matéria de saúde .
Federal 7347/8538. (Protocolo/Registro nº 1679/2000, da ACP com pedido de
tutela antecipada)
Solicita também a antecipação de tutela, alertando que a mesma urge e
impera para prevenir os danos causados aos autistas, muitos deles no momento

possibilidade de progresso e tratamento. Finaliza requerendo que, antes de tudo,


porém, o poder público deve oferecer os serviços e não deixar uma parcela da
população desamparadas, concedendo liminarmente a medida pleiteada pois há
risco à vida e à saúde dos autistas pois os danos estão ocorrendo a cada
momento, seja com relação aos autistas há muito tempo diagnosticados, seja com
relação a crianças que no momento estão sendo atendidas como tal e não dispõe
de qualquer opção pública de tratamento adequado. (Protocolo/Registro nº
1679/2000, da ACP com pedido de tutela antecipada).

38 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um
fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados .
Argumentos - FESP - Fazenda Pública do Estado de São Paulo39

A FESP na defesa do Estado alega que o mesmo vem buscando manter, por
si ou por entidades a ela conveniadas, o atendimento ambulatorial e de internação
de pessoas portadoras de tais transtornos do desenvolvimento psicológico e
mental, porém, com vagas insuficientes diante da demanda, motivo pelo qual a
Secretaria de Saúde está buscando ampliar sua capacidade de atendimento
especializado, principalmente em relação aos portadores de autismo, efetuando
levantamento das instituições, contatos telefônicos e visitas, tudo, para processo
de formação de convênios pelo SUS e encaminhamento de recursos por meio da
referida Secretaria. (ACP nº 053.00.027139-2, p. 409-428).
Contesta a ação, nos termos do artigo 302, e seus incisos e parágrafo único,
do Código de Processo Civil40 e sustenta que a obrigação constitucional de
garantir à população acesso aos serviços e ações de saúde, sem privilégios de
qualquer espécie, mediante atendimento gratuito, restringia-se apenas aos que se
mostrassem carentes de recursos.
Declara, que em razão do princípio da Tripartição dos Poderes expresso no
artigo 2º da Constituição Federal, não estar sujeita a decisões de outro, poder que
resultam em co-gestão ou alteração da destinação de verbas do seu orçamento,
pois é só seu o dever de gerir a coisa pública, elegendo, segundo critérios de
conveniência e oportunidade, as oitenta e uma diretrizes e as prioridades
governamentais.

39 Síntese dos argumentos contestando a ACP. Os mesmos estão dispostos no processo nº


053.00.027139-2, p. 409-428)
40 Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo

que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for
desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios
necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da
eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou
prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que
a medida tiver sido concedida, sempre que possível .
Decisão do juiz da 6ª vara da Fazenda Pública 41

Sobre o argumento trazido, o da falta da dotação orçamentária


para tal atendimento específico, poderia dispor daquelas vultosas
quantias desperdiçadas em publicidade, dita informativa à
população, mas que, na maioria das vezes, são verdadeiras
campanhas políticas, e que quase sempre acabam impugnadas e
anuladas por meio de ações civis públicas, como recentemente
vem sendo questionada judicialmente a campanha publicitária do
Governo do Estado de São Paulo para a absurda taxa de
policiamento. (ACP decisão 6ª Vara da Fazenda Pública. P.
596-605)

A justificativa de natureza financeira apresentada pelos Procuradores da


FESP, no intuito de sensibilizar a juíza, foi alvo de severa repreensão por parte da
magistrada. Fica evidenciado dessa forma que o fator economicista estava sendo
considerado o mais importante parâmetro estatal para se opor a decisão que
poderia condenar o Estado a garantir direitos para as pessoas com TEA.
De acordo com a juíza, porém, a discricionariedade, ou seja, não estar
sujeita as condições ou restrições impostas por outro poder a que se refere a
Fazenda Estadual, só é admitida apenas na escolha da melhor política para
satisfazer a demanda, mas nunca de maneira a impossibilitar o fim almejado pelas
apontadas Normas Constitucionais. O Poder Discricionário da Administração não
é absoluto, pois então estaria subordinado a critérios aleatórios, culminado com
providências insensatas e desarrazoadas, as quais por certo não atingiram a
finalidade do artigo 83 da lei e não atentaram para o interesse público.
Novamente, se verifica um argumento, que futuramente encontraria amparo
no Decreto 6949/2009 (BRASIL, 2009), na medida em que se argumenta que os
custos para o atendimento do pleito poderiam atingir um montante desarrazoado
em relação às demandas de outras urgências sociais (Cf Artigo 2 - Conceitos -
Adaptações razoáveis).
Nesse sentido, é pacífico que havendo falha administrativa no cumprimento
das apontadas Normas Constitucionais e Legais, quando da condução do
Governo, pode sim o Poder Judiciário determinar providências para atender
interesses fundamentais ou sociais, quer de um indivíduo, quer da coletividade.

Os argumentos com a justificativa e decisão do Juiz de primeira instância são parte integrante da
41

ACP Processo nº 053.00.027139-2 - p. 596-605


Enquanto o Governo do Estado de São Paulo não colocar à
disposição de todo e qualquer autista, efetivamente,
estabelecimentos próprios ou conveniados para o tratamento
ambulatorial e de internação, especializados no atendimento da
Síndrome de Kanner, em decorrência de sua inércia ou de seu
descaso para com o mandamento constitucional, deverá sim
responder pelo custeio do tratamento do referidos pacientes
mediante o pagamento das despesas, podendo, em hipótese
alguma, selecioná-los em razão da origem, da raça, do sexo, da
cor, da idade ou quaisquer outras formas de discriminação,
inclusive da situação financeira familiar, cumprindo assim o
mandamento constitucional de prover as condições para a saúde
de todos, nos termos do artigo 196 e seguintes da Constituição
Federal de 1988, artigos 219 e seguintes da Constituição Estadual,
da Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 8080/90 e da Lei Complementar
Estadual nº 791/95. (ACP decisão 6ª Vara da Fazenda Pública.
P. 596-605)

Ante o exposto e o mais que consta dos autos, julgou procedente a ação
civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a
Fazenda Pública do Estado de São Paulo, com fundamento no artigo 269, inciso I,
do código de Processo Civil, para condená-la, até que, se o quiser, providencie
unidades especializadas próprias e gratuitas, nunca as existentes para o

educacional e assistencial aos autistas, em regime integral ou parcial


especializado para todos os residentes no Estado de São Paulo 42. (ACP decisão
6ª Vara da Fazenda Pública. p. 596-605).
A evidente resistência do Estado, para evitar que seja obrigado a garantir
direitos educacionais e também de saúde às pessoas com TEA, deixa claro que
as motivações que o impelem a essa tentativa estão atreladas a questão de

42 I - Arcar com as custas integrais do tratamento (internação especializada ou em regime integral


ou não), da assistência, da educação e da saúde específicos, ou seja, custear tratamento
especializado em entidade adequada não estatal para o cuidado e assistência aos autistas
residentes no Estado de São Paulo; II - Por requerimento dos representantes legais ou
responsáveis, 86 acompanhado de atestado médico que comprove a situação de autista,
endereçado ao Exmo. Secretário de Estado da Saúde e protocolado na sede da Secretaria de
Estado da Saúde ou encaminhado por carta com aviso de recebimento, terá o Estado o prazo de
trinta (30) dias, a partir da data do protocolo ou do recebimento da carta registrada, conforme o
caso, para providenciar, às suas expensas, instituição adequada para o tratamento do autista
requerente. III - A instituição indicada ao autista solicitante pelo Estado deverá ser a mais próxima
possível de sua residência e de seus familiares, sendo que, porém, no corpo do requerimento
poderá constar a instituição de preferência dos responsáveis ou representantes dos autistas,
cabendo ao Estado fundamentar inviabilidade da indicação, se for 'o caso, e eleger outra entidade
adequada. IV - O regime de tratamento e atenção em período integral *ou parcial, sempre
especializado, deverá ser especificado por prescrição médica no próprio atestado médico antes
mencionado, devendo o Estado providenciar entidade com tais características. V - Após o Estado
providenciar a indicação da instituição deverá notificar o responsável pelo autista, fornecendo os
dados necessários para o início do tratamento .
custeio, embora aponte outros motivos nas suas alegações que seriam de ordem
técnica. A questão da falta de dotação orçamentária, alegada pela FAESP, mostra
o quanto a questão econômica desponta como a principal razão de tal resistência.
Não fosse isso, não haveria justificativa para que o Estado viesse incorrer em
negação de direitos constitucionais.
Tal argumentação da falta de recursos financeiros não veio acompanhado
de demonstração probatória para comprovar a validade do argumento, mas
apenas mencionou de forma que, considerando todo o esforço para evitar a
sentença desfavorável. através da adoção dos recursos jurídicos às instâncias
superiores, deixa registrado que a sujeição a ordem econômica, estaria
determinando a razão governamental, que deixa de fazer o que seria a sua
vocação constitucional, em relação aos direitos das pessoas com deficiência.
Tem-se, pois, distintas leituras dos limites das viabilidades do cumprimento
das leis: de um lado, o poder público reconhece o direito, mas a impossibilidade
financeira de promovê-lo; de outro, os pais de autistas clamam por justiça e
equidade de condições de ensino e atendimento clínico em relação às crianças ou
fica, de acordo com Foucault (2012) ,
que as leis não garantem direitos, mas criam os crimes e delimitam os ilegalismos.
Nesse caso, o ilegalismo vai encontrar justificativa em normativas futuras,
tanto no Decreto 6949/2009 como no Plano Nacional de Educação Inclusiva de
2008 (BRASIL, 2008) os quais consideram que os custos devem ser razoáveis
(decreto) e que o repasse de verba priorize o atendimento em escola
regular/inclusiva com AEE no contraturno (BRASIL, 2008). Tal discursividade e
divisão só levarão à reforma do mesmo e não a uma transformação radical da
realidade, mesmo porque a demanda daquele que pede uma ruptura não é
escutada por aqueles que são responsáveis por elaborar, implantar e implementar
programas de inclusão.
Quando são ouvidos nos fóruns e grupos de trabalhos constituídos pelo
Estado, estão em número bem menor do que os demais membros: seus apelos
acabam sendo negados nos momentos de votação, arquivados se em processo

modelo inclusivo: o da normalização.


Desde que uma teoria penetra em determinado ponto, ela se
choca com a impossibilidade de ter a menor consequência prática
sem que se produza uma explosão, se necessário em um ponto
totalmente diferente. Por este motivo a noção de reforma é tão
estúpida e hipócrita. Ou a reforma é elaborada por pessoas que se
pretendem representativas e que têm como ocupação falar pelos
outros, em nome dos outros, e é uma reorganização do poder,
uma distribuição do poder que se acompanha de uma repressão
crescente. Ou é uma reforma reivindicada exigida por aqueles a
que ela diz respeito, e aí deixa de de ser uma reforma, é uma ação
revolucionária que por seu caráter parcial está decidida a colocar
em questão a totalidade do poder e de sua hierarquia. (DELEUZE,
1998, p. 71-72.)

Com tantas leis e normas que supostamente visam a garantias de direitos à


educação para as pessoas com deficiência, em particular aos autistas, não
passam de reformas que seguem o percurso da distribuição do poder, conforme
colocado por Deleuze, percorrendo as etapas que cumprem o papel do Estado
Social, garantidor dos direitos sociais e ao mesmo tempo criando os flancos para o
ilegalismo, dado o fato de que, a lei é feita pelos parlamentares eleitos para esse
fim e que deverão ser cumprida por outros, no caso os ocupantes do Poder
Executivo.
Dessa forma, está dada a estupidez e a hipocrisia, haja vista que o
aparelho burocrático da administração pública, utiliza estratégias para não cumprir
a lei ou quando a cumpre, o faz de forma que lhe é interessante. Portanto, mesmo
uma decisão judicial contra o Estado, não será respeitada até que se esgote todas
as etapas recursais, e, ainda assim, após esgotadas todas as instâncias, o que se
vê, no caso dos autistas, é um espinhoso caminho para fazer valer a decisão
judicial.
A imposição da decisão judicial contra o Estado de São Paulo, independe o
governo que esteja no poder, trata-se de direito líquido que foi reconhecido nos
tribunais a propósito dos direitos individuais e coletivos garantidos pela
Constituição de 1988, entretanto, não será facilmente concedido devido as
possibilidades de interpretação das políticas de inclusão, que são dúbias quanto a
sua efetivação, numa clara demonstração de que, não foram feitas para o respeito
das diferenças e individualidades, que são inerentes a pessoa humana.
A Apelação43 da FESP e Decisão dos Desembargadores do TJSP44.

Apela a fazenda do Estado de São Paulo aduzindo a falta de interesse


processual, ingerência do Poder Judiciário, ferindo a independência dos Poderes,
insurgindo-se, ainda, contra a fixação da multa diária que lhe foi imposta.
Sustenta a Fazenda do Estado, no recurso, a falta de interesse processual,
a ingerência do Poder Judiciário na discricionariedade do Poder Executivo, ferindo
a independência dos Poderes e, ainda, insurgindo-se quanto à multa diária que lhe
foi imposta e, que o Estado de São Paulo já vem prestando satisfatório
atendimento aos autistas.
Para o Desembargador Magalhães Coelho, em seu voto, considera que:

o discurso da apelante choca-se, assim, com a evidência de que


os autistas não estão recebendo no Estado de São Paulo
adequado e específico tratamento, pois as iniciativas do Estado
são ainda incipientes e insuficientes, demonstrando, a existência
de legitimação do Ministério Público e seu interesse processual na
tutela do interesse coletivo. (Apelação Civil nº 278.801-5/8-00-voto
5.268).

Diz ainda que:


a sentença não ofende, como pretende o recurso, a
discricionariedade administrativa, nem a independência dos
Poderes, posto que o Poder Judiciário exerce o controle
jurisdicional da Administração Pública e faz concretizar os vetores
axiológicos e os direitos individuais e coletivos expressos na
Constituição Federal. (Apelação Cível nº 278.801-5/8-00-voto
5.268).

Faz crítica à falta de cumprimento das obrigações legais por parte dos
agentes públicos e, destaca:
a norma programática, como um recurso pelo qual usualmente os
administradores públicos se escusam de cumprir as obrigações
que lhes são dirigidas pela Constituição Federal. Justifica a
necessidade de se ter uma norma impositiva de eficácia plena, que
objetiva tomar real e não meramente retórico o direito à vida
proclamado no art. 5° da Constituição Federal45.

Apelação (Lat. appellatio.) S.f. Recurso que se interpõe às decisões terminativas do processo
a fim de os tribunais reexaminarem e julgarem de novo as questões decididas na instância inferior
(APELAÇÃO, 2001).
44 Informações constantes da ACP Processo nº 053.00.027139-2, p. 1278-1288; 1311-1322
45 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à


igualdade, à segurança e à propriedade
Não é suficiente, portanto, que o Estado proclame o
reconhecimento de um direito constitucional, para solapá-lo por
meio de gestões de duvidosa eficiência e moralidade dos recursos
públicos tão propalados pela mídia nos últimos anos: o tema

dos males que afetam, historicamente, o Brasil. (Apelação Civil nº


278.801-5/8-00-voto 5.268).

O voto do Desembargador Laerte Sampaio, destaca que:

é imprescindível desenvolver políticas de assistência educacional


e de saúde específica aos autistas não sendo questão afeta à
subjetividade do administrador e que a imposição da sanção
pecuniária, se afigura adequada para compelir o administrador
negligente na concretização da pauta de políticas públicas
estabelecidas pela Constituição. (Apelação Civil nº 278.801-5/8-
00-voto 11.733).

Argumenta que, a apelante não demonstrou que mantinha serviços médicos


e educacionais especializados para o atendimento dos autistas e que procurou
fugir de sua responsabilidade apontando para o atendimento geral dos serviços de
saúde e educação confundindo os tratamentos gerais para deficientes com
aqueles necessários para os autistas.
Retoma a questão da discricionariedade administrativa e entende que a
mesma tem sido utilizada para manter a ilegalidade e legitimar a prática de não
garantir os direitos em nome da decantada falta de previsão orçamentária e se
assim o fosse, o exercício dos direitos, coletivos, difusos, individuais ou
desinteresse público ficaria sempre subordinado à discricionariedade
administrativa46 e boa vontade do administrador em inserir no orçamento as
verbas necessárias. Conclui dizendo que um tal estado de coisas é
manifestamente inaceitável por contrariar a própria vigência e eficácia de uma

46

segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos,
cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada
à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade
conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a
situação vertente.
A noção de Discricionariedade, ou "atribuição discricionária" envolve um aspecto liberal, de
autonomia em face de uma determinada autoridade. Logo, atuar discricionariamente significa
proceder no exercício de uma atividade, sob aspectos racionais e proporcionais, dentro do âmbito
estabelecido pelo ordenamento jurídico, optando pelo melhor procedimento que irá
satisfazer o bem comum, diante de conceitos ambí
2005, grifos meus).
Constituição, que dispõe em sentido inverso, portanto nega-se provimento aos
recursos . (Apelação Civil nº 278.801-5/8-00-voto 11.733).
Os argumentos da FESP, apelando para os dispositivos legais que em
perspectiva e em certa medida, garantiria uma exclusiva discricionariedade por
parte do Governo de São Paulo para executar suas políticas de inclusão,
conforme seu próprio entendimento, não encontrou guarida no Tribunal de Justiça
que não poupou em denunciar que o Estado, no caso o executivo, não estava
respeitando a Constituição, tampouco o direito à vida consagrado na carta magna.
Dessa forma, a FESP já estava quase esgotando os recursos do jogo
jurídico que estava permitindo o Governo Paulista o adiamento para o início dos
efeitos da ACP dos autistas, conforme determinava a decisão judicial proferida em
nível de primeira instância no dia 28 de dezembro de 2001. As estratégias da
FESP já haviam tido êxito em estender os efeitos da decisão processual, pelo
menos até o final de 2005.
Os Embargos e o Trânsito em Julgado47

Continuando sua trajetória de impedir que a ACP fosse concretizada, a


FESP lançou o último recurso jurídico possível, que foram os embargos. Isso
ocorreu no ano de 2005. Nesse sentido, foi solicitado pelo Estado que tivesse a
prerrogativa para avaliar e definir qual a condição para o atendimento a ser dado
aos autistas.
Os votos dos Desembargadores que julgaram os embargos foi favorável às
pretensões propostas pelo Estado e concedeu que, na concretização dos
comandos constitucionais, para desenvolver a implementação de políticas
públicas, como a assistência educacional e de saúde específica dos autistas, terá
a FESP espaços de liberdade, e que caberá a FESP conceder tratamento dos
autistas de acordo com as boas regras educacionais, e terapêuticas, bem como
implementação das regras técnicas para a garantia de um tratamento adequado.
Dentro de um panorama de razoabilidade caberá a FESP estabelecer critérios
técnicos, médicos e pedagógicos para que um estabelecimento funcione como
serviço de assistência ao autista. Impõe uma proibição de que não será lícito a
FESP criar requisitos de habilitação ilógicos e desarrazoados, de modo a dificultar
ou impedir a execução do julgado.
O apelo de caráter economicista sempre presente na defesa da FESP,
encontrou, posteriormente, amparo com o que reza o artigo 2º da Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, promulgado pelo
do Decreto do presidente da República Nº 6949 de 2009. (BRASIL, 2009), vale
lembrar e insistir o que nele se orienta aos gestores:

47 Após ter passado por todas as etapas do processo judicial haverá a determinação do trânsito em

julgado. Nesta etapa o processo já possui uma decisão final emitida pelo tribunal responsável, e
não se poderá mais recorrer. Mas então, quando ocorre o trânsito em julgado?
Ocorre quando se esgotam os recursos cabíveis; Quando não há possibilidade legal de
interposição de novos pedidos de revisão/reexame do caso; Na hipótese do decurso de prazo,
quando se esgota o prazo legal para a apresentação dos recursos ao tribunal, havendo assim a
perda do direito de recorrer; Quer seja uma ação civil, penal ou trabalhista, o trânsito em julgado
possui os mesmos efeitos.
Trânsito em Julgado e a Coisa Julgada A fase em que se Transita em julgado um processo
demonstra que já houve a decisão judicial definitiva, a qual possui irretratabilidade defendida pela
própria constituição federal, através do princípio constitucional da intangibilidade da coisa julgada,
XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada (TRÂNSITO, 2019).
necessários e adequados que não acarretem ônus
desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada
caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam
gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
(BRASIL, 2009, grifo meu)

Por fim, a decisão dos Desembargadores conclui que o espaço


discricionário do administrador, sujeita-se também a controle jurisdicional
notadamente quando se afastar da razoabilidade, dessa forma concedeu
provimento parcial aos embargos declaratórios sem alteração do julgamento.
Dessa forma foi certificado o acórdão e declarado o trânsito em julgado no dia 27
de janeiro de 2006.
O ponto principal da apelação e dos embargos48 impetrados pelo Estado
está centrado na discricionariedade, ou seja, na sua autonomia de poder
determinar as suas ações, sejam elas administrativas, econômicas, jurídicas,
sociais ou políticas. No contexto da ACP, fica claro que o poder que o Estado está
apregoando, é na verdade o poder biopolítico, no sentido de que teria a
competência de exercer suas prioridades sobre as políticas públicas, destinadas à
população, ou segmento populacional no caso dos autistas, de acordo com a sua
agenda. Ora, está evidente que o que se buscou com essa defesa, foi a
, sem ser importunado pelo poder judiciário, em
outras palavras, o que já era uma prática sem a imposição judicial para mudá-la,
passaria a ser uma prática vigiada pelo judiciário e mais ainda pela população
interessada e que tenha tido conhecimento da existência da ACP. Parece estaria
havendo um conflito de interesses nesse caso, entre o judiciário que deve garantir
o cumprimento das leis e o poder executivo que deve cumpri-la.
Segundo Foucault, o âmbito do edifício jurídico da soberania, o âmbito dos
aparelhos do Estado, o âmbito das ideologias que os acompanham, não deve
orientar a pesquisa sobre o poder (FOUCAULT, 2013), pois:

48 Embargos S.m. Meio judicial para obstar o cumprimento de uma sentença ou despacho.
Nota: O CPP assim explicita: Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação,
câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de 2 (dois) dias
contados de sua publicação, quando houver na sentença, ambiguidade, obscuridade, contradição,
omissão. Art. 620. Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que constem
os pontos em que o acórdão é ambíguo, obscuro, contraditório ou omisso. (EMBARGOS, 2001).
crê que se deve orientar a análise do poder para o âmbito da
dominação (e não da soberania), para o âmbito das conexões de
sujeição, para o âmbito das conexões e utilizações dos sistemas
locais dessa sujeição e para o âmbito, enfim, dos dispositivos de
saber. (FOUCAULT, 2013, p. 30)

Foucault entende que o poder deve ser analisado como uma coisa que circula,
como uma coisa que só funciona em cadeia (FOUCAULT, 2013). A distribuição
dos direitos parece seguir essa ordem do saber, na medida em que a proximidade
com esse saber confere, a alguns mais esclarecidos, possibilidades de se obter os
direitos que estão em jogo.
Se durante a Idade Média o soberano avocava pra si todo o poder de
decisão sobre a vida dos indivíduos, tal poder se referia a sua discricionariedade

partir do século XVIII, começa haver um deslocamento dessa forma de poder para
um poder que será exercido de acordo com uma nova racionalidade de Estado em
que a economia política terá uma centralidade imperativa sobre a nova razão
governamental.
Sendo que o poder transita entre os indivíduos, jamais são alvos inertes ou
consentidores do poder, mas são seus intermediários pelo qual o poder transitado
(FOUCAULT, 2013). Nesse sentido, a composição dessa rede pela qual o poder
passa, envolve uma teia complexa de agentes, pois o Estado é abstrato, logo
considerar que esse ente dotado de alto grau de generalização seja capaz de
operar a exclusão dos diretos dos autistas de forma autônoma, seria
desconsiderar todos aqueles que são investidos de poder em nome do Estado e
que, segundo determinados interesses, ou agindo de acordo com uma razão
governamental, passam a operar nos limites legais e assim, cometem as
ilegalidades que o Desembargador afirmou que o Estado comete. Temos que
considerar que essas ilegalidades são cometidas por indivíduos concretos, o
atuam de acordo com uma
racionalidade governamental, em que a prioridade não é a garantia dos direitos,
mas a economia política, o orçamento público, a arrecadação e a distribuição dos
recursos de acordo com as prioridades políticas.
O pedido de extinção49

No dia 28 de março do ano de 2014, o mesmo Ministério Público que


havia conduzido um Inquérito Civil e depois impetrado uma ACP, teve uma
iniciativa que pretendia anular a o Processo Nº 053.00.027139-2, decorrente da
ACP dos autistas. Passados quase uma década do trânsito em julgado da ACP
que foi favorável às exigências do MPSP à época, várias leis, convenções,
diretrizes e normas no campo dos direitos humanos das pessoas com deficiência
passou a fazer parte do cenário das lutas sociais que nunca cessaram.
O entendimento do MPSP por ocasião do pedido de extinção da ACP foi
de que os avanços no aspecto legal correspondem aos avanços na realidade
prática na garantia do direito à educação dos autistas, amparando-se na Lei
federal Nº12.764, de 27 de dezembro de 2012. Nesse sentido foi requerido que:

1. Seja dada vista à Procuradoria do Estado para, se desejar,


oferecer manifestação e, após, que seja determinado o
arquivamento da presente ação civil pública, com fundamento no
art. 794, inciso I, considerando que o estado formulou uma política
pública para o tratamento de pessoas com o espectro de autismo,
a qual leva em conta a nova legislação e o entendimento da
Constituição Federal de integração entre Estado, Município e
União para a definição de política pública do SUS.
2. Não sejam mais aceitas, uma vez que prejudicada em virtude do
arquivamento do processo principal, novas execuções individuais
distribuídas por dependência a esta ação civil pública.
3. As execuções individuais que já estiverem em curso sejam
mantidas até a sua solução final, uma vez que propostas enquanto
a decisão da ação civil pública ainda encontrava-se ativa e
normatizando plenamente as questões relacionadas a tratamentos
de pessoas como espectro autista.

Sem pretensão em fazer juízo de valor, é difícil não notar que a


mudança abrupta de posicionamento do MPSP foi acolhida sem ressalvas pela
Fazenda Pública Estadual/Estado, que estava enfrentando muitas ações judiciais
amparadas na ACP e que o obrigou a celebrar Termo de Ajustamento de Conduta
TAC50, para contratação de serviço de Cuidador, como especificado. Antes de

49 Informações obtidas da ACP Processo nº 053.00.027139-2, p. 4957-4963; 5036-5037.


50 Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público de São Paulo e o Governo do
Estado de São Paulo e a Secretaria Estadual da Educação e a Secretaria de Estado da Saúde
Compromitente: Ministério Público Do Estado De São Paulo, representado pelo Promotor de
Justiça de Direitos Humanos da Capital, Julio Cesar Botelho, pelos Promotores de Justiça
integrantes do Grupo de Atuação Especial de Educação GEDUC, João Paulo Faustinoni e Silva
continuar Ajustamento de

O TAC - termo de ajustamento de conduta é meio excepcional de


transação, somente cabível nos casos expressamente autorizados
pela lei, com o intuito de permitir ao potencial agressor de atender
e se adequar ao interesse tutelado. [...] O Termo de Ajuste de
Conduta - TAC pode ser tomado por qualquer órgão público
legitimado à ação civil pública, como o Ministério Público, a
Defensoria Pública, a União, os Estados-membros, os Municípios,
o Distrito Federal, as autarquias e às fundações públicas (Lei n.
7.347/85, art. 5º; CDC art. 82), não detendo o Ministério Público a
exclusividade de lançar mão desse valioso e moderno meio
preventivo e em ambiente de mediação de futuros e potenciais
conflitos de posturas empresariais com os interesses sociais e
individuais indisponíveis.
No âmbito dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, os termos
de ajustamento de Conduta ou TACs são documentos assinados
por partes que se comprometem, perante o procurador da
República ou o Promotor de Justiça, a cumprirem determinadas
condicionantes, de forma a resolver o problema que estão
causando ou a compensar danos e prejuízos já causados.
(COSTA, 2014).

No caso da demanda dos autistas, assim foram os termos de


ajustamento de conduta no item Das obrigações:

Cláusula terceira O Governo do Estado de São Paulo e a


Secretaria de Estado da Educação reconhecem a ausência da
função de cuidador nas escolas do Estado de São Paulo. Em face
disso e no intuito de garantir o pleno direito à educação das
pessoas com deficiência, observando a legislação supra referida,
comprometem-se a disponibilizar o serviço de cuidador aos alunos
que dele necessitam, mediante as condições previstas neste TAC.
Cláusula quarta Ficam definidos como público-alvo dos
cuidadores os alunos com deficiência, cujas limitações lhes
acarretem dificuldade de caráter permanente ou temporário no
cotidiano escolar, e que não conseguem, com independência e
autonomia, realizar, dentre outras, atividades relacionadas à

e Michaela Carli Gomes e pela Promotora de Justiça da Infância e Juventude do Ipiranga Maria
Izabel do Amaral Sampaio Castro e Luiz Antônio Miguel Ferreira, Promotor de Justiça de
Presidente Prudente, bem como por outros Promotores de Justiça que venham a aderir por termo
próprio. Compromissário: Fazenda Pública do Estado de São Paulo, representada pelos
Secretários Estaduais da Educação e da Saúde, respectivamente Herman Jacobus Cornelis
Voorwald e Giovanni Guido Cerri, contando com a manifestação favorável do Procurador Geral do
Estado, Dr. Elival da Silva Ramos, exarada no expediente GDOC 1847- 1396602/2012 (processo
SE 13269/2012). - Seção I sábado, 23 de março
de 2013. Pag.42
alimentação, higiene bucal e íntima, utilização de banheiro,
locomoção, administração de medicamentos constantes de
prescrição médica [...]
O cuidador atuará, em regra, fora da sala de aula, sendo que a
necessidade de seu apoio no interior da sala de aula, como
facilitador na execução das atividades escolares, será avaliada
pela equipe de educação especial da Diretoria de Ensino, com a
participação da família, e somente para casos de exceção e de
dependência que comprometa, substancialmente, a realização das
atividades escolares, atentando para a não interferência no
trabalho pedagógico e no desenvolvimento da autonomia do aluno.
Cláusula quinta O cuidador deverá atender a toda a criança e
adolescente que dele necessitar, tanto no período de
escolarização quanto no contraturno, nas salas de recursos ou
onde se realizar o Atendimento Educacional Especializado.
Parágrafo único – O cuidador deverá ser garantido ainda que o
Atendimento Educacional Especializado seja oferecido por
entidades conveniadas ou contratadas a qualquer título pelo
Estado.
Cláusula sexta A Secretaria de Estado da Educação assume a
obrigação de disponibilizar o cuidador devidamente capacitado,
para a rede estadual de ensino, até o final do primeiro semestre de
2013.
§1º - O atendimento será prestado de acordo com as
necessidades específicas de cada aluno, respeitada a proporção
máxima de um cuidador para até três alunos por período [...]
(SÃO PAULO, 2013, p. 42)

Como está demonstrado na TAC, os serviços de cuidadores são para


todas as pessoas com deficiência incapazes, temporária ou definitivamente, em
cuidar de seu asseio pessoal, higiene, administrar ou tomar medicamentos

restrita a ela. Nada vinculado ao campo da educação inclusiva no sentido de


tornar possível a relação ensino-aprendizagem desses estudantes que, sabemos,
são distintos entre si: de expressivas dificuldades de aprendizagem à
superdotação ou altas habilidades (a série de Good Doctor tem como tema central
um médico e cirurgião autista com altas habilidades mas com dificuldades
expressivas nos relacionamentos pessoais e em sua reação intensa e
comportamental a estímulos sensoriais como ruídos, o que causa problemas para
ele e ao corpo médico. Produção: Sony Pictures Television and ABC Studios ). Ao
Estado cabe, para parafrasear Foucault (2000), deixar viver, mas em condições
que sejam razoáveis ao Estado como efeito do Racismo de Estado.
Com efeito, o que é racismo? É primeiro o meio de introduzir,
afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um
corte: o corte entre o que deve viver e o que deve morrer [...] a
qualificação de certas raças como boas e de outras como, ao
contrário como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de
fragmentar esse campo do biológico de que o poder se incumbiu
[...] Em resumo, de estabelecer uma cesura que será do tipo
biológico no interior de um domínio considerado como sendo
precisamente um domínio biológico. (FOUCAULT, 2010, p. 214-
215).

No caso dos autistas, a cesura foi feita a partir de critérios econômicos e


biológicos ao mesmo tempo: todo o estudante que não tem a capacidade de
cuidar de si mesmo, do ponto de vista higiênico e de saúde foi incluído em um
subgrupo dentre aqueles inúmer
esperado para a espécie humana (cegos, surdos, surdocegos, etc), ou seja,
aqueles que não podem arcar com a própria higiene. Um grupo que tem pontos de
intersecção com todos os outros anormais.

De outro lado, o racismo terá sua segunda função: [...] quanto mais
as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os
indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá
em relação à espécie, mais eu - não enquanto indivíduo, mas
enquanto espécie - viverei, mais forte serei, mais poderei proliferar.
[...] É claro, por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio
direto, mas também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato
de expor à morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a
expulsão, a rejeição etc. (FOUCAULT, 2010, p. 216)

Com esta TAC, a demanda dos pais de autistas é descontextualizada e


apagada - o processo deixa de existir também no plano da pertinência
argumentativa dos pais. Os sujeitos deixam de existir em seus direitos à cidadania
e condenados à silenciosa morte por aqueles que rejeitam e não legitimam suas
vozes em várias e vários cortes de apelação.
Baseando-me nas premissas acima, creio que a insistência de que não
há uma política para os autistas é falaciosa: a sua não existência, o apagamento
dessa população, os recursos jurídicos que abrem brechas para as instituições se
livrarem da necessidade da garantia de direito são elementos que norteiam a
política de inclusão dos autistas.
Teria o Estado elaborado alguma política pública específica para
atendimento dos autistas em decorrência da ACP entre os anos de 2011 e 2014?
Pelo menos até junho de 2011, isso não ocorreu, conforme constata-se na decisão
da juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública51.
Os Promotores do MPSP para justificar a pertinência da extinção da
ACP, argumentaram que o Estado de São Paulo havia formulado política pública
para o tratamento de pessoas com espectro de autismo, que leva em conta a nova
legislação e o entendimento da Constituição Federal. De algum modo, isso
encontra coerência jurídica já que o Decreto 6.949/2009 é o único tratado
internacional com valor de emenda constitucional, portanto, faz parte da
Constituição. Os gastos do Estado em atender uma demanda como seria
necessário não pode desarrazoado, caso contrário não poderia atender, por
esgotamento de recursos em uma só causa, o direito de outras demandas
igualmente necessárias vindas de outros movimentos sociais e/ou de outros
apelos de associações de PcD.
Em 2012, em termos de leis, foi promulgada a Lei Federal 12.764/2012,
estabelecendo a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com
Transtorno do Espectro Autista, sendo uma de suas diretrizes a inclusão das
pessoas com autismo em escolas comuns de ensino regular, conforme o
Programa Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(BRASIL, 2008).
Em relação ao processo aqui estudado, foi argumentado que a decisão
transitada em julgado não estaria em sincronia com a ideia de atendimento em
rede e custeio compartilhado, prevista nos art. 198 e 221, ambos da Constituição

51 ias e
gratuitas, nunca as existentes para o tratamento de doentes mentais "comuns", para o tratamento
de saúde, educacional e assistencial aos autistas, em regime integral ou parcial especializado para
todos os residentes no Estado de São Paulo, e, enquanto estas não existirem, a arcar com as
custas integrais do tratamento (internação especializada ou em regime integral ou não), da
assistência, da educação e da saúde específicos, ou seja, custear tratamento especializado em
entidade adequada não estatal para o cuidado e assistência aos autistas no Estado de São Paulo,
indicada pelo Estado, no prazo de até 30 (trinta) dias após o requerimento administrativo
comprovado. Desde então a execução se arrasta. O Estado não comprova que fornece o
atendimento aos autistas, juntando diversos relatórios e informações sobre instituições
conveniadas e atendimentos prestados, que não refletem, de maneira alguma, a implementação,
até o momento, de uma política pública de atendimento aos autistas. Por outro lado, neste
processo, diversos autistas têm pleiteado habilitação, buscando a execução individual da sentença.
Estas habilitações podem ser divididas em duas espécies: 1) habilitantes que afirmam que os
estabelecimentos indicados não são capazes de fornecer o atendimento adequado, e que portanto
o Estado deverá providenciar o custeio privado do autista, no estabelecimento que este reputa
adequado; 2) habilitantes que não possuem nenhuma condição de custeio privado, e que ao ser
indicado um estabelecimento pelo Estado o aceitam, sem questionar se o mesmo é adequado ou
processo nº 0027139-65.2000.8.26.0053 14-6-2011, p. 2-3).
Federal. Quando foi ajuizada a demanda coletiva, não havia legislação específica
e nem política pública definida. Afirmam que a política de atendimento acabou
sendo criada e que o Estado vem tentando implementá-la. Segundo o MPSP, com
a promulgação da Lei 12.746/12, a sentença tornou-se incompatível com a
legislação, já que a decisão judicial preconizava a educação especial, relegada a
exceção na nova lei. Intepretação possível pelo Programa Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Disso resulta o
cinismo já mencionado: as leis são, antes de tudo, textos e como tais abertos a
várias interpretações dependendo do que cada comunidade de interpretação
estabelece como chaves para sua leitura. Como exemplo: se a Bíblia é um dos
livros mais lidos no mundo e considerado texto sagrado - seja o Antigo
Testamento e/ou o Novo Testamento - suas distintas interpretações permitiram o
apareci
ou vinda diretamente de Deus. As leis estão submetidas também a uma doutrina
só que jurídica e não religiosa.
Segundo Foucault (CASTRO, 2016), a doutrina não se exerce apenas
como um mecanismo de controle discursivo não se exerce apenas na forma ou no
conteúdo. O pertencimento doutrinal põe em jogo tanto o enunciado como o
sujeito falante, um através do outro.

A doutrina [...] tende a difundir-se. e é pela partilha de um só e


mesmo conjunto de discursos que indivíduos, tão numerosos
quanto se queira imaginar, definem suas pertenças recíprocas.
Aparentemente, a única condição requerida é o reconhecimento
das mesmas verdades e a aceitação de certa regra - mais ou
menos flexível - de conformidade com os discursos validados; [...]
Ora, a pertença doutrinária questiona ao mesmo tempo o
enunciado e o sujeito que fala, e um através do outro. Questiona o
sujeito que fala através e a a partir do enunciado e o sujeito que
fala, e um através do outro. [...] A doutrina liga os indivíduos a
certos tipos de enunciação e lhes proíbe, consequentemente,
todos os outros; mas ela se serve, em contrapartida, de certos
tipos de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los,
por isso mesmo, de todos os outros. A doutrina realiza uma dupla
sujeição: do sujeito que falam aos discursos e dos discursos ao
grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam. (FOUCAULT,
2014, p.41-43).

jurídico define como sendo doutrina jurídica:


um conjunto de princípios, ideias e ensinamentos de autores e
juristas que, no caso, servem de base para o Direito e que
influenciam e fundamentam as decisões judiciais. É fonte do
Direito, utilizada também para a interpretação das leis, fixando as
diretrizes gerais das normas jurídicas (DOUTRINA, 2018).

Todas as instâncias envolvidas no processo jurídico estão restritas, de forma mais


ou menos flexível, à interpretação possível das leis, devendo permanecer nos
limites de seus princípios - chaves de leitura - já acordados por juristas
experientes, como sendo os marcos das fronteiras das interpretações possíveis de
cada lei. Daí porque a jurisprudência pode causar novidade ao ampliar tais limites,
o que não aconteceu no processo em análise.
Nesse contexto, não é de se estranhar que, corroborando com o pleito
do MPSP, a FESP também argumentou de forma favorável ao pedido de extinção
da ACP nos seguintes termos: que a sentença proferida pressupunha a ausência
de política pública adequada e regulamentação específica, ao passo que a
situação atual é diversa; que, a sentença preenche lacuna existente e cumpriu seu
papel; que a sentença, apesar de seu importante papel de propulsor da política
pública, hoje a engessa e exclui os autistas das escolas regulares, além das
dificuldades burocráticas que o acesso direto ao Gabinete do Secretário traz; que
concorda com o posicionamento do MPSP pela extinção da ACP.
A Defensoria Pública, de forma incomum para esse caso, passa a se
contrapor ao MPSP, levando em conta que o próprio MPSP esteve ao lado da
ACP dos autistas de forma favorável, até porque teria sido o responsável pela
impetração da mesma, agora se configura como adversário. Dos argumentos
apresentados, considerou que a quantidade de atores interessados no desfecho
do processo e o pedido de extinção formulado pelo MPSP, remete a necessidade
de realização de audiência pública para coleta de informações relevantes.
Argumentou, entre outros apontamentos, que são quatro grupos de
interesses que serão afetados de forma diferentes pela política implementada e
pelo processo: crianças de 0 a 6 anos com diagnóstico de autismo, crianças de 6
a 18 com diagnóstico de autismo, adultos com diagnóstico de autismo que
residem com seus familiares, e adultos com diagnóstico de autismo em situação
de institucionalização, portanto entende que o mais adequado é a realização de
audiência pública.
A Audiência Pública52

As informações da Audiência Pública que serão utilizadas a partir deste


momento, foram retiradas de dois documentos: a Ata da própria Audiências
Pública e do termo da decisão judicial, Processo nº: 0027139-65.2000.8.26.0053,
de 30 de agosto de 2016. O dramático suplício simbólico representado pelo
cenário da audiência pública da ACP, ocorreu nos dias 25 e 26 de novembro de
2014. Foi integralmente gravada e a transcrição foi juntada às fls. 5589/5743 do
processo.
Foram duas as etapas de participação durante a Audiência Pública. No
primeiro dia (25/11/2016), foram ouvidos a Ordem dos Advogados, o Ministério
Público, a Defensoria Pública, a Fazenda do Estado de São Paulo, médicos
especialistas, professores, representantes de instituições que prestam
atendimento aos autistas, pais de autistas, os Conselhos de Saúde e Educação,
associações da sociedade civil, representantes do Município e cidadãos que se
inscreveram para falar sobre a educação dos autistas no Estado de São Paulo; no
segundo dia (26/11/2016), foram ouvidos os interessados da área da saúde.
Importante esclarecer que realizamos um recorte das falas, com ênfase
nas principais ideias proferidas, apenas dos participantes das oitivas que
ocorreram no primeiro dia de Audiência, por considerarmos serem as mais
relevantes para o propósito desta pesquisa, portanto não foi considerado os
discursos do segundo dia da Audiência, pois os participantes eram
prioritariamente interessados da área da saúde.
A Audiência Pública ocorreu no Auditório do antigo Hotel Hilton, no
número cento e sessenta e cinco da avenida Ipiranga, na região central de São
Paulo. O Auditório tinha capacidade para quatrocentas pessoas e constou
previamente inscritos quatrocentos e cinquenta. Tal situação foi objeto do
posicionamento da Juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública, que decidiu:

Para a próxima audiência dos dias 25 e 26 de novembro de 2014,


estão inscritos 450 interessados, e são apenas 400 lugares. Será
dada preferência de entrada à ordem de chegada. Não será
autorizada a entrada de pessoas incapazes. Isto porque em nada
poderão colaborar para o debate, e a sua presença impedirá a
participação de outras pessoas que efetivamente poderão

52 Informações obtidas da ACP Processo nº 053.00.027139-2 - p. 5589-5743


contribuir com informações relevantes para a futura decisão
judicial a ser tomada.
Ainda, importante ressaltar, em razão dos boatos que têm sido
comunicados a este juízo, que não existe nenhuma hipótese de
extinção de contratos em andamento em razão de eventual
extinção do processo. Caso o processo seja extinto, os contratos
permanecerão em andamento, como decorrência lógica da
sentença, que continuará existindo no mundo jurídico. (São Paulo,
18 de novembro de 2014. Alexandra Fuchs de Araújo - Juíza de
Direito).

O que exatamente a proibição de entrada dos incapazes significava? Ora,


segundo a magistrada, seriam incapazes em relação às contribuições discursivas.
A seletividade que se buscava tinha o claro objetivo de contribuir com a decisão.
Interessante notar que a decisão da juíza, em relação a quem poderia estar
ou não presente nas audiências em 2014, foi idêntica a tomada, em 1880, pelos
organizadores do Congresso Internacional de Educação para Surdos realizado em
Milão (conhecido como Congresso de Milão)53 entre 6 a 11 de setembro. Como a
fez a magistrada, os organizadores do Congresso de Milão não permitiram
inscrição dos surdos e nem que votassem. Como resultado, o Congresso impôs o
oralismo como método de ensino e estabeleceu uma série de medidas que
coibiam a manutenção das associações e escolas de surdos, a contratação de
professores surdos e o casamento entre surdos.
A similaridade da atitude da juíza da 6ª Vara, que não permitiu a presença
participativa dos autistas durante a audiência pública, assim como a proibição de
participação dos surdos no Congresso de Milão, pode ser relacionada com a ideia
de heterotopia apresentada por Foucault durante uma conferência proferida no
ano de 196754
espaços sempre fizeram parte da sociedade e considera mais importante aqueles
espaços que de alguma forma, devido suas propriedades, estão em relação com
todos os outros. Sobre isso Foucault esclarece:

53 O Congresso de Milão tinha como foco a escolarização e a normalização de surdos, e os temas


tratados dividiram-se em: estrutura física do ambiente escolar, materiais de apoio, regime de
funcionamento, tendo destaque: a metodologia definida (Método Oral Puro/de Articulação),
combate ao método de sinais com a justificativa de que o ensino de língua de sinais atrapalharia o
aprendizado da oralidade e da leitura labial e que a língua oral, por sua vez, seria superior à língua
de sinais e possibilitaria melhor integração à sociedade e aquisição de conhecimentos.
As Atas do Congresso de Milão enfatizam duas situações: a concepção do surdo como inferior e
sofredor, que deve fazer de tudo para se passar por ouvinte para amenizar seu sofrimento. (SILVA,
2015, p.126)
54 DE OUTROS ESPAÇOS. Conferência proferida por Michel Foucault no Cercle d'Études

Architecturales, em 14 de março de 1967.


Mas o que me interessa são, entre todas esses posicionamentos,
alguns dentre eles que têm a curiosa propriedade de estar em
relação com todos os outros posicionamentos, mas de um tal
modo que eles suspendem; neutralizam ou invertem o conjunto de
relações que se encontram por eles designadas, refletidas 'ou
pensadas. Esses espaços, que por assim dizer estão ligados a
todos os outros; contradizendo, no entanto, todos os outros
posicionamentos, são de dois grandes tipos, Há, inicialmente, as
utopias. As utopias são os posicionamentos sem lugar real, são
posicionamentos que mantêm com o espaço real da sociedade
uma relação geral de analogia direta ou inversa. É a própria
sociedade aperfeiçoada ou é o inverso da sociedade, mas, de
qualquer forma, essas utopias são espaços que fundamentalmente
são essencialmente irreais.
Há, igualmente, e isso provavelmente em qualquer cultura. em
qualquer civilização, lugares reais, lugares efetivos. Lugares que
são delineados na própria instituição da sociedade, e que são
espécies de contraposícíonamentos, espécies de utopias
efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais, todos
os outros posicionamentos reais que se podem encontrar no
interior da cultura estão ao mesmo tempo representados,
contestados e invertidos, espécies de lugares que estão fora de
todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis.
Esses lugares, por serem absolutamente diferentes de todos os
posicionamentos que eles refletem e dos quais eles falam, eu os
chamarei, em oposição às utopias, de heterotopias; (FOUCAULT,
1984, p. 414-415)

Foucault se refere às heterotopias como os diversos lugares da sociedade


que estão fora de todos os lugares. Considera que há os lugares de crise e os
lugares de desvio. Nesse sentido, os lugares de crise são destinados aqueles
indivíduos que estão em crise em relação à sociedade e ao ambiente humano que
ocupam e cita como exemplo, os adolescentes, mulheres menstruadas ou
grávidas, idosos, etc.(FOUCAULT, 1984). Em relação aos lugares que representa
os desvios, se refere aos indivíduos com comportamentos desviantes em relação
às normas ou média necessária, por exemplo, casa de repouso, hospital
psiquiátrico, prisões .
Tanto os surdos do congresso de Milão, ocorrido no ano de 1880, quanto
os autistas excluídos da Audiência Pública do ano de 2014, pelo contexto que se
observa, foram tratados ou considerados como indivíduos desviantes, logo aquele
lugar em que discutiam sobre suas vidas ou sobre os seus direitos, não era o seu
lugar, ou seja, era como espelho que refletia a sua imagem de um lugar utópico
para eles, portanto irreal, pois não estavam de fato lá. Dito de outra forma, seriam
os autistas e também os surdos indivíduos que pertenceriam uma outra
heterotopia, um outro lugar, ou não-lugar, que de certa maneira, indesejado para
aquele meio, que, todavia, representava uma estética dos procedimentos
normatizados por uma ética de normalização, que se observou claramente nos
argumentos utilizados pela juíza.
No caso dos autistas, a Defensoria Pública não se quedou e impetrou
embargos declaratórios alegando que a decisão era contraditória, pois não caberia
limitação de acesso a um grupo de pessoas em audiência pública, ou seja, cujo
acesso deveria ser irrestrito até o limite da capacidade do local. Igualmente,
sustenta que cerca de 50% das pessoas com autismo tem a capacidade cognitiva
preservada e não podem ser consideradas incapazes pela lei civil.
A resposta judicial contemplou em parte os embargos declaratórios da
defensoria Pública no sentido de que reconsiderou em parte a decisão proferida
anteriormente, pois, de fato, se mostrou contraditória. O local onde seria realizada
a audiência pública possuía 400 lugares disponíveis. Por normas de segurança no
auditório, não seria permitida a entrada de mais pessoas, pois todas deveriam
permanecer sentadas o tempo todo, ou seja, seria proibido assistir ao evento de
pé. Por outro lado, como se sabe, 450 pessoas se inscreveram para participar
(264 se inscreveram para o sorteio das falas e o restante apenas para assistir aos
debates).
Assim, considerou que seria o caso de estabelecer certos critérios. Em
primeiro lugar, seria dada preferência àquelas e àqueles inscritos para falar, pois
poderiam ativamente contribuir, colaborando com os debates e com a formação da
convicção dos Julgadores. As outras vagas poderiam ser ocupadas por ordem de
chegada, dando preferência àquelas e àqueles já inscritos. Caso ainda houvesse
disponibilidade, seria facultada a entrada de quem não se inscreveu.
Todavia, proferiu a juíza,

ainda que não fosse cabível a proibição da entrada das pessoas


com autismo, seria preciso salientar o inconveniente de levá-los
até o local, por dois motivos: o local e a natureza do evento não
são adequados para a presença de pessoas deste espectro e
porque não haverá oportunidade de fala para as pessoas com
autismo.

Evitar a presença dos autistas na audiência pública apagar ou tirar de


cena o sofrimento pelo qual estão sendo submetidos, pela negligência dos
serviços públicos, que não os alcançam de forma satisfatória, mesmo com as
determinações da ACP.
De acordo com o entendimento proferido pela magistrada, ficou claro
que desconsiderava a possibilidade de haver contribuições por parte dos autistas -
como mencionado, há os de alto desempenho - e que diante de tantos estímulos
incomuns ao seu cotidiano, haveria risco de grande sofrimento dos mesmos com a
ida e permanência no local.
O despacho contendo a decisão da juíza não abriu espaço para a
participação ativa dos autistas, ou seja, não se oportunizou a fala para as pessoas
do espectro autista. Estes, segundo a decisão, caso tivessem interesse de ser
ouvidos em nome próprio, poderia peticionar nos autos principais ou juntar aos
autos com gravação de depoimento. Por fim, considerou que não poderiam fazer
fala na audiência e com a hostilidade do ambiente público para com os autistas,
concluiu pela pertinência de não os levar para a audiência.
Na ata que registrou todo o evento foi possível observar a natureza das
retóricas discursivas, sempre regadas por estilos cultos ou populares, erudição
gramatical e estilística, pela conveniência política, emoção, por interesses
econômicos e políticos, mas, no entanto, a incômoda presença dos corpos
pedir a participação de outras pessoas importantes para a
decisão. Precisava ser garantido, pela higienização do seleto ambiente o conforto
dos normais . Os discursos, alguns demonstrando inclusive argumentos que
interpretavam o que seria melhor para o outro, no caso os autistas, os mesmos
que não tiveram voz, e até dos seus direitos subjetivos como o da educação.
Após a abertura realizada pela Juíza responsável pelo processo, foi
dada a palavra para o Desembargador Raymundo Amorim Cantuária, cujo
discurso corrobora com a compreensão de que a administração pública conduzida
pelo Poder Executivo não deve sofrer a imposição de outro poder, no caso, o
Judiciário:
A nossa grande preocupação é de fazer com que a decisão judicial
seja cumprida nos estritos limites daquilo que ficou decidido no
processo e, num segundo instante, não menos importante, é de ter
a consciência de que o Poder Judiciário não é um sobre poder
sobre os demais Poderes da República. Sob pena de rasgar a
Constituição Federal, o Poder Judiciário não pode impor ao
Poder Executivo medidas da administração que signifiquem
alijar o poder decisório de quem foi legitimamente eleito para
administrar o dinheiro público. (g. m)
Ainda que o seu discurso ratifique e de certa forma fortaleça a decisão
judicial da ACP transitada em julgado, não contraria a tese defendida pelo MPSP
de que a ACP não é um instrumento adequado para a garantia dos direitos dos
autistas.
A seguir apresentaremos uma síntese dos discursos que deliberamos
serem apropriados para os propósitos desta pesquisa.

- O representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil


mencionou que no Brasil há cerca de dois milhões de autistas, cerca de 1% da
população e propôs a criação de centros de excelência para o atendimento
especializado aos autistas.

- O representante da Secretaria Municipal de Educação informou sobre o


atendimento especializado fornecido pela rede municipal de educação e que o
Decreto Municipal nº 45.41555, não utiliza o termo preferencial como disposto na
LDB 9394/199656, para a matrícula de aluno especial em sala regular, mas o termo
assegurar.

- O representante da Secretaria Estadual de Educação - informou que são


atendidos cerca de mil e oitocentos e setenta e um alunos, matriculados em vinte
e três escolas credenciadas, com edital de critérios rígidos. Tais critérios são
seguidos para o credenciamento e falam da equipe que deverá constar nessa
escola, dos espaços, plano pedagógico, métodos de ensino, equipe profissional.

- O representante do Conselho Municipal de Educação - informou que no ano


de 2005, o Conselho produziu nº 6 que trata da inclusão no sistema escolar e
estabeleceu as normas de forma democrática e com participação popular que está
no site do Conselho Municipal de Educação.

55 Decreto Municipal nº 45.415- Art. 2º Será assegurada, no Sistema Municipal de Ensino, a

matrícula de todo e qualquer educando e educanda nas classes comuns, visto que reconhecida,
considerada, respeitada e valorizada a diversidade humana, ficando vedada qualquer forma de
discriminação, observada a legislação que normatiza os procedimentos para matrícula.;
56 LDB 9394/96 - Art. 58 . Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a

modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para


educandos portadores de necessidades especiais.
- O Representante do Conselho Estadual de Educação órgão normativo,
deliberativo e consultivo do sistema educacional público e privado, chamou a
atenção para o artigo 58 da LDB 9394/96, que a educação especial é uma
modalidade de educação escolar que deve ser oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino.

- A Professora especialista 1 defendeu a extinção completa da ACP alegando


que a existência dos documentos legais como a LDB, a Convenção internacional
sobre os direitos da pessoa com deficiência de 2006, Diretrizes Nacionais da
Educação Especial em 2001 e sobre a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), seriam suficientes para
garantir os direitos das pessoas com TEA, que não caberia mais falarmos que as
características de uma pessoa impedem a convivência escolar.

- A Professora - especialista 2 considerou que o tratamento dado a inclusão é


mais ideológico do que lógico e que o pacote de serviços educacionais oferecidos
fica muito aquém das necessidades das pessoas especiais. Concluiu deixando
os alunos com Transtorno do Espectro do Autismo podem ficar
esperando que as diretrizes e práticas pedagógicas que atendam suas

A seguir apresentaremos um resumo das falas de três mães de alunos


autistas em que fica evidenciado as dificuldades que fazem parte do seu dia a dia:
- Senhora Valéria Miniz Alves: Entende que os pais de filhos autistas não podem
confiar em qualquer pessoa para cuidar do filho ou filha, como não é qualquer
escola que acolhe ou sequer admite receber uma criança autista. Ao colocar seu
filho numa creche da prefeitura, seu filho ficava jogado num canto, sem comer,
sem brincar e sem fazer nenhuma atividade; ou seja, não era nutrido, não
interagia socialmente, nem desenvolvia como pessoa. Que teve de colocá-lo em
uma escola particular para ele poder aprender a se sociabilizar. Faz outra

assistência social, pois há pais de filhos autistas que não podem se ausentar de
casa por oito horas, ainda que seja para trabalhar, e sendo assim, não param em
nenhum emprego . A terceira coisa de que sente falta é de um apoio psicológico
por parte do Estado. Declara que o filho foi parar no CAPS- que não é um lugar
apropriado para dar assistência e atendimento aos autistas e que ao levar o filho
para uma escola pública, percebeu a total ignorância, despreparo e descaso para
com sua individualidade: ninguém perguntava três coisas: o que ele gosta? O que
ele faz? O que ele já sabe?

- Senhora Danielle Russo Petrachini: Embora leiga no conhecimento jurídico,


pretende compartilhar seu conhecimento como mãe; ela tem dois filhos autistas:
Gabriel com 18 anos, e Tiago com seis anos. Tinha uma condição financeira
melhor até os oito anos de Gabriel, por isso ele frequentava escolas particulares.
Afirma que tanto na escola pública quanto numa escola particular não existe ideia
do que fazer com ele. Sempre faltou atendimento, desde a visita do CEFAI até a
precária participação do AVD (Auxiliar de Vida Diária), que não podia acumular
funções por questões de higiene e cuidados de saúde. Ela narra a fala de uma
coordenadora, que demonstrou sem querer, o total abandono em que se

tranquila, ele está ótimo aqui. Ele sai da aula a hora que quer, ele anda pela
Chocada, a mãe decide transferir seu filho
para uma Escola de Educação Especial. Afirma que essa segregação é praticada
nas escolas regularmente. Seu sonho era tentar desenvolver seus filhos, para
serem os mais independentes possíveis, pois ela como mãe, sabia não ser eterna.
Essa mãe dá um exemplo de segregação: uma amiga, que tem filho autista, o
matriculou numa escola regular de classe Média alta, ainda assim, ele é impedido
de participar dos passeios, sem a menor justificativa. E, ele mesmo, se pergunta
por que não pode participar dos passeios e nunca recebe a menor justificativa.

frequentam uma Escola de Educação Especial, que se chama Lar Mãe do Divino
Amor, e afirma, são extremamente bem cuidados. Tem somente seis alunos em
sala de aula e recebem suporte pedagógico. Suas três perguntas são:
anos vamos ter que esperar essa situação
- Senhora Heloísa Barroso Uelze: Tem um filho autista de sete anos, que
estudava numa escola regular, quando a mãe teve o diagnóstico. A escola
impediu a atendente terapêutica, impediu o acesso dos pais aos filhos dentro da
escola. Ela tinha duas alternativas: processar a escola ou procurar outra escola;
escolheu a última opção. Escolheu a Escola Palmares- por indicação do médico;
ao marcar a entrevista com a coordenadora pedagógica, ouviu a seguinte frase:
matrícula
a mãe tentou explicar que o filho era autista, e não precisava de rampa. Ela
defendeu a manutenção da ação civil pública. Encontrou uma escola para colocar
seu filho: diz que a escola tem material pedagógico adaptado, mas não faz
absolutamente nada pela inclusão e também não fica no caminho. Há mais
autistas no Estado inteiro, com realidades econômicas e sociais diferentes. Cita a
Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012) que no momento ainda não havia sido
regulamentada. E afirma que há um caminho ainda muito longo a percorrer antes
de pensar no arquivamento da ação.

- Profissional da rede regular - Senhor Ricardo Pereira Picholari: Psicólogo,


membro da GAPI, Escola de Educação Especial. atende 230 crianças com TEA.
Dispõem de 70 profissionais e calcula quase três alunos para um profissional. Faz
parte de uma escola particular conveniada; com uma equipe multidisciplinar, onde
não só a criança, mas também a família se beneficia. Alega estar numa sala de
recursos em tempo integral; trabalha com seis alunos por sala de aula, sendo um
professor e um auxiliar também se especializando. Trabalha com planejamento
individualizado de ensino. A escola oferece oficinas especializadas, atende
crianças de seis a dezoito anos e pergunta: “ o que vamos fazer com esses
adultos a partir dos dezoito anos? Ele é a favor da inclusão, desde que haja
critérios, responsabilidade e assistência do Estado.

- Profissional da rede regular- Senhora Rosy Regina PomerancBlum Foi


professora, diretora e Supervisora da Secretaria da Educação, e após trinta e
poucos anos, se aposentou. Disse que em trinta e poucos anos de atuação com
Educação, nunca ouviu menção a autismo e a autistas. Tornou-se diretora
voluntária de uma escola filantrópica mantida por uma associação de pais e
amigos de crianças autistas; atende quarenta e oito crianças única e
exclusivamente autistas. Com profissionais de apoio ao lado de cada professora.
O planejamento é individualizado e dividido em períodos de quatro horas, a cada
quatro horas ela fica um momento individualizado com cada criança. Dá exemplo
de uma criança que se alfabetizou, cresceu, e para a qual os remédios não
funcionavam e até mesmo faziam o efeito contrário. Hoje sabe se colocar
socialmente, sabe dizer o que quer e o que não quer. Para ela, essa ação civil,
permitiu que muitas mães, que tinham suas crianças autistas em casa,
trouxessem as crianças. Por força dessa mesma ação, ela recebeu um menino
que veio com certificado do Ensino Fundamental; porém, não era minimamente
alfabetizado, mal falava, e por força da Ação Pública está numa classe de
estimulação.
O encerramento dessa etapa de audiência pública só ocorreu com a
decisão da Juíza da 6ª vara da Fazenda Pública, em agosto de 2016, após vinte
meses, aproximadamente, das oitivas das pessoas que participaram da audiência
pública que ocorreu em novembro de 2014. Importante lembrar que no primeiro
dia da Audiência Pública, a Juíza já havia alertado o público presente que a
decisão demoraria, devido aos procedimentos técnicos para a transcrição das
oitivas que estavam sendo gravadas, e deu a previsão de que ocorreria em
dezembro de 2015.
A decisão da Juíza em última análise, flexibilizou alguns aspectos da
sentença constantes na ACP, por exemplo, aumentando o prazo de 30 (trinta) dias
para 60 (sessenta) dias, o atendimento que o Estado deveria fornecer ao autista
após o seu requerimento junto a Secretaria da Educação. A decisão de conceder
atendimento especializado em escola exclusiva dependeria, todavia, do resultado
dessa avaliação interdisciplinar. A responsabilidade para constituir equipes para
proceder a avaliação seria do Estado. O agendamento para a realização das
avaliações estaria condicionado à capacidade logística providenciada pelo Estado,
ou seja, ao que fosse razoável.
A extinção da ACP, conforme solicitado pelo MPSP e apoiada pela
FESP, não foi concedida, entretanto, a Lei Federal 12.764/2012 (BRASIL, 2012),
que foi regulamentada em 2014 (BRASIL, 2014), passou a ser a principal
referência para o atendimento dos autistas, fazendo assim um contraponto com a
ACP, que era mais imperativa quanto aos direitos educacionais e de saúde a
serem concedidos aos autistas pelo poder estatal.
O movimento do MPSP em direção à extinção da ACP não foi em vão,
pois, embora não tenha ocorrido a extinção de forma literal, foi reconhecido pela
magistrada, na sua decisão, que a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva do MEC, de 2008, deveria ser a principal
finalidade das políticas públicas de inclusão eventualmente proporcionadas pelo
Estado, ou seja, o caráter genérico da inclusão deveria alcançar também os
alunos com TEA, sendo ignorado portanto toda a fundamentação que sustentava
a ACP, sobretudo em relação aos cuidados específicos que deveriam ser
proporcionados para o autista cuja diferença deveria ser respeitada, como foi bem
explicitado nos depoimentos das mães durante a audiência pública.
Ao avaliarmos o problema pelo seu efeito, da falta de política pública
que contemple os autistas na rede pública de ensino, o que se observou durante o
percurso do processo decorrente da ACP, foi a existência de diversas ações, pós
judicializadas, impetradas pela Defensoria Pública em decorrência da falta de
atendimento aos autistas nas salas de aula comuns, principalmente em relação a
garantia da possibilidade de acompanhante pedagógico especializado em sala de
aula, conforme previsto na Lei 12.764/2012.
A ausência física dos autistas, e, as narrativas pronunciadas por
representantes que supostamente correspondem às verdades sobre sua
realidade, durante as sessões da audiência pública, equivaleriam à sua
invisibilidade quando batem às portas do poder público para exigirem ou
requererem seus direitos à educação pública e a normalização do seu suplício,
dado o sofrimento a que são expostos e submetidos durante a morosidade que
cerca suas reivindicações.
Cada momento da audiência pública, com os depoimentos
representando interesses que nem sempre estavam em sintonia com a proposição
da ACP e muito menos com as expectativas dos pais dos autistas, pode ser
também equivalente a liturgia que ocorria no suplício relatado em igiar e Punir
no que se refere a publicidade social que ali se fez representar por pessoas que
falaram em nome de instituições públicas, como Secretarias de Educação do
Estado, do Município e poder judiciário; privadas como as escolas particulares e
escritório de advocacia e por fim, instituições familiares representadas pelas mães.
Tal suplício da exposição pública é também agravado pelo fato de que o
cenário da audiência era por si só contraditório, posto que a ACP, objeto de
discussão, já havia transitado em julgado, portanto, jamais deveria ter sido posto
em reanálise ou estar sofrendo ameaça ilegal de extinção. O ilegalismo da
Audiência Pública, praticada pelas autoridades que deveriam fazer cumprir a
sentença, configura também uma peça desse ritual do suplício pelo qual foram
submetido autistas e seus familiares.
Qual o interesse de se priorizar e se investir numa política pública
direcionada aos sujeitos que não são público alvo da consolidação do capital
humano? Deficientes, idosos, autistas e outros seres humanos que configuram o
que se chama de minorias, em síntese, aqueles que ocupam espaços outros, que
em outras épocas seriam exterminados num regime de eugenia. Fosse por
eutanásia, fosse num forno de cremação ou fosse sob um manto de invisibilidade
social.
capital h
, precisamente na aula de 14 de março de 1979. A
teoria do capital humano foi discutida no contexto do neoliberalismo americano.
Foucault ao apresentar a concepção dos neoliberais americanos, mostrou que a
ideia de capital humano está vinculado ao sentido que o termo trabalho teria para
Marx, quando concebe que o trabalhador vende a sua força de trabalho, numa
relação de força e tempo e que, portanto, o trabalho seria abstrato e
consequentemente
variáveis qualitativas. É bem isso que, de fato Marx mostra a mecânica
econômica do capitalismo, a lógica do capital só retém do trabalho a força e o
temp A).
A crítica dos neoliberais à Marx, a propósito do trabalho, considera que
o problema de o trabalho ser considerado uma abstração tem a ver com uma
visão da teoria econômica clássica que nunca encaram o objeto da economia
senão como processos do capital, do investimento, da máquina, do produto etc. .
utação epistemológica em relação ao
A).

Praticamente, a análise econômica de Adam Smith, até o início do


século XX, tinha, como objeto, grosso modo, o estudo dos
mecanismos de produção, dos mecanismos de troca e dos fatos
de consumo no interior de uma estrutura social dada, com as
interferências desses três mecanismos. Ora, para os neoliberais, a
análise econômica deve consistir, não no estudo desses
mecanismos, mas no estudo da natureza e das consequências do
que chamam de opções substituíveis, [...], tem-se recursos raros57,
tem-se, para a utilização eventual desses recursos raros, não um
só fim ou fins que são cumulativos, mas fins entre os quais é
preciso optar, e a análise econômica deve ter por ponto de partida
e por quadro geral de referência o estudo da maneira como os
indivíduos fazem a alocação desses recursos raros para fins que
são fins alternativos. (FOUCAULT, 2008A, p. 306)

Segundo Foucault, os neoliberais colocam que o capital humano é

desses liberais, a constituição do capital humano não tem interesse e só se torna


pertinente para os economistas na medida em que esse capital se constitui graças
a utilização de recursos raros, A).
A considerar o perfil esperado para os sujeitos alvo do capital humano,
começa a ficar evidente as razões pelas quais o apelo econômico nas defesas da
FESP, sejam nos recursos para a segunda instância ou nos embargos que
ajuizaram se constituíam nos argumentos principais. Embora o discurso oficial dos
procuradores do Estado defendesse os direitos dos autistas, a prática
demonstrada pela ausência de políticas públicas específicas, evidencia que o
interesse do Estado do ponto de vista dos investimentos na educação dos
indivíduos autistas não deve ser muito diferente daqueles que já são destinados
aos demais alunos e isso fica demonstrado pelos resultados que não foram
apresentados e pelas justificativas que sempre acenam com o adiamento dos
deveres do Estado em relação a sentença da ACP.

Formar capital humano, formar, portanto, essas espécies de


competência máquina que vão produzir renda, ou melhor, que vão
ser remuneradas por renda, quer dizer o que? Quer dizer, e claro,
fazer o que se chama de investimentos educacionais'''. Na
verdade, não se esperaram os neoliberais para medir certos
efeitos desses investimentos educacionais, quer se trate da
instrução propriamente dita, quer se trate da formação profissional
etc. Mas os neoliberais observam que, na verdade, o que se deve
chamar de investimento educacional, em todo caso os elementos
que entram na constituição de um capital humano, são muito mais

57 Na aula de 28 de março de 1979, Foucault menciona em que consiste os recursos raros que são

número de recursos que são recursos raros - esses recursos raros vão ser um sistema simbólico,
vão ser um jogo de axiomas, vão ser um certo número de regras de construção, e não qualquer
regra de construção não qualquer sistema simbólico, simplesmente alguns (FOUCAULT, 2008A, p.
367).
amplos, muito mais numerosos do que o simples aprendizado
escolar ou que o simples aprendizado profissional. (FOUCAULT,
2008A, p. 315)

em educação encontra hoje seu centro de gravidade nas teorias do capital

eficazes de inclusão, de acordo com esta visão, decorre do fato dos autistas
representarem um custo e não um investimento, portanto não significando um
ganho para o mercado. Não seria absurdo, por exemplo, inferir que o abandono
dos autistas pela resistência do Estado, bem evidenciado no percurso da ACP, se
dá também pelo fato de não se visualizar o ganho com a normalização do
comportamento dos
educação que já está customizado para os sujeitos ditos normais. Sobre esse
ponto, Laval esclarece mais:

Os economistas, designam capital humano, o estoque de


conhecimento valorizáveis economicamente e incorporados aos
indivíduos. São as qualificações adquiridas inicialmente, seja no
sistema de formação, seja na experiência profissional. Mais
amplamente, essa noção pode englobar os múltiplos trunfos que o
indivíduo pode fazer valer no mercado e fazer reconhecer junto
aos empregadores como fontes potenciais de valor: aparência
física, civilidade, maneira de ser e de pensar ou estado de saúde,
por exemplo. Assim segundo a OCDE, o capital humano reuniria
os conhecimentos, as qualificações, as competências e
características individuais que facilitam a criação do bem-estar
pessoal e econômico. (LAVAL, 2004, p. 25)

Esse formato de ser humano, no caso dos autistas, possivelmente,


motiva a dissimulação do Estado para com esse indivíduo, causando-lhe o
abandono próprio da racionalidade segregacionista e eugenista.
No próximo capítulo será discutido mais detidamente as questões
relativas ao direito de acordo com a visão de Michel Foucault e mostraremos como
o direito, o poder e a verdade de intercruzam e ao mesmo tempo atendem aos
interesses de uma razão de Estado que são decorrentes da construção da
verdade.
V. O DIREITO- UMA ANÁLISE FOUCAULTIANA

Para o entendimento sobre o direito, de acordo com a abordagem de Michel


Foucault, deve-se levar em conta que não há uma teoria sobre o direito
desenvolvida por Foucault, muito menos um único sentido dado, pois o tema
recebe diferentes interpretações de acordo com o contexto em que foi
considerado. Para Fonseca,

não há unidade de objeto direito em Foucault, menos ainda o


desenvolvimento de uma teoria ou um pensamento sistemático
sobre o tema. É certo, por exemplo, que o direito utilizado no
estudo do surgimento do asilo psiquiátrico em História da Loucura
não é o mesmo tematizado nos primeiros cursos do Collège de
France, nem o mesmo que serve de referência para a discussão
do poder disciplinar-normalizador em Vigiar e Punir.58 (FONSECA,
2012, p. 22)

O triângulo poder-direito-verdade é utilizado por Foucault na aula de 14

procura formular é diferente daquele que pode fixar os limites de direito do poder,
portanto entende que em toda a sociedade a relação entre poder, direito e
verdade se organiza de um modo muito particular. Considera que somos
submetidos pelo poder á produção da verdade e só podemos exercer o poder
mediante a produção de verdade. O problema seria este:

quais são as regras de direito de que lançam mão as relações de


poder para produzir discursos de verdade? Ou ainda: qual é esse
tipo de poder capaz de produzir discursos de verdade que são,
numa sociedade como a nossa, dotados de efeitos tão potentes?
... Afinal de contas, somos julgados, condenados, classificados,
obrigados a tarefas, destinados a uma certa maneira de viver ou a
uma certa maneira de morrer, em função de discursos verdadeiros,
que trazem consigo efeitos específicos de poder. Portanto: regras
de direito, mecanismos de poder, efeitos de verdade. (FOUCAULT,
2010, p. 22)

58O ensino no Collège de France obedece a regras específicas. Os professores têm a obrigação
de cumprir 26 horas de ensino por ano. Devem expor todos os anos uma pesquisa original, o que
os força a estar sempre renovando o conteúdo do seu ensino. A assistência aos cursos e aos
seminários é inteiramente livre; não requer inscrição nem diploma. Os cursos de Michel Foucault
eram dados às quartas-feiras, do iníocio de janeiro ao fim de março. A assistência, muito
numerosa, composta de estudantes universitários, de professores, de pesquisadores, de curiosos,
muitos dos quais estrangeiros, mobilizava dois anfiteatros do Collège de France. (FOUCAULT,
2010, p. IX e X).
Para Foucault, o direito no ocidente é um direito de encomenda régia, ou
seja, servia ao interesse do rei especificamente como um serviço que deveria ser
entregue por um prestador serviço, pois desde a Idade Média, a elaboração do
pensamento jurídico e a elaboração do edifício jurídico de nossas sociedades se
fez essencialmente em torno do poder régio, para servir-lhe de instrumento e de
justificação. Nisso se estabelecia toda a autoridade exercida sobre a população,
que de certa forma vivia, tinha a concessão de viver porque o soberano

...creio que a personagem central, em todo edifício jurídico


ocidental, é o rei. É do rei que se trata, é do rei, dos seus direitos,
de seu poder, dos eventuais limites do seu poder, é disso que se
trata fundamentalmente no sistema geral, na organização geral,
em todo caso, do sistema jurídico ocidental. (FOUCAULT, 2010, p.
23)

Fica evidente, de acordo com a análise de Foucault, que o direito é o


instrumento central da dominação, com seus segredos e brutalidades, não se
aplicando somente nas relações de soberania. Ao falar de direito, não se refere
apenas as leis, mas ao conjunto dos aparelhos, instituições, regulamentos, que
aplicam o direito. A dominação que Foucault se refere não é aquela exercida
somente pelos soberanos, mas as exercidas pelos súditos em suas relações
recíprocas, as múltiplas sujeições que ocorrem e funcionam no interior do corpo
social.
A dominação e a sujeição estão nos procedimentos postos em práticas a
partir do direito. É sob esse aspecto que o direito precisa ser examinado, afirma
Foucault. Podemos entender que os desdobramentos possíveis caminham na
direção da negação para o outro das condições dignas para a convivência e
sobrevivência, portanto pressupõe o exercício do poder nas extremidades e
também onde ele se torna capilar, ou seja:

tomar o poder em suas formas e em suas instituições mais


regionais, mais locais, sobretudo no ponto que esse poder, indo
além das regras de direito que o organizam e o delimitam, se
prolonga, em consequência, mas além dessas regras, investe-se
em instituições, consolida-se nas técnicas e fornece instrumentos
de intervenção material, eventualmente até violentos.
(FOUCAULT, 2010, p. 25)
O saber traduzido como práticas e produção de verdades e o poder que
decorre desse saber e dessas verdades que ocorriam anteriores a era moderna,
guardava estreita relação com o modelo inquisitorial, nas palavras de Foucault,
eram filhas da inquisição. Significa dizer que o modelo que sustentou toda uma
matriz política centrada na manutenção da ordem, também se inscreve a prática
judiciária nos grandes circuitos de transferência de riquezas.
Do modelo inquisitorial, caracterizado pela imposição de práticas punitivas
como o suplício para a obtenção da verdade através dos métodos da confissão
que considerava os resultados como verdadeiros, ao seu deslocamento para o
inquérito, este advindo dos modelos de gestão e controles eclesiásticos, diz
Foucault, mostram também que essa modalidade de saber a partir de
transformações sucessivas, vai produzir a partir do século XIV, as instâncias nas
quais se formam as ciências empíricas, dentre ela a história natural.

Pertencemos a uma civilização inquisitorial que, há séculos,


prática, segundo formas cada vez mais complexas a extração, o
deslocamento, a acumulação do saber, todas derivadas do mesmo
modelo. A inquisição: forma de poder-saber essencial a nossa
sociedade. A verdade de experiência é filha da inquisição do
poder político, administrativo, judiciário, de formular questões e
extorquir respostas, colher testemunhos, controlar afirmações,
estabelecer fatos -, tal como a verdade das medidas e das
proporções era a filha de Dikè59. (FOUCAULT, 2012, p. 4)

A dominação e a sujeição estão nos procedimentos postos em práticas e


controlados, mais ou menos, a partir do direito como disciplina de conhecimento,
ou seja, como saber constituído sobre o que cabe ou não - em termos de direitos e
deveres - ao indivíduo, às instituições e as distintas esferas de governo bem
como às punições cabíveis em cada caso. É sob esse aspecto que o direito
precisa ser examinado, afirma Foucault: como forma de saber se vincula às
formas de poder sobre o outro que pode a eles se submeter ou resistir, como

59 dikè como
sendo inerente a missão divina, em nome da justiça. Como uma grande Glória ligada aos heróis
que combateram em nome dessa justiça e cumprindo assim uma missão divina em defesa da
ordem cósmica contra as ameaças acenadas pela sempre possível ressurgência das antigas
forças do caos. O cumprimento dessa missão divina ocorre através dos mitos dos maiores heróis
da mitologia: Héracles, Teseu, Perseu e Jasão.
Citado por Homero e Hesíodo, a lenda de Héracles que vai se tornar Hércules entre os romanos
é uma das mais antigas de toda a mitologia grega. Héracles é de longe, o mais célebre herói
grego pela força legendária, pela coragem infalível, pelas façanhas fabulosas, por seu senso de
justiça, dikè. Centenas de milhares de páginas foram escritas sobre ele. (FERRY, 2012).
fizeram - ou tentaram fazer - os pais de autista ingressando ação no Ministério
Público.
O poder que observamos ser exercido na questão relativa aos autistas no
Estado de São Paulo, guarda objetiva relação com as formas de gestão
administrativa na defesa dos interesses orçamentários por exemplo. Ao apresentar
as justificativas para a negação das garantias educacionais mínimas a favor dos
alunos autistas, expõe-se o caráter economicista de pretensa austeridade com as
contas públicas alegando-se, como vemos nos recursos apresentados pelos
procuradores da fazenda pública do Estado, ao se referirem a suposta ingerência
do judiciário nas questões de caráter administrativo e que, portanto, deveriam ser
conduzidas exclusivamente pelo Executivo.
O cenário da audiência pública, apresentada nesta pesquisa que
realizamos, mostra a intencionalidade de se obter respostas que pudessem ser
favoráveis à possível nulidade da ACP dos autistas, pois utilizam agentes
públicos, que apresentam dados estatísticos de como o Estado estaria cumprindo
o seu papel, na garantia constitucional do direito à educação dos autistas, através
da sua rede de atendimento, sobretudo a educacional.
Há um conhecimento produzido, no caso do Brasil, que concebe o direito à
educação, conforme disposto na Constituição brasileira de 198860, no entanto a

política e orçamentária de forma plena, considerando que, em 2009, à


Constituição se agrega o artigo 2 do Decreto 6949 de 2009 como emenda
constitucional. A partir de 2009, a suposta limitação de recursos seria a principal
razão para a dissimulação que ocorre e que teria ensejado a luta a favor dos
autistas porque o governo, vale sempre repetir, pode apelar para o fato de que os
recursos destinados para a implementação das políticas públicas para as PcD

60 A Constituição nos seu artigo 6º afirma que a educação é um direito social e o Art. 205,
estabelece: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho . Detalhando mais ainda o
Art. 206, especifica como deve ser ensino e que será ministrado com base nos seguintes
princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV -
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais . (BRASIL, 1988).
devem ser razoáveis de modo a não impedir investimentos relativos a outras
demandas e esferas sociais.

onsidera que:

Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que


ele é, apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos
aproximar, não dos filósofos, mas dos políticos, devemos
compreender quais são as relações de luta e poder. E é somente
nessas relações de luta e de poder na maneira como as coisas
entre si, os homens entre si se odeiam, lutam, procuram dominar
uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros, relações de
poder que compreendemos em que consiste o conhecimento.
(FOUCAULT, 2005, p. 23).

Para Foucault, em sua investigação sobre a história da verdade, a questão


sobre o sujeito do conhecimento, necessariamente não teria como obstáculo as
condições políticas e econômicas, como pode parecer num olhar mais imediatista.
Dessa forma, apresenta as condições políticas como determinantes para a
produção da verdade. Nesse sentido, a produção da verdade, estará relacionada
diretamente ao agenciamento político que pode ser estabelecido numa correlação
de forças entre sujeitos que falam em nome de instituições, com foi demonstrado
ao longo do processo dos autistas deflagrados na ACP. Foucault, ao construir a
genealogia da verdade jurídica, alerta para a importância das condições políticas.

O que pretendo mostrar nestas conferências é como, de fato, as


condições políticas, econômicas de existência não são um véu ou
obstáculo para o sujeito do conhecimento e, por conseguinte, as
relações de verdade. Só pode haver certos tipos de sujeito de
conhecimento, certas ordens de verdade, certos domínios de
saber a partir de condições políticas que são o solo em que se
formam o sujeito, os domínios de saber e as relações com a
verdade. (FOUCAULT, 2005, p. 27)

Os modelos de verdade que circulam na nossa sociedade, diz Foucault,


nascem das práticas judiciárias e valem em vários domínios: da política, do
comportamento quotidiano e até na ordem da ciência.
Para Lagasnerie, política não representa os cidadãos para além dos
seus interesses particulares. Não é o domínio do comum a todos, mas da

que a sorte está lançada para o futuro possível das pessoas com TEA. Claro que
a demonstração de força por estes será o empreendimento capaz de fazer com os
olhares se voltem para a sua causa e os seus direitos. Foucault, ao inverter o
aforismo de Clausewitz61
é, a política é a sanção e a recondução do desequilíbrio das forças manifestado na
guerra . Em outras palavras, não haveria conquista sem
a guerra simbólica dos interesses que se enfrentam através das batalhas judiciais,
para pensar no processo da ACP dos autistas. Ainda elucidando essa ideia da
relação da guerra e da política, Foucault diz:

E a inversão dessa proposição significaria outra coisa também, a


saber: , os
enfrentamentos a propósito do poder, com o poder, as
modificações das relações de força acentuações de um lado,
reviravoltas etc. -, tudo isso, num sistema político, deveria ser
interpretado apenas como as continuações da guerra. E seria para
decifrar como episódios, fragmentações, deslocamentos da própria
guerra. Sempre se escreveria a história dessa mesma guerra,
mesmo quando se escrevesse a história da paz e de suas
instituições. (FOUCAULT, 2010, p. 16)

A princípio, no intuito de fazer uma cronologia sobre o direito, a partir de


Michel Foucault, observa- Verdade e as Formas J
modelos jurídicos praticados em diferentes épocas, desde a Grécia arcaica,
passando pela idade média e moderna até o período contemporâneo.
A verdade jurídica na antiguidade grega, não passava pelo testemunho ou
confissão; de fato a testemunha era ignorada e buscava-se obter a verdade pelo
juramento em nome dos deuses. Atualmente ainda encontramos um
espelhamento dessa prática no juramento da testemunha quando está diante do
juízo e, é compelida a falar sobre juramento sob pena de ser penalizada caso falte
com a verdade.

Carl von Clausewitz (1780-1831) foi um general prussiano cuja magnum opus, entitulada "Da
Guerra", teve como referencial histórico as Guerras Napoleônicas. Seu pensamento militar foi
moldado pelas incessantes campanhas militares levadas a cabo pelo "Pequeno Corso" por toda a
Europa ao longo de cerca de vinte anos. (...) Em outras palavras, Clausewitz, segundo o
supracitado pensador russo, naturalizado norte-americano, ao mesmo tempo que rejeita a
concepção da "guerra pela guerra", Clausewitz afirma que ela - guerra - é parte integrante da
existência humana, constituindo-se, portanto, num dos instrumentos necessários da Política. Este
é, em essência, o real significado da sua célebre frase "a guerra é a continuação da política por
outros meios". (ALVES, Ricardo Luiz. A doutrina clausewitziana da guerra ou a apologia política
. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 9, n. 431, 11 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5674. Acesso em: 6
fev. 2020.)
O primeiro testemunho que temos da pesquisa da verdade no
procedimento judiciário grego remonta à Ilíada. Trata-se da história
da contestação entre Antíloco e Menelau durante os jogos que se
realizaram na ocasião da morte de Pátroco.62 (FOUCAULT, 2005,
p. 31)

Esta espécie de jogo de provas não passa pela testemunha, embora


houvesse, cabendo somente a Zeus punir o falso juramento se fosse o caso. A
prova, característica da sociedade grega arcaica, vai ser encontrada também na
alta idade média, utilizada principalmente pelo poder eclesiástico, quando a
obtenção das provas se dava através da confissão obtida por meio da tortura.
O modelo jurídico na Grécia clássica já utilizava o testemunho e para
ilustrar, Foucault relata o mito de Édipo Rei63, apresentado pelo dramaturgo grego

62Entre esses jogos houve uma corrida de carros, que o vencedor foi Antíloco, no entanto Menelau
fez uma contestação de que havia ocorrido um litígio. Esta se desenvolve da seguinte maneira:
depois da acusação de Menelau

63 O pai de Édipo se chama Laio e sua mãe, Jocasta. No momento em que nossa história começa,
eles acabam de ter conhecimento de um terrível oráculo, dizendo que, se por acaso tiverem um
filho, ele mataria o pai e, segundo alguns, ainda por cima causaria a destruição de Tebas. Como
era frequente na época nesse tipo de situação, os pais tomam a triste decisão de abandonar a
criança -
expostas ao apetite de animais selvagens, mas também, eventualmente, à clemência dos deuses.
Laio e Jocasta entregam o bebê a um dos seus empregados, um pastor, para que ele o abandone
em algum lugar. [...] mas o espectador da
tragédia de Sófocles sabe que esse suposto acaso é apenas outro nome que se dá à vontade dos
deuses com os homens do rei de uma outra cidade, Corinto. Esse rei, chamado Políbio, não
consegue gerar filhos e, justamente, adoraria ter um. [...] Édipo cresce na cidade de Corinto, longe
de Tebas, onde nasceu, na corte do rei e da rainha que ele evidentemente acredita serem seus
pais. [...] Um dia, porém, numa brincadeira de criança, ele briga com um colega. Algo totalmente
banal, que acontece com todo menino. Só que o pequeno rival diz uma palavra que vai ressoar por

sempre se mentiu. [...] Laio também decide, assim como Édipo, ir a Delfos, para novamente
consultar o oráculo quanto ao que deve ser feito para salvar os habitantes da cidade. [...] Os
destinos se cruzam, nos sentidos próprio e figurado: os coches de Laio e de Édipo se encontram
frente a frente, no cruzamento de três estradas tão estreitas que ambos são obrigados a parar
seus veículos e equipagem. Um dos dois precisa dar marcha a ré e se colocar fora do caminho,
para que o outro passe, mas os dois são orgulhosos, cada um achando estar em seu direito, ou
mesmo prioridade: o rei Laio por ser rei de Tebas, e Édipo por ser príncipe de Corinto. O conflito se
agrava. Os criados se insultam e, pelo relato, o próprio rei Laio dá uma bengalada em Édipo. Eles
partem para a briga e, tomado pela raiva, Édipo mata seu pai, assim como o cocheiro e os guardas
que o acompanham. [...] Apenas um dos empregados escapa, fugindo a correr, mas que contudo,
pois isso vai ser importante mais tarde, testemunhou toda a cena. [...] A epidemia aparentemente
acabara, mas outra calamidade, com origem certamente também divina, se abate sobre a cidade,
cujo novo rei, no trono desde a morte de Laio, é Creonte, irmão de Jocasta e consequentemente
tio de Édipo. Essa nova calamidade tem um nome: Esfinge, a Esfinge, pois tratase de uma mulher
que tem um corpo de leão e asas de abutre. E ela literalmente aterroriza a cidade, propondo um
enigma para todos os seus habitantes jovens. Como eles não conseguem decifrar, ela os devora,
Sófocles.64 O mito de Édipo, em síntese, trata-se da profecia proferida pelo
oráculo de Delfos, de que o rei de Tebas seria assassinado pelo próprio filho que
também se casaria com a própria mãe. O que Foucault destacou foi a utilização de
testemunhos durante o processo para se chegar à verdade dos fatos e a luta pelo
poder que passou a permear toda a trama.
O poder, no caso em que o rei Édipo procurava com todo empenho manter
sua hierarquia real, se via ameaçado cada vez que um interlocutor o provocava a
assumir compromissos morais em relação a desvendar o mistério do assassinato
e do incesto que seria a causa de todo o mal que a cidade de Tebas estava
sofrendo devido a manifestação da ira dos deuses. Édipo garantiu que o
responsável seria punido de forma rigorosa, sem saber que ele mesmo era o
responsável pelos graves crimes. O drama segue mostrando que cada vez que
Édipo se afastava da condição de suspeito, depois dos testemunhos de alguns
servos, sentia um alívio e uma segurança mais pelo fato de que não perderia sua
posição de Rei do que pelo livramento que a cidade poderia ter quando o crime
fosse desvendado.

Na primeira cena, é na condição de soberano que os habitantes de


Tebas recorrem a Édipo contr
curar-
interesse em curá-los da peste, porque esta peste que vos atinge,

interessado em manter a própria realeza que Édipo quer buscar a


solução do problema. E quando começa a se sentir ameaçado

de forma que a cidade começa a ficar bastante deserta. Cito uma das versões há outras
formulações, com mais ou menos o mesmo resultado do enigma em questão: Qual animal anda
com quatro patas pela manhã, com duas ao meio-dia e com três à noite, e que, contrariando a
regra geral, fica mais fraco à medida que tem mais patas? Édipo ouve falar da Esfinge e não
hesita: apresenta-se a ela e pede que lhe proponha a fatídica adivinhação. Assim que o problema
é enunciado, ele não tem a menor dificuldade para responder: trata-se evidentemente do homem,
que, na manhã da sua vida, ainda bebê, engatinha, usa as duas pernas quando é adulto e, enfim,
estando mais fraco, no crepúsculo da existência, usa três uma vez que precisa se apoiar numa
bengala. De acordo com uma antiga profecia, a Esfinge morreria se algum ser humano chegasse a
resolver algum dos seus enigmas. Diante de Édipo, ela se joga do alto dos muros da cidade e se
espatifa no chão. A comunidade fica livre do monstro. Como se pode imaginar, Édipo é recebido
como verdadeiro herói. O povo inteiro o festeja e oferece suntuosos presentes. A multidão aplaude
quando ele passa, e como a rainha Jocasta está livre é uma viúva bem jovem, pois Laio acaba
de ser morto , Creonte, agradecido, oferece a Édipo a irmã em casamento e, junto, o trono de
Tebas. Passa-lhe o lugar que ele, na verdade, ocupava apenas interinamente , p.
375-379).
64 Sófocles (497 a. C - 406 a. C) foi um dos três grandes dramaturgos da Grécia antiga,

juntamente com Eurípides e Ésquilo. Sua obra-prima "Édipo Rei" o consagrou como o maior poeta
trágico da Antiguidade Grega. Sófocles nasceu em Colono, cidade perto de Atenas. Viveu no
período áureo da Grécia, sob o governo de Péricles. Era filho de um rico fabricante de armaduras,
fazia parte de classe
pelas respostas que surgem em sua volta, quando o oráculo o
designa e o adivinho diz de maneira mais clara ainda que é ele o
culpado, sem responder em termos de inocência , Édipo diz a

OUCAULT, 2005, p. 42)

Para Foucault, Édipo é caracterizado por um tipo de saber que se revela


potente para ser reconhecido diante do desafio de salvar uma cidade atormentada
por um poder de destruição e não somente pelo poder tirânico que o faz mudar as
leis e fazer valer sua vontade. O fato de ter decifrado o enigma da esfinge, que
assolava e submetia a cidade de Tebas num grande sofrimento, portanto o faz
reivindicar para si todo o mérito de ter encontrado a resposta que salvou a cidade.
Paradoxalmente, depois de mais de dez anos, a própria procuradoria
solicita a extinção do processo, demonstra claramente que o saber-poder, se faz
presente no papel desempenhado pelos Promotores públicos, que detentores do
conhecimento jurídico fizeram valer, num primeiro momento, os direitos dos
autistas em nível de processo judicial e despertando desdobramentos
administrativos que estavam adormecidos e que foram provocados a traçar
estratégias governamentais que causaram morosidade no cumprimento
individualizado das sentenças, pois o atendimento coletivo só poderia ocorrer caso
fosse implementada alguma política pública para atender a ACP. O saber-poder
em Édipo revela as relações de poder envoltas pelo saber.

O saber edipiano, o excesso de poder, o excesso de saber foram


tais que se tornou inútil; o círculo se fechou sobre ele, ou melhor,
os dois fragmentos de téssera65 se ajustaram e Édipo, em seu
poder solitário, se tornou inútil. Nos dois fragmentos ajustados a
imagem de Édipo se tornou monstruosa. Édipo podia demais por
seu poder tirânico, sabia demais em seu saber solitário. Nesse
excesso, ele era ainda o esposo de sua mãe e irmão de seus
filhos. Édipo é o homem do excesso, homem que tem tudo demais,
em seu poder, em seu saber, em sua família, em sua sexualidade.
Édipo, homem duplo, que sobrava em relação à transparência
simbólica do que sabiam os pastores e haviam dito os deuses.
(FOUCAULT, 2005, p. 48)

Sófocles representa a data inicial da Grécia clássica e, que se distingue da


arcaica na medida em que um simples pastor, que não representa

65 tabuinha (de osso, marfim ou outro material) que, na


Roma antiga, servia como bilhete de voto, bilhete de entrada de teatro ou como senha; na Roma
antiga, tabuleta quadrada em que os chefes militares traçavam ordens para que fossem
SSERA, 2009).
necessariamente e hierarquicamente qualquer valor de poder político, pelo jogo da
verdade, poder vencer os mais potentes e venerados ocupantes de posição
política. A forma racional de se chegar a verdade, utilizando testemunhas,
contestação, comprovação, ou seja, por inquérito, representa uma determinada
forma de descoberta judiciária, jurídica da verdade. (FOUCAULT, 2005).
Édipo- Rei, diz Foucault, é uma espécie de resumo da história do direito
grego e que representa ainda, a partir de Platão, um grande mito ocidental de que
o saber não pertence ao poder, ou seja, onde se encontra a ciência em sua
verdade pura, não pode haver poder político. Foi esse mito que Nietzsche
começou a demolir ao mostrar, que por trás de todo o saber, de todo o
conhecimento, o que está em jogo é uma luta de poder, ele é tramado com o
saber. (FOUCAULT, 2005, p. 51).
Na Idade Média europeia, haverá um novo nascimento do inquérito, haja
vista que o método grego de inquérito havia estacionado e o Direito Germânico
que regulamenta os litígios, havia sido incorporado pelo Império romano, em
decorrência das invasões bárbaras ou germânicas e sua interferência no modo de
resolver as questões litigiosas.
Segundo o historiador John Hirst, a cultura dos guerreiros germânicos
invadiram o Império Romano a partir do século V, tendo destruído o Império no
ano de 476 d.C. Os germânicos eram iletrados e o historiador romano Tácito, no
século I da era cristã, descreve os guerreiros germânicos assim:

Quanto a sair vivo de uma batalha após seu comandante ter caído,
seria uma infâmia e uma verdadeira vergonha para o resto da vida.
[...] quando a terra onde nasceram fica estagnada num longo
período de paz, muitos jovens nobres vão deliberadamente em
busca de outras tribos onde uma guerra esteja em andamento. Os
germânicos não apreciam a paz. É mais fácil alcançar a fama
enfrentando perigos e só é possível manter um grande grupo de
companheiros por meio da violência e da guerra. É mais difícil
convencer um germânico a arar sua terra e esperar seu fruto anual
com paciência do que a desafiar um inimigo e obter o mesmo
prêmio à custa de ferimentos. Ele considera sem graça e indigno
obter com suor o que se pode obter com sangue. Assim eram os
que, 300 anos depois, assumiram o controle do Império Romano.
[...] No século III, uma série de invasões germânicas quase
destruíram o império. Foi uma época de grande instabilidade no
governo de Roma; vários imperadores vinham e iam muito
rapidamente, e os invasores encontraram pouca resistência. O
império sobreviveu, mas com enclaves germânicos estabelecidos
em seu território a essa época de caos seguiu-se Constantino, o
imperador que deu apoio oficial ao cristianismo em 313, e ele se
empenhou em organizar e fortalecer o império. (HIRST, 2018, p.
20, 63)

Se mostra razoável deduzir que o modelo utilizado como referência para a


prática de julgamento dos indivíduos na Europa até o século XVIII, tanto pelo
Estado monárquico com a prática do suplício na obtenção da verdade, e quanto
pelo Clero nos tribunais de inquisição, teria seus fundamentos e forte influência a
partir dos modelos germânicos de justiça.
Não restam dúvidas, de acordo com o historiador John Hirst (2018), de que
a belicosidade dos povos germânicos, após a conquista que tiveram sobre o
Império Romano a partir do século III, culminando com a queda desse Império no
ano de 476 DC, teria exercido total influência nas práticas jurídicas que ocorriam
na Europa durante a Idade Média, sendo substituído pelo inquérito após o século
XII e retornando na Idade Clássica.
Os romanos no início da era medieval, para o estabelecimento de culpa ou
inocência, utilizavam evidências e testemunhos, métodos que herdaram da cultura
e sistema jurídico gregos, não havendo, portanto, a prática do suplício como
método para obtenção da verdade, o que, não se manteve após as invasões e
domínio germânicos nos territórios sob o império romano.

Os romanos estabeleciam culpa ou inocência examinando


evidências e testemunhos; os germânicos pelo suplício do fogo, da
água ou do combate. [...] Aos poucos os sistemas se fundiram. A
lei romana teve mais peso na mistura de etnias que havia na Itália
e no sul da França; a lei germânica, no norte da França. Em toda
parte, o julgamento pelo suplício se realizava na presença de
sacerdotes para garantir que Deus produzisse o resultado correto.
Nesse aspecto a igreja romana seguiu o método germânico até o
século XII, quando então foi influenciada pela redescoberta do
código do imperador Justiniano e ordenou aos sacerdotes que não
participassem dos suplícios. (HIRST, 2018, p. 65)

De acordo com Foucault, entre os séculos V e X, não, sem que houvesse


conflitos entre esses dois sistemas, o velho Direito Germânico triunfa e o Direito
Romano cai por vários séculos no esquecimento, só aparecendo lentamente no
fim do século XII e no curso do século XIII . (FOUCAULT, 2005, p. 58).
O direito germânico, se assemelha ao direito grego arcaico, no sentido de
que a obtenção da verdade ou a solução de determinado litígio era obtido pelo
jogo de provas, não havendo, portanto, o inquérito como premissa. Nesse caso a
reparação ao indivíduo que se declarasse vítima, a liquidação judiciária devia se
fazer como uma espécie de luta, ou seja, enfrentamento físico entre os indivíduos.

O direito Germânico não opõe a guerra à justiça, não identifica


justiça e paz. Mas, ao contrário, supõe que o direito não seja
diferente de uma forma singular e regulamentada de conduzir uma
guerra entre os indivíduos e de encadear os atos de vingança. O
direito é, pois, uma maneira regulamentada de fazer a guerra.
(FOUCAULT, 2005, p. 56).

Na Idade Moderna, mais ou menos no início do século XVIII, a razão


governamental guarda subordinação com os princípios de veridição que

tem por característica fundamental a busca do seu princípio de


autolimitação, é uma razão que funciona com base no interesse.
Mas esse interesse já não é, evidentemente, o do Estado
inteiramente referido a si mesmo e que visa tão-somente seu
crescimento, sua riqueza, sua população, sua força, como era o
caso na razão de Estado. Agora, o interesse a cujo princípio a
razão governamental deve obedecer são interesses, é um jogo
complexo entre os interesses individuais e coletivos, a
utilidade social e o benefício econômico, entre o equilíbrio do
mercado e o regime do poder público, é um jogo complexo
entre direitos fundamentais e independência dos governados.
O governo, em todo caso o governo nessa nova razão
governamental, é algo que manipula interesses. (FOUCAULT,
2008A, p. 61, grifo meu)
[...] um dos fenômenos fundamentais na história do ocidente
moderno, são os incontáveis cruzamentos, na história do mercado
jurisdicional e veridicional entre jurisdição e veridição.
(FOUCAULT, 2008A, p. 47). [...] com a relação direito/verdade
encontrando sua manifestação privilegiada no discurso, o discurso
em que se formula o direito e em que se formula o que pode ser
verdadeiro ou falso; de fato, o regime de veridição não é uma certa
lei da verdade, mas sim, o conjunto das regras que permitem
estabelecer, a propósito de um discurso dado, quais
enunciados poderão ser caracterizados, nele, como
verdadeiros ou falsos. (FOUCAULT, 2008A, p. 49, grifo meu)

Considerando o percurso ou o trajeto , bem como a instrução processual da


ACP, o que pode ser posto em evidência, fazendo alusão ao que Foucault

veridição, qual o lugar de consagração da verdade e qual correlação de forças


estão em jogo, ou seja, como a verdade deve ser construída pelos representantes
do poder judiciário, mas não só, inclui-se MPSP e principalmente também o poder
executivo representado pela FESP, que insistiu nas dificuldades orçamentárias
para dar atendimento aos termos da condenação que sofreu na ACP, mostrando
dessa forma que está regido por uma razão governamental que guarda
subordinação com os princípios de veridição, conforme mostrou Foucault:

A razão governamental em sua forma moderna, na forma que se


estabelece no início do século XVIII, essa razão governamental
que tem por característica fundamental a busca do seu princípio de
autolimitação, é uma razão que funciona com base no interesse.
Mas esse interesse já não é, evidentemente, o do Estado
inteiramente referido a si mesmo e que visa tão-somente seu
crescimento, sua riqueza, sua população, sua força, como era o
caso na razão de Estado. Agora, o interesse a cujo princípio a
razão governamental deve obedecer são interesses, é um jogo
complexo entre os interesses individuais e coletivos, a utilidade
social e o benefício econômico, entre o equilíbrio do mercado e o
regime do poder público, é um jogo complexo entre direitos
fundamentais e independência dos governados. O governo, em
todo caso o governo nessa nova razão governamental, é algo que
manipula interesses. (FOUCAULT, 2008A, p. 61)

Foucault considera que um dos fenômenos fundamentais na história do


ocidente moderno, são os incontáveis cruzamentos, na história do mercado
jurisdicional e veridicional entre jurisdição e veridição. (FOUCAULT, 2008A). Está
posto que ocorreu um importante deslocamento da condição central que o
mercado exerce em termos de lugar de jurisdição para se tornar o lugar da
veridição. A importância dessa questão, se dá pela forma como as referências
estabelecidas pelo mercado, terão forte influência para a prática de uma
racionalidade governamental, em que serão articuladas, as questões dos direitos
relativos à educação e das práticas efetivadas com ou sem imposição judicial.

A partir do pedido de extinção da ACP, pelo MPSP e os desdobramentos


processuais seguintes, aludem as relações de interesses que envolvem
tros não tanto, mas legitimados em
função também dos interesses que estavam em jogo.
O pedido de extinção da ACP, sem dúvida, foi uma estratégia ancorada em
interesses. Quais interesses? Uma vez que o principal argumento do MPSP foi
que a existência da Lei Nº 12.764/2012, com as suas diretrizes de incluir na sala
de aula comum a pessoa com TEA , com ou sem acompanhante especializado,
sendo que não havia política pública formulada nessa direção pelo Estado de São
Paulo. Não é objeto desta pesquisa explorar essa questão, entretanto o principal
argumento que foi utilizado no pedido de extinção não se mostrou factível.
O impacto da ação do MPSP que ajuizou o pedido de extinção da ACP dos
autistas, foi notadamente significativo pelo resultado que provocou, consolidando o
medo e o pânico principalmente dos familiares dos autistas. Evidentemente que o
MPSP tinha pleno conhecimento da impossibilidade de se extinguir um processo
que transitou em julgado, ainda que esse termo não tenha sentido pétreo para os
leigos, principalmente aqueles que estavam no contexto da ACP como aliados do
direito à educação dos autistas.
A impossibilidade de ocorrer a extinção de um processo transitado em
julgado, tem sentido ético para o meio jurídico, dadas as regras legais que regem
66, de que havia risco da
extinção, o MPSP buscou vencer o jogo de interesses, que por razões óbvias,
colocou lado a lado Estado ou Governo e MPSP, (antes, adversários por
representarem interesses opostos); de um lado a imposição por maiores gastos
sociais de recursos públicos orçamentário e, do outro, o controle orçamentário
como resistência.
Importante registrar que, esse fato é incomum, mas compreensível quando
são entendidos do ponto de vista dos interesses que, representados na correlação
de forças, nutridos pela força da manipulação que rege a nova razão
governamental, da busca do equilíbrio de mercado e do regime do poder público,
interesses individuais e coletivos, a utilidade social e o benefício
econômico A).
No próximo capítulo,
Suplício, será discutido como as técnicas de governar, estabelecem uma
distribuição de poder relacional, que se aplica aos servidores públicos e, com isso,
provocam a resistência que demonstram os interesses que estão em jogo.

66 De acordo com o dicionário Houaiss, Blefe é um jogo de cartas marcadas nos cantos, visando
iludir o parceiro para que este desista; ato ou efeito de blefar; fingimento, simulação, ardil
VI. O BIOPODER E A BIOPOLÍTICA NA NORMALIZAÇÃO DO SUPLÍCIO

Os conceitos foucaultianos de biopoder e biopolítica são importantes e


indispensáveis para a relação possível entre o papel do Estado enquanto
responsável pelo serviço público de Educação Especial, e a normalização do
suplício como consequência da sua incapacidade de corresponder aos direitos
dessa população, no que se refere ao direito à educação, expresso na ACP
durante seu longínquo percurso.
Na aula de 17 de março de 1976, do curso Em Defesa da Sociedade que
ocorreu entre 1975 e 1976, Michel Foucault trata da questão do biopoder, da
biopolítica e do nascimento do racismo de Estado. Retoma a teoria clássica da
soberania, e um dos seus atributos fundamentais, que era o direito de vida e de
morte no contexto do poder soberano do rei. Nesse caso o súdito não é, de pleno
, p, 2012).
A propósito do biopoder e da biopolítica, considera que o mesmo se deu
por uma maciça transformação do direito político a partir do século XVII e
juristas dizem: quando se contrata no
plano do contrato social, quando os indivíduos se reúnem para constituir um
203).

De que se trata nessa nova tecnologia do poder, nessa biopolítica,


nesse biopoder que está se instalando? Eu lhes dizia em duas
palavras agora há pouco: trata-se de um conjunto de processos
como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de
reprodução, a fecundidade de uma população, etc. São esses
processos de natalidade, de mortalidade, de longevidade que,
justamente na segunda metade do século XVIII, juntamente com
uma porção de problemas econômicos e políticos [...],
constituíram, acho eu, os primeiros objetos do saber e os
primeiros alvos dessa biopolítica. (FOUCAULT, 2010, p. 204,
grifo meu)

A biopolítica67 pode ser entendida como uma condução planejada


politicamente, e destinada ao controle dos corpos, desde a sua gestação, se

67 maneira pela qual, a partir do século XVIII, se buscou


racionalizar os problemas colocados para a prática governamental pelos fenômenos próprios de
um conjunto de viventes enquanto população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raça (DE3,
818). Essa nova forma de poder se ocupará, então: 1) Da proporção de nascimentos, de óbitos, da
estendendo pelo percurso da própria vida, numa sociedade governamentalizada e
por fim alcançando a própria morte do indivíduo, ou seja, as ações

biopolítica lida com a população, e a população como problema político, como


problema a um só termo científico e político, como problema biológico e como
problema de poder . (FOUCAULT, 2010, p. 206)
Para Foucault, o biopoder é o poder que se incumbiu tanto do corpo
quanto da vida, com o polo do corpo e com o polo da vida . (FOUCAULT, 2010, p.
213). O corpo está para a disciplina assim com a vida está para a regulamentação.
é o que pode tanto se aplicar a um corpo que se quer disciplinar quanto
a uma população que se quer regulamentar. A normalização, segundo Foucault,

213).
Todo o planejamento governamental pode ser justificado pelo objetivo de
que, o poder terá como alvo a condução das condutas, vontades e desejos que
estarão sob uma lógica da racionalidade em que o mercado, além do lugar da
veridição, será também o representante de uma nova teogonia 68 da
contemporaneidade, pelo impacto que exercerá em toda a civilização.
Os avanços normativos e legais em relação ao direito à educação, no caso
em destaque, dos autistas, são negados num misto de sutileza, posto que o jogo
burocrático estabelece procedimentos que inevitavelmente prolongam a
concessão do direito com armadilhas de agendas e critérios normativos e
ostensividade, haja vista que a legislação e as normas oficiais da Secretaria da
Educação, estabelecem a regulamentação do atendimento aos autistas e demais
deficientes, de forma que aparenta que o direito será contemplado.
O ambiente governamental dos serviços públicos de educação, em se dá a
burocracia rotineira dos agentes públicos, se mostrou bem adaptado para

taxa de reprodução, da fecundidade da população. Em uma palavra, da demografia. 2) Das


enfermidades endêmicas: da natureza, da extensão, da duração, da intensidade das enfermidades
reinantes na população; da higiene pública. 3) da velhice, das enfermidades que deixam o
indivíduo fora do mercado de trabalho. Também, então, dos seguros individuais e coletivos, da
aposentadoria. 4) Das relações com o meio geográfico, com o clima. O urbanismo e a ecologia.
(CASTRO, 2016, p. 59-60, grifo meu).
68 De acordo com o Dicionário Houaiss, seria

deuses e apresentação da sua genealogia; conjunto de divindades cujo culto fundamenta a


.
subverter a ordem dos direitos que foram promulgados pelo poder legislativo e
pela ACP, pois tem a prerrogativa de pautar as condições em que se darão o
atendimento aos alunos com TEA, em decorrência da flexibilização da ACP na
decisão judicial pós-audiência pública.
As ações governamentais, quando trataram da questão do TEA, na ACP,
pareciam guardar estreita e subordinada vinculação com a racionalidade
neoliberal que, em síntese, promove e regula a competição entre pessoas e
empresas, a concorrência livre do mercado, a busca de tornar o indivíduo como
uma empresa de si mesmo, ou, como capital humano, e o retorno do “homo
oeconomicus”69, segundo Foucault, ao tratar do neoliberalismo americano no
ministrado no Collège de France entre os anos
de 1978 e 1979.

O homo oeconomicus é um empresário, é um empresário de si


mesmo. Essa coisa é tão verdadeira que, praticamente, o objeto
de todas as análises que fazem os neoliberais será substituir, a
cada instante, o homo oeconomicus parceiro de troca por um
homo oeconomicus empresário de si mesmo, sendo ele próprio
seu capital, sendo para si mesmo a fonte de sua renda. [...] Logo,
chega-se à ideia de que o salário não é nada mais que a
remuneração, que a renda atribuída a certo capital, capital esse
que vai ser chamado de capital humano na medida em que,
justamente, a competência-máquina de que ele é a renda não
pode ser dissociada do indivíduo humano que é seu portador.
(FOUCAULT, 2008A, p. 311-312)

O Estado pratica uma política alinhada aos valores frios da concorrência


habitual ao mercado. A influência que sofre, determina a ausência de prioridade
na aplicação dos recursos públicos a favor de uma possível política de inclusão,
que em última análise, significa uma indiferença para com os direitos das pessoas

implica na negação dos direitos à educação por vias burocráticas, em longo ritual
junto às esferas jurídicas.
Posto que o tecido social está envolto por uma governamentalidade
neoliberal, que objetiva a formação de uma nova subjetividade individual, que

69 Homo oeconomicus como parceiro de troca, teoria da utilidade a partir de uma problemática das
necessidades: é isso que caracteriza a concepção clássica de homo oeconomicus. (FOUCAULT,
2008
A, p. 310).
destinam ao disciplinamento do comportamento coletivo, determinando valores
que afetam os sujeitos sociais num redimensionamento da ética, no sentido
aristotélico70 e consoante a arte de viver, haja vista que a busca da felicidade será
a busca dos resultados nas suas diversas dimensões.
A judicialização, pode ser entendida como os recursos jurídicos utilizados
pelo cidadão contra o Estado para obtenção dos direitos negados e o suplício
como forma de punição simbólica sofrida pelos corpos que são deixados sem o
devido atendimento educacional ou de saúde. Em tese, são a materialização do
aprofundamento da ruptura, dos princípios pactuados na formação do Estado
Democrático de Direito na modernidade, posto que o Contrato Social foi
estabelecido na sociedade, para que as garantias dos direitos individuais e
coletivas fossem assegurados, como condição para a cidadania, mas devido ao
, que através da negligência
sujeita os indivíduos à condição de subcidadãos, o que se aplica as pessoas com
TEA.
Em função dos desdobramentos da ação judicial em análise, o Direito,
como disciplina produtora de saber-poder, se integra como maquinaria de gestão
jurídica, aos efeitos do Racismo de Estado que localiza, classifica, cria grupos e
subgrupos humanos (os surdos, os velhos, os autistas, os incapazes de cuidarem
de si etc) e age sobre a população a partir da sua condição de diferença em um
pleito que falava sobre eles, decidia por eles ou por serem considerados vozes
sem qualquer legitimidade, ou porque a arquitetura do auditório ou seus estímulos
seriam cruéis a eles (ver decisão da juíza).
O cenário da audiência pública pôs a nu a exclusão dos autistas do
sistema público, o seu não lugar, a sua completa inexistência - o que, considerado
por Foucault não deixa de ser uma forma de assassinato simbólico. Conforme
afirmou o filósofo francês,

[,,,] não entendo simplesmente o assassínio direto, mas também


tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte,
de multiplicar para alguns o risco de morte ou, pura e

70

forte prazer que se esvai logo em seguida; ao contrário, deve ser algo perene e tranquilo, se
excessos, pois o excesso faz com que uma boa ação torne-se seu opost (ABRÃO, 1999, p. 63).
simplesmente, a morte po
(FOUCAULT, 2012, p. 306).

Daí porque o processo analisado mostra que o Estado moderno, faz viver
para deixar morrer, o que ficou evidenciado pela ausência das condições
adequadas para o atendimento dos alunos com TEA. .

Com essa tecnologia do biopoder, com essa tecnologia do

enquanto ser vivo, um poder contínuo, científico, que é o


poder de
viver. E eis que agora aparece um poder que eu chamaria
de regulamentação e que consiste, ao contrário, em fazer
viver e deixar morrer. (FOUCAULT, 2010, p. 207)

O biopoder, considera Foucault, teria uma função implícita de assassínio


pois estabelece
entre a minha vida e a morte do outro, uma relação que não é uma
relação militar e guerreira de enfrentamento, mas uma relação do
tipo biológico: quanto mais as espécies inferiores tenderem a
desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem
eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie
viverei, mais forte serei, mais vigoroso serei, mais poderei
proliferar . A morte do outro não é simplesmente a minha vida,
na medida em que seria minha segurança pessoal; a morte do
outro; a morte da raça ruim, da raça inferior (ou degenerado,
ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia;
mais sadia e mais pura. (FOUCAULT, 2010, p. 215, grifo meu)

O esforço, principalmente, dos familiares dos autistas - por terem


empreendido um processo contra o Estado, numa correlação de forças
desproporcional -, equivale a busca pela garantia de vida dos seus filhos, não
qualquer vida, mas aquela que poderia conferir para essas crianças e jovens
alguma autonomia do ponto de vista do autocuidado e da inserção dos mesmos
no mundo do trabalho, dentre outras possibilidades sociais. A escola especializada
ou comum, mas de fato inclusiva, seria a sua melhor chance.
A despeito do que afirmou a FESP, de que o Estado estaria implementando
políticas públicas para dar atendimento a Lei 12.764 de 2012, bem como fazendo
todo o esforço para incluir na sua rede de ensino os alunos com TEA, temos que
levar em conta a experiência trágica desses familiares ao se depararem com as
instituições de ensino, que não precisa do depoimento de especialistas para
constatar sua precarização, que não raras vezes rejeita, ou dificulta, a matrícula
dos alunos com TEA com a justificativa de que não estão preparados e/ou
aparelhados para dar o atendimento adequado, o que não é mentira, embora tal
justificativa seja uma aberração do ponto de vista do direito subjetivo do aluno, a
ter acesso e permanência no Sistema Público de Ensino: é a assinatura do
(FOUCAULT, 2000).

A produção do outro anormal teria como efeito a fermentação de


uma nova forma de racismo, que Foucault (2000) chamou de
racismo de estado. A eugenia conferiu ao racismo de estado a sua
face mais visível e atualmente repaginada, talvez, nos centros de
genética, onde se possibilita aos pais a escolha do sexo e de
outras características do feto efetivada por fecundação in vitro
(PATRIOTA-SILVA; SOUZA, 2018, p. 185, nota nº 6).

O racismo de Estado tem sua face mais visível na eugenia (FOUCAULT,


2010), que se organiza como saber-poder a partir do século XIX com os trabalhos
de Francis Galton que, inspirado na obra de Darwin
desenvolveu suas pesquisas supondo que a aplicação dos resultados dos estudos
de Darwin se poderia aperfeiçoar a espécie humana. Deu a essa nova forma de
disciplina científica o nome eugenia . A eugenia [...] com status de disciplina
científica, objetivou implantar um método de seleção humana baseada em

eliminação das raças inferiores, que se converteu em uma espécie


de prática avançada do darwinismo social - a eugenia -, cuja meta
- eu:
boa; genus: geração - foi criado em 1883 pelo cientista britânico
Francis Galton. Galton, na época conhecido por seu trabalho como
naturalista e como geógrafo especializado em estatística, escreveu
seu primeiro ensaio na área da hereditariedade humana em 1865,
após ter lido A origem das espécies. Em 1869 era publicado
Hereditary genius, até hoje considerado o texto fundador da
eugenia (SCHWARCZ, 1993, p. 78-79).
O movimento de eugenia incentivou, portanto, uma administração
científica e racional da hereditariedade, introduzindo novas
políticas sociais de intervenção que incluíam uma deliberada
seleção social (Stepan, 1991, 1-2) (SCHWARCZ, 1993, p. 79).

O impacto das teses eugênicas também chegou ao Brasil, segundo Patriota


& Souza (2018), sendo, segundo elas, causado pelos trabalhos do Médico Renato
Kehl (1923) que dentre muitas ideias eugenistas, defendeu a regulamentação do
casamento entre pessoas deficientes ou com anormalidades e a esterilização das
pessoas consideradas defeituosas Kehl publicou uma importante obra em 1923,

do ser humano e a melhoria das suas condições físicas, estéticas e de saúde.


Os discursos políticos foram sustentados pela ideia de evolucionismo no
sentido lato, durante alguns anos do século XIX, uma maneira de pensar as
relações da colonização, a necessidade das guerras, a criminalidade, os
fenômenos da loucura e da doença mental, a história da sociedade com suas
diferentes classes. (FOUCAULT, 2010, p. 216)

Kehl
(1929), que considerava o atletismo como o caminho para a conquista do ideal
eugênico. A questão que se coloca, é do estranhamento inevitável que o outro
diferente causa com a sua presença que destoa da nova ordem estabelecida.
De acordo com Skliar (2010), a construção da negação do diferente se dá
num processo político e histórico, que traz consigo um dominante discurso de
normalização, reproduzido nos diversos campos sociais com a marca registrada
da inferiorização do outro.

A diferença, como significação política, é construída histórica e


socialmente; é um processo e um produto de conflitos e
movimentos sociais, de resistência às assimetrias de poder e de
saber, de uma outra interpretação sobre a alteridade e sobre o
significado dos outros no discurso dominante (SKLIAR, 2010, p. 6).

A cultura da exclusão se estabeleceu corroborada pelo pensamento


dominante que, de certa forma representava o campo da ciência. A barreira
cultural que se amalgamou ao longo das décadas, se conservou na sociedade,
naturalizando a ideia de normalização e, direcionando a medicalização e as
práticas terapêuticas na abordagem para o campo das deficiências e das

As questões políticas e econômicas são balizadoras do sucesso das


políticas públicas de cunho social, pois não há inclusão bem ou malsucedida que
não se remeta às decisões políticas, e estas, inevitavelmente estão sujeitadas à
economia e ao mercado, portanto, deixando sem prioridade a execução das ações
de implementação de uma política pública efetiva e que atenda os anseios do
cidadão, descumprindo assim os pleitos legais e motivando a elaboração de
normas paliativas - que são apenas reformas do mesmo - que não remetem ao
cumprimento das garantias e conquistas sociais consagradas nas leis.
O poder sobre a vida, exercido de forma prática e simbólica pelo Estado, se
estende sobre a estratégia de fazer política no trato com os direitos sociais, e por
assim dizer, na sonegação desses direitos, que não tiram a vida imediatamente,
mas imprime uma ausência de condições no indivíduo que praticamente inviabiliza
suas forças e suas energias para a realização do próprio desenvolvimento
pessoal.
A normalização do suplício, por uma multiplicação de ações do poder
governamental, e pela sua própria conveniência, não sensibiliza as instituições
envolvidas pelas quais circulam os familiares dos autistas, os próprios autistas, os
profissionais que atendem esse público, o que passa a ser visto como algo que
que faz emergir um fenômeno
cada vez mais presente na vida dessas pessoas: a judicialização e a pós-
judicialização em um jogo perverso, onde o desfecho, no caso do processo aqui
estudado, é o assassínio simbólico dos autistas.
Os pais das crianças, adolescentes e jovens com TEA, ao se depararem
com a falta de vagas em escola especializada, falta de professor especialista para
acompanhar o autista nas salas de aula comuns em escola não especializada, a
impossibilidade dos supervisores de ensino de darem respostas satisfatórias nas
ações pós judicializadas, tornam os paradoxos ou contradições, entre o dever do
Estado e o que de fato realiza, algo que tem sido visto cada vez mais com menos
estranhamento, ou seja, o caminho da normalização dessa precarização
transformada em suplício está se tornando parte de uma realidade para a qual não
se vislumbra uma transformação a curto prazo.
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o processo de escrita que desempenhei nesta dissertação, não foi


pequeno o esforço e a angústia que me acompanhou. Se por um lado a
abordagem teórica que utilizamos representou um enorme desafio acadêmico, em
que a teoria teria que ser aproximada da minha prática enquanto profissional da
educação diretamente envolvido com o objeto da pesquisa, por outro lado, ter
estudado o processo dos autistas, com a clara percepção que um enfrentamento
com a administração pública de São Paulo, bem estruturado burocraticamente
para conservar determinados interesses orçamentários sempre precedidos pelo
viés econômico que prescreve sua menor participação nas questões sociais, seria
portanto conviver com a inevitabilidade da inquietude e do tormento.
Ainda em relação aos esforços empreendidos, devo dizer que a concepção
social que acredito, não convivi bem com a estratégia que tornam opacos os
direitos sociais, até porque esses direitos afetam com maior carga e pressão o
segmento social menos próspero financeiramente, por isso a presença do
aparelho educacional do Estado é indispensável parta fazer valer os direitos
consagrados nos textos legais. Pareço ingênuo falando dessa forma e ainda mais
tendo fundamentado a pesquisa num pensador que desnuda o funcionamento do
poder e das suas forças operacionais e as táticas utilizadas pelos operadores do
sistema público na figura dos profissionais da educação, categoria a qual me
incluo.
Acredito que o fato de ter, pessoalmente, enfrentado dois processos
administrativos, que acredito terem sido motivados por razões estritamente
política, dada a generalidade das acusações que me foram dirigidas, me qualifica
para compreender que os meandros da administração pública estão determinados
por sujeitos que em nome dos princípios da administração pública fazem valer
seus interesses mais pueris e sombrios. Nesse sentido, Foucault clareia que o
poder está nas relações, não sendo algo que se possui, mas algo que se exerce.
Essa concepção é significativamente pertinente, para demonstrar que a
relação de forças exercida pelos agentes públicos se aplica de maneira
multiforme, não havendo, portanto, um princípio ou guia institucional que a todos
submete e os compele a obedecer aos preceitos éticos e legais a favor dos menos
favorecidos. Fica evidente que certas condições culturais, ideológicas, políticas e
econômicas, são decisivas para que as relações de força no jogo das distribuições
dos direitos determinem às ações que serão exercidas, favorecendo,
desfavorecendo ou simplesmente se omitindo.
No decorrer desta pesquisa, na medida em que nos apropriamos do
processo da Ação Civil Pública dos autistas uma questão que acompanhou a
investigação foi a reflexão em relação às condições que tiveram de ser
preenchidas para que se pudessem emitir sobre os autistas os discursos que,
passaram a ser verdadeiros ou falsos, de acordo com as regras: do Judiciário, do
Executivo ou do Legislativo, no Estado de São Paulo.
Em relação ao Legislativo, a elaboração das leis segue um ritual em que os
interesses em jogo disputam os espaços que, com a aprovação das leis, facilitará
as lutas, bem como os esforços para a conquista de determinados direitos, onde,
sem essas leis ficariam praticamente impossível.
É claro que o fato de existirem as leis, como ficou demonstrado nesta
pesquisa, não confere garantia do seu cumprimento nem tampouco o respeito aos
princípios dessas leis. No caso dos autistas, a lei mais especifica como a de N°
12.764/2012, que dentre seus artigos, temos aquele que estabelece o direito
desse autista contar com o profissional especializado para acompanha-lo durante
sua permanência na sala de aula comum em escola não especializada, seria
apenas uma das medidas visando a redução da barreira pedagógica, sendo esta
apenas uma das diversas barreiras que precisam ser reduzidas.
A propósito da relação da ACP com o Poder Executivo, a lei acima citada,
não tem exatamente a mesma finalidade proposta pela ACP, pois esta foi iniciada
a mais de um década, antes da existência dessa lei, portanto não há vínculo de
natureza processual, pois devido a ACP, dentre os itens da condenação imposta
ao Estado, um dos principais foi a predominante determinação de atendimento
especializado em Instituição Educacional Especializada. Dessa forma já havia sido
demonstrado, por ocasião do transito em julgado em Janeiro de 2006,a ausência
de atendimento ao autista, questão bem pontuada nas palavras do
Desembargador no voto N°5.26871 -se, assim, com
a evidência de que os autistas não estão recebendo do Estado de São Paulo
adequado e específico

71Relator: Desembargador Magalhães Coelho. Voto N°5.268. Apelação civil N°278.801.5/8-00-


Comarca de São Paulo, p. 1278
No caso do poder judiciário, ficou evidenciado em todas as suas incursões
de defesa, o apelo orçamentário e da ingerência do judiciário em função da
discricionariedade. Ficou claro que a ACP representou uma afronta aos interesses
do Estado, portanto, seria ingenuidade esperar que a condenação imposta pelo
judiciário, seria cumprida de bom grado ou em decorrência do compromisso ético
e legal do Estado no seu dever de garantir os direitos dos autistas conforme
prolatado na ACP, até porque era o direito à vida que estava sendo defendido.
Corrobora com esse argumento às palavras do mesmo desembargador já
mencionado:

[,,,]
qual usualmente os administradores públicos se escusam de
cumprir as obrigações que lhes são dirigidas pela constituição
federal, há que se ver uma norma impositiva de eficácia plena, que
objetiva tornar real e não meramente retorico o direito à vida
proclamado no art. 5° da Constituição Federal 72 (Desembargador
Magalhães Coelho. Voto N°5.268. Apelação civil N°278.801.5/8-
00-Comarca de São Paulo, p. 1280)

A negação do direito à educação dos autistas, conforme discutido ao longo


desta dissertação, se materializou através de técnicas de governar, concebida de
acordo com Foucault, como uma razão governamental exercida pela
governamentalidade, ou seja, na condução das condutas, em especifico, dos
agentes públicos, mas não só, pois a eficácia desse poder governamentalizado
agenciou instituições, normas, estratégias procedimentais, projetos, ou seja,
envolveu uma complexa rede de ações burocráticas, em que o resultado prático
foi uma excessiva demora no atendimento das ações individuais, ou
requerimentos individualizados de cada autista que requeria do Estado o
cumprimento da decisão judicial.
O que observamos e podemos inferir, através dos discursos proferidos
pelas autoridades judiciárias e pela defensoria Pública ao longo do processo da
ACP nas suas diversas fases, foi que o Estado condenado passou a condenar, no
sentido de que suas práticas para atendimento da ACP sujeitou os autistas e
também seus familiares, ao suplício pelo sofrimento da incerteza, da impotência,
indeterminação e insegurança, diante da desproporção de forças que o Estado

72 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade
aplicou em cada caso individual que o alcançou, sempre no sentido de criar
dificuldades e caminhos espinhosos. Soma-se a isso, a ausência de política
pública efetiva que pudesse apontar na direção do cumprimento da decisão
constante na ACP.
Possivelmente, seja mais simples compreender a motivação da
judicialização por parte dos usuários dos serviços públicos, por guardarem uma
relação de causalidade com os direitos que lhes escapam, do que esclarecer os
propósitos que estão vinculados a lógica da razão governamental, que a primeira
vista poderia ser classificado como descompromissada com suas competências
sociais.
A palavra luta, quando nos referimos aos direitos sociais dos deficientes,
está carregada de sentido que se aproxima do significado de luta de classes, se
considerarmos que, há exploração quando os investimentos obrigatórios
legalmente e previstos no ordenamento jurídico, não são efetivados, e também
com o sentido de ir à luta, pois se refere à busca de algo que se deseja para que a
vida seja contemplada e realizada.
As práticas de poder, exercidas de forma vertical pelo Estado e
instituições, e horizontal na relação entre os indivíduos que, no exercício das suas
funções, reproduzem e naturalizam discursos e procedimentos que são
considerados técnicos e burocráticos, consolidam a exclusão daqueles que
dependem dos serviços públicos como a Educação Especial, pois à utilização da
burocracia institucional, cuida de estabelecer encaminhamentos que são
contrários aos reais interesses e direitos garantidos legalmente.
O Conceito de poder pastoral está intrínseco a ideia de poder como algo
que se exerce e não algo que se possui, pois, o indivíduo é ao mesmo tempo
receptor e emissor de poder (CASTRO, 2016, p. 324, 325). Ainda no
desdobramento desse tema do poder, Foucault expressa qu pois, o

(FOUCAULT, 2016, p. 324 apud CASTRO, 2016, p. 324). Se a análise


foucaultiana de poder, segundo Castro, se inscreve no gênero de lutas, temos na
ACP dos autistas um privilegiado exemplo dessas relações de poder através de
lutas em que no fronte encontram-se os sujeitos diante das três formas de lutas de
que Foucault fala, ou seja, as lutas que se opõe a tudo que liga o indivíduo a si
mesmo d CASTRO, 2016, p. 324).
A luta dos autistas está inscrita nessas formas de lutas apresentadas por
Foucault, e, potencializa-se no poder governamentalizado do Estado e se
concretiza nas estratégias de suspensão dos direitos dos autistas. O jogo das
estratégias é composto de vários elementos, sendo as normas e os agentes
públicos os principais, sem descartar a existência das instituições privadas de
prestação de serviços públicos.
As normas regulam o cumprimento das leis e sentenças contra o Estado e
ao mesmo tempo instrumentalizam as ações dos agentes públicos para o
exercício do ritual técnico. Este também serve para invisibilizar a intencionalidade
de desviar a finalidade das deliberações legais e judiciais que favoreceriam os
autistas.
Grosso modo, estabelecer uma relação em que o poder está atrelado ao
Estado, num aspecto mais vertical do que horizontal, se afasta do olhar
foucaultiano de poder, que é bem mais complexo do que a ação do Estado que
podemos identificar, na distribuição dos bens econômicos para contemplar
determinado segmento social.
De acordo com Dianna Taylor, as táticas e estratégias constituem a
organização interna das relações de poder e que Foucault, delineia cinco
proposições dessa compreensão central do poder. A primeira proposiç
em que , porquanto o poder emerge em relações e interações, o poder não é
possuído, mas exer ; (TAYLOR, 2018, p. 35), de que não são exteriores a
outras relações; que vem de baixo, não havendo , portanto, oposição binária entre
governantes e governados, que são intencionais, com metas e objetivos e sendo
assim, constitui uma racionalidade pois possui táticas e estratégias, sendo as
táticas em nível individual, local e com sentido micro e as estratégias são macro,
sistêmicas e que podemos traduzi-las nos efeitos da biopolítica. (TAYLOR,
2018,).
Por fim, a quinta proposição, que praticamente engloba as anteriores, tem
uma relação direta com nosso entendimento do que representa a ACP dos
autistas nessa luta e brava resistência , ou seja, de
resistência e, no entanto, ou antes consequentemente, esta resistência nunca está

Apud, Taylor, 2018, 38).


A possibilidade da realização de cada indivíduo para consigo mesmo, tem
sido a razão das lutas dos segmentos que defendem os deficientes, em especial
os autistas. Nesse sentido, temos um aspecto do poder que é menos vertical na
relação Estado/indivíduo, e mais horizontal devido o exercício de poder que se dá
ao longo de uma estrutura de relações humanas e sociais, que guardam
expressivo vínculo com o processo histórico na constituição da sociedade quantos
aos seus valores e comportamentos, que solidificados e repassados de geração
em geração formou um ciclo quase que ininterrupto de privilégios e exclusão, mas
que também sofreu resistências, enfrentamentos e concessões, resultando assim
em narrativas mais conciliadoras.
Quando o ordenamento legal estabelece determinadas condições para a
convivência humana, e garante direitos que, naturalmente se tornam não
visibilizados, temos que considerar a insuficiência dessa narrativa, para
consolidação ou a efetivação das conquistas sociais que foram traduzidas em
textos legais.
A consequência imediata, causada pelo Estado que não cumpre sua função
social é marginalizar os sujeitos, fato demonstrado em documentos judiciais que
atestam as condições precárias dos serviços e, mesmo assim, apresentados para
responder pelo direito à Educação dos autistas.
Estamos considerando no amplo campo social das deficiências, apenas o
recorte que se refere às lutas dos autistas, como exemplo representativo para
demonstração de como uma parcela significativa da população brasileira, público
alvo da Educação Especial, é contemplada ou incluída pelas políticas públicas de
Educação.
A demonstração objetiva das lutas travadas pelos autistas, percorreu longo
caminho cujas marcas são antigas, pois a classificação e o tratamento dessa
deficiência, sempre vista como loucura, se atrela aos períodos históricos de
construção da sociedade brasileira e dos espaços que lhe reservou, sempre no
sentido de confinamento.
resistência acompanham as relações de poder.
De acordo com Gary Gutting73, ao analisar as obras de Foucault, afirmou
que: e Punir é a expressão mais completa da genealogia nesse sentido

73Gary Gutting detém a cátedra Notre Dame de Filosofia na Universidade de Notre Dame. É o
autor de Foucault: a very short intruction [Foucault: uma brevíssima introdução], French,
restrito, uma vez que este, mais do que qualquer outo dos livros de Foucault, está
preocupado com práticas e instituições, em vez
(GUTTING, 2016, p. 33)
O esforço que nos moveu ao realizar essa pesquisa, foi a intensificação das
forças físicas, intelectuais e morais, para questionar os procedimentos dominantes
que afogam na desesperança e suscita esperanças, autistas, familiares e pessoas
com deficiência. As práticas excludentes são, evidentemente, realizadas por
pessoas e ocorrem através das instituições.
A arte literária, na maestria de Machado de Assis, também contemplou de
forma crítica e irônica o tema (1999),
aspectos sociais e políticos importantes, retratado no século XIX, que mostra a

cientificidade e padrão moral.


Ainda que a obra genial do autor seja ficcional e situada em outra época,
podemos estabelecer certa verossimilhança com a pesquisa que enveredamos;
pois ao demonstrar que o ponto de referência para o atendimento do suposto
ram os interesses
supostamente da ciência e o diagnóstico então estabelecidos à revelia da
realidade do outro, fica evidente que os serviços educacionais postos à disposição
dos deficientes dos tempos atuais pouco há de alteridade, pois os padrões de
normalidade já estão consubstanciados, restando aos diferentes o processo de
medicalização e normalização.
Com o advento do Estado Social, prescrito na Constituição Federativa do
Brasil de 1988, coloca-se o pacto social para além da dimensão formal da
igualdade e nos remete a preencher o hiato que ofende a ordem social em
decorrência da negação das diferenças e da crescente desigualdade social com
todas as consequências que afetam o tecido social.
A exemplo da judicialização em relação aos Autistas, o caminho percorrido
para a efetivação dos seus direitos deveria ter sido esse? Uma pergunta que a
resposta aparentemente seria óbvia, mas que implica em outras questões a serem

philosophy in the twentieth century [ Filosofia francesa no século xx], Pragmatic liberalism and the
critique of modernity [ o liberalismo pragmático e a crítica da modernidade], e Mi
archaeology of scientific reason [ A arqueologia da razão científica de Michel Foucault], bem como
fundador e editor de Notre Dame Philosophical reviews [resenhas filosóficas de Notre Dame], um
periódico eletrônico de resenhas de livros (http://ndpr.nd.edu/). (GUTTING, 2016, p. 8)
pensadas, levando em conta que a sensação de vitória dos casos judicializados
não representa a extensão desses direitos para todos que precisam dos serviços e
adia a principal questão, com a gravidade que isso representa para os usuários
dos serviços, de que o Sistema Público de Educação precisa ser aperfeiçoado,
para cumprir o seu papel na execução das políticas públicas, e minimizar os
ruídos que desnudam os discursos benfazejos, aliás, muito usuais pelos
representantes públicos.
Entendo ser relevante mencionar a discussão proposta por Assis, em
função do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que poderia significar uma
alternativa com potencial de alcançar resultados mais coletivos, pois as próprias
configurações dos TACs favorecem o estabelecimento de uma agenda com
potencial de ser cumprida pelo Sistema Público.
A individualização das conquistas, embora contemple um direito e ao
mesmo tempo uma sensação de bem-estar, representa também um reforço que
pode estar viciando o Estado numa prática perversa de contar com a
determinação judicial para começar a agir.
Não são poucos os casos, em que a prestação dos serviços públicos
destinados aos alunos da Educação Especial, só ocorrem, após o ajuizamento.
Exemplo: Ação Civil Pública, TACs e Mandados de Segurança, sem contar
iniciativas extrajudiciais por parte da Defensoria Pública.
Outra questão iminente a ser pontuada, considerando o quadro precário de
atendimento aos deficientes é; se a judicialização garante a oferta coletiva dos
serviços que estão sendo ajuizados ou provoca a elaboração de mecanismos
burocráticos perversos conduzidos por técnicos a serviço do Estado?
A intervenção do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo é um fator de
aperfeiçoamento republicano da Democracia e do Estado Social? O que de fato
precisa ser feito, quais medidas governamentais devem ser tomadas, evitando ou
reduzindo a judicialização para a solução dos direitos negados?
Outras questões poderão se juntar as citadas, no entanto, o problema
continuará desafiando a Sociedade e o Estado Democrático de Direito, pois a
ambiguidade dos documentos normativos e a elasticidade que compreende as
interpretações jurídicas e dos agentes públicos, continuarão protagonizando os
mais diversos embates no campo dos direitos sociais.
Não seria fácil precisar se a possível conquista dos direitos dos
autistas, como foi determinado no processo da ACP, quanto ao previsto em
legislação específica, no caso a Lei 12.764/2012, seria o ideal de serviço público
educacional para essas pessoas, entretanto, a defesa dos seus direitos, de
acesso, permanências e dos serviços educacionais de qualidade, seria coerente
com os esforços e as conquistas obtidas por eles, que no mínimo deveria ser
experimentada, por ter sido a vontade das famílias que por eles são responsáveis.
Em decorrência da análise da ACP dos autistas, identificamos normas
prescritivas excludentes e práticas opressivas, no entanto, não nos cabe dizer o
que fazer sem a devida legitimidade a ser reconhecida pelos principais atores
desse processo. A própria existência da ACP, foi um caminho legítimo que se
buscou, justamente, porque as famílias dos autistas sentiram na prática escolar a
exclusão que estava destinada aos seus filhos. Quem não lutaria ou resistiria em
nome dos filhos?
REFERÊNCIAS

ABRÃO, Bernadette Siqueira. História da Filosofia. São Paulo: Editora Nova


Cultural Ltda, 1999.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA Processo nº
053.00.027139. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/aa_ppdeficiencia/aa_ppd_autis
mo/aut_pecas/Inicial%20ACP%20coletiva%20autismo%20e%20decis%C3%A3o%
20liminar.pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.
ALVES, Ricardo Luiz. A doutrina clausewitziana da guerra ou a apologia política
do militarismo estatal em função da "raiso . Revista Jus Navigandi, ISSN
1518-4862, Teresina, ano 9, n. 431, 11 set. 2004. Disponível
em: https://jus.com.br/artigos/5674. Acesso em: 6 jan. 2020.
APELAÇÃO. In: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001
ASSIS, Machado de. O alienista. São Paulo: FTD, 1999.
ASSIS, Ana Elisa Spaolonzi Queiroz. Campinas, SP: [s.n.], 2012. Orientador:
José Roberto Rus Perez. Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas.
Disponível em:
http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/250736/1/Assis_Ana Elisa
Spaolonzi Queiroz_D.pdf. Acesso em: 01/06/2018.

ATAS: Congresso de Milão [de] 1880. Rio de Janeiro: INES, 2011. (Série Histórica
do Instituto Nacional de Educação de Surdos; 2)
BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de
responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e
direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e
dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7347orig.htm. Acesso em: 23 jul. 2019.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada
em 5 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23
jul. 2019.
______. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às
pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a
tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7853.htm. Acesso em: 23 jul. 2019.
______. Decreto nº 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a
Convenção sobre os Direitos da Criança. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D99710.htm. Acesso em:
23 jul. 2019.
______. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições
para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em 23 jul. 2019.
______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional. Presidência da República: Casa Civil, Subchefia
para Assuntos Jurídicos, 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 23 jul. 2019.
______. Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. Promulga a Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007. Presidência da
República: Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm.
Acesso em: 20 jan. 2020.
______. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional
de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista; e altera
o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm
______. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em 23 jul. 2019.
______. Lei nº 13.861, de 18 de julho de 2019. Altera a Lei nº 7.853, de 24 de
outubro de 1989, para incluir as especificidades inerentes ao transtorno do
espectro autista nos censos demográficos. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13861.htm. Acesso
em: 23 jan. 2020.
BRITO, Alberto et al. Desenvolvimento gerencial na administração pública do
Estado de São Paulo. OLIVEIRA, Lais Macedo de Oliveira; GALVÃO, Maria
Cristina Costa Pinto (orgs.). São Paulo: FUNDAP: Secretaria de Gestão Pública,
2009.
CABRAL, Cristiane Soares; MARIN, Angela Helena. INCLUSÃO ESCOLAR DE
CRIANÇAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA DA LITERATURA. Educ. rev., Belo Horizonte , v. 33, e142079,
2017 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
46982017000100113&lng=en&nrm=iso>. access on 08 Feb. 2020. Epub Apr 06,
2017. http://dx.doi.org/10.1590/0102-4698142079.
CAMPOS, Alinaldo Guedes. Discricionariedade administrativa limites e
controle jurisdicional. Jus.com.br, 2005. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/6587/discricionariedade-administrativa. Acesso em: 23
jul. 2019.
CASTRO, Edgard. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas,
conceitos e autores. tradução Ingrid Müller Xavier; revisão técnica Alfredo Veiga
Neto e Walter Omar Kohan. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.
CÍNICO. Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.
COSTA, Leonel. Termo de ajustamento de conduta (TAC) e algumas observações
sobre o seus limites. JusCom.BR. 2014. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/30469/termo-de-ajustamento-de-conduta-tac-e algumas-
observações-sobre-o-seus-limites. Acesso em: 23 jul. 2019.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 30. ed. Rev., atual. e
ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
DIWAN, Pietra. Raça pura: uma história da eugenia no Brasil e no mundo. São
Paulo: Contexto, 2007.
DOUTRINA. In: Dicionário Jurídico. DireitoNET. 2018. Disponível em:
https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/924/Doutrina. Acesso em: 23 jul.
2019.
Encyclopædia Britannica (2011). "Robert François Damiens". Encyclopædia
Britannica Online. http://www.britannica.com/EBchecked/topic/150534/Robert-
Francois-Damiens.
EMBARGOS. In: SANTOS, Washington dos. Dicionário jurídico brasileiro. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.
FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos: aprender a viver II. Tradução de
Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
FORTUNATI, José. Gestão da educação pública. Porto Alegre: Artmed, 2007.
FOUCAULT. A Verdade e as Formas Jurídicas: Conferência na PUC RIO, de
21 a 25 de maio de 1973. (tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e
Eduardo Jardim Morais) Rio de Janeiro. NAU Editora, 2005.
______. Nascimento da Biopolítica. curso no Collège de France, (1978-1979).
São Paulo, 1. ed. Editora WMF Martins Fontes, 2008A. (Coleção Tópicos)
______. Segurança, território e população: Ditos & escritos. 7. 1 ed. Martins
Fontes, 2008.

______. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Tradução de


Eduardo Brandão. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. (Coleção Obras
de Michel Foucault)
______. Segurança, penalidade e prisão: Ditos & escritos. Rio de Janeiro.
Forense Universitária, 2012.
______. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2013.
______. A Ordem do Discurso: aula inaugural no Collège de France pronunciada
em 2 de dezembro de 1970. 24 ed.: Edições Loyola: São Paulo, 2014.
______. Em defesa da sociedade. curso no Collège de France, (1975-1976).
São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2016.
FOUCAULT, Michel; CHOMSKY, Noam. Natureza Humana: Justiça vs. Poder.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015.
FRAZÃO, Dillva. Sófocles: escritor grego. Ebiografia, 2018. Disponível em:
https://www.ebiografia.com/sofocles/. Acesso em: 23 jul. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática
educativa 44 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013
DELEUZE, Gilles. Foucault: Microfísica do Poder. 13. Ed., Rio de Janeiro; Graal,
1998.
GUTTING, Gary (org.). Foucault. Tradução de André Oídes. São Paulo: Ideias &
Letras, 2016.
HIRST, John. A mais breve história da Europa. Rio de Janeiro: Sextante, 2018.
LAGASNERIE, Geoffroy de. A última lição de Michel Foucault. São Paulo: Três
Estrelas, 2013.
LAVAL, Christian. A Escola não é uma empresa. Londrina: Planta, 2004.
LAVAL, Christian; DARDOT, Pierre. A nova razão do mundo. São Paulo:
Boitempo, 2016.
LINHART, Danièle. [Entrevista concedida a] Jussara Brito, Lúcia Rotenberg, Mary
Yale Neves e Simone Oliveira. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 9 n. 1, p.
149-160, mar. - jun. 2011. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/tes/v9n1/v9n1a11.pdf. Acesso em 23 jul. 2019.
MEC. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria
Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria nº 948, de 09
de outubro de 2007. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.
PAIVA JR., Francisco. Quantos autistas há no Brasil? Revista Autismo, São
Paulo, ano V, n. 4, v. 4, mar. 2019. p. 20-23. Disponível em:
https://issuu.com/revistaautismo/docs/revistaautismo004. Acesso em: 23 jul. 2019.
PIOLLI, Evaldo; SILVA, Eduardo Pinto e; HELOANI, José Roberto M. Plano
Nacional de Educação, Autonomia Controlada e Adoecimento do Professor. Cad.
Cedes, Campinas, v. 35, n. 97, p. 589-607, set.-dez., 2015.
PORTAL SAJ, Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1HZX2RITF0000&process
o.foro=53&uuidCaptcha=sajcaptcha_e5bb84b6f0df4cba9bab37585887f185.
Acesso em: 23 jul. 2019.
ROBERT François Damiens. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. 2019. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Robert-Fran%C3%A7ois_Damiens. Acesso em: 23
jul. 2019.
SÃO PAULO. Decreto nº 5.586, de 5 de fevereiro de 1975. Dispõe sobre
atribuições dos cargos e funções do Quadro do Magistério. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1975/decreto-5586-
05.02.1975.html. Acesso em: 23 jul. 2019.
SÃO PAULO. Decreto nº 7510/76, de 29 de janeiro de 1976. Reorganiza a
Secretaria de Estado da Educação. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1976/decreto-7510-
29.01.1976.html. Acesso em: 23 jul. 2019.
SÃO PAULO. Lei complementar nº 744, de 28 de dezembro de 1993. Institui
vantagens pecuniárias para os integrantes da classe de Supervisor de Ensino, do
Quadro do Magistério, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo, Diário Oficial - Executivo, 29/12/1993, p. 7. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1993/lei.complem
entar-744-28.12.1993.html. Acesso em 23 jul. 2019.
http://dictionnaire.sensagent.leparisien.fr/Robert%20Francois%20Damiens/en-en/.
Acesso em 31 de março de 2020
SÃO PAULO. Lei Complementar nº 791, de 09 de março de 1995. Estabelece o
Código de Saúde no Estado. Diário Oficial - Executivo, 10/03/1995, p. 1.
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 1995. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei.complementar/1995/lei.complem
entar-791-09.03.1995.html. Acesso em: 23 jul. 2019.
SÃO PAULO. Decreto nº 57.141, de 18 de julho de 2011. Reorganiza a
Secretaria da Educação e dá providências correlatas. Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo, 2011. Disponível em:
https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2011/decreto-57141-
18.07.2011.html. Acesso em: 23 jul. 2019.
SÃO PAULO. Diário Ofi cial Poder Executivo - 123 (55) Seção I. 23 de março de
2013.
SÃO PAULO. Instrução CGEB, de 14 de janeiro de 2015. Dispõe sobre a
escolarização de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) da Rede
Estadual de ensino de que trata a Resolução SE nº 61 /2014. Disponível em:
http://www.escoladeformacao.sp.gov.br/portais/Portals/84/docs/cursos-
concursos/promocao/Anexo%20E18_INSTRU%C3%87%C3%83O%20CGEB%20
DE%2014%20DE%20JANEIRO%20DE%202015.pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.
SAVIANI, Demerval. A supervisão educacional em perspectiva histórica: da
função à profissão pela mediação da ideia. In:____________ FERREIRA, Naura
Syria Carapeto (org.). Supervisão Educacional para uma escola de qualidade:
da formação a ação. São Paulo: Cortez, 1999. p. 13-38.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e
questão racial no Brasil - 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
ONU. Declaração dos direitos das pessoas deficientes. Resolução aprovada
pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas em 09/12/75.
Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec_def.pdf. Acesso
em: 23 jul. 2019. Acesso em: 23 jul .2019.
PATRIOTA-SILVA, Morena Dolores; SOUZA, Regina Maria de. Erradicação da
surdez: a eugenia na escolarização dos surdos no século XIX. Revista
Pedagógica, Chapecó, v. 20, n. 43, p. 183-201, jan./abr. 2018. DOI:
http://dx.doi.org/10.22196/rp.v20i43.3942
SPBANCÁRIOS. Projeto de Lei de Paulo Guedes ataca pessoas com
deficiência. Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e
Região. Publicado em 29/11/2019 e atualizado em 4/12/2019. Disponível em:
https://spbancarios.com.br/11/2019/projeto-de-lei-de-paulo-guedes-ataca-pessoas-
com-deficiencia. Acesso em 4 dez. 2019.
TAYLOR, Dianna. Michel Foucault: conceitos fundamentais. Tradução de Fábio
Creder. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
TÉSSERA. Houaiss eletrônico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009.
TRÂNSITO em julgado. Glossário de termos jurídicos. Tribunal Regional do
Trabalho da 2ª Região - São Paulo. 2017. Disponível em:
$http://www.trtsp.jus.br/consultas/221-pagina-principal/atendimento-e-servicos-
trt2/1422-glossario-de-termos-juridicos. Acesso em: 23 jul. 2019.
TRÂNSITO EM JULGADO. O que é Trânsito em Julgado? Quando Ocorre? O que
Vem Depois? Prazo e Certidão. Dicionário Direito on-line. Disponível em:
https://dicionariodireito.com.br/transito-em-julgado. Acesso em: 23 jul. 2019.
VALIM, Rafael. Estado de exceção: a forma jurídica do neoliberalismo. São
Paulo: Contracorrente, 2017.
KUPFER, Maria Cristina. Pré-escola terapêutica lugar de vida: Um dispositivo para
o tratamento de crianças com distúrbios globais do desenvolvimento.
Estilos clin., São Paulo , v. 1, n. 1, p. 8-17, 1996 .
Disponível em<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
71281996000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 02 dez. 2019.

Referências Processuais

ATA – AUDIÊNCIA PÚBLICA, disponível em:


https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.codigo=1HZX2RITF0000&process
o.foro=53&uuidCaptcha=sajcaptcha_e5bb84b6f0df4cba9bab37585887f185
acessado em 16/07/2019
SENTEÇA, 6ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo. 2001. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/aa_ppdeficiencia/aa_ppd_autis
mo/aut_pecas/SENTEN%C3%87A%20ACP%20Coletiva%20Autismo.pdf. Acesso
em: 23 jul. 2019.
PROCESSO 053.00.027139-2 (1679/00) – 1ª instância. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do;jsessionid=BB90E8B6F3C60A0E57778259B
29CD47E.cpopg6?conversationId=&dadosConsulta.localPesquisa.cdLocal=53&cb
Pesquisa=NUMPROC&dadosConsulta.tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigit
oAnoUnificado=0027139-R_jJKIuESsp8szzQr

PROCESSO: 0027139-65.2000.8.26.0053 (053.00.027139-2) – 2ª instância


Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cposg/search.do?conversationId=&paginaConsulta=1&localP
esquisa.cdLocal=-
1&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcesso=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnifi
cado=0027139-
65.2000&foroNumeroUnificado=0053&dePesquisaNuUnificado=0027139-
65.2000.8.26.0053&dePesquisa=&uuidCaptcha=sajcaptcha_d13596ebd24e4bf7a8
cf3e589d82dce4
PROCESSO. MPSP ACP 1679/00. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/aa_ppdeficiencia/aa_ppd_autis
mo/aut_pecas/Inicial%20ACP%20coletiva%20autismo%20e%20decis%C3%A3o%
20liminar.pdf

ACÓRDÃO – Apelação Cível n° 278.801.5/8-00 - Comarca de São Paulo


Recorrente: "ex officio" Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo Apelado:
Ministério Público. Voto n° 5.268 - Relator : Desembargador Magalhães Coelho.
Comarca : SÃO PAULO Recorrente: JUlZO "EX OFFICIO" Apelante : FAZENDA
DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelado : MINISTÉRIO PÚBLICO. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/aa_ppdeficiencia/aa_ppd_autis
mo/aut_pecas/Ac%C3%B3rd%C3%A3o%20ACP%20Coletiva%20Autismo.pdf

ACÓRDÃO. Apelação Cível n° 278.801.5/8-00 - Comarca de São Paulo


Recorrente: "ex officio" Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo Apelado:
Ministério Público. Voto n° 11.733 - Relator: Desembargador Laerte Sampaio
APELAÇÃO CÍVEL N° 278.801-5/8 Comarca : SÃO PAULO Recorrente: JUlZO
"EX OFFICIO" Apelante : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO Apelado :
MINISTÉRIO PÚBLICO. Disponível em:
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/aa_ppdeficiencia/aa_ppd_autis
mo/aut_pecas/Ac%C3%B3rd%C3%A3o%20ACP%20Coletiva%20Autismo.pdf

Você também pode gostar