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Psicologia
da Educação
SUMÁRIO
O SURGIMENTO DA PSICOLOGIA PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY NO
Processos histórico-filosóficos que deram origem à DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM
Psicologia 6 Relação entre Desenvolvimento e Aprendizado 50
Pressupostos sobre o conhecimento 7 Memória, atenção, percepção e emoção 51
Dois Grandes Momentos da Psicologia 7
O PENSAMENTO, A LINGUAGEM E A
CONTRIBUIÇÕES DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS
Origens das perspectivas e projetos de psicologia O Movimento Progressivo da Linguagem e a
10 Construção de Conceitos 55
A psicologia aplicada ao desenvolvimento da Pensamento e Linguagem 57
aprendizagem 12
Jean Piaget: um marco teórico único 13 PENSAMENTO E LINGUAGEM PARA VYGOTSKY
E A LINGUAGEM DA CRIANÇA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO E SUAS CONTRIBUIÇÕES Pensamento e Linguagem em Vygotsky 60
PARA O CAMPO DA EDUCAÇÃO Estágios da Linguagem e do Desenvolvimento
Psicologia e Educação: acertos e desacertos 16 Conceitual em Vygotsky 62
O objeto de estudo da Psicologia da Educação 17
Relações interpessoais entre quem aprende e AS MÚLTIPLAS LINGUAGENS DA CRIANÇA
quem ensina 18 A brincadeira do Faz-de-Conta 66
O Brincar na Vida da Criança 68
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS DO O Brincar, a Abstração e o Simbolismo de Segunda
APRENDER E DO ENSINAR Ordem 69
Concepções de infância 22
Infâncias hoje e o papel da escola 24 O MUNDO DOS AFETOS
A vida afetiva e as ideias da Psicanálise 72
A CRIANÇA NA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO Freud e o afeto 73
Concepções de criança: o lugar da criança no A escola, os alunos e o professor: o problema está
construtivismo piagetiano 27 dentro ou fora da escola? 74
A criança no construtivismo histórico-cultural de O afeto em Vygotsky, Wallon e Piaget 75
Vygotsky 29
UM NOVO OLHAR SOBRE A (IN)DISCIPLINA
DESENVOLVIMENTO HUMANO E OS FATORES Indisciplina na sala de aula 78
INTERVENIENTES DESTE PROCESSO A criança e a regra: o juízo moral na criança 79
O ponto de vista inatista-maturacionista 32 Piaget e a consciência da regra 81
O ponto de vista comportamentalista 32
Teorias psicogenéticas 34 A CRIANÇA E A REGRA NO DESENVOLVIMENTO
Jean Piaget 34 INFANTIL
Lev Semenovich Vygotsky 35 Anomia, heteronomia e autonomia 83
Respeito unilateral e educação autoritária 83
OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO E Autonomia, respeito mútuo e cooperação 84
APRENDIZAGEM NA TEORIA PSICOGENÉTICA DE Os conflitos e as sanções na visão piagetiana 86
PIAGET
Epistemologia genética de Jean Piaget 38 A CRIANÇA, A ESCOLA E A REGRA
Estágios sucessivos de desenvolvimento da Os limites na escola 88
inteligência 40 Regras negociáveis e não negociáveis 89
Formas cooperativas de trabalho escolar: o
PRINCIPAIS IDEIAS DE VYGOTSKY NO trabalho em grupo 90
DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM A formação ética do educador 91
A mediação na teoria de Vygotsky 44
A linguagem 45 ELEMENTOS COMPLEMENTARES 94
A formação das funções psicológicas superiores 46 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 98
INTRODUÇÃO
Prezado(a) aluno(a), você está iniciando agora seus estudos no campo da psicologia.
Em nossa vida cotidiana, a todo momento convivemos com alguns temas dessa área de
conhecimento e ouvimos dizeres como: “Isso é psicológico!” Entretanto, esses psicolo-
gismos ou “pseudopsicologia” do dia a dia são apenas formas populares e não científicas
de falar de psicologia.
Neste livro, vamos tratar do longo caminho percorrido pela psicologia para tornar-se
ciência e identificar os processos históricos e os sistemas teóricos das quais ela se origi-
nou. Também serão apresentados projetos das escolas de psicologia, seus precursores,
suas propostas e a forma de compreender o ser humano e suas vicissitudes, além de
discutirmos a importância do epistemólogo Jean Piaget, compreendido como marco
teórico único devido às suas imensas contribuições.
Nossa reflexão também será sobre a configuração progressiva da psicologia da edu-
cação até se tornar uma psicologia a serviço da educação (denominada de disciplina-
-ponte), sobre as concepções de infância na história da civilização e na escola contem-
porânea e, consequentemente, sobre a Psicologia da Educação e de que forma ela pode
contribuir com o trabalho pedagógico.
Outros pontos importantes que vamos estudar são a teoria de Piaget e a concepção
de criança no construtivismo piagetiano, a visão histórico-cultural de Vygotsky e suas
contribuições para entender como o ser humano se apropria da cultura e ao mesmo
tempo a produz e a relação entre desenvolvimento e aprendizagem com ênfase na me-
mória, atenção, percepção e emoção.
Vamos conversar também sobre as definições de Vygotsky quanto à linguagem e
o pensamento, a importância da qualidade das interações ocorridas na escola, os co-
nhecimentos formais (ou escolares) e o conhecimento do cotidiano e as várias formas
como a criança pode se expressar. Aqui, faz-se importante falar sobre a brincadeira do
faz-de-conta e de como o professor pode interagir melhor com a criança se observar o
seu brincar e se comunicar com ela pela linguagem lúdica.
No caminho, vamos falar um pouco sobre as ideias da Psicanálise de Sigmund Freud,
“o pai da psicanálise” - digo um pouco porque os pressupostos da Psicanálise são exten-
sos e não seria possível aprofundar, visto os objetivos desse momento. Mas Freud nos
traz contribuições importantes sobre a afetividade e o desenvolvimento psicológico, e
sobre esse assunto, retomaremos Vygotsky e Piaget, além de Wallon.
Nossa conversa também abordará a (in)disciplina, tema que têm sido alvo de muitas
pesquisas em Educação, Psicologia, entre outras áreas. Partindo desse ponto, entrare-
mos em outras questões que fazem parte desse contexto e assim propomos reflexões
e trazemos suportes teóricos, principalmente, referentes ao desenvolvimento moral e à
ética. Como educadores, buscamos, além de formar academicamente o aluno, alcan-
çá-los no campo moral e ético em favor da harmonia social. Dessa forma, apontaremos
aqui a causa e a importância dessa formação.
Ainda no campo do desenvolvimento moral, falaremos dos pressupostos da constru-
ção do juízo moral e identificaremos as modalidades básicas das regras. Em um outro
nível, veremos o caráter propriamente moral da regra, em que a criança começa a perce-
ber os conteúdos morais sem a vigília externa, que é propriamente a autonomia moral.
Por último, mas não menos importante, convidamos você a se lançar no mundo éti-
co e moral para refletir sobre a prática pedagógica e sobre as relações sociais das quais
você faz parte. Trataremos também da importância da reciprocidade nas relações entre
professor e aluno e refletiremos sobre a autoridade do professor para trabalhar os limites.
Enfim, desejo-lhe muito sucesso nessa jornada pelo conhecimento, e que possamos cons-
3
truir vínculos que desabrochem o interesse pelo conhecimento! Tenha um ótimo estudo!
AULA 01
O SURGIMENTO
DA PSICOLOGIA
Estamos iniciando a nossa conversa sobre Psicologia. Para tanto, é preciso registrar que
vamos transitar entre duas psicologias: a Psicologia Geral e a Psicologia da Educação,
pois dado o vasto campo dessa ciência, faz-se necessário este registro.
O objetivo desta aula é identificar os processos históricos e os sistemas teóricos dos
quais se originaram a Psicologia como ciência.
Podemos definir Psicologia como o estudo científico do comportamento e dos proces-
sos mentais. Parece simples a definição, porém, a variedade desses tópicos é estonteante,
já que eles cobrem várias áreas de pesquisas que também se ramificam e tecem uma
grande rede de conhecimentos, que foram objeto de grandes estudos durante séculos.
A Psicologia afeta sua vida sem que você perceba. Ela influencia leis, propagandas,
programas de televisão e marketing, entre outros. Mesmo que você não queira se espe-
cializar nesta área, é importante que tenha algum conhecimento a respeito.
As teorias e pesquisas psicológicas têm corroborado com a criação de leis envolven-
do discriminação, pena de morte, pornografia, comportamentos sexuais, etc. Pensemos
agora na televisão: os programas atuais passam por revisões e são submetidos a leis.
Portanto, são menos violentos, pois, a partir de estudos, a psicologia apresentou evidên-
cias e comprovou os efeitos nocivos desses programas sobre as crianças. Dessa forma,
pode-se modificar as políticas de programação das emissoras (ATKINSON, 2002).
A exemplo de outras áreas, a psicologia como ciência encontra dificuldades para se so-
lidificar cientificamente de forma autônoma e indiscutível no ramo das ciências, prin-
cipalmente devido a uma “pseudopsicologia”. A título de exemplo concreto, pense nes-
sas revistas geralmente encontradas nas salas de espera dos consultórios médicos, nas
quais encontramos testes, perguntas e respostas rasas sobre todas as coisas. Essas inda-
gações ocorrem desde há muito tempo, como na famosa pergunta do grande filósofo
Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo?”.
Outro fator a ser considerado é a suposta “separação” que a psicologia precisou fazer
com a filosofia. Conforme Salvador (1999), durante o final do século XIX, a psicologia co-
meçou a manifestar um forte interesse em se distanciar da filosofia e se transformar em
5
uma disciplina científica e autônoma.
PROCESSOS HISTÓRICO-FILOSÓFICOS
QUE DERAM ORIGEM À PSICOLOGIA
6
PRESSUPOSTOS
SOBRE O CONHECIMENTO
DOIS GRANDES
MOMENTOS DA PSICOLOGIA
ANOTE ISSO
A psicologia que acaba de se separar da Filosofia é a disciplina para a qual
estão voltados todos os olhares e na qual são depositadas as maiores ex-
pectativas como fonte de informação e de ideias para a elaboração de uma
teoria educativa de fundamento científico que permitirá melhorar o ensino
e intervir sobre os problemas que se apresentam de forma generalizada.
Como resultado das expectativas que foram depositadas a partir do mundo
da educação, nasce a Psicologia da Educação. Isso ocorre por volta da pri-
meira década do século XX (SALVADOR, 1999, p. 22).
CONTRIBUIÇÕES
DA PSICOLOGIA
CIENTÍFICA
Depois dos pressupostos de Wundt, são inúmeros os autores que vão tentar inserir a
psicologia no campo das ciências. Veremos perspectivas teóricas distintas e até confli-
tantes, ora o comportamento e o desenvolvimento humano acontecem por processos
biológicos, ora como produto do ambiente.
O objetivo desta aula é apresentar um breve histórico da psicologia científica e seus
projetos de psicologia, bem como os pressupostos epistemológicos que serviram de
base para essas ideias.
Temos a psicologia funcional, que surgiu nos Estados Unidos, representada por alguns
autores, dentre eles, J. Dewey (1859-1952). O funcionalismo é a primeira reação contra a
escola de Wundt. Ao contrário do estruturalismo, que analisa a mente e sua estrutura,
os funcionalistas concentram suas atenções no “para que serve” e “qual função”. Dessa
forma, a psicologia para o funcionalismo é o estudo da vida psíquica constituindo um
instrumento de adaptação ao meio. Essa escola é uma ciência biológica que se interessa
em estudar os processos, as operações e atos psíquicos (mentais) que se expressam em
comportamentos e que podem ser observáveis (FIGUEIREDO, 2008).
Ainda no início do século XX, na Alemanha, surge outro projeto, denominado de Psico-
logia da Gestalt, cujo ponto de partida é o estudo da percepção, sendo esta a psicologia
da totalidade. Para os autores do gestaltismo, dentre eles M. Wetheimer (1880-1943), o
conceito permite unificar todas as ciências físicas, biológicas e da cultura, de forma que
a psicologia não precisa se repartir entre elas para existir. Para os gestaltistas, são dois os
aspectos essenciais: primeiro o reconhecimento de que a experiência é imediata, e se-
gundo é a preocupação em relacionar essa experiência com a natureza física, biológica
e com o universo dos valores socioculturais (FIGUEIREDO, 2008).
A PSICOLOGIA APLICADA AO
DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM
Nessa psicologia científica que está se configurando aos poucos, surge uma área de
interesse e de questionamento denominada Psicologia da Educação, que engloba tra-
balhos e pesquisas sobre aprendizagem, testes mentais, medidas de comportamento,
psicologia da criança e de alguma forma se refere à problemática educativa e escolar.
Durante as duas primeiras décadas do século XX, todas as áreas de investigação psicoló-
gica são consideradas úteis para a educação (SALVADOR, 1999).
A psicologia da educação se destaca na primeira década do século XX por desejar
aplicar à educação todos os conhecimentos relevantes descobertos pelas pesquisas: o
estudo e a medida das diferenças individuais, a elaboração de testes, a análise dos pro-
cessos de aprendizagem e a psicologia da criança. Enquanto isso, na Europa, temos um
psicólogo francês chamado Alfred Binet (1857-1911), autor da Escala Métrica da Inteligên-
cia, cujo uso perdurou por muitas décadas.
Para que você se familiarize com essa informação, lembremos o famoso Teste de QI.
Sim! Foi Alfred Binet quem construiu o teste que mede a inteligência de crianças e de adul-
tos. À psicologia são rendidas muitas críticas, pois a psicometria trouxe para a ciência uma
forma de validar atitudes discriminatórias que gerou grandes problemas, como por exem-
plo, a evasão escolar, a repetência e as salas especiais onde se acumulavam crianças com
dificuldades que acabavam desistindo de dar sequência aos estudos (SALVADOR, 1999).
ANOTE ISSO
A Psicologia da Educação distingue-se das outras especialidades da psicolo-
gia porque proporciona conhecimentos específicos sobre o comportamento
humano em situações educacionais. Sua principal tarefa consiste em elabo-
rar instrumentos teóricos tomando como ponto de partida as contribuições
da psicologia científica, seus instrumentos teóricos, conceituais e metodo-
lógicos relevantes para compreender o comportamento humano nos am-
bientes educacionais e poder intervir neles (COLL; MARCHESI; PALACIOS,
2004, p. 24).
12
JEAN PIAGET: UM MARCO TEÓRICO ÚNICO
[...] todo educador deve conhecer não apenas as matérias a ensinar, mas
igualmente os mecanismos subjacentes às operações da inteligência e,
por isso mesmo, às diferentes noções a ensinar (PIAGET, 1998, p. 17).
Piaget traz a dimensão científica para a escola ativa e faz muitas referências ao papel do
professor e sua importância na educação de crianças. Para o autor, o professor deve fa-
zer o papel de fornecer informações, mas jamais deve impor a verdade, para que a crian-
ça possa de fato encontrar soluções para os seus problemas, utilizando de seus próprios
recursos intelectuais. “Que o professor cesse de ser conferencista, que ele estimule a
pesquisa, que ele não transmita soluções prontas”, diz Piaget (PIAGET, 1998, p.21). Enfim,
nos anos de 1970, Piaget, pede que o professor estimule seus alunos à pesquisa e que o
próprio professor se torne um pesquisador (PIAGET, 1998).
Jean Piaget estuda o funcionamento das funções cognitivas e da moralidade com o
chamado “Método Clínico”. Nesse método, ele observa o comportamento das crianças
e pede que elas descrevam e justifiquem o que estão fazendo. O objetivo era entender
a experiência imediata das crianças, como elas percebem as coisas e como pensam (FI-
GUEIREDO, 2008).
Piaget concebe o desenvolvimento como sucessão de três estágios, que se dividem
em três grandes períodos que trataremos mais adiante. O autor se utiliza de alguns fa-
tores para explicar o desenvolvimento, tais como maturação e experiência com objetos
e com as pessoas, e ainda evoca um quarto fator chamado de equilibração. Piaget e seus
colaboradores da escola de Genebra tornam-se responsáveis pelo mais potente e mais
compreensivo modelo de sistema explicativo de desenvolvimento humano, utilizado até
a atualidade (COLL; MARCHESI; PALÁCIOS, 2004).
Com o construtivismo de Jean Piaget, passamos a contar com uma teoria consisten-
te que nos apoia no sentido de compreender como se dá, entre outras coisas, a constru-
ção do conhecimento. Como esse teórico merece maior destaque, reservamos para ele
13
um espaço neste material, onde iremos buscá-lo mais profundamente.
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
É muito importante que os profissionais da educação saibam compreender
as relações entre o ensinar e o aprender. Vimos alguns dos caminhos per-
corridos pela psicologia para configurar-se como ciência. Você também está
construindo seu caminho, caro aluno! Vimos que a psicologia passou por
acertos e desacertos, não podemos dizer que foi algo linear, houve cami-
nhos tortuosos. O ideal é nos apoiarmos em ideias integradas, na prática da
docência, não é possível ficar apenas pensando no ambiente ou apenas no
âmbito biológico. Lembre-se: o ser humano é biológico, psíquico e social.
Fonte: Elaborado pela autora.
14
AULA 03
PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO E SUAS
CONTRIBUIÇÕES PARA
O CAMPO DA EDUCAÇÃO
Durante um longo período, a Psicologia da Educação mostrou-se como a “rainha das
ciências da educação”. A formação de professores, por exemplo, tem sua base na história
da educação e da psicologia com as contribuições sobre a medida das diferenças indi-
viduais e do rendimento escolar e com a psicologia do desenvolvimento, que deram à
psicologia status científico (SALVADOR, 1999).
A Psicologia da Educação pode ser considerada uma subárea da psicologia, que tem
como vocação a produção de saberes relativos ao fenômeno psicológico no processo
educativo. Nos anos finais do século XIX e nos primeiros anos do século XX, acontece-
ram mudanças profundas na sociedade brasileira. O debate sobre a educação come-
ça a tomar forma, influenciado pelas ideias pedagógicas crescentes e dos princípios da
Escola Nova. As escolas normais passaram a ser o principal centro de propagação das
novas ideias, com vistas à formação de professores. Dessa forma, percebemos uma in-
terdependência entre psicologia e educação a partir da articulação entre saberes teóri-
cos e prática pedagógica. O processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia
conversa intimamente com o debate educacional e pedagógico ocorridos na primeira
década do século XX. Isso posto, podemos afirmar que psicologia e educação são mu-
tuamente constituintes (ANTUNES, 2008).
O objetivo desta aula é trazer para reflexão conceitos importantes dentro da psico-
logia da educação, identificando neles conhecimentos relevantes para compreender as
principais contribuições e as relações entre o ensinar e o aprender.
Segundo Coll, Marchesi e Palacios (2004), a psicologia e a educação passarem por mui-
tas fases no decorrer do século XX. Somente a partir de 1960 foi que as relações começa-
ram a se dar em uma dupla direção. É a fase que corresponde à psicologia da educação
como disciplina-ponte. Essa nova forma significa uma renúncia ao reducionismo psico-
lógico, em que as relações já não são mais vistas em uma única direção. Vamos esclare-
cer essas diferenças:
ANOTE ISSO
Partindo da perspectiva de compreender a Psicologia da Educação como
disciplina-ponte, interdependente, consequentemente nos leva a pensar
sobre a complexidade dos fenômenos educativos, sua compreensão e sua
interpretação exigem apreciação de diversas disciplinas, cada qual com seu
ponto de vista peculiar. Caracterizar a psicologia da educação como discipli-
na-ponte é o mesmo que admitir que as suas relações com as demais áreas
de estudo são essencialmente bidirecionais (SALVADOR, 1999).
17
O OBJETO DE ESTUDO DA PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A autora propõe que o sujeito aprendente seja visto em todas as dimensões em que é
acometido: orgânica, cognitiva, emocional, social e pedagógica. Entretanto, ela dá maior
enfoque ao social, pois este está presente na vida da criança desde o início da vida dela.
20
AULA 04
PSICOLOGIA DA
EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS
DO APRENDER E DO ENSINAR
Caro(a) aluno(a), antes mesmo de adentrarmos o tema desta aula, gostaria de propor
que pensássemos sobre quem é o sujeito que aprende. Buscaremos construir o concei-
to de criança e compreender como a infância foi se modificando na história da huma-
nidade, e veremos que as visões de infância são construídas social e historicamente. O
objetivo dessa aula é analisar as concepções de infância na história da nossa civilização
e tratar da infância na atualidade e na escola.
CONCEPÇÕES DE INFÂNCIA
Adultos em miniatura.
22
Fonte: Pixabay.
Para Ariès (1981), o sentimento de infância pode ser separado em dois momentos. Um
que aparece entre os séculos XVI e XVII, denominado de paparicação, quando a criança
era tratada como objeto de diversão, servindo de distração para os adultos. Paralelamen-
te, ocorre por parte da igreja o reconhecimento de sua inocência e fragilidade, devendo
os adultos cuidar e proteger as crianças; sentimento este chamado de moralização.
A partir do século XVIII, instala-se uma nova infância, pois a criança começa a fre-
quentar a escola. Precisamos entender que esse fato inicialmente só ocorreu para as
crianças burguesas. Mais adiante, dividem-se da seguinte forma: o liceu ou colégio era
destinado aos burgueses, e a escola era destinada ao povo, acontecendo em um período
mais curto de tempo. Notadamente, a escolaridade colabora para que a infância ganhe
contornos mais definidos, mesmo que inicialmente atenda as classes mais abastadas
(ARIÈS, 1981).
O sentimento de cuidado foi se estendendo para as famílias, influenciadas por quem
havia se tornado sensível ao fenômeno da infância e via nas crianças frágeis criaturas de
Deus. Partindo desses reformadores, começam a surgir as particularidades da infância.
Iniciam-se também nesse momento os primeiros estudos sobre a psicologia infantil,
que buscavam compreender a mente da criança para adaptá-la aos métodos utilizados
na educação (ARIÈS, 1981).
Segundo Ariès (1981), o final do século XVIII trouxe leveza para as crianças: o modo de
vestir se diferencia das vestimentas dos adultos, deixando-as mais à vontade, com liber-
dade de movimento para que possam pular, correr e fazer estripulias.
Postman (2011) nos fala que no século XVIII o Estado e a família pas-
saram a assumir em parceria a responsabilidade pela educação das
crianças e relaciona esse fato a outras conquistas para o mundo infan-
til. Para o autor, “[...] o clima intelectual do século XVIII – o Iluminismo [...]
ajudou a nutrir e a divulgar a ideia de infância” (2011, p. 71).
23
ANOTE ISSO
A ideia de infância não existiu sempre da mesma maneira. Ao contrário, a
noção de infância surgiu com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na
medida em que mudavam a inserção do papel social da criança na sua co-
munidade. Aprendemos com esses estudos: 10 - a condição e natureza histó-
rica e social das crianças; 20 - a necessidade de pesquisas que aprofundem
o conhecimento sobre as crianças em seus diferentes contextos; 30- a im-
portância de atuar considerando-se essa diversidade (KRAMER, 2006, p.14).
No século XX, cresce o esforço pelo conhecimento da infância. A ideia de infância surgiu
no contexto histórico, cultural e social da modernidade, nascendo nas classes médias.
Afirmamos que crianças são sujeitos históricos e sociais. Sendo assim, o conceito de
infância muda em função do social, do cultural e do econômico. Gostaria de chamar a
atenção para o subtítulo desta aula, em que foi utilizado o termo “infâncias” e não “in-
fância”, visto que são conceitos em construção, influenciáveis por momentos históricos,
sociais, culturais, políticos e econômicos. Ariès (1981) nos convida a ver as crianças sem
estereótipos, sem ideias pré-concebidas, com o cuidado de se atentar às ideologias e
às visões rígidas de desenvolvimento e aprendizagem, cuidando para que esses fatores
não venham a prejudicar a infância de forma nenhuma.
No Brasil, devido às desigualdades sociais e à má distribuição de renda, fatores res-
ponsáveis pela existência de diferentes infâncias, as diversas realidades econômicas e
sociais fizeram com que esse significado também não fosse o mesmo em um mesmo
espaço de tempo, em uma mesma cidade, em um mesmo país.
Crianças são sujeitos históricos e sociais marcados pelas contradições das sociedades
em que vivem. Não podemos mais definir a criança pelo que não é, mas pelo que ainda se
tornará, ou seja, como um adulto, no dia em que não for mais criança. Reconhecer o que é
específico da infância: o poder imaginativo, a fantasia, a criação e a brincadeira. Crianças são
cidadãs, portadoras de direitos, produtoras de culturas. Dentro dessa visão de criança, fica
mais palpável e possível reconhecer nela seu mundo, seu modo de ver as coisas e registrar
que se existe uma história humana, é porque o homem tem infância. Partindo dessa ideia
de infância, aprendemos que o homem pode mudar o rumo estabelecido das coisas e que
podemos criar e recriar, mudar de direção e reconstruir nossa histórica (KRAMER, 2006).
Refletir sobre a infância e sobre sua pluralidade dentro da escola é pensar na melhor
forma de viver essa fase com todos os direitos e deveres assegurados. Sendo assim, que-
remos trazer reflexões sobre o papel da escola.
De acordo com Nascimento (2006), o principal papel da escola é garantir o desenvol-
vimento integral da criança. O que vem a ser isso? Significa garantir o desenvolvimento
do sujeito na dimensão afetiva, cognitiva, social e na dimensão psicológica. Esse com-
prometimento com o desenvolvimento integral é dever de todos da comunidade esco-
24
lar, e não somente do professor, responsáveis por possibilitar relações saudáveis com o
meio, com outras crianças e com os adultos com quem a criança convive, construindo
seus conhecimentos por meios de trocas com os pares e com os professores. Ademais, a
criança deve ter acesso ao conhecimento historicamente construído pela humanidade,
frequentar outros espaços sociais e não somente a escola, experimentar espaços para
falar e escutar e receber carinho, atenção e respeito aos seus direitos.
Para acompanhar o desenvolvimento infantil e a infância, é importante considerar o
cotidiano das escolas e os espaços sociais onde as crianças estão inseridas. Conforme Nas-
cimento (2006), percebemos que além das escolas e das legislações, existem outros órgãos
voltando suas atenções para as crianças, tais como a mídia, que volta o olhar para ela e a
compreende como um grande público consumidor. Isso nos preocupa, pois hoje as crian-
ças estão expostas a comerciais que buscam incentivar o consumo e até vender felicidade.
Caro(a) aluno(a), gostaria de trazer à luz o Referencial Curricular Nacional para a Edu-
cação Infantil, do ano de 1998:
Podemos dizer que os documentos oficiais estão de acordo com as leituras propostas
e as reflexões teóricas apresentadas. Pensar a infância na escola é um grande desafio,
como nos fala Kramer (2006). Durante muitos anos, a infância esteve fora da escola e sua
articulação sempre apresentou muitas falhas. É preciso que as crianças sejam atendidas
em suas necessidades e que seus direitos sejam respeitados e garantidos. Para isso, a in-
clusão da criança no ensino fundamental requer diálogos sérios e bem fundamentados.
Finalizando esta aula e voltando ao ponto de partida, espero ter conseguido demonstrar
as mudanças ocorridas no lugar em que a criança ocupa na sociedade e a importância
dessas mudanças para que possamos compreender todos os emaranhados que com-
põem o psiquismo infantil. Tudo o que foi trabalhado aqui servirá para compreender a
25
criança na perspectiva histórica, social e cultural, relacionando-a com o seu tempo, sua
cultura e sua origem para que a ação pedagógica tenha de fato o efeito que se espera.
AULA 05
A CRIANÇA NA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Caro(a) aluno(a), como vimos anteriormente, a concepção de criança e o lugar que ela
ocupa na sociedade é um ponto de partida importante para entendê-la dentro de uma
perspectiva histórica, social, cultural e familiar. Acompanhamos as mudanças, as quais me
atrevo a chamar de evoluções. Evoluções, sim, por que não?! Olhando para trás, proponho
uma reflexão sobre tais mudanças que acabaram levando a criança a ser criança. Lembra?
Eram adultos em miniatura! Todo esse caminho que percorremos até aqui nos levará agora
a conceitos, subespecificações de fases e nomenclaturas diversas sobre criança, faixa etá-
ria, idade escolar, desenvolvimento humano e outras tantas concepções de infância e afins.
O objetivo desta aula é identificar concepções de criança, construídas a partir da
psicologia educacional em relação ao ensinar e ao aprender nas perspectivas do cons-
trutivismo genético e na perspectiva do construtivismo sócio histórico. A psicologia se
interessa pela criança. No entanto, como vimos anteriormente, há diferentes escolas de
psicologia, portanto, cada qual terá seu recorte e modo de ver essa criança. Como o foco
aqui é a psicologia da educação, partiremos de referenciais que situam a criança quanto
ao seu desenvolvimento junto ao processo de ensino e aprendizagem, e proponho olhar
para a criança colocada nesse lugar. Para o tema em questão, é necessário fazer o recor-
te dentro de duas teorias de base construtivista. São elas: o Construtivismo Genético de
Jean Piaget e a Psicologia Cognitiva Histórico-Cultural de Vygotsky. Nesta aula, vamos
compreender o lugar que é atribuído à criança nessas duas perspectivas que com suas
pesquisas e construções teóricas muito contribuem para as demais áreas, como vere-
mos no momento oportuno.
O construtivismo piagetiano nos diz que nada, a rigor, está pronto, acabado, e aponta
especificamente que o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo
terminado. Ele ocorre pela interação do indivíduo com o meio físico, com o mundo das
relações sociais, e se constitui pela força de sua ação e não por qualquer dotação prévia
na bagagem hereditária ou no meio, de tal forma que podemos afirmar que antes da
ação não há psiquismo nem consciência, e muito menos pensamento (BECKER, 1992).
Piaget insere a criança nas instâncias das ideias acima, acreditando que o desenvol-
vimento se dá por estádios, que vamos falar em outro momento. No entanto, quero falar
agora do conceito de egocentrismo infantil. Para esse autor, a criança é essencialmente
egocêntrica na sua forma de agir e pensar, e conforme se desenvolve, passa de um esta-
do de autocentração para descentração.
O pensamento egocêntrico, como o próprio nome sugere, está “centrado” no “eu”.
Temos um exemplo que nos ajudará nessa compreensão: se pedirmos a uma criança
que está sentada de um lado da mesa, sobre a qual estão diversos objetos, que ela de-
senhe ou descreva esses objetos como sendo outra pessoa sentada do lado oposto, ela
veria os mesmos objetos? Parece simples, não é mesmo? Mas para a criança egocêntri-
ca, do estágio pré-operatório, é muito dificultoso realizar essa tarefa porque exige muita
habilidade sair do seu ponto de vista. É necessário que o sujeito descentre, se coloque do
ponto de vista de outrem (LA TAILLE, 2016).
Os seres humanos são egocêntricos a partir do momento que não conseguem per-
ceber algo na perspectiva do outro. Para Piaget, esse traço é essencialmente infantil.
Entretanto, espera-se que esse estádio evolua para outras perspectivas menos egocên-
tricas. Piaget utiliza essa ideia de estádios em evolução porque não ocorrem de maneira
fixa em todas as pessoas, e tudo dependerá da solicitação do meio, ou seja, a forma com
27
que a criança é levada e possibilitada a agir sobre o meio, e como ela é encorajada a
construir seus conceitos e seu conhecimento.
A construção do conhecimento.
Fonte: Pixabay.
ANOTE ISSO
Dizer que a criança deve construir seu próprio conhecimento não implica que
o professor fique sentado, omita-se e deixe a criança inteiramente só. Como
a mãe de João Pedro, o professor pode criar um ambiente no qual a criança
tenha um papel importante e a possibilidade de decidir por si mesma, como
desempenhar a responsabilidade que aceitou livremente (KAMII, 2012, p. 48).
28
Para Ferreiro e Teberosky (1999), um sujeito intelectualmente ativo faz muitas coisas. É
um sujeito que compara, exclui, ordena, categoriza, comprova, formula hipóteses, reorga-
niza e interioriza pensamentos em ação. O sujeito que conhecemos por meio das ideias
de Piaget procura ativamente compreender o mundo que o cerca e trata de resolver as
interrogações que o mundo propõe. Não é uma criança que espera algo pronto, alguém
que transmita conhecimento. É um sujeito que aprende sobre os objetos principalmente
por meio de suas ações, que atua sobre suas próprias categorias de pensamento.
Dessa forma, podemos dizer que a criança concebida por Piaget é um sujeito que cons-
trói seu próprio conhecimento e evolui de um estado de menor para um estado de maior
conhecimento. O autor salienta: ninguém pode fazer isso por ela. É, portanto, um sujeito
ativo e estruturante. Diante disso, qual o papel do professor? Colocar a criança no lugar de
sujeito ativo e criar um ambiente e condições propícias à aprendizagem (KAMII, 2012).
A CRIANÇA NO CONSTRUTIVISMO
HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY
Vygotsky também deu bastante atenção à função da fala, pois a linguagem humana é
um sistema fundamental na mediação entre sujeito e objeto de conhecimento. A lin-
guagem favorece processos de abstração, generalização, formação de conceitos, plane-
jamento e autorregulação, e tudo isso ocorre conforme as apropriações que a criança faz
ao longo de seu desenvolvimento e as interioriza. Dessa maneira, podemos dizer que a
criança situada nessa corrente construtivista sócio-histórica é uma criança que se apro-
pria de forma ativa de sua cultura conforme a época e o contexto social (OLIVEIRA, 2016).
Em sintonia com as ideias de Vygotsky, o aprendizado pressupõe processos culturais
e sociais. Dessa forma, as crianças penetram na vida intelectual daqueles com quem
convivem, e a partir daí garante a possibilidade de se desenvolver dentro das caracterís-
ticas psicológicas especificamente humanas e culturalmente organizadas (REGO, 2011).
Isso nos remete a histórias como a dos “meninos lobos”, que viviam entre lobos e se
comportavam como tal. Ou ainda ao filme “O enigma de Kaspar Hauser”, que fala de um
rapaz que viveu desde criança afastado da cultura humana e não se socializou, portanto,
não se torna humano. Assim é a criança, vive exposta a influências sociais, culturais e aos
recortes da realidade que são apresentados a ela, constituindo-se de acordo com seu
tempo e seu ambiente.
30
AULA 06
DESENVOLVIMENTO HUMANO
E OS FATORES INTERVENIENTES
DESTE PROCESSO
Caro(a) estudante, nesta aula, vamos conversar sobre o desenvolvimento humano e, em
específico, estudar os fatores que intervêm nesse processo e suas relações com o fe-
nômeno educativo. Irei apresentar alguns pontos de vista e veremos que as práticas
educativas desempenham papel fundamental no desenvolvimento humano com o ob-
jetivo de analisar como a psicologia tem abordado essa questão. Trazendo essas ideias
para nosso cotidiano, convido-o a observar sua vida diária. Quais mudanças físicas e/ou
psíquicas você pode perceber? Quais fatores influenciaram tais mudanças? A educação
que você recebeu, no seio familiar, na escola, teve efeito sobre você? Nossas experiências
permitem nos relacionarmos de certo modo, permite ensinar, aprender de certa manei-
ra, e é disso que falaremos agora, além de fazer reflexões acerca dos diferentes fatores
que envolvem as relações entre desenvolvimento e práticas educativas.
Qual a consequência de tudo isso para a educação? Essa teoria entende que o professor
é o detentor do conhecimento e deve repassá-lo passo a passo para que o aluno venha a
assimilá-lo, em ordem crescente de dificuldade. Coloca o aluno em lugar passivo diante
do que irá ocorrer durante o processo de ensino-aprendizagem, e isso certamente será
um grande obstáculo para seu desenvolvimento que, nesse ponto de vista, é coinciden-
te com o processo de aprendizagem (FONTANA; CRUZ, 1997).
33
TEORIAS PSICOGENÉTICAS
Jean Piaget
Desde criança, Jean Piaget se interessava por questões científicas e seus primeiros estu-
dos se deram no campo da biologia. Quando adulto, estudou filosofia e epistemologia;
com a psicologia do desenvolvimento conseguiu unir filosofia e biologia e tornou-se um
pesquisador incansável do desenvolvimento. Procurou buscar respostas sobre como o
ser humano elabora seus pensamentos. Iniciou seus experimentos investigativos com
seus próprios filhos e aos poucos foi percebendo que o ser humano aprende por meio
de trocas que ele estabelece com o meio em um processo interminável de assimilações
e acomodações (SALVADOR, 1999).
A psicologia genética de Piaget apoia-se em três grandes princípios:
Os três eixos apresentados nos dizem que a inteligência é construída e estruturada confor-
me nossas vivências com os objetos de conhecimento por meio de processos individuais
estruturantes que permitem sair de um estado de menor conhecimento para um de maior
aprendizagem. Assim, o ser humano aprende por meio de trocas, em um contínuo fluxo
34
de assimilações e acomodações sucessivas que tendem a um equilíbrio, uma adaptação.
Lev Semenovich Vygotsky
ANOTE ISSO
O ponto de partida da problemática vigotskyana é contrário ao que Piaget
defendia sobre a relação e a continuidade entre as propriedades da vida orgâ-
nica e as propriedades da cognição humana. Para Vygotsky, a transformação
do ser humano, de ser biológico em ser cultural, ocorre por meio da interação
estabelecida com seu meio de cultura, em que funções mentais elementares
se transformam em funções mentais superiores (SALVADOR, 1999).
35
ISTO ACONTECE NA PRÁTICA
Na escola, o professor acompanha a criança, orienta sua atenção, analisa si-
tuações e a leva a classificar, comparar e estabelecer relações. Nessas situa-
ções, compartilhando com o adulto e/ou com seus pares, a criança significa
e ressignifica estruturas e modos de agir e pensar, e dessa forma constrói
seu conhecimento. Sendo assim, qual o papel do professor? Fornecer ins-
trumentos e mediar todo esse processo, pois é a partir das aprendizagens
ocorridas no meio sociocultural que o desenvolvimento é impulsionado e,
portanto, são indissociáveis.
36
AULA 07
OS FATORES DO DESENVOLVIMENTO
E APRENDIZAGEM NA TEORIA
PSICOGENÉTICA DE PIAGET
Esta aula traz de forma mais detalhada as ideias de desenvolvimento de Piaget, os está-
dios, a gênese do conhecimento e ainda os conceitos mais elaborados desse autor para
o campo da pedagogia. O objetivo principal é trazer conceitos e reflexões acerca dos
aspectos relacionados ao desenvolvimento e aprendizagem.
ANOTE ISSO
Para Piaget, os esquemas vão se ampliando e se diferenciando, e acabam
por se transformar em algo muito mais complexo que dá origem ao pensa-
mento. Para que tudo isso ocorra, a maturação é condição imprescindível,
porque permite o surgimento de novas condutas durante o desenvolvimen-
to. A experiência também é condição indispensável, bem como a transmis-
são social, que contribui para modificar os esquemas, permitindo que o ser
humano avance em seu desenvolvimento. O processo de equilibração é fa-
tor determinante, intrínseco e constitutivo da vida mental, todas as vezes
que surgem conflitos, contradições ou dificuldades, a capacidade de autor-
regulação, equilibração entra em ação no sentido de superar, levando a um
estado superior em relação ao inicial (FONTANA; CRUZ, 1997).
39
ESTÁGIOS SUCESSIVOS DE DESENVOLVIMENTO DA INTELIGÊNCIA
Período de operações concretas: surge por volta dos sete anos de idade e vai até os
onze anos, aproximadamente. Nesse estádio, constroem-se operações, que se tornam
ações mentais e possibilitam à criança elaborar explicações. Tudo isso ocorre devido a
equilibrações sucessivas do estádio anterior, daí o pensamento assume forma de ope-
rações intelectuais voltadas à classificação e seriação, sempre reversíveis. Dessa forma,
a criança está apta a se colocar no lugar do outro e compreender o ponto de vista de
outra pessoa. A reversibilidade possibilita a construção de noções de conservação de
massa, volume, etc., como no exemplo clássico de compreender que a quantidade de
suco de um copo permanece a mesma quando despejado em outro copo mais alto e
estreito, embora o nível do líquido esteja mais elevado. Essa capacidade de representar
mentalmente a operação inversa, de modo a compreender que a quantidade se man-
tém invariável, mesmo parecendo diferente, envolve muitas habilidades importantes
que aos poucos se transformam em conceitos (FONTANA; CRUZ, 1997).
Período das operações formais: a partir dos onze anos de idade, essas operações
permitem ao adolescente raciocinar ao mesmo tempo sobre aquilo que é real, o que
é hipotético e o que é possível. É capaz de transformar os dados da experiência em
formulações organizadas e estabelecer conexões lógicas entre elas, tornando-se ca-
paz de pensar sobre seu próprio pensamento (FONTANA; CRUZ, 1997).
Maturação Forças genéticas que atuam sobre Os professores precisam saber como as
determinado comportamento e ao crianças e os jovens pensam e aprendem
seu desdobramento. sobre o nível de maturação e compreensão
ao planejar suas atividades.
Experiência A interação com objetos em even- Essa força apoia um currículo construtivista,
ativa tos reais, que possibilita descobrir em que o aprendiz é envolvido ativamente
e construir representações mentais. no processo de descobrir e aprender.
Interação A interação com as pessoas resulta As escolas precisam oferecer amplas opor-
social na elaboração de ideias sobre as tunidades para a integração dos alunos nos
coisas, pessoas e sobre si. ambientes da escola: sala de aula, pátio,
parque, etc.
42
AULA 08
A mediação simbólica
44
Fonte: Pixabay.
A mediação pode ocorrer por um instrumento ou um signo, ou seja, sempre há algo no
meio da relação entre o sujeito e o mundo. O homem cria instrumentos e os utiliza a fim
de causar modificações externas. Por exemplo, usamos o computador para trabalhar,
a caneta para escrever um recado. Da mesma forma, o ser humano cria instrumentos
internos e inventa símbolos que nos ajudam na fala, na escrita, na leitura, nos gestos. Já
os materiais simbólicos nos auxiliam em atividades psíquicas para controlar atenção,
memória e outros (REGO, 2011).
A LINGUAGEM
45
ANOTE ISSO
Sem a linguagem, a inteligência da criança permanece uma capacidade pu-
ramente prática, natural, semelhante ao que ocorre com os animais, como
os macacos, que possuem uma habilidade limitada a funções elementares,
reduzida a sensações e percepções. Com a linguagem, podemos interagir,
e com a interação social ocorre o que Vygotsky nomeou de “criação e en-
sino”, que são imprescindíveis ao desenvolvimento humano. Dessa forma,
o desenvolvimento cognitivo é fundamentalmente uma função da ampla
interação verbal que ocorre entre os adultos e a criança. Por meio dessas
interações, a criança desenvolve a linguagem e como consequência o pen-
samento lógico (LEFRANÇOIS, 2018).
A teoria de Vygotsky diz muito sobre as forças que atuam sobre a aprendizagem das
crianças. Enfatiza o papel da cultura, da linguagem e diz muito sobre a importante rela-
ção que existe entre professores e alunos. Nesse sentido, coloca em discussão o processo
de aprendizagem. Enquanto Piaget acreditava que para haver aprendizado era neces-
46
sário certo nível de desenvolvimento, Vygotsky pensava o contrário: são as aprendiza-
gens ocorridas no meio sociocultural que impulsionam o desenvolvimento. Isso quer
dizer que as relações sociais cotidianas são necessárias ao aprendizado. Muito de sua
aceitação e popularidade decorrem da relação descritiva de sua teoria entre professores
alunos, ou entre pais e crianças. Nas ideias de Vygotsky, a relação ocorre em duas vias, e
ensinar e aprender estão na mesma via. O professor aprende com a criança e sobre ela,
da mesma forma que a criança aprende por causa das ações do professor. Essa relação
Vygotsky nomeou de zona de desenvolvimento proximal (LEFRANÇOIS, 2018).
Quando nos referimos ao desenvolvimento da criança, buscamos compreender o
que ela já sabe, “até onde já chegou”, e assim observamos seu desempenho em dife-
rentes ocasiões e tarefas. Quando a criança já sabe realizar uma tarefa, referimos à capa-
cidade de realizá-la sozinha. Vygotsky chama essa capacidade de zona de desenvolvi-
mento real. Nesse sentido,
48
AULA 09
ANOTE ISSO
No processo pedagógico, é fundamental o papel da mediação, seja social ou
instrumental, para a internalização das trocas entre professores e alunos. Os
procedimentos regulares que ocorrem na escola (demonstração, assistên-
cia, pistas, uso de material instrucional) são fundamentais para o bom ensi-
no e desenvolvimento do indivíduo. As interações sociais na escola passam
a ser entendidas como condição necessária para a apropriação e produção
de conhecimento. Quando o professor estimula o diálogo, a cooperação, a
troca de informações, o confronto de ideias e a divisão de tarefas está pro-
piciando a construção de conhecimentos numa ação partilhada. Para Vygot-
sky, as relações entre sujeito e conhecimento são estabelecidas por meio
dos outros (REGO, 2011).
O PENSAMENTO,
A LINGUAGEM E A
CONSTRUÇÃO DE
CONCEITOS
Caro(a) aluno(a), nesta aula convido você a focar o olhar de forma mais elaborada no
pensamento e na linguagem. Por meio das palavras, compartilhamos nossas vivências
e nossas vidas com as de outras pessoas. A linguagem nos integra por meio do nosso
convívio.
Na escola, a linguagem, as palavras se complicam, pois carregam relações comple-
xas. Aprendê-las significa apropriar-se de elaborações sofisticadas desenvolvidas ao
longo do tempo. Sendo assim, nos interessa saber como as crianças se apropriam das
palavras. Como elaboram o significado delas? Como compreendem e utilizam suas di-
versas funções? Conhecer tudo isso é muito importante para você saber como os psicó-
logos, linguistas, filósofos e educadores discorrem sobre o assunto. O objetivo principal
é relacionar as funções de pensamento e de linguagem na construção de conceitos. As
teorias são descrições; explicações organizadas em um corpo de conhecimentos sobre
questões que a prática nem sempre nos coloca de maneira simples. Mas quando para-
mos para pensar em determinada situação, percebemos que vale o esforço da busca do
percurso teórico porque ele nos dá base para uma reflexão crítica e sistemática, e isso é o
que chamamos de produção de conhecimento, que ultrapassa uma simples teorização.
Por volta de um ano e meio de idade, por meio da interiorização dos es-
quemas de ação construídos no período sensório-motor, a criança de-
senvolve, conforme aponta a teoria piagetiana, a função simbólica, isto
é, torna-se capaz de diferenciar significantes de significados, podendo
desenvolver sua capacidade de imaginar e pensar, de lidar sobre as
coisas usando imagens, símbolos e signos, ou seja, de poder agir não só 55
ANOTE ISSO
Você sabe o que é função simbólica? Função simbólica é a capacidade de
representar o mundo. A função simbólica permite à criança desprender-se
do seu contexto imediato e reproduzir mentalmente aquilo que está fora do
alcance de sua visão. Exercemos essa função através das diversas lingua-
gens: desenhar, escrever, falar (PIAGET, 1975).
56
O pensamento na criança e a relação com o outro
Fonte: Pexels.com
A interação entre o sujeito e o meio é fundamental, pois é a troca que favorecerá o desen-
volvimento da lógica no plano da representação porque permite a troca de ideias, a repre-
sentação mental, a descoberta de novas perspectivas, a expressão de novas experiências,
enfim, o próprio pensamento (POKER, 2006). Para Piaget, a linguagem tem a função de
expressar o desenvolvimento intelectual e a capacidade de construir símbolos adquirida
por meio da representação, o que possibilita o surgimento da linguagem social.
PENSAMENTO E LINGUAGEM
trocas simbólicas que ele mantém com esse meio (POKER, 2006, p. 71).
Com o aparecimento da linguagem, os esquemas tornam-se mais flexíveis, pois a equi-
libração entre assimilação e acomodação se aperfeiçoa. A função simbólica começa a se
constituir no final do sensório-motor e segue sua evolução por todo o transcorrer do pe-
ríodo pré-operatório, que em média vai dos dois aos sete anos de idade (POKER, 2006).
Das narrativas, as crianças avançam para descrições. São capazes de representar o
que pensam ou algum acontecimento passado, e nomeia pessoas e objetos. O signifi-
cado das coisas começa a ser transformado em conceitos, a ser estabilizado. Ao atingir a
operatividade do pensamento, as respostas lógicas aumentam e o pensamento se socia-
liza, podendo agora trocar ideias e começar o exercício de descentração (PIAGET, 1975).
No período pré-operatório e de operações concretas, as palavras expressam relações
lógicas, e a criança elabora sua linguagem baseando-se em exemplos reais. “[...] O sujei-
to desenvolve sua capacidade de argumentar ou provar, e de compreender a visão dos
outros” (POKER, 2006, p.73).
Piaget (1975) acredita que a linguagem constitui-se como um importante instrumento
para a formação e socialização das representações. Em outras palavras, a linguagem cons-
titui-se como instrumento simbólico importante que possibilita o desenvolvimento mental
devido às suas trocas sociais. “[...] Quando há possibilidade de o signo propriamente dito
se constituir em conceitos, a inteligência conquista estágios mais elaborados de organiza-
ção interna, atingindo a operatividade do pensamento” (POKER, 2006, p. 74). Somente na
adolescência, com o aparecimento das operações formais, ao adolescente será possível ex-
pressar pensamentos abstratos, dando-lhe condições de raciocinar em um plano hipotéti-
co-dedutivo, que o fará capaz de aprender conceitualmente e aprimorar a linguagem social.
Pensamento lógico
Pensamento egocêntrico
(Pensamento socializado)
Linguagem lógica
Linguagem egocêntrica
(Linguagem socializada)
Piaget (1975) faz algumas afirmações para esclarecer o papel da linguagem para a cons-
tituição do pensamento: as operações intelectuais e suas raízes estão no período sen-
sório-motor; a formação do pensamento está fundada na função simbólica e não na
linguagem; o sujeito assimila a linguagem quando a relaciona com as estruturas cog-
nitivas que possui; o pensamento repousa sobre condutas verbais; a linguagem é ne-
cessária ao acabamento das estruturas operatórias como instrumento de formulação e
reflexão (POKER, 2006).
PENSAMENTO E
LINGUAGEM PARA VYGOTSKY
E A LINGUAGEM DA CRIANÇA
Caro(a) aluno(a), acompanhamos na aula anterior as ideias de Piaget referentes ao de-
senvolvimento do pensamento e da linguagem na criança. Agora, queremos trazer à
luz as ideias de Vygotsky (1896-1934) que definem as relações entre o pensamento e a
linguagem, diferentes de Piaget. O objetivo desta aula é trazer o pensamento de Vygot-
sky sobre as relações entre o pensamento e a linguagem infantis e como essa relação
contribui para a formação de conceitos.
A formação de conceitos.
61
Fonte: Pexels.com
ESTÁGIOS DA LINGUAGEM E DO DESENVOLVIMENTO
CONCEITUAL EM VYGOTSKY
ANOTE ISSO
Muito da popularidade da teoria de Vygotsky diz respeito a alguns conceitos
e afirmações: primeiramente, vamos destacar o papel da relação professor
e alunos, pais e filhos, e em segundo, a maneira simples de explicar a zona
de desenvolvimento proximal, que é uma espécie de potencial para o de-
senvolvimento. O dever de professores e pais é cuidar para que a criança
participe de atividades dentro de sua zona de desenvolvimento proximal.
O modo como o aprendiz pode ser ajudado é descrito pelo conceito de su-
porte, que também descreve uma técnica interativa de ensinar e aprender,
em que os educadores ou os pais oferecem aos educandos várias formas de
apoio durante o aprendizado (LEFRANÇOIS, 2018).
63
Autores Explicações da relação entre pensamento e linguagem
64
AULA 12
AS MÚLTIPLAS
LINGUAGENS DA
CRIANÇA
Caro(a) aluno(a), tratamos anteriormente das relações entre pensamento e linguagem.
Vamos agora voltar a falar um pouco mais sobre linguagem, porque o nosso mundo
é constituído de muitas linguagens e somos essencialmente comunicativos. Expressa-
mos sentimentos, intenções e desejos a partir de gestos, olhares, posturas e expressões
faciais. Podemos ainda expressar em forma gráfica, pictórica, plástica e musical, entre
outros. Enfim, somos seres culturais e desenvolvemos nossa capacidade simbólica ao
brincar, criar com palavras ou figuras, com as cores, com os sons e até com nosso próprio
corpo.
O objetivo desta aula é trabalhar as relações entre diferentes linguagens e o desen-
volvimento da criança.
A BRINCADEIRA DO FAZ-DE-CONTA
Conforme Kishimoto (2003), ao brincar a criança se desloca do lugar passivo para o ativo,
e assim tem a oportunidade de enfrentar seus medos. Ela cria em seu mundo imagi-
nário todo um enredo para ser herói, adquirir poder e dominar vilões e situações que
lhe causam medo ou que a deixam insegura e vulnerável. Esse momento é necessário
para que ela entenda seu interior. Alguns pais pensam erroneamente que as fantasias
de seus filhos são algo errado, patológico e até não permitem que o façam, o que é um
grande equívoco.
Para Piaget (1975), a brincadeira de faz-de-conta ou jogo simbólico seria uma manei-
ra de a criança assimilar e acomodar a realidade que está imersa. Para que tal exercício
ocorra, são necessários desiquilíbrios nos esquemas do intelecto. Sabemos que a criança
tende a agir de forma egocêntrica e a assimilar apenas conteúdos que são do seu inte-
resse para buscar sua satisfação. Para o autor, em relação ao desenvolvimento infantil, a
brincadeira de faz-de-conta
[...] está intimamente ligada ao símbolo, uma vez que por meio dele, a
criança representa ações, pessoas ou objetos, pois estes trazem como
temática para essa brincadeira o seu cotidiano (contexto familiar e es-
colar) de uma forma diferente de brincar com assuntos fictícios, contos
de fadas ou personagens de televisão (PIAGET, 1975, p. 76).
ANOTE ISSO
Vários pesquisadores da área da educação ressaltam a importância do ato
de brincar na escola, pois ajuda na inclusão escolar, social, intelectual e fa-
miliar (KISHIMOTO, 2010). O ambiente escolar deve disponibilizar inúmeras
formas de recursos e apoio de caráter mais especializado com outros profis-
sionais para proporcionar um bom desenvolvimento ao aluno, favorecendo
assim o processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, 2001).
67
O BRINCAR NA VIDA DA CRIANÇA
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998), a brincadeira está colo-
cada como um dos princípios fundamentais, compreendida como um direito, uma forma
particular de expressão, de pensamento, interação e de comunicação entre a criança e
seus pares. A origem do brincar está na contradição experimentada pela criança em que-
rer agir como adulto, mas não poder, pois “[...] ainda não dominou e não pode dominar as
operações exigidas pelas condições objetivas reais da ação dada” (LEONTIEV, 2001, p. 121).
Essa contradição encontra a possibilidade de ser solucionada por meio da brinca-
deira. Nesse sentido, a brincadeira passa a ser a atividade principal da criança na ida-
de pré-escolar e é responsável pelo desenvolvimento dos seus processos psicológicos.
Quando a criança está na idade pré-escolar, seus desejos começam a aparecer, e sua
não realização deixa a criança irritada. Para resolver essa tensão, a criança se envolve em
um mundo ilusório e imaginário onde seus desejos não realizáveis podem ser realizados,
e esse é o mundo ao qual chamamos de brinquedo (VYGOTSKY, 1994).
Por meio dos jogos e brincadeiras, a criança assimila a realidade juntamente com os ob-
jetos que compõem o mundo humano. A imitação, a compreensão das regras e as tentativas
de aproximação da vida adulta por meio dos jogos asseguram a promoção de situações de
ensino que permitem colocar a criança diante de atividades que lhe possibilitem a utilização
de conhecimentos prévios para a construção de outros mais elaborados (MOURA, 2007).
Para Leontiev (2001, p. 139), “dominar as regras significa dominar seu próprio compor-
tamento, aprendendo a controlá-lo, aprendendo a subordiná-lo a um propósito definido”.
Dessa forma, esse autor nos mostra que o brincar faz com que a criança se familiarize com
as regras, o respeito às regras impulsiona de maneira significativa a autodisciplina.
Nesse sentido, Kishimoto (2003) complementa dizendo que os jogos e as brincadeiras
apresentam duas faces: uma lúdica e outra educativa. Essa integração é bastante importan-
te. Entretanto, se ocorrer algum desiquilíbrio nessa integração: quando a função lúdica pre-
domina, não haverá mais ensino, apenas jogo, ou, quando a função educativa predomina,
elimina-se todo hedonismo e fica apenas o ensino. Por isso, há que se conciliar aprendiza-
gem, diversão e prazer. Nesse movimento, o escolar pode aprender, brincar e se desenvolver.
Entendemos que é a capacidade simbólica que permite a criança evocar coisas ausen-
tes. Por meio do símbolo lúdico, a criança pode até, na sua imaginação, criar um novo
mundo. De acordo com Vygotsky (1994), esta conquista do signo não se faz de uma só
vez, mas é preciso consolidá-la. A partir do momento que a criança precisa utilizar de um
objeto-pivô (representativo) para desenvolver sua abstração, chamamos a linguagem
lúdica de intermediária, localizada entre a ausência da capacidade de representar e esta
mesma capacidade em estágio mais avançado.
A escrita é um sistema de representação altamente abstrato, apoiado em símbolos
gráficos. Portanto, o brincar na pré-escola atua como um favorecedor do desenvolvimen-
to da abstração, que de certa forma está preparando o escolar para a construção da leitu-
ra-escrita, que por sua vez também envolve um sistema abstrato. Outro fator importante
é que a imaginação, o faz-de-conta, favorece o simbolismo de segunda ordem, como é o
caso da escrita. A palavra escrita está apoiada na palavra oral, representando um símbolo
de segunda ordem. Mais adiante, quando a criança se torna escritora e leitora, dispensa
o apoio na palavra oral. Portanto, a escrita nesse momento estaria representando a ideia
sem precisar de outras mediações além de seus próprios signos (VYGOTSKY, 1994).
Vygotsky acredita que, se bem preparada, a criança já pode aprender a ler e a escre-
ver na pré-escola. Entretanto, não deverá ser uma atividade mecânica, mas para que a
leitura e a escrita sejam relevantes para a vida, a escrita deve ter significado para a crian-
ça e deve ser incorporada naturalmente no seu desenvolvimento, e não ser um treina-
mento imposto de fora para dentro. A situação de brincar é ideal para criar necessidades
de escrita: a criança faz lista de compra, escreve uma receita, etc. O fato de desenhar e
brincar são por si só estágios preparatórios ao desenvolvimento da linguagem escrita
das crianças (VYGOSTSKY, 1994). As ideias de Vygotsky de que desenho, brinquedo, brin-
car de faz-de-conta e escrita são momentos de um mesmo processo é muito interessan-
te, mas é preciso cuidado e responsabilidade, pois, se mal compreendido, pode levar ao
equívoco de se começar a preparar mecanicamente a escrita já na pré-escola, indo na
contramão do que pretende o autor.
Segundo Vygotsky (1994), no caso da escrita,
a) As palavras são meios que dispomos para recriar a realidade e evocar coisas ausentes;
b) O simbolismo lúdico permite a criança lidar com seus medos, suas angústias, satisfazer seus desejos;
70
AULA 13
O MUNDO
DOS AFETOS
Caro(a) aluno(a), nesta aula trabalharemos os afetos. O afeto é o motor de nossas ações,
é o que nos move em direção a comportamentos positivos ou negativos. Veremos que o
bem-estar afetivo é tão importante para o aprendizado quanto a boa visão. Portanto, está
justificada a importância da formação do professor para essa sensibilização a lidar com a
afetividade da criança, do jovem e outros.
O objetivo desta aula é caracterizar a vida afetiva como um estado subjetivo que
abrange outros conjuntos de nossas vidas e relações.
72
Freud e as instâncias do psiquismo
Fonte: Pixabay.
Ao trabalhar o aparelho psíquico Freud o divide em instâncias: id, ego e superego. O id é
a instância original; lá estão localizados conteúdos instintivos. Portanto, é o reservatório
de energia física que põe em funcionamento os outros sistemas. O ego é o responsável
pelo contato com o ambiente, com a realidade externa, é a sede das funções mentais.
Podemos dizer que é o componente psicológico da personalidade. Se o id conhece ape-
nas a realidade interna, subjetiva, o ego é capaz de diferenciá-la do mundo externo. O id
é regido pelo princípio do prazer, e interessa apenas saber se uma experiência é agradá-
vel ou não. O ego, por meio de uma articulação entre o mundo subjetivo e o real, elabora
um plano para satisfazer necessidades e depois o testa a fim de verificar a funcionalida-
de de sua ação. Enfim, o ego é o intermediário entre as exigências instintivas do organis-
mo e as condições do ambiente. O superego é o último dos sistemas a se desenvolver. É
o sensor das funções do ego e decide se algo é certo ou errado. É o árbitro moral inter-
nalizado, ou seja, o representante interno dos valores ideais da sociedade transmitidos e
reforçados pelo sistema de punições e recompensas. Dessa forma, bloqueia os impulsos
do id, principalmente os de natureza sexual e agressiva (HIGA; SHIRAHIGE, 2007).
Freud ainda nos diz que o conteúdo da mente pode ser: inconsciente, pré-consciente
ou consciente. No modelo freudiano, o inconsciente é o lugar teórico dos impulsos ins-
tintivos, ou pulsões, das representações reprimidas, ou daquelas que por algum motivo
nunca puderam chegar à consciência. No inconsciente há energia instintiva livre. Essas
forças ou impulsos instintivos representam as necessidades do organismo humano e de
seu psiquismo, como a fome, o sexo e a curiosidade, entre outros. Há necessidades ou
impulsos instintivos que precisam ser controlados. O mecanismo dessa proibição é cha-
mado de repressão ou recalque. Freud classificou as pulsões em dois grandes grupos:
pulsão de vida e pulsão de morte. As pulsões de vida servem para a autoconservação,
como a fome, a sede e a fuga da dor. As pulsões de morte são pulsões destrutivas, como
a agressividade, por exemplo (GARCIA-ROSA,1936/2001).
ANOTE ISSO
A Psicanálise nos propõe um novo olhar sobre o aluno. Permite-nos obser-
var um ser que tem subjetividade, desejo e outros. Na teoria psicanalítica, um
ser cujas manifestações são muitas vezes de difícil aceitação, há suas várias
interpretações, inclusive o não aprender.
FREUD E O AFETO
Ao falarmos de afetividade, estamos lidando com o conceito de afeto, que para Freud é
definido como processos de descarga psíquica e cujas manifestações finais são perce-
bidas como sensações. As sensações são aquilo que parecem ser “o visível”, a manifesta-
ção de uma energia psíquica que estava escondida, chamada de pulsão. As pulsões são
cargas energéticas, ou seja, os afetos são impulsos necessários para nossa vida psíquica.
Nós nem sempre sabemos de forma consciente o que está acontecendo. Entretanto,
vale registrar que no afeto algo fica recalcado, e o que aparece são angústias, raiva e
doenças (comportamentos inadequados). Muitas coisas podem nos abalar e ficar es-
condida dentro de nós. A questão é que vemos apenas o que aparece, e ainda de forma
abrupta, sem nos pedir permissão, irrompe à revelia de nossa vontade, escapando de
nosso controle. É o que acontece quando nos percebemos melancólicos, irritados, pa-
73
ralisados ou temos sintomas de doenças sem saber de fato a origem de tais aconteci-
mentos e/ou estados (FREUD, 1915). Podemos dizer que a Psicanálise abre um novo olhar
sobre o aluno, um ser cujas manifestações têm seus significados. A Psicanálise nos dá
ferramentas para compreender certas dificuldades e possibilita ao educador reavaliar
suas atitudes, suas práticas do cotidiano de sala de aula, afirmando que “[...] o processo
de aprendizagem envolve, assim, um encontro do desejo de ensinar do professor com o
desejo de aprender do aluno” (HIGA; SHIRAHIGE, 2007, p. 39).
UM NOVO
OLHAR SOBRE A
(IN)DISCIPLINA
A indisciplina seria, talvez, o inimigo número um do educador atual,
cujo manejo as correntes teóricas não conseguiriam propor de imedia-
to, uma vez que se trata de algo que ultrapasse o âmbito estritamente
didático-pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das dife-
rentes teorias pedagógicas. (AQUINO, 1996, p. 40).
Para refletirmos a respeito das indagações feitas na citação anterior, vamos recorrer à vi-
são piagetiana de conflito. Não encontraremos consenso em nenhuma teoria; o consen-
so está longe de existir, e ainda não se vê necessidade de que exista, pois nossa respon-
sabilidade é de construir caminhos para lidar com essa realidade. Não há como reduzir
o fenômeno da indisciplina a uma única causa.
Pedro-Silva (2013) aponta e julga como falaciosa a afirmação de que em outros tem-
pos não havia indisciplina. Fato é que os índices eram menores, entretanto, em torno de
50% dos estudantes sequer chegavam a cursar o equivalente ao segundo ano do Ensino
Fundamental, pois eram reprovados diversas vezes. Atualmente, os alunos são obriga-
dos a ficar na escola, encaixando-se ou não no modelo exigido pelo professor. Dessa
forma, todos somos responsáveis pelo que está diante de nós. De nada resolve culpar
as famílias por todas as mazelas sociais, até porque tal postura não ajudará em nada.
A proposta do autor é substituir a cultura da culpa pela cultura da responsabilidade, e
todos devemos nos incluir em tal realidade. Não há um culpado a ser apontado. Todos
78
somos responsáveis!
Pensar na indisciplina, nos conflitos e nas incivilidades que ocorrem dentro e fora
da sala de aula nos remete ao desenvolvimento moral pelo simples fato de que nesse
ambiente existe a necessidade de pensar nos limites e nas regras. Pensar na educação
moral significa pensar na formação de educadores, que são imprescindíveis para a vida
escolar da criança.
Nesse sentido, não são somente os conteúdos que o educando vai assumindo ao
longo do processo de aprendizagem que influenciam sua formação moral. O comporta-
mento dos educadores, sejam pais ou professores, se encontra ao abrigo das categorias
da moralidade. Os dois aspectos – os conteúdos assimilados pelos educandos e as atitu-
des dos educadores – revelam a mediatividade ética da pedagogia quanto à mediação
moral da educação (GOERGEN, 2005).
Quando nos reportamos à moralidade, sabemos que ela não é inata, mas construída
nas relações diárias, que são inevitáveis. Ao interagir com nossos pares, temos um espa-
ço repleto de trocas sociais. Goergen acrescenta que há uma proximidade entre ética e
pedagogia e que existe uma influência mútua entre moral e educação. O ser humano
não é um ser moral por natureza, precisa ser educado para esse fim (GOERGEN, 2005).
No ano de 1932, o suíço Jean Piaget publicou sua obra “O Juízo Moral na Criança”. Desde
então, o tema da moral tem sido discutido e estudado, visto o quão notáveis são os con-
flitos e embaraços vividos por nós enquanto sociedade. Esses problemas têm algo a nos
dizer, uma vez que estamos inseridos no campo da pedagogia e das relações humanas
(BORGES, 2017).
Nos postulados de Piaget, percebe-se o estudo pioneiro da moralidade como forma
de respeito às regras e como julgamento que fazemos de nós mesmos e dos outros
frente às escolhas e atos (MENIN, 2007). O autor optou pelos jogos infantis, por possibi-
litarem relações sociais, pois ele aborda a criança como um ser social. Usou como me-
todologia de investigação a observação e o método clínico, utilizando também histórias
com questões morais e dilemas, e inquiriu crianças de 6 a 12 anos (BORGES, 2017).
Piaget encontrou estágios ligados à prática das regras e estágios referentes à cons-
ciência das regras. Na prática das regras, situamos os estágios motor e individual, o ego-
cêntrico, o da cooperação e, por fim, o da codificação da regra. Foi estudando o desen-
volvimento da criança por meio do jogo de bolinhas de gude que Piaget identificou os
seguintes aspectos, que resumem os principais pontos nos achados de suas investiga-
79
ções (BORGES, 2017).
O jogo e a regra
Fonte: Pixabay.
Conforme Borges (2017), a definição precisa que Piaget fez nos estágios de desenvolvi-
mento cognitivo não ocorre nos estágios de desenvolvimento moral, em que os estágios
são gerais, portanto, mais vagos (LA TAILLE, 2006). Importante esse registro, pois iremos
utilizar o termo estágio.
Existem relações dos estágios das práticas das regras com os estágios da consciência
das regras. É importante considerar esses estágios como representativos de uma conti-
nuidade sem interrupção, mas essa continuidade não é linear, e nos parece seguro dizer
que há uma relação (PIAGET, 1932/1994). Portanto, para o autor, a consciência e a prática
das regras não são rígidas e invariáveis, visto que a primeira não garante a segunda. De
acordo com Borges (2017), do ponto de vista da prática das regras, Piaget explicita qua-
tro estágios sucessivos:
1º Estágio: puramente motor e individual, “no decorrer do qual a criança manipula as
bolinhas em função de seus próprios desejos e hábitos motores” (PIAGET, 1932/1994,
p. 33). Neste estágio, a criança usa a manipulação para estabelecer alguma espécie
de ritualização que é própria desse momento, como no caso de rituais como pro-
cesso de adaptação efetiva. Sobre as regras motoras, apesar de haver regularidades,
ainda não há nenhuma obrigação específica (PIAGET, 1932/1994).
3º Estágio: cooperação nascente (7-8, 9,11 e 12 anos). Nesta fase, quando cada jogador
deseja vencer seu oponente, aparece a necessidade de controle mútuo e da unifi-
cação das regras, caracterizada por uma cooperação que começa a surgir (PIAGET,
1932/1994).
4º Estágio: codificação das regras (10-11,12 anos). Neste momento, a regra é de conhe-
cimento de todos, e até nos detalhes as partidas são regulamentadas. Existe prazer
pela disputa, tornando o jogo ainda mais interessante (PIAGET, 1932/1994). Neste es-
80
tágio, aparece finalmente a organização do pensamento e a autonomia.
PIAGET E A CONSCIÊNCIA DA REGRA
Piaget (1932/1994) menciona três estágios equivalentes à consciência das regras na teoria
de desenvolvimento moral, refirmando a questão da evolução moral (BORGES, 2017, p. 30).
ANOTE ISSO
Na autonomia, a obediência a uma regra se dá pela compreensão e
concordância com sua validade. Na heteronomia, a obediência à regra
ocorre pelo medo da punição ou interesse nas vantagens a serem obtidas
pessoalmente” (MENIN, 1996).
81
AULA 15
A CRIANÇA E A REGRA NO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Nesta aula, vamos trabalhar como a criança usa e compreende as regras. O modo de
respeitá-las está relacionado ao desenvolvimento moral, ou seja, conversa com as noções
de certo e errado, de bem e mal. O objetivo é identificar diferentes tipos de moralidade
construídos ao longo do desenvolvimento infantil. Para tanto, vamos tratar de modo mais
detalhado das três morais em Piaget e como deve ser a conduta do professor na sala de
aula para que ele contribua para a formação moral e autônoma de seus escolares.
Para Piaget, respeitar diferenças não é apenas aceitá-las. Respeitar as diferenças pede a
coordenação de pontos de vista. “[...] coordenar significa conjugar, concatenar, interligar,
isto é, dispor os elementos numa sequência lógica. Nesse sentido, a coordenação solicita
a interpretação ou a assimilação e a coordenação recíproca” (PEDRO-SILVA, 2011, p. 146).
ANOTE ISSO
A pessoa autônoma compreende-se responsável pelos seus atos, suas op-
ções, decisões e sentimentos. A fonte de regras não está mais nos outros ou
em uma autoridade, mas no próprio indivíduo, como autorregulação (KAMII,
2012).
Piaget ainda ressalta que o respeito mútuo aparece desde que haja cooperação, e acres-
centa: “[...] quem diz respeito, diz admiração por uma personalidade” (PIAGET, 1932/1994,
p. 84). Portanto, assim como a moral heterônoma é uma moral da obediência e do res-
peito unilateral, a moral autônoma é uma moral da justiça e do respeito mútuo. Contu-
do, a autonomia consiste, ainda, em ser capaz de se colocar no lugar do outro, ou seja,
em fazer com que as leis sejam universais e os ideais sejam coletivos, diferentemente do
egocentrismo encontrado na heteronomia (LA TAILLE, 2006).
84
Cooperação e respeito mútuo
Fonte: Pixabay.
A dignidade do ser humano deve ser entendida e aceita como um ideal democrático de
convívio social, pressupondo respeito mútuo e não o respeito unilateral (BRASIL, 1997
apud BORGES, 2017). Piaget (1932/1994) pontua que há duas maneiras de socialização
entre os homens, e a primeira é pelo respeito unilateral. Embora necessário, tem forte
limitação, pois dificulta a construção da autonomia, as trocas são menos equilibradas
e não há crítica mútua. A segunda é pelo respeito mútuo, na qual há uma cooperação
possível e consequentemente o favorecimento da autonomia intelectual e moral (TOG-
NETTA; VINHA, 2012). Nesse sentido,
Quando Piaget propõe respeito mútuo, ele se refere às relações com os adultos. O res-
peito mútuo entre uma criança e um adulto pressupõe uma diminuição de qualquer
autoritarismo. Dessa forma, a relação com a autoridade deixa de ser uma relação de
subserviência; ou, em seu extremo, uma relação de paternalismo para atingir seu ca-
85
ráter de confiança. Sem dúvida, se a cooperação proposta por Piaget se baseia em um
sentimento de respeito, é também elucidado seu lado afetivo (TOGNETTA; ASSIS, 2006).
OS CONFLITOS E AS SANÇÕES NA VISÃO PIAGETIANA
A CRIANÇA,
A ESCOLA
E A REGRA
Querido(a) graduando(a), nesta aula vamos tratar das formas cooperativas de trabalho
escolar e principalmente dos motivos pelos quais elas devem ocorrer no espaço escolar.
Serão levantadas algumas questões sobre os limites, sobre as regras negociáveis e as
não negociáveis, e por fim vamos trabalhar a importância da conduta ética do educador.
Os objetivos são reconhecer a circunstâncias sob as quais as regras devem ser cons-
truídas, a importância de um acordo coletivo e os ganhos cognitivos e sociomorais que
estão atrelados ao trabalho cooperativo.
OS LIMITES NA ESCOLA
[...] coação não deve ser obrigatoriamente entendida como uma tira-
nia conscientemente exercida por alguém ou por algum grupo: pode
ser decorrência de algum tipo de organização institucional, que talvez
tenha tido sua origem na necessidade de algum grupo de controlar o
poder social, mas que no decorrer dos anos ou dos séculos manteve-
-se pela tradição. Aliás, toda tradição pode configurar uma relação de
coação, pois as razões que levam a respeitá-la costumam limitar-se à
afirmação de que tem que ser assim, pois sempre foi assim (relação
constituída) (LA TAILLE, 2016, p. 59).
Coação e heteronomia
88
Fonte: Reprodução
É importante parar para pensar sobre as razões de tantas transgressões. Muitas vezes, o
que compreendemos como indisciplina, pode também ser a maneira pela qual os alu-
nos estão buscando um lugar nesse espaço. Perceber este outro lado pode nos ajudar a
favorecer a integração desses alunos a cultura escolar e, além disso, transformá-la.
ANOTE ISSO
Regras são acordos elaborados pelos integrantes do grupo que beneficiam
a todos, ordenando as relações. Esses acordos não são rígidos, estáticos ou
pré-estabelecidos, nem privilegiam alguns em detrimento de outros (VINHA,
2003, p. 234). O professor deve funcionar como o mediador, problematizan-
do e levando os alunos a análises que facilitem a construção das regras.
Vamos pensar inicialmente nas regras não negociáveis, como por exemplo, “não furtar ob-
jetos dos colegas”. Essa regra não é posta em discussão, porque se baseia no princípio da
reciprocidade e do respeito ao que é do outro. Do mesmo modo, é indiscutível “não bater”,
“não humilhar ninguém”, pois têm como base a preservação da dignidade. “Não destruir
a escola, preservá-la” é a mesma ideia: não se negocia. É patrimônio público, é de toda
comunidade. Lavar as mãos antes do lanche, escovar os dentes, não se negociam, porque
são ações de preservação da saúde. E assim por diante. As regras não negociáveis partem
do princípio de não causar danos a si e aos outros. Cabe ao professor e à escola em geral
reafirmá-las sempre que necessário e de forma firme que inspire segurança (VINHA, 2003).
Conforme La Taille (2000), regras apoiadas em princípios éticos não podem ser nego-
ciadas. Entretanto, há outras regras que não só podem ser negociáveis, como devem ser
construídas junto com as crianças e jovens, para que eles se exercitem no processo de to-
mar decisões e assumam a responsabilidade pelas consequências de suas próprias ações.
Dessa forma, se existem limites de dois tipos, do que “pode” e do que “não pode”, é
necessário que a comunidade escolar esteja sempre presente, avaliando criticamente,
clarificando, primeiro para si e depois para os educandos os princípios que baseiam seus
limites e as funções dos “porquês” das regras estabelecidas. Por que não pode conversar
com o colega durante a aula? Por que não pode usar boné? Se as crianças e jovens não
veem sentido ou não compreendem o que está sendo imposto ou tratado, podem se
desinteressar e buscar alternativas. Visto por esse viés, cabe aos professores mais que se
indignar com a indisciplina e o não cumprimento da regra. Cabe indagar se uma ou ou-
tra postura ou estratégia didática não deve ser revista ou reformulada (LA TAILLE, 2000).
La Taille (2016) nos fala que Piaget divide as relações interindividuais em duas grandes
categorias. Vamos a elas:
Para favorecer a autonomia, a escola precisa propiciar aos escolares relações de coope-
ração. Vinha (2003) defende o trabalho em pequenos grupos, que são excelentes for-
mas de estimular a cooperação. Segundo essa autora, os grupos devem ter no máximo
quatro pessoas a fim de favorecer as trocas e a investigação de diferentes assuntos. Não
podem ser somente aleatórios, cabendo ao professor utilizar diferentes estratégias de
composição. A finalidade desse trabalho é favorecer a construção conjunta de regras, a
discussão, as trocas de ponto de vista e opiniões, a elaboração de argumentos e contra-
argumentos. Tudo isso são recursos importantes para auxiliar a descentração do sujeito
e a consideração da perspectiva do outro.
Kamii e Devries (1991), observando crianças em jogos coletivos, constataram que,
nesses grupos, elas passam a exigir de seus pares mais compromisso, coerência e justi-
ficativas mais adequadas para as propostas que fazem. Dessa forma, as crianças desco-
brem a importância de argumentar. Mais que colocar as crianças sentadas em grupos,
o professor precisa saber que trata de uma metodologia cujos desafios são variados, e o
sucesso dessa prática não ocorre como um passe de mágica. Aprender a agir coopera-
tivamente leva tempo e é um exercício constante. O domínio dessa forma de trabalhar
pode fazer a diferença, tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto para o desenvol-
vimento moral da criança (VINHA, 2003)
Para Johnson, Johnson e Holubec (1993 apud LOPES; SILVA, 2015), o trabalho em
grupo é um método de ensino no qual os alunos trabalham em conjunto para poten-
cializarem sua própria aprendizagem e a dos seus pares. “Cada membro do grupo é res-
ponsável não somente por aprender o que está a ser ensinado, mas também por ajudar
os colegas, criando uma atmosfera de realização” (BALKOM, 1992 apud LOPES; SILVA,
2015, p. 3). Na construção dessa prática de ensino entre outros, o desenvolvimento de
habilidades sociais e competências tais como comunicação, confiança, liderança, de-
cisão e resolução de conflito é estimulado. Também se trabalha com o processamento
de grupo, balanços regulares e sistemáticos do funcionamento do grupo, da progressão
na aprendizagem e da interdependência positiva (JOHNSON; JOHNSON; SMITH, 1998).
Piaget (1932/1994) reafirma a importância das relações sociais, uma vez que estas são
formadoras dos sentimentos morais. O egocentrismo infantil e o respeito unilateral abri-
gam-se nas relações da criança com os mais velhos, resultando em heteronomia ou em
90
moral do dever.
A FORMAÇÃO ÉTICA DO EDUCADOR
• Relações unilaterais entre professor • Enfatizar relações de trocas entre os alunos, trabalhos
e aluno; imposição de regras prontas; com jogos em grupo são as melhores possiblidades
controle por punições arbitrárias. para se descobrir as funções sociais das regras.
• Proibição de trocas entre as crianças • Utilizar regras que permitam e regulem trocas entre
tais como ficar quieto, cada um faz o os alunos para uma melhor aprendizagem e para o
seu, não sair do lugar, cada um com desenvolvimento da cooperação, reciprocidade, res-
suas coisas. peito mútuo...
• Colocar regras sem significado social • Construir juntamente com os alunos regras com cla-
ou de apredizagem apenas para manter ros significados racionais e funcionais, feitas para o
a autoridade do professor. benefício do grupo.
• Dar lições de moral, como se a moral • Entender a moral como algo presente em qualquer
pudesse ser ensinada pelos discursos situação de respeito ou desrespeito às regras do gru-
moralistas e de forma isolada. po. Qualquer conflito entre alunos ou destes com o
professor pode ser uma situação de construção moral.
• Disciplina por punições arbitrárias, ex-
piatórias; a ação errada é castigada e • Disciplina por sanções por reciprocidade: o castigo
não é reconstituída; não há relação ló- deve ter relações com erro, consertando-o ou evitan-
gica entre o erro e o castigo; a punição do-o. Sanções por reciprocidade podem ser: apelar
não restitui os danos. para a consequencia direta e/ou material do ato; ex-
clusão temporária do grupo; privar a criança do que
• Tem como consequências da punição; usou mal; reparação.
cálculos de riscos; conformidade cega;
revolta. • Os alunos aprendem a prever as consequências de
suas ações no grupo e começam a pensar em formas
• Favorece a imitação irrefletida: as crian- de reparação dos erros.
ças imitam os professores em relação
aos seus atos, julgamentos e valores e • Favorecer a reflexão, pelos professores, de seus valo-
são reforçadas por isso, como ocorre res e ações pedagógicas e disciplinares. Proporcionar
na delação. a autoavaliação em valores, tanto nos alunos quanto
nos professores.
Condições para o desenvolvimento moral na escola
Fonte: Menin (2007, p. 58) apud Borges (2017, p. 45).
Nessa perspectiva, La Taille (2009) diz que o professor precisa acolher e valorizar o con-
vívio escolar e que este seja um lugar de desabrochar. Que a fase escolar seja tempo
de desabrochar os princípios morais e que os educadores não permitam que as regras
engessem os princípios morais, as virtudes e a generosidade. Sendo assim, ressalta-se a
importância que deve ser dada à formação acadêmica e moral do professor, e que este
precisa se responsabilizar e se comprometer, reafirmando a necessidade de os educa-
dores receberem uma formação consonante ao que se espera deles. Em suma, o autor
questiona: como seria possível homens heterônomos educar crianças que deverão se
tornar autônomas? (LA TAILLE, 1996 apud BORGES, 2017).
É importante reconhecer que os ideais de moral e ética surgem a partir dos
problemas que vivenciamos no dia a dia, em nossa família, na escola, na comunidade,
na sociedade em geral, e o professor precisa tomar parte dessa responsabilidade que é
educar moralmente. A prática educativa não pode permanecer estática; ela é inerente à
função do educador de formar pessoas éticas, e que isso se dê a partir de vivências reais.
92
CONCLUSÃO
Querido(a) aluno(a), estamos finalizando a disciplina Psicologia da Edu-
cação com a sensação de “gostinho de quero mais”. De verdade, espero
ter semeado frutiferamente. É claro que muitos assuntos devem ainda
ser aprofundados, mas tenho certeza que esse espírito investigativo foi
despertado dentro de você e lhe conduzirá a novas buscas.
No início do curso, vimos que a Psicologia se constitui como ciên-
cia praticamente ao mesmo tempo que a Pedagogia, e que depois de
ser amplamente criticada, passa a se apresentar como disciplina-ponte
e gerar mudanças profundas na maneira de entender as relações entre
o conhecimento psicológico, a teoria e as práticas educativas de modo
geral. Vimos que a aliança entre psicologia e educação é incontestável, e
nos resta entender como se aprende e como se deve ensinar, observan-
do a especificidade de cada educando e considerando a importância de
todas as questões que impactam o desenvolvimento humano positiva e
negativamente.
Estudamos os aportes teóricos da Psicologia no contexto das ciências
da educação, o comportamentalismo (o objeto não é a mente e sim o
próprio comportamento e suas interações) e as teorias psicogenéticas
(o ser humano se desenvolve em interação com o meio sociocultural).
Trouxemos Piaget e Vygotsky: o primeiro afirma que para haver apren-
dizagem, o sujeito precisa ter alcançado certo nível de desenvolvimento,
enquanto o segundo acredita que a aprendizagem impulsiona o desen-
volvimento e que aprendizagem e desenvolvimento são processos indis-
sociáveis.
Além da teoria, você recebeu contribuições práticas aplicáveis no dia
a dia da escola e viu que a aprendizagem ocorre progressivamente, com
abrangência de muitos processos mentais fundamentais e imprescindí-
veis para a apropriação dos conteúdos escolares: a percepção, a atenção,
a memória e a emoção – que é a base de tudo. Quanto ao lúdico, espero
que, por meio de Piaget, você tenha compreendido que a imitação e o
faz-de-conta são altamente importantes para a criança porque consti-
tuem uma linguagem pela qual a criança se expressa quando ela ainda
não tem estruturas cognitivas suficientemente elaboradas, e que tal sim-
bolismo não se limita a questões emocionais devido aos seus aspectos
sociocognitivos.
No decorrer do curso, estudamos as maneiras pelas quais ocorre o
desenvolvimento moral nas crianças e como se dá a internalização das
regras na vida dela, utilizando as ideias de Piaget sobre a construção do
juízo moral na criança a fim de identificar as modalidades básicas que
fundamentam a construção da sua moralidade.
Ainda sobre tais pressupostos, refletimos sobre anomia, heteronomia
e autonomia moral, lançando um olhar mais crítico e construtivo sobre
(in)disciplina. Exploramos as relações entre professor e aluno, dando bas-
tante atenção às condutas fortalecedoras de heteronomia dentro da es-
cola e endossando que a escola tem a grande responsabilidade de auxi-
liar as famílias a construírem nas crianças uma vida ética.
Para concluir, deixo a mensagem de que a educação moral é um de-
safio, por isso, sinta-se desafiado!
93
ELEMENTOS
COMPLEMENTARES
LIVROS
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Autor: César Coll Salvador e colaboradores.
Editora: Penso
94
EDUCAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
Autor: Fernando Becker
Editora: Penso
FILMES
ESCRITORES DA LIBERDADE
(Freedom Writers)
Ano: 2007 – Duração: 123 min.
País: Estados Unidos – Gênero: Drama
Direção e roteiro: Richard LaGravenese
DESCARTES
Ano – 1974 – Duração: 100 minutos
País – Itália
Direção – Roberto Rossellini
SER E TER
(Être et avoir)
Ano – 2002 – Duração: 102 minutos
País – França
Direção e roteiro – Nicolas Philibert
96
O COMEÇO DA VIDA
Ano – 2016 – Duração: Episódios de 40 minutos
País – Brasil
Direção: Estela Renner
Comentário: Série baseada na neurociência, que mostra de maneira clara como o am-
biente afeta as crianças e como elas podem mudar o nosso futuro.
WEB
Elvira Lima, grande estudiosa, traz reflexões importantes sobre o caminho percorrido
pela psicologia e seus impactos sobre a educação, esta que ainda busca explicações em
outras áreas de conhecimento, para dar conta dos fenômenos educativos.
Fonte: < http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/view/1787>
97
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