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COMISSÃO EXAMINADORA
________________________________________
Professor Doutor Fernando José Martins
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
(orientador)
_________________________________________________
Professora Doutora Maria Antonia de Souza
Universidade Tuiuti Paraná – UTP
Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG
__________________________________________
Professora Doutora Silvana Aparecida Souza
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE
_________________________________________________
Professora Doutora Janaína Aparecida de Matos Almeida
Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE
Professora Suplente
Dedicatória
Dedico este trabalho às lideranças e aos
militantes dos movimentos sociais e
partidos de esquerda brasileiros, uma vez
que foi através deles e durante convívio
nos últimos vinte anos que percebi a
exclusão social e injustiças existentes no
Brasil. Assim, adquiri consciência da
urgente necessidade de transformação da
arcaica, conservadora e excludente
sociedade brasileira, o que somente
ocorrerá com a luta permanente e
progressiva dos movimentos sociais, bem
como do conjunto da sociedade.
5
AGRADECIMENTOS
Gregório de Matos
7
RESUMO: Trata-se de pesquisa que teve por objetivo a análise política e jurídica do
Movimento de Ocupação das Escolas que ocorreu em São Paulo em 2015 e Paraná
em 2016. Para tanto, são estudados os principais aspectos políticos e jurídicos do
fenômeno em questão, partindo das atividades reivindicatórias estudantis ocorridas
no Brasil no período que antecedeu a ditadura militar e chega aos dias atuais com o
ocorrido em São Paulo e Paraná. Assim, iniciamos com a conceituação do método de
estudo, o qual é o Materialismo Histórico e Dialético, tendo em vista ser o instrumental
que mais facilita o acesso à essência do fenômeno pesquisado. Na sequência, aflora
na discussão o Movimento de Ocupação das Escolas como luta de classes, em cuja
ocasião são demonstrados os pormenores relacionados ao assunto e atinentes ao
objeto estudado. Com esse itinerário, após o debate sobre os relevantes
acontecimentos estudantis brasileiros de outrora, discutimos em profundidade os
feitos secundaristas de São Paulo de 2015 contra as medidas do governo paulista que
pretendia fechar 92 (noventa e duas) escolas, o que atingiria mais de um milhão de
estudantes, assim como o movimento dos estudantes do Paraná de 2016 contra as
pretensões do governo federal de reorganização do Ensino Médio e de contenção de
gastos no setor público, ocasionando o fechamento de 836 (oitocentos e trinta e seis)
unidades escolares paranaenses. Com isso, são demonstradas as causas, o
desenrolar e as consequências do movimento estudado, bem como a violência e
perseguição sofrida pelos estudantes e desencadeadas pelos governos e o contra
movimento, além das estratégias e articulações dos ocupantes ao longo do processo
de lutas desenvolvido, quando fica demonstrado que o fenômeno estudado é
albergado pelo sistema político vigente. Na sequência, o debate feito gira em torno
dos aspectos jurídicos do fenômeno, quando são delineados os direitos educacionais
assegurados pelo sistema jurídico brasileiro, tanto a nível constitucional, quanto
infraconstitucional, finalizando com a discussão travada nos tribunais em razão da
ocupação das escolas e demonstração da postura de classe de setores do Poder
Judiciário no que tange ao assunto. Consequentemente, é demonstrada a legalidade
das atividades estudantis analisadas, em cuja ocasião transparece o encontro entre
os fatores políticos e jurídicos consubstanciados na legislação, bem como a
necessidade de estudos sobre o contra movimento, com vista à superação de
barreiras e a obtenção da almejada qualidade do sistema educacional público do
Brasil, premissa que sempre foi vertente nos processos educacionais de resistências
e reivindicatórios no país.
RESUMEN: Se trata de una investigación que tiene por objetivo a análisis político y
jurídico del Movimiento de Ocupación de las Escuelas que ocurrido en São Paulo y
Paraná. Para eso, se estudian los principales aspectos políticos y jurídicos del
fenómeno en cuestión, a partir de las actividades reivindicatorias estudiantiles
ocurridas en Brasil en el período que precedió a la dictadura militar y llega en los días
actuales con lo ocurrido en São Paulo en 2015 y Paraná en 2016. De esa forma,
empezamos con la conceptualización del método de estudio, lo qual és el Materialismo
Histórico y Dialéctico, teniendo en vista ser lo instrumental el cual más facilita el
acceso a la esencia del fenómeno investigado. En la secuencia, aflora en la discusión
el Movimiento de Ocupación de las Escuelas como lucha de clases, en cuya ocasión
se demuestran los detalles relacionados al asunto y relacionados al objeto estudiado.
Con ese itinerario, tras el debate sobre los relevantes acontecimientos estudiantiles
brasileños de antaño, discutimos en profundidad los hechos secundarios de San Pablo
de 2015 contra las medidas del gobierno paulista que pretendía cerrar 92 (noventa y
dos) escuelas, lo que alcanzaría más de un año y el movimiento de los estudiantes de
Paraná de 2016 contra las pretensiones del gobierno federal de reorganización de la
Enseñanza Media y de contención de gastos en el sector público, ocasionando el
cierre de 836 (ochocientos treinta y seis) unidades escolares paranaenses. Con ello,
se demuestran las causas, el desarrollo y las consecuencias del movimiento
estudiado, así como la violencia y persecución sufrida por los estudiantes y
desencadenadas por los gobiernos y el contra movimiento, además de las estrategias
y articulaciones de los ocupantes a lo largo del proceso de luchas desarrollado,
cuando se demuestra que el fenómeno estudiado es albergado por el sistema político
vigente. En la secuencia, el debate hecho gira en torno a los aspectos jurídicos del
fenómeno, cuando se delinean los derechos educativos asegurados por el sistema
jurídico brasileño, tanto a nivel constitucional, cuanto infraconstitucional, finalizando
con la discusión trabada en los tribunales en razón de la ocupación de las escuelas y
demostración de la postura de clase de sectores del Poder Judicial en lo que se refiere
al asunto. Consecuentemente, se demuestra la legalidad de las actividades
estudiantiles analizadas, en cuya ocasión se manifiesta el encuentro entre los factores
políticos y jurídicos consubstanciados en la legislación, así como la necesidad de
estudios sobre el contra movimiento, con vistas a la superación de barreras y la
obtención de la deseada calidad del sistema educativo público del Brasil, premisa que
siempre fue vertiente en los procesos educativos de resistencias y reivindicatorios en
el país.
LISTA DE FOTOGRAFIAS
LISTA DE ANEXOS
SUMÁRIO
1 - INTRODUÇÃO ......................................................................................................17
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................160
6 - REFERÊNCIAS ..................................................................................................165
ANEXOS ..................................................................................................................173
17
1 - INTRODUÇÃO
1
A locução “Movimento de Ocupação das Escolas”, será escrita ao longo do texto com as iniciais
maiúsculas, uma vez que, em analogia à expressão “Sem Terra”, em maiúsculo e sem hífen significa
uma identidade de pertencimento de grupo ou coletivo. Não é mais um sujeito individual que não possui
terra, portanto, sem terra. Sem Terra significa sujeitos de uma escolha: a de lutar por mais justiça social
e dignidade para todos (CALDART, 2003). No mesmo sentido os estudantes, pois se encontram lutando
por uma escola pública de qualidade em benefício à nação como um todo, considerando os seus
anseios profissionais e a busca do pleno desenvolvimento da pessoa humana.
18
2O termo ciclo, usado pelos autores no livro Escolas de Luta, quando se referem à política denominada
Reorganização Escolar que o governo paulista pretendia implementar, diz respeito ao Ensino
Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio. E, de acordo com o Dicionário Aurélio é, 1.
Série de fenômenos que se sucedem numa ordem determinada: ciclo das estações; ciclo das horas [...]
4. Bras. Cada uma das divisões de certos programas de ensino.
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3 A palavra Direito escrita com a inicial maiúscula é para evitar ambiguidade, uma vez que se refere à
disciplina, portanto, ao curso acadêmico, e não ao simples cumprimento de uma obrigação, como por
exemplo: fazer direito a disciplina. E, também, de acordo com a base XIX do novo Acordo Ortográfico
(1990), entre os países de Língua Portuguesa, os nomes que designam domínios de disciplina do
saber, podem ser escritos com inicial maiúscula ou minúscula.
20
4
https://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/ - http://www.periodicos.capes.gov.br/
21
5Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Tribunal de Justiça
de Minas Gerais (TJMG) e Superior Tribuna de Justiça (STJ).
22
mencionado objeto de pesquisa. Já, a partir dos autores: Engels (2002); Marx e Engels
(1977); Santos, T. (1983); Souza, M. (2008); Paro (2012); Souza, S. (2018), é
possibilitado a interação com as teorias e, consequentemente, fica alargada a
possibilidade de concreta interação entre a teoria e a realidade de acordo com a
necessidade deste estudo e as exigências do método adotado.
Em continuidade, no capítulo 2, subcapitulo 2.2, a respeito das atividades dos
estudantes do Brasil Colônia até os anos 20006 (final da década passada e início da
década atual), o estudo é estabelecido a partir de Poerner (1968); Fiegenbaum,
Machado e Schneider (2012); Rocha e Lucio (2012); Quintão (2010) e Santos, D.
(2014), bibliografia que possibilita a discussão tanto pelo ângulo fático, quanto teórico
relacionado ao andar histórico da luta dos estudantes, o que propicia e facilita o
desenvolver da pesquisa e a busca do objetivo almejado, com a demonstração de que
as conquistas políticas e jurídicas dos estudantes ocorreu de forma crescente,
progressiva e a partir da luta de classes ao longo do tempo.
Assim, no que diz respeito à luta de classes no movimento estudantil, a partir
dos fatos narrados e do estudo realizado, o esforço é por esclarecer que essa foi a
realidade ao longo da história dos estudantes, o que se repetiu no fenômeno de 2015
em São Paulo e de 2016 no Paraná, propiciando a ocorrência da resistência e das
conquistas consolidadas. Em sentido semelhante, através da narrativa sobre a parte
histórica da luta estudantil, é esclarecido, que embora em períodos distintos, os
processos reivindicatórios e de resistências possuem causas, desenrolar e
consequências, iguais ou muito semelhantes, na relação entre o passado e os
acontecimentos do presente, ao mesmo tempo em que fica demonstrado que as
conquistas políticas e jurídicas foram um “passo a passo” de lutas ao longo do tempo.
6
O recorte temporal nos anos 2000 é em razão do perfil das grandes manifestações da primeira metade
da década atual, especialmente 2012, 2013 e 2014. De acordo com Maria da Glória Gohn, no livro:
“Manifestações de junho de 2013 no Brasil e praças dos indignados no mundo”, bem como Ilse Scherer-
Warren, no artigo: “Manifestações de rua no Brasil 2013: encontros e desencontros na política”, no
mencionado período ocorreu de tudo, foi um encontro de linhas de pensamento, de protestos e
reivindicações, inclusive, de grupos políticos da direita e da ultradireita. Por isso, entendemos que o
estudo dessa fase, difere das pretensões dessa pesquisa, o que faz com que retomemos a análise no
fenômeno de São Paulo em 2015 e do Paraná em 2016.
23
Ainda de acordo com Neto (2011), Marx uniu teoria, método e pesquisa
considerando a teoria como uma modalidade do conhecimento, embora distinta dos
demais em razão de suas especificidades, uma vez que se refere ao objeto
pesquisado no que tange à sua estrutura e dinâmica e independente do pesquisador.
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Com isso, a partir do que escreve Neto, a teoria para Marx é a reprodução do objeto
pesquisado no pensamento do sujeito pesquisador de uma maneira que reproduza a
sua estrutura e dinâmica, atingindo assim o conhecimento real, e o faz nos termos a
seguir delineados.
Como se vê, bem como de acordo com José Paulo Netto (2011), Marx segue
um itinerário e considera a teoria, o método e a pesquisa, e com isso constitui o
instrumento materialista e dialético, pois parte da realidade, vai até o plano das ideias
e retorna para a realidade, sempre objetivando as determinações mais simples e ao
fazer o retorno, atinge o conhecimento real e concreto do todo.
pesquisa, uma vez que as demais possuem uma expressão universal, conforme
referidas na citação acima, ao passo que estas, ao se referirem ao objeto de pesquisa
de forma específica, possibilitam o itinerário proposto por Marx, uma vez que é com
elas que o pesquisador chegará na estrutura e dinâmica do objeto pesquisado, uma
vez que determinadas a partir dos seus objetivos e conforme a natureza do objeto.
7Aqui o termo período está posto como periodização histórica, ou seja, se refere ao lapso temporal no
qual o estudo sobre as atividades dos estudantes foi realizado.
8
Movimento dos estudantes e movimentos estudantil amalgamam uma diferenciação que precisa ser
considerada, pois de acordo com Poerner (1968, p. 43-50), o último somente adquire essa condição,
de movimento estudantil, a partir de 1937 com a criação da UNE, quando passa a ter uma centralidade,
bem como um caráter organizado e de emancipação nacional. Antes disso, em razão da ausência dos
mencionados requisitos, o que se vê, em que pese as largas atividades desenvolvidas no decorrer da
história, é a condição de movimento de estudantes. Marini (1970, p. 8), por sua vez, salienta que é a
partir da referida fase que o movimento estudantil passa a adquirir consciência de que sua luta é luta
de classes, uma vez que percebe as necessidades de lutas por mudanças estruturais.
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9
A rigor, a história escrita. Em 1847, desconhecia-se a pré-história da sociedade, a organização social
anterior a toda história escrita. Desde então, Hasthausen descobriu a propriedade conjunta da terra na
Rússia, e Maurer demonstrou ser ela o fundamento social do qual derivaram historicamente todas as
tribos alemãs. Pouco a pouco, descobriu-se que a forma primordial da sociedade eram pequenas
comunidades que compartilhavam a posse da terra, desde a Índia até a Irlanda. Por fim, a organização
interna dessa primeira sociedade comunista, em sua forma típica, foi desvendada pela descoberta
culminante de Morgan acerca da verdadeira natureza da gens e de seu papel na tribo. Com a dissolução
dessa coletividade original principia a cisão da sociedade em classes específicas e, enfim, opostas
umas às outras (MARX; ENGELS, 2016, p. 85).
10CAMPOS, Antonia M; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Marcio M. “Escolas de Luta”. São Paulo:
Veneta, 2016.
11SCHMIDT, Maria Auxiliadora; DIVARDIM, Thiago; SOBANSKI, Adriane. “Ocupa PR 2016: Memórias
de Jovens Estudantes”. Curitiba: W&A Editores, 2016.
12 ARRUÉ, Michèle. “El movimiento estudiantil en Chile (2011-2012): Una lucha contra la
discriminación”. Amérique Latine Histoire et Mémoire. Paris, n. 24, p. 1-39, 2012.
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O dia que senti nojo de viver em uma sociedade onde uma mãe fala que o
Estado deveria governar apenas para os ricos, pois esta é a classe inteligente
do nosso país; e o dia que me emocionei ao conversar com uma menina de
17 anos que estava grávida, dizendo que estava lutando pelos direitos da filha
dela (DIVARDIM; SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 42).
Eu, como aluna do segundo ano do ensino médio, entendo que a educação
necessita pra ontem, de uma reforma, no entanto, essa reforma não pode ser
realizada às pressas, sem o diálogo com os profissionais da educação e os
alunos. Não é retirando matérias que fazem os alunos refletirem sobre a vida
política, econômica e social da sociedade que vamos “salvar” a educação, as
escolas não podem voltar a ser apenas para o filho do rico, pois com o ensino
integral, aqueles que precisam trabalhar para ajudar a família terão de
escolher o trabalho, crescendo assim o número de alunos que não concluem
o ensino médio (DIVARDIM; SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 53-54).
por uma escola pulica de qualidade para todos, lutam contra os privilégios do opressor
que se encontra estabelecido e fortemente “enraizado”.
E mais uma vez um estudante secundarista, considerando a constatação
obtida no decorrer das atividades do movimento, externa o seu entendimento quanto
ao atingimento das medidas de governo contra a qual lutava, uma vez que salienta
que os únicos que não seriam atingidos seriam os estudantes oriundos das classes
abastadas. Ao mesmo tempo o secundarista integrante do movimento destaca o
pouco conquistado no decorrer das ocupações, o que fica claro mais uma vez a
ocorrência de um processo de disputa entre classes abastadas consubstanciada no
aparelho de Estado e as classes trabalhadoras lutando pelas mínimas condições de
vida. No caso, a luta travada foi para não perder os direitos já conquistados e na
tentativa de assegurar novos avanços na esfera política e jurídica relacionados à
educação, já que.
O que ocorreu no Paraná, não foi diferente em São Paulo em 2015, pois a
postura dos integrantes do contra movimento, como uma verdadeira dose exagerada
de “sulfito”14 contra os estudantes que pacificamente protestavam e reivindicavam
direitos já garantidos legalmente. No caso, os integrantes do lado oposto destilavam
e colocavam em prática aquilo que compõem a sua maneira de agir, ou seja, ódio,
14De acordo com o Dicionário Aurélio: Designação comum aos sais e ésteres do ácido sulforoso. Os
consideramos como “sulfito” em razão da elevada dose de raiva, rancor e preconceito que externavam
contra os jovens estudantes ocupantes das escolas.
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preconceito, raiva e violência, oriundos daqueles que se opõem aos direitos dos
trabalhadores que se encontram em disputa por melhores condições de vida.
Em uma denúncia do mesmo caso feita pela página Não Fechem Minha
Escola, foi publicado um vídeo que flagra o momento da invasão, com uma
pessoa (que seria o marido da diretora) arrebentando o cadeado que os
ocupantes haviam colocado em um portão, e depois um grupo de pessoas
entrando no pátio da escola. Ainda segundo esta denúncia, durante o ocorrido
a diretora teria mandado funcionários levarem embora a comida que os
ocupantes haviam recebido de doações e “incitado os estudantes puxas-
saco a partirem para cima dos estudantes da ocupação” (CAMPOS;
MEDEIROS; RIBEIRO, 2015, p. 181, grifo dos autores).
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Mauro Luis Iasi, no livro ”Ensaios Sobre Consciência e Emancipação”, se reportando a Marx e
Mészáros, diz o seguinte quanto ao termo alienação: As relações sociais determinantes, baseadas na
propriedade privada capitalista e no assalariamento da força de trabalho, geram as condições para que
a atividade humana aliene em vez de humanizar. A vivência dessas relações produz uma alienação
expressa em três níveis. Ao viver o trabalho alienado, o ser humano aliena-se da sua própria relação
com a natureza, pois é através do trabalho que o ser humano se relaciona com a natureza, a humaniza
e assim pode compreendê-la. Vivendo relações em que ele próprio se coisifica, onde o produto de seu
trabalho lhe é algo estranho e que não lhe pertence, a natureza se distancia e se fetichiza. Num
segundo aspecto, o ser humano aliena-se de sua própria atividade. O trabalho transforma-se, deixa de
ser a ação própria da vida para se converter num “meio de vida”. Ele trabalha para o outro, contrafeito,
trabalho não gera prazer, é a atividade imposta que gera sofrimento e aflição. Alienando-se da atividade
que o humaniza, o ser humano se aliena de si próprio (autoalienação). Isso leva ao terceiro aspecto.
Alienando-se de si próprio como ser humano, tornando-se coisa (o trabalho não me torna um ser
humano, mas é algo que eu vendo para viver), o indivíduo afasta-se do vínculo que o une à espécie.
Em vez de o trabalho tornar-se o elo do indivíduo com a humanidade, a produção social da vida,
metamorfoseia-se num meio individual de garantir a própria sobrevivência particular (IASI, 2011, p. 21-
22).
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referidos que o seguem, “classe em si”, é mera referência de uma classe, apenas
determinando o lugar e papel no processo produtivo, sem condição de defesa como
conjunto, portanto, sem possibilidades de enfrentamento do explorador, é o verdadeiro
“cada um por si”, enquanto a “classe para si” caracteriza outra dimensão, cada
integrante defende o todo e o todo defende cada um dos seus integrantes, pois
consciente dos seus interesses e inimigos, e nela está o principal instrumento em favor
dos menos favorecidos para o efetivo combate à exploração.
Nesse sentido, vejamos o que diz Santos T. (1982) sobre o assunto em
discussão, pois salienta que a classe se define de acordo com os modos de relações
que ensejam as possibilidades de interações entre os homens e assim o conceito de
consciência de classe é puro, ou seja, abstrato ou teórico, por isso, sem referência
empírica, o que significa representar os seus interesses em um modo de produção, o
que ocorre de forma mesclada com as ideias dominantes da sociedade onde o
indivíduo foi educado, o que forma a psicologia de classe. No entanto, de acordo com
Santos, T. (1982), quando essa psicologia de classe não representa a realidade das
relações, significa que estamos diante de uma “classe em si”, enquanto, por outro
lado, um agrupamento humano será uma “classe para si”, quando toma consciência
das relações como ideologia política que define as condições reais de vida, bem como
a existência de contradição entre os interesses de classes, além de perceber as
possibilidades concretas para superação dessa realidade, passando a albergar as
condições para construção de projeto de vida que esteja adequado aos seus
interesses de classe.
os porquês, bem como os avanços do referido fenômeno, o que faz no artigo “Os
movimentos estudantis na América Latina”16, traz esclarecimentos que demonstram
que é na luta de classes que os estudantes veem a possiblidade de combate à
proletarização e ao desemprego, o que deve ser feito a partir de mudanças estruturais,
uma vez que se refere a uma necessidade colocada pelo sistema econômico vigente,
considerado a fase de desenvolvimento na qual se encontra o capitalismo.
16
Texto publicado em francês na revista Les temps modernes, n°219, Paris, 1970, pp. 718 - 731. Les
temps modernes foi fundada em 1945 por Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir e segue sendo
editada até os dias atuais, sob a direção de Claude Lanzmann. O texto foi originalmente escrito em
espanhol e publicado, naquele mesmo ano, na Revista Rocinante, editada entre 1968 e 1971 em
Caracas, Venezuela; o número desta revista em que foi publicado o artigo de Marini, no entanto, não
consta na Biblioteca Nacional da Venezuela e é de impossível acesso no Brasil. Este artigo foi,
posteriormente, reproduzido em diferentes revistas da América Latina: em 1972, em Cuadernos
Universitários, revista de ciências sociais da Universidad Autónoma de Santo Domingo – primeira
universidade da América Latina –, e, mais recentemente, em 1997, na revista do Centro de Estudios
Miguel Enríquez, no Chile. É ilustrativo o fato de que, para a presente reprodução, foi mais fácil ter
acesso à versão francesa de Temps Modernes do que qualquer outra publicada na América Latina. A
tradução do francês ao português é de autoria de Jonathan Jaumont, com revisão de Fernando Correa
Prado e Vitor Hugo Tonin (MARINI, 1970, p. 1).
44
E mais, esse campo de disputa entre opressor e oprimido “salta aos olhos”
quando os jovens estudantes secundaristas e trabalhadores ao mesmo tempo,
expressam alegria e tristeza por perceberem, no decorrer do fenômeno de ocupação
das escolas, apoio comunitário com vistas as suas demandas que nada mais são do
que resistências contra retiradas de direitos da classe trabalhadora. Ora, as retiradas
de direitos são feitas pelas elites econômicas que de uma forma ou outra conduzem
os destinos do país, ao passo que os atingidos são aqueles que possuem apenas a
força de trabalho, a qual é explorada pelo empregador, portanto, aí está evidenciado
o processo de disputa no seio do Movimento de Ocupação das Escolas, pois no
decorrer das ocupações os estudantes perceberam a sua importância quanto
instrumento de resistência, luta e de busca de direitos.
45
Fotografia 01. Evento de fundação da UNE em 1937. Fonte: livro O Poder Jovem.
48
Fotografia 2 que retrata os estudantes velando o colega assassinado. Fonte: livro O Poder Jovem.
para que a universidade também se renove”, esse entendimento cabe, ainda, nos dias
de hoje e precisa ser estendido para o âmbito do Ensino Fundamental e Médio. E, ao
mesmo tempo, demonstrando os processos reivindicatórios dos estudantes,
prossegue Poerner.
Daí por diante, até que a guerra estivesse praticamente ganha, em março de
1945, as relações entre os estudantes e o governo obedeceram a um regime
de trégua, vez por outra rompida, como em 10 de novembro de 1943, dia em
que, segundo a Carta de 1937, se convocariam eleições presidenciais. Como
Vargas não cumprisse tal disposição, os universitários realizaram em São
Paulo, sob a liderança do XI de Agosto, a “Passeata do Silêncio”, que acabou
em violenta repressão policial, com a morte, a tiros, do estudante Jaime da
Silva Teles (POERNER, 1968, p. 181).
17
De acordo com Poerner (1968, p. 79-83), Primavera de Sangue é a denominação dada ao ambiente
fúnebre que se estabeleceu em função de ação policial em setembro de 1909 no Rio de Janeiro e que
matou dois estudantes e deixou vários feridos. Os jovens realizavam uma passeata comemorativa e
em função da chamada Campanha Civilista considerando a primeira eleição presidencial que se
avizinhava. No entanto, a ação policial optou pelo uso da violência extrema, cujos assassinatos
praticados ensejaram uma série de manifestações e denúncias na então capital da República, porém,
em que pese isso, prevaleceu a impunidade dos mentores dos crimes e apenas foram punidos os
soldados sem nenhuma expressão na comunidade.
53
país. E tudo isso, de acordo com Poerner (1968), por lutarem contra a Lei Suplicy e o
Acordo MEC-USAID18, por exemplo, se confundido com o processo de repressão
implementado pelos governos da Ditadura Militar.
E essa realidade ainda pode ser constatada através dos noticiários dos
jornais da época e narrado no livro O Poder Jovem, uma vez que o governo via como
único instrumento a repressão contra os estudantes com o fim calá-los e dessa
maneira evitar protestos contra a Ditadura Militar, promoção de campanhas em favor
da alfabetização de adultos, bem como a reivindicação de uma série de direitos.
18O Acordo MEC-USAID foi realizado entre o Brasil e os Estados Unidos e regulado através da Lei
Federal nº 5.540/1968 com vistas ao desenvolvimento educacional. Foi negociado de forma secreta e
somente se tornou público no final de 1966, após intensa pressão popular e política (POERNER, 1968,
pp. 229-265).
54
Ditadura Militar que teve vigência no Brasil a partir de 1964 e se estendeu até 1985
nos termos já salientado acima.
O movimento das “Diretas Já” ocorreu nas grandes capitais do país em 1983-1984.
Uma grande quantidade populacional, formada por jovens, operários, trabalhadores e
políticos, saíram nas ruas em protesto contra a Ditadura Militar (1964-1985) com o
interesse de pressionar o governo a realizar eleições diretas para Presidente da
República. Segundo Delgado (2009) ainda no período anterior ao Golpe Militar de
1964, ocorriam manifestações sociais autônomas, que sempre foram mal absorvidas
pelo processo político brasileiro. No Governo João Goulart (1961-1964), diversos
movimentos sociais cresceram em número e diversidade e ganharam maior
densidade e capacidade de pressão que ocorriam na esfera da sociedade civil
priorizando o campo do reformismo social, a exemplo das ligas camponesas, do
movimento estudantil e das organizações sindicais rurais e urbanas em uma
conjuntura marcada pela guerra fria, e atritos que, para Delgado, estaria em um mundo
dividido em socialismo e capitalismo (ROCHA; LÚCIO, 2012, p. 3, grifo nosso).
Assim, após sua eleição, Collor teve seu governo responsável pela introdução
do Neoliberalismo no país. Na presidência, não correspondeu às expectativas
alimentadas em campanha pelas classes populares e, sob seu governo, o
Estado brasileiro promoveu as primeiras privatizações do pós-Ditadura
ampliando o privatismo econômico e, especialmente, a liberação de medidas
protecionistas tornando legais as propostas neoliberais, além de se contrapor
ao Estado de bem-estar social, tornando explicita a afinidade política com o
neoliberalismo (ROCHA; LÚCIO, 2012, p. 5).
É certo que o estudo de Quintão (2010) não é objeto dessa pesquisa, porém,
diante da importância do tema e em razão dos esclarecimentos que traz sobre o
movimento em questão, entendemos de imprescindível importância o delineamento
do seu conceito, por isso, prosseguimos mesmo que de forma breve.
A política, em sua forma tradicional e cotidiana, não tem espaço nos media,
uma vez que esta não atrai o público, não seduz. Porém, com o movimento
dos “caras-pintadas” associado à prática política para o impeachment, o
texto político foi desvinculado do estigma desagradável e associado a
símbolos mais acessíveis, compreensíveis e novos. Isso foi possível ao
associar a política junto à ideia de espetáculo, o que propicia abarcar mais
campos sociais (QUINTÃO, 2010, p.11, grifo nosso).
Embora o movimento dos caras pintadas tenha sido uma organização, sobre
tudo de jovens ligados à União Nacional dos Estudantes, com sentimento de
insatisfação contra o governo de Fernando Collor de Mello, alguns aspectos
além deste são relevantes salientar no que diz respeito sobre o
comportamento da juventude. A mídia com certeza influenciou muitos sujeitos
a participarem das manifestações, mas não a ponto da organização em
âmbito nacional, conforme afirmado em livros didáticos e narrativas
realizadas sobre “Os caras pintadas” (SANTOS, D., 2014, p. 12).
Cabe salientar que, nos anos de 2001 e 2002, o país passava por um período
de forte influência do modelo neoliberal, no qual a inflação estava a picos
elevados e o salário dos trabalhadores não acompanhava esse compasso, o
que trazia aos movimentos sociais maior poder de luta devido ao
descontentamento das categorias (FIEGENBAUM; MACHADO;
SCHNEIDER, 2012, p. 161-162).
Fotografia 3. A PM vigiando uma assembleia estudantil em 2015. Fonte: livro Escola de Luta.
Já no atual momento histórico, vejamos o que foi dito por juízes do Tribunal
de Justiça de São Paulo por ocasião de julgamento dos litígios entre o Estado e os
estudantes em razão das ações do Movimento de Ocupação das Escolas em 2015,
de acordo com Campos; Medeiros; Ribeiro (2015, p. 167, grifo dos autores), “Soa
estranho a retórica do processo e da própria conduta do Estado de São Paulo,
a perpetuar, aqui, a dificuldade atávica que o Estado Brasileiro tem ao lidar em
momentos sociais, fundada na matriz autoritária da sua gênese”. Por isso, como
é possível perceber, embora se distancie no tempo, as causas das reivindicações
estudantis de ontem, guardam enorme semelhança com o que ocorre atualmente.
E, ainda, quanto à prática reacionária do Estado, no que tange ao Movimento
de Ocupação de Escolas em São Paulo em 2015, se vê a criminalização sem distinção
dos estudantes, o que é feito através de servidores com obrigação legal de educar e
proteger crianças e adolescentes, no entanto, praticam o contrário em cumprimento
das determinações oficiais.
Fotografia 4. Jovem Ocupante de Escolas sendo preso pela PM em 2015. Fonte Google20
https://www.conjur.com.br/2015-dez-03/pm-viola-lei-ignora-stf-algemar-adolescente-manifestacao
20
68
Mas, sob o ponto de vista tático e até estratégico, conforme já referido acima,
o bom “vendaval” que impulsionou os jovens paulistas em 2015 e, no ano seguinte,
em 2016, os estudantes paranaenses, foi a cartilha formulada pelos jovens argentinos
por ocasião do Movimento de Ocupação das Escolas ocorrido no Chile, pois “A luta
dos estudantes não começou agora e está longe de terminar. Em 2006 e 2011, o
Chile viveu a ‘Revolta dos Pinguins’, um movimento imenso de estudantes
secundaristas que exigia uma educação pública gratuita e de qualidade”
(CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2015, P. 55, grifo dos autores).
Esse movimento estudantil chileno, ocorrido inicialmente em 2006, com
reiteração em 2011, teve vasta e relevante repercussão, inclusive em outros países
Sul Americanos. E significou uma reação às políticas neoliberais praticadas pelo
governo daquele país e, ao mesmo tempo, se engajou na busca de qualidades
educacionais no setor público, pois, na ocasião, os estudantes ocuparam a quase
totalidade das unidades escolares e contaram com o apoio de significativos setores
69
dos secundaristas e também das ações do Estado e do contra movimento, sendo elas
violentas ou não.
Assim, com a influência dos estudantes chilenos, espelhados na ocupação
da escola Professor Luis Carlos Sampaio, da cidade de Nova Andradina no Mato
Grosso do Sul e seguindo os passos traçados pela cartilha “Como ocupar um
colégio?”. Esse movimento estudantil paulista, que teve início na segunda quinzena
do mês de setembro de 2015 (24/09/2015), se estendeu até a primeira quinzena de
dezembro do mesmo ano (05/12/2015). Nesses cerca de dois meses e meio, o
movimento ocupou em torno de 200 (duzentas) escolas e envolveu milhares de alunos
e integrantes da comunidade paulista, tendo por objetivo evitar que o governo paulista
fechasse 92 (noventa e duas) unidades escolares no Estado (CAMPOS; MEDEIROS;
RIBEIRO, 2015, P.29-30/287-288).
E com o fim de conter o movimento estudantil que estava se desencadeando,
o chefe da Secretaria Estadual de Educação, na tentativa de explicar a política
educacional em vias de implementação veio a público com os termos seguintes, de
acordo com o que consta no livro “Escola de Lutas” (2015).
Revelava-se o desejo por uma escola e por uma aula que tivessem sentido e
fossem significativas, que abordassem as dimensões fundamentais da
existência, da experimentação, da descoberta de si e do outro, tão próprias
da adolescência. As ações desencadeadas por esses jovens no espaço da
escola podem ser concebidas como atos políticos no sentido mais amplo do
termo, pois recolocam a dimensão da cidadania no espaço escolar (CORTI;
CORROCHANO; SILVA, 2016, p. 12).
O ponto de partida foi o Estado de São Paulo, onde a luta dos estudantes
secundaristas teve início por meio de mobilizações via aplicativos de redes
sociais tais como Facebook, grupos de whatsApp, além do próprio cotidiano
escolar. Determinados mecanismos de midiatização permitiram aos
estudantes uma relativização da fronteira entre o dentro e o fora do espaço
escolar, possibilitando, dessa maneira, a publicização das questões que
englobam problemas da escola (CAMASMIE, 2018, p. 79).
Como o estudante destacou, este tipo de debate não era facilmente acessível
para muitos. Pelo contrário, as escolas em sua maioria reproduzem as
opressões – em uma escola em Santo André visitada pelos autores, por
exemplo, lia-se em um cartaz grande no mural: “Evite um estupro, vista-
se”. Esse é apenas um exemplo entre vários, pois não faltam depoimentos
77
Desde o início até agora (27 dias), o foco é que seja revogada a MP 746/2016,
juntamente com a PEC 241 (agora PEC 55). Nós estamos [...] declarando
nosso repúdio a MP 746/2016 como principal foco, mas no decorrer do
movimento acrescentamos a PEC 241 (Depoimento de jovens secundaristas
do Colégio Estadual Elza Scherner Moro – 31/10/2016)) (DIVARDIM;
SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 33).
23
A Medida Provisória 746/2016, publicada no dia 22 de setembro de 2016 pelo governo federal e
titulada como: Reorganização do Ensino Médio, tornando optativa nas grades escolares uma série de
matérias, entre elas Filosofia e Sociologia. Na sequência, apresentação da Proposta de Emenda
Constitucional nº 241/2016 (Câmara Federal) e nº 55/216 (Senado), estabelecendo um teto de gastos
públicos no Setor Primário, onde está incluso o educacional, pelo período de 20 anos.
89
24
http://giroemsaojosedospinhais.com.br/2016/10/10/governo-do-parana-pede-reintegracao-de-posse-
de-escolas-ocupadas/
91
https://jornalggn.com.br/movimentos-sociais/novo-balanco-aponta-1197-escolas-ocupadas-pelo-
25
pais/
95
nosso orçamento em xeque, aí então, decidimos não nos calar”, por isso essa vasta
energia estudantil no processo de ocupação das escolas.
E o movimento no Paraná também foi vasto nas cidades do interior, inclusive
mobilizando milhares de estudantes e pessoas da comunidade no decorrer das
atividades de rua, como é o caso do município da Fazenda Rio Grande, onde os
secundaristas também demonstraram forte resistência contra a política proposta pelo
governo, de acordo com o livro “Ocupa Paraná 2016”.
movimento estudantil paranaense também teve que conviver com a violência extrema.
Trata-se da morte do jovem Lucas, estudante de Curitiba assassinado no período das
ocupações, acontecimento que suscitou o debate no meio estudantil relacionado às
constantes perdas de jovens em razão da questão social, e que, tratam-se de
problemas que são simplesmente ignorados por relevantes setores da sociedade.
E com essa visão política, fica clara e presente a vontade dos estudantes
paranaenses integrantes do Movimento de Ocupação das Escolas de 2016, não
somente de demonstrar as suas preocupações com o futuro do país, mas também a
vontade e preparo para estabelecer novos paradigmas. No mesmo sentido, é presente
e muito forte o desejo dos estudantes de superar uma agenda que já não tem mais
vigência entre eles, na qual os jovens são tratados com descaso, preconceito e até
criminalizados, uma vez que são tidos como vagabundos e outros termos altamente
desqualificadores, pois.
Nós, estudantes, que estamos nas escolas não somos vagabundos como
dizem aqui, como a sociedade lá fora diz. Nós estamos lá por ideais, nós
lutamos por eles, nós acreditamos neles. Eu convido vocês a irem nas
ocupações, a ver o nosso desgaste psicológico, a ver que não é fácil estar lá
e que a gente vai continuar lutando. A gente vai continuar lutando porque a
gente acredita nisso. A gente vai continuar lutando porque a gente está em
busca de conhecimento e que a gente não vai parar de ir atrás do
conhecimento. Eu convido vocês a ir lá conhecer o movimento e vocês vão
ser muito bem recepcionados, porque a nossa ideia é apresentar pra vocês
porque é que a gente tá lá (DIVARDIM; SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 88).
Nos últimos anos o Brasil tem sido notícia nos principais jornais do mundo,
tanto por questões referentes a crise política e econômica a qual vivemos,
quanto pelos movimentos sociais, protestos e ocupações que ocorreram
nesse período, ou mesmo o fatídico 29 de abril de 2015 em que professores
acabaram sofrendo com a repressão do governo estadual (Beto Richa –
PSDB). Não foi diferente com as ocupações das escolas e os movimentos de
protestos dos estudantes paranaenses. A agência de noticia americana Fox
News deu destaque em sua versão online para as ocupações das escolas
brasileiras. Levou em consideração que eram mais de mil escolas ocupadas,
cerca de cem universidades e que o movimento teve início no estado do
Paraná. Lembrou que as ocupações tinham como reivindicação a retirada da
proposta de lei que congela os investimentos em educação por 20 anos.
Também, relatou que os alunos, também estavam protestando contra as
101
Outro grande jornal americano que dedicou espaço em sua versão online foi
o Washington Post. Essa matéria fez questão de trazer uma perspectiva dos
estudantes em relação ao movimento secundarista. Assim, muitos relatos e
comentários dos próprios alunos que ocupavam escolas ao redor do Brasil
foram destaque. Segundo o jornal, os estudantes tinham um grau de
organização ao ponto de criar aulas de dança, literatura, organizar a própria
biblioteca, enquanto outro grupo ficava responsável pelas refeições do dia.
Por fim, o jornal descreveu o discurso feito pela aluna Ana Julia Pires Ribeiro
(DIVARDIM; SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 109, grifo dos autores).
Mas essa postura da mídia oficial burguesa no Brasil, de não dar visibilidade
aos protestos e as atividades de resistência e reivindicatórias dos estudantes, os
impulsionou, de acordo com o que ocorre com os movimentos sociais de maneira
geral, para o uso das mídias alternativas, especialmente a internet. Com isso, os
estudantes do Paraná também estabeleceram uma política de comunicação ao longo
do processo de ocupação das escolas, de acordo com o que será debatido adiante,
no subcapítulo sobre os aspectos políticos do movimento.
Com isso, demonstrando consciência da problemática que afeta o sistema
educacional brasileira, frente a todo um contexto de adversidade, com adversários
batendo nos portões das escolas e de braços dados com o próprio Poder Público e a
partir do Estado, os estudantes demonstrando coragem e até se diferenciando da
maneira de agir do cidadão comum, concretizaram os seus protestos e as suas
reivindicações, de acordo com Alcinéia de Souza Silva (2017), no artigo “A Geografia
Escolar no Contexto dos Movimentos de Ocupação das Escolas Brasileiras”.
“Ocupar e resistir” foi o lema utilizados durante o maior movimento feito por
estudantes secundaristas no mundo. Fizemos nossa voz ser ouvida através
de mais de 1000 escolas ocupadas. Não aceitamos calados as ações
tomadas por um governo ilegítimo no que nos afeta diretamente. Alguns
achavam que estávamos brincando, eu não sei até que ponto duvidam da
capacidade de mobilização política dos jovens, mas nós já demonstramos
que estamos dispostos a provar o contrário. Avante secundaristas [...].
Participei ativamente da ocupação do colégio onde estudo. Acredito que essa
forma de protesto é uma das mais efetivas, já que, em grande escala, como
foi, gerou um imenso impacto social. Apesar de tudo, a conquista que tivemos
não foi a esperada, mas ainda sim, uma conquista. Vejo àqueles, que se
posicionam contra a mobilização, como mal informados ou neoliberais, além
disso, levando em consideração que a PEC 55/16 e a MP 746/16 só não
atingiriam a alta burguesia, enquanto muitos desses se preocupavam com o
bimestre, nós nos preocupávamos com a estrutura social do Brasil pelos
próximos 20 anos (DIVARDIM; SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 142).
Assim, nesse contexto, embora com uma enorme frente favorável, porém
diante de uma longa fileira conservadora, de acordo com Divardim, Schmidt e
Sobanski (2016, p. 144), ainda foi possível para os estudantes paranaenses do
Movimento de Ocupação das Escolas ocuparem 836 unidades escolares no Estado
em 2016, constituindo, assim, o maior movimento estudantil dos últimos anos no
Paraná, cujo legado político certamente será usado pelos jovens do futuro.
Embora todo esse contexto de construção, dado as reações do contra
movimento e, em especial, as reações do governo, consequentemente, os alunos
resolveram desocupar as escolas paranaenses de acordo com o trecho de uma nota
de desocupação feita pelos secundaristas e constante no livro Ocupa PR 2016, onde
se observa claramente que o movimento desocupa as escolas com os jovens
ocupantes de cabeça erguida e conscientes de que cumpriram uma etapa no processo
de luta de classes, bem como dispostos a enfrentamentos futuros. E os estudantes
finalizam a nota de desocupação do Colégio Abraham Lincoln em Colombo, na região
Metropolitana de Curitiba, ocasião na qual se constata preocupação de demonstrar
que deixaram a escola limpa e organizada, certamente com vistas a contrapor as
acusações que sofriam do governo e do contra movimento de que eram vagabundos,
preguiçosos, baderneiros, etc.
o avanço do movimento dos estudantes, uma vez que além do enfrentamento feito ao
governo, também apresentaram um rol de reivindicações nos termos acima discutidos,
além de vasto acúmulo político que obtiveram, o que significa mais um importante
passo histórico na luta por conquistas políticas e jurídicas.
Assim, ao longo dos cerca de 40 (quarenta) dias de ocupação, no interior das
836 escolas ocupadas e nas atividades de rua realizadas em todo o Estado, os
estudantes paranaenses promoveram contínuos debates, e em que pese os
contrapontos do contra movimento e das forças do governo, obtiveram significativos
avanços em termos de consciência e progresso político. Dessa forma, de acordo com
o ocorrido com outros movimentos do passado, onde inclui as ocupações das escolas
em São Paulo em 2015, os estudantes do Paraná também deixaram um legado para
as gerações futuras em forma de memória e com enorme fortalecimento da identidade
estudantil. Com isso, fortaleceram uma identidade que investe nos protestos, ao
mesmo tempo em que reivindicaram direitos, fizeram o enfrentamento com resistência
ao governo e aos interesses de classes que lhes contrapõem.
Ainda em comparação ao movimento estudantil paulista e aqueles
relacionados ao período histórico até o final do século XX como já foi destacado, deve
ser salientado que no Paraná também vigorou o princípio da horizontalidade, assim
como política de relação, democracia e igualdade, a exemplo de São Paulo. Da
mesma forma, à semelhança com os movimentos estudantis anteriores, os estudantes
paranaenses também enfrentaram uma estrutura de Estado retrógrada, conservadora,
de classes e que tem a violência policial como instrumento de contenção das
reivindicações de direitos, para cuja superação, os grandes processos reivindicatórios
são conditio sine quão não26.
Em ambos os períodos, seja no Estado de São Paulo em 2015 ou no Estado
do Paraná em 2016, no que tange aos aspectos políticos e jurídicos, ressalta a
semelhança entre os movimentos, uma vez que os instrumentos usados, tanto pelos
estudantes, quanto pelo Estado, foram praticamente os mesmos, conforme será
demonstrado nos capítulos seguintes.
26
De acordo com o Dicionário Academia Brasileira de Letras Jurídicas “conditio sine qua non”. Loc.
(Lat. = sem a qual não.) Expressão empregada para definir condição, à falta da qual o ato não se
completa, ou não se realiza.
106
1. Ato de ser visto. 2. Aparência exterior 3. Maneira pela qual algo ou alguém
se apresenta à vista 4. Cada uma das facetas através das quais algo pode
ser visto. 6. Categoria semântica que expressa detalhes qualitativos ou
quantitativos internos de uma determinada ação, processo ou estado
(HOUAISS, 2001).
107
A política, por exemplo, não pode ser pensada apenas como partidos,
eleições, ou mesmo apenas como luta pelo poder. A política se faz necessária
porque o homem não é um ser isolado. Ele é um ser social, ou seja,
necessariamente plural, pois depende do outro (melhor dizendo, dos outros,
de todos os outros) para viver. É, pois, um sujeito (autor, senhor de vontade),
entre outros sujeitos. Daí que precisa conviver com outros. E é aqui que surge
108
A ocupação do Pedro Macedo pra mim foi mais do que protestar contra a
PEC 241 e a reforma do ensino médio. Nessa ocupação aprendi e vivi muitas
110
Conforme o tempo de convivência foi aumentando, vimos que cada vez mais
nos tornávamos uma família. Ficamos confortáveis para dividir problemas
pessoais e segredos com nossos companheiros. A socialização é gigantesca,
dividimos o máximo de coisas possíveis, desde chinelos até escovas de
dente. Atualmente, estamos nos aproximando do quadragésimo dia de
ocupação. Sendo a ocupação dos Institutos Federais que mais durou e
também, a mais duradoura do Litoral do Paraná (DIVARDIM; SCHMIDT;
SOBANSKI, 2016, p. 70).
Quanto mais informação os pais tinham, mais tendiam a apoiar seus filhos,
em especial quando tinham a oportunidade de visitar pessoalmente a
ocupação. Muitas vezes, uma família que tinha sido resistente no início da
mobilização acabava se envolvendo cada vez mais (CAMPOS; MEDEIROS;
RIBEIRO, 2015, p. 242).
27 De acordo com o contexto da bibliografia utilizada nesta pesquisa, mídia alternativa ou contra
hegemônica é a opção aos meios hegemônicos de comunicação, se destacando os instrumentos
constantes na internet e de amplo acesso ao público, dentre os quais se incluem Facebook, whatsApp,
etc.
28De acordo com o contexto da bibliografia utilizada nesta pesquisa, mídia tradicional ou hegemônica
é compreendida como os grandes e hegemônicos meios de comunicação, como é o caso das
emissoras de televisão, rádios e jornais.
113
dos instrumentos digitais em todas as direções que dirigimos o olhar, como por
exemplo, conforme Divardim, Schmidt e Sobanski (2015, p. 9) “A Primavera do
#OcupaPR-2016” e (2015, p. 27) “#todoapoioasocupaçoes, #foraMP746,
#ocupatudo”, o que demonstra que a internet foi o meio de comunicação,
predominantemente, usado pelos ocupantes de escolas no Paraná.
Em São Paulo, no entender dos estudantes, sempre foi flagrante a
parcialidade da mídia tradicional, uma vez que não noticiava os fatos de acordo com
os acontecimentos, quando eram favoráveis aos estudantes. Por outro lado, os
interesses do governo eram privilegiados no noticiário dos grandes veículos de
comunicação, de acordo com Campos, Medeiros e Ribeiro (2015), uma vez que.
Enquanto [...], mais cedo, no Bom Dia SP (também da Rede Globo), após
mostrar os danos à escola, o repórter diz que não se sabe quem fez “esta
bagunça”; e o âncora acrescenta: “De qualquer forma, a gente volta pra
aquela... que a gente já viu anteriormente, que é o vandalismo no meio do
protesto, né?” A Globo não procurou entrevistar nenhum aluno ocupante. O
máximo que fez foi pedir o depoimento da presidente da Apeoesp. (CAMPOS;
MEDEIROS; RIBEIRO, 2015, p. 227).
um elemento central para isso, mas foi a apropriação ativa, criativa e autoral
dos estudantes paulistas que tornou possível a produção cotidiana das
ocupações (CORTI; CORROCHANO; SILVA, 2016, p. 13).
Diante disso, e sob o ponto de vista político, onde está o fator comum que
uniu ou une os estudantes em movimento? De acordo com o que demonstra o estudo
realizado, o ponto comum ou unificador dos secundaristas em torno das mesmas
bandeiras foram justamente as políticas praticadas pelo Movimento de Ocupação das
Escolas no decorrer das suas atividades, seja em São Paulo em 2015 ou no Paraná
em 2016, considerando os seus significados como instrumentos amalgamadores da
convergência dos jovens no combate às indesejadas políticas dos governos e em
busca da efetivação das suas reivindicações e resistências nos termos discutidos. A
par disso, também se encontra a vontade ímpar e o ânimo invencível de lutar dos
secundaristas, mais a elevada consciência da necessidade de estabelecer um novo
tempo que esteja de acordo com a atualidade e conforme os seus anseios, além dos
exemplos de resistência e lutas dos estudantes do passado. Esse conjunto de fatores
demonstra que as ações dos estudantes consubstanciadas no Movimento de
Ocupação das Escolas se encontram amparadas pelo sistema político vigente
atualmente no Brasil, ou seja, a democracia, inclusive considerando o marco
constitucional e legal em vigor, as políticas praticadas e a forma como a resistência,
protestos e reivindicações foram exercitados, o que significa mais uma importante
etapa da luta história dos secundaristas, tanto em 2015 no Estado de São Paulo,
quanto em 2016 no Estado do Paraná, cujo resultado é o acúmulo obtido nos
processos de luta desencadeados no decorrer do tempo.
121
30De acordo com o contexto da bibliografia analisada nesta pesquisa, aqueles setores integrantes da
sociedade civil, que ao longo do período de ocupação das escolas deram apoio aos estudantes,
inclusive fornecendo alimentos, proferindo palestras e fomentando o debate sobre a necessidade de
investimento no setor e de defesa de uma educação com mais qualidade para todos.
31De acordo com o contexto da bibliografia analisada nesta pesquisa, aqueles setores integrantes da
sociedade civil, que ao longo do período de ocupação das escolas, se posicionaram contra a ação do
movimento dos estudantes, inclusive os agredindo verbal e fisicamente, além de, permanentemente,
defenderem a imediata desocupação das unidades escolares.
123
Por fim, considerando os fins para os quais o estudo se propôs, bem com os
seus limites, demonstraremos quais os aspectos jurídicos que permearam o
Movimento de Ocupação das Escolas. E que, no centro do movimento estudantil, está
a busca da qualidade no sistema educacional público brasileiro e contra os entraves
existentes para os avanços almejados nessa importante política pública.
É entre o que diz a legislação vigente32 e o que demonstra a realidade do
sistema educacional brasileiro que deveremos aferir o “nível” da qualidade da escola
pública à disposição do estudante do Ensino Básico em nosso país. Com o olhar
nesse sentido, logo percebemos quão cristalina é a discrepância entre a previsão legal
e o que os alunos vivenciam no interior das escolas, eis que evidente o
descumprimento do previsto legalmente, ao ponto do ensino público ser “palco” do
fenômeno aqui estudado, cuja pauta estudantil, de natureza plural, se referia, em
primeira mão, à manutenção de direitos já conquistados, ao passo que a pretensão
dos governos, por seu turno, embora com outro discurso, estava no sentido contrário
e com vistas à contenção de despesa, o que significava desconsiderar direitos outrora
conquistados e, portanto, já assegurados pelo sistema jurídico vigente.
E essa luta pela garantia de direitos foi verbalizada vastamente e com força
pelos estudantes no Paraná, de acordo com a fala da estudante Ana Julia Pires
Ribeiro na Assembleia Legislativa Paranaense (ALEP) durante as ocupações das
escolas do Estado no segundo semestre de 2016.
32Constituição Federal 1988, Título VIII, Capítulo III; LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nº 9.394 de 1996; Plano Nacional de Educação – Lei Federal 13.005 de 2014.
124
Sou apoiador das ocupações por saber o grande impacto negativo que vai
ocorrer com a aprovação da PEC 241, atual PEC 55/16 e da MP 746, a
primeira quer congelar investimentos de áreas precárias, como a educação,
onde há congelamento não há evolução. A segunda reorganiza o Ensino
Médio de modo que estudantes trabalhadores pobres serão prejudicados,
porque vão ter que escolher estudar ou até mesmo passar fome (DIVARDIM;
SCHMIDT; SOBANSKI, 2016, p. 143).
pretensões de alcançar uma real qualidade na educação brasileira, com vasto prejuízo
aos estudantes e à sociedade como um todo, o que coloca o país na contramão dos
compromissos assumidos no plano internacional e com a própria sociedade brasileira,
ao mesmo tempo em que contrapõe os avanços obtidos através da legislação
aprovada nos últimos anos e até 2014, inclusive no que se referem ao PNE (Plano
Nacional de Educação), além dos demais direitos assegurados aos estudantes pelo
marco constitucional e infraconstitucional de acordo com o debate a seguir delineado.
autoridade competente” (BRASIL, 1988). Aqui, pelo que se vê, parece se encontrar o
“nó górdio” que precisa ser desatado, pois, como é certo, os estudantes integrantes
do Movimento de Ocupação das Escolas se reuniram de forma pacífica e sem armas
em local público e cujo evento, pelo que demonstra este estudo, era do conhecimento
das autoridades públicas. O problema, de acordo com as próprias alegações do
governo e do contra movimento, é que o mesmo espaço é destinado para outros
estudantes com pensamento contrário daquele defendido pelos secundaristas
ocupantes das escolas.
E, ainda, quanto ao direito à manifestação, precisamos verificar o disposto no
art. 5º, inciso XVII, da Constituição Federal da República, eis que assim estabelece,
vejamos: “é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter
paramilitar” (BRASIL, 1988). Portanto, mais uma vez, não se observa nenhuma
ilegalidade nas ações estudantis, pois os secundaristas, de acordo com os estudos,
sempre se associaram, tanto em 2015 em São Paulo, quanto em 2016 no Paraná,
para fins lícitos e à margem de qualquer pretensão paramilitar.
Os três dispositivos constitucionais retromencionados asseguram, portanto,
aos estudantes do Movimento de Ocupação das Escolas, a exemplo de qualquer outro
brasileiro, o direito à liberdade de pensamento e expressão, bem como de reunião e
associação, no entanto, sem que seja possível fugir da polêmica já estabelecida. E o
motivo do embate tem a sua razão de ser, pois “A liberdade de expressão de
pensamento é tida por uma das mais importantes. Talvez por isso mesmo seja das
que maior número de problemas levanta” (BASTOS, 1996, p. 173).
Na esteira do direito à liberdade de expressão, o direito de reunião e
associação, também, nem sempre conseguem se afastar da polémica, pois ainda de
acordo com Celso Ribeiro Bastos (1996), somente no início do século passado é que
as liberdades coletivas passaram a ter espaço no direito positivo europeu, que por sua
vez, influenciou a legislação brasileira.
33
CAMPOS, Antonia M; MEDEIROS, Jonas; RIBEIRO, Marcio M. “Escolas de Luta”. São Paulo:
Veneta, 2016.
34 SCHMIDT, Maria Auxiliadora; DIVARDIM, Thiago; SOBANSKI, Adriane. “Ocupa PR 2016: Memórias
de 1988, eis que fundamento primeiro de decisão judicial proferida pelo judiciário
paulista, uma vez que disciplina o seguinte: “A educação, direito de todos e dever do
Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Pelas mesmas razões,
eis o disciplinado no art. 206, inciso VI, também da Constituição Federal: “O ensino
será ministrado com base nos seguintes princípios: “[...] VI - gestão democrática do
ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 1988).
E, seguindo os mandamentos constitucionais, como amparo imediato à
comunidade escolar, afloram as normas infraconstitucionais relacionadas à área
educacional e que asseguram o direito dos cidadãos, pais e estudantes, de influenciar
nas decisões administrativas relacionadas à matéria, a rigor do que reconhece a
decisão judicial citada no livro Escola de Luta e proferida em São Paulo e que diz o
seguinte:
O juiz Luiz Felipe Ferrari Bedendi (o mesmo que havia mudado de posição
em meados de novembro com relação ao pedido de reintegração de posse
das duas primeiras escolas ocupadas) foi responsável por julgar a ação civil
pública apresentada conjuntamente pelo MP e pela Defensoria Pública em
primeira instancia e, em sua decisão (datada de 16/12) suspendeu “todos os
efeitos da chamada reorganização escolar”. O governo tentou argumentar
que a ação civil teria perdido seu objeto tendo em vista que a “reorganização”
escolar já teria sido suspensa, com o decreto revogando o anterior publicado
no Diário Oficial. O juiz, porém, acolheu os pedidos do MP e da Defensoria,
em especial a “necessidade de implementação de agenda de debates e
participação popular ao longo de 2016”. Para ele, o principal ponto era que
“não se primou pela participação democrática na implementação de
projetos de tão grande intensidade”, algo problemático pois “a condução
do governo, num Estado Democrático, pressupõe a participação do
povo” e a gestão democrática do ensino público é um princípio constitucional
(artigo 206, inciso VI) regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases, a LDB
(artigo 14) (CAMPOS; MEDEIROS; RIBEIRO, 2015, p. 316- 17, grifos dos
autores).
De tudo que se apurou nos diálogos traçados, tanto em audiência como nas
visitas realizadas, é que as ocupações possuem como fundamento a
oposição à Medida Provisória (MP) n. 746/16 e à Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) n. 241/16. Segundo os estudantes, a MP e a PEC
poderão ocasionar profundos impactos sobre o exercício do direito
constitucional à educação. Ora, todos os brasileiros, mas principalmente os
estudantes e os professores, são diretamente interessados em debater
medidas adotadas pelos Poderes da República que influenciarão os rumos
da educação no país (PARANÁ, 2016).
E não é só, dentre outros autores que têm participação nessa discussão,
também citamos Alexandre Viana Araújo (2003), autor da dissertação “Políticas
Educacionais e Participação Popular: Um Estudo Sobre Esta Relação no Município
de Camaragelo – PE”, onde é salientado a articulação do governo brasileiro com as
agências internacionais e a concepção neoliberal.
Quantos aos fins da gestão democrática pelo viés neoliberal, vejamos o que
dizem Maria do Carmo Gonçalo Santos e Mônica Patrícia da Silva Sales (2012) no
artigo “Gestão Democrática da Escola e Gestão de Ensino: A Contribuição Docente à
Construção da Autonomia do Ensino”, quando estabelecem debate sobre o assunto e
salienta que no contexto neoliberal as parcerias realizadas não contribuem de forma
estrutural para obtenção da qualidade educacional.
35De acordo com Maria Helena Diniz: O direito público seria aquele que regula as relações em que o
Estado é parte, ou seja, rege a organização e atividade do Estado considerado em si mesmo (direito
constitucional), em relação com outro Estado (direito internacional), e em suas relações com os
particulares, quando procede em razão de seu poder soberano e atua na tutela do bem coletivo (direitos
administrativo e tributário). O direito privado é o que disciplina as relações entre particulares, nas quais
predomina, de modo imediato, o interesse de ordem privada, como compra e venda, doação, usufruto,
casamento, testamento, empréstimo, etc (DINIZ, 2006, p. 255).
149
[...] Exposto isso, tenho que a medida postulada pelo autor reúne os requisitos
legais para ser deferida. A posse anterior dos colégios estaduais pelo ente
público autor – Estado do Paraná é inconteste, a teor do que dispõe o art.
211, § 3º da Constituição Federal, que atribui aos Estados-membros a
atuação prioritária no ensino fundamental e médio, o que confere ao ente o
direito de reaver a posse esbulhada. Isto, por si só, demonstra o requisito do
fumus boni iuris ou probabilidade do direito, aliado ao fato de que, se ao
Estado é obrigatória a prestação dos serviços relacionados à educação, aos
estudantes é assegurado o direito de acesso ao ensino, direito este que está
sendo impossibilitado pela atuação dos requeridos. Ainda que a ocupação
seja levada a efeito por inúmeros estudantes, vislumbro que os demais alunos
e também o corpo docente, funcionários da educação e etc têm o direito de
não terem os serviços interrompidos sem legítimo motivo. Não se quer
dizer que aos indivíduos não é dado o direito de reunião, protesto,
participação na política da educação e liberdade de expressão/manifestação
– direitos estes garantidos pela Carta Magna como fundamentais – porém, o
exercício de qualquer direito não pode ser considerado absoluto, devendo
haver compatibilização entre os demais direitos fundamentais, de modo que,
a priori, denota-se que a atuação dos requeridos está a prejudicar o próprio
funcionamento do acesso à educação. De outra manda, nada impede a
existência de protestos e manifestações pacíficas, levadas a efeito com
ponderação e razoabilidade, a fim de não trazerem maiores prejuízos a
própria sociedade, demonstrando que a garantia desses direitos não legítima
o esbulho possessório sobre os imóveis que sediam os colégios estaduais,
com o impedimento da normal ministração das aulas (PARANÁ, 2016, grifo
nosso).
O fenômeno jurídico, embora seja um só, pode ser encarado sob mais de um
ângulo. Vendo-o como um conjunto de normas que a todos se dirige e a todos
vincula, temos o direito objetivo. É a norma da ação humana, isto é, a norma
agendi. Se, entretanto, o observador encara o fenômeno através da
prerrogativa que para o indivíduo decorre da norma, tem-se o direito
subjetivo. Trata-se da faculdade conferida ao indivíduo de invocar a
152
E Maria Helena Diniz por sua vez, ao se referir a Goffredo Telles Jr, conceitua
direito subjetivo, esclarecendo que se refere à possibilidade do titular do direito de
exercer ou não a prerrogativa, ao mesmo tempo em que poderá, se quiser,
responsabilizar a autoridade pública caso o serviço não esteja à disposição a contento
e nos termos previstos legalmente, e o faz da seguinte maneira.
O direito subjetivo, para Goffredo Telles Jr, é a permissão, dada por meio de
norma jurídica válida, para fazer ou não fazer alguma coisa, para ter ou não
ter algo, ou, ainda, a autorização para exigir, por meio de órgãos competentes
do poder público ou através de processos legais, em caso de prejuízo
causado por violação de norma, o cumprimento da norma infringida ou a
reparação do mal sofrido (DINIZ, 2006, p. 246).
Diante de tudo isso, é fato que os juízes que proferiram decisões favoráveis
ao Estado e contra o movimento dos estudantes que ocuparam as escolas, em razão
da desconsideração ao direito vigente dos estudantes, se alinharam aos interesses
do contra movimento, portanto, adentraram no campo da luta de classes. E o primeiro
aspecto desse fator a ser abordado, além dos já mencionados acima, se refere ao não
atendimento do princípio da proteção integral previsto no art. 227, da Constituição
Federal e art. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, também já referidos nos
tópicos anteriores.
Outro fator adotado pelo Poder Judiciário através dos magistrados que
proferiram decisões contra os estudantes ocupantes, e aqui trata-se de problema
principiológico, considerando o constatado na pesquisa, se refere à adoção dos
fundamentos do direito privado em litígios de interesse público, como é o caso em
estudo. Com isso, pelo fato dos magistrados terem fundamentado suas decisões no
direito possessório e no direito de propriedade, desconsideraram o interesse
iminentemente público em conflito, no caso, o que é assegurado às crianças e aos
adolescentes através de Lei Federal e da Constituição da República. E o que é pior,
a adoção da referida linha de entendimento foi o fundamento de decisões em liminares
de reintegração de posse que ensejaram desocupações, portanto, altamente
prejudicial aos direitos dos secundaristas integrantes das ocupações.
O direito de propriedade também é um direito subjetivo, no entanto particular,
ao passo que ao envolver o interesse público, vinculando o Estado e os direitos
subjetivos públicos, como os educacionais das crianças e adolescentes, o ângulo de
visão e a tomada de decisão adquirem outro viés.
Nesse sentido, vejamos o entendimento de Celso Ribeiro Bastos quanto ao
assunto, uma vez que esclarece que ao tratar sobre a propriedade privada pelo ângulo
dos direitos subjetivos, precisa ser observado se o proprietário é o Estado ou o
particular. No caso, o particular exerce o direito como subjetivo, porém sendo o ente
estatal, a realidade é outra, considerando as limitações oriundas da legislação.
36 Citamos os dispositivos do Código de Processo Civil (art. 1.210) e do Código Civil (art. 560), com o
fim de facilitar a compreensão dos conceitos de posse, uma vez que realizado tanto pela legislação
quanto pelos juristas, cujo debate, neste estudo, consideramos de fundamental importância, uma vez
que se referem ao direito privado, e que, porém, foi usado por setores do Poder Judiciário para dirimir
litígios onde o interesse predominante era de crianças e de adolescentes, portanto, público.
155
A par do acima alegado, fazendo pender a balança para o lado oposto dos
interesses dos estudantes, entendemos que deve ser considerada a formação
ideológica de integrantes do Judiciário, a exemplo das demais esferas de poder na
República brasileira, uma vez que as linhas de pensamento que permeiam a
sociedade, por obvio, também atingem os espaços de decisão, pois, conforme Diniz
(2006, p. 495), ao discutir o papel da ideologia na aplicação jurídica, afirma “O sistema
jurídico está embebido de ideologia valorativa; logo, o magistrado ao aplicar o direito,
também o está, pois há, de sua parte, uma prévia escolha, de natureza axiológica,
dentre as várias soluções possíveis”. Com relação a esse ponto, para uma resposta
mais aprofundada, é necessário estudo sobre o contra movimento, uma vez que uma
grossa camada se opôs aos estudantes ocupantes no decorrer de todo o processo
das ocupações, de acordo com o que foi demonstrado nos capítulos anteriores, onde
se vê, de forma bastante clara, uma posição de classe, e aí, entendemos que devem
ser incluídos os integrantes da magistratura que se desviaram da legislação vigente e
aplicaram normas do direito privado em prejuízo dos estudantes.
Para a segunda explicação, nos termos prometidos acima, nos reportamos
ao que diz o educador Fernando José Martins no livro “A Ocupação da Escola: Uma
Categoria em Construção”, uma vez que o referido autor demonstra que as aquisições
dos direitos ocorrem através da politização dos sujeitos e na comumente luta no seio
do sistema vigente como um todo. E que, a fonte primeira nesse processo de
conquista, se refere às condições fundamentais de sobrevivência das pessoas,
justamente o que fizeram os secundaristas ocupantes, pois todo o processo de luta
implementado visou, em essência, melhores condições de vida, uma vez que.
Com tudo isso, a partir dos aspectos estudados, importantes passos foram
dados para a demonstração da legalidade do Movimento de Ocupação das Escolas.
E isso foi possível, considerando os direitos educacionais já conquistados e
integrantes do sistema jurídico, de acordo com o demonstrado ao longo desse estudo.
Da mesma forma, consideramos que o Movimento de Ocupação das Escolas e suas
respectivas ações, são fenômenos amparados na legislação, portanto, legal, uma vez
que os estudantes não foram ouvidos na formulação das políticas educacionais e, por
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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 – REFERÊNCIAS
BRASIL. Código Civil: Lei Federal 10.406 de 10 de janeiro de 2002. 54ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
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implementação. Disponível em: <http://escoladegestores.mec.gov.br/site/4-
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PARO, Vitor Henrique. Administração Escolar: introdução crítica. 17. ed. São
Paulo: Cortez, 2012.
ANEXOS
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