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ME.

GRAZIELLA DINIZ BORGES

Psicologia
da Educação
SUMÁRIO
O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY NO
Processos histórico-filosóficos que deram origem à DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM
Psicologia  6 Relação entre Desenvolvimento e Aprendizado  50
Pressupostos sobre o conhecimento  7 Memória, atenção, percepção e emoção  51
Dois Grandes Momentos da Psicologia  7
O PENSAMENTO, A LINGUAGEM E A
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS
Origens das perspectivas e projetos de psicologia  O Movimento Progressivo da Linguagem e a
10 Construção de Conceitos  55
A psicologia aplicada ao desenvolvimento da Pensamento e Linguagem  57
aprendizagem  12
Jean Piaget: um marco teórico único  13 PENSAMENTO E LINGUAGEM PARA VYGOTSKY
E A LINGUAGEM DA CRIANÇA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO E SUAS CONTRIBUIÇÕES Pensamento e Linguagem em Vygotsky  60
PARA O CAMPO DA EDUCAÇÃO Estágios da Linguagem e do Desenvolvimento
Psicologia e Educação: acertos e desacertos  16 Conceitual em Vygotsky  62
O objeto de estudo da Psicologia da Educação  17
Relações interpessoais entre quem aprende e AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DA CRIANÇA
quem ensina  18 A brincadeira do Faz-de-Conta  66
O Brincar na Vida da Criança  68
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS DO O Brincar, a Abstração e o Simbolismo de Segunda
APRENDER E DO ENSINAR Ordem  69
Concepções de infância  22
Infâncias hoje e o papel da escola  24 O MUNDO DOS AFETOS
A vida afetiva e as ideias da Psicanálise  72
A CRIANÇA NA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Freud e o afeto  73
Concepções de criança: o lugar da criança no A escola, os alunos e o professor: o problema está
construtivismo piagetiano  27 dentro ou fora da escola?  74
A criança no construtivismo histórico-cultural de O afeto em Vygotsky, Wallon e Piaget  75
Vygotsky  29
UM NOVO OLHAR SOBRE A (IN)DISCIPLINA
DESENVOLVIMENTO HUMANO E OS FATORES Indisciplina na sala de aula  78
INTERVENIENTES DESTE PROCESSO A criança e a regra: o juízo moral na criança  79
O ponto de vista inatista-maturacionista  32 Piaget e a consciência da regra  81
O ponto de vista comportamentalista  32
Teorias psicogenéticas  34 A CRIANÇA E A REGRA NO DESENVOLVIMENTO
Jean Piaget  34 INFANTIL
Lev Semenovich Vygotsky  35 Anomia, heteronomia e autonomia  83
Respeito unilateral e educação autoritária  83
OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO E Autonomia, respeito mútuo e cooperação  84
APRENDIZAGEM NA TEORIA PSICOGENÉTICA DE Os conflitos e as sanções na visão piagetiana  86
PIAGET
Epistemologia genética de Jean Piaget  38 A CRIANÇA, A ESCOLA E A REGRA
Estágios sucessivos de desenvolvimento da Os limites na escola  88
inteligência  40 Regras negociáveis e não negociáveis  89
Formas cooperativas de trabalho escolar: o
PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY NO trabalho em grupo  90
DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM A formação ética do educador  91
A mediação na teoria de Vygotsky  44
A linguagem  45 ELEMENTOS COMPLEMENTARES  94
A formação das funções psicológicas superiores  46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  98
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a), você está iniciando agora seus estudos no campo da psicologia.
Em nossa vida cotidiana, a todo momento convivemos com alguns temas dessa área de
conhecimento e ouvimos dizeres como: “Isso é psicológico!” Entretanto, esses psicolo-
gismos ou “pseudopsicologia” do dia a dia são apenas formas populares e não científicas
de falar de psicologia.
Neste livro, vamos tratar do longo caminho percorrido pela psicologia para tornar-se
ciência e identificar os processos históricos e os sistemas teóricos das quais ela se origi-
nou. Também serão apresentados projetos das escolas de psicologia, seus precursores,
suas propostas e a forma de compreender o ser humano e suas vicissitudes, além de
discutirmos a importância do epistemólogo Jean Piaget, compreendido como marco
teórico único devido às suas imensas contribuições.
Nossa reflexão também será sobre a configuração progressiva da psicologia da edu-
cação até se tornar uma psicologia a serviço da educação (denominada de disciplina-
-ponte), sobre as concepções de infância na história da civilização e na escola contem-
porânea e, consequentemente, sobre a Psicologia da Educação e de que forma ela pode
contribuir com o trabalho pedagógico.
Outros pontos importantes que vamos estudar são a teoria de Piaget e a concepção
de criança no construtivismo piagetiano, a visão histórico-cultural de Vygotsky e suas
contribuições para entender como o ser humano se apropria da cultura e ao mesmo
tempo a produz e a relação entre desenvolvimento e aprendizagem com ênfase na me-
mória, atenção, percepção e emoção.
Vamos conversar também sobre as definições de Vygotsky quanto à linguagem e
o pensamento, a importância da qualidade das interações ocorridas na escola, os co-
nhecimentos formais (ou escolares) e o conhecimento do cotidiano e as várias formas
como a criança pode se expressar. Aqui, faz-se importante falar sobre a brincadeira do
faz-de-conta e de como o professor pode interagir melhor com a criança se observar o
seu brincar e se comunicar com ela pela linguagem lúdica.
No caminho, vamos falar um pouco sobre as ideias da Psicanálise de Sigmund Freud,
“o pai da psicanálise” - digo um pouco porque os pressupostos da Psicanálise são exten-
sos e não seria possível aprofundar, visto os objetivos desse momento. Mas Freud nos
traz contribuições importantes sobre a afetividade e o desenvolvimento psicológico, e
sobre esse assunto, retomaremos Vygotsky e Piaget, além de Wallon.
Nossa conversa também abordará a (in)disciplina, tema que têm sido alvo de muitas
pesquisas em Educação, Psicologia, entre outras áreas. Partindo desse ponto, entrare-
mos em outras questões que fazem parte desse contexto e assim propomos reflexões
e trazemos suportes teóricos, principalmente, referentes ao desenvolvimento moral e à
ética. Como educadores, buscamos, além de formar academicamente o aluno, alcan-
çá-los no campo moral e ético em favor da harmonia social. Dessa forma, apontaremos
aqui a causa e a importância dessa formação.
Ainda no campo do desenvolvimento moral, falaremos dos pressupostos da constru-
ção do juízo moral e identificaremos as modalidades básicas das regras. Em um outro
nível, veremos o caráter propriamente moral da regra, em que a criança começa a perce-
ber os conteúdos morais sem a vigília externa, que é propriamente a autonomia moral.
Por último, mas não menos importante, convidamos você a se lançar no mundo éti-
co e moral para refletir sobre a prática pedagógica e sobre as relações sociais das quais
você faz parte. Trataremos também da importância da reciprocidade nas relações entre
professor e aluno e refletiremos sobre a autoridade do professor para trabalhar os limites.
Enfim, desejo-lhe muito sucesso nessa jornada pelo conhecimento, e que possamos cons-
3
truir vínculos que desabrochem o interesse pelo conhecimento! Tenha um ótimo estudo!
AULA 01

O SURGIMENTO
DA PSICOLOGIA
Estamos iniciando a nossa conversa sobre Psicologia. Para tanto, é preciso registrar que
vamos transitar entre duas psicologias: a Psicologia Geral e a Psicologia da Educação,
pois dado o vasto campo dessa ciência, faz-se necessário este registro.
O objetivo desta aula é identificar os processos históricos e os sistemas teóricos dos
quais se originaram a Psicologia como ciência.
Podemos definir Psicologia como o estudo científico do comportamento e dos proces-
sos mentais. Parece simples a definição, porém, a variedade desses tópicos é estonteante,
já que eles cobrem várias áreas de pesquisas que também se ramificam e tecem uma
grande rede de conhecimentos, que foram objeto de grandes estudos durante séculos.
A Psicologia afeta sua vida sem que você perceba. Ela influencia leis, propagandas,
programas de televisão e marketing, entre outros. Mesmo que você não queira se espe-
cializar nesta área, é importante que tenha algum conhecimento a respeito.
As teorias e pesquisas psicológicas têm corroborado com a criação de leis envolven-
do discriminação, pena de morte, pornografia, comportamentos sexuais, etc. Pensemos
agora na televisão: os programas atuais passam por revisões e são submetidos a leis.
Portanto, são menos violentos, pois, a partir de estudos, a psicologia apresentou evidên-
cias e comprovou os efeitos nocivos desses programas sobre as crianças. Dessa forma,
pode-se modificar as políticas de programação das emissoras (ATKINSON, 2002).

A psicologia e sua influência em nossa vida diária


Fonte: Pixabay.

A exemplo de outras áreas, a psicologia como ciência encontra dificuldades para se so-
lidificar cientificamente de forma autônoma e indiscutível no ramo das ciências, prin-
cipalmente devido a uma “pseudopsicologia”. A título de exemplo concreto, pense nes-
sas revistas geralmente encontradas nas salas de espera dos consultórios médicos, nas
quais encontramos testes, perguntas e respostas rasas sobre todas as coisas. Essas inda-
gações ocorrem desde há muito tempo, como na famosa pergunta do grande filósofo
Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo?”.
Outro fator a ser considerado é a suposta “separação” que a psicologia precisou fazer
com a filosofia. Conforme Salvador (1999), durante o final do século XIX, a psicologia co-
meçou a manifestar um forte interesse em se distanciar da filosofia e se transformar em
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uma disciplina científica e autônoma.
PROCESSOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS
QUE DERAM ORIGEM À PSICOLOGIA

Desde há muito tempo, somos intrigados com questões essencialmente humanas:


“Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos?” Cada povo, grupo ou cultura
busca, da sua forma, encontrar respostas e sentido para a vida.
Na antiguidade, quando as pessoas queriam respostas, buscavam compreender os
mitos. Para Chauí (2000), o mito narra a origem das coisas, do homem ou de algo que
esteja ligado à existência humana. Você pode se perguntar: “Por que o mito tinha tanto
valor?” Porque as respostas tinham caráter sagrado e vinham de uma revelação divina,
que era incontestável. Durante muito tempo, ocorreu dessa forma.
Apoiados em Chauí (2000), podemos dizer que por volta de 600 anos a.C. os gregos
perceberam que podiam pensar por eles próprios, e assim construir respostas para suas
perguntas. Dessa forma, surge a Filosofia, que busca respostas apoiadas na razão. A dis-
cussão sobre a origem da razão ocorre até hoje. Existem muitas dúvidas sobre como
se deu a capacidade do homem de pensar, intuir ou raciocinar. Nascemos com essa
capacidade? Ela nos é dada pela educação? Pela cultura? Ou ainda, é adquirida pela ex-
periência? Muitos filósofos debateram esse tema e então surgiram algumas propostas.
Platão e Descartes defenderam a ideia de que a razão é inata. Derivada dessa afir-
mação, temos a posição conhecida como inatismo. Conforme o inatismo, nascemos
dotados de inteligência, de princípios racionais e ideias. A mais famosa frase inatista é:
“Penso, logo existo” (CHAUÍ, 2000).
Na contramão dessa ideia, temos Locke e Hume, com o empirismo, que aposta que
nascemos como uma tábula rasa, uma folha em branco, onde a razão e as ideias vão
sendo adquiridas e impressas em nós por meio de experiências. Dessa forma, estamos
todos dependentes do ambiente no qual vivemos (CHAUÍ, 2000).
Para temperar essa discussão, temos Kant, no século XVIII, afirmando que o conheci-
mento racional não é nem inato, nem adquirido. Para Kant, a razão ocorre na articulação
dessas instâncias, ou seja, na junção do inatismo com o empirismo. Esses dois modelos
isolados deixam a desejar em algum momento. Em Kant, a estrutura da razão é inata
e também universal, os conteúdos são empíricos e podem se transformar conforme as
experiências. Com isso, Kant identifica lacunas tanto dos inatistas quanto dos empiristas
(CHAUÍ, 2000).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Quando você se deparar com uma criança que está apresentando dificulda-
des de aprendizagem, você irá dispor de que tipo de visão? Temos a inatista,
aquela que acredita que já nasceu assim, não tem jeito! Ou ainda: é imatura!
Podemos ser empiristas, com a ideia de que o problema está no ambiente.
Mas se você concordar com as ideias de Kant, entendendo que o sujeito vem
ao mundo com muitas possibilidades, e que o problema apresentado pode
estar em vários locais e situações, dentre eles a família, a escola, o material
didático, nas relações sociais e outros.
Fonte: Elaborado pela autora.

6
PRESSUPOSTOS
SOBRE O CONHECIMENTO

As ideias e os pressupostos trabalhados no inatismo de Platão e Descartes, no empiris-


mo de Locke e Hume e ainda nas ideias kantianas nos servem de base para compreen-
der muitos processos educativos.

Onde está o conhecimento e a verdade?


Fonte: Pixabay.

ISTO ESTÁ NA REDE


Metáfora dos cegos e o elefante: história do folclore Hindu, em que sábios
cegos apalpam as partes do corpo de um elefante em busca da verdade.
Conforme tateiam discorrem pela verdade. O resultado dessa experiência
é incrível!
Fonte: <http://www.esalq.usp.br/lepse/imgs/conteudo_thumb/Os-Cegos-e-o-Elefante.pdf>

DOIS GRANDES
MOMENTOS DA PSICOLOGIA

Como já trabalhamos, a Psicologia nasceu da Filosofia. Vamos trabalhar dois momentos


muito importantes para a psicologia. O primeiro ocorre quando a humanidade utiliza de
narrativas míticas para explicar sua vida, sua origem no mundo.
O outro momento é o que chamamos de psicologia científica. O problema é que para
uma área de conhecimento tornar-se reconhecida como ciência, ela precisa ter seu objeto
independente, ou seja, precisa deixar claro que irá se ocupar de algo cuja especificidade
nenhuma outra ciência atende. Parece simples, mas não é! Por exemplo, o estudo do ho-
mem pode vir a ser objeto de várias ciências. Portanto, é necessário demarcar qual dimen-
são do homem certa ciência irá assumir como área de sua competência. No caso da psi-
cologia, o objeto definido incialmente foram os processos mentais (FIGUEIREDO, 2008).
Para atender a essas exigências, nesse período de transição, a atuação de Wundt foi
decisiva. Foi se firmando uma nova ciência, que surge por volta de 1879, fundada por
Wundt (1832-1920), fisiólogo alemão, pioneiro na Psicologia Experimental, que criou o
7
primeiro laboratório de Psicologia Experimental, em Leipzig, na Alemanha, completan-
do as condições de cientificidade exigidas: objeto próprio, método científico adequado
e laboratório para realização de experimentos. Tudo isso marca a entrada da psicologia
como ciência independente. Wundt e Titchener (1867-1927) fundam a escola que respon-
de pelo nome de estruturalismo, que define a psicologia como ciência da consciência.
Para Wundt, a psicologia era algo muito complexo, pois precisava unir dois campos
para explicar e compreender a experiência humana e imediata: o das ciências naturais
e o da cultura. Entretanto, na hora juntar esses dois campos e transformá-los numa uni-
dade psicofísica, as dificuldades eram imensas, por isso, a maioria de seus discípulos
desistiu de acompanhá-lo e foi atrás de teorias mais simples, porém, por consequência,
menos confiáveis (FIGUEIREDO, 2008).
Os experimentos do psicofisiologista compreendem as sensações, percepções, sen-
timentos e emoções por meio do método de “introspecção”, método e termo criados
por ele. Nesse laboratório de Psicologia Experimental, Wundt se baseia em pressupostos
empiristas e trabalha com comportamentos humanos que poderiam ser medidos, mo-
delados e controlados. Desde então, Wundt ficou conhecido como o “pai da psicologia
moderna” (BOOK; FURTADO; TEIXEIRA, 2005).

ANOTE ISSO
A psicologia que acaba de se separar da Filosofia é a disciplina para a qual
estão voltados todos os olhares e na qual são depositadas as maiores ex-
pectativas como fonte de informação e de ideias para a elaboração de uma
teoria educativa de fundamento científico que permitirá melhorar o ensino
e intervir sobre os problemas que se apresentam de forma generalizada.
Como resultado das expectativas que foram depositadas a partir do mundo
da educação, nasce a Psicologia da Educação. Isso ocorre por volta da pri-
meira década do século XX (SALVADOR, 1999, p. 22).

Como vimos, a psicologia nasceu e se desenvolveu no meio de muitos debates filosó-


ficos, fisiológicos, sociais e culturais. Portanto, todas as reflexões vindas dessas diversas
ciências pouco a pouco foram se tornando ideias psicológicas que os seres humanos fo-
ram produzindo acerca deles mesmos. Compreender e discorrer sobre o que vem a ser
essa ciência tem demandado grande esforço por parte dos pesquisadores e estudiosos
dessa vasta e tão importante área de conhecimento.
A história da Psicologia da Educação se mistura e se confunde com a da própria
psicologia científica. Temos alguns pontos e marcos teóricos que merecem destaque e
também nossa atenção. A psicologia da educação surge com o ofício de auxiliar na área
da educação, até aqui estamos certos, não é mesmo! Portanto, vamos acompanhar o
marcos teóricos e os principais projetos de psicologia.
O processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia conversa intimamente com
o debate educacional e pedagógico ocorrido na primeira década do século XX. Isso posto, po-
demos afirmar que psicologia e educação são mutuamente constituintes (ANTUNES, 2008).
Os estudos em psicologia se desenvolvem marcados por contradições: por um lado,
a ciência moderna pressupõe sujeitos livres; por outro lado, deseja conhecer e domi-
nar a si mesmo, ou seja, quer dominar sua própria subjetividade, de forma a garantir
a objetividade e eliminar as diferenças individuais. Muitos psicólogos se contrapõem a
essa meta e desejam o contrário. Querem conhecer os aspectos profundos do “eu” para
expandi-los, para fazê-los mais fortes e livres. Pensando dessa forma, deseja fazer da psi-
cologia uma ciência com campo e objeto próprios (FIGUEIREDO, 2008).
8
Diante desses elementos apresentados, acredito que estamos em condições de
compreender os principais projetos de Psicologia.
AULA 02

CONTRIBUIÇÕES
DA PSICOLOGIA
CIENTÍFICA
Depois dos pressupostos de Wundt, são inúmeros os autores que vão tentar inserir a
psicologia no campo das ciências. Veremos perspectivas teóricas distintas e até confli-
tantes, ora o comportamento e o desenvolvimento humano acontecem por processos
biológicos, ora como produto do ambiente.
O objetivo desta aula é apresentar um breve histórico da psicologia científica e seus
projetos de psicologia, bem como os pressupostos epistemológicos que serviram de
base para essas ideias.

ORIGENS DAS PERSPECTIVAS


E PROJETOS DE PSICOLOGIA

Temos a psicologia funcional, que surgiu nos Estados Unidos, representada por alguns
autores, dentre eles, J. Dewey (1859-1952). O funcionalismo é a primeira reação contra a
escola de Wundt. Ao contrário do estruturalismo, que analisa a mente e sua estrutura,
os funcionalistas concentram suas atenções no “para que serve” e “qual função”. Dessa
forma, a psicologia para o funcionalismo é o estudo da vida psíquica constituindo um
instrumento de adaptação ao meio. Essa escola é uma ciência biológica que se interessa
em estudar os processos, as operações e atos psíquicos (mentais) que se expressam em
comportamentos e que podem ser observáveis (FIGUEIREDO, 2008).

Compreendendo a mente humana


Fonte: Pexels.com

Comportamentalismo: originariamente representado por B. Watson (1878-1958). Nessa


corrente, o objeto não é a mente e sim o próprio comportamento e suas interações. O
método é a observação e a experimentação, envolvendo comportamentos observáveis e
evitando a auto-observação. Watson propõe estudar o comportamento e suas relações
com o ambiente (FIGUEIREDO, 2008).
Watson (1878-1958) sustentava a ideia de que estudando o que as pessoas fazem
10
(seus comportamentos), é possível obter uma ciência objetiva. Dessa maneira, essa psi-
cologia foi chamada de behaviorismo. Dando corpo e sentido a essas ideias, temos o
neobehaviorismo de B. F. Skinner (1904-1990). Skinner deu enormes contribuições ao
estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes. Esse autor, quando se
propõe a falar de subjetividade, não duvida das sensações e dos pensamentos, mas tra-
ta de buscar entender sua gênese e natureza, além de acreditar que é o meio, que é a
sociedade que controla o comportamento. Para Skinner, as experiências subjetivas são
sempre construídas pela sociedade, pois é nela que se aprende a falar. A linguagem é
social mesmo quando se trata do mundo privado. O que sinto e o que vejo tem a ver
com a maneira com a qual a sociedade nos ensinou. O projeto de psicologia skinneriano
é caracterizado como reconhecimento e crítica da noção de experiência imediata a par-
tir do ponto de vista social (FREIRE, 2002).

ISTO ESTÁ NA REDE


Watson e Skinner foram os principais behavioristas, ambos pioneiros da psi-
cologia científica. Conheça as diferenças entre o behaviorismo representado
por Watson e o noebehaviorismo de Skinner.
Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=ipHFpXAgjiA

Ainda no início do século XX, na Alemanha, surge outro projeto, denominado de Psico-
logia da Gestalt, cujo ponto de partida é o estudo da percepção, sendo esta a psicologia
da totalidade. Para os autores do gestaltismo, dentre eles M. Wetheimer (1880-1943), o
conceito permite unificar todas as ciências físicas, biológicas e da cultura, de forma que
a psicologia não precisa se repartir entre elas para existir. Para os gestaltistas, são dois os
aspectos essenciais: primeiro o reconhecimento de que a experiência é imediata, e se-
gundo é a preocupação em relacionar essa experiência com a natureza física, biológica
e com o universo dos valores socioculturais (FIGUEIREDO, 2008).

O que você vê?


11
Fonte: Pixabay.
Como você pode perceber, o fim do século XIX e início do século XX foram marcados
pelo nascimento das grandes escolas psicológicas. Entre elas, não podemos deixar de
mencionar a Psicanálise de Sigmund Freud (1856-1939), que nasce juntamente com o
funcionalismo e a Gestalt. A psicanálise é a escola que mais se distancia das escolas de
psicologia por estudar de modo especial as perturbações mentais. Freud ainda estuda
a importância da infância na formação do caráter do indivíduo, na formação do senti-
mento de angústia e das neuroses. Sobre a psicanálise freudiana há muito que se falar,
mas nos deteremos aqui, pois no momento não nos convém adentrar nos conceitos
psicanalíticos (FREIRE, 2002).

A PSICOLOGIA APLICADA AO
DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM

Nessa psicologia científica que está se configurando aos poucos, surge uma área de
interesse e de questionamento denominada Psicologia da Educação, que engloba tra-
balhos e pesquisas sobre aprendizagem, testes mentais, medidas de comportamento,
psicologia da criança e de alguma forma se refere à problemática educativa e escolar.
Durante as duas primeiras décadas do século XX, todas as áreas de investigação psicoló-
gica são consideradas úteis para a educação (SALVADOR, 1999).
A psicologia da educação se destaca na primeira década do século XX por desejar
aplicar à educação todos os conhecimentos relevantes descobertos pelas pesquisas: o
estudo e a medida das diferenças individuais, a elaboração de testes, a análise dos pro-
cessos de aprendizagem e a psicologia da criança. Enquanto isso, na Europa, temos um
psicólogo francês chamado Alfred Binet (1857-1911), autor da Escala Métrica da Inteligên-
cia, cujo uso perdurou por muitas décadas.
Para que você se familiarize com essa informação, lembremos o famoso Teste de QI.
Sim! Foi Alfred Binet quem construiu o teste que mede a inteligência de crianças e de adul-
tos. À psicologia são rendidas muitas críticas, pois a psicometria trouxe para a ciência uma
forma de validar atitudes discriminatórias que gerou grandes problemas, como por exem-
plo, a evasão escolar, a repetência e as salas especiais onde se acumulavam crianças com
dificuldades que acabavam desistindo de dar sequência aos estudos (SALVADOR, 1999).

ANOTE ISSO
A Psicologia da Educação distingue-se das outras especialidades da psicolo-
gia porque proporciona conhecimentos específicos sobre o comportamento
humano em situações educacionais. Sua principal tarefa consiste em elabo-
rar instrumentos teóricos tomando como ponto de partida as contribuições
da psicologia científica, seus instrumentos teóricos, conceituais e metodo-
lógicos relevantes para compreender o comportamento humano nos am-
bientes educacionais e poder intervir neles (COLL; MARCHESI; PALACIOS,
2004, p. 24).
12
JEAN PIAGET: UM MARCO TEÓRICO ÚNICO

Vimos que a Psicologia da Educação é a disciplina nuclear da teoria educativa. Junta-


mente com essa ideia de núcleo, vamos trazer à tona as ideias de Jean Piaget (1896-
1980). As ideias e análises de Piaget preparam um terreno para algumas inferências e
reflexões sobre o ensino. Piaget define sua metodologia como a Epistemologia Genéti-
ca, porque estuda os processos mediante os quais a criança passa de estados de menor
conhecimento, para estados mais avançados. A palavra genética está ligada a gênese,
que significa origem e construção. Vem dessa terminologia o nome “construtivismo ge-
nético”, por meio do qual Piaget explica o movimento de construção do conhecimento
(FIGUEIREDO, 2008).
Na virada do século XIX, a reflexão pedagógica sofre uma virada. A escola clássica é
criticada juntamente com seus métodos tradicionais, em que a autoridade ocupa um
lugar excessivo e impede a criança de descobrir por si mesma. Na pedagogia clássica,
o programa gira em torno do professor; já na nova pedagogia pretende centrar-se na
criança. Em 1921, Piaget chega ao Instituto Jean-Jaques Rousseau e participa de reu-
niões e conferências sobre educação. Em 1929, torna-se diretor e permanece no cargo
até sua renúncia em 1967. Piaget formula o problema da educação a partir do método
e vai opor-se radicalmente ao ensino baseado na transmissão oral e na autoridade (PIA-
GET, 1998).
Piaget ainda analisa a pedagogia e a psicologia e acaba por estabelecer uma relação
de dependência entre elas.

[...] todo educador deve conhecer não apenas as matérias a ensinar, mas
igualmente os mecanismos subjacentes às operações da inteligência e,
por isso mesmo, às diferentes noções a ensinar (PIAGET, 1998, p. 17).

Piaget traz a dimensão científica para a escola ativa e faz muitas referências ao papel do
professor e sua importância na educação de crianças. Para o autor, o professor deve fa-
zer o papel de fornecer informações, mas jamais deve impor a verdade, para que a crian-
ça possa de fato encontrar soluções para os seus problemas, utilizando de seus próprios
recursos intelectuais. “Que o professor cesse de ser conferencista, que ele estimule a
pesquisa, que ele não transmita soluções prontas”, diz Piaget (PIAGET, 1998, p.21). Enfim,
nos anos de 1970, Piaget, pede que o professor estimule seus alunos à pesquisa e que o
próprio professor se torne um pesquisador (PIAGET, 1998).
Jean Piaget estuda o funcionamento das funções cognitivas e da moralidade com o
chamado “Método Clínico”. Nesse método, ele observa o comportamento das crianças
e pede que elas descrevam e justifiquem o que estão fazendo. O objetivo era entender
a experiência imediata das crianças, como elas percebem as coisas e como pensam (FI-
GUEIREDO, 2008).
Piaget concebe o desenvolvimento como sucessão de três estágios, que se dividem
em três grandes períodos que trataremos mais adiante. O autor se utiliza de alguns fa-
tores para explicar o desenvolvimento, tais como maturação e experiência com objetos
e com as pessoas, e ainda evoca um quarto fator chamado de equilibração. Piaget e seus
colaboradores da escola de Genebra tornam-se responsáveis pelo mais potente e mais
compreensivo modelo de sistema explicativo de desenvolvimento humano, utilizado até
a atualidade (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004).
Com o construtivismo de Jean Piaget, passamos a contar com uma teoria consisten-
te que nos apoia no sentido de compreender como se dá, entre outras coisas, a constru-
ção do conhecimento. Como esse teórico merece maior destaque, reservamos para ele
13
um espaço neste material, onde iremos buscá-lo mais profundamente.
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
É muito importante que os profissionais da educação saibam compreender
as relações entre o ensinar e o aprender. Vimos alguns dos caminhos per-
corridos pela psicologia para configurar-se como ciência. Você também está
construindo seu caminho, caro aluno! Vimos que a psicologia passou por
acertos e desacertos, não podemos dizer que foi algo linear, houve cami-
nhos tortuosos. O ideal é nos apoiarmos em ideias integradas, na prática da
docência, não é possível ficar apenas pensando no ambiente ou apenas no
âmbito biológico. Lembre-se: o ser humano é biológico, psíquico e social.
Fonte: Elaborado pela autora.

14
AULA 03

PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO E SUAS
CONTRIBUIÇÕES PARA
O CAMPO DA EDUCAÇÃO
Durante um longo período, a Psicologia da Educação mostrou-se como a “rainha das
ciências da educação”. A formação de professores, por exemplo, tem sua base na história
da educação e da psicologia com as contribuições sobre a medida das diferenças indi-
viduais e do rendimento escolar e com a psicologia do desenvolvimento, que deram à
psicologia status científico (SALVADOR, 1999).
A Psicologia da Educação pode ser considerada uma subárea da psicologia, que tem
como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico no processo
educativo. Nos anos finais do século XIX e nos primeiros anos do século XX, acontece-
ram mudanças profundas na sociedade brasileira. O debate sobre a educação come-
ça a tomar forma, influenciado pelas ideias pedagógicas crescentes e dos princípios da
Escola Nova. As escolas normais passaram a ser o principal centro de propagação das
novas ideias, com vistas à formação de professores. Dessa forma, percebemos uma in-
terdependência entre psicologia e educação a partir da articulação entre saberes teóri-
cos e prática pedagógica. O processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia
conversa intimamente com o debate educacional e pedagógico ocorridos na primeira
década do século XX. Isso posto, podemos afirmar que psicologia e educação são mu-
tuamente constituintes (ANTUNES, 2008).
O objetivo desta aula é trazer para reflexão conceitos importantes dentro da psico-
logia da educação, identificando neles conhecimentos relevantes para compreender as
principais contribuições e as relações entre o ensinar e o aprender.

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: ACERTOS E DESACERTOS

Segundo Coll, Marchesi e Palacios (2004), a psicologia e a educação passarem por mui-
tas fases no decorrer do século XX. Somente a partir de 1960 foi que as relações começa-
ram a se dar em uma dupla direção. É a fase que corresponde à psicologia da educação
como disciplina-ponte. Essa nova forma significa uma renúncia ao reducionismo psico-
lógico, em que as relações já não são mais vistas em uma única direção. Vamos esclare-
cer essas diferenças:

Duas psicologias da educação em contraposição.


16
Fonte: Elaborado pela autora. Baseado em Coll, Marchesi e Palacios (2004).
A psicologia da educação pode em muito contribuir com a escola, com os professores e
com os escolares. Quantas vezes nos sentimos angustiados diante de situações em que
o aluno não consegue aprender? Ou quando nos vemos diante de alunos agressivos e
ouvimos as queixas de profissionais da educação ante as incivilidades que eles presen-
ciam nas salas de aula e então nos perguntamos: o que fazer? Sim, ser professor é um
desafio. A psicologia da educação deveria ajudar-nos com essas situações, porém, vimos
que não devemos pensar de forma reducionista ou apenas “psicologizante”. A psicologia
contribui sim, mas o interessante é que cada situação seja vista na sua particularidade,
com apoio de diversas vertentes e com outras disciplinas tais como a Sociologia, a Didá-
tica e quais outras forem necessárias para um olhar multidisciplinar.

Articulando os saberes em educação.


Fonte: Pixabay.

ANOTE ISSO
Partindo da perspectiva de compreender a Psicologia da Educação como
disciplina-ponte, interdependente, consequentemente nos leva a pensar
sobre a complexidade dos fenômenos educativos, sua compreensão e sua
interpretação exigem apreciação de diversas disciplinas, cada qual com seu
ponto de vista peculiar. Caracterizar a psicologia da educação como discipli-
na-ponte é o mesmo que admitir que as suas relações com as demais áreas
de estudo são essencialmente bidirecionais (SALVADOR, 1999).
17
O OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

A Psicologia da Educação, como um mero campo de aplicação do conhecimento psico-


lógico, é uma forma simplista, unilateral e rasa de conceber a relação entre psicologia e
educação.
Desde já, desejo expressar que as definições que trataremos se ajustam à concepção
da psicologia da educação como disciplina-ponte. Feito esse acerto, seguimos com as
ideias de Cool, Marchesi e Palacios (2004), que discorrem sobre essas propostas de for-
ma clara recorrendo a dois grandes blocos de conteúdos dos quais irá tratar:

1. As mudanças comportamentais ocorridas como resultado de sua participação em


situação ou atividades escolares e/ou educacionais;
2. Os fatores, as variáveis educativas que, de forma direta ou indireta, se relacionam
com esses processos de mudanças de comportamento.

Os fatores do primeiro bloco são especificamente os processos de aprendizagem, de


desenvolvimento e de socialização. Na natureza desses processos, as teorias, os modelos
que os explicam, estão sobretudo as relações em diferentes dimensões e outros impli-
cadores, como a cultura, o desenvolvimento, a aprendizagem e a socialização, formando
o conjunto mais importante da psicologia da educação.
Devido ao seu panorama complexo e dadas as variáveis e às dimensões que se rela-
cionam, Coll e seus colaboradores (2004) propõem a organização dos fatores do segun-
do bloco em dois grupos:
•• Intrapessoais ou internos:
•• Nível de desenvolvimento;
•• Maturidade intelectual, emocional, social, relacional e psicomotora;
•• Experiências e conhecimentos prévios;
•• Características atitudinais (capacidade de aprender), afetivas (motivação, inte-
resse) e de personalidade (estilo de aprendizagem, nível de ansiedade, auto-
conceito, autoelaboração e autoeficácia).
•• Interpessoais, relacionados ao ambiente ou a situações escolares:
•• Características do professor, conhecimento da matéria, preparação pedagógi-
ca, traços de personalidade e características afetivas;
•• Fatores de grupo e sociais e relações interpessoais dentro da instituição educativa;
•• Condições materiais (recursos didáticos);
•• Metodologia de ensino utilizada, intervenções pedagógicas, contexto institucional.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Do ponto de vista prático, pense que na sua sala de aula há certo(a) aluno(a)
que se comporta de forma agressiva, atrapalha a rotina diária e se opõe pon-
tualmente às suas solicitações e orientações. Conforme trabalhamos, pode-
mos pensar em fatores de ordem intrapessoal (personalidade do escolar,
questões de ordem afetiva, motivacional) e de ordem interpessoal (dificul-
dades nas relações sociais). Todo esse olhar atento e investigativo sobre os
fatos, sobre a busca de estratégias de como lidar com esse aluno com o ob-
jetivo de construir mudanças são algumas das contribuições da psicologia
da educação para o ofício do professor.
Fonte: Elaborado pela autora.
18
RELAÇÕES INTERPESSOAIS ENTRE QUEM APRENDE E QUEM ENSINA

Acompanhamos que toda aprendizagem acarreta dois processos muito diferentes: um


processo interno, psicológico de elaboração e aquisição, e outro processo externo, de
cunho sociocultural. Sendo assim, não é possível mais utilizar a velha forma mecânica
de ensinar. Na verdade, isso nunca deu certo, porém, atualmente temos a nosso dispor
pesquisas diversas que comprovam esse fato. Já nos dizia Paulo Freire nas suas críticas
ao que ele denominou de “educação bancária”:

Faz críticas intensas a relação professor-aluno, a relação de quem apren-


de com quem ensina se mostra desleal, falha, assimétrica. Esta forma de
lidar com o sujeito, faz com que todo o sentido se perca, pois, ele não é
sujeito de suas ações, apenas executa a ordem (FREIRE, 1997, p. 57).

É importante dar ao escolar a possibilidade de ser sujeito de suas ações e a chance de


ser responsável por seus atos e por suas escolhas, além de aprender o sentido de suas
ações. O professor não deve ocupar o lugar de doador do saber e o aluno o de recipiente.
O professor precisa e deve ter domínio pedagógico e da didática dos conteúdos, pois ele
é professor! O que desejo ressaltar é sua conduta, sua postura diante do sujeito apren-
dente; sujeito esse que necessita ser desafiado, ser levado a inquirir, a criar, a construir,
enfim, ser sujeito do processo juntamente com o professor.
Essa forma de pedagogia abordada por Freire (1997) somente será possível a partir
de um olhar sensível e reflexivo, que faz a leitura do individual e do social de forma con-
jugada. Nesse sentido, a psicologia da educação e outras disciplinas parceiras ajudam a
escola a repensar suas relações com o sujeito aprendente. Espero que a disciplina psi-
cologia da educação possa contribuir para sua formação de modo que você, caro aluno,
problematize, pense e transforme as pessoas e os espaços por onde passar.
Weiss (2002) chama a atenção para o social que permeia todas as situações de de-
senvolvimento e aprendizagem,

[...] a ideia básica de aprendizagem como um processo de construção que


se dá na interação permanente do sujeito com o meio que o cerca. Meio
esse expresso inicialmente pela família, depois pelo acréscimo da escola,
ambos permeados pela sociedade em que estão (WEISS, 2002, p. 26).

A autora propõe que o sujeito aprendente seja visto em todas as dimensões em que é
acometido: orgânica, cognitiva, emocional, social e pedagógica. Entretanto, ela dá maior
enfoque ao social, pois este está presente na vida da criança desde o início da vida dela.

ISTO ESTÁ NA REDE


Tese de Mestrado apresentada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, em
que a autora Valéria Lima investiga se os conteúdos apresentados na disci-
plina Psicologia da Educação (dada sua importância) nos cursos de forma-
ção de professores atendem as necessidades do cotidiano profissional do
professor das séries iniciais.
Acesse: <http://www.fe.ufrj.br/ppge/dissertacoes/valerialima.pdf>
19
Podemos dizer que a psicologia da educação, juntamente com outras disciplinas, cola-
bora na tarefa de pensar as relações intra e extraescolares, fornecendo subsídios para
que você possa lidar com os problemas da vida escolar: violências, transgressões e difi-
culdades de aprendizagem, entre outros. A ideia de disciplina-ponte seria exatamente
ajudar na resolução de problemas que ocorrem na escola e colaborar na prática educa-
tiva e no planejamento de ações que conduzam a situações eficazes de aprendizagem,
no desenvolvimento e também nos processos de socialização, pois ensino e aprendiza-
gem conversam intimamente com a concepção de ensino e de aprendizagem que o
professor adota e pratica.

20
AULA 04

PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS
DO APRENDER E DO ENSINAR
Caro(a) aluno(a), antes mesmo de adentrarmos o tema desta aula, gostaria de propor
que pensássemos sobre quem é o sujeito que aprende. Buscaremos construir o concei-
to de criança e compreender como a infância foi se modificando na história da huma-
nidade, e veremos que as visões de infância são construídas social e historicamente. O
objetivo dessa aula é analisar as concepções de infância na história da nossa civilização
e tratar da infância na atualidade e na escola.

CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA

Iniciaremos nossa reflexão, na concepção de infância na civilização ocidental, voltada


às ideias e às construções teóricas de Phillipe Ariès, historiador francês pioneiro nesta
área de estudo. Na Idade Média, não se falava sobre sentimento de infância, pois naque-
la época não se dava a devida atenção a essa fase como ocorre atualmente. Tão logo
crescia e não necessitava tanto de sua mãe, a criança já estava pronta para ser inserida
na sociedade e para trabalhar. Suas roupas eram réplicas de roupas adultas, eram des-
confortáveis e impossibilitavam movimentos mais soltos e atrapalhavam correr, brincar,
enfim, ser criança. As moradias não tinham espaços internos demarcados, não havia
especialização de interiores, os cômodos se comunicavam uns com os outros, não se
fala em privacidade nesse contexto, partilhavam-se todos os momentos do dia a dia e
neste espaço as pessoas nunca ficavam a sós. A infância terminava aos sete anos e a vida
adulta iniciava imediatamente (ARIÈS, 1981).
Segundo Postman (2011), a criança que vemos hoje não existia na Idade Média, pois
eram homens em miniatura, além de serem expostas a todo tipo de convivência, in-
cluindo o trabalho.

E por isso as pinturas coerentemente retratavam as crianças como


adultos em miniatura, pois logo que as crianças deixavam de usar cuei-
ros, vestiam-se exatamente como outros homens e mulheres de sua
classe social (POSTMAN, 2011, p. 32).

Adultos em miniatura.
22
Fonte: Pixabay.
Para Ariès (1981), o sentimento de infância pode ser separado em dois momentos. Um
que aparece entre os séculos XVI e XVII, denominado de paparicação, quando a criança
era tratada como objeto de diversão, servindo de distração para os adultos. Paralelamen-
te, ocorre por parte da igreja o reconhecimento de sua inocência e fragilidade, devendo
os adultos cuidar e proteger as crianças; sentimento este chamado de moralização.
A partir do século XVIII, instala-se uma nova infância, pois a criança começa a fre-
quentar a escola. Precisamos entender que esse fato inicialmente só ocorreu para as
crianças burguesas. Mais adiante, dividem-se da seguinte forma: o liceu ou colégio era
destinado aos burgueses, e a escola era destinada ao povo, acontecendo em um período
mais curto de tempo. Notadamente, a escolaridade colabora para que a infância ganhe
contornos mais definidos, mesmo que inicialmente atenda as classes mais abastadas
(ARIÈS, 1981).
O sentimento de cuidado foi se estendendo para as famílias, influenciadas por quem
havia se tornado sensível ao fenômeno da infância e via nas crianças frágeis criaturas de
Deus. Partindo desses reformadores, começam a surgir as particularidades da infância.
Iniciam-se também nesse momento os primeiros estudos sobre a psicologia infantil,
que buscavam compreender a mente da criança para adaptá-la aos métodos utilizados
na educação (ARIÈS, 1981).

ISTO ESTÁ NA REDE


Artigo: A infância e sua singularidade. Texto produzido por Sônia Kramer, em
que a autora traz reflexões sobre a infância e sua singularidade e reflete so-
bre a infância, escola e os desafios colocados hoje para a educação. Analisa
a cultura infantil e o significado de atuar com as crianças, compreendendo-
-as como sujeitos. p.13-23.
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/ensfundnovan.pdf

Segundo Ariès (1981), o final do século XVIII trouxe leveza para as crianças: o modo de
vestir se diferencia das vestimentas dos adultos, deixando-as mais à vontade, com liber-
dade de movimento para que possam pular, correr e fazer estripulias.

Postman (2011) nos fala que no século XVIII o Estado e a família pas-
saram a assumir em parceria a responsabilidade pela educação das
crianças e relaciona esse fato a outras conquistas para o mundo infan-
til. Para o autor, “[...] o clima intelectual do século XVIII – o Iluminismo [...]
ajudou a nutrir e a divulgar a ideia de infância” (2011, p. 71).

Para Ariès (1981), o sentimento de infância é uma expressão particular de um sentimento


mais geral: o sentimento de família. Nos séculos XVIII e XIX, a família começa a tornar-se
referência para a criança. A família passa a investir na educação dos filhos, e a criança
cresce em importância no âmbito familiar. Podemos pontuar aqui que o sentimento de
infância está de fato constituído.

23
ANOTE ISSO
A ideia de infância não existiu sempre da mesma maneira. Ao contrário, a
noção de infância surgiu com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na
medida em que mudavam a inserção do papel social da criança na sua co-
munidade. Aprendemos com esses estudos: 10 - a condição e natureza histó-
rica e social das crianças; 20 - a necessidade de pesquisas que aprofundem
o conhecimento sobre as crianças em seus diferentes contextos; 30- a im-
portância de atuar considerando-se essa diversidade (KRAMER, 2006, p.14).

Constatamos que as imensas mudanças históricas e sociais culminaram na nossa atual


representação de infância. Os séculos passados foram o cenário das grandes mudanças
apresentadas logo depois de ser fundado o já mencionado primeiro laboratório de Psi-
cologia Experimental em Leipzig, no século XIX. As teorias do desenvolvimento infantil
irão florescer após a Psicologia se constituir como ciência, no século XX.

INFÂNCIAS HOJE E O PAPEL DA ESCOLA

No século XX, cresce o esforço pelo conhecimento da infância. A ideia de infância surgiu
no contexto histórico, cultural e social da modernidade, nascendo nas classes médias.
Afirmamos que crianças são sujeitos históricos e sociais. Sendo assim, o conceito de
infância muda em função do social, do cultural e do econômico. Gostaria de chamar a
atenção para o subtítulo desta aula, em que foi utilizado o termo “infâncias” e não “in-
fância”, visto que são conceitos em construção, influenciáveis por momentos históricos,
sociais, culturais, políticos e econômicos. Ariès (1981) nos convida a ver as crianças sem
estereótipos, sem ideias pré-concebidas, com o cuidado de se atentar às ideologias e
às visões rígidas de desenvolvimento e aprendizagem, cuidando para que esses fatores
não venham a prejudicar a infância de forma nenhuma.
No Brasil, devido às desigualdades sociais e à má distribuição de renda, fatores res-
ponsáveis pela existência de diferentes infâncias, as diversas realidades econômicas e
sociais fizeram com que esse significado também não fosse o mesmo em um mesmo
espaço de tempo, em uma mesma cidade, em um mesmo país.
Crianças são sujeitos históricos e sociais marcados pelas contradições das sociedades
em que vivem. Não podemos mais definir a criança pelo que não é, mas pelo que ainda se
tornará, ou seja, como um adulto, no dia em que não for mais criança. Reconhecer o que é
específico da infância: o poder imaginativo, a fantasia, a criação e a brincadeira. Crianças são
cidadãs, portadoras de direitos, produtoras de culturas. Dentro dessa visão de criança, fica
mais palpável e possível reconhecer nela seu mundo, seu modo de ver as coisas e registrar
que se existe uma história humana, é porque o homem tem infância. Partindo dessa ideia
de infância, aprendemos que o homem pode mudar o rumo estabelecido das coisas e que
podemos criar e recriar, mudar de direção e reconstruir nossa histórica (KRAMER, 2006).
Refletir sobre a infância e sobre sua pluralidade dentro da escola é pensar na melhor
forma de viver essa fase com todos os direitos e deveres assegurados. Sendo assim, que-
remos trazer reflexões sobre o papel da escola.
De acordo com Nascimento (2006), o principal papel da escola é garantir o desenvol-
vimento integral da criança. O que vem a ser isso? Significa garantir o desenvolvimento
do sujeito na dimensão afetiva, cognitiva, social e na dimensão psicológica. Esse com-
prometimento com o desenvolvimento integral é dever de todos da comunidade esco-
24
lar, e não somente do professor, responsáveis por possibilitar relações saudáveis com o
meio, com outras crianças e com os adultos com quem a criança convive, construindo
seus conhecimentos por meios de trocas com os pares e com os professores. Ademais, a
criança deve ter acesso ao conhecimento historicamente construído pela humanidade,
frequentar outros espaços sociais e não somente a escola, experimentar espaços para
falar e escutar e receber carinho, atenção e respeito aos seus direitos.
Para acompanhar o desenvolvimento infantil e a infância, é importante considerar o
cotidiano das escolas e os espaços sociais onde as crianças estão inseridas. Conforme Nas-
cimento (2006), percebemos que além das escolas e das legislações, existem outros órgãos
voltando suas atenções para as crianças, tais como a mídia, que volta o olhar para ela e a
compreende como um grande público consumidor. Isso nos preocupa, pois hoje as crian-
ças estão expostas a comerciais que buscam incentivar o consumo e até vender felicidade.
Caro(a) aluno(a), gostaria de trazer à luz o Referencial Curricular Nacional para a Edu-
cação Infantil, do ano de 1998:

[...] As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza


como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio.
Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe
são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu
esforço para compreender no mundo em que vivem as relações con-
traditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as
condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos
(BRASIL, 1998, p. 21).

Agora, vamos conferir a revisão desse mesmo referencial feita em 2009:

[...] é sujeito histórico e de direitos que se desenvolve nas interações, re-


lações e práticas cotidianas a ela disponibilizadas e por ela estabeleci-
das com adulto e crianças de diferentes idades nos grupos e contextos
culturais nos quais se insere. Nessas condições ela faz amizades, brin-
ca com água ou terra, faz-de-conta, deseja, aprende, conversa, experi-
menta, questiona, constrói sentidos sobre o mundo e suas identidades
pessoal e coletiva, produzindo cultura (BRASIL, 2009, p. 7).

Podemos dizer que os documentos oficiais estão de acordo com as leituras propostas
e as reflexões teóricas apresentadas. Pensar a infância na escola é um grande desafio,
como nos fala Kramer (2006). Durante muitos anos, a infância esteve fora da escola e sua
articulação sempre apresentou muitas falhas. É preciso que as crianças sejam atendidas
em suas necessidades e que seus direitos sejam respeitados e garantidos. Para isso, a in-
clusão da criança no ensino fundamental requer diálogos sérios e bem fundamentados.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Espero ter demonstrado as mudanças que ocorreram nas formas de com-
preender a criança ao longo da história. Na prática, você deverá compreen-
der a criança na perspectiva histórica e social, nas relações do seu tempo, de
sua cultura e do meio social onde ela vive.
Fonte: Elaborado pela autora.

Finalizando esta aula e voltando ao ponto de partida, espero ter conseguido demonstrar
as mudanças ocorridas no lugar em que a criança ocupa na sociedade e a importância
dessas mudanças para que possamos compreender todos os emaranhados que com-
põem o psiquismo infantil. Tudo o que foi trabalhado aqui servirá para compreender a
25
criança na perspectiva histórica, social e cultural, relacionando-a com o seu tempo, sua
cultura e sua origem para que a ação pedagógica tenha de fato o efeito que se espera.
AULA 05

A CRIANÇA NA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Caro(a) aluno(a), como vimos anteriormente, a concepção de criança e o lugar que ela
ocupa na sociedade é um ponto de partida importante para entendê-la dentro de uma
perspectiva histórica, social, cultural e familiar. Acompanhamos as mudanças, as quais me
atrevo a chamar de evoluções. Evoluções, sim, por que não?! Olhando para trás, proponho
uma reflexão sobre tais mudanças que acabaram levando a criança a ser criança. Lembra?
Eram adultos em miniatura! Todo esse caminho que percorremos até aqui nos levará agora
a conceitos, subespecificações de fases e nomenclaturas diversas sobre criança, faixa etá-
ria, idade escolar, desenvolvimento humano e outras tantas concepções de infância e afins.
O objetivo desta aula é identificar concepções de criança, construídas a partir da
psicologia educacional em relação ao ensinar e ao aprender nas perspectivas do cons-
trutivismo genético e na perspectiva do construtivismo sócio histórico. A psicologia se
interessa pela criança. No entanto, como vimos anteriormente, há diferentes escolas de
psicologia, portanto, cada qual terá seu recorte e modo de ver essa criança. Como o foco
aqui é a psicologia da educação, partiremos de referenciais que situam a criança quanto
ao seu desenvolvimento junto ao processo de ensino e aprendizagem, e proponho olhar
para a criança colocada nesse lugar. Para o tema em questão, é necessário fazer o recor-
te dentro de duas teorias de base construtivista. São elas: o Construtivismo Genético de
Jean Piaget e a Psicologia Cognitiva Histórico-Cultural de Vygotsky. Nesta aula, vamos
compreender o lugar que é atribuído à criança nessas duas perspectivas que com suas
pesquisas e construções teóricas muito contribuem para as demais áreas, como vere-
mos no momento oportuno.

CONCEPÇÕES DE CRIANÇA: O LUGAR DA CRIANÇA


NO CONSTRUTIVISMO PIAGETIANO

O construtivismo piagetiano nos diz que nada, a rigor, está pronto, acabado, e aponta
especificamente que o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo
terminado. Ele ocorre pela interação do indivíduo com o meio físico, com o mundo das
relações sociais, e se constitui pela força de sua ação e não por qualquer dotação prévia
na bagagem hereditária ou no meio, de tal forma que podemos afirmar que antes da
ação não há psiquismo nem consciência, e muito menos pensamento (BECKER, 1992).
Piaget insere a criança nas instâncias das ideias acima, acreditando que o desenvol-
vimento se dá por estádios, que vamos falar em outro momento. No entanto, quero falar
agora do conceito de egocentrismo infantil. Para esse autor, a criança é essencialmente
egocêntrica na sua forma de agir e pensar, e conforme se desenvolve, passa de um esta-
do de autocentração para descentração.
O pensamento egocêntrico, como o próprio nome sugere, está “centrado” no “eu”.
Temos um exemplo que nos ajudará nessa compreensão: se pedirmos a uma criança
que está sentada de um lado da mesa, sobre a qual estão diversos objetos, que ela de-
senhe ou descreva esses objetos como sendo outra pessoa sentada do lado oposto, ela
veria os mesmos objetos? Parece simples, não é mesmo? Mas para a criança egocêntri-
ca, do estágio pré-operatório, é muito dificultoso realizar essa tarefa porque exige muita
habilidade sair do seu ponto de vista. É necessário que o sujeito descentre, se coloque do
ponto de vista de outrem (LA TAILLE, 2016).
Os seres humanos são egocêntricos a partir do momento que não conseguem per-
ceber algo na perspectiva do outro. Para Piaget, esse traço é essencialmente infantil.
Entretanto, espera-se que esse estádio evolua para outras perspectivas menos egocên-
tricas. Piaget utiliza essa ideia de estádios em evolução porque não ocorrem de maneira
fixa em todas as pessoas, e tudo dependerá da solicitação do meio, ou seja, a forma com
27
que a criança é levada e possibilitada a agir sobre o meio, e como ela é encorajada a
construir seus conceitos e seu conhecimento.
A construção do conhecimento.
Fonte: Pixabay.

A criança somente conseguirá superar o egocentrismo e objetivar seu pensamento, tor-


nando-o lógico, a partir do momento que avançar no seu desenvolvimento e se tornar
ativo do processo. Observe esse exemplo de Kamii (2012): uma mãe pede para que o
filho João Pedro, de cinco anos, coloque um guardanapo no prato de cada pessoa na
hora do almoço. Havia quatro pessoas à mesa. A criança sabia contar até 30. Contudo,
foi até o armário da cozinha, pegou o primeiro guardanapo e colocou no prato, voltou
para pegar o segundo, fez isso por quatro vezes. Passados três meses, a criança pensou
em contar os pratos. Contou quatro guardanapos, retirou-os do armário e distribuiu-os
sobre os pratos. E assim ocorreu por seis dias. No sétimo dia, chegou mais uma pessoa.
João Pedro pegou seus quatro guardanapos, como fazia todos os dias, e viu que um
prato ficou sem. Em vez de pegar um guardanapo a mais, recolheu todos e colocou de
volta no armário. Então começou tudo outra vez e fez cinco viagens para completar a
tarefa. No dia seguinte, o hospede foi embora e João continuou suas quatro viagens por
mais cinco dias, até redescobrir a contagem. Depois de usar esse método por mais dez
dias, chegou outro hóspede. O menino distribuiu seus quatro guardanapos como usual-
mente, mas dessa vez, pegou simplesmente mais um no armário, quando observou que
havia um prato sem. No outro dia, apenas contou o número de pratos antes de pegar os
guardanapos. A chegada de um novo hóspede nunca mais o perturbou.
Dessa forma, é absolutamente possível ver o quanto a solicitação do meio foi importante
para que João agisse sobre os objetos e construísse seu conhecimento, sua autonomia intelec-
tual e sua confiança. Comumente, veríamos a seguinte solicitação: “João, pegue quatro guar-
danapos no armário, por favor.” Diante da instrução dada, estaríamos privando a criança de
evoluir no mínimo intelectualmente, para não listar aqui tudo de que lhe estaríamos privando.

ANOTE ISSO
Dizer que a criança deve construir seu próprio conhecimento não implica que
o professor fique sentado, omita-se e deixe a criança inteiramente só. Como
a mãe de João Pedro, o professor pode criar um ambiente no qual a criança
tenha um papel importante e a possibilidade de decidir por si mesma, como
desempenhar a responsabilidade que aceitou livremente (KAMII, 2012, p. 48).
28
Para Ferreiro e Teberosky (1999), um sujeito intelectualmente ativo faz muitas coisas. É
um sujeito que compara, exclui, ordena, categoriza, comprova, formula hipóteses, reorga-
niza e interioriza pensamentos em ação. O sujeito que conhecemos por meio das ideias
de Piaget procura ativamente compreender o mundo que o cerca e trata de resolver as
interrogações que o mundo propõe. Não é uma criança que espera algo pronto, alguém
que transmita conhecimento. É um sujeito que aprende sobre os objetos principalmente
por meio de suas ações, que atua sobre suas próprias categorias de pensamento.
Dessa forma, podemos dizer que a criança concebida por Piaget é um sujeito que cons-
trói seu próprio conhecimento e evolui de um estado de menor para um estado de maior
conhecimento. O autor salienta: ninguém pode fazer isso por ela. É, portanto, um sujeito
ativo e estruturante. Diante disso, qual o papel do professor? Colocar a criança no lugar de
sujeito ativo e criar um ambiente e condições propícias à aprendizagem (KAMII, 2012).

ISTO ESTÁ NA REDE


O que é construtivismo? Este artigo trata do construtivismo de maneira
clara e didática, trazendo reflexões importantes para sua formação. Texto
do professor Fernando Becker, grande estudioso na área de epistemologia
genética, conhecimento, educação, aprendizagem, ensino-aprendizagem e
epistemologia do professor.
Fonte: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/301477/mod_resource/content/0/Texto_07.pdf

A CRIANÇA NO CONSTRUTIVISMO
HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY

Falar em Vygotsky é tratar da dimensão social do desenvolvimento humano, e sua ideia


principal é de que o ser humano se constitui a partir da interação com o outro social.
A cultura torna-se parte da natureza humana em seu processo histórico que, ao longo
do desenvolvimento da espécie, molda o funcionamento psicológico do homem. Para
Vygotsky, a criança só pode se constituir conforme seu tempo e sua cultura, e ela é vista
como sujeito que interage social e historicamente. Para compreendê-la, precisamos si-
tuar a época e conhecer os ambientes que a influenciam, bem como as atividades que
lhe são solicitadas em tais ambientes. Estamos nos referindo a uma criança que recons-
trói interna e ativamente sua cultura, internalizando suas vivências (OLIVEIRA, 2016).
Desde o nascimento, a criança é influenciada pelos costumes e objetos à sua volta,
como acontece na cultura ocidental: dorme no berço, usa roupas, sapatos e talheres
para comer. Os adultos estão em constante interação com o bebê, assegurando sua
sobrevivência, atribuindo significado às suas condutas. Inicialmente, sua atividade men-
tal e psicológica é elementar, advinda de sua herança biológica. Aos poucos, as intera-
ções com grupos sociais e objetos de sua cultura passam a modificar e governar seus
comportamentos e agir sobre seu desenvolvimento e seu pensamento. Com a ajuda de
adultos mediadores, a criança aos poucos vai assimilando e se apropriando das habilida-
29
des essencialmente humanas que foram construídas ao longo da história (REGO, 2011).
Dessa forma, podemos concluir que:

[...] o desenvolvimento humano se dá a partir das constantes intera-


ções com o meio social em que vive, já que as formas psicológicas
mais sofisticadas emergem da vida social. Assim, o desenvolvimento
do psiquismo humano é sempre mediado pelo outro (outras pessoas
do grupo cultural), que indica, delimita, atribui significados à realidade
(REGO, 2011, p. 60-61).

Vygotsky também deu bastante atenção à função da fala, pois a linguagem humana é
um sistema fundamental na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento. A lin-
guagem favorece processos de abstração, generalização, formação de conceitos, plane-
jamento e autorregulação, e tudo isso ocorre conforme as apropriações que a criança faz
ao longo de seu desenvolvimento e as interioriza. Dessa maneira, podemos dizer que a
criança situada nessa corrente construtivista sócio-histórica é uma criança que se apro-
pria de forma ativa de sua cultura conforme a época e o contexto social (OLIVEIRA, 2016).
Em sintonia com as ideias de Vygotsky, o aprendizado pressupõe processos culturais
e sociais. Dessa forma, as crianças penetram na vida intelectual daqueles com quem
convivem, e a partir daí garante a possibilidade de se desenvolver dentro das caracterís-
ticas psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas (REGO, 2011).
Isso nos remete a histórias como a dos “meninos lobos”, que viviam entre lobos e se
comportavam como tal. Ou ainda ao filme “O enigma de Kaspar Hauser”, que fala de um
rapaz que viveu desde criança afastado da cultura humana e não se socializou, portanto,
não se torna humano. Assim é a criança, vive exposta a influências sociais, culturais e aos
recortes da realidade que são apresentados a ela, constituindo-se de acordo com seu
tempo e seu ambiente.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Dentro da prática em sala de aula, frente à conduta do professor diante da
forma de trabalho com seus educandos, quero inserir questões. Ao planejar
suas aulas, você deverá considerar qual criança? Como vimos nos exemplos
de Kamii, podemos entregar conceitos prontos. Mas também podemos
construir conceitos junto aos escolares a partir de uma conduta problema-
tizadora, dada a importância do conflito cognitivo, exemplificado por Kamii.
Podemos propor atividades coletivas, pois vimos o quão importante é a in-
teração social em Vygotsky. Tudo isso, de certa forma, nos convida a um
encontro com os pressupostos da educação problematizadora e libertado-
ra preconizada pelo saudoso educador Paulo Freire. “Ninguém se emanci-
pa sozinho. Entretanto, emancipar-se inclui, necessariamente, saber andar
sozinho, com pernas próprias. Somos seres sociais: um depende do outro
inevitavelmente” (DEMO, 2008, p.121).

30
AULA 06

DESENVOLVIMENTO HUMANO
E OS FATORES INTERVENIENTES
DESTE PROCESSO
Caro(a) estudante, nesta aula, vamos conversar sobre o desenvolvimento humano e, em
específico, estudar os fatores que intervêm nesse processo e suas relações com o fe-
nômeno educativo. Irei apresentar alguns pontos de vista e veremos que as práticas
educativas desempenham papel fundamental no desenvolvimento humano com o ob-
jetivo de analisar como a psicologia tem abordado essa questão. Trazendo essas ideias
para nosso cotidiano, convido-o a observar sua vida diária. Quais mudanças físicas e/ou
psíquicas você pode perceber? Quais fatores influenciaram tais mudanças? A educação
que você recebeu, no seio familiar, na escola, teve efeito sobre você? Nossas experiências
permitem nos relacionarmos de certo modo, permite ensinar, aprender de certa manei-
ra, e é disso que falaremos agora, além de fazer reflexões acerca dos diferentes fatores
que envolvem as relações entre desenvolvimento e práticas educativas.

O PONTO DE VISTA INATISTA-MATURACIONISTA

Na perspectiva inatista-maturacionista, o desenvolvimento psicológico ocorre da mes-


ma maneira que o desenvolvimento biológico. A inteligência e os padrões de comporta-
mentos seriam herdados dos pais, portanto, estariam determinados. Acredito que você
já ouviu algo assim: “Gabriel é inteligente, como o pai.”, “Filho de peixe, peixinho é.” Essa
vertente compreende o desenvolvimento como hereditário e decorrente de maturação,
que significa determinar o ser humano e suas capacidades de dentro para fora. Dessa
forma, fatores inatos são determinantes e indicam aptidões individuais e os graus em
que podem se desenvolver. A educação e o meio social são secundários e fazem com
que tais aptidões se manifestem ou não (FONTANA; CRUZ, 1997).
Dentro dessas perspectivas, foram desenvolvidos os primeiros testes psicológicos
que objetivaram medir a inteligência ou o quociente intelectual (QI). O percursor foi
Alfred Binet (1873-1962), mas nessa mesma linha temos também Arnold Gesell (1880-
1961), que elaborou uma escala de desenvolvimento que vai da primeira infância até a
adolescência, estabelecendo padrões fixos para cada idade. Dessa forma, construíram-
-se padrões de normalidade.
Essa forma de pensar situa a inteligência a conceitos de atenção, julgamento, adap-
tação do comportamento humano a circunstâncias, e tudo isso não poderia ser apren-
dido nem adquirido, pois são biologicamente determinados. Desse modo, nasceríamos
com dons ou não. À escola cabia promover condições para um bom desenvolvimento
das capacidades infantis, desde que a criança estivesse “pronta”, ou seja, com certa
maturidade biológica para acompanhar os alunos ditos “normais”. Infelizmente, podemos
perceber que muitas crianças foram discriminadas e excluídas (FONTANA; CRUZ, 1997).
Dessa maneira, o desenvolvimento é um processo relativamente independente das
práticas educativas, do ambiente e das relações sociais, e como consequência, o de-
senvolvimento biológico está de certa forma programado. As dificuldades são heranças
genéticas negativas e nada podemos fazer quanto a isso.

O PONTO DE VISTA COMPORTAMENTALISTA

Ao contrário do inatismo, a visão comportamentalista dá ênfase ao ambiente externo e


o considera determinante do comportamento humano. Watson e Skinner dizem que as
disposições intelectuais inatas são totalmente falsas. Para eles, o aprendizado é resultado
das influências externas. Para Watson, “um comportamento é sempre uma resposta do
organismo (humano ou animal) a algum estímulo presente no meio ambiente” (FON-
32
TANA; CRUZ, 1997, p. 25). O que ocorre dentro do corpo é um estímulo que não pode ser
observado, portanto, não interessa.
Segundo esses pesquisadores, só aprendemos quando ganhamos uma recompensa.
Por exemplo, uma criança que é elogiada por seu comportamento tem a tendência de
repeti-lo. Do mesmo jeito, se uma criança faz birra, chora, grita, por algo que quer e em
seguida recebe o que deseja, aprenderá que ao utilizar esse recurso, todas as vezes que
quiser algo vai consegui-lo. Skinner chama essa recompensa de reforço, e esse tipo de
aprendizagem de condicionamento operante (SALVADOR, 1999). Para Skinner, ensinar é
preparar o ambiente e suas contingências de modo eficiente para garantir reforçadores
(elogios, notas, prêmios).

O aluno passivo diante da supremacia do professor


Fonte: Pixabay.

Qual a consequência de tudo isso para a educação? Essa teoria entende que o professor
é o detentor do conhecimento e deve repassá-lo passo a passo para que o aluno venha a
assimilá-lo, em ordem crescente de dificuldade. Coloca o aluno em lugar passivo diante
do que irá ocorrer durante o processo de ensino-aprendizagem, e isso certamente será
um grande obstáculo para seu desenvolvimento que, nesse ponto de vista, é coinciden-
te com o processo de aprendizagem (FONTANA; CRUZ, 1997).

ISTO ESTÁ NA REDE


Comportamento reflexo e comportamento operante são categorias estuda-
das pelo behaviorismo. Watson ocupou-se em estudar o comportamento
reflexo, já Skinner dedicou-se ao estudo do comportamento operante. O
estudo do comportamento propõe estudar os estímulos que provocam de-
terminado comportamento. Acompanhe os vídeos que abordam de forma
clara e didática essas temáticas comportamentalistas.
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=s4NM1kK5zUc>
<https://www.youtube.com/watch?v=UkrlNh90BFg>

33
TEORIAS PSICOGENÉTICAS

As teorias psicogenéticas concebem visões bem diferentes de desenvolvimento e


aprendizagem humanos. Como vimos na primeira unidade, elas estudam o desenvolvi-
mento a partir da gênese e contam com vários pesquisadores e estudiosos, entretanto,
os mais conhecidos e utilizados na pedagogia são Jean Piaget (1896-1980) e Vygotsky
(1896-1934). A psicologia cognitiva interessada primeiramente aos processos mentais
superiores em vez do comportamento observável, e procura entender as funções da
percepção, a formação de conceitos, memória linguagem, pensamento, solução de pro-
blema e tomada de decisão. Suas pesquisas ocorrem com seres humanos e não com
animais, fazendo inferências plausíveis e importantes sobre os processos mentais (LE-
FRANÇOIS, 2018).

Jean Piaget

Desde criança, Jean Piaget se interessava por questões científicas e seus primeiros estu-
dos se deram no campo da biologia. Quando adulto, estudou filosofia e epistemologia;
com a psicologia do desenvolvimento conseguiu unir filosofia e biologia e tornou-se um
pesquisador incansável do desenvolvimento. Procurou buscar respostas sobre como o
ser humano elabora seus pensamentos. Iniciou seus experimentos investigativos com
seus próprios filhos e aos poucos foi percebendo que o ser humano aprende por meio
de trocas que ele estabelece com o meio em um processo interminável de assimilações
e acomodações (SALVADOR, 1999).
A psicologia genética de Piaget apoia-se em três grandes princípios:

Princípios da psicologia cognitiva


Fonte: Elaborado pela autora. Baseado em Salvador (1999).

Os três eixos apresentados nos dizem que a inteligência é construída e estruturada confor-
me nossas vivências com os objetos de conhecimento por meio de processos individuais
estruturantes que permitem sair de um estado de menor conhecimento para um de maior
aprendizagem. Assim, o ser humano aprende por meio de trocas, em um contínuo fluxo
34
de assimilações e acomodações sucessivas que tendem a um equilíbrio, uma adaptação.
Lev Semenovich Vygotsky

Vygotsky (1896-1934) nasceu em Orsha, na Bielorrússia, e morreu aos 37 anos de ida-


de vítima de tuberculose. Vygotsky estudou Direito e Filosofia. Sua entrada na psicolo-
gia ocorreu em 1924, e mesmo doente continuou lecionando e escrevendo. Estudou os
mecanismos psicológicos superiores: controle do comportamento, atenção, lembrança,
memorização ativa, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo e outros. A preocupação
do autor era elaborar uma teoria que explicasse o comportamento infantil no geral, jus-
tificando que a necessidade do estudo da criança reside em ela estar no centro da pré-
-história do desenvolvimento cultural devido ao surgimento do uso de instrumentos e
da fala humana (REGO, 2011).

ANOTE ISSO
O ponto de partida da problemática vigotskyana é contrário ao que Piaget
defendia sobre a relação e a continuidade entre as propriedades da vida orgâ-
nica e as propriedades da cognição humana. Para Vygotsky, a transformação
do ser humano, de ser biológico em ser cultural, ocorre por meio da interação
estabelecida com seu meio de cultura, em que funções mentais elementares
se transformam em funções mentais superiores (SALVADOR, 1999).

Vygotsky apresenta três ideias fundamentais:

O ponto de vista de Vygotsky: ideias fundamentais


Fonte: Elaborado pela autora. Baseado em Salvador (1999).

35
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
Na escola, o professor acompanha a criança, orienta sua atenção, analisa si-
tuações e a leva a classificar, comparar e estabelecer relações. Nessas situa-
ções, compartilhando com o adulto e/ou com seus pares, a criança significa
e ressignifica estruturas e modos de agir e pensar, e dessa forma constrói
seu conhecimento. Sendo assim, qual o papel do professor? Fornecer ins-
trumentos e mediar todo esse processo, pois é a partir das aprendizagens
ocorridas no meio sociocultural que o desenvolvimento é impulsionado e,
portanto, são indissociáveis.

Vygotsky entende o desenvolvimento como um processo unitário e global, no qual con-


fluem e se inter-relacionam os processos associativos às duas linhas de desenvolvimen-
to e no qual os fatores biológicos e socioculturais se encontram articulados em uma
autêntica interação mútua. Nas aulas seguintes, falaremos de forma mais minuciosa
sobre os pressupostos de Piaget e Vygotsky.

36
AULA 07

OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO
E APRENDIZAGEM NA TEORIA
PSICOGENÉTICA DE PIAGET
Esta aula traz de forma mais detalhada as ideias de desenvolvimento de Piaget, os está-
dios, a gênese do conhecimento e ainda os conceitos mais elaborados desse autor para
o campo da pedagogia. O objetivo principal é trazer conceitos e reflexões acerca dos
aspectos relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem.

EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET

A Epistemologia genética busca investigar de forma científica a gênese, ou seja, as ori-


gens dos processos de formação do pensamento e do conhecimento humanos. Para
Piaget, “[...] conhecer é organizar, estruturar e conhecer a realidade a partir daquilo que
se vivencia nas experiências com os objetos de conhecimento” (FONTANA; CRUZ, 1997,
p. 45). Portanto, o ato de conhecer é estruturado a partir das vivências com objetos de
conhecimento, pressupondo a organização da experiência num sistema de relações. Até
aqui, nenhuma novidade. Pois bem, e como isso ocorre? Para Piaget, ocorre por meio
da ação do sujeito. Essa ação proporciona a adaptação ao meio por intermédio de dois
processos, chamados de assimilação e acomodação.

Eixos do conhecimento e adaptação


Fonte: Criado pela autora. Baseado em Fontana e Cruz (1997).

ISTO ESTÁ NA REDE


O construtivismo de Jean Piaget é uma das teorias de aprendizagem mais
contundentes e colaborativas ao trabalho pedagógico, ao ensino e à apren-
dizagem da criança.
https://www.youtube.com/watch?v=z-FfrQLVyN8
38
Ao ler estas páginas, você está assimilando os objetos de conhecimento com os que
você já possui. Conforme vai relacionando as ideias e conceitos a partir do que já está
construído, tudo começa a fazer sentido, ao mesmo tempo em que você ressignifica as
ideias já existentes com o que você leu (ou assimilou). Esse processo de modificação das
estruturas do pensamento é chamado de acomodação. Assim,

[...] a inteligência é um caso particular de adaptação biológica. Um or-


ganismo adaptado ao meio é aquele que mantém equilíbrio em suas
trocas com o meio. Ou seja, é aquele que interage com o ambiente
mantendo um equilíbrio entre suas necessidades de sobrevivência e as
dificuldades e restrições impostas pelo meio. Essa adaptação torna-se
possível graças aos processos de assimilação e de acomodação (que,
juntos, constituem o mecanismo adaptativo), comum a todos os seres
vivos. Assim, a inteligência é assimilação por permitir ao indivíduo in-
corporar os dados da experiência. É também acomodação, pois novos
dados incorporados acabam por produzir modificações no funciona-
mento cognitivo da pessoa (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 46).

A assimilação e a acomodação são conceituadas por Piaget como invariantes funcionais;


nome dado por um motivo bem óbvio: são ferramentas que funcionam durante toda a vida.
Ao nascer, a criança é dotada de reflexos automáticos que se dão por estímulos, e é
por meio dos reflexos que a criança assimila objetos tais como a mamadeira, o seio ma-
terno e brinquedinhos. A assimilação faz com que os reflexos sejam mais elaborados e
se transformem no que Piaget chamou de esquema de ação, como pegar, puxar, sugar
e empurrar. Pensemos na ação de pegar. Ao fazê-la, a criança realiza um movimento
específico, que é diferente de puxar, empurrar ou balançar. O que diferencia uma ação
de outra é o que a torna passível de generalização. O esquema de uma ação define-se
como o conjunto estruturado das características generalizáveis dessa ação; ou seja, as
características que permitem repetir a mesma ação ou aplicá-la a novos objetos (SAL-
VADOR, 1999).

ANOTE ISSO
Para Piaget, os esquemas vão se ampliando e se diferenciando, e acabam
por se transformar em algo muito mais complexo que dá origem ao pensa-
mento. Para que tudo isso ocorra, a maturação é condição imprescindível,
porque permite o surgimento de novas condutas durante o desenvolvimen-
to. A experiência também é condição indispensável, bem como a transmis-
são social, que contribui para modificar os esquemas, permitindo que o ser
humano avance em seu desenvolvimento. O processo de equilibração é fa-
tor determinante, intrínseco e constitutivo da vida mental, todas as vezes
que surgem conflitos, contradições ou dificuldades, a capacidade de autor-
regulação, equilibração entra em ação no sentido de superar, levando a um
estado superior em relação ao inicial (FONTANA; CRUZ, 1997).
39
ESTÁGIOS SUCESSIVOS DE DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA

Segundo Piaget, o desenvolvimento cognitivo caracteriza-se por uma série de equili-


brações que nos permite desenvolver de forma cada vez mais elaborada. Esse processo
ocorre por estádios, que são sucessivos e cada vez mais complexos e estruturais, que
serão apresentadas a seguir:
Período sensório-motor: vai do nascimento até os dois anos, caracterizado pela ação
da criança no mundo. Inicialmente age sobre o próprio corpo, como chupar o dedo,
e depois gradativamente vai se voltando para os objetos. É importante que a criança
explore os objetos à sua volta, agrupando-os e combinando-os. A consciência sobre o
mundo externo se expande lentamente para os objetos. O centro não é mais o corpo
da criança, por intermédio de suas ações a criança manipula os elementos do meio. Aos
poucos, meios e fins vão sendo diferenciados, e as ações começam a ganhar intencio-
nalidade. O indivíduo e os objetos diferenciam-se e organizam-se no plano das ações
exteriores e a permanência dos objetos vai sendo construída (FONTANA; CRUZ, 1997).

Título: A capacidade de atuar sobre objetos


Fonte: Pixabay.

Conforme Salvador (1999), Piaget chamou a capacidade de atuar sobre os objetos de


função simbólica, que ocorre no final desse estádio e se relaciona a agir sobre objetos
fisicamente e por meio de esquemas de ação representativos e interiorizados, formando
as primeiras imagens mentais dos objetos. “Nesse percurso, o eu e o mundo tornam-se
progressivamente distintos. [...] O brinquedo, que ao ser retirado da criança deixava de
existir para ela, passa a ser procurado e continuam existindo mesmo quando não estão
em seu campo de visão” (FONTANA; CRUZ, 1997, p. 49).

Período pré-operatório: está situado aproximadamente entre dois e sete anos de


idade. Com o desenvolvimento da função simbólica, o eu e o mundo reorganizam-
-se e formam o plano representativo. A criança reproduz, imita, faz gestos. O plano
representativo traz a capacidade de imaginar ações sem praticá-las. Depois de um
período de elaboração, a criança coordena esquemas de ação, portanto, tem a capa-
40
cidade de utilizar uma série de ações interiorizadas, essenciais do ponto de vista do
pensamento racional, tais como a classificação, a seriação e a conservação, ao passo
que avança na compreensão dos fenômenos do mundo externo e da causalidade
(SALVADOR, 1999).

Período de operações concretas: surge por volta dos sete anos de idade e vai até os
onze anos, aproximadamente. Nesse estádio, constroem-se operações, que se tornam
ações mentais e possibilitam à criança elaborar explicações. Tudo isso ocorre devido a
equilibrações sucessivas do estádio anterior, daí o pensamento assume forma de ope-
rações intelectuais voltadas à classificação e seriação, sempre reversíveis. Dessa forma,
a criança está apta a se colocar no lugar do outro e compreender o ponto de vista de
outra pessoa. A reversibilidade possibilita a construção de noções de conservação de
massa, volume, etc., como no exemplo clássico de compreender que a quantidade de
suco de um copo permanece a mesma quando despejado em outro copo mais alto e
estreito, embora o nível do líquido esteja mais elevado. Essa capacidade de representar
mentalmente a operação inversa, de modo a compreender que a quantidade se man-
tém invariável, mesmo parecendo diferente, envolve muitas habilidades importantes
que aos poucos se transformam em conceitos (FONTANA; CRUZ, 1997).

Período das operações formais: a partir dos onze anos de idade, essas operações
permitem ao adolescente raciocinar ao mesmo tempo sobre aquilo que é real, o que
é hipotético e o que é possível. É capaz de transformar os dados da experiência em
formulações organizadas e estabelecer conexões lógicas entre elas, tornando-se ca-
paz de pensar sobre seu próprio pensamento (FONTANA; CRUZ, 1997).

Conforme Lefrançois (2018), a maneira como a teoria psicogenética descreve o desen-


volvimento cognitivo se resume ao conjunto das seguintes afirmações: a aquisição de
conhecimento é processual e gradual, possível a partir da interação da criança com o
ambiente; a representação do mundo e sua sofisticação ocorrem em função de seu es-
tádio de desenvolvimento, definido em decorrência das estruturas do pensamento; a
maturação, a experiência ativa, a equilibração e a interação social são fatores que influen-
ciam consideravelmente na aprendizagem; a aquisição do equilíbrio é resultado da as-
similação e da acomodação. A seguir, veremos os conceitos e implicações educacionais:

FORÇA EXPLICAÇÃO IMPLICAÇÃO

Equilibração Tendência de manter o equilíbrio en- É necessário proporcionar às crianças ativi-


tre a assimilação e a acomodação. dades com níveis ótimos de dificuldade, o
que significa não ser tão fácil e não ser exa-
geradamente desafiadora.

Maturação Forças genéticas que atuam sobre Os professores precisam saber como as
determinado comportamento e ao crianças e os jovens pensam e aprendem
seu desdobramento. sobre o nível de maturação e compreensão
ao planejar suas atividades.

Experiência A interação com objetos em even- Essa força apoia um currículo construtivista,
ativa tos reais, que possibilita descobrir em que o aprendiz é envolvido ativamente
e construir representações mentais. no processo de descobrir e aprender.

Interação A interação com as pessoas resulta As escolas precisam oferecer amplas opor-
social na elaboração de ideias sobre as tunidades para a integração dos alunos nos
coisas, pessoas e sobre si. ambientes da escola: sala de aula, pátio,
parque, etc.

As quatro forças que atuam sobre o sujeito em desenvolvimento


41
Fonte: Criado pela autora. Baseado em Lefrançois (2018), p. 250.
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
Na perspectiva piagetiana, o sujeito aprendiz é ativo. Piaget deseja promo-
ver o encontro do aluno com o professor de maneira construtiva, nada de
pedagogia da exposição. Este autor preza pela criação e pela reinvenção de
um novo professor e de um novo estudante com capacidades criativas para
redescobrir e reelaborar, formas de aprender e de ensinar. A aprendizagem
significativa propõe que ambos compartilhem unidades de significados, uma
vez que a aprendizagem carente de significados é insuficiente e impedidora
de atividades mentais construtivas. Daí o planejamento e a prática do ensino
devam preocupar-se com a apresentação da informação para que os alunos
possam construir significados precisos e estáveis. A nova informação deve
ser relacionada com os conhecimentos que o aluno já possui e não simples-
mente fazer relações arbitrárias, literais, sem relação e sem contexto (MAR-
TÍN; SOLÉ, 2004).

42
AULA 08

PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY


NO DESENVOLVIMENTO E NA
APRENDIZAGEM
Nesta aula, vamos adentrar a teoria sócio-histórica que frutificou na União Soviética em
meados de 1917. Temos como nome principal Vygotsky, que contou com colaboradores,
em especial Luria e Leontiev. O objetivo aqui é identificar as concepções desse autor
sobre as relações entre desenvolvimento e aprendizagem, pensamento e linguagem,
entre outros conceitos importantes.

A MEDIAÇÃO NA TEORIA DE VYGOTSKY

A teoria sócio-histórica foi um remédio para a psicologia individualista tradicional e ser-


viu para redefinir muitas perguntas e pesquisas dentro de uma perspectiva social. A
proposta é entender o comportamento e o desenvolvimento humano dentro do próprio
desenvolvimento, centrando no processo e não no produto. A análise deve ser explicati-
va, e não descritiva, levando em conta a história, a gênese e o desenvolvimento da con-
duta (COLL; MARCHESI; PALACIOS, 2004).
Um ponto central para compreendermos o fundamento sócio-histórico é o conceito
de mediação, em que a relação do ser humano com o mundo não ocorre de forma dire-
ta, mas em uma relação mediada, sendo os sistemas simbólicos os elementos interme-
diários entre o sujeito e o mundo (REGO, 2011).
Como já dito em outro momento, Vygotsky se dedicou ao estudo do que chamamos
de funções psicológicas superiores, quando constatou que o homem é capaz de pen-
sar sobre objetos ausentes, imaginar situações nunca vividas e planejar ações. O mais
interessante desse tipo de pensamento é seu caráter voluntário e intencional. Nesse
momento, entra a mediação, em que existe uma tomada de decisão a partir de uma
informação. Ao entrar em um quarto escuro, nós acendemos a luz, mas um animal não
faria isso. Outro exemplo é o de não tocar no fogo. Podemos não tocar por já ter sentido
o calor em outro momento ou lembrar-se da dor sentida ao se queimar. A relação esta-
rá sendo mediada pela lembrança, ou não colocar a mão no fogo quando alguém lhe
disser, assim, estará sendo mediada pela intervenção de outra pessoa. Dessa forma, a
relação com o mundo não é direta, e sim mediada. São como ferramentas auxiliares da
atividade humana (OLIVEIRA, 1993).

A mediação simbólica
44
Fonte: Pixabay.
A mediação pode ocorrer por um instrumento ou um signo, ou seja, sempre há algo no
meio da relação entre o sujeito e o mundo. O homem cria instrumentos e os utiliza a fim
de causar modificações externas. Por exemplo, usamos o computador para trabalhar,
a caneta para escrever um recado. Da mesma forma, o ser humano cria instrumentos
internos e inventa símbolos que nos ajudam na fala, na escrita, na leitura, nos gestos. Já
os materiais simbólicos nos auxiliam em atividades psíquicas para controlar atenção,
memória e outros (REGO, 2011).

A LINGUAGEM

Vygotsky dedica especial atenção à questão da linguagem, compreendida como um


sistema simbólico fundamental que organiza os signos em estruturas complexas e de-
sempenha um papel indiscutível na formação das características psicológicas humanas.
Por meio da linguagem, podemos designar os objetos do mundo exterior, como por
exemplo, uma tesoura, que é um objeto usado em diferentes locais por diversas pessoas,
mas sua função é sempre recortar e sua qualidade é ser afiada, por isso é preciso cui-
dado ao manusear (REGO, 2011). O surgimento da linguagem imprime três mudanças
essenciais nos processos psíquicos do homem.

Elementos simbólicos da linguagem


Fonte: Elaborado pela autora. Baseado em Rego (2011).

Os sistemas simbólicos, em especial a linguagem, atuam como elementos mediadores


que permitem a comunicação entre os indivíduos, o estabelecimento de significados
partilhados por determinado grupo e cultura, a percepção e a interpretação de objetos,
eventos e situações da vida cotidiana. É por esse motivo que Vygotsky afirmou que os
processos de funcionamento mental do homem são fornecidos pela cultura por meio
da mediação simbólica. A cultura, entretanto, não é pensada como algo pronto, como
um sistema estático ao qual o indivíduo se submete, e sim como uma espécie de “palco
de negociações”, onde ocorre um constante movimento de recriação, reinterpretação
de informações, conceitos e significados (OLIVEIRA, 1993).

45
ANOTE ISSO
Sem a linguagem, a inteligência da criança permanece uma capacidade pu-
ramente prática, natural, semelhante ao que ocorre com os animais, como
os macacos, que possuem uma habilidade limitada a funções elementares,
reduzida a sensações e percepções. Com a linguagem, podemos interagir,
e com a interação social ocorre o que Vygotsky nomeou de “criação e en-
sino”, que são imprescindíveis ao desenvolvimento humano. Dessa forma,
o desenvolvimento cognitivo é fundamentalmente uma função da ampla
interação verbal que ocorre entre os adultos e a criança. Por meio dessas
interações, a criança desenvolve a linguagem e como consequência o pen-
samento lógico (LEFRANÇOIS, 2018).

A FORMAÇÃO DAS FUNÇÕES PSICOLÓGICAS SUPERIORES

A lógica do desenvolvimento, como a memória, a atenção voluntária e o pensamento


não ocorrem no plano individual, mas de maneira interpessoal, mediante relações com
os outros. Para que uma criança consiga realizar tarefas e manter atenção nessa ativida-
de, é necessário que um adulto fique lembrando, dando instruções, explicando, assim,
as funções psicológicas colocam-se em funcionamento por meio da ajuda de outra pes-
soa. Portanto, o acesso a funções psicológicas superiores e ao domínio de instrumentos
ocorre porque outras pessoas mais experientes estiveram mediando, oferecendo ajuda
naquilo que a criança, ou até mesmo nós, não seríamos capazes de fazer sozinhos em
um dado momento. Isso significa que houve uma passagem do plano intermental para
o plano intramental. Ou seja, intermental é aquilo que somos capazes de fazer sob a
supervisão de outra pessoa. O plano intramental é o que depois seremos capazes de
realizar de maneira autônoma. Enfim, o que sabemos fazer hoje, com autonomia, em
determinado momento foi alcançado na interação com os outros (SALVADOR, 1999).
Vygotsky nos chama a atenção dizendo que o nível intrapsicológico não é uma sim-
ples cópia daquilo que está no ambiente, mas depende de certa atividade complexa
do sujeito que reconstrói e ressignifica internamente o que encontra e absorve em seu
meio e cultura. O que ocorre é uma junção entre o ser humano tal como é e está e o
meio social e cultural em que está imerso. Não há desenvolvimento humano isolado,
mas sim trocas recíprocas durante toda a vida, que se influenciam a todo o momento.
Rego (2011) descreve que o sujeito na perspectiva de Vygotsky age sobre o meio e é ativo.
Vejamos:

[...] nessa abordagem, o sujeito produtor de conhecimento não é um


mero receptáculo que absorve e contempla o real, nem o portador de
verdades oriundas de um plano ideal; pelo contrário, é um sujeito ativo
que em sua relação com o mundo, com seu objeto de estudo, recons-
trói (no seu pensamento) este mundo. O conhecimento envolve sem-
pre um fazer, um atuar do homem (REGO, 2011, p.98). (grifo meu)

A teoria de Vygotsky diz muito sobre as forças que atuam sobre a aprendizagem das
crianças. Enfatiza o papel da cultura, da linguagem e diz muito sobre a importante rela-
ção que existe entre professores e alunos. Nesse sentido, coloca em discussão o processo
de aprendizagem. Enquanto Piaget acreditava que para haver aprendizado era neces-
46
sário certo nível de desenvolvimento, Vygotsky pensava o contrário: são as aprendiza-
gens ocorridas no meio sociocultural que impulsionam o desenvolvimento. Isso quer
dizer que as relações sociais cotidianas são necessárias ao aprendizado. Muito de sua
aceitação e popularidade decorrem da relação descritiva de sua teoria entre professores
alunos, ou entre pais e crianças. Nas ideias de Vygotsky, a relação ocorre em duas vias, e
ensinar e aprender estão na mesma via. O professor aprende com a criança e sobre ela,
da mesma forma que a criança aprende por causa das ações do professor. Essa relação
Vygotsky nomeou de zona de desenvolvimento proximal (LEFRANÇOIS, 2018).
Quando nos referimos ao desenvolvimento da criança, buscamos compreender o
que ela já sabe, “até onde já chegou”, e assim observamos seu desempenho em dife-
rentes ocasiões e tarefas. Quando a criança já sabe realizar uma tarefa, referimos à capa-
cidade de realizá-la sozinha. Vygotsky chama essa capacidade de zona de desenvolvi-
mento real. Nesse sentido,

[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma


determinar através da solução independente de problemas, e o nível
de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de pro-
blemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com com-
panheiros mais capazes (VYGOTSKY, 1994, p. 112).

No nível de desenvolvimento real, situamos as etapas já alcançadas pela criança. Vy-


gotsky chama a atenção ao fato de que para compreender da forma correta o desen-
volvimento devemos considerar, juntamente, o nível de desenvolvimento real e o nível
de desenvolvimento potencial. Isto é, sua capacidade de desempenhar tarefas com a
ajuda de adultos ou companheiros mais capazes, pois há tarefas que uma criança não
conseguirá realizar sozinha, mas se tornará capaz de fazê-las se alguém lhe der supor-
te, instruções, exemplos. A possibilidade de alteração no desempenho de uma pessoa
através da interferência de outra é fundamental na teoria de Vygotsky (OLIVEIRA, 1993).

Dois níveis de desenvolvimento


Fonte: A autora. Baseado em Vygotsky (1994).

ISTO ESTÁ NA REDE


Vygotsky tinha grande interesse em saber como a escola interferia no de-
senvolvimento intelectual das crianças. Uma das contribuições do estudioso
foi o desenvolvimento do conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal.
https://www.youtube.com/watch?v=vUX3XJVPlWo
47
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
A tarefa do professor e dos pais é cuidar para que as crianças participem de
atividades dentro de sua zona de crescimento potencial. Significa que você,
futuro professor, não deve apresentar atividades tão fáceis a ponto de as
crianças conseguirem realizá-las sem nenhum esforço, nem tão difíceis. O
ideal é que sejam atividades que necessitem de orientação de um adulto ou
colaboração de um companheiro apto a realizá-la. O modo como o sujeito
pode ser ajudado é conceituado por Vygotsky com o nome de suporte, que
significa entre outras coisas, orientação e auxílio, que afetam positivamente
a aprendizagem e o desenvolvimento (LEFRANÇOIS, 2018). Lembre-se disso!

48
AULA 09

PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY


NO DESENVOLVIMENTO E NA
APRENDIZAGEM
A CONSTITUIÇÃO DO
CONHECIMENTO HUMANO
Na aulas anteriores nos familiarizamos com as ideias de Piaget e Vygotsky. Vimos fatores
que podem interferir no desenvolvimento humano e algumas possíveis relações com
o fenômeno educativo. Você pôde perceber que as relações entre teoria e prática são
complexas e dinâmicas, e não vêm organizadas como um manual de instruções ou uma
receita de bolo. Na prática, temos problemas, convivemos com situações conflitivas a
todo o momento, mas, se pararmos para refletir, podemos relacionar teoria à prática, ul-
trapassando os limites da teorização, que se desdobra em conhecimento humano. Essa
relação dinâmica é essencial.
O objetivo dessa aula é compreender a relação entre desenvolvimento e aprendiza-
do e, ainda, identificar os diversos processos psicológicos constitutivos do conhecimen-
to humano, entre eles memória, atenção, percepção e emoção.

RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APRENDIZADO

Juntamente com a preocupação com o desenvolvimento humano, Vygotsky enfatiza


em sua obra a importância dos processos de aprendizagem desde o nascimento da
criança, em que desenvolvimento e aprendizado estão incorporados. A criança, em sua
constante interação com o adulto, vai aos poucos incorporando os significados produzi-
dos ao longo da história humana (OLIVEIRA, 2010).

Existe um percurso de desenvolvimento, em parte definido pelo pro-


cesso de maturação do organismo individual, pertencente à espécie
humana, mas é o aprendizado que possibilita o despertar de proces-
sos internos de desenvolvimento que, não fosse o contato do indivíduo
com certo ambiente cultural, não ocorreriam (OLIVEIRA, 2010, p. 58).

Aprendizagem em espiral: a ideia de processo


50
Fonte: Pixabay.
Chamamos de concepção processual de desenvolvimento o aprendizado que ocorre
por meio de aprendizagens constantes, em movimentos de ida e volta, compondo-se de
avanços e recuos, contradições e aprofundamentos. Vista dessa forma, a aprendizagem
não é composta por acúmulos de informações nem como uma escada com a qual o
sujeito vai alcançando degraus. Defendemos que a aprendizagem ocorre constituída de
uma rede de interações sociais a que estamos imersos em nosso meio social e cultural.
A ideia de uma espiral nos é mais apropriada para entendermos a ideia de processo
(OLIVEIRA, 2010).

ANOTE ISSO
No processo pedagógico, é fundamental o papel da mediação, seja social ou
instrumental, para a internalização das trocas entre professores e alunos. Os
procedimentos regulares que ocorrem na escola (demonstração, assistên-
cia, pistas, uso de material instrucional) são fundamentais para o bom ensi-
no e desenvolvimento do indivíduo. As interações sociais na escola passam
a ser entendidas como condição necessária para a apropriação e produção
de conhecimento. Quando o professor estimula o diálogo, a cooperação, a
troca de informações, o confronto de ideias e a divisão de tarefas está pro-
piciando a construção de conhecimentos numa ação partilhada. Para Vygot-
sky, as relações entre sujeito e conhecimento são estabelecidas por meio
dos outros (REGO, 2011).

O aprendizado é o processo pelo qual o indivíduo adquire informações, habilidades, ati-


tudes e valores a partir do contato com a realidade, com o meio ambiente e com as pes-
soas. Tal conceito em Vygotsky tem um significado mais abrangente que sempre envol-
ve a interação social. Na falta de situações propícias ao aprendizado, o desenvolvimento
fica impedido de ocorrer (OLIVEIRA, 2010). Dentre tantos processos constitutivos do co-
nhecimento e aprendizagem humano, daremos atenção especial à memória, atenção,
percepção e emoção.

MEMÓRIA, ATENÇÃO, PERCEPÇÃO E EMOÇÃO

Como vimos em discussões anteriores, o foco da teoria sociocultural é compreender a


gênese, a função e a estrutura dos processos psicológicos superiores, pois são eles os
responsáveis pelas condutas tipicamente humanas. Dessa forma, para construir conhe-
cimento é necessário utilizar da memória, da atenção e da percepção em um ambiente
e um clima emocionalmente favoráveis.
A percepção, baseada no sistema sensorial humano, torna-se cada vez mais um pro-
cesso complexo que aos poucos ficará distante das determinações fisiológicas dos ór-
gãos sensoriais, embora não deixe nunca de utilizá-los. A mediação simbólica cultural é
um suporte fundamental para explicar o funcionamento da percepção. O bebê humano
tem, inicialmente, seu sistema sensorial definido apenas pelo aparato fisiológico. Por
meio da internalização da linguagem, dos conceitos e significados culturalmente cons-
truídos, a percepção deixa de ser algo apenas biológico e passa a ser mediada por con-
teúdos culturais. Um exemplo: não vemos uma pessoa segurando um microfone próxi-
mo à boca, apenas. Vemos a pessoa cantando, em tons variados, uma música agradável
ou desagradável. Dessa forma, os atributos não são isolados, mas interpretados dentro
51
de um emaranhado de percepções, funções e inferências baseadas em conhecimentos
adquiridos à luz de outros conteúdos psicológicos (OLIVEIRA, 2010).
Podemos pensar de forma parecida como quando nos referirmos à atenção. Inicial-
mente baseada em mecanismos neurológicos inatos, a atenção vai gradualmente sen-
do submetida a processos voluntários em grande parte fundamentados pelas media-
ções simbólicas. Ao longo de seu desenvolvimento, o ser humano começa a dirigir sua
atenção a elementos eleitos por ele como relevantes. É comum encontrarmos crianças
e adultos dando mais atenção para uma coisa ou situação do que para outras. Você já
viu isso? Costumamos dizer que a pessoa presta atenção ao que lhe interessa. A seleti-
vidade dos estímulos também é baseada nos significados produzidos cultural e social-
mente, nos significados particulares que eles evocam em cada pessoa em particular
(OLIVEIRA, 2010).
A memória é outro processo psicológico importante e essencial ao aprendizado hu-
mano. Essa função psicológica sofre influências significativas da linguagem. Temos a
memória natural, que é atrelada ao desenvolvimento biológico humano e não é me-
diada, mas um registro não voluntário de informações, mais elementar e surge como
consequência direta dos estímulos externos. A memória mediada tem uma natureza
bastante diferente e permite ao indivíduo controlar seu próprio comportamento de ma-
neira deliberada por meio da utilização de instrumentos e signos que provoquem a lem-
brança do conteúdo a ser recuperado. As pessoas utilizam vários signos para memoriza-
ção: calendários, agendas, listas de compras. Dessa forma, a capacidade de memorizar
fica claramente aumentada e sua relação com conteúdos culturais também fica clara e
estabelecida (OLIVEIRA, 2010). Dessa forma, podemos dizer que, para Vygotsky,

[...] as funções psicológicas superiores, típicas do ser humano, são por


um lado, apoiadas nas características biológicas da espécie humana e,
por outro lado, construídas ao longo de sua história social. Como a re-
lação do indivíduo com o mundo é mediada pelos instrumentos e sím-
bolos desenvolvidos no interior da vida social, é enquanto ser social que
o homem cria suas formas de ação no mundo e as relações complexas
entre suas várias funções psicológicas. Para desenvolver-se plenamen-
te como se humano o homem necessita, assim, dos mecanismos de
aprendizado que movimentarão seus processos de desenvolvimento
(OLIVEIRA, 2010, p. 80).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


A memória, a percepção e a atenção são processos psicológicos ampla-
mente utilizados em sala de aula. Os escolares anotam o que aprendem e
elaboram formas de retomarem os conteúdos de aprendizagem. Os alunos
marcam partes importantes no texto e anotam algumas falas importantes
do professor. Focaliza sua atenção em gestos, experimentos, objetos, dis-
cussões e respostas de perguntas dos colegas. Qualquer comprometimento
de uma dessas funções sem dúvida dificultará a aprendizagem dos alunos.

As concepções de Vygotsky sobre o ser humano partem de inserir o indivíduo em um


determinado ambiente cultural. Para o autor, é impossível pensar o ser humano privado
do contato com um grupo cultural, que lhe fornecerá os instrumentos e signos que
possibilitarão o desenvolvimento das atividades psicológicas mediadas tipicamente
humanas. O desenvolvimento da espécie humana está sempre em interferência direta
ou indireta de outros indivíduos e da reconstrução pessoal da experiência e dos signifi-
52
cados (OLIVEIRA, 2010).
Caro(a) aluno(a), como você pôde perceber, a memória, a atenção e a percepção são
muito importantes, mas o que dá sentido aos processos de aprendizagem é a emoção.
É o grau de comprometimento emocional tanto do aprendente quanto do professor.
Vygotsky não separa o intelecto do afeto, pois busca uma abordagem abrangente que
seja capaz de entender o sujeito em sua totalidade, com os desejos, necessidades, emo-
ções, motivações, interesses, impulsos e inclinações individuais que dão origem ao pen-
samento que influencia o aspecto afetivo-evolutivo.
Vygotsky acreditava que cognição e afeto se inter-relacionam, formando uma uni-
dade no processo dinâmico do desenvolvimento psíquico que seria impossível separa-
damente. Portanto, queremos apontar para uma abordagem unificadora. Vygotsky nos
impressiona por sua atualidade, visto que essas ideias são marcadas em suas obras nos
anos de 1920 e 1930, mas muito se aproximam das tendências contemporâneas. Para
Vygotsky, a emoção é a linguagem que ocorre antes da própria linguagem, responsável
pelas relações estabelecidas dentro da sala de aula e pela construção de vínculos, o que
causa o despertar do interesse pelo conhecimento. A afetividade cria um elo entre pro-
fessor e crianças. Dentre muitas questões, a emoção da descoberta de si, do outro, de sua
identidade e do pertencimento move o sujeito na busca pelo conhecimento (REGO, 2011).

Percepção Atenção Memória Emoção

Principais Inicialmente está Inicialmente é Inicialmente é Ocorre antes


aspectos baseada nas involuntária; com o natural; com o da linguagem e
características do desenvolvimento, desenvolvimento torna-se respon-
sistema sensorial passa a ser voluntá- passa a ser me- sável por conca-
humano; com o ria e mediada pela diada pela cultu- tenar aspectos
desenvolvimen- cultura; a criança ra, pelos signos cognitivos e
to, transforma-se seleciona situa- e instrumentos afetivos.
em uma relação ções e aspectos que ampliam as
mediada pela mais significativos possibilidades da
cultura. para focalizar sua memória.
atenção.

Importância Percepção, atenção, memória e emoção são processos psicológicos fundamentais


para a prática para a construção do conhecimento e para a aprendizagem. São ferramentas im-
pedagógica prescindíveis para a apropriação dos conteúdos escolares. No entanto, a emoção
é base para que tudo faça sentido e para que o desejo de aprender aconteça. O
afeto, a emoção positiva permite a construção de vínculos afetivos importantes,
sem o qual não é possível acontecer à aprendizagem.

Principais aspectos dos processos psicológicos


Fonte: A autora. Baseado em Oliveira (2010).

ISTO ESTÁ NA REDE


Está disponível em rede um programa onde são elencadas algumas das
principais ideias de Vygotsky que influenciaram a educação.
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=_BZtQf5NcvE&t=335s
53
AULA 10

O PENSAMENTO,
A LINGUAGEM E A
CONSTRUÇÃO DE
CONCEITOS
Caro(a) aluno(a), nesta aula convido você a focar o olhar de forma mais elaborada no
pensamento e na linguagem. Por meio das palavras, compartilhamos nossas vivências
e nossas vidas com as de outras pessoas. A linguagem nos integra por meio do nosso
convívio.
Na escola, a linguagem, as palavras se complicam, pois carregam relações comple-
xas. Aprendê-las significa apropriar-se de elaborações sofisticadas desenvolvidas ao
longo do tempo. Sendo assim, nos interessa saber como as crianças se apropriam das
palavras. Como elaboram o significado delas? Como compreendem e utilizam suas di-
versas funções? Conhecer tudo isso é muito importante para você saber como os psicó-
logos, linguistas, filósofos e educadores discorrem sobre o assunto. O objetivo principal
é relacionar as funções de pensamento e de linguagem na construção de conceitos. As
teorias são descrições; explicações organizadas em um corpo de conhecimentos sobre
questões que a prática nem sempre nos coloca de maneira simples. Mas quando para-
mos para pensar em determinada situação, percebemos que vale o esforço da busca do
percurso teórico porque ele nos dá base para uma reflexão crítica e sistemática, e isso é o
que chamamos de produção de conhecimento, que ultrapassa uma simples teorização.

O MOVIMENTO PROGRESSIVO DA LINGUAGEM


E A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS

Para Piaget, o conhecimento é elaborado e ocorre no intercâmbio entre sujeito e objeto.


Dito isso, relembramos que o conhecimento nunca é uma simples cópia da realidade,
nem tampouco herdado. Conhecer implica atuar sobre determinada realidade de forma
ativa e transformadora. Já dissemos isso em outro momento, mas vale a pena reafirmar.
Nos primeiros estudos sobre pensamento e linguagem, Piaget se preocupa em falar
sobre a passagem do egocentrismo infantil para a objetividade e para adiante o pensa-
mento lógico, que está relacionado à linguagem socializada, em que termos e conceitos
são compartilhados por todos os membros do grupo e possuem uma estrutura lógica.
Veremos questões de ordem lógico-verbal, ou lógico conceitual. Nesse sentido, fica visí-
vel o progresso das características do pensamento infantil, que inicialmente é egocên-
trico (DONGO MONTOYA, 2006).
Vamos ver a correspondência entre pensamento e linguagem, começando pela
criança no estágio sensório-motor. Nesse estágio, Piaget acha inconcebível falar em so-
cialização da inteligência. Ela é essencialmente individual.
Quando a inteligência sensório-motora alcança o plano do pensamento, as ações pas-
sam a fazer parte de um conjunto e se desvinculam da percepção imediata. Com a inteli-
gência conceitual, os sistemas de compreensão do sujeito se alteram, libertam-se de seu
próprio egocentrismo motor e perceptivo por meio de descentrações sucessivas propor-
cionadas pelas coordenações mentais. Para que a criança consiga alcançar a construção
das operações reversíveis, é necessário converter o egocentrismo inicial do pensamento
em um sistema de relações e de classes descentradas do eu. A ação, agora mediada pelo
abstrato, não será simples ação, mas operação, ou seja, ação em pensamento. Mas tudo
isso supõe uma reconstrução do pensamento muito trabalhosa, em que os esquemas po-
derão se tornar conceitos (POKER, 2007). Mas o que leva a essa transformação? Vejamos:

Por volta de um ano e meio de idade, por meio da interiorização dos es-
quemas de ação construídos no período sensório-motor, a criança de-
senvolve, conforme aponta a teoria piagetiana, a função simbólica, isto
é, torna-se capaz de diferenciar significantes de significados, podendo
desenvolver sua capacidade de imaginar e pensar, de lidar sobre as
coisas usando imagens, símbolos e signos, ou seja, de poder agir não só 55

em atos, mas também em pensamento (POKER, 2007, p. 66).


Para Poker (2007), inicialmente os bebês têm uma memória de reconhecimento das
coisas. Não existe ainda a memória de evocação. Mais à frente, ocorrem as primeiras
representações mentais, quando a criança evoca situações e objetos por meio de ima-
gens mentais que não são ainda conceitos. No final do período sensório-motor, a criança
coordena meios e fins. Os esquemas da inteligência começam a ser realizados interior-
mente, constituindo o primórdio do pensamento. Além de reconhecer que há um mun-
do extraperceptivo, as interações do sujeito com o meio assumem outra dimensão, le-
vando-o a iniciar o processo de descentração. A representação torna-se um instrumento
muito importante, pois a criança passa a fazer em pensamento o que antes só fazia em
atos, ou seja, resolve problemas por meio do pensamento.
Para Piaget, o nascimento da imagem está intimamente atrelado ao nascimento do
pensamento enquanto coordenação interna de esquemas. A aquisição da linguagem
está ligada à constituição da capacidade humana de representar e diferenciar signifi-
cante de significado e ao exercício da função simbólica (DONGO MONTOYA, 2006).

ANOTE ISSO
Você sabe o que é função simbólica? Função simbólica é a capacidade de
representar o mundo. A função simbólica permite à criança desprender-se
do seu contexto imediato e reproduzir mentalmente aquilo que está fora do
alcance de sua visão. Exercemos essa função através das diversas lingua-
gens: desenhar, escrever, falar (PIAGET, 1975).

A partir da função simbólica, que aparece no período pré-operatório, entre os dois e


sete anos de idade, a linguagem passa a desenvolver o papel de expressar o pensamen-
to. Ainda assim, durante a fase pré-operatória, algumas crianças apresentam limitações
para estabelecer trocas intelectuais equilibradas. A criança ainda não conserva suas de-
finições durante uma conversa, mas troca de opinião sem nenhum problema. São idas
e vindas, sem nada comentar, e afirmam o contrário do que estavam dizendo, o que nos
parece haver uma falta de regulação essencial ao raciocínio, pois ela não conserva suas
construções anteriores. Tudo isso resume o que Piaget chamou de pensamento ego-
cêntrico: como o próprio nome indica, tal pensamento está centrado em si, no “eu”. En-
tretanto, o egocentrismo significa também que a criança não tem domínio de seu “eu”,
já que ela é totalmente heterônoma em seus modos de pensar e agir (LA TAILLE, 2016).
Os promotores do desenvolvimento do pensamento são os fatores sociais e culturais.
Quando Piaget demarca o desenvolvimento da linguagem e do pensamento com a pa-
lavra progresso, ele quer dizer que ocorre uma evolução do pensamento “autístico”, que
é individual e incomunicável, para o pensamento “dirigido” (socializado, orientado pela
adaptação progressiva dos indivíduos uns com os outros), o progresso é atribuído à ação
do meio social e da linguagem (DONGO MONTOYA, 2006).

56
O pensamento na criança e a relação com o outro
Fonte: Pexels.com

A interação entre o sujeito e o meio é fundamental, pois é a troca que favorecerá o desen-
volvimento da lógica no plano da representação porque permite a troca de ideias, a repre-
sentação mental, a descoberta de novas perspectivas, a expressão de novas experiências,
enfim, o próprio pensamento (POKER, 2006). Para Piaget, a linguagem tem a função de
expressar o desenvolvimento intelectual e a capacidade de construir símbolos adquirida
por meio da representação, o que possibilita o surgimento da linguagem social.

ISTO ESTÁ NA REDE


No artigo “Pensamento e linguagem: percurso piagetiano de investigação”
o autor Adrián Oscar Dongo Montoya analisa o percurso piagetiano de in-
vestigação sobre as origens e relações existentes entre linguagem e pensa-
mento.
O artigo está disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v11n1/v11n1a14>

PENSAMENTO E LINGUAGEM

Para Piaget, o pensamento precede a linguagem, em que esta se limita a transformar


aquele, levando-o a formas cada vez mais elaboradas.

A partir do momento em que a criança desenvolve a função simbólica,


atinge um potencial que alimenta e amplia seu pensamento operativo
que está em desenvolvimento, e que, sem a representação, ficaria limita-
do aos fatos perceptivos e motores do aqui e agora. Com a representação,
a organização interna da inteligência amplia-se progressivamente, de-
pendendo das solicitações do meio no qual o sujeito está inserido, e das 57

trocas simbólicas que ele mantém com esse meio (POKER, 2006, p. 71).
Com o aparecimento da linguagem, os esquemas tornam-se mais flexíveis, pois a equi-
libração entre assimilação e acomodação se aperfeiçoa. A função simbólica começa a se
constituir no final do sensório-motor e segue sua evolução por todo o transcorrer do pe-
ríodo pré-operatório, que em média vai dos dois aos sete anos de idade (POKER, 2006).
Das narrativas, as crianças avançam para descrições. São capazes de representar o
que pensam ou algum acontecimento passado, e nomeia pessoas e objetos. O signifi-
cado das coisas começa a ser transformado em conceitos, a ser estabilizado. Ao atingir a
operatividade do pensamento, as respostas lógicas aumentam e o pensamento se socia-
liza, podendo agora trocar ideias e começar o exercício de descentração (PIAGET, 1975).
No período pré-operatório e de operações concretas, as palavras expressam relações
lógicas, e a criança elabora sua linguagem baseando-se em exemplos reais. “[...] O sujei-
to desenvolve sua capacidade de argumentar ou provar, e de compreender a visão dos
outros” (POKER, 2006, p.73).
Piaget (1975) acredita que a linguagem constitui-se como um importante instrumento
para a formação e socialização das representações. Em outras palavras, a linguagem cons-
titui-se como instrumento simbólico importante que possibilita o desenvolvimento mental
devido às suas trocas sociais. “[...] Quando há possibilidade de o signo propriamente dito
se constituir em conceitos, a inteligência conquista estágios mais elaborados de organiza-
ção interna, atingindo a operatividade do pensamento” (POKER, 2006, p. 74). Somente na
adolescência, com o aparecimento das operações formais, ao adolescente será possível ex-
pressar pensamentos abstratos, dando-lhe condições de raciocinar em um plano hipotéti-
co-dedutivo, que o fará capaz de aprender conceitualmente e aprimorar a linguagem social.

Pensamento lógico
Pensamento egocêntrico
(Pensamento socializado)

Linguagem lógica
Linguagem egocêntrica
(Linguagem socializada)

Progresso do desenvolvimento do pensamento e da linguagem


Fonte: A autora. Baseado em Dongo Montoya (2006, p.120).

Piaget (1975) faz algumas afirmações para esclarecer o papel da linguagem para a cons-
tituição do pensamento: as operações intelectuais e suas raízes estão no período sen-
sório-motor; a formação do pensamento está fundada na função simbólica e não na
linguagem; o sujeito assimila a linguagem quando a relaciona com as estruturas cog-
nitivas que possui; o pensamento repousa sobre condutas verbais; a linguagem é ne-
cessária ao acabamento das estruturas operatórias como instrumento de formulação e
reflexão (POKER, 2006).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Se você pedir a uma criança sentada de um lado da mesa, sobre a qual estão
diversos materiais, que os desenhe ou escreva sob o ponto de vista da outra
pessoa sentada do outro lado, a criança do estágio pré-operatório teria extre-
ma dificuldade em realizar tal tarefa, justamente porque exige a habilidade de
descentração, ou seja, de se colocar no ponto de vista do outro. Do mesmo
modo, ocorrem situações de conflitos entre crianças, quando uma agride e
outra é agredida, o pensamento egocêntrico impossibilita que a criança que
agrediu sinta como a outra criança agredida se sente e vice-versa. Dessa for-
ma, o famoso “colocar no canto pra pensar” de nada resolve, pois crianças
pequenas elegem o próprio ponto de vista como absoluto (LA TAILLE, 2016).
58
AULA 11

PENSAMENTO E
LINGUAGEM PARA VYGOTSKY
E A LINGUAGEM DA CRIANÇA
Caro(a) aluno(a), acompanhamos na aula anterior as ideias de Piaget referentes ao de-
senvolvimento do pensamento e da linguagem na criança. Agora, queremos trazer à
luz as ideias de Vygotsky (1896-1934) que definem as relações entre o pensamento e a
linguagem, diferentes de Piaget. O objetivo desta aula é trazer o pensamento de Vygot-
sky sobre as relações entre o pensamento e a linguagem infantis e como essa relação
contribui para a formação de conceitos.

PENSAMENTO E LINGUAGEM EM VYGOTSKY

Vygotsky define que o pensamento e a linguagem têm origens diferentes e desenvol-


vem-se com trajetórias diferentes e independentes. Na evolução do indivíduo, desde seu
nascimento, existem fases: antes de o pensamento e a linguagem se associarem, existe
uma fase pré-verbal no desenvolvimento do pensamento e uma fase pré-intelectual no
desenvolvimento da linguagem. Antes de dominar a linguagem, a criança tem a capa-
cidade de resolver problemas práticos utilizando instrumentos, como, por exemplo, usar
a cadeira para nela subir e pegar algo que deseja. Embora não domine a linguagem
enquanto sistema simbólico, ela já utiliza manifestações verbais tais como choro, riso e
balbucio, que servem como meio de contato social e de comunicação (OLIVEIRA, 2010).
Dessa forma, podemos identificar na criança ao nascer:

Linhas de evolução do pensamento e da linguagem.


Fonte: A autora. Baseado em Oliveira (2010).

Quando os processos de desenvolvimento do pensamento e da linguagem se unem,


surgem então o pensamento verbal e a linguagem racional, quando o ser humano pas-
sa a ter um modo de funcionamento mais sofisticado mediado pelo sistema simbólico
de linguagem. O pensamento verbal passa a predominar na ação, por isso, ele é tipica-
mente humano (OLIVEIRA, 2010).
A linguagem humana, sistema simbólico fundamental na mediação entre sujeito e
objeto de conhecimento, tem para Vygotsky a função de intercâmbio social e de pen-
samento generalizante. Além de servir ao propósito de comunicação entre indivíduos, a
60
linguagem simplifica e generaliza a experiência e ordena as instâncias do mundo real em
conceitos, cujo significado é compartilhado pelos usuários dessa linguagem. Ao utilizar a
linguagem para nomear objetos que têm em comum certos atributos, estamos na verda-
de classificando esses objetos em uma categoria, em uma classe de objetos. A utilização
da linguagem favorece, assim, processos de abstração e generalização (OLIVEIRA, 2016).
Vygotsky divide o percurso da formação de conceitos em três estágios. No primeiro,
a criança forma conjuntos sincréticos e agrupa objetos com base em nexos vagos, sem
uma unidade interna. O significado da palavra não está totalmente definido. O segundo
estágio é chamado de “pensamento por complexos”, que é fundamentado na experiên-
cia concreta, desenvolve a capacidade de generalização e reflete uma conexão ou asso-
ciação prática, casual e concreta. “Qualquer conexão factualmente presente pode levar
à inclusão de um determinado elemento em um complexo. É esta a diferença principal
entre um complexo e um conceito” (OLIVEIRA, 2016, p. 29).
A formação de complexos exige a combinação de objetos com vistas à sua simila-
ridade e à unificação de impressões dispersas. Quando atinge esse estágio, geralmen-
te a criança já superou seu egocentrismo e seu pensamento já é coerente e objetivo.
Para Vygotsky, o pensamento por complexo constitui-se como um longo período no
desenvolvimento conceitual e antecede os conceitos propriamente ditos, elaborados na
adolescência. No terceiro estágio, o pseudoconceito é a forma mais elaborada do pen-
samento por complexo, que levará à formação de conceitos propriamente ditos e não
é um percurso linear. Fundamentado na relação entre palavras, organiza o mundo por
meio de modelos teóricos e desenvolve a capacidade de abstração (OLIVEIRA, 2016).
Para Vygotsky (1994), linguagem e pensamento se integram por meio do conceito, que
constitui um processo dinâmico e complexo do pensamento e realiza a função de comu-
nicação com significado, a compreensão e a resolução de problemas. A palavra se coloca
como signo mediador na formação dos conceitos e, mais adiante, se tornará símbolo. Isso
quer dizer que, ao aprender a palavra colher, por exemplo, a criança não está apenas imi-
tando ou repetindo os sons que ouve do adulto e aplicando ao objeto que vê. Está, além
disso, construindo um conceito de colher e aplicando-o ao objeto que vê, ou seja, está
compreendendo que aquela palavra se aplica a toda uma classe de objetos que servem
para comer. E é por isso que não podemos falar em desenvolvimento da linguagem sem
pensar no desenvolvimento do pensamento, ou seja, no desenvolvimento de conceitos.

A formação de conceitos.
61
Fonte: Pexels.com
ESTÁGIOS DA LINGUAGEM E DO DESENVOLVIMENTO
CONCEITUAL EM VYGOTSKY

O primeiro estágio no desenvolvimento da linguagem é a fala social, também conheci-


da como fala externa, que abrange os primeiros anos de vida e cujo início é essencial-
mente um estágio pré-fala. Durante esse estágio, o pensamento é predominantemente
não verbal. A fala é egocêntrica e surge por volta dos três aos sete anos de idade, quando
as crianças falam por si como sendo um esforço para orientar seu próprio comporta-
mento em vez de apenas o dos outros. O estágio final, a fala interior, refere-se ao falar
para si mesmo. Nosso falar para nós mesmos é aquilo que nos afirma que estamos vivos
e conscientes, que nos permite observar e dirigir nosso próprio comportamento. Enfim,
a linguagem começa como um tipo de ferramenta externa que é muito útil na interação
social e também para guiar o comportamento social. O falar consigo mesmo, para as
crianças, serve como um guia do pensamento ( LEFRANÇOIS, 2018).
Na tabela, temos os estágios do Desenvolvimento da Linguagem:

Estágio de Idade Característica e Desenvolvimento


Desenvolvimento aproximada Funções da fala Conceitual
da linguagem

Social Até os Os sons pré-fala: expressam es- O pensamento é inde-


3 anos tados emocionais, como fome pendente da linguagem;
ou raiva. Sons significativos; pri- a fala é independente do
meiras palavras. Sentenças sim- pensamento.
ples (controlam pensamento do
outro; expressam pensamentos
e emoções simples).

Egocêntrico De 3 a Caracterizado por falar consigo A fala é mais conceitual;


7 anos mesmo; geralmente, falar alto. o pensamento é mais
Serve para guiar o próprio com- verbal. Tentativas desor-
portamento. ganizadas de resolver
problemas.

Interno De 7 anos Falar consigo em silêncio, define O pensamento é alta-


adiante o “fluxo da consciência”. Torna mente verbal.
possível dirigir seu próprio pen- Resolve problemas mais
samento e o comportamento, complexos.
envolvido no funcionamento
Capacidade de analisar
mental superior.
e sintetizar dimensões
abstratas.

Os Estágios de Desenvolvimento da Linguagem em Vygotsky


Fonte: Lefrançois (2018, p. 258).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


A fala egocêntrica, ou discurso egocêntrico, é o discurso da criança quando
ela dialoga alto consigo mesma, quando “fala sozinha”. Isso ocorre frequen-
temente com crianças por volta dos três ou quatro anos de idade. Ao querer
um objeto ou brinquedo que está no alto, fora do seu alcance, a criança diz
para si: “Vou pegar aquele ursinho no alto...”, “a cadeira é grande, vou subir
nela para pegar o ursinho...”. São exemplos simples e reais (OLIVEIRA, 2010).
62
É interessante mencionar que a questão da fala egocêntrica é o ponto mais forte de di-
vergência entre Piaget e Vygotsky. Para Piaget, a função da fala egocêntrica é exatamente
oposta à proposta por Vygotsky, que seria uma transição entre estados mentais individuais
não verbais de um lado, e o discurso socializado e o pensamento lógico de outro. Piaget
postula uma trajetória “de dentro para fora”, enquanto Vygotsky considera que o percur-
so é de “fora para dentro” do indivíduo. O discurso egocêntrico é de certa forma tomado
como transição entre processos diferentes para cada um desses teóricos (OLIVEIRA, 2010).

ISTO ESTÁ NA REDE


No artigo “Transformação do Pensamento e da linguagem na aprendizagem
de conceitos”, Maria E. Bernardes traz a relação entre pensamento e lingua-
gem. Este texto nos serve de apoio aos conceitos trabalhados nesta aula.
Confira!
O artigo está disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psie/n26/v26a05.pdf>.

Vygotsky explica o papel da escola no desenvolvimento do indivíduo fazendo uma dis-


tinção importante: conceitos cotidianos ou espontâneos são aqueles conhecimentos
construídos na experiência pessoal da vida cotidiana a partir da observação, manipulação
e vivência. Por exemplo, no conceito de “gato”, a palavra resume e generaliza as carac-
terísticas desse animal. Os conceitos científicos são aqueles elaborados na sala de
aula, adquiridos por meio do ensino sistemático, e o conceito de “gato” será ampliado,
tornando-se mais abrangente, e incluído em um sistema conceitual de abstrações gra-
duais, com diferentes graus de generalizações, tais como mamífero, vertebrado e felino,
adquirindo cada vez mais abrangência e significado (REGO, 2011).
Na perspectiva vygotskyana, embora os conceitos não sejam assimilados prontos, o en-
sino escolar desempenha um papel importante na formação de conceitos de um modo
geral e dos científicos em particular. A escola propicia às crianças um conhecimento sis-
temático, construído e acumulado pela humanidade. Dessa forma, o aprendizado escolar
exerce significativa influência no desenvolvimento das funções psicológicas superiores,
justamente na fase em que elas estão em amadurecimento. Vygotsky fala que se o am-
biente não for desafiador, exigente e estimulante, o processo de formação de conceitos po-
derá se atrasar ou mesmo não se completar. Portanto, o sujeito poderá não chegar a con-
quistar estágios mais elevados de raciocínio. Isso quer dizer que essa conquista é pessoal,
entretanto, depende não somente do esforço individual, mas principalmente do contexto
no qual o indivíduo está imerso e que, aliás, define seu “ponto de chegada” (REGO, 2011).

ANOTE ISSO
Muito da popularidade da teoria de Vygotsky diz respeito a alguns conceitos
e afirmações: primeiramente, vamos destacar o papel da relação professor
e alunos, pais e filhos, e em segundo, a maneira simples de explicar a zona
de desenvolvimento proximal, que é uma espécie de potencial para o de-
senvolvimento. O dever de professores e pais é cuidar para que a criança
participe de atividades dentro de sua zona de desenvolvimento proximal.
O modo como o aprendiz pode ser ajudado é descrito pelo conceito de su-
porte, que também descreve uma técnica interativa de ensinar e aprender,
em que os educadores ou os pais oferecem aos educandos várias formas de
apoio durante o aprendizado (LEFRANÇOIS, 2018).
63
Autores Explicações da relação entre pensamento e linguagem

Piaget A linguagem expressa o pensamento da criança. Portanto, sua


fala nos revela o nível de desenvolvimento cognitivo que a criança
se encontra.
O desenvolvimento da linguagem começa na formação de pa-
lavras, frases, narrativas e descrições. Depois, exprime relações
lógicas construídas a partir das percepções do mundo imediato
para finalmente chegar a expressar o pensamento abstrato.

Vygotsky A linguagem não só expressa o pensamento, mas o constitui,


sendo sua matéria prima. Pensamos com a linguagem. Esta,
portanto, auxilia o desenvolvimento do pensamento.
O desenvolvimento da linguagem passa por um momento sinc-
rético, em que as palavras parecem “coladas” nos objetos. Logo
depois, através do pensamento por complexo, a criança organiza
o mundo classificando-o e categorizando-o por meio de rela-
ções lógicas baseadas nas relações concretas. Na adolescência,
aparecem os conceitos propriamente ditos, que fazem parte do
pensamento abstrato.

Título: Piaget e Vygotsky: Pensamento e linguagem


Fonte: A autora. Baseado em Oliveira (2016) e Piaget (1975).

64
AULA 12

AS MÚLTIPLAS
LINGUAGENS DA
CRIANÇA
Caro(a) aluno(a), tratamos anteriormente das relações entre pensamento e linguagem.
Vamos agora voltar a falar um pouco mais sobre linguagem, porque o nosso mundo
é constituído de muitas linguagens e somos essencialmente comunicativos. Expressa-
mos sentimentos, intenções e desejos a partir de gestos, olhares, posturas e expressões
faciais. Podemos ainda expressar em forma gráfica, pictórica, plástica e musical, entre
outros. Enfim, somos seres culturais e desenvolvemos nossa capacidade simbólica ao
brincar, criar com palavras ou figuras, com as cores, com os sons e até com nosso próprio
corpo.
O objetivo desta aula é trabalhar as relações entre diferentes linguagens e o desen-
volvimento da criança.

A BRINCADEIRA DO FAZ-DE-CONTA

A linguagem é um sistema sofisticado de comunicação característico dos seres huma-


nos. A partir disso, o ser humano criou e cria variadas formas de se comunicar, represen-
tar suas ideias. Mesmo antes de a criança dominar a linguagem, ela já se comunica utili-
zando outras formas que não a fala. Vimos em leituras anteriores o quão importante é a
função simbólica, que permite a criança evocar, simbolizar e significar (caso necessário,
volte à Aula 2 e faça a releitura).
O faz-de-conta possibilita à criança entrar no mundo adulto, ser o verdadeiro prota-
gonista de suas brincadeiras e realizar suas vontades, fazendo fluir sua liberdade criativa.
Essa brincadeira também é conhecida como jogo simbólico, e é uma atividade impor-
tante que faz com que a criança caminhe ao encontro da autonomia (KISHIMOTO, 2003).
A função simbólica é construída desde o estágio sensório-motor e emerge no fim desse
período e início do pré-operatório, começando a dominar as várias formas de linguagem
(PIAGET, 1975).

O faz-de-conta no desenvolvimento infantil


Fonte: Pexels.com.
66
A compreensão do mundo real passa pelo faz-de-conta. Por meio da brincadeira, a crian-
ça pode reviver situações que foram desagradáveis e elaborá-las de forma a reorganizar
suas estruturas internas mentais. Criando capacidades de imitar, imaginar e represen-
tar, a partir de suas criações, ela conseguirá entender e internalizar a realidade à sua
volta. Nesse sentido, Kishimoto (2003, p. 39) nos fala que:

A brincadeira de faz de conta, também conhecida como simbólica, de


representação de papéis ou sociodramática, é a que deixa mais eviden-
te a presença da situação imaginária. Ela surge com o aparecimento da
representação e da linguagem, em torno de 2/3 anos, quando a crian-
ça começa a alterar o significado dos objetos, dos eventos, a expressar
seus sonhos e fantasias e a assumir papéis presentes no contexto social.

Conforme Kishimoto (2003), ao brincar a criança se desloca do lugar passivo para o ativo,
e assim tem a oportunidade de enfrentar seus medos. Ela cria em seu mundo imagi-
nário todo um enredo para ser herói, adquirir poder e dominar vilões e situações que
lhe causam medo ou que a deixam insegura e vulnerável. Esse momento é necessário
para que ela entenda seu interior. Alguns pais pensam erroneamente que as fantasias
de seus filhos são algo errado, patológico e até não permitem que o façam, o que é um
grande equívoco.
Para Piaget (1975), a brincadeira de faz-de-conta ou jogo simbólico seria uma manei-
ra de a criança assimilar e acomodar a realidade que está imersa. Para que tal exercício
ocorra, são necessários desiquilíbrios nos esquemas do intelecto. Sabemos que a criança
tende a agir de forma egocêntrica e a assimilar apenas conteúdos que são do seu inte-
resse para buscar sua satisfação. Para o autor, em relação ao desenvolvimento infantil, a
brincadeira de faz-de-conta

[...] está intimamente ligada ao símbolo, uma vez que por meio dele, a
criança representa ações, pessoas ou objetos, pois estes trazem como
temática para essa brincadeira o seu cotidiano (contexto familiar e es-
colar) de uma forma diferente de brincar com assuntos fictícios, contos
de fadas ou personagens de televisão (PIAGET, 1975, p. 76).

Para Vygotsky (1994), a brincadeira de faz-de-conta elabora de forma prazerosa uma


zona de desenvolvimento proximal, visto que no momento que a criança representa
um objeto por outro, ela se relaciona não mais com o objeto em si, e sim com o com o
significado a ele atribuído. Dessa forma, a atividade de brincar pode ajudar a passar de
ações concretas com objetos para ações com outros significados, possibilitando avançar
em direção ao pensamento abstrato. Portanto, os dois autores, Piaget e Vygotsky, con-
cordam que o faz-de-conta é uma atividade muito importante para o desenvolvimento
da criança.

ANOTE ISSO
Vários pesquisadores da área da educação ressaltam a importância do ato
de brincar na escola, pois ajuda na inclusão escolar, social, intelectual e fa-
miliar (KISHIMOTO, 2010). O ambiente escolar deve disponibilizar inúmeras
formas de recursos e apoio de caráter mais especializado com outros profis-
sionais para proporcionar um bom desenvolvimento ao aluno, favorecendo
assim o processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2001).
67
O BRINCAR NA VIDA DA CRIANÇA

Para a psicologia, o brincar sempre ocupou destaque no desenvolvimento infantil e foi


objeto de análise de várias correntes teóricas. Embora cada perspectiva apresentasse
uma visão própria sobre a temática, todas concordam que tal atividade exerce um papel
importante nos processos de desenvolvimento humano.

O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance


da criança. A manipulação do brinquedo leva a criança à ação e à re-
presentação, a agir e a imaginar (KISHIMOTO, 2003, p.68).

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), a brincadeira está colo-
cada como um dos princípios fundamentais, compreendida como um direito, uma forma
particular de expressão, de pensamento, interação e de comunicação entre a criança e
seus pares. A origem do brincar está na contradição experimentada pela criança em que-
rer agir como adulto, mas não poder, pois “[...] ainda não dominou e não pode dominar as
operações exigidas pelas condições objetivas reais da ação dada” (LEONTIEV, 2001, p. 121).
Essa contradição encontra a possibilidade de ser solucionada por meio da brinca-
deira. Nesse sentido, a brincadeira passa a ser a atividade principal da criança na ida-
de pré-escolar e é responsável pelo desenvolvimento dos seus processos psicológicos.
Quando a criança está na idade pré-escolar, seus desejos começam a aparecer, e sua
não realização deixa a criança irritada. Para resolver essa tensão, a criança se envolve em
um mundo ilusório e imaginário onde seus desejos não realizáveis podem ser realizados,
e esse é o mundo ao qual chamamos de brinquedo (VYGOTSKY, 1994).
Por meio dos jogos e brincadeiras, a criança assimila a realidade juntamente com os ob-
jetos que compõem o mundo humano. A imitação, a compreensão das regras e as tentativas
de aproximação da vida adulta por meio dos jogos asseguram a promoção de situações de
ensino que permitem colocar a criança diante de atividades que lhe possibilitem a utilização
de conhecimentos prévios para a construção de outros mais elaborados (MOURA, 2007).
Para Leontiev (2001, p. 139), “dominar as regras significa dominar seu próprio compor-
tamento, aprendendo a controlá-lo, aprendendo a subordiná-lo a um propósito definido”.
Dessa forma, esse autor nos mostra que o brincar faz com que a criança se familiarize com
as regras, o respeito às regras impulsiona de maneira significativa a autodisciplina.
Nesse sentido, Kishimoto (2003) complementa dizendo que os jogos e as brincadeiras
apresentam duas faces: uma lúdica e outra educativa. Essa integração é bastante importan-
te. Entretanto, se ocorrer algum desiquilíbrio nessa integração: quando a função lúdica pre-
domina, não haverá mais ensino, apenas jogo, ou, quando a função educativa predomina,
elimina-se todo hedonismo e fica apenas o ensino. Por isso, há que se conciliar aprendiza-
gem, diversão e prazer. Nesse movimento, o escolar pode aprender, brincar e se desenvolver.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Para a sua ação pedagógica assertiva, você deve organizar o espaço peda-
gógico e selecionar brinquedos para cada situação de aprendizagem. A es-
colha adequada dos brinquedos é de suma importância para o sucesso do
ensino com jogos: a) o valor experimental: permitir a exploração e a mani-
pulação dos objetos; b) o valor da estruturação: dar suporte à construção da
personalidade infantil; c) o valor de relação: colocar a criança em contato
com seus pares, com os objetos e com o ambiente em geral; d) o valor lúdi-
co: avaliar se os objetos possuem as qualidades que estimulam o apareci-
mento da ação lúdica (KISHIMOTO, 2003, p. 20).
68
O BRINCAR, A ABSTRAÇÃO E O SIMBOLISMO DE SEGUNDA ORDEM

Entendemos que é a capacidade simbólica que permite a criança evocar coisas ausen-
tes. Por meio do símbolo lúdico, a criança pode até, na sua imaginação, criar um novo
mundo. De acordo com Vygotsky (1994), esta conquista do signo não se faz de uma só
vez, mas é preciso consolidá-la. A partir do momento que a criança precisa utilizar de um
objeto-pivô (representativo) para desenvolver sua abstração, chamamos a linguagem
lúdica de intermediária, localizada entre a ausência da capacidade de representar e esta
mesma capacidade em estágio mais avançado.
A escrita é um sistema de representação altamente abstrato, apoiado em símbolos
gráficos. Portanto, o brincar na pré-escola atua como um favorecedor do desenvolvimen-
to da abstração, que de certa forma está preparando o escolar para a construção da leitu-
ra-escrita, que por sua vez também envolve um sistema abstrato. Outro fator importante
é que a imaginação, o faz-de-conta, favorece o simbolismo de segunda ordem, como é o
caso da escrita. A palavra escrita está apoiada na palavra oral, representando um símbolo
de segunda ordem. Mais adiante, quando a criança se torna escritora e leitora, dispensa
o apoio na palavra oral. Portanto, a escrita nesse momento estaria representando a ideia
sem precisar de outras mediações além de seus próprios signos (VYGOTSKY, 1994).
Vygotsky acredita que, se bem preparada, a criança já pode aprender a ler e a escre-
ver na pré-escola. Entretanto, não deverá ser uma atividade mecânica, mas para que a
leitura e a escrita sejam relevantes para a vida, a escrita deve ter significado para a crian-
ça e deve ser incorporada naturalmente no seu desenvolvimento, e não ser um treina-
mento imposto de fora para dentro. A situação de brincar é ideal para criar necessidades
de escrita: a criança faz lista de compra, escreve uma receita, etc. O fato de desenhar e
brincar são por si só estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita
das crianças (VYGOSTSKY, 1994). As ideias de Vygotsky de que desenho, brinquedo, brin-
car de faz-de-conta e escrita são momentos de um mesmo processo é muito interessan-
te, mas é preciso cuidado e responsabilidade, pois, se mal compreendido, pode levar ao
equívoco de se começar a preparar mecanicamente a escrita já na pré-escola, indo na
contramão do que pretende o autor.
Segundo Vygotsky (1994), no caso da escrita,

[...] a criança precisa fazer uma descoberta básica – a de que se pode


desenhar, além de coisas, também a fala... Na verdade, o segredo do
ensino da linguagem escrita é preparar e organizar adequadamente
esta transição natural. Uma vez que ela é atingida, a criança passa a
dominar o princípio da linguagem escrita, e resta então, simplesmente,
aperfeiçoar esse método (VYGOTSKY, 1994, p.131).
Ao findar esta unidade, desejo destacar alguns pontos importantes dentro da temática
do brincar e do desenvolvimento infantil:

a) As palavras são meios que dispomos para recriar a realidade e evocar coisas ausentes;

b) O simbolismo lúdico permite a criança lidar com seus medos, suas angústias, satisfazer seus desejos;

c) A brincadeira de faz-de-conta tem implicações para o desenvolvimento da criança;


d) O professor que favorece o faz-de-conta está colaborando para o desenvolvimento da abstração
da criança;
e) A escrita é um simbolismo de segunda ordem;
f) A brincadeira de faz-de-conta, a imitação, a história e o desenho são atividades lúdicas que são
formas de linguagem. Tais linguagens refletem diretamente na construção do conhecimento.
69
Título: O brincar e o desenvolvimento infantil
Fonte: A autora. Baseada em Kishimoto (2003) e Vygotsky (1994).
Algumas ideias importantes foram sintetizadas, e espero que você tenha instrumentos
para ver o brincar da criança com outros olhares e outros suportes. Leontiev (2001) nos
lembra de que a brincadeira infantil é a atividade principal da criança na fase pré-es-
colar e deve ser, ao longo de seu desenvolvimento, maximizada e trabalhada de forma
responsável pelo professor. Por esse caminho, formam-se as mais importantes compe-
tências para as crianças.

ISTO ESTÁ NA REDE


No artigo “Brincadeira e desenvolvimento infantil: um olhar sociocultural
construtivista”, as autoras Norma Lucia Neris de Queiroz, Diva Albuquerque
Maciel e Angela Uchôa Branco trabalham a temática do brincar de forma
clara, mostrando sua relevância para a compreensão científica do desenvol-
vimento infantil.
O artigo está disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/paideia/v16n34/v16n34a05.pdf>.

70
AULA 13

O MUNDO
DOS AFETOS
Caro(a) aluno(a), nesta aula trabalharemos os afetos. O afeto é o motor de nossas ações,
é o que nos move em direção a comportamentos positivos ou negativos. Veremos que o
bem-estar afetivo é tão importante para o aprendizado quanto a boa visão. Portanto, está
justificada a importância da formação do professor para essa sensibilização a lidar com a
afetividade da criança, do jovem e outros.
O objetivo desta aula é caracterizar a vida afetiva como um estado subjetivo que
abrange outros conjuntos de nossas vidas e relações.

A VIDA AFETIVA E AS IDEIAS DA PSICANÁLISE

Serão apresentados alguns conceitos da Psicanálise de Freud, entretanto, sua obra é


vasta e seria impossível trazer à luz todos os seus conceitos e relações com a educação.
Diante disso, optou-se por trabalhar somente algumas de suas ideias e não podemos
deixar de dizer da relevância de sua obra.
O termo afetividade refere-se a um conjunto de estados afetivos, sentimentos, emo-
ções e paixões de um indivíduo, constituindo-se como a base da vida psíquica, por meio
da qual se edificam nossas relações humanas. O afeto é seu elemento fundamental.
Entre os estados afetivos característicos, tais como o de alegria e dor, encontra-se uma
série de outros intermediários, sem nomes definitivos, que podem se deslocar de um
para outro, transformando-se de forma sucessiva (HIGA; SHIRAHIGE, 2007).
Freud (1915) já dizia que se estivermos acometidos por um estado emocional forte,
este se torna o centro de nossas atenções e interesse, de nosso cuidado. Dessa forma,
devemos abandonar estereótipos como verdades prontas ao nos depararmos com pro-
blemas de aprendizagem ou de comportamento. Uma das atitudes simples e funda-
mentais da relação pedagógica é estar atento, parar um pouco e ouvir o educando. É
importante lhe dar voz, favorecer a expressão de sentimentos. A teoria psicanalítica de
Freud é extensa e complexa, entretanto, traz para nós, educadores, grandes contribui-
ções. Portanto, serão trabalhados alguns conceitos que nos são pertinentes.

72
Freud e as instâncias do psiquismo
Fonte: Pixabay.
Ao trabalhar o aparelho psíquico Freud o divide em instâncias: id, ego e superego. O id é
a instância original; lá estão localizados conteúdos instintivos. Portanto, é o reservatório
de energia física que põe em funcionamento os outros sistemas. O ego é o responsável
pelo contato com o ambiente, com a realidade externa, é a sede das funções mentais.
Podemos dizer que é o componente psicológico da personalidade. Se o id conhece ape-
nas a realidade interna, subjetiva, o ego é capaz de diferenciá-la do mundo externo. O id
é regido pelo princípio do prazer, e interessa apenas saber se uma experiência é agradá-
vel ou não. O ego, por meio de uma articulação entre o mundo subjetivo e o real, elabora
um plano para satisfazer necessidades e depois o testa a fim de verificar a funcionalida-
de de sua ação. Enfim, o ego é o intermediário entre as exigências instintivas do organis-
mo e as condições do ambiente. O superego é o último dos sistemas a se desenvolver. É
o sensor das funções do ego e decide se algo é certo ou errado. É o árbitro moral inter-
nalizado, ou seja, o representante interno dos valores ideais da sociedade transmitidos e
reforçados pelo sistema de punições e recompensas. Dessa forma, bloqueia os impulsos
do id, principalmente os de natureza sexual e agressiva (HIGA; SHIRAHIGE, 2007).
Freud ainda nos diz que o conteúdo da mente pode ser: inconsciente, pré-consciente
ou consciente. No modelo freudiano, o inconsciente é o lugar teórico dos impulsos ins-
tintivos, ou pulsões, das representações reprimidas, ou daquelas que por algum motivo
nunca puderam chegar à consciência. No inconsciente há energia instintiva livre. Essas
forças ou impulsos instintivos representam as necessidades do organismo humano e de
seu psiquismo, como a fome, o sexo e a curiosidade, entre outros. Há necessidades ou
impulsos instintivos que precisam ser controlados. O mecanismo dessa proibição é cha-
mado de repressão ou recalque. Freud classificou as pulsões em dois grandes grupos:
pulsão de vida e pulsão de morte. As pulsões de vida servem para a autoconservação,
como a fome, a sede e a fuga da dor. As pulsões de morte são pulsões destrutivas, como
a agressividade, por exemplo (GARCIA-ROSA,1936/2001).

ANOTE ISSO
A Psicanálise nos propõe um novo olhar sobre o aluno. Permite-nos obser-
var um ser que tem subjetividade, desejo e outros. Na teoria psicanalítica, um
ser cujas manifestações são muitas vezes de difícil aceitação, há suas várias
interpretações, inclusive o não aprender.

FREUD E O AFETO

Ao falarmos de afetividade, estamos lidando com o conceito de afeto, que para Freud é
definido como processos de descarga psíquica e cujas manifestações finais são perce-
bidas como sensações. As sensações são aquilo que parecem ser “o visível”, a manifesta-
ção de uma energia psíquica que estava escondida, chamada de pulsão. As pulsões são
cargas energéticas, ou seja, os afetos são impulsos necessários para nossa vida psíquica.
Nós nem sempre sabemos de forma consciente o que está acontecendo. Entretanto,
vale registrar que no afeto algo fica recalcado, e o que aparece são angústias, raiva e
doenças (comportamentos inadequados). Muitas coisas podem nos abalar e ficar es-
condida dentro de nós. A questão é que vemos apenas o que aparece, e ainda de forma
abrupta, sem nos pedir permissão, irrompe à revelia de nossa vontade, escapando de
nosso controle. É o que acontece quando nos percebemos melancólicos, irritados, pa-
73
ralisados ou temos sintomas de doenças sem saber de fato a origem de tais aconteci-
mentos e/ou estados (FREUD, 1915). Podemos dizer que a Psicanálise abre um novo olhar
sobre o aluno, um ser cujas manifestações têm seus significados. A Psicanálise nos dá
ferramentas para compreender certas dificuldades e possibilita ao educador reavaliar
suas atitudes, suas práticas do cotidiano de sala de aula, afirmando que “[...] o processo
de aprendizagem envolve, assim, um encontro do desejo de ensinar do professor com o
desejo de aprender do aluno” (HIGA; SHIRAHIGE, 2007, p. 39).

A ESCOLA, OS ALUNOS E O PROFESSOR: O PROBLEMA


ESTÁ DENTRO OU FORA DA ESCOLA?

Para Fernández (2001), em relação ao indivíduo em processo de aprendizagem que


apresenta dificuldades no aprender, podemos dizer e compreender que há um tipo de
obstáculo no aprender. Esse obstáculo desenvolve uma interseção de aspectos sociais,
culturais, familiares, orgânicos e pedagógicos, bem como fatores afetivos e intrapsíqui-
cos. Dessa forma, não podemos dizer que o problema está aqui ou ali, pois no processo
de aprendizagem estão em consonância vários recursos cognitivos. Além disso, há a
história afetiva desejante do escolar, sua corporeidade, sua estrutura orgânica, suas re-
lações com os colegas e professores. Para a autora, o problema de aprendizagem não
se origina na estrutura individual. O sintoma se funde em uma rede particular de vín-
culos sociais, relacionais, com a particular estrutura individual. Esta que está atrelada à
condição interna de aprendizagem e à história pessoal e familiar do sujeito aprendente
(FERNÁNDEZ, 2001).
O não aprender por parte do aluno tem a ver com aspectos afetivo-relacionais vi-
venciados que afetam a construção do conhecimento. Afinal, os problemas estão den-
tro ou fora da escola? Qualquer criança ou adolescente que é acometido por violência
familiar ou algo do tipo, mesmo que ocorra do lado de fora da escola, sofrerá uma in-
terferência significativa no seu cotidiano escolar. Um problema emocional grave pode
tirar do aluno as condições emocionais para dedicar-se às tarefas escolares. É claro que
seu rendimento irá cair, pois sua energia psíquica está centrada em seu sofrimento, na
tentativa de solucionar o problema, de se defender. Tais alunos costumam ter os pio-
res resultados, notas baixas e problemas de comportamento. Em resumo: problemas
de comportamento e notas ruins na maioria das vezes são sintomas de um mal-estar,
de um sofrimento psíquico. Da mesma forma, ocorre com sentimentos positivos, que
também influenciam, por exemplo, o estudante que está esperando algo muito impor-
tante acontecer, como uma viagem. Sua cabeça poderá fica nas “nuvens”. Todo tipo de
emoção forte descoloca os investimentos afetivos, invade sua mente e interfere em sua
concentração (LUCINDA; NASCIMENTO; CANDAU, 2001).

ISTO ESTÁ NA REDE


O vídeo sugerido apresenta as principais descobertas de Sigmund Freud e a
Educação. São ideias interessantes e irá nos permitir reflexões importantes
sobre o psiquismo humano.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k11vFj0qNw0
74
O AFETO EM VYGOTSKY, WALLON E PIAGET

A abordagem histórico-cultural na ótica vygotskyana é de fundamental importância,


pois nos mostra que o mundo exterior, bem como nossos comportamentos e sentimen-
tos, se torna parte de nossa natureza, ou seja, nós o internalizamos. Isso ocorre num pro-
cesso dinâmico, ativo e singular desde o nascimento e durante toda a vida, com trocas
recíprocas entre o sujeito e o meio. Ao mesmo tempo em que o indivíduo internaliza as
formas culturais, ele as transforma e intervém no universo que o cerca (REGO, 1996).
Vygotsky menciona e faz duras críticas à psicologia tradicional por separar aspectos
intelectuais de um lado e os volitivos e afetivos de outro. O autor coloca que o pensa-
mento tem sua origem na esfera da motivação, a qual inclui inclinações, necessidades,
interesses, impulsos, afeto e emoção. O autor propõe uma abordagem unificadora das
dimensões afetivas e cognitivas do funcionamento psicológico que muito se aproxima
das tendências contemporâneas (OLIVEIRA, 2016).
Para Henri Wallon, a dimensão afetiva ocupa lugar central. A emoção constitui uma
conduta com profundas raízes na vida orgânica: “[...] os componentes vegetativos dos
estados emocionais são bem conhecidos, e Wallon mergulha neles até descobrir sua
origem” (DANTAS, 2016, p. 85). Para este autor o psiquismo é a síntese do orgânico e o
social:

A afetividade, nesta perspectiva, não é apenas uma das dimensões da


pessoa: ela é também uma fase do desenvolvimento, a mais arcaica. O
ser humano foi, logo que saiu da vida orgânica, um ser afetivo. Da afe-
tividade diferenciou-se, lentamente, a vida racional. Portanto, no início
da vida, afetividade e inteligência estão sincreticamente misturadas,
com o predomínio da primeira (DANTAS, 2016, p. 90).

Nos momentos especialmente afetivos do desenvolvimento, o que está em primeiro pla-


no é a construção do sujeito, que se faz pela interação com os outros sujeitos; naqueles de
maior peso cognitivo, é o objeto, a realidade externa que se modela à custa da aquisição
das técnicas elaboradas pela cultura. Ambos os processos são sociais, embora em senti-
dos diferentes: no primeiro, social é sinônimo de interpessoal; no segundo, é o equivalente
à cultural. Em suma, a psicologia, para Wallon, não é só sócio-histórica, ela é uma ciência
bio-sociohistórica (DANTAS, 2017). Não pretendi esgotar as ideias de Wallon nestas poucas
linhas, esse não é o objetivo. Apenas trouxe umas “pitadas” de suas ideias e espero que
tenha sido provocativo a ponto de você buscar a indicação selecionada abaixo.

ISTO ESTÁ NA REDE


O artigo “Contribuições da teoria psicogenética de Henri Wallon à educação
infantil” traz boas reflexões sobre as principais ideias de Henri Wallon.
Ele está disponível em: <http://educere.bruc.com.br/arquivo/
pdf2015/20861_8401.pdf>.
75
Assim como Freud, Piaget atribuiu ao afeto o nome de energia. Na epistemologia ge-
nética, razão e emoção jamais se separam. Também não se confundem: fazem parte da
atividade cognitiva humana. “A afetividade é o aspecto energético das estruturas ou,
ainda, é o motor da ação” (BECKER, 2012, p.150).

A afetividade não é a estrutura e também não é ação, porém, sem a


afetividade, a estrutura e a ação que ela possibilita não tem energia
para acontecer: são como um automóvel sem bateria cuja faísca pro-
voca a combustão da gasolina ou do etanol ou como um processo de
fotossíntese sem luz/energia solar (BECKER, 2012, p. 150).

Conforme Borges (2017), Piaget se interessou especialmente pelo desenvolvimento in-


telectual e, portanto, descobriu uma correlação entre cognição e afeto. Dessa forma,
afirma que não pode haver conhecimento sem afeto, nem afeto sem conhecimento. E
ante esse importante dado, Piaget questiona: Qual é relação entre os dois? Em seguida
responde que o afeto motiva as operações de conhecimento, e o conhecimento estru-
tura as relações de afeto (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998).
A importância que Piaget atribui para o aspecto energético dos esquemas de ação
o faz remeter a Freud para tratar dessa questão específica e preconiza que o futuro da
psicologia será uma grande síntese entre Freud e Piaget. Duas coisas ficam claras neste
momento: não se pode chegar a uma teoria conclusiva da inteligência humana sem um
tratado sobre afetividade à altura que a epistemologia genética faz para explicar a cog-
nição; em segundo, a afetividade tem um estatuto próprio, que não se confunde com o
cognitivo (BECKER, 2012).
O papel da afetividade como acelerador ou perturbador da inteligência é incontes-
tável. O aluno motivado tem muito mais entusiasmo para estudar e assim aprenderá
muito mais facilmente. Em um segundo sentido, poderíamos supor que afetividade in-
tervém nas próprias estruturas da inteligência, sendo fonte de conhecimento e de ope-
rações cognitivas (BORGES, 2017). Diante dessas afirmações, Piaget declara que uma
pessoa que está emocionalmente comprometida não pode funcionar cognitivamente,
pois o afeto se desenvolve paralelamente ao conhecimento (HERSH, PAOLITTO, REIMER,
1998 apud BORGES, 2017).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


No caso de indisciplina de um aluno e de dificuldade de concentração, pode-
mos fazer um juízo apressado: “preguiçoso”, “irresponsável”. O ato de julgar
as aparências nos impede, de coisas bem simples, como nos indagar: “O que
será que tem por traz dessa indisciplina ou dessa falta de concentração?”.
Apoiada nas ideias apresentadas, afirmo: o esquecimento, a agressividade
e as dores vão muito além do que parecem ser, são mais do que “truques” e
vale a pena investigar, dar a atenção que a situação demanda do professor.
76
AULA 14

UM NOVO
OLHAR SOBRE A
(IN)DISCIPLINA
A indisciplina seria, talvez, o inimigo número um do educador atual,
cujo manejo as correntes teóricas não conseguiriam propor de imedia-
to, uma vez que se trata de algo que ultrapasse o âmbito estritamente
didático-pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das dife-
rentes teorias pedagógicas. (AQUINO, 1996, p. 40).

INDISCIPLINA NA SALA DE AULA

A indisciplina em sala de aula é um dos maiores problemas enfrentados pelos profes-


sores e gestores. Entre as queixas mais frequentes feitas pelos educadores, está a de
que o mau comportamento de certas crianças e jovens prejudica o andamento de seu
trabalho pedagógico. Visto isso, o objetivo desta aula é proporcionar reflexões acerca da
indisciplina e suas possíveis causas.
Pedro-Silva (2013) define indisciplina como toda ação moral executada pelo sujeito
e que está em desacordo com as leis impostas ou construídas coletivamente, tendo o
indisciplinado consciência ou não desse processo de elaboração. Dessa forma, pouco
importa se o aluno desobedeceu a regras colocadas de maneira arbitrária ou se as deso-
bedeceu sem ter consciência dessa transgressão.
Nossa sociedade, bem como as famílias, está em constante processo de transforma-
ção. O aluno de hoje não é o mesmo de antigamente, mas a escola ainda aplica métodos
de ensino de décadas atrás. Dessa forma, o comportamento indisciplinado do aluno
sinalizaria que algo na escola não vai bem, e como afirma Aquino (1998), “estamos em
outro tempo e precisamos estabelecer outras relações”. O aluno precisa ser considerado
no meio ou momento histórico em que está inserido.
Ainda conforme Aquino (1996, p.7),

Há muito os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento espo-


rádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras para tornarem,
talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias atuais. Claro
está que, salvo o enfrentamento isolado e personalizado de alguns, a
maioria dos educadores não sabe ao certo como interpretar e/ou ad-
ministrar o ato indisciplinado. Compreender ou reprimir? Encaminhar
ou ignorar?

Para refletirmos a respeito das indagações feitas na citação anterior, vamos recorrer à vi-
são piagetiana de conflito. Não encontraremos consenso em nenhuma teoria; o consen-
so está longe de existir, e ainda não se vê necessidade de que exista, pois nossa respon-
sabilidade é de construir caminhos para lidar com essa realidade. Não há como reduzir
o fenômeno da indisciplina a uma única causa.
Pedro-Silva (2013) aponta e julga como falaciosa a afirmação de que em outros tem-
pos não havia indisciplina. Fato é que os índices eram menores, entretanto, em torno de
50% dos estudantes sequer chegavam a cursar o equivalente ao segundo ano do Ensino
Fundamental, pois eram reprovados diversas vezes. Atualmente, os alunos são obriga-
dos a ficar na escola, encaixando-se ou não no modelo exigido pelo professor. Dessa
forma, todos somos responsáveis pelo que está diante de nós. De nada resolve culpar
as famílias por todas as mazelas sociais, até porque tal postura não ajudará em nada.
A proposta do autor é substituir a cultura da culpa pela cultura da responsabilidade, e
todos devemos nos incluir em tal realidade. Não há um culpado a ser apontado. Todos
78
somos responsáveis!
Pensar na indisciplina, nos conflitos e nas incivilidades que ocorrem dentro e fora
da sala de aula nos remete ao desenvolvimento moral pelo simples fato de que nesse
ambiente existe a necessidade de pensar nos limites e nas regras. Pensar na educação
moral significa pensar na formação de educadores, que são imprescindíveis para a vida
escolar da criança.
Nesse sentido, não são somente os conteúdos que o educando vai assumindo ao
longo do processo de aprendizagem que influenciam sua formação moral. O comporta-
mento dos educadores, sejam pais ou professores, se encontra ao abrigo das categorias
da moralidade. Os dois aspectos – os conteúdos assimilados pelos educandos e as atitu-
des dos educadores – revelam a mediatividade ética da pedagogia quanto à mediação
moral da educação (GOERGEN, 2005).
Quando nos reportamos à moralidade, sabemos que ela não é inata, mas construída
nas relações diárias, que são inevitáveis. Ao interagir com nossos pares, temos um espa-
ço repleto de trocas sociais. Goergen acrescenta que há uma proximidade entre ética e
pedagogia e que existe uma influência mútua entre moral e educação. O ser humano
não é um ser moral por natureza, precisa ser educado para esse fim (GOERGEN, 2005).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Araújo (2007) nos fala que, na prática, o ambiente vivenciado pela criança
influencia diretamente seu desenvolvimento. Atitudes de escolas e profes-
sores em que prevaleciam relações sistemáticas de recompensa e punição
não favoreceram a construção da autonomia. Em um ambiente cooperativo
desde a pré-escola, as crianças apresentam avanços no desenvolvimento
moral e constroem relações mais amigáveis.

A CRIANÇA E A REGRA: O JUÍZO MORAL NA CRIANÇA

No ano de 1932, o suíço Jean Piaget publicou sua obra “O Juízo Moral na Criança”. Desde
então, o tema da moral tem sido discutido e estudado, visto o quão notáveis são os con-
flitos e embaraços vividos por nós enquanto sociedade. Esses problemas têm algo a nos
dizer, uma vez que estamos inseridos no campo da pedagogia e das relações humanas
(BORGES, 2017).
Nos postulados de Piaget, percebe-se o estudo pioneiro da moralidade como forma
de respeito às regras e como julgamento que fazemos de nós mesmos e dos outros
frente às escolhas e atos (MENIN, 2007). O autor optou pelos jogos infantis, por possibi-
litarem relações sociais, pois ele aborda a criança como um ser social. Usou como me-
todologia de investigação a observação e o método clínico, utilizando também histórias
com questões morais e dilemas, e inquiriu crianças de 6 a 12 anos (BORGES, 2017).
Piaget encontrou estágios ligados à prática das regras e estágios referentes à cons-
ciência das regras. Na prática das regras, situamos os estágios motor e individual, o ego-
cêntrico, o da cooperação e, por fim, o da codificação da regra. Foi estudando o desen-
volvimento da criança por meio do jogo de bolinhas de gude que Piaget identificou os
seguintes aspectos, que resumem os principais pontos nos achados de suas investiga-
79
ções (BORGES, 2017).
O jogo e a regra
Fonte: Pixabay.

Conforme Borges (2017), a definição precisa que Piaget fez nos estágios de desenvolvi-
mento cognitivo não ocorre nos estágios de desenvolvimento moral, em que os estágios
são gerais, portanto, mais vagos (LA TAILLE, 2006). Importante esse registro, pois iremos
utilizar o termo estágio.
Existem relações dos estágios das práticas das regras com os estágios da consciência
das regras. É importante considerar esses estágios como representativos de uma conti-
nuidade sem interrupção, mas essa continuidade não é linear, e nos parece seguro dizer
que há uma relação (PIAGET, 1932/1994). Portanto, para o autor, a consciência e a prática
das regras não são rígidas e invariáveis, visto que a primeira não garante a segunda. De
acordo com Borges (2017), do ponto de vista da prática das regras, Piaget explicita qua-
tro estágios sucessivos:
1º Estágio: puramente motor e individual, “no decorrer do qual a criança manipula as
bolinhas em função de seus próprios desejos e hábitos motores” (PIAGET, 1932/1994,
p. 33). Neste estágio, a criança usa a manipulação para estabelecer alguma espécie
de ritualização que é própria desse momento, como no caso de rituais como pro-
cesso de adaptação efetiva. Sobre as regras motoras, apesar de haver regularidades,
ainda não há nenhuma obrigação específica (PIAGET, 1932/1994).

2º Estágio: egocêntrico (2-5,6 anos), caracterizado pelo egocentrismo infantil. Neste


momento, a criança recebe do exterior regras codificadas e imita exemplos, pode
jogar sozinha ou com alguém, ainda não se preocupa em encontrar parceiros, não
está focada em vencer e pode utilizar qualquer forma para jogar (PIAGET, 1932/1994).

3º Estágio: cooperação nascente (7-8, 9,11 e 12 anos). Nesta fase, quando cada jogador
deseja vencer seu oponente, aparece a necessidade de controle mútuo e da unifi-
cação das regras, caracterizada por uma cooperação que começa a surgir (PIAGET,
1932/1994).

4º Estágio: codificação das regras (10-11,12 anos). Neste momento, a regra é de conhe-
cimento de todos, e até nos detalhes as partidas são regulamentadas. Existe prazer
pela disputa, tornando o jogo ainda mais interessante (PIAGET, 1932/1994). Neste es-
80
tágio, aparece finalmente a organização do pensamento e a autonomia.
PIAGET E A CONSCIÊNCIA DA REGRA

Piaget (1932/1994) menciona três estágios equivalentes à consciência das regras na teoria
de desenvolvimento moral, refirmando a questão da evolução moral (BORGES, 2017, p. 30).

Título: Consciência das regras (PIAGET, 1932/1994)


Fonte: A pesquisadora (BORGES, 2017, p. 30).

O primeiro estágio é o da regra motora: a consciência da regra é puramente individual,


satisfazendo os interesses motores das crianças e suas fantasias simbólicas, e não existe
compromisso com a regra. “A regra motora resulta, portanto, de uma espécie de senti-
mento de repetição, que nasce por ocasião da ritualização dos esquemas de adaptação
motora” (PIAGET, 1932/1994, p. 76). Por volta dos três ou quatro anos, a criança está cerca-
da de regras, imitadas, inventadas, vindas do exterior (PIAGET, 1932/1994).
O segundo estágio é o da regra coercitiva: a criança joga compreendendo a regra
como sendo sagrada, existe um respeito místico pela regra e ela não aceita modificações.
Há uma relação entre a prática egocêntrica do jogo e o respeito místico da regra. Estágio
marcado pela heteronomia e respeito à coação adulta. A criança se submete a praticar
leis imutáveis vindas do exterior, dos adultos. Ainda não existe cooperação, pois coopera-
ção nasce entre os iguais (PIAGET, 1932/1994 apud BORGES, 2017).
Terceiro estágio, regra racional: ao qual Piaget marca a passagem da heteronomia
para a autonomia. Encontramos uma cooperação que sucede o egocentrismo e percebe-
mos as possíveis variáveis das regras. O jogo se apresenta não mais com regras vindas do
exterior, mas é resultado de uma livre decisão passível de ajustes. A democracia sucede à
teocracia, e a heteronomia dá lugar à autonomia (PIAGET, 1932/1994 apud BORGES, 2017).

ANOTE ISSO
Na autonomia, a obediência a uma regra se dá pela compreensão e
concordância com sua validade. Na heteronomia, a obediência à regra
ocorre pelo medo da punição ou interesse nas vantagens a serem obtidas
pessoalmente” (MENIN, 1996).
81
AULA 15

A CRIANÇA E A REGRA NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Nesta aula, vamos trabalhar como a criança usa e compreende as regras. O modo de
respeitá-las está relacionado ao desenvolvimento moral, ou seja, conversa com as noções
de certo e errado, de bem e mal. O objetivo é identificar diferentes tipos de moralidade
construídos ao longo do desenvolvimento infantil. Para tanto, vamos tratar de modo mais
detalhado das três morais em Piaget e como deve ser a conduta do professor na sala de
aula para que ele contribua para a formação moral e autônoma de seus escolares.

ANOMIA, HETERONOMIA E AUTONOMIA

As considerações acerca da moral podem ocorrer de maneiras distintas. Pode-se com-


preender a moral como um sistema de regras, normas e princípios. Podemos também
pensá-la como forma de julgamento dos atos, classificados como corretos, justos, bons
ou o oposto. Também há de se considerar como moral os sentimentos que atribuímos a
pessoas ou situações, como por exemplo, sentimento de compaixão, solidariedade e al-
truísmo. A moral também pode ser atribuída com base nos valores que utilizamos como
critério para julgar a outrem e seus atos, a exemplo, a liberdade, a igualdade, a hones-
tidade e outros, enfim, também como característica de personalidade moral como em
pessoas fiéis, solidárias, bondosas e outros (MENIN, 2007 apud BORGES, 2017).
Para Piaget (1932/1994), na anomia ou pré-moralidade, o sujeito desconhece as re-
gras, e a criança ainda não penetrou no universo moral (LA TAILLE, 2006).
Na heteronomia, o sujeito já age de maneira moral, mas essa moral é exterior ao in-
divíduo. As regras são consideradas sagradas, imutáveis e obrigatórias, sendo impostas
por uma autoridade. Para esses sujeitos, os valores a serem seguidos são aqueles que a
sociedade adulta ou uma autoridade lhes impõe. “A criança heterônoma não assimilou
ainda o sentido da existência de regras: não as concebe como necessárias para regular e
harmonizar as ações de um grupo de jogadores” (LA TAILLE, 2016, p. 50). Assim, a hete-
ronomia é considerada por Piaget como sendo a “moral do dever”; é a moral do respeito
unilateral, não há reciprocidade (BORGES, 2017).
Segundo Borges (2017), na autonomia o sujeito age moralmente, ou melhor, por vol-
ta dos 8, 9 anos, a criança começa a dar sinais de autonomia, conforme acordo com uma
moral que é construída por ele próprio em um acordo mútuo com o coletivo. “A crian-
ça autônoma pensa que um dever moral primordial é tratar as pessoas sem privilegiar
umas nem desprezar outras” (LA TAILLE, 2006, p. 98).

RESPEITO UNILATERAL E EDUCAÇÃO AUTORITÁRIA

Um dos princípios da educação construtivista é haver na sala de aula um ambiente


sociomoral onde o respeito pelos outros é continuamente praticado e cultivado. Nesse
ambiente, as pessoas interagem e se respeitam reciprocamente como pessoas iguais.
Entretanto, sabemos que não se pode esperar que as crianças de pouca idade se relacio-
nem com o professor de igual para igual, pois ela ainda é heterônoma e nutre pelo adul-
to um respeito totalmente unilateral. Enquanto pequena, é incapaz de vê-lo como igual,
assim, a relação será assimétrica. Mas essa questão não impede de tratá-la em um mes-
mo plano, de relacionar-se de forma a imputar respeito. Um adulto pode demonstrar
respeito pela criança quando consulta o grupo antes de tomar uma decisão, ao justificar
alguma atitude ou quando se dispõe a ouvir o que a criança tem a dizer (VINHA, 2000).
Para Piaget (1932/1994), inicialmente o respeito é um sentimento composto por
amor/empatia e medo. Aceito isso, para que exista respeito, é necessária a afeição entre
aquele que respeita e o sujeito respeitado, e um pouco de medo, seja ele de punições ou
83
de castigos, da perda de admiração ou afeto, ou ainda vergonha de decair aos olhos do
outro. Essas características nos mostram que o respeito é um sentimento que demons-
tra vínculo entre as pessoas, e quando não há um bom vínculo não há respeito.
O respeito é unilateral quando, por exemplo, o professor abusa da sua autoridade, de
seu poder sobre a criança, quando a humilha, quando desconsidera seus sentimentos,
quando manipula seu comportamento com recompensas e punições e quando ensina
ou induz algo que poderia ser descoberto. Em uma relação de respeito mútuo, pres-
supõe que a legalidade suplante a autoridade, remetendo assim a uma relação entre
iguais (VINHA, 2000).
Refletindo ainda sobre o respeito unilateral e a forma de educação autoritária, La
Taille (1998) nos diz que esse tipo de educação acaba por gerar pessoas submissas, con-
formadas, sem hábitos críticos e sem poderes argumentativos; características estas de
indivíduos heterônomos, pois sendo submetida a constantes pressões dos adultos, a
criança não tem condições de pensar sobre o que está acontecendo ou fazendo. A pos-
tura autoritária do adulto impossibilita que a criança caminhe em direção à moral autô-
noma (BORGES, 2017).
Já Menin (1996) compara escolas com princípios distintos à escola tradicional e à es-
cola construtivista.
Na escola tradicional, há o respeito unilateral, que implica uma desigualdade entre
aquele que respeita e aquele que é respeitado. Esse tipo de respeito é marcado pela coa-
ção. Já na escola construtivista, podemos perceber uma forma diferente de lidar com o
respeito, os indivíduos se tratam como iguais, sendo assim, o respeito é mútuo. Esse res-
peito não implica nenhuma coação e revela um tipo relação de cooperação. Esses dois
tipos de respeito nos parece explicar a existência de duas morais chamadas por Piaget
(1932/1994) de moral heterônoma e moral autônoma. O resultado da pressão do adulto
sobre a criança seria essencialmente a heteronomia. Ao contrário, o respeito mútuo pos-
sibilita o sentimento do bem, um sujeito autônomo (MENIN, 1996).

AUTONOMIA, RESPEITO MÚTUO E COOPERAÇÃO

Para Piaget, respeitar diferenças não é apenas aceitá-las. Respeitar as diferenças pede a
coordenação de pontos de vista. “[...] coordenar significa conjugar, concatenar, interligar,
isto é, dispor os elementos numa sequência lógica. Nesse sentido, a coordenação solicita
a interpretação ou a assimilação e a coordenação recíproca” (PEDRO-SILVA, 2011, p. 146).

ANOTE ISSO
A pessoa autônoma compreende-se responsável pelos seus atos, suas op-
ções, decisões e sentimentos. A fonte de regras não está mais nos outros ou
em uma autoridade, mas no próprio indivíduo, como autorregulação (KAMII,
2012).

Piaget ainda ressalta que o respeito mútuo aparece desde que haja cooperação, e acres-
centa: “[...] quem diz respeito, diz admiração por uma personalidade” (PIAGET, 1932/1994,
p. 84). Portanto, assim como a moral heterônoma é uma moral da obediência e do res-
peito unilateral, a moral autônoma é uma moral da justiça e do respeito mútuo. Contu-
do, a autonomia consiste, ainda, em ser capaz de se colocar no lugar do outro, ou seja,
em fazer com que as leis sejam universais e os ideais sejam coletivos, diferentemente do
egocentrismo encontrado na heteronomia (LA TAILLE, 2006).
84
Cooperação e respeito mútuo
Fonte: Pixabay.

ISTO ESTÁ NA REDE


Telma Vinha: Práticas de sucesso na resolução de conflitos
Conflito é toda opinião divergente ou interpretação contrária a um aconteci-
mento. Nesse sentido, o conflito está socialmente presente em todo tipo de
relação e ambientes, assim como na família e na escola.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=9gk_Cb7NLMQ>

A dignidade do ser humano deve ser entendida e aceita como um ideal democrático de
convívio social, pressupondo respeito mútuo e não o respeito unilateral (BRASIL, 1997
apud BORGES, 2017). Piaget (1932/1994) pontua que há duas maneiras de socialização
entre os homens, e a primeira é pelo respeito unilateral. Embora necessário, tem forte
limitação, pois dificulta a construção da autonomia, as trocas são menos equilibradas
e não há crítica mútua. A segunda é pelo respeito mútuo, na qual há uma cooperação
possível e consequentemente o favorecimento da autonomia intelectual e moral (TOG-
NETTA; VINHA, 2012). Nesse sentido,

a cooperação é fruto do sentimento de respeito mútuo, só possível em


posições de igualdade entre os sujeitos. Piaget deixou-nos clara a per-
tinência da relação entre pares, dizendo o quanto são privilegiadas em
possibilidades de evolução moral. Entre iguais, entre as próprias crian-
ças, elas experimentam resolver seus conflitos e suas dúvidas sem o
peso de qualquer espécie de obediência (TOGNETTA; ASSIS, 2006, p. 55).

Quando Piaget propõe respeito mútuo, ele se refere às relações com os adultos. O res-
peito mútuo entre uma criança e um adulto pressupõe uma diminuição de qualquer
autoritarismo. Dessa forma, a relação com a autoridade deixa de ser uma relação de
subserviência; ou, em seu extremo, uma relação de paternalismo para atingir seu ca-
85
ráter de confiança. Sem dúvida, se a cooperação proposta por Piaget se baseia em um
sentimento de respeito, é também elucidado seu lado afetivo (TOGNETTA; ASSIS, 2006).
OS CONFLITOS E AS SANÇÕES NA VISÃO PIAGETIANA

Primeiramente, é importante ressaltar que devido à dinâmica das relações interpes-


soais, os conflitos sempre ocorrerão. Segundo a teoria construtivista piagetiana, os con-
flitos interpessoais são excelentes oportunidades para se trabalhar valores e regras, pois
estes nos dão “pistas” sobre o que as crianças e/ou jovens estão precisando aprender. A
ausência de conflitos sugere ao menos relações em que predomina o respeito unilateral,
em que poucas vezes há discordâncias, brigas e discussões, já que apenas uma parte
detém autoridade, o poder e a razão (VINHA, 2003).
A partir dos conflitos, geralmente vêm os “castigos”, “punições” ou “consequências”.
Piaget diz que a sanção consiste em consequência, em uma espécie de recolocação de
ordem, um restabelecimento do elo social e da autoridade da regra. Este autor nomeia
dois tipos de sanções: a expiatória e a de reciprocidade.
A sanção expiatória vai ao encontro da coação e das regras da autoridade e apre-
senta caráter arbitrário, isto é, não há nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e
a natureza do ato sancionado. Exemplo: para punir uma mentira, dá-se ao culpado um
castigo corporal ou retiram-lhe o direito de usar seus brinquedos. A sanção por recipro-
cidade vai lado a lado às regras de igualdade e cooperação (PIAGET, 1932/1994).
Contrariamente às sanções expiatórias, as sanções por reciprocidade possuem va-
riedades. Conforme as faltas, podem seguir certo número de variantes; variedades mais
ou menos justas, segundo a natureza do ato repreensível (PIAGET, 1932/1994).
As sanções por reciprocidade, “[...] eis como podemos classificá-las, indo das mais
para as menos severas” (PIAGET, 1932/1994, p. 162). Em um primeiro momento, pode ha-
ver uma exclusão momentânea ou definitiva do grupo. Segundo ponto, o grupo onde se
localizam as sanções apela para consequências diretas e materiais dos atos, como não
dar o pão para aquele que se recusou em comprá-lo, sabendo que faltaria o alimento.
Terceiro, o grupo priva o culpado de alguma coisa da qual abusou. Em quarto lugar,
sobre a reciprocidade simples ou propriamente dita, estão as sanções que se resumem
essencialmente em fazer para a criança aquilo o que ela própria fez. Em quinto lugar, a
sanção simplesmente restitutiva, pagar ou substituir o que foi quebrado ou roubado. Há
ainda “[...] uma sexta categoria, que seria a simples repreensão, sem nenhuma punição,
e a repreensão que não se impõe autoritariamente, mas que se limita a fazer compreen-
der ao culpado em que rompeu com o elo de solidariedade” (PIAGET, 1932/1994, p. 164).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Lukjanenko (1995), em sua pesquisa de mestrado, verificou que o juízo mo-
ral do professor influencia as relações estabelecidas na sala de aula. Isso
quer dizer que a postura do professor, na forma de conduzir suas aulas e de
mediar os conflitos, tem um papel fundamental no desenvolvimento moral
das crianças e dos jovens, pois não há como seres heterônomos formarem
pessoas autônomas. Para se formar cidadãos autônomos, é necessária uma
atmosfera sociomoral cooperativa. Pense nisso!
86
AULA 16

A CRIANÇA,
A ESCOLA
E A REGRA
Querido(a) graduando(a), nesta aula vamos tratar das formas cooperativas de trabalho
escolar e principalmente dos motivos pelos quais elas devem ocorrer no espaço escolar.
Serão levantadas algumas questões sobre os limites, sobre as regras negociáveis e as
não negociáveis, e por fim vamos trabalhar a importância da conduta ética do educador.
Os objetivos são reconhecer a circunstâncias sob as quais as regras devem ser cons-
truídas, a importância de um acordo coletivo e os ganhos cognitivos e sociomorais que
estão atrelados ao trabalho cooperativo.

OS LIMITES NA ESCOLA

A cultura escolar tem-se caracterizado por fortes traços de heteronomia, principalmente


nas relações entre adultos e crianças. Vimos que o ensino, na sua modalidade tradicio-
nal, tem uma tendência mais forte para o autoritarismo do que para as formas democrá-
ticas, baseando-se nas coações e no respeito unilateral.
Para La Taille (2016), por um lado a escola pode dificultar a evolução da criança (ego-
centrismo ou centração), retardando a construção moral da cooperação e da reciproci-
dade de relações. Por outro, muitas crianças podem tentar escapar às relações que as
subjugam, agredindo, contra-atacando, se autoafirmando por meio de ações que trans-
gridam a disciplina escolar. Dessa forma, a

[...] coação não deve ser obrigatoriamente entendida como uma tira-
nia conscientemente exercida por alguém ou por algum grupo: pode
ser decorrência de algum tipo de organização institucional, que talvez
tenha tido sua origem na necessidade de algum grupo de controlar o
poder social, mas que no decorrer dos anos ou dos séculos manteve-
-se pela tradição. Aliás, toda tradição pode configurar uma relação de
coação, pois as razões que levam a respeitá-la costumam limitar-se à
afirmação de que tem que ser assim, pois sempre foi assim (relação
constituída) (LA TAILLE, 2016, p. 59).

Coação e heteronomia
88
Fonte: Reprodução
É importante parar para pensar sobre as razões de tantas transgressões. Muitas vezes, o
que compreendemos como indisciplina, pode também ser a maneira pela qual os alu-
nos estão buscando um lugar nesse espaço. Perceber este outro lado pode nos ajudar a
favorecer a integração desses alunos a cultura escolar e, além disso, transformá-la.

ANOTE ISSO
Regras são acordos elaborados pelos integrantes do grupo que beneficiam
a todos, ordenando as relações. Esses acordos não são rígidos, estáticos ou
pré-estabelecidos, nem privilegiam alguns em detrimento de outros (VINHA,
2003, p. 234). O professor deve funcionar como o mediador, problematizan-
do e levando os alunos a análises que facilitem a construção das regras.

Regras negociáveis e não negociáveis

Vamos pensar inicialmente nas regras não negociáveis, como por exemplo, “não furtar ob-
jetos dos colegas”. Essa regra não é posta em discussão, porque se baseia no princípio da
reciprocidade e do respeito ao que é do outro. Do mesmo modo, é indiscutível “não bater”,
“não humilhar ninguém”, pois têm como base a preservação da dignidade. “Não destruir
a escola, preservá-la” é a mesma ideia: não se negocia. É patrimônio público, é de toda
comunidade. Lavar as mãos antes do lanche, escovar os dentes, não se negociam, porque
são ações de preservação da saúde. E assim por diante. As regras não negociáveis partem
do princípio de não causar danos a si e aos outros. Cabe ao professor e à escola em geral
reafirmá-las sempre que necessário e de forma firme que inspire segurança (VINHA, 2003).
Conforme La Taille (2000), regras apoiadas em princípios éticos não podem ser nego-
ciadas. Entretanto, há outras regras que não só podem ser negociáveis, como devem ser
construídas junto com as crianças e jovens, para que eles se exercitem no processo de to-
mar decisões e assumam a responsabilidade pelas consequências de suas próprias ações.
Dessa forma, se existem limites de dois tipos, do que “pode” e do que “não pode”, é
necessário que a comunidade escolar esteja sempre presente, avaliando criticamente,
clarificando, primeiro para si e depois para os educandos os princípios que baseiam seus
limites e as funções dos “porquês” das regras estabelecidas. Por que não pode conversar
com o colega durante a aula? Por que não pode usar boné? Se as crianças e jovens não
veem sentido ou não compreendem o que está sendo imposto ou tratado, podem se
desinteressar e buscar alternativas. Visto por esse viés, cabe aos professores mais que se
indignar com a indisciplina e o não cumprimento da regra. Cabe indagar se uma ou ou-
tra postura ou estratégia didática não deve ser revista ou reformulada (LA TAILLE, 2000).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA


Muitas vezes, o professor ingenuamente acredita que quando surge algum
problema ou indisciplina, basta fazer regras. Mas não funciona dessa forma.
O processo de construção de regras com o grupo também é uma aprendiza-
gem de democracia e de respeito mútuo do professor e de seus alunos. Ser
disciplinado não significa ser treinado a obedecer, mas sim compreender as
razões de se comportar de um modo ou de outro, independentemente da
presença da uma figura de autoridade. É o puro produto da liberdade com
responsabilidade. É o que chamamos de autonomia moral (VINHA, 2003).
89
Formas cooperativas de trabalho escolar: o trabalho em grupo

La Taille (2016) nos fala que Piaget divide as relações interindividuais em duas grandes
categorias. Vamos a elas:

Relações interindividuais, dois conceitos na contramão.


Fonte: A autora. Baseado em La Taille (2016, p. 58-59)

Para favorecer a autonomia, a escola precisa propiciar aos escolares relações de coope-
ração. Vinha (2003) defende o trabalho em pequenos grupos, que são excelentes for-
mas de estimular a cooperação. Segundo essa autora, os grupos devem ter no máximo
quatro pessoas a fim de favorecer as trocas e a investigação de diferentes assuntos. Não
podem ser somente aleatórios, cabendo ao professor utilizar diferentes estratégias de
composição. A finalidade desse trabalho é favorecer a construção conjunta de regras, a
discussão, as trocas de ponto de vista e opiniões, a elaboração de argumentos e contra-
argumentos. Tudo isso são recursos importantes para auxiliar a descentração do sujeito
e a consideração da perspectiva do outro.
Kamii e Devries (1991), observando crianças em jogos coletivos, constataram que,
nesses grupos, elas passam a exigir de seus pares mais compromisso, coerência e justi-
ficativas mais adequadas para as propostas que fazem. Dessa forma, as crianças desco-
brem a importância de argumentar. Mais que colocar as crianças sentadas em grupos,
o professor precisa saber que trata de uma metodologia cujos desafios são variados, e o
sucesso dessa prática não ocorre como um passe de mágica. Aprender a agir coopera-
tivamente leva tempo e é um exercício constante. O domínio dessa forma de trabalhar
pode fazer a diferença, tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto para o desenvol-
vimento moral da criança (VINHA, 2003)
Para Johnson, Johnson e Holubec (1993 apud LOPES; SILVA, 2015), o trabalho em
grupo é um método de ensino no qual os alunos trabalham em conjunto para poten-
cializarem sua própria aprendizagem e a dos seus pares. “Cada membro do grupo é res-
ponsável não somente por aprender o que está a ser ensinado, mas também por ajudar
os colegas, criando uma atmosfera de realização” (BALKOM, 1992 apud LOPES; SILVA,
2015, p. 3). Na construção dessa prática de ensino entre outros, o desenvolvimento de
habilidades sociais e competências tais como comunicação, confiança, liderança, de-
cisão e resolução de conflito é estimulado. Também se trabalha com o processamento
de grupo, balanços regulares e sistemáticos do funcionamento do grupo, da progressão
na aprendizagem e da interdependência positiva (JOHNSON; JOHNSON; SMITH, 1998).
Piaget (1932/1994) reafirma a importância das relações sociais, uma vez que estas são
formadoras dos sentimentos morais. O egocentrismo infantil e o respeito unilateral abri-
gam-se nas relações da criança com os mais velhos, resultando em heteronomia ou em
90
moral do dever.
A FORMAÇÃO ÉTICA DO EDUCADOR

Para Vinha e Tognetta (2009), a vivência democrática e cooperativa requer o desenvolvi-


mento das dimensões cognitivas e afetivas, assim como de habilidades interpessoais. É
preciso oferecer aos educandos oportunidades frequentes de atividades planejadas, tais
como assembleias, rodas de conversa, avaliação do dia e narrativas morais, entre outros.
Esses procedimentos favorecem a apropriação racional das normas e valores, o autoco-
nhecimento e o conhecimento do outro, a identificação e expressão dos sentimentos,
a aprendizagem de formas mais justas e eficazes de resolver conflitos e consequente-
mente o desenvolvimento da autonomia e uma aprendizagem eficaz (BORGES, 2017).

O que a escola faz que O que a escola pode fazer


mantém a heteronomia para construir autonomia

• Relações unilaterais entre professor • Enfatizar relações de trocas entre os alunos, trabalhos
e aluno; imposição de regras prontas; com jogos em grupo são as melhores possiblidades
controle por punições arbitrárias. para se descobrir as funções sociais das regras.
• Proibição de trocas entre as crianças • Utilizar regras que permitam e regulem trocas entre
tais como ficar quieto, cada um faz o os alunos para uma melhor aprendizagem e para o
seu, não sair do lugar, cada um com desenvolvimento da cooperação, reciprocidade, res-
suas coisas. peito mútuo...
• Colocar regras sem significado social • Construir juntamente com os alunos regras com cla-
ou de apredizagem apenas para manter ros significados racionais e funcionais, feitas para o
a autoridade do professor. benefício do grupo.
• Dar lições de moral, como se a moral • Entender a moral como algo presente em qualquer
pudesse ser ensinada pelos discursos situação de respeito ou desrespeito às regras do gru-
moralistas e de forma isolada. po. Qualquer conflito entre alunos ou destes com o
professor pode ser uma situação de construção moral.
• Disciplina por punições arbitrárias, ex-
piatórias; a ação errada é castigada e • Disciplina por sanções por reciprocidade: o castigo
não é reconstituída; não há relação ló- deve ter relações com erro, consertando-o ou evitan-
gica entre o erro e o castigo; a punição do-o. Sanções por reciprocidade podem ser: apelar
não restitui os danos. para a consequencia direta e/ou material do ato; ex-
clusão temporária do grupo; privar a criança do que
• Tem como consequências da punição; usou mal; reparação.
cálculos de riscos; conformidade cega;
revolta. • Os alunos aprendem a prever as consequências de
suas ações no grupo e começam a pensar em formas
• Favorece a imitação irrefletida: as crian- de reparação dos erros.
ças imitam os professores em relação
aos seus atos, julgamentos e valores e • Favorecer a reflexão, pelos professores, de seus valo-
são reforçadas por isso, como ocorre res e ações pedagógicas e disciplinares. Proporcionar
na delação. a autoavaliação em valores, tanto nos alunos quanto
nos professores.
Condições para o desenvolvimento moral na escola
Fonte: Menin (2007, p. 58) apud Borges (2017, p. 45).

ISTO ESTÁ NA REDE


Yves de La Taille aborda os pressupostos da moral e da ética em seu artigo
“Moral e ética: uma leitura psicológica”. Revista de Psicologia: Teoria e Pes-
quisa. v. 26, n. especial, p.105-114, 2010.
Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a09v26ns.pdf>
91
A importância e a necessidade de um ambiente sociomoral que seja propício a desen-
volver nas crianças e nos jovens suas potencialidades são evidentes. A escola é com
certeza o lugar para essa formação. De acordo com D’Aurea-Tardeli (2013), na pesqui-
sa “Avaliação dos valores de professores: possibilidades para uma escola democrática”,
para professores formarem eticamente seus alunos, precisam ter desenvolvido algumas
competências, e a autonomia moral é uma delas. Somente assim uma pessoa poderá
escolher o princípio adequado para cada caso e procurar uma interpretação mais justa
para as situações conflitivas. Escolas que colaboram para uma conduta ética e justa, que
discutem questões sobre desigualdade, inclusão, injustiça, desrespeito, estão desenvol-
vendo o senso ético de seus professores, pois a prática reflexiva é elemento fundamental
na tomada de consciência e construção de valores democráticos (BORGES, 2017).
Queremos, de fato, pela via da educação escolar, formar sujeitos éticos. Para tanto,
parece-nos legítimo dizer que é preciso investir na formação moral, a começar pela for-
mação dos professores e pela reflexão sobre as interações que viabilizem a construção/
manutenção de valores para a constituição de uma vida mais digna, dos sujeitos que
habitam o espaço escolar. Entendemos que, da perspectiva do autorrespeito, a resposta
à pergunta “o que sou?” levará à resposta da pergunta “o que quero ser?” (LA TAILLE,
2002). Dessa forma, a escola deve estar preparada para receber o aluno e não o contrário,
pois a função precípua da instituição que se nomeia educativa é promover a educação
e contribuir para a transformação dos indivíduos (PEDRO-SILVA, 2013). Nesse sentido,

[...] a mudança que se deseja na sociedade, nas famílias e é claro nas


escolas, tem seu início nos sujeitos que povoam estes lugares. A partir
da transformação das pessoas que mantêm e compõem estes lócus
a teoria converte-se em ação. A ação moral do professor, o exemplo, a
atitude de escutar a criança, de dialogar com o jovem, com o colega
professor. (BORGES, 2017, p. 122).

Nessa perspectiva, La Taille (2009) diz que o professor precisa acolher e valorizar o con-
vívio escolar e que este seja um lugar de desabrochar. Que a fase escolar seja tempo
de desabrochar os princípios morais e que os educadores não permitam que as regras
engessem os princípios morais, as virtudes e a generosidade. Sendo assim, ressalta-se a
importância que deve ser dada à formação acadêmica e moral do professor, e que este
precisa se responsabilizar e se comprometer, reafirmando a necessidade de os educa-
dores receberem uma formação consonante ao que se espera deles. Em suma, o autor
questiona: como seria possível homens heterônomos educar crianças que deverão se
tornar autônomas? (LA TAILLE, 1996 apud BORGES, 2017).
É importante reconhecer que os ideais de moral e ética surgem a partir dos
problemas que vivenciamos no dia a dia, em nossa família, na escola, na comunidade,
na sociedade em geral, e o professor precisa tomar parte dessa responsabilidade que é
educar moralmente. A prática educativa não pode permanecer estática; ela é inerente à
função do educador de formar pessoas éticas, e que isso se dê a partir de vivências reais.

92
CONCLUSÃO
Querido(a) aluno(a), estamos finalizando a disciplina Psicologia da Edu-
cação com a sensação de “gostinho de quero mais”. De verdade, espero
ter semeado frutiferamente. É claro que muitos assuntos devem ainda
ser aprofundados, mas tenho certeza que esse espírito investigativo foi
despertado dentro de você e lhe conduzirá a novas buscas.
No início do curso, vimos que a Psicologia se constitui como ciên-
cia praticamente ao mesmo tempo que a Pedagogia, e que depois de
ser amplamente criticada, passa a se apresentar como disciplina-ponte
e gerar mudanças profundas na maneira de entender as relações entre
o conhecimento psicológico, a teoria e as práticas educativas de modo
geral. Vimos que a aliança entre psicologia e educação é incontestável, e
nos resta entender como se aprende e como se deve ensinar, observan-
do a especificidade de cada educando e considerando a importância de
todas as questões que impactam o desenvolvimento humano positiva e
negativamente.
Estudamos os aportes teóricos da Psicologia no contexto das ciências
da educação, o comportamentalismo (o objeto não é a mente e sim o
próprio comportamento e suas interações) e as teorias psicogenéticas
(o ser humano se desenvolve em interação com o meio sociocultural).
Trouxemos Piaget e Vygotsky: o primeiro afirma que para haver apren-
dizagem, o sujeito precisa ter alcançado certo nível de desenvolvimento,
enquanto o segundo acredita que a aprendizagem impulsiona o desen-
volvimento e que aprendizagem e desenvolvimento são processos indis-
sociáveis.
Além da teoria, você recebeu contribuições práticas aplicáveis no dia
a dia da escola e viu que a aprendizagem ocorre progressivamente, com
abrangência de muitos processos mentais fundamentais e imprescindí-
veis para a apropriação dos conteúdos escolares: a percepção, a atenção,
a memória e a emoção – que é a base de tudo. Quanto ao lúdico, espero
que, por meio de Piaget, você tenha compreendido que a imitação e o
faz-de-conta são altamente importantes para a criança porque consti-
tuem uma linguagem pela qual a criança se expressa quando ela ainda
não tem estruturas cognitivas suficientemente elaboradas, e que tal sim-
bolismo não se limita a questões emocionais devido aos seus aspectos
sociocognitivos.
No decorrer do curso, estudamos as maneiras pelas quais ocorre o
desenvolvimento moral nas crianças e como se dá a internalização das
regras na vida dela, utilizando as ideias de Piaget sobre a construção do
juízo moral na criança a fim de identificar as modalidades básicas que
fundamentam a construção da sua moralidade.
Ainda sobre tais pressupostos, refletimos sobre anomia, heteronomia
e autonomia moral, lançando um olhar mais crítico e construtivo sobre
(in)disciplina. Exploramos as relações entre professor e aluno, dando bas-
tante atenção às condutas fortalecedoras de heteronomia dentro da es-
cola e endossando que a escola tem a grande responsabilidade de auxi-
liar as famílias a construírem nas crianças uma vida ética.
Para concluir, deixo a mensagem de que a educação moral é um de-
safio, por isso, sinta-se desafiado!
93
ELEMENTOS
COMPLEMENTARES

LIVROS

INDISCIPLINA: ÉTICA, MORAL E AÇÃO DO PROFESSOR


Autor: Yves de La Taille
Editora: Editora Mediação

Sinopse: Neste tempo em que vivemos a desestruturação


das instituições sociais, quando as famílias não se reúnem
nem para almoçar ou jantar, trocam várias vezes de cida-
de ou de casa, em que se navega por todos os lugares via
internet, escreve José Sterza: “Justo a escola se mantém,
para surpresa de todos, preservada e intocável.” Por um
lado, isso é muito importante, pois é um lugar de seguran-
ça para as crianças e jovens num mundo em que a violên-
cia predomina. Por outro, é um barril de pólvora pronto a
explodir. Acolhe em si um mundo em ebulição e tenta encarcerá-lo em quatro paredes,
organizá-lo, controlá-lo, mantendo-se, apesar de tudo, conservadora em seus métodos.
Como poderá ela se ajustar a essa geração? Para famílias e escolas, a grande preocupação
parece girar em torno da formação de valores e do estabelecimento de limites. Discutindo
essas questões, reúnem-se nesta publicação três grandes estudiosos da Psicologia. Seus
textos dialogam e complementam-se em torno desse tema que aflige pais e professo-
res: (in)disciplina e ambiente escolar. Abordando temáticas diversas, trazem importantes
contribuições sobre o compromisso da escola em termos da formação moral dos es-
tudantes.

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Autor: César Coll Salvador e colaboradores.
Editora: Penso

Sinopse: Em toda a situação educativa intervém uma


série de variáveis e processos de natureza psicológica e
outros de natureza não-piscológica. A compreensão des-
ses processos e variáveis é imprescindível para entender
o ato educativo. Assim, este livro estuda esses processos
de conhecimento que são vividos pelas pessoas na sua
participação em atividades educativas de diferentes âm-
bitos, tais como a escola, a família e o trabalho.

94
EDUCAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Autor: Fernando Becker
Editora: Penso

Sinopse: Em uma nova edição, revista e ampliada, de


Educação e construção do conhecimento reúne textos
de Fernando Becker, educador reconhecido por sua luta
em favor da melhoria da escola pública brasileira, que re-
fletem as pesquisas e os estudos desse importante autor
embasadas em Paulo Freire e Jean Piaget.
O autor promove um debate entre os modelos empirista,
apriorista e construtivista do conhecimento e analisa seus reflexos na sala de aula, apre-
sentando argumentos favoráveis, que podem fazer perguntas, construir conhecimentos
e argumentar. Esta obra constitui-se em uma contribuição importante para a educação,
ao passo que possibilita análises e discussões sobre as formas de atuação pedagógica
do professor e defende um ensino menos passivo e resignado.

CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA PARA EDUCAÇÃO


Autor: Adrián Oscar Dongo Montoya
Editora: Mercado das Letras

Sinopse: É evidente a contribuição da ciência Psicológi-


ca para a Educação, sobretudo se levarmos em conta a
quantidade e a qualidade de conhecimentos científicos
acumulados sobre as diferentes dimensões da ação hu-
mana: processos e relações afetivas, cognitivas, morais,
estéticas etc.
Comentário: Este livro possibilita importantes reflexões
sobre as questões educacionais desde a Educação Infan-
til até o nível superior. É uma boa leitura para você que procura alternativas para a ação
docente de forma construtiva, consciente e transformadora.

FILMES

ESCRITORES DA LIBERDADE
(Freedom Writers)
Ano: 2007 – Duração: 123 min.
País: Estados Unidos – Gênero: Drama
Direção e roteiro: Richard LaGravenese

Sinopse: Hilary Swank, duas vezes premiada com o Os-


car, atua nessa instigante história, envolvendo adoles-
centes criados no meio de tiroteios e agressividade, e a
professora que oferece o que eles mais precisam: uma
voz própria. Quando vai parar numa escola corrompida
95
pela violência e tensão racial, a professora Gruwel com-
bate um sistema deficiente, lutando para que a sala de aula faça a diferença na vida dos
estudantes. Agora, contando suas próprias histórias, e ouvindo as dos outros, uma turma
de adolescentes supostamente indomáveis vai descobrir o poder da tolerância, recupe-
rar suas vidas desfeitas e mudar seu mundo.

DESCARTES
Ano – 1974 – Duração: 100 minutos
País – Itália
Direção – Roberto Rossellini

Sinopse: Biografia de Descartes, filósofo antecessor de


Blaise Pascal. Neste filme podemos ver trechos inteiros
de algumas das obras fundamentais do pensador, como
O Discurso do Método (1637) e as Meditações Metafísi-
cas (1641). São procedimentos teóricos de Descartes, cuja
função seria fundar a autonomia do pensamento racio-
nal diante da fé. Nas Meditações, Descartes precisa, pri-
meiro ocupar-se das provas da existência de Deus, para
apenas depois afirmar que o Cogito (a Razão) se sustenta
por si só. “Eu sou, eu existo”, deduz, pelo simples fato de pensar. A conclusão entrou para
a história do conhecimento como a frase famosa “Penso, logo existo”.

SER E TER
(Être et avoir)
Ano – 2002 – Duração: 102 minutos
País – França
Direção e roteiro – Nicolas Philibert

Sinopse: Na zona rural da França, o professor Georges


Lopez educa doze crianças cujas idades variam de 4 a 11
anos de idade. Ao longo de um ano, Lopez, que está perto
de se aposentar, instrui todos em uma pequena sala de
aula com as ferramentas tradicionais de ensino francês:
repetição mecânica e ditado de passagens literárias para
copiar. Com o passar da temporada, Lopez deve manter
seus alunos disciplinados enquanto prepara as crianças
mais velhas para os exames que determinarão seu futuro educacional.
Este filme nos convida a uma reflexão sobre a prática pedagógica e como ela pode ser
significativa e transformadora na vida dos escolares. Embora pareça uma simples crítica
ao modelo tradicional, não o é. Este professor consegue construir com seus alunos uma
vida escolar cheia de ensinamentos didáticos-acadêmicos (até de forma tradicional),
bem como, os preparar para a vida.

96
O COMEÇO DA VIDA
Ano – 2016 – Duração: Episódios de 40 minutos
País – Brasil
Direção: Estela Renner

Sinopse: “O Começo da Vida” traz de forma emocionante


à vida a ciência que há por trás da importância da rela-
ção amorosa nos primeiros anos da criança. Nesta série,
fica comprovado que os bebês são muito mais que uma
carga genética. Existe uma combinação desta, com a
qualidade das relações que desenvolvemos nos ambien-
tes que estamos inseridos. Fica o convite para que todos
sejamos agentes de mudanças em nossa sociedade, co-
meçando por cuidar bem dos primeiros anos de vida de
nossas crianças.

Comentário: Série baseada na neurociência, que mostra de maneira clara como o am-
biente afeta as crianças e como elas podem mudar o nosso futuro.

WEB

Em palestra no SINPRO-SP, a professora e pesquisadora Telma P. Vinha fala sobre a


relação entre a família e a escola na educação de crianças e jovens.
Web: < https://www.youtube.com/watch?v=y9BO-GfCNMU>

Elvira Lima, grande estudiosa, traz reflexões importantes sobre o caminho percorrido
pela psicologia e seus impactos sobre a educação, esta que ainda busca explicações em
outras áreas de conhecimento, para dar conta dos fenômenos educativos.
Fonte: < http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1787>

Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Neste artigo, a Profa. do Depar-


tamento de Ciências Aplicadas à Educação da UFMG, Agnela Giusta, discute as concep-
ções de aprendizagem que subsidiam as práticas pedagógicas. O objetivo é provocar
reflexões sobre as diferentes linhas analisadas.
Web: http://www.scielo.br/pdf/edur/v29n1/a03v29n1.pdf

Psicologia da Educação: temas e pesquisas. Este livro é resultado da organização de


trabalhos de investigação e pesquisa científica dos professores do Departamento de
Psicologia da Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP - Campus de Ma-
rília. Como tal, os trabalhos nele reunidos correspondem à história desse departamento,
sua composição e sua função no contexto de uma unidade acadêmica comprometida
com a formação dos futuros pedagogos, licenciados e profissionais de áreas afins.
Fonte:<https://www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/e_book_psicologia-e-educa-
cao.pdf>

97
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