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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2020
Samuel Alves dos Santos
CAMPINAS
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
Título em outro idioma: Autism right to education and new forms of supplication
Palavras-chave em inglês:
Autism
Education
Right to education
Biopolitcs
Área de concentração: Educação
Titulação: Mestre em Educação
Banca examinadora:
Regina Maria de Souza [Orientador]
Pedro Ganzeli
Leandro Calbente Câmara
Data de defesa: 28-02-2020
Programa de Pós-Graduação: Educação
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
COMISSÃO JULGADORA
2020
O fato de me perceber no mundo, com
o mundo e com os outros me põe
numa posição em face do mundo que
não é de quem nada tem a ver com
ele. Afinal, minha presença no mundo
não é de quem a ele se adapta, mas a
de quem nele se insere. É a posição
de quem luta para não ser apenas
objeto, mas sujeito também da história
(Paulo Freire, Pedagogia da
Autonomia, 2013, p. 53).
AGRADECIMENTOS:
O presente trabalho tem o objetivo de discutir a partir da análise de uma Ação Civil
Pública, a favor das pessoas com Transtorno do Espectro Autista, as formas de
suplício pelas quais passam autistas, familiares, profissionais de educação e
instituições de atendimento educacional a contradição entre Direito e Justiça,
estabelecendo uma relação entre o processo de judicialização e o sofrimento
caracterizado pelo suplício, bem como o desdobramento e os impactos de uma
nova razão governamental que através da governamentalidade e processos de
biopoder e biopolítica, passaram a sujeitar as políticas de direito à educação à
uma nova ordem cujos interesses, valores e práticas podem resultar na exclusão
e no suplício das pessoas com o Transtorno do Espectro Autista.
The present work aims to discuss from the analysis of a Public Civil Action, in favor
of people with Autism Spectrum Disorder, the forms of torment through which
autistic, family members, education professionals and educational institutions
educational care the contradiction between law and justice, establishing a
relationship between the judicialization process and the suffering characterized by
the torment, as well as the unfolding and impacts of a new governmental reason
that through the governmentality and biopower and biopolitical processes, have
subjected policies of the right to education to a new order whose interests, values
and practices can result in the exclusion and torment of people with autism
spectrum disorder.
El presente trabajo tiene como objetivo discutir desde el análisis de una Acción
Civil Pública, a favor de las personas con Trastorno del Espectro Autista, las
formas de tormento a través de las cuales autista, familiares, profesionales de la
educación e instituciones educativas educación la contradicción entre la ley y la
justicia, estableciendo una relación entre el proceso de judicialización y el
sufrimiento caracterizado por el tormento, así como el desarrollo y los impactos de
una nueva razón gubernamental que a través de la la gubernamentalidad y la
biopotencia y los procesos biopolíticos, han sometido las políticas del derecho a la
educación a un nuevo orden cuyos intereses, valores y prácticas pueden dar lugar
a la exclusión y tormento de las personas con trastorno del espectro autista.
1Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757, a pedir perdão publicamente diante da porta
principal da igreja de Paris, aonde devia ser levado e acompanhado numa carroça, nu, de
camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; em seguida na dita carroça, na
Praça da Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e
barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o parricídio, queimada
com fogo de enxofre, e às partes que serão atenazadas se aplicarão chumbo derretido, óleo
fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será
puxado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas e
OUCAULT, 2013, p. 9)
De acordo com a Enciclopédia Britânica, Robert-François Damiens (nascido em 9 de janeiro de
1715, La Tieuloy, França - morreu em 28 de março de 1757, Paris), fanático francês que em 1757
fez uma tentativa frustrada de tirar a vida do rei Luís XV. Damiens, filho de um porteiro, teve uma
sucessão de empregos como empregado doméstico e foi demitido de vários deles por roubar seus
empregadores. Em 5 de janeiro de 1757, ele esfaqueou Louis quando o rei estava prestes a entrar
em sua carruagem em Versalhes. Louis ficou levemente ferido, mas o incidente pode ter tido
graves repercussões políticas envolvendo a Companhia de Jesus e os jansenistas, duas facções
rivais dentro da igreja católica romana francesa. Muitos acusaram Damiens de fazer parte de uma
conspiração jesuíta contra a coroa, enquanto outros suspeitavam que ele era um agente dos
Parlamentos (altos tribunais de justiça), que entraram em conflito com o rei apoiando os
jansenistas. No entanto, o governo não conseguiu provar que o obviamente perturbado Damiens
estava envolvido em uma conspiração. Condenado como um regicídio, ele foi condenado a ser
despedaçado por cavalos na Place de Grève. Por quatro horas, antes de ser morto, ele foi bárbaro
torturado com pinças em brasa; e cera derretida, chumbo e óleo fervente foram derramados em
suas feridas. Após sua morte, sua casa foi arrasada, seus irmãos e irmãs foram obrigados a mudar
de nome e seu pai, esposa e filha foram banidos da França.
O fato do nascimento de autistas seria tão incômodo para o Estado, a ponto
de deixá-los à própria sorte, ou no mínimo, lhes sujeitando os serviços
educacionais aquém das suas necessidades e também exigindo deles reiteradas
súplicas, em um ritual que vai de solicitação por vaga, à direção de uma escola à
elaboração de um processo contra o Estado para que o seu direito à educação
seja atendido?
Nesse ponto, a ACP como um todo e mais especificamente o cenário da
audiência pública ocorrida em novembro de 2014, será considerada como uma
das etapas do suplício. O processo da ACP, por uma questão de segurança
jurídica, deveria ter sido concluído em janeiro de 2006, com o trânsito em julgado,
quando foi imposta a condenação ao Estado, obrigando-o a cumprir determinados
deveres com a Educação dos indivíduos com TEA, entretanto tal fato não
consubstanciou os efeitos favoráveis esperados pelas famílias dos autistas.
Não deveria haver motivo para estranhamentos, tal sucesso obtido a partir da
Ação Civil Pública ACP, que lhes foi favorável, pois trata-se de direitos já
consagrados no texto constitucional2 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional3, dentre outras leis que complementam o tema, entretanto, o Estado
considerou outros fatores que impactam suas ações, sendo a orçamentária a
principal (criando jurisprudência possível pelo artigo 2 do Decreto 6949/2009, que
.
Fica evidente, devido ao longo tempo, no caso da ACP que se estende desde
a decisão em primeira instância no ano 2001, até o trânsito em julgado após cinco
anos, e posteriormente as ações pós judicializadas pela Defensoria Pública, até o
momento da decisão judicial em 2016, como resultado da audiência pública
ocorrida em 2014, que a inversão em relação a quem comete o ilícito está posta.
A ilicitude do Estado, de negar e resistir até os limites legais, para não acolher
o cumprimento dos termos da condenação que lhe foi imposta, materializa a
inversão dos valores éticos, que são silenciosamente dispensados de forma
burocrática, através das estratégica possibilitadas pela agenda judicial.
A ideia de igualdade, direitos humanos e liberdades fundamentais, se
projetou e passou a ter muitas nações como signatárias no mundo pós-guerra,
Constituição, e Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo
no 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados
em Nova York, em 30 de março de 2007; Considerando que o Governo brasileiro depositou o
instrumento de ratificação dos referidos atos junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em
1o de agosto de 2008; Considerando que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para
o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008; DECRETA: Art. 1o A Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, apensos por cópia ao
presente Decreto, serão executados e cumpridos tão inteiramente como neles se contém.
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em
revisão dos referidos diplomas internacionais ou que acarretem encargos ou compromissos
gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição. Art. 3o Este
Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 25 de agosto de 2009; 188o da
Independência e 121o da República.
6 A concepção de direto à educação que está sendo considerado nesta pesquisa está definida no
7Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, prorrogada
pela Portaria nº 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 07 de janeiro de 2008.
(Plano Nacional de Educação) de 20148, que teve o cuidado de não restringir a
possibilidade do atendimento especializado inclusive em instituições conveniadas.
A confinação dos alunos com TEA, nas redes de Ensino, sem levar em
conta a complexidade que envolve as necessidades desses alunos, resulta na
normalização imposta por uma política pública de inclusão que se limita a ofertar,
muitas vezes de forma precarizada, o Atendimento Educacional especializado
AEE, que de acordo com as diretrizes dessa política:
Foucault considera que uma nova ordem foi estabelecida com o advento do
conjunto de objetos valorados por essa nova forma de riqueza, passaram a ter
uma prevalência. Isso significa que a transgressão seria agravada ou amenizada,
em função das próprias normas que regem a proteção da mercadoria e não
necessariamente em decorrência do direito. Uma vez que o direito abrangeria o
que previamente estava na lei e o seu cumprimento não se daria dessa forma,
pois o percurso poderia ser longo e a sua aplicação improvável nos termos em
que foi concebido.
Evidentemente que os direitos dos autistas, se inscrevem nessa lógica
revelada por Foucault e que foi materializada com o advento da Ação Civil Pública,
reunindo os elementos de luta, que inevitavelmente nos possibilita observarmos a
distinção quando os direitos se referem às pessoas de uma minoria representativa
e quando se referem a proteção de bens públicos ou privados.
Só uma ficção pode fazer crer que as leis são feitas para serem
respeitadas, a polícia e os tribunais para fazê-las respeitar. Só
uma ficção teórica pode fazer crer que subscrevemos de uma vez
por todas às leis da sociedade à qual pertencemos. Todos sabem,
também, que as leis são feitas por uns e impostas aos outros. [...]
Todo dispositivo legislativo providenciou espaços protegidos e
aproveitáveis nos quais a lei pode ser violada, outros em que ela
pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são
sancionadas. No limite diria, de bom grado, que a lei não foi feita
para impedir tal ou qual tipo de comportamento, mas para
diferenciar as maneiras de dobrar a própria lei. (FOUCAULT, 2012,
p. 35)
Para Michel Foucault, portanto, são instrumentos pelos quais lutar, não
para neles se esperar a superação da injustiça social, ou uma nova política de
gestão ética da população onde elas, as leis, fossem minimamente necessárias.
De fato, a tolerância relativa aos crimes dos direitos, conta com a transigência que
hora é justificada pelo viés econômico, ora pela falta de normatização, ora pela
justificativa de que não há possibilidade de exigir formação a todos os educadores,
que terão como estudantes, sujeitos com deficiência; ora argumentando sobre a
impossibilidade financeira de tornar acessível a todos, aos menos os espaços
públicos
protegidos e aproveitáveis nos quais a lei pode ser violada, outros em que ela
pode ser ignorada, outros, por fim, em que as infrações são sancionadas.
(FOUCAULT, 2012, p. 35).
Por exemplo, na Convenção dos Direitos das Pessoas com deficiência,
instituída pelo Decreto 6949/2009, há um trecho que abre possibilidades de não
cumprimento, na prática, do que nele se prescreve, já que esse Decreto é Emenda
Constitucional.
da garantia de direito,
custar Adaptar sem gerar custo desproporcional (quanto valem os direitos das
PcD?) abre jurisprudência para as instituições de ensino (do básico ao superior)
não garantir direito, por isso não é de se estranhar que as instituições que
produzem teorias sobre inclusão não são, elas mesmas, inclusivas. Da mesma
forma, permite ao Estado impor a inclusão a ser feita: os repasses de recursos
devem privilegiar as entidades federativas que optem por inclusão em classe
comum, independente do preparo ou não do educador, com AEE no contraturno
ou, no caso dos estudantes surdos, com intérpretes de Libras sem que se exija
formação inicial (posto que o Estado não investe o necessário na formação de
educadores bilíngues: faz o que pode e quer conforme as Adaptações Razoáveis
rezam).
Em tal contexto histórico, não é de se estranhar o avanço da judicialização
dado que cabe ao cidadão comum de modo solitário ou em grupo - interpelar o
Estado pelo recuo, omissão, anulação e a formulação de outras leis que isenta o
Estado de sua responsabilidade9. O fato do direito à educação ser assegurado
legalmente, para esse segmento de pessoas não corresponde à realidade, sendo
os esforços, principalmente dos familiares no campo escolar quer seja de
qualidade ou de saúde, percorridos com grande dor e sofrimento.
Sabe-se, que não é incomum às dificuldades para se incluir pessoas com
deficiência na rede pública de ensino, que ainda não estabeleceu política pública
eficaz que correspondesse aos acordos celebrados em nível internacional, em
9 No momento da redação deste trabalho, o atual ministro da Economia, contrariando a Lei 13.146
de 2015, apresentou à Câmara o projeto de lei 6.159/19 segundo o qual é proposto uma forma
a empresa trocar a contratação de uma pessoa com deficiência pelo pagamento de uma multa de
2 salários mínimos a ser gerenciada pelo Programa de Habilitação e Reabilitação Física e
Profissional (contra a Lei 8.213/91 art. 93). O Ministério Público já está entrando em campo em
Brasília para que o projeto de lei não passe como está (SPBANCÁRIOS, 2019).
especial o disposto nas obrigações gerais ratificadas pelos Estados parte da ONU
na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência10.
Dentre os desdobramentos das lutas pelos direitos individuais e coletivos,
verifica-se o ajuizamento de diversas ações contra o Estado pelo direito à
educação, resultando num extenso e moroso processo de judicialização das
Políticas Públicas destinadas às pessoas com o Transtorno do Espectro Autista
(TEA), que buscam na decisão judicial uma determinação clara e objetiva, que
estabeleça para Estado, a obrigação de garantir as condições educacionais
necessárias para a sua escolarização e em decorrência, a conquista da cidadania,
portanto, contra uma política de gestão financeira que poupa recursos às custas
de uma parte significativa de sua população.
A escolha do tema que está sendo tratado, o direito a educação dos
autistas e as novas formas de suplício sofridas pelos diversos atores que estão
envolvidos, autistas, familiares e instituições, em decorrência dos desdobramentos
da judicialização em desfavor do Estado de São Paulo e que resultou em causa
ganha em favor dos autistas, nos despertou singular interesse como objeto de
pesquisa considerando que a minha proximidade com o tema, uma vez que
exerço o cargo público de Supervisor de Ensino da Rede Pública Estadual. Esse
cargo me coloca diante dos casos concretos de atendimento dos interessados por
vaga em escola especializada ou o serviço de auxiliar pedagógico, sendo flagrante
a dificuldade do setor público educacional em atender os alunos com TEA, dentro
das expectativas dos familiares e das exigências impostas pelos termos da Ação
Civil Pública que transitou em julgado, e a qual exporei ao longo desse estudo.
Com regular frequência nos deparamos com decisões judiciais, a maioria
sob a provocação e condução da Defensoria Pública, alguns processos que
determinam a providência de matrícula em escola especializada e outros em que
se determina a contratação de auxiliar pedagógico para atuar em sala de aula
10
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem
qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se
comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra
natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b)
Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis,
regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com
deficiência; c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos
direitos humanos das pessoas com deficiência; d) Abster-se de participar em qualquer ato ou
prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e
comum juntamente com o professor titular. Tanto num caso quanto no outro, a
dificuldade de cumprir as decisões judiciais são flagrantes, pois não se
estabeleceu políticas garantidoras que possibilitam a operacionalização das
demandas por vagas em escolas especializadas ou a contratação de auxiliar
pedagógico. Dessa forma é inevitável observar a tristeza e frustração dessas
famílias que estão lutando para ter o direito à educação para os seus filhos de
forma a atender e respeitar a sua diferença.
Tendo em vista o exposto, e meu interesse particular na análise do
processo acima citado, dividirei o presente estudo em:
Capítulo III: terá como objeto fazer uma revisita histórica à emergência da
função do supervisor de ensino e um retorno a minha própria história como
supervisor de ensino e como ela me levou ao processo TJ SP - ACP, nº
053.00.027139-2, SP, e discutirei o que me levou a fazer de um processo de
demanda judicial objeto de análise e reflexão teórica.
Capítulo IV: será feito um resumo, breve, pois o processo conta 1715 (hum
mil setecentos e quinze) páginas até o trânsito em Julgado em 27 de janeiro de
2006, com cerca de 9 (nove) volumes, mais o que foi acrescido após o pedido de
extinção pelo MPSP em 2014, dando voz aos principais personagens que o
integram.
Dessa forma, não seria exagero concordar com Foucault, que as leis não
garantem direitos, mas criam os crimes e delimitam os ilegalismos.
As fontes utilizadas para o nosso acesso a documentação jurídica, também
denominada como referências processuais, foi o acesso a rede mundial de
computadores, ou seja, a internet. Os sítios virtuais consultados foram de domínio
público, do Ministério Público de São Paulo - MPSP e do Tribunal de Justiça de
São Paulo TJSP.
O período de análise, que será abrangido por esta pesquisa, será restrito
entre os anos 2000 (dois mil) e 2016 (dois mil e dezesseis), pois compreende o
momento inicial da ACP, com o Inquérito Civil -IC Nº 029/00, em 31 de agosto do
ano 2000, ACP Nº 1679/00, de 26 de outubro de 2000, pelo Ministério Público de
São Paulo MPSP e a decisão da Juíza da 6ª Vara da Fazenda Pública,
Processo Nº 0027139-65.2000.8.26.0053, ocorrida em 30 de agosto do ano 2016.
Será analisada cada etapa judicial que percorreu o processo da ACP,
sempre com a discussão teórica fundamentada nas obras de Michel Foucault, com
ênfase nos conceitos desenvolvidos pelo pensador, como suplício, biopoder,
biopolítica, direito, justiça, governamentalidade e capital humano.
, possibilitam
uma análise sobre as relações de poder que estão implicadas na ideia de suplício
que defendemos, ao considerarmos que a negação, sob várias formas de
atendimento, ao direito à educação dos autistas, em razão das lutas e da
resistência implicadas resultam numa nova forma de suplício.
Em relação às Leis, serão considerados os documentos produzidos pelo
MEC, O PNEEPEI (Plano Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva) de 2008. Lei 12.764/2012 (Institui a Política Nacional de
Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) e
documentos produzidos pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo.
III. A FUNÇÃO SUPERVISORA
A. Um olhar histórico
11 Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de
educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (Redação
dada pela Lei nº 12.796, de 2013) § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre
que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas
classes comuns de ensino regular.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação: (Redação dada pela Lei nº 12.796, de
2013) I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para
atender às suas necessidades; [...] III - professores com especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados
para a integração desses educandos nas classes comuns; [...]
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização
das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação
especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do
atendimento aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação na própria rede pública regular de ensino, independentemente do
apoio às instituições previstas neste artigo.(Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)
(Legislação Brasileira sobre Educação / Câmara dos deputados. -3. Ed. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2015). 238 p. (Série legislação; n. 138)
De acordo com Saviani, a Supervisão Escolar no Brasil, tem início
quando se queria emprestar à figura do inspetor um papel predominantemente de
orientação pedagógica e de estímulo à competência técnica, em lugar da
fiscalização para detectar falhas e aplicar punições.
12 (...) O poder pastoral é, na realidade, uma figura que se forma com o Cristianismo a partir da
tradição hebraica e em certas técnicas de vida da tradição grega, sobretudo, da filosofia da época
helenística. (...) O poder pastoral é em definitivo, uma técnica de individualização. (...) O poder
pastoral foi uma prática própria das comunidades monásticas que teve um importante
desenvolvimento na literatura cristã dos primeiros séculos. Contudo, o poder pastoral não foi a
forma triunfante durante a Idade Média, mas o Império. (...) a reforma protestante e a chamada
contrarreforma católica, com o fim do feudalismo e o abandono do ideal de um sacro império,
determinaram uma reativação desse modelo. A pastoral da confissão e da direção da consciência
a partir do século XVI são exemplos mais eloquentes dessa reativação. A tese de Foucault é que
as formas de racionalidade do poder, no Estado moderno, são uma apropriação-transformação das
práticas de poder pastoral. Mais precisamente, a especificidade do Estado consiste, como já
indicamos, em haver integrado em uma forma jurídica nova as técnicas individualizantes do poder
pastoral. (CASTRO, Vocabulário de Foucault, 2016, p. 329)
Para Foucault, o pastorado cristão estabelece uma rede de servidão, de
todo mundo em relação a todo mundo, ou seja, a responsabilidade é distributiva
de forma numérica e qualitativa (FOUCAULT, 2008). Faz sentido compreender
que, os limites impostos por normas de trabalho, estão evidenciados nos relatórios
empre retratar a sua
observação em relação às obrigações, também prescritas para o funcionamento
das escolas, gerando assim uma obediência que é partilhada por todos, pois os
termos de orientações do Supervisor só tem validade se for autenticado pelo
Diretor de Escola ou, quem designado por este, para acompanhar a visita do
Supervisor.
Há nesse sentido, uma individualização marcada pela obediência, que
independeria de certa forma o princípio da lei ou da verdade, mas que seria
influenciada por diagonais que implicam outros tipos de relações. Um exemplo
claro dessa diagonal é o fato de que, todas as ações para melhoria dos resultados
educacionais da escola, ignoram o todo do currículo escolar e se detém
especificamente em dois componentes curriculares, no caso, Português e
Matemática. A negação dos demais componentes, corresponde a outro tipo de
relação com a formação do educando que ofende o princípio de que o aluno tem
direito a formação integral correspondente a todo o currículo escolar.
Pois bem, creio que, de fato, entra-se nesse momento numa época
que poderíamos chamar de época do governo frugal, o que não
deixa, claro, de apresentar certo número de paradoxos, já que é
durante esse período do governo frugal, inaugurada no século
XVIII e de que sem dúvida ainda não saímos, que vemos
desenvolver-se toda uma prática governamental, ao mesmo tempo
extensiva e intensiva, com efeitos negativos, com as resistências,
as revoltas, etc. que se sabe, precisamente contra essas invasões
2008A, p. 40).
O mercado deve dizer a verdade, deve dizer a verdade em relação
à prática governamental. Seu papel de veridição é que vai,
doravante, e de uma forma simplesmente secundária, comandar,
ditar, prescrever os mecanismos jurisdicionais ou a ausência de
mecanismos jurisdicionais sobre os quais deverá se articular.
(FOUCAULT, 2008A, p. 45)
13De acordo com o dicionário Houaiss (2009), cínico consistem em aquele que afronta
ostensivamente as convenções e conveniências morais e sociais
A precarização do ensino se faz por práticas de acompanhamento
educacional, em curtos períodos durante a semana, quando são oferecidos, ou
por professores itinerantes responsáveis por um grupo de estudantes que, não
raro, não têm contato direto ou contínuo para que com eles possam estabelecer
uma relação efetiva e afetiva de aprendizagem.
14Resolução SE 61, de 11-11-2014, Dispõe sobre a Educação Especial nas unidades escolares da
rede estadual de ensino.
da proposta com os aspectos subjetivos15 que compreende as diferenças dos
alunos com TEA. O segundo, de caráter material e pedagógico, também não é
contemplado à medida que ignora a precarização do trabalho na Rede Pública
Estadual, tanto pela ausência de estabelecimentos de ensino ou salas de aula
específicas, quanto pela insuficiência de profissionais com especialização na área
do autismo, ou seja, trata-se de uma instrução com pouca validade no que
concerne a uma efetiva transformação da realidade desses estudantes e, sim,
aqui se expõe a face cínica em que as redes de saber de professores, famílias,
áreas clínicas, universidades acabam por participar, ainda que de forma não
premeditada, da manutenção do sistema tal como está: includente e excludente ao
mesmo tempo. Cada um faz o que pode...
Para exemplificar e retornar à instrução CGEB, um de seus escopos se
refere à avaliação inicial. Esta avaliação se divide em relatório pedagógico a ser
elaborado pelo professor da classe comum e pelo professor especializado.
Considerando a realidade da Rede Pública do Estado de São Paulo e a falta de
professores especializados, por recuo das universidades na formação desses
profissionais em quantidade suficiente, a determinação posta na Instrução da
CGEB, quanto ao atendimento do anexo 1 (um), em especial o item III 16 , se
mostra insubsistente.
15 O indivíduo com TEA, conforme o DSM-5 (APA, 2013), caracteriza-se por apresentar um
desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da inserção social e da comunicação
e um repertório muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam
imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica. O atraso pode
ocorrer em pelo menos uma das seguintes áreas: interação social, linguagem comunicativa, jogos
simbólicos ou imaginários (CABRAL & MARIN, 2017, p. 4. Apud, BAGAROLLO; RIBEIRO;
PANHOCA, 2013).
16 III- Avaliação pelo professor especializado
essa avaliação não ocorre pelas razões já expostas e ainda que as condições
para sua realização estivessem garantidas, fica evidente a burocracia logística
para o atendimento desse aluno.
O que se observa a partir dessas normas, senão uma disposição em nível
formal, do poder executivo representado pela Secretaria de Educação e seus
servidores públicos dentre eles o Supervisor de Ensino, de apresentar para o
17Gestão como doença social: ideologia, poder gerencialista e fragmentação social, obra publicada
pelo autor em 2007.
neoliberalismo como fator determinante e direcionado ao sofrimento do
trabalhador, levando-o a quadros patológicos de depressão, síndrome de
Burnout18 e até ao suicídio.
A realidade da sala de aula em que há alunos com TEA, sem a estrutura
mínima de apoio ao professor gera angústia e o sentimento de desamparo
também no professor, ou seja, torna seu trabalho como algo penoso. A socióloga
Danièle Linhart, professora da Univer sidade Paris X, debruçando-se sobre esse
tema, elabora o conceito de penosidade. Segundo a autora, penosidade pode ser
definida como:
Resistir a uma técnica de poder que prevalece em nosso tempo, seria para
Foucault, o objetivo das lutas atuais. O aprisionamento da subjetividade, configura
como estratégia do mundo do trabalho, regido pela lógica concorrencial do
mercado, pois o consentimento do indivíduo para a sujeição às mais variadas
formas de exploração, resultaria na perda da própria identidade, tornando-o
fragilizado e vulnerável.
Todavia, há espaços para o exercício de poder contra o governo da
individualização, que ofende de forma coercitiva o estatuto do indivíduo, que
busca a garantia do direito de ser diferente enfatizando tudo que o torna sujeito,
autor estético e ético da própria história.
A aproximação da penosidade no trabalho com o exercício laboral do
Supervisor de Ensino, durante sua atuação de rotina, possibilita que a ideia de
suplício tenha uma ressignificação que se materializa no sofrimento psicológico
que afeta esse servidor público, tornando essa nova forma de suplício um
componente turbulento e consequentemente acelerando os possíveis efeitos
patológicos na sua saúde.
A nova forma de suplício, ao garantir seu espaço no cenário do exercício
profissional do Supervisor de Ensino, representa de alguma maneira o poder do
Estado que é distribuído na sua horizontalidade através das relações de poder
exercidas nos espaços de convivência corporativa.
C. Meu envolvimento com a demanda judicial dos pais de autistas
19. Eugen Bleuler, (nascido em 30 de abril de 1857, Zollikon, Suíça - morreu em 15 de julho de
1939, Zollikon), um dos psiquiatras mais influentes de sua época, mais conhecido hoje por sua
introdução do termo esquizofrenia para descrever o distúrbio anteriormente conhecido como
demência praecox e por seus estudos de esquizofrênicos.
A marca clínica impressa no autismo, foi superada pela doutrina psicanalítica
que, sem excluir a priori a eventualidade de causas múltiplas, considerou também
a dimensão psíquica dos sujeitos que expressavam os sintomas rompendo,
assim, com a redução do autismo a um condicionante orgânico irreversível, giro
teórico que possibilitou estudos e a fundação de instituições especializadas de
suporte para a educação formal de crianças autistas (ROUDINESCO, 1998).
Atualmente não é possível precisar quantos autistas há no Brasil, pois até o
momento o Instituto Brasileiro de Geografias Estatísticas IBGE não faz o
levantamento dessa população. Inquirido pela Revista Autismo (PAIVA JR., 2019),
o IBGE respondeu que planejava investigar o tema futuramente em uma pesquisa
específica de saúde.
Ainda de acordo com a Revista, o que há de fato sobre a inclusão do tema no
censo demográfico é um Projeto de Lei aprovado pela Câmara dos Deputados em
2016, que foi encaminhado para o Senado Federal em dezembro de 2018, sob
nome de PLC 139/18, aguardando apreciação da Comissão de Direitos Humanos
e Legislação Participativa. Numa consulta atualizada, constatamos que a PLC 139
/18, foi tornada Lei de Nº 13.861 e publicada no Diário Oficial da União em
19/07/201920.
Portanto, identificar o número de autistas no Brasil será tarefa do IBGE
somente a partir do próximo Censo Demográfico. As implicações decorrentes da
falta de dados estatísticos acabam por manter em invisibilidade os autistas e
considerá-los nas políticas públicas nos Sistemas de Saúde e de Educação.
Dessa forma, a ACP dos autistas se justifica como uma luta pelo direito jurídico à
educação previsto nos diplomas legais, mas não se garante, como em outros
casos, que a lei dará efetividade a uma política que não seja apenas mais uma
22 Como descreve Maria Sylvia Zanella di Pietro ao tratar da ação civil pública em relação ao texto
e a ação pública tem a caraterística de ser considerada uma ação coletiva. (DI PIETRO, 2017, p.
1061-1062).
desenhado com contornos opacos e suportado por cavaletes movediços, de idas e
vindas de documentos, reuniões, convocações para depoimentos etc,
configurando um suplício para os autistas e seus pais, sem prazo definido para o
fim desse ritual (sádico?).
A Fazenda Pública, representando o interesse do Estado de São Paulo, fez
a apelação recorrendo da sentença com recurso impetrado e que foi negado no
dia 26 de abril de 2005. Como ainda havia possibilidade jurídica para opor-se a
ACP junto ao Tribunal de Justiça, a Fazenda Pública ent 23 de
declaração, em face do acórdão que negou recurso à apelação por ela interposto,
mantendo a sentença de procedência da ação em nível de primeira instância.
Após os votos dos desembargadores, já esgotadas as instâncias possíveis
para a contestação da Fazenda Pública, a decisão do Tribunal de Justiça de São
Paulo foi favorável aos autistas e transitou em julgado no dia 27 de janeiro de
2006.
Se o trânsito em julgado24 representou, em tese, a segurança jurídica de
que a sentença seria executada e obrigatoriamente cumprida pela parte
condenada, no caso o Estado de São Paulo, poderia parecer óbvio que o direito
aos serviços especializados para os autistas estaria garantido, no entanto, a
prática da prestação dos serviços de educação ofertados pelo Estado não
consagraram essa dimensão das expectativas dos pais dos autistas, portanto, a
partir das reincidentes busca desses pais por justiça, a Defensoria Pública tem
atuado e representado os interesses desses pais junto ao Poder Judiciário e
consubstanciando dessa forma uma constante prática de pós judicialização pelo
ajuizamento de inúmeras ações judicias requerendo que o Estado forneça os
serviços de Educação Especial.
Antes de recorrerem à Defensoria Pública, os pais já cumpriram as
exigências dos procedimentos iniciais exigidos pelo próprio Estado para a vaga
em escola especializada e quando não foram contemplados, sentiram a frustração
pela oferta de vaga em escola comum sob a alegação de que o atendimento
ocorreria na perspectiva da educação inclusiva, conforme definido pelo MEC.
23 De acordo com o dicionário Houaiss, se refere a qualquer um de vários institutos jurídicos que
elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de
2007, prorrogada pela Portaria nº
promulgação da Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 27. Todavia,
essa lei e sua interpretação está sujeita, vale sempre repetir, ao reconhecimento
do Estado pelos direitos das PcD, mas também, à justificativa de impedimentos
financeiros apoiando-se no Decreto 6949 de 2009, artigo segundo da Convenção
dos Direitos da Pessoa com Deficiência que lhe integra. Além disso, o Programa
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,
2008) prioriza, vale lembrar, o repasse de verbas para os órgãos da federação que
elegem a escola inclusiva com AEE no contraturno. Para o grupo que elaborou o
documento, o problema era do Estado em resolver a logística para que essa
opção fosse implementada. Por sua vez, o Estado se vale, circularmente, do
27 Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro
Autista; e altera o § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Art. 1º Esta Lei
institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista
e estabelece diretrizes para sua consecução.
orçamentárias, ainda que razoáveis.
O material aqui resumido, e seu desenrolar, foi redigido a partir da leitura e
estudo da ACP nº 1679 de 26 de outubro de 2000 - processo nº 053.00.027139-2,
que me permitiu visualizar as cinco principais etapas que percorreu a ACP dos
autistas entre os anos 2000 e 2016, que foram protagonizadas por uma corte de
atores: Promotores do MPSP, pais dos Autistas e apoiadores, profissionais de
instituições de saúde e de ensino, advogados, Procuradores da Fazenda Estadual
de SP, técnicos do Governo do Estado de São Paulo e do Município, Defensores
da Defensoria Pública de SP, Juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública de SP, os
Desembargadores do Tribunal de Justiça de SP. O último cenário, a pós
judicialização, ocorreu em diversos momentos desde o trânsito em julgado e
permanece até a realização desta pesquisa, sem previsão de que deixará de
ocorrer, sendo protagonizado também por agentes públicos com função técnica,
além dos defensores públicos, procuradores da Fazenda Estadual e Juiz de
primeira instância.
A Petição do MPSP a partir do Inquérito Civil28
28 A síntese dos depoimentos que serão mencionados é parte integrante do processo - MPSP-
Inquérito Civil nº.029/00, p. 90-91; 146-147.
29
institucionais de promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção dos interesses
(BRASIL, 1988).
31 A síntese dos depoimentos que serão mencionados é parte integrante do processo - MPSP-
37Lei Complementar 791/95 Art. 4º. Parágrafo 1° Por serem de relevância pública, as ações e os
serviços públicos e privados de saúde implicam co-participação do Estado, dos Municípios, das
pessoas e da sociedade em geral, na consecução de resultados qualitativos e quantitativos para o
bem comum em matéria de saúde .
Federal 7347/8538. (Protocolo/Registro nº 1679/2000, da ACP com pedido de
tutela antecipada)
Solicita também a antecipação de tutela, alertando que a mesma urge e
impera para prevenir os danos causados aos autistas, muitos deles no momento
38 Art. 13. Havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um
fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão
necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos
destinados à reconstituição dos bens lesados .
Argumentos - FESP - Fazenda Pública do Estado de São Paulo39
A FESP na defesa do Estado alega que o mesmo vem buscando manter, por
si ou por entidades a ela conveniadas, o atendimento ambulatorial e de internação
de pessoas portadoras de tais transtornos do desenvolvimento psicológico e
mental, porém, com vagas insuficientes diante da demanda, motivo pelo qual a
Secretaria de Saúde está buscando ampliar sua capacidade de atendimento
especializado, principalmente em relação aos portadores de autismo, efetuando
levantamento das instituições, contatos telefônicos e visitas, tudo, para processo
de formação de convênios pelo SUS e encaminhamento de recursos por meio da
referida Secretaria. (ACP nº 053.00.027139-2, p. 409-428).
Contesta a ação, nos termos do artigo 302, e seus incisos e parágrafo único,
do Código de Processo Civil40 e sustenta que a obrigação constitucional de
garantir à população acesso aos serviços e ações de saúde, sem privilégios de
qualquer espécie, mediante atendimento gratuito, restringia-se apenas aos que se
mostrassem carentes de recursos.
Declara, que em razão do princípio da Tripartição dos Poderes expresso no
artigo 2º da Constituição Federal, não estar sujeita a decisões de outro, poder que
resultam em co-gestão ou alteração da destinação de verbas do seu orçamento,
pois é só seu o dever de gerir a coisa pública, elegendo, segundo critérios de
conveniência e oportunidade, as oitenta e uma diretrizes e as prioridades
governamentais.
que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I - a sentença lhe for
desfavorável; II - obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios
necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III - ocorrer a cessação da
eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV - o juiz acolher a alegação de decadência ou
prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que
a medida tiver sido concedida, sempre que possível .
Decisão do juiz da 6ª vara da Fazenda Pública 41
Os argumentos com a justificativa e decisão do Juiz de primeira instância são parte integrante da
41
Ante o exposto e o mais que consta dos autos, julgou procedente a ação
civil pública movida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra a
Fazenda Pública do Estado de São Paulo, com fundamento no artigo 269, inciso I,
do código de Processo Civil, para condená-la, até que, se o quiser, providencie
unidades especializadas próprias e gratuitas, nunca as existentes para o
Faz crítica à falta de cumprimento das obrigações legais por parte dos
agentes públicos e, destaca:
a norma programática, como um recurso pelo qual usualmente os
administradores públicos se escusam de cumprir as obrigações
que lhes são dirigidas pela Constituição Federal. Justifica a
necessidade de se ter uma norma impositiva de eficácia plena, que
objetiva tomar real e não meramente retórico o direito à vida
proclamado no art. 5° da Constituição Federal45.
Apelação (Lat. appellatio.) S.f. Recurso que se interpõe às decisões terminativas do processo
a fim de os tribunais reexaminarem e julgarem de novo as questões decididas na instância inferior
(APELAÇÃO, 2001).
44 Informações constantes da ACP Processo nº 053.00.027139-2, p. 1278-1288; 1311-1322
45 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
46
segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos,
cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada
à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade
conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a
situação vertente.
A noção de Discricionariedade, ou "atribuição discricionária" envolve um aspecto liberal, de
autonomia em face de uma determinada autoridade. Logo, atuar discricionariamente significa
proceder no exercício de uma atividade, sob aspectos racionais e proporcionais, dentro do âmbito
estabelecido pelo ordenamento jurídico, optando pelo melhor procedimento que irá
satisfazer o bem comum, diante de conceitos ambí
2005, grifos meus).
Constituição, que dispõe em sentido inverso, portanto nega-se provimento aos
recursos . (Apelação Civil nº 278.801-5/8-00-voto 11.733).
Os argumentos da FESP, apelando para os dispositivos legais que em
perspectiva e em certa medida, garantiria uma exclusiva discricionariedade por
parte do Governo de São Paulo para executar suas políticas de inclusão,
conforme seu próprio entendimento, não encontrou guarida no Tribunal de Justiça
que não poupou em denunciar que o Estado, no caso o executivo, não estava
respeitando a Constituição, tampouco o direito à vida consagrado na carta magna.
Dessa forma, a FESP já estava quase esgotando os recursos do jogo
jurídico que estava permitindo o Governo Paulista o adiamento para o início dos
efeitos da ACP dos autistas, conforme determinava a decisão judicial proferida em
nível de primeira instância no dia 28 de dezembro de 2001. As estratégias da
FESP já haviam tido êxito em estender os efeitos da decisão processual, pelo
menos até o final de 2005.
Os Embargos e o Trânsito em Julgado47
47 Após ter passado por todas as etapas do processo judicial haverá a determinação do trânsito em
julgado. Nesta etapa o processo já possui uma decisão final emitida pelo tribunal responsável, e
não se poderá mais recorrer. Mas então, quando ocorre o trânsito em julgado?
Ocorre quando se esgotam os recursos cabíveis; Quando não há possibilidade legal de
interposição de novos pedidos de revisão/reexame do caso; Na hipótese do decurso de prazo,
quando se esgota o prazo legal para a apresentação dos recursos ao tribunal, havendo assim a
perda do direito de recorrer; Quer seja uma ação civil, penal ou trabalhista, o trânsito em julgado
possui os mesmos efeitos.
Trânsito em Julgado e a Coisa Julgada A fase em que se Transita em julgado um processo
demonstra que já houve a decisão judicial definitiva, a qual possui irretratabilidade defendida pela
própria constituição federal, através do princípio constitucional da intangibilidade da coisa julgada,
XXXVI a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada (TRÂNSITO, 2019).
necessários e adequados que não acarretem ônus
desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada
caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam
gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
(BRASIL, 2009, grifo meu)
48 Embargos S.m. Meio judicial para obstar o cumprimento de uma sentença ou despacho.
Nota: O CPP assim explicita: Art. 619. Aos acórdãos proferidos pelos Tribunais de Apelação,
câmaras ou turmas, poderão ser opostos embargos de declaração, no prazo de 2 (dois) dias
contados de sua publicação, quando houver na sentença, ambiguidade, obscuridade, contradição,
omissão. Art. 620. Os embargos de declaração serão deduzidos em requerimento de que constem
os pontos em que o acórdão é ambíguo, obscuro, contraditório ou omisso. (EMBARGOS, 2001).
crê que se deve orientar a análise do poder para o âmbito da
dominação (e não da soberania), para o âmbito das conexões de
sujeição, para o âmbito das conexões e utilizações dos sistemas
locais dessa sujeição e para o âmbito, enfim, dos dispositivos de
saber. (FOUCAULT, 2013, p. 30)
Foucault entende que o poder deve ser analisado como uma coisa que circula,
como uma coisa que só funciona em cadeia (FOUCAULT, 2013). A distribuição
dos direitos parece seguir essa ordem do saber, na medida em que a proximidade
com esse saber confere, a alguns mais esclarecidos, possibilidades de se obter os
direitos que estão em jogo.
Se durante a Idade Média o soberano avocava pra si todo o poder de
decisão sobre a vida dos indivíduos, tal poder se referia a sua discricionariedade
partir do século XVIII, começa haver um deslocamento dessa forma de poder para
um poder que será exercido de acordo com uma nova racionalidade de Estado em
que a economia política terá uma centralidade imperativa sobre a nova razão
governamental.
Sendo que o poder transita entre os indivíduos, jamais são alvos inertes ou
consentidores do poder, mas são seus intermediários pelo qual o poder transitado
(FOUCAULT, 2013). Nesse sentido, a composição dessa rede pela qual o poder
passa, envolve uma teia complexa de agentes, pois o Estado é abstrato, logo
considerar que esse ente dotado de alto grau de generalização seja capaz de
operar a exclusão dos diretos dos autistas de forma autônoma, seria
desconsiderar todos aqueles que são investidos de poder em nome do Estado e
que, segundo determinados interesses, ou agindo de acordo com uma razão
governamental, passam a operar nos limites legais e assim, cometem as
ilegalidades que o Desembargador afirmou que o Estado comete. Temos que
considerar que essas ilegalidades são cometidas por indivíduos concretos, o
atuam de acordo com uma
racionalidade governamental, em que a prioridade não é a garantia dos direitos,
mas a economia política, o orçamento público, a arrecadação e a distribuição dos
recursos de acordo com as prioridades políticas.
O pedido de extinção49
e Michaela Carli Gomes e pela Promotora de Justiça da Infância e Juventude do Ipiranga Maria
Izabel do Amaral Sampaio Castro e Luiz Antônio Miguel Ferreira, Promotor de Justiça de
Presidente Prudente, bem como por outros Promotores de Justiça que venham a aderir por termo
próprio. Compromissário: Fazenda Pública do Estado de São Paulo, representada pelos
Secretários Estaduais da Educação e da Saúde, respectivamente Herman Jacobus Cornelis
Voorwald e Giovanni Guido Cerri, contando com a manifestação favorável do Procurador Geral do
Estado, Dr. Elival da Silva Ramos, exarada no expediente GDOC 1847- 1396602/2012 (processo
SE 13269/2012). - Seção I sábado, 23 de março
de 2013. Pag.42
alimentação, higiene bucal e íntima, utilização de banheiro,
locomoção, administração de medicamentos constantes de
prescrição médica [...]
O cuidador atuará, em regra, fora da sala de aula, sendo que a
necessidade de seu apoio no interior da sala de aula, como
facilitador na execução das atividades escolares, será avaliada
pela equipe de educação especial da Diretoria de Ensino, com a
participação da família, e somente para casos de exceção e de
dependência que comprometa, substancialmente, a realização das
atividades escolares, atentando para a não interferência no
trabalho pedagógico e no desenvolvimento da autonomia do aluno.
Cláusula quinta O cuidador deverá atender a toda a criança e
adolescente que dele necessitar, tanto no período de
escolarização quanto no contraturno, nas salas de recursos ou
onde se realizar o Atendimento Educacional Especializado.
Parágrafo único – O cuidador deverá ser garantido ainda que o
Atendimento Educacional Especializado seja oferecido por
entidades conveniadas ou contratadas a qualquer título pelo
Estado.
Cláusula sexta A Secretaria de Estado da Educação assume a
obrigação de disponibilizar o cuidador devidamente capacitado,
para a rede estadual de ensino, até o final do primeiro semestre de
2013.
§1º - O atendimento será prestado de acordo com as
necessidades específicas de cada aluno, respeitada a proporção
máxima de um cuidador para até três alunos por período [...]
(SÃO PAULO, 2013, p. 42)
De outro lado, o racismo terá sua segunda função: [...] quanto mais
as espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os
indivíduos anormais forem eliminados, menos degenerados haverá
em relação à espécie, mais eu - não enquanto indivíduo, mas
enquanto espécie - viverei, mais forte serei, mais poderei proliferar.
[...] É claro, por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio
direto, mas também tudo o que pode ser assassínio indireto: o fato
de expor à morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a
expulsão, a rejeição etc. (FOUCAULT, 2010, p. 216)
51 ias e
gratuitas, nunca as existentes para o tratamento de doentes mentais "comuns", para o tratamento
de saúde, educacional e assistencial aos autistas, em regime integral ou parcial especializado para
todos os residentes no Estado de São Paulo, e, enquanto estas não existirem, a arcar com as
custas integrais do tratamento (internação especializada ou em regime integral ou não), da
assistência, da educação e da saúde específicos, ou seja, custear tratamento especializado em
entidade adequada não estatal para o cuidado e assistência aos autistas no Estado de São Paulo,
indicada pelo Estado, no prazo de até 30 (trinta) dias após o requerimento administrativo
comprovado. Desde então a execução se arrasta. O Estado não comprova que fornece o
atendimento aos autistas, juntando diversos relatórios e informações sobre instituições
conveniadas e atendimentos prestados, que não refletem, de maneira alguma, a implementação,
até o momento, de uma política pública de atendimento aos autistas. Por outro lado, neste
processo, diversos autistas têm pleiteado habilitação, buscando a execução individual da sentença.
Estas habilitações podem ser divididas em duas espécies: 1) habilitantes que afirmam que os
estabelecimentos indicados não são capazes de fornecer o atendimento adequado, e que portanto
o Estado deverá providenciar o custeio privado do autista, no estabelecimento que este reputa
adequado; 2) habilitantes que não possuem nenhuma condição de custeio privado, e que ao ser
indicado um estabelecimento pelo Estado o aceitam, sem questionar se o mesmo é adequado ou
processo nº 0027139-65.2000.8.26.0053 14-6-2011, p. 2-3).
Federal. Quando foi ajuizada a demanda coletiva, não havia legislação específica
e nem política pública definida. Afirmam que a política de atendimento acabou
sendo criada e que o Estado vem tentando implementá-la. Segundo o MPSP, com
a promulgação da Lei 12.746/12, a sentença tornou-se incompatível com a
legislação, já que a decisão judicial preconizava a educação especial, relegada a
exceção na nova lei. Intepretação possível pelo Programa Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Disso resulta o
cinismo já mencionado: as leis são, antes de tudo, textos e como tais abertos a
várias interpretações dependendo do que cada comunidade de interpretação
estabelece como chaves para sua leitura. Como exemplo: se a Bíblia é um dos
livros mais lidos no mundo e considerado texto sagrado - seja o Antigo
Testamento e/ou o Novo Testamento - suas distintas interpretações permitiram o
apareci
ou vinda diretamente de Deus. As leis estão submetidas também a uma doutrina
só que jurídica e não religiosa.
Segundo Foucault (CASTRO, 2016), a doutrina não se exerce apenas
como um mecanismo de controle discursivo não se exerce apenas na forma ou no
conteúdo. O pertencimento doutrinal põe em jogo tanto o enunciado como o
sujeito falante, um através do outro.
matrícula de todo e qualquer educando e educanda nas classes comuns, visto que reconhecida,
considerada, respeitada e valorizada a diversidade humana, ficando vedada qualquer forma de
discriminação, observada a legislação que normatiza os procedimentos para matrícula.;
56 LDB 9394/96 - Art. 58 . Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
assistência social, pois há pais de filhos autistas que não podem se ausentar de
casa por oito horas, ainda que seja para trabalhar, e sendo assim, não param em
nenhum emprego . A terceira coisa de que sente falta é de um apoio psicológico
por parte do Estado. Declara que o filho foi parar no CAPS- que não é um lugar
apropriado para dar assistência e atendimento aos autistas e que ao levar o filho
para uma escola pública, percebeu a total ignorância, despreparo e descaso para
com sua individualidade: ninguém perguntava três coisas: o que ele gosta? O que
ele faz? O que ele já sabe?
tranquila, ele está ótimo aqui. Ele sai da aula a hora que quer, ele anda pela
Chocada, a mãe decide transferir seu filho
para uma Escola de Educação Especial. Afirma que essa segregação é praticada
nas escolas regularmente. Seu sonho era tentar desenvolver seus filhos, para
serem os mais independentes possíveis, pois ela como mãe, sabia não ser eterna.
Essa mãe dá um exemplo de segregação: uma amiga, que tem filho autista, o
matriculou numa escola regular de classe Média alta, ainda assim, ele é impedido
de participar dos passeios, sem a menor justificativa. E, ele mesmo, se pergunta
por que não pode participar dos passeios e nunca recebe a menor justificativa.
frequentam uma Escola de Educação Especial, que se chama Lar Mãe do Divino
Amor, e afirma, são extremamente bem cuidados. Tem somente seis alunos em
sala de aula e recebem suporte pedagógico. Suas três perguntas são:
anos vamos ter que esperar essa situação
- Senhora Heloísa Barroso Uelze: Tem um filho autista de sete anos, que
estudava numa escola regular, quando a mãe teve o diagnóstico. A escola
impediu a atendente terapêutica, impediu o acesso dos pais aos filhos dentro da
escola. Ela tinha duas alternativas: processar a escola ou procurar outra escola;
escolheu a última opção. Escolheu a Escola Palmares- por indicação do médico;
ao marcar a entrevista com a coordenadora pedagógica, ouviu a seguinte frase:
matrícula
a mãe tentou explicar que o filho era autista, e não precisava de rampa. Ela
defendeu a manutenção da ação civil pública. Encontrou uma escola para colocar
seu filho: diz que a escola tem material pedagógico adaptado, mas não faz
absolutamente nada pela inclusão e também não fica no caminho. Há mais
autistas no Estado inteiro, com realidades econômicas e sociais diferentes. Cita a
Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012) que no momento ainda não havia sido
regulamentada. E afirma que há um caminho ainda muito longo a percorrer antes
de pensar no arquivamento da ação.
57 Na aula de 28 de março de 1979, Foucault menciona em que consiste os recursos raros que são
número de recursos que são recursos raros - esses recursos raros vão ser um sistema simbólico,
vão ser um jogo de axiomas, vão ser um certo número de regras de construção, e não qualquer
regra de construção não qualquer sistema simbólico, simplesmente alguns (FOUCAULT, 2008A, p.
367).
amplos, muito mais numerosos do que o simples aprendizado
escolar ou que o simples aprendizado profissional. (FOUCAULT,
2008A, p. 315)
eficazes de inclusão, de acordo com esta visão, decorre do fato dos autistas
representarem um custo e não um investimento, portanto não significando um
ganho para o mercado. Não seria absurdo, por exemplo, inferir que o abandono
dos autistas pela resistência do Estado, bem evidenciado no percurso da ACP, se
dá também pelo fato de não se visualizar o ganho com a normalização do
comportamento dos
educação que já está customizado para os sujeitos ditos normais. Sobre esse
ponto, Laval esclarece mais:
procura formular é diferente daquele que pode fixar os limites de direito do poder,
portanto entende que em toda a sociedade a relação entre poder, direito e
verdade se organiza de um modo muito particular. Considera que somos
submetidos pelo poder á produção da verdade e só podemos exercer o poder
mediante a produção de verdade. O problema seria este:
58O ensino no Collège de France obedece a regras específicas. Os professores têm a obrigação
de cumprir 26 horas de ensino por ano. Devem expor todos os anos uma pesquisa original, o que
os força a estar sempre renovando o conteúdo do seu ensino. A assistência aos cursos e aos
seminários é inteiramente livre; não requer inscrição nem diploma. Os cursos de Michel Foucault
eram dados às quartas-feiras, do iníocio de janeiro ao fim de março. A assistência, muito
numerosa, composta de estudantes universitários, de professores, de pesquisadores, de curiosos,
muitos dos quais estrangeiros, mobilizava dois anfiteatros do Collège de France. (FOUCAULT,
2010, p. IX e X).
Para Foucault, o direito no ocidente é um direito de encomenda régia, ou
seja, servia ao interesse do rei especificamente como um serviço que deveria ser
entregue por um prestador serviço, pois desde a Idade Média, a elaboração do
pensamento jurídico e a elaboração do edifício jurídico de nossas sociedades se
fez essencialmente em torno do poder régio, para servir-lhe de instrumento e de
justificação. Nisso se estabelecia toda a autoridade exercida sobre a população,
que de certa forma vivia, tinha a concessão de viver porque o soberano
59 dikè como
sendo inerente a missão divina, em nome da justiça. Como uma grande Glória ligada aos heróis
que combateram em nome dessa justiça e cumprindo assim uma missão divina em defesa da
ordem cósmica contra as ameaças acenadas pela sempre possível ressurgência das antigas
forças do caos. O cumprimento dessa missão divina ocorre através dos mitos dos maiores heróis
da mitologia: Héracles, Teseu, Perseu e Jasão.
Citado por Homero e Hesíodo, a lenda de Héracles que vai se tornar Hércules entre os romanos
é uma das mais antigas de toda a mitologia grega. Héracles é de longe, o mais célebre herói
grego pela força legendária, pela coragem infalível, pelas façanhas fabulosas, por seu senso de
justiça, dikè. Centenas de milhares de páginas foram escritas sobre ele. (FERRY, 2012).
fizeram - ou tentaram fazer - os pais de autista ingressando ação no Ministério
Público.
O poder que observamos ser exercido na questão relativa aos autistas no
Estado de São Paulo, guarda objetiva relação com as formas de gestão
administrativa na defesa dos interesses orçamentários por exemplo. Ao apresentar
as justificativas para a negação das garantias educacionais mínimas a favor dos
alunos autistas, expõe-se o caráter economicista de pretensa austeridade com as
contas públicas alegando-se, como vemos nos recursos apresentados pelos
procuradores da fazenda pública do Estado, ao se referirem a suposta ingerência
do judiciário nas questões de caráter administrativo e que, portanto, deveriam ser
conduzidas exclusivamente pelo Executivo.
O cenário da audiência pública, apresentada nesta pesquisa que
realizamos, mostra a intencionalidade de se obter respostas que pudessem ser
favoráveis à possível nulidade da ACP dos autistas, pois utilizam agentes
públicos, que apresentam dados estatísticos de como o Estado estaria cumprindo
o seu papel, na garantia constitucional do direito à educação dos autistas, através
da sua rede de atendimento, sobretudo a educacional.
Há um conhecimento produzido, no caso do Brasil, que concebe o direito à
educação, conforme disposto na Constituição brasileira de 198860, no entanto a
60 A Constituição nos seu artigo 6º afirma que a educação é um direito social e o Art. 205,
estabelece: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho . Detalhando mais ainda o
Art. 206, especifica como deve ser ensino e que será ministrado com base nos seguintes
princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV -
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais . (BRASIL, 1988).
devem ser razoáveis de modo a não impedir investimentos relativos a outras
demandas e esferas sociais.
onsidera que:
que a sorte está lançada para o futuro possível das pessoas com TEA. Claro que
a demonstração de força por estes será o empreendimento capaz de fazer com os
olhares se voltem para a sua causa e os seus direitos. Foucault, ao inverter o
aforismo de Clausewitz61
é, a política é a sanção e a recondução do desequilíbrio das forças manifestado na
guerra . Em outras palavras, não haveria conquista sem
a guerra simbólica dos interesses que se enfrentam através das batalhas judiciais,
para pensar no processo da ACP dos autistas. Ainda elucidando essa ideia da
relação da guerra e da política, Foucault diz:
Carl von Clausewitz (1780-1831) foi um general prussiano cuja magnum opus, entitulada "Da
Guerra", teve como referencial histórico as Guerras Napoleônicas. Seu pensamento militar foi
moldado pelas incessantes campanhas militares levadas a cabo pelo "Pequeno Corso" por toda a
Europa ao longo de cerca de vinte anos. (...) Em outras palavras, Clausewitz, segundo o
supracitado pensador russo, naturalizado norte-americano, ao mesmo tempo que rejeita a
concepção da "guerra pela guerra", Clausewitz afirma que ela - guerra - é parte integrante da
existência humana, constituindo-se, portanto, num dos instrumentos necessários da Política. Este
é, em essência, o real significado da sua célebre frase "a guerra é a continuação da política por
outros meios". (ALVES, Ricardo Luiz. A doutrina clausewitziana da guerra ou a apologia política
. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 9, n. 431, 11 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5674. Acesso em: 6
fev. 2020.)
O primeiro testemunho que temos da pesquisa da verdade no
procedimento judiciário grego remonta à Ilíada. Trata-se da história
da contestação entre Antíloco e Menelau durante os jogos que se
realizaram na ocasião da morte de Pátroco.62 (FOUCAULT, 2005,
p. 31)
62Entre esses jogos houve uma corrida de carros, que o vencedor foi Antíloco, no entanto Menelau
fez uma contestação de que havia ocorrido um litígio. Esta se desenvolve da seguinte maneira:
depois da acusação de Menelau
63 O pai de Édipo se chama Laio e sua mãe, Jocasta. No momento em que nossa história começa,
eles acabam de ter conhecimento de um terrível oráculo, dizendo que, se por acaso tiverem um
filho, ele mataria o pai e, segundo alguns, ainda por cima causaria a destruição de Tebas. Como
era frequente na época nesse tipo de situação, os pais tomam a triste decisão de abandonar a
criança -
expostas ao apetite de animais selvagens, mas também, eventualmente, à clemência dos deuses.
Laio e Jocasta entregam o bebê a um dos seus empregados, um pastor, para que ele o abandone
em algum lugar. [...] mas o espectador da
tragédia de Sófocles sabe que esse suposto acaso é apenas outro nome que se dá à vontade dos
deuses com os homens do rei de uma outra cidade, Corinto. Esse rei, chamado Políbio, não
consegue gerar filhos e, justamente, adoraria ter um. [...] Édipo cresce na cidade de Corinto, longe
de Tebas, onde nasceu, na corte do rei e da rainha que ele evidentemente acredita serem seus
pais. [...] Um dia, porém, numa brincadeira de criança, ele briga com um colega. Algo totalmente
banal, que acontece com todo menino. Só que o pequeno rival diz uma palavra que vai ressoar por
sempre se mentiu. [...] Laio também decide, assim como Édipo, ir a Delfos, para novamente
consultar o oráculo quanto ao que deve ser feito para salvar os habitantes da cidade. [...] Os
destinos se cruzam, nos sentidos próprio e figurado: os coches de Laio e de Édipo se encontram
frente a frente, no cruzamento de três estradas tão estreitas que ambos são obrigados a parar
seus veículos e equipagem. Um dos dois precisa dar marcha a ré e se colocar fora do caminho,
para que o outro passe, mas os dois são orgulhosos, cada um achando estar em seu direito, ou
mesmo prioridade: o rei Laio por ser rei de Tebas, e Édipo por ser príncipe de Corinto. O conflito se
agrava. Os criados se insultam e, pelo relato, o próprio rei Laio dá uma bengalada em Édipo. Eles
partem para a briga e, tomado pela raiva, Édipo mata seu pai, assim como o cocheiro e os guardas
que o acompanham. [...] Apenas um dos empregados escapa, fugindo a correr, mas que contudo,
pois isso vai ser importante mais tarde, testemunhou toda a cena. [...] A epidemia aparentemente
acabara, mas outra calamidade, com origem certamente também divina, se abate sobre a cidade,
cujo novo rei, no trono desde a morte de Laio, é Creonte, irmão de Jocasta e consequentemente
tio de Édipo. Essa nova calamidade tem um nome: Esfinge, a Esfinge, pois tratase de uma mulher
que tem um corpo de leão e asas de abutre. E ela literalmente aterroriza a cidade, propondo um
enigma para todos os seus habitantes jovens. Como eles não conseguem decifrar, ela os devora,
Sófocles.64 O mito de Édipo, em síntese, trata-se da profecia proferida pelo
oráculo de Delfos, de que o rei de Tebas seria assassinado pelo próprio filho que
também se casaria com a própria mãe. O que Foucault destacou foi a utilização de
testemunhos durante o processo para se chegar à verdade dos fatos e a luta pelo
poder que passou a permear toda a trama.
O poder, no caso em que o rei Édipo procurava com todo empenho manter
sua hierarquia real, se via ameaçado cada vez que um interlocutor o provocava a
assumir compromissos morais em relação a desvendar o mistério do assassinato
e do incesto que seria a causa de todo o mal que a cidade de Tebas estava
sofrendo devido a manifestação da ira dos deuses. Édipo garantiu que o
responsável seria punido de forma rigorosa, sem saber que ele mesmo era o
responsável pelos graves crimes. O drama segue mostrando que cada vez que
Édipo se afastava da condição de suspeito, depois dos testemunhos de alguns
servos, sentia um alívio e uma segurança mais pelo fato de que não perderia sua
posição de Rei do que pelo livramento que a cidade poderia ter quando o crime
fosse desvendado.
de forma que a cidade começa a ficar bastante deserta. Cito uma das versões há outras
formulações, com mais ou menos o mesmo resultado do enigma em questão: Qual animal anda
com quatro patas pela manhã, com duas ao meio-dia e com três à noite, e que, contrariando a
regra geral, fica mais fraco à medida que tem mais patas? Édipo ouve falar da Esfinge e não
hesita: apresenta-se a ela e pede que lhe proponha a fatídica adivinhação. Assim que o problema
é enunciado, ele não tem a menor dificuldade para responder: trata-se evidentemente do homem,
que, na manhã da sua vida, ainda bebê, engatinha, usa as duas pernas quando é adulto e, enfim,
estando mais fraco, no crepúsculo da existência, usa três uma vez que precisa se apoiar numa
bengala. De acordo com uma antiga profecia, a Esfinge morreria se algum ser humano chegasse a
resolver algum dos seus enigmas. Diante de Édipo, ela se joga do alto dos muros da cidade e se
espatifa no chão. A comunidade fica livre do monstro. Como se pode imaginar, Édipo é recebido
como verdadeiro herói. O povo inteiro o festeja e oferece suntuosos presentes. A multidão aplaude
quando ele passa, e como a rainha Jocasta está livre é uma viúva bem jovem, pois Laio acaba
de ser morto , Creonte, agradecido, oferece a Édipo a irmã em casamento e, junto, o trono de
Tebas. Passa-lhe o lugar que ele, na verdade, ocupava apenas interinamente , p.
375-379).
64 Sófocles (497 a. C - 406 a. C) foi um dos três grandes dramaturgos da Grécia antiga,
juntamente com Eurípides e Ésquilo. Sua obra-prima "Édipo Rei" o consagrou como o maior poeta
trágico da Antiguidade Grega. Sófocles nasceu em Colono, cidade perto de Atenas. Viveu no
período áureo da Grécia, sob o governo de Péricles. Era filho de um rico fabricante de armaduras,
fazia parte de classe
pelas respostas que surgem em sua volta, quando o oráculo o
designa e o adivinho diz de maneira mais clara ainda que é ele o
culpado, sem responder em termos de inocência , Édipo diz a
Quanto a sair vivo de uma batalha após seu comandante ter caído,
seria uma infâmia e uma verdadeira vergonha para o resto da vida.
[...] quando a terra onde nasceram fica estagnada num longo
período de paz, muitos jovens nobres vão deliberadamente em
busca de outras tribos onde uma guerra esteja em andamento. Os
germânicos não apreciam a paz. É mais fácil alcançar a fama
enfrentando perigos e só é possível manter um grande grupo de
companheiros por meio da violência e da guerra. É mais difícil
convencer um germânico a arar sua terra e esperar seu fruto anual
com paciência do que a desafiar um inimigo e obter o mesmo
prêmio à custa de ferimentos. Ele considera sem graça e indigno
obter com suor o que se pode obter com sangue. Assim eram os
que, 300 anos depois, assumiram o controle do Império Romano.
[...] No século III, uma série de invasões germânicas quase
destruíram o império. Foi uma época de grande instabilidade no
governo de Roma; vários imperadores vinham e iam muito
rapidamente, e os invasores encontraram pouca resistência. O
império sobreviveu, mas com enclaves germânicos estabelecidos
em seu território a essa época de caos seguiu-se Constantino, o
imperador que deu apoio oficial ao cristianismo em 313, e ele se
empenhou em organizar e fortalecer o império. (HIRST, 2018, p.
20, 63)
66 De acordo com o dicionário Houaiss, Blefe é um jogo de cartas marcadas nos cantos, visando
iludir o parceiro para que este desista; ato ou efeito de blefar; fingimento, simulação, ardil
VI. O BIOPODER E A BIOPOLÍTICA NA NORMALIZAÇÃO DO SUPLÍCIO
213).
Todo o planejamento governamental pode ser justificado pelo objetivo de
que, o poder terá como alvo a condução das condutas, vontades e desejos que
estarão sob uma lógica da racionalidade em que o mercado, além do lugar da
veridição, será também o representante de uma nova teogonia 68 da
contemporaneidade, pelo impacto que exercerá em toda a civilização.
Os avanços normativos e legais em relação ao direito à educação, no caso
em destaque, dos autistas, são negados num misto de sutileza, posto que o jogo
burocrático estabelece procedimentos que inevitavelmente prolongam a
concessão do direito com armadilhas de agendas e critérios normativos e
ostensividade, haja vista que a legislação e as normas oficiais da Secretaria da
Educação, estabelecem a regulamentação do atendimento aos autistas e demais
deficientes, de forma que aparenta que o direito será contemplado.
O ambiente governamental dos serviços públicos de educação, em se dá a
burocracia rotineira dos agentes públicos, se mostrou bem adaptado para
implica na negação dos direitos à educação por vias burocráticas, em longo ritual
junto às esferas jurídicas.
Posto que o tecido social está envolto por uma governamentalidade
neoliberal, que objetiva a formação de uma nova subjetividade individual, que
69 Homo oeconomicus como parceiro de troca, teoria da utilidade a partir de uma problemática das
necessidades: é isso que caracteriza a concepção clássica de homo oeconomicus. (FOUCAULT,
2008
A, p. 310).
destinam ao disciplinamento do comportamento coletivo, determinando valores
que afetam os sujeitos sociais num redimensionamento da ética, no sentido
aristotélico70 e consoante a arte de viver, haja vista que a busca da felicidade será
a busca dos resultados nas suas diversas dimensões.
A judicialização, pode ser entendida como os recursos jurídicos utilizados
pelo cidadão contra o Estado para obtenção dos direitos negados e o suplício
como forma de punição simbólica sofrida pelos corpos que são deixados sem o
devido atendimento educacional ou de saúde. Em tese, são a materialização do
aprofundamento da ruptura, dos princípios pactuados na formação do Estado
Democrático de Direito na modernidade, posto que o Contrato Social foi
estabelecido na sociedade, para que as garantias dos direitos individuais e
coletivas fossem assegurados, como condição para a cidadania, mas devido ao
, que através da negligência
sujeita os indivíduos à condição de subcidadãos, o que se aplica as pessoas com
TEA.
Em função dos desdobramentos da ação judicial em análise, o Direito,
como disciplina produtora de saber-poder, se integra como maquinaria de gestão
jurídica, aos efeitos do Racismo de Estado que localiza, classifica, cria grupos e
subgrupos humanos (os surdos, os velhos, os autistas, os incapazes de cuidarem
de si etc) e age sobre a população a partir da sua condição de diferença em um
pleito que falava sobre eles, decidia por eles ou por serem considerados vozes
sem qualquer legitimidade, ou porque a arquitetura do auditório ou seus estímulos
seriam cruéis a eles (ver decisão da juíza).
O cenário da audiência pública pôs a nu a exclusão dos autistas do
sistema público, o seu não lugar, a sua completa inexistência - o que, considerado
por Foucault não deixa de ser uma forma de assassinato simbólico. Conforme
afirmou o filósofo francês,
70
forte prazer que se esvai logo em seguida; ao contrário, deve ser algo perene e tranquilo, se
excessos, pois o excesso faz com que uma boa ação torne-se seu opost (ABRÃO, 1999, p. 63).
simplesmente, a morte po
(FOUCAULT, 2012, p. 306).
Daí porque o processo analisado mostra que o Estado moderno, faz viver
para deixar morrer, o que ficou evidenciado pela ausência das condições
adequadas para o atendimento dos alunos com TEA. .
Kehl
(1929), que considerava o atletismo como o caminho para a conquista do ideal
eugênico. A questão que se coloca, é do estranhamento inevitável que o outro
diferente causa com a sua presença que destoa da nova ordem estabelecida.
De acordo com Skliar (2010), a construção da negação do diferente se dá
num processo político e histórico, que traz consigo um dominante discurso de
normalização, reproduzido nos diversos campos sociais com a marca registrada
da inferiorização do outro.
[,,,]
qual usualmente os administradores públicos se escusam de
cumprir as obrigações que lhes são dirigidas pela constituição
federal, há que se ver uma norma impositiva de eficácia plena, que
objetiva tornar real e não meramente retorico o direito à vida
proclamado no art. 5° da Constituição Federal 72 (Desembargador
Magalhães Coelho. Voto N°5.268. Apelação civil N°278.801.5/8-
00-Comarca de São Paulo, p. 1280)
72 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade
aplicou em cada caso individual que o alcançou, sempre no sentido de criar
dificuldades e caminhos espinhosos. Soma-se a isso, a ausência de política
pública efetiva que pudesse apontar na direção do cumprimento da decisão
constante na ACP.
Possivelmente, seja mais simples compreender a motivação da
judicialização por parte dos usuários dos serviços públicos, por guardarem uma
relação de causalidade com os direitos que lhes escapam, do que esclarecer os
propósitos que estão vinculados a lógica da razão governamental, que a primeira
vista poderia ser classificado como descompromissada com suas competências
sociais.
A palavra luta, quando nos referimos aos direitos sociais dos deficientes,
está carregada de sentido que se aproxima do significado de luta de classes, se
considerarmos que, há exploração quando os investimentos obrigatórios
legalmente e previstos no ordenamento jurídico, não são efetivados, e também
com o sentido de ir à luta, pois se refere à busca de algo que se deseja para que a
vida seja contemplada e realizada.
As práticas de poder, exercidas de forma vertical pelo Estado e
instituições, e horizontal na relação entre os indivíduos que, no exercício das suas
funções, reproduzem e naturalizam discursos e procedimentos que são
considerados técnicos e burocráticos, consolidam a exclusão daqueles que
dependem dos serviços públicos como a Educação Especial, pois à utilização da
burocracia institucional, cuida de estabelecer encaminhamentos que são
contrários aos reais interesses e direitos garantidos legalmente.
O Conceito de poder pastoral está intrínseco a ideia de poder como algo
que se exerce e não algo que se possui, pois, o indivíduo é ao mesmo tempo
receptor e emissor de poder (CASTRO, 2016, p. 324, 325). Ainda no
desdobramento desse tema do poder, Foucault expressa qu pois, o
73Gary Gutting detém a cátedra Notre Dame de Filosofia na Universidade de Notre Dame. É o
autor de Foucault: a very short intruction [Foucault: uma brevíssima introdução], French,
restrito, uma vez que este, mais do que qualquer outo dos livros de Foucault, está
preocupado com práticas e instituições, em vez
(GUTTING, 2016, p. 33)
O esforço que nos moveu ao realizar essa pesquisa, foi a intensificação das
forças físicas, intelectuais e morais, para questionar os procedimentos dominantes
que afogam na desesperança e suscita esperanças, autistas, familiares e pessoas
com deficiência. As práticas excludentes são, evidentemente, realizadas por
pessoas e ocorrem através das instituições.
A arte literária, na maestria de Machado de Assis, também contemplou de
forma crítica e irônica o tema (1999),
aspectos sociais e políticos importantes, retratado no século XIX, que mostra a
philosophy in the twentieth century [ Filosofia francesa no século xx], Pragmatic liberalism and the
critique of modernity [ o liberalismo pragmático e a crítica da modernidade], e Mi
archaeology of scientific reason [ A arqueologia da razão científica de Michel Foucault], bem como
fundador e editor de Notre Dame Philosophical reviews [resenhas filosóficas de Notre Dame], um
periódico eletrônico de resenhas de livros (http://ndpr.nd.edu/). (GUTTING, 2016, p. 8)
pensadas, levando em conta que a sensação de vitória dos casos judicializados
não representa a extensão desses direitos para todos que precisam dos serviços e
adia a principal questão, com a gravidade que isso representa para os usuários
dos serviços, de que o Sistema Público de Educação precisa ser aperfeiçoado,
para cumprir o seu papel na execução das políticas públicas, e minimizar os
ruídos que desnudam os discursos benfazejos, aliás, muito usuais pelos
representantes públicos.
Entendo ser relevante mencionar a discussão proposta por Assis, em
função do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que poderia significar uma
alternativa com potencial de alcançar resultados mais coletivos, pois as próprias
configurações dos TACs favorecem o estabelecimento de uma agenda com
potencial de ser cumprida pelo Sistema Público.
A individualização das conquistas, embora contemple um direito e ao
mesmo tempo uma sensação de bem-estar, representa também um reforço que
pode estar viciando o Estado numa prática perversa de contar com a
determinação judicial para começar a agir.
Não são poucos os casos, em que a prestação dos serviços públicos
destinados aos alunos da Educação Especial, só ocorrem, após o ajuizamento.
Exemplo: Ação Civil Pública, TACs e Mandados de Segurança, sem contar
iniciativas extrajudiciais por parte da Defensoria Pública.
Outra questão iminente a ser pontuada, considerando o quadro precário de
atendimento aos deficientes é; se a judicialização garante a oferta coletiva dos
serviços que estão sendo ajuizados ou provoca a elaboração de mecanismos
burocráticos perversos conduzidos por técnicos a serviço do Estado?
A intervenção do Poder Judiciário sobre o Poder Executivo é um fator de
aperfeiçoamento republicano da Democracia e do Estado Social? O que de fato
precisa ser feito, quais medidas governamentais devem ser tomadas, evitando ou
reduzindo a judicialização para a solução dos direitos negados?
Outras questões poderão se juntar as citadas, no entanto, o problema
continuará desafiando a Sociedade e o Estado Democrático de Direito, pois a
ambiguidade dos documentos normativos e a elasticidade que compreende as
interpretações jurídicas e dos agentes públicos, continuarão protagonizando os
mais diversos embates no campo dos direitos sociais.
Não seria fácil precisar se a possível conquista dos direitos dos
autistas, como foi determinado no processo da ACP, quanto ao previsto em
legislação específica, no caso a Lei 12.764/2012, seria o ideal de serviço público
educacional para essas pessoas, entretanto, a defesa dos seus direitos, de
acesso, permanências e dos serviços educacionais de qualidade, seria coerente
com os esforços e as conquistas obtidas por eles, que no mínimo deveria ser
experimentada, por ter sido a vontade das famílias que por eles são responsáveis.
Em decorrência da análise da ACP dos autistas, identificamos normas
prescritivas excludentes e práticas opressivas, no entanto, não nos cabe dizer o
que fazer sem a devida legitimidade a ser reconhecida pelos principais atores
desse processo. A própria existência da ACP, foi um caminho legítimo que se
buscou, justamente, porque as famílias dos autistas sentiram na prática escolar a
exclusão que estava destinada aos seus filhos. Quem não lutaria ou resistiria em
nome dos filhos?
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Referências Processuais