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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE UERN

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL


DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS
Campus Central – BR 110 – km 46 – Rua Prof. Antônio Campos, s/n - Costa
e Silva. CEP: 59.633-010 - Caixa Postal 70 - Mossoró – RN. Telefones:
(84)3315-2212/2210

ENTRE MUROS E AFETOS: a sexualidade de jovens autores de ato


infracional no CASE-Mossoró

ARTUR FERNANDES DE MOURA

MOSSORÓ – RN
2019
ARTUR FERNANDES DE MOURA

ENTRE MUROS E AFETOS: a sexualidade de jovens autores de ato


infracional no CASE-Mossoró

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social e Direitos
Sociais, da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, como requisito obrigatório
para obtenção do título de Mestre em Serviço
Social e Direitos Sociais.

Orientadora: Profa. Dra. Gláucia Helena


Araújo Russo.

MOSSORÓ-RN
2019
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

M929e Moura, Artur Fernandes

Entre muros e afetos: a sexualidade de jovens autores


de ato infracional no CASE-Mossoró. / Artur Fernandes
Moura. - Mossoró, 2019.

147p.

Orientador(a): Profa. Dra. Gláucia Helena Araújo


Russo.
Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social e Direitos Sociais).
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

1. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e


Direitos Sociais. 2. Sexualidade. 3. Socioeducação. 4.
Juventude. I. Russo, Gláucia Helena Araújo. II.
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.
ARTUR FERNANDES DE MOURA

ENTRE MUROS E AFETOS: a sexualidade de jovens autores de ato


infracional no CASE-Mossoró

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Serviço Social e Direitos
Sociais – PPGSSDS – como requisito
obrigatório para a obtenção do título de
Mestre em Serviço Social e Direitos Sociais.

Aprovado em: 31/10/2019

Banca Examinadora
__________________________________________
Profª. Dra. Gláucia Helena Araújo Russo
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

__________________________________________
Profª. Dra. Samya Rodrigues Ramos
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

__________________________________________
Profª. Dra. Leila Maria Passos de Souza Bezerra
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Ao corpo docente da UERN,
pela luta cotidiana por uma educação
gratuita, laica e de qualidade.
AGRADECIMENTOS

Os passos que me trouxeram até aqui, e constituiu esse trabalho como fruto, foi o
resultado de um esforço individual e coletivo feito a muitas mãos. A experiência
proporcionada pelo mestrado me fez construir e rever conceitos, bem como ter a
oportunidade de conhecer e trocar saberes com pessoas éticas e comprometidas a quem
sou eternamente grato.
Gostaria de agradecer, primeiramente, a minha mãe, Elineide, por todo o suporte
e ensinamentos fundamentais como a honestidade, humildade e coragem. Esses valores
têm sido meu norte na busca daquilo que almejo ser. Ademais, deixo minha singela e
sincera gratidão a minha tia, Antônia, por todo o suporte e amor incondicional durante o
primeiro ano de mestrado. Sem a ajuda de vocês, essa experiência não teria sido possível.
À Diogo Runo, meu namorado e amigo, com quem tenho dividido nos últimos
cinco anos alegrias, angústias e realizações. O seu companheirismo, amizade e amor
deixou esse processo muito mais leve.
As minhas irmãs, Maiara e Emanuela, pelo apoio moral e, muitas vezes, financeiro
nos momentos de dificuldades.
À Dona Lurdinha, Luciene, Tânia, Adrielly e Lorena por serem minha segunda
família em Mossoró/RN. Palavras não são suficientes para descrever tudo aquilo que
vocês fizeram por mim nesse período.
À minha orientadora e, agora, amiga, Gláucia Helena, a quem tenho como
exemplo de profissional ética, comprometida e competente. Grato por sua confiança,
sensibilidade e compreensão, sobretudo, diante das minhas limitações. A troca de saberes
nos espaços de orientação, pesquisa e sala de aula além de contribuírem na minha
formação profissional também teve importante papel na minha formação humana.
À Samya Ramos, uma referência ética e humana. Sua generosidade, amizade e
afeto sensibilizam a todos que tem o privilégio de conviver com você. Agradeço pelo
cuidado e disponibilidade em participar na construção desse trabalho.
À Leila Passos, pela disposição e sensibilidade em contribuir com a minha
dissertação. Grato pelas pertinentes e importantes contribuições feitas.
Aos jovens participantes dessa pesquisa, pela disponibilidade e confiança em
compartilhar trajetórias tão intimas. Espero contribuir para dá visibilidade ao exercício
da sexualidade no Sistema Socioeducativo.
À equipe técnica e direção do Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) de
Mossoró por todo o suporte material e imaterial para a realização da pesquisa. Gratidão
pelo respeito e receptividade durante todo esse processo.
À Lucilma e Mizzaely pela amizade e auxílio durante todo o processo das oficinas.
Sem vocês essa pesquisa não teria sido possível.
Aos amigos de graduação, especialmente, Elizabeth (Beth), Raí, Dayane e Samara
pela contribuição teórica e moral durante a construção da dissertação.
Aos colegas da turma de mestrado, especialmente, Lucilma e Karoline com quem
tenho partilhado as angústias e desafios durante o mestrado. Grato pelo suporte emocional
e caronas. Faço votos que esses laços de amizade ultrapassem os muros da universidade.
Aos docentes do PPGSDS/UERN, pelos debates, trocas, reflexões e contribuições
feitas em sala de aula.
Aos servidores técnico-administrativos e terceirizados do Departamento de
Serviço Social da UERN, em especial, a Wescley e Jaine pelo atendimento respeitoso e
pró-ativo.
RESUMO

A sexualidade constitui-se um aspecto intrínseco a individualidade de homens e mulheres.


Todavia, na contemporaneidade, apesar das lutas coletivas de diversos sujeitos civis e
políticos em defesa do livre exercício da sexualidade, percebemos ainda o
recrudescimento de ações e medidas conservadoras em todas as esferas da vida cotidiana.
No âmbito de execução da medida socioeducativa de internação esses conflitos não estão
ausentes. Desse modo, neste trabalho, em específico, buscamos investigar como ocorre o
exercício da sexualidade dos jovens autores de ato infracional no Centro de Atendimento
Socioeducativo (CASE) no município de Mossoró-RN. Como objetivos específicos
visou-se: apreender a percepção dos jovens sobre as orientações sexuais e as identidades
de gênero; compreender como os jovens autores de ato infracional vivenciam sua
sexualidade no contexto de privação de liberdade e investigar se a privação de liberdade
influência nas práticas e na orientação sexual dos jovens autores de ato infracional.
Partindo dos nossos objetivos, realizamos um levantamento bibliográfica, relativo à
temática abordada, referente às categorias juventude, sexualidade e socioeducação, tendo
como principais aportes teóricos: Abramo (2005), Barroco (2011; 2015), Bezerra (2015),
Butler (2015) Cisne e Santos (2017), Diógenes (1998; 2012), Faleiros (2005; 2011),
Foucault (2013; 2014), Garland (1999; 2012), Heilborn (1999), Rizzini (2007; 2011a;
2011b), Sá (2011), Machado (2004), Welzer-Lang (2004), Prado (2012), Veyne (1987),
Weeks (2000), Louro (2000), Santos (2008), Heller (2016), Loyola (1999), Trassi e
Malvasi (2010), dentre outros. Para a materialização dessa pesquisa fizemos,
primeiramente, uma observação sistemática do campo de pesquisa durante seis meses e,
em seguida, realizamos um total de oito oficinas a partir de temáticas: “sexualidade e
privação de liberdade” e “orientações sexuais e representações de gênero”. Dentre os
participantes das oficinas realizamos dez entrevistas com os jovens que mais se
destacaram e se disponibilizaram a participar. Desse modo, evidenciamos que o exercício
da sexualidade, via de regra, não é garantido pelo centro socioeducativo. Os jovens
privados de liberdade, quase sempre, precisam elaborar estratégias para vivenciar sua
sexualidade. Seja por meio da relação sexual com outros internos, seja através da
masturbação. Todavia, contraditoriamente, os sujeitos LGBT são submetidos a um poder
apassivante tanto institucional como dos demais internos. Ademais, nesse contexto, os
internos buscam performar no cotidiano institucional um modelo de masculinidade
específico. Consequentemente, esse modo de ser homem forjado nas sociabilidades
delitivas requer das mulheres papéis sociais também demarcados por esse regime de
gênero.
Palavras-chave: Sexualidade. Socioeducação. Juventude.
ABSTRACT
The sexuality is an intrinsic aspect of the individuality of men and women. However, in
contemporary times, despite the collective struggles of various civil and political subjects
in defense of the free exercise of sexuality, we still perceive the resurgence of
conservative actions and measures in all spheres of daily life. Within the scope of the
socio-educational measure of internment these conflicts are not absent. Within the scope
of the socio-educational measure of internment these conflicts are not absent. Thus, in
this work, specifically, we seek to investigate how the exercise of sexuality of Young
occurs at the Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE) in Mossoró district. The
specific objectives were: to apprehend the perception of young people about sexual
orientations and gender identities; understand how young offenders experience their
sexuality in the context of deprivation of liberty and; to investigate whether deprivation
of liberty influences the sexual practices and sexual orientation of young offenders. Based
on our objectives, we conducted a bibliographic survey on the thematic approached,
referring to the categories of youth, sexuality and socio-education, having as main
theoretical contributions: Abramo (2005), Barroco (2011; 2015), Bezerra (2015), Butler
(2015) Cisne e Santos (2017), Diógenes (1998; 2012), Faleiros (2005; 2011), Foucault
(2013; 2014), Garland (1999; 2012), Heilborn (1999), Rizzini (2007; 2011a; 2011b), Sá
(2011), Machado (2004), Welzer-Lang (2004), Prado (2012), Veyne (1987), Weeks
(2000), Louro (2000), Santos (2008), Heller (2016), Loyola (1999), Trassi e Malvasi
(2010), among others. To materialize this research, we first made a systematic observation
of the research field for six months and then held a total of eight workshops based on two
generating themes: “sexuality and deprivation of liberty” and “sexual orientations and
representations of gender". Among the workshop participants we conducted ten
interviews with the young people who stood out. Thus, we show that the exercise of
sexuality, as a rule, is not guaranteed by the socio-educational center. Young people
deprived of liberty almost always need to devise strategies to experience their sexuality.
Whether through sexual intercourse with other inmates or through masturbation.
However, contradictorily, LGBT people are subjected to a passive power from both
institutional and other inmates. Moreover, in this context, the interns seek to perform in
the institutional daily life a specific model of masculinity. Consequently, this mode of
being a man forged in criminal sociability requires from women social roles also
demarcated by this gender regime.
Key-Words: Sexuality. Socioeducation. Youth.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12
1.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS ....................................................................... 14
2 (IN) VISIBILIDADE E REPRESSÃO: O JOVEM AUTOR DE ATO
INFRACIONAL EM CENA ........................................................................................ 25
2.1 AS BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO
BRASIL: DA PUNIÇÃO A PROTEÇÃO? .................................................................. 25
2.2 JUVENTUDE(S) E ATO INFRACIONAL: A CONSTRUÇÃO DE UMA
IDENTIDADE NEGOCIADA ....................................................................................... 44
3 SEXUALIDADES: PARA ALÉM DA NORMATIVIDADE DOMINANTE . 61
3.1 SEXUALIDADES: IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL
EM DEBATE ................................................................................................................. 61
3.2 SUJEITO MASCULINO: A CONSTRUÇÃO DO SER HOMEM NO
OCIDENTE... ................................................................................................................. 75
4 “Se essas bichinhas vier com macacada pro meu lado...”: O EXERCÍCIO DA
SEXUALIDADE DOS JOVENS AUTORES DE ATO INFRACIONAL NO CASE-
MOSSOSÓ .................................................................................................................... 89
4.1 APRISIONANDO SEXUALIDADES: A PERCEPÇÃO DOS JOVENS
AUTORES DE ATO INFRACIONAL DO CASE-MOSSORÓ ................................... 89
4.2 HETEROSSEXUALIDADE VERSUS HOMOSSEXUALIDADE:
IDENTIDADES NEGOCIADAS NO CONTEXTO DE PRIVAÇÃO DE
LIBERDADE? .............................................................................................................. 103
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 123
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 127
APÊNDICES ............................................................................................................... 137
APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA .......................................................... 137
APENDICE B – PLACAS E REVISTAS UTILIZADAS NAS OFICINAS SOBRE
“SEXUALIDADE E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE” E “ORIENTAÇÕES SEXUAIS
E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO ........................................................................ 138
APÊNDICE C - IMAGENS UTILIZADAS NA OFICINA “ORIENTAÇÕES
SEXUAIS E REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO” .................................................... 139
APÊNDICE D - MÚSICAS UTILIZADAS NA OFICINA“SEXUALIDADE E
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE”............................. ..................................................... 141
APÊNDICE E - ROTEIRO DE FRASES UTILIZADAS NA OFICINA
“SEXUALIDADE E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE” ............................................... 142
APÊNDICE F - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ........ 143
APÊNDICE G - TERMO ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ................. 145
APÊNDICE H - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE ÁUDIO ................ 147
12

1 INTRODUÇÃO

A escolha pela presente proposta de investigação, longe de ser neutra, surgiu a partir da
experiência de estágio e pesquisa vivenciada no cotidiano de um centro socioeducativo de
privação de liberdade no município de Fortaleza (realizado de junho de 2014 à maio de 2016)
onde pode-se observar uma ausência de capacitação e, consequentemente, de conhecimento
sobre as questões relacionadas a sexualidade dos jovens em situação de privação de liberdade.
Tal observação se comprovou no processo de pesquisa monográfica realizada no Centro
Educacional São Miguel (CESM), onde se constatou a reprodução de juízos de valores e
concepções fundamentalistas por parte, sobretudo, dos socioeducadores sobre as orientações
sexuais e as identidades de gênero dos adolescentes internos (MOURA, 2016). Diante disso,
observamos que esta ausência de conhecimento sobre as questões que envolvem a sexualidade
propicia o surgimento de socializações violentas e condições de submissão de determinados
sujeitos, sobretudo, os homossexuais, travestis e transexuais.
Assim, a partir dessa inquietação buscamos compreender como os jovens autores de ato
infracional vivenciam sua sexualidade no contexto de privação de liberdade 1. Inicialmente,
planejamos investigar os centros socioeducativos de internação no munícipio de Fortaleza-CE.
Contudo, nesse período a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento
Socioeducativo (SEAS) do Estado do Ceará tinha determinado a suspensão de todas as
pesquisas nos centros socioeducativos do estado. Desse modo, buscando viabilizar a pesquisa,
tomamos como lócus de investigação o Centro de Atendimento Socioeducativo (CASE),
Mossoró2, localizado na rua Prof. Anderson Araújo, s/n, no referido município. O CASE-
Mossoró caracteriza-se por ser uma unidade de privação de liberdade que operacionaliza a
medida socioeducativa de internação3. No âmbito do Rio Grande do Norte, as primeiras
unidades socioeducativas de privação de liberdade surgiram em 1973, na vigência do primeiro
Código de Menores, de 1927, foi naquele mesmo ano, inclusive, que foi aprovada e, em 1944,

1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
– Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

2
Em 2019 as unidades socioeducativas do Rio Grande do Norte alteraram as nomenclaturas dos centros
socioeducativos do Estado a partir da publicação da portaria número 255/2018 em vigor em 20 de novembro de
2018. Anteriormente a essa modificação, o CASE-Mossoró era denominado de Centro Educacional de Mossoró
(CEDUC-Mossoró).
3
A medida socioeducativa (MSE) de internação está prevista no artigo 121 do ECA. De acordo com a lei, a
aplicação da MSE de privação de liberdade é regida por três princípios fundamentais, quais sejam o da brevidade,
excepcionalidade e do respeito à condição peculiar do adolescente (BRASIL, 1990).
13

criada a Fundação Estadual do Bem-Estar Social, atual Fundação de Atendimento


Socioeducativo do Estado do RN (FUNDASE). Desse modo, o CASE-Mossoró, após diversas
reformas, é reinaugurada, em 2017, com a promessa de se tornar a primeira unidade modelo do
país, totalmente em acordo com os princípios constitutivos e parâmetros arquitetônicos exigido
pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Seu público-alvo é
adolescentes e jovens autores de ato infracional, na faixa etária de 12 a 21 anos, tendo como
capacidade máxima 48 internos.
Cabe destacar que no contexto potiguar a Fundação Estadual da Criança e do
Adolescente (FUNDASE) do Estado do Rio Grande do Norte, responsável pela gestão do
Sistema Socioeducativo do estado, em janeiro de 2016 promulgou a Portaria N° 005/16-GP4
que institui e implementa as normas de procedimentos, acesso e permanência de adolescentes
LGBT5 no âmbito da FUNDASE/RN, com vista as garantias dos seus direitos fundamentais.
Tal portaria constitui um importante avanço na defesa dos direitos dos adolescentes e jovens
autores de ato infracional LGBT, sobretudo, no âmbito da medida socioeducativa de internação.
Todavia, embora estes novos dispositivos normativos representem garantias legais para
os adolescentes e jovens LGBT em cumprimento da medida socioeducativa de internação, essa
população ainda encontra barreiras na materialização de direitos básicos como a utilização do
nome social nos centros socioeducativos brasileiros, por exemplo. (MOURA, 2016). Somado a
isso, o “Monitoramento do Sistema Socioeducativo” realizado pelo Fórum DCA, em 2014,
concluiu que somente 14% das unidades socioeducativas executam o Plano Individual de

4
Tal Portaria é ratificada em 17 de outubro de 2017, com a Portaria Nº 230/2017, que estabelece os parâmetros de
acesso da população LGBT nas unidades de atendimento socioeducativo do Estado do Rio Grande do Norte.
5
LGBT ou ainda, LGBTTTs, é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (o 's'
se refere aos simpatizantes). Embora refira apenas seis, é utilizado para identificar todas as orientações sexuais
minoritárias e manifestações de identidades de gênero divergentes do sexo designado no nascimento. Inicialmente,
o termo mais comum era GLS, sendo a representação para: gays, lésbicas e simpatizantes. Com o crescimento do
movimento contra a homofobia e da livre expressão sexual, a sigla GLS foi alterada para GLBS, ou seja Gays,
Lésbicas, Bissexuais e Simpatizantes que logo foi mudado para GLBT e GLBTS com a inclusão da categoria dos
transgêneros (travestis, transexuais, transformistas, crossdressers etc.). Atualmente a sigla mais completa em uso
pelos movimentos homossexuais é LGBTTIS, que significa: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros,
Transexuais, Intersexuais e Simpatizantes, sendo que o “S” de simpatizantes pode ser substituído pela letra “A”
de Aliados ou ainda acrescido a Letra “Q” de Queer que não é muito comum, porém é utilizada em alguns países
e por alguns grupos do movimento gay. A inclusão do “L” na frente da sigla do movimento gay deu-se pelo grande
crescimento do movimento lésbico e pelo apoio da comunidade gay às mulheres homossexuais. O termo atual
oficialmente usado para a diversidade no Brasil é LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e
trangêneros). A alteração do termo GLBT em favor de LGBT foi aprovada na 1ª Conferência Nacional GLBT
realizada em Brasília no período de 5 e 8 de junho de 2008. (BRASIL, 2008).
14

Atendimento (PIA)6. Portanto, a execução da medida socioeducativa de internação ocorre sem


planejamento, de forma improvisada e com poucas condições para que o processo pedagógico
seja, de fato, efetivado. (FORUM DCA, 2014). Observamos que no CASE-Mossoró, por
exemplo, a implementação do PIA iniciou-se, somente, em junho de 2018. Além disso, as
questões relacionadas a sexualidade não são contempladas nesse instrumento pedagógico.
Nesse sentido, apesar dos instrumentos normativos, teoricamente, protegerem os
direitos fundamentais dos adolescentes e jovens pertencentes as orientações sexuais e
identidades de gênero socialmente dissidentes, percebe-se ainda que a sexualidade dos sujeitos
privados de liberdade passou a ser utilizada como um instrumento de punição. Em outras
palavras, a imposição da matriz heteronormativa na dinâmica institucional reforça normas sobre
o desejo, gênero e práticas sexuais dos jovens repercutindo diretamente no exercício da sua
sexualidade e, consequentemente, nas relações estabelecidas entre os internos privados de
liberdades. Em síntese, o imperativo heterossexual estabelece uma “hierarquização sexual” e
cria mecanismos de controle sexuais que, em suma, submete determinados sujeitos a situações
de violência física, psicológica e simbólica. Estes sujeitos são, na sua maioria, os jovens com
orientações sexuais e identidades de gênero socialmente dissidentes.
A fim de um maior aprofundamento acerca desse processo, este estudo tem como
objetivo geral: analisar o exercício da sexualidade dos jovens autores de ato infracional no
Centro Atendimento Socioeducativo (CASE-Mossoró) que operacionaliza a medida
socioeducativa de internação no referido município. Logo, como objetivos específicos,
buscamos: apreender a percepção dos jovens sobre as orientações sexuais e as identidades de
gênero; compreender como os jovens autores de ato infracional vivenciam sua sexualidade no
contexto de privação de liberdade; investigar se a privação de liberdade influência nas práticas
sexuais e na orientação sexual dos jovens autores de ato infracional. Desse modo, dialogar com
os sujeitos em situação de privação de liberdade tem como pressuposto compreender como eles
sentem, pensam e percebem sua sexualidade e as relações que estabelecem com os outros, de
maneira a colocá-los numa posição de reflexão sobre suas vidas, num desdobrar-se sobre si e
suas origens.

1.1 CAMINHOS METODOLÓGICOS

6
O Plano Individual de Atendimento (PIA), de acordo com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE, 2006) em seu artigo 52, constitui-se “um instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a
serem desenvolvidas com o adolescente”. É, portanto, um instrumento de fundamental importância, pois nele deve
constar a avaliação do adolescente bem como as atividades necessárias ao cumprimento da medida com vista a
ressocialização dos/das adolescentes. (FORUM DCA, 2014, p. 31).
15

O problema intelectual não surge sem estar articulado a vida real (MINAYO, 1994),
todo pesquisador parte do olhar, da vivência, e da realidade que ele mesmo está inserido. Nesse
sentido, compreendemos a pesquisa social como “o processo que, utilizando a metodologia
cientifica, permite a obtenção de novos conhecimentos no campo da realidade social”. (GIL,
1999, p. 42).
Portanto, temos como foco central dos nossos questionamentos o exercício da
sexualidade dos jovens autores de ato infracional no Centro de Atendimento Socioeducativo
(CASE-Mossoró)7. Para a construção da pesquisa, portanto, e, mais especificamente,
compreender o objeto pesquisado fez-se necessário discutir sobre as relações sociais que
engendram a subjetividade desses sujeitos privados de liberdade, necessitando não somente da
compreensão teórica, mas também da análise crítica do tecido social onde se (re)produz essas
relações.
Desse modo, partimos de uma abordagem qualitativa que nos permitiu analisar atitudes
e valores, possibilitando uma melhor compreensão da realidade. Visto esta ser permeada de
contradições e possibilidades, uma vez estarmos lidando com sujeitos da nossa própria história.
(MINAYO, 2006).
Nesse sentido, realizamos uma pesquisa bibliográfica, mediante leitura sistemática, bem
como fichamento das obras, com o intuito não só de construir uma discussão entre os dados
empíricos e as contribuições teóricas, mas também buscar condições para uma análise crítica
sobre a sexualidade dos sujeitos privados de liberdades.
Dessa maneira, apesar de partimos de uma perspectiva teórico crítica, buscamos mediar
o diálogo entre as diferentes perspectivas teóricas. Tanto do campo marxista como daqueles
alinhados a perspectiva pós-estruturalista. Visto a incontentável contribuição desses teóricos
nas temáticas relacionadas a sexualidade, dos sujeitos socialmente dissidentes e da privação de
liberdade. Assumimos, portanto, nesse trabalho à defesa do pluralismo de ideias. Pois, como
bem aponta Coutinho (1991), embora o pluralismo tenha surgido a partir do pensamento liberal
e, consequentemente, funcional a expansão e consolidação da formação social capitalista,
também garantiu a expansão da individualidade humana. O pluralismo significa a “[...] troca de
ideias, da discussão com o diferente, [...] [por meio dele] podemos afinar nossas verdades, fazer
com que a teoria se aproxime o mais possível do real. [...] No sentido de esclarecer nossas

7
A presente proposta de pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte (UERN), sob o título: “Adolescência, sexualidade e socioeducação: a vivência da sexualidade dos
adolescentes autores de ato infracional no CEDUC-Mossoró”. O projeto de pesquisa foi aprovado em 23 de julho
de 2018 sob o número do parecer 2.781.810.
16

posições em relação a aproximação a uma verdade cada vez mais abrangente”. (COUTINHO,
1991, p. 13).
Dito isso, apesar das mediações feitas no diálogo entre os diversos autores e
perspectivas, acreditamos ser pertinente priorizar, em determinadas discussões, análises feitas
na rede das microrrelações, posto serem estas essenciais para a apreensão do nosso objeto, além
de também nos dizer muito das relações estruturais. Destarte, demos ênfase ao aprofundamento
das categorias fundamentais para a análise do objeto em questão, tais como: juventude,
sexualidade e socioeducação. Para tanto, nos referenciamos em autores como Ariès (2014),
Butler (2000; 2016), Bourdieu (2002), Foucault (1984; 2014), Goffman (2015), Heilborn
(1999), Volpi (2011), Cisne e Santos (2017), Prado (2012) entre outros.
Diante dos tabus e nuances colocadas por essa temática, iniciamos o processo
investigativo em janeiro de 2018, cerca de 8 (oito) meses antes do início das atividades de
produção de dados. Assim, objetivando nos familiarizar e estabelecer uma relação de confiança
com os jovens autores de ato infracional, participamos semanalmente nesse período das
atividades realizadas pela a equipe técnica e pedagógica da instituição. Nessas oportunidades,
buscamos estabelecer um diálogo com os jovens sobre a temática e os convidamos para
participarem da pesquisa.
Nesse intercurso, na vasta gama de métodos e procedimentos capazes de fundamentar
uma pesquisa social, optamos, inicialmente, pela realização de oficinas8 por esta permitir a
visibilidade de argumentos, posições, construção e contrastes de visões de mundo subjetivo e,
portanto, por esta se constituir como uma ocasião privilegiadas para análise que vão sendo
elaboradas por meio do grupo. Para Spink et al (2014, p. 33), a oficina constitui-se um
exponencial instrumento de produção de dados, pois possibilita a “[...] negociação de sentidos,
permitindo a visibilidade de argumentos, posições, mas também deslocamentos, construção e
contraste de versões e, portanto, ocasiões privilegiadas para análises sobre produção de jogos
de verdade e processos de subjetivação”. Diante disso, para nós, esta ferramenta possibilitou a
exposição das percepções e significados relacionados a sexualidade e, mais especificamente, as
orientações sexuais e gênero dos jovens privados de liberdade, tanto durante o cumprimento da
medida socioeducativa de internação como no contexto das suas vidas cotidianas.
Nesse sentido, as oficinas foram construídas a partir de duas temáticas centrais:
“sexualidade e privação de liberdade” e “Orientações Sexuais e representações de gênero”.
Ao todo, vinte sete jovens participaram das oficinas. No primeiro tema, participaram um total

8
Ver apêndice B – Placas e revistas utilizadas nas oficinas sobre “Sexualidade e Privação de Liberdade” e
“Orientações Sexuais e Representações de Gênero”.
17

de vinte jovens em quatro momentos distintos. Já na oficina sobre “Orientações Sexuais e


representações de gênero”, participaram quinze jovens em outros três momentos respeitando
a dinâmica da instituição e a disponibilidade dos participantes.
Para tanto, buscamos levar em consideração durante o convite aos sujeitos,
primordialmente, a disponibilidade e consentimento desses jovens, assim como as condições
estruturais da instituição. Em vista disto, as atividades foram realizadas na sala de reunião do
setor administrativo da instituição. Nestas ocasiões, estavam presentes apenas os sujeitos da
pesquisa, o pesquisador e um auxiliar-observador responsável por transcrever os relatos e
expressões dos sujeitos no decorrer do ensejo. Cabe destacar que a instituição conta com um
riquíssimo material educativo e tecnológico audiovisual, nos possibilitando dinamizar as
atividades mencionadas. Ademais, a instituição dispõe de uma excelente estrutura física
contando com salas amplas de reunião, salas de aulas e auditório.
Cada oficina possuía um roteiro específico, em que o dinamismo e as ações de caráter
lúdico foram priorizadas. Porém, cada uma tinha em sua estrutura etapas em comum. A primeira
etapa consistia na construção de um círculo de cultura, capaz de promover um espaço educativo
onde diferentes subjetividades e saberes convivem, construindo um diálogo coletivo e solidário,
o qual teve como resultado a apropriação social do conhecimento gerado e partilhado. Assim,
os jovens compartilhavam os saberes a partir dos temas já mencionados, e finalizavam com
uma produção artística que os auxiliassem a expor a sua percepção sobre a sexualidade.
(LOUREIRO; FRANCO, 2012).
Na oficina sobre sexualidade e privação de liberdade, por exemplo, buscando dinamizar
o espaço, apresentamos o objetivo da oficina, assim, como convidamos os participantes a
assinarem o Termo de Consentimento e Livre Esclarecido9 (TCLE), do Termo de Assentimento
Livre e Esclarecido10 (TALE) e do Termo de Autorização para o Uso de Áudio11, de acordo
com o interesse, permissão e disponibilidade dos sujeitos. Além disso, em conformidade a
resolução Nº 51012, os participantes foram informados durante todo o processo das oficinas
sobre a possibilidade de não participarem de algum momento que, por acaso, lhe causasse

9
Ver apêndice F.
10
Ver apêndice G.
11
Ver apêndice H.

12
De 07 de abril de 2016.
18

desconforto, sendo ainda garantido o seu direito em desistir de participar da pesquisa sem
qualquer prejuízo.
Na ocasião, distribuímos para cada participante uma placa com as figuras de emojis13
que representavam as expressões “concordo/discordo”. Na sequência, levamos quatro vídeos
clipes de artistas e músicas que expressassem conteúdo sexual, familiar ao universo dos
jovens14. Os vídeos apresentados foram: “Portãozinho”, do cantor Mc G15; “Tá Rocheda”, da
Banda a Loba; “Aí que delícia, que delícia ser viado”, de Gustavo Bezzi; e “Saí do Meu Pé”,
do Mc Hungria15. Ao final de cada canção, extraímos os trechos principais de cada música,
assim, como levamos frases16 relacionadas às letras que comumente são reproduzidas pelo
senso-comum. Desse modo, os jovens em posse das placas as utilizaram para concordar ou
discordar de tais assertivas, justificando suas respostas. No final da atividade, a palavra
“sexualidade” foi exposta e os participantes foram convidados a escrever e/ou desenhar palavras
ou gravuras que traduzissem a sua concepção sobre a palavra.
Já na oficina sobre Orientações Sexuais e representações de gênero, após explicar o
objetivo da oficina, dividimos os participantes em duplas e lhes entregamos uma cartolin. Em
seguida, solicitamos a eles, a partir de revistas17 disponibilizadas, que escolhessem, recortassem
e colassem na cartolina o que eles atribuíam ser específicos do gênero masculino e feminino,
assim como aquilo que não pertence a nenhum dos dois gêneros. Posterior a essa etapa,
projetamos imagens18 de travestis, gays, lésbicas, transexuais masculinos e femininos
popularmente conhecidos na mídia e pedimos para eles indicarem a que gênero estes sujeitos
pertenciam, bem como a orientação sexual de tais sujeitos. No final da oficina, retomamos as

13
Ver apêndice B - Placas e revistas utilizadas nas oficinas sobre “Sexualidade e Privação de Liberdade” e
“Orientações Sexuais e Representações de Gênero”.
14
É importante destacar que os jovens têm direito a ter em seus dormitórios uma caixa de som e dispositivos pen-
drives, disponibilizados pela família. As músicas utilizadas nas oficinas foram escolhidas, assim, por meio de
minuciosa verificação desses dispositivos que são filtrados pelo setor social da instituição, buscando identificar as
principais músicas comuns em todos os pen-drives. Com exceção da música “Aí que delícia, que delícia ser viado”,
de Gustavo Bezzi, todas as outras foram escolhidas com base nesse critério. Essa música em específico foi
escolhida, pois apresentava no vídeo clip oficial sujeitos homossexuais, transgêneros e não-binários.
15
Ver apêndice D – Músicas utilizadas na oficina “Sexualidade e Privação de Liberdade”.
16
Ver apêndice E – Roteiro de frases utilizadas na oficina “Sexualidade e Privação de Liberdade”.
17
Ver apêndice B – Placas e revistas utilizadas nas oficinas sobre “Sexualidade e Privação de Liberdade” e
“Orientações Sexuais e Representações de Gênero”.
18
Ver apêndice C – Imagens utilizadas na oficina “Orientações Sexuais e Representações de Gênero”.
19

cartolinas e figuras escolhidas e solicitamos que as duplas explicassem o que, para eles,
significava ser homem e mulher, apontando as vantagens e desvantagens de cada gênero,
relacionando a discussão com as imagens dos sujeitos LGBT.
As atividades foram realizadas em horários estipulados pela instituição. Isso ocorreu
devido a dinâmica entre as facções “Primeiro Comando da Capital” (PCC) e “Sindicato do RN”.
É importante ressaltar que, atualmente, todas as atividades pedagógicas do CASE-Mossoró são
logisticamente organizadas para evitar conflitos entre os grupos. Desde 2016, em decorrência
do acirramento das disputas por território e poder entre as facções Sindicato do RN e PCC, os
grupos criminosos ganharam poder e controle nos centros socioeducativos, principalmente,
aqueles responsáveis por operacionalizar a medida de internação. De acordo com Manso e Dias
(2018), o PCC surgiu no estado do Rio Grande do Norte, em 2010, nos presídios da capital, ao
passo que o Sindicato do RN19 foi criado, em 2013, como um braço do Comando Vermelho,
famosa facção carioca e principal opositora ao PCC.
Portanto, a escolha dos participantes das oficinas foi feita a partir dessa polarização entre
os grupos rivais no campo pesquisado. Desta forma, este critério além de resguardar a
integridade física dos jovens de ambas as facções, também propiciou uma maior interação entre
o grupo. Cabe destacar que a dinâmica das facções neste espaço institucional (re)organiza todo
o planejamento das atividades pedagógicas da unidade. Assim, realizamos as oficinas com os
jovens membros do “Sindicato do RN” no horário matutino, enquanto os jovens do PCC
participaram das atividades no período da tarde.
Ao todo, participaram da pesquisa 27 (vinte e sete) jovens em cumprimento de medida
de internação. Abaixo apresentamos um perfil desses participantes, a partir de dados coletados
em seus prontuários individuais de maneira que possamos conhecer melhor esses jovens
meninos:

TABELA 1 – Perfil dos jovens internos do CASE-Mossoró, participantes da pesquisa,


ano 2019 (n=27)
PERFIL DOS PARTICIPANTES
Nome fictício20 Idade Naturalidade Ato Infracional Estado Civil
V de Vingança 19 Natal-RN Roubo Majorado21 Solteiro

19
O grupo organizado é também denominada de Sindicato do Crime.
20
Buscando preservar a identidade dos participantes da pesquisa utilizarei nomes de anti-heróis e vilões dos
quadrinhos e cinema, tendo em vista a identificação destes com os incompreendidos personagens e suas histórias.
21
Quando há emprego de arma de fogo.
20

Logan 15 Pau dos Roubo Solteiro


Ferros-RN
1. Lobo* 18 Pau dos Homicídio Namorando
Ferros-RN Qualificado
2. Spawn 17 Pau dos Furto Solteiro
Ferros-RN
3. Coringa* 18 Natal-RN Homicídio União Estável
Qualificado
4. Capuz Vermelho* 18 Pau dos Roubo Namorando
Ferros-RN
5. Wolverine 18 Natal-RN Latrocínio União Estável
6. Justiceiro* 18 Mossoró-RN Roubo União Estável
7. Deadpool 17 Mossoró-RN Roubo Não declarado
8. Pistoleiro Sem Nome 18 Mossoró-RN Roubo Majorado Não declarado
9. Jack Sparrow 20 Jacaraú-PB Homicídio União Estável
Qualificado
Alex Delarge 18 Pau dos Tráfico de Drogas União Estável
Ferros-RN
Severus Snape 15 Mossoró-RN Tráfico de Drogas Não declarado
Riddick 18 Pau dos Roubo Majorado União Estável
Ferros-RN
Mad Max 18 Mossoró-RN Roubo Qualificado Não declarado
Tyler Dunden 18 Pau dos Descumprimento Não declarado
Ferros-RN de MSE
Loki 17 Belém-PB Roubo Majorado União Estável
Lex Luthor* 19 Mossoró-RN Roubo Majorado Namorando
Magneto* 20 Natal-RN Roubo Qualificado Solteiro
Bane 19 Apodi-RN Homicídio Não declarado
Qualificado
Bizarro* 19 Jucurutu-RN Homicídio Não declarado
Simples/ Roubo
Majorado/ Falsa
Identidade
Ultron* 18 Mossoró-RN Homicídio Não declarado
Qualificado
Venon* 18 Natal-RN Roubo Majorado Não declarado
Fanático 17 Areia Branca- Homicídio União Estável
RN Simples
Sinistro* 18 Natal-RN Sequestro e União Estável
Cárcere Privado
Wilson Fisk 17 Mossoró-RN Homicídio Não declarado
Simples
Thanos* 17 Mossoró-RN Roubo Qualificado Não declarado
Fonte: Tabela sistematizada pelo autor, a partir dos prontuários disponibilizado pela instituição.

Assim, no que tange ao perfil dos 27 jovens participantes da pesquisa, estes são naturais
de Mossoró (33,3%), Pau dos Ferros (25,9%), Natal (22,2%), Apodi (3,7%), Jucurutu (3,7%),
Areia Branca (3,7%) e outros estados (7,2%). Destes, em geral, estão cumprindo medida
21

socioeducativa por roubo (48,1%), homicídio qualificado (29,6%) e tráfico de drogas (22,3%).
Além disso, outro dado pertinente observado foi em relação ao estado civil dos jovens autores
de ato infracional. A partir dos prontuários e, mais especificamente, nos atendimentos
realizados pelo o setor social, observamos que 33,3% dos jovens mantem união estável, 14,8%
estão solteiros, 11,1% namoram e 40,7% não declararam. Optamos por não incluir no perfil dos
jovens a diferenciação étnico/racial, visto que os prontuários individuais desses sujeitos
constam uma classificação puramente fenomênica e não auto-declarativa.
Além disso, é importante destacar que dentre os jovens* marcados 6 (seis) deles
reincidiram nas práticas delitivas e ingressaram no sistema prisional e 5 (cinco) deles morreram
em confronto com a polícia. Nesse sentido, buscando preservar suas identidades, optamos por
não diferenciá-los.
O percurso investigativo no CASE-Mossoró, aliás, também surge num plano desafiador.
Os desafios em meio a busca pela materialidade do objetivo geral proposto aqui, foram
marcados pelas relações de poder dos grupos criminosos dentro da instituição, pois estes
interviam diretamente no emprego da metodologia utilizada, especialmente, durante as oficinas.
Os grupos organizados apresentavam resistência em entrar em assuntos relativos à dinâmica
das “facções” como regras e códigos, por exemplo. Somente nas entrevistas alguns participantes
relataram alguns elementos pertinentes a esse objeto.
Dessa maneira, nosso ingresso no Núcleo de Estudos e Ações Integradas na Área da
Criança e do Adolescente (NECRIA), vinculado a Faculdade de Serviço Social (FASSO), da
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e, mais especificamente, das
atividades de pesquisa sobre a temática infanto-juvenil22, bem como os debates e diálogos
estabelecidos nessas ocasiões com as demais colegas nos instrumentalizaram para ingressar no
campo de pesquisa.
Destarte, depois de realizadas um total de oito oficinas, onde os jovens puderam expor
suas percepções sobre sexualidade, selecionamos um total de dez jovens que se destacaram
durante oficinas para a realização de entrevistas semi-estruturadas23 (tendo um roteiro como
subsídio), devidamente registradas em gravador de voz, de acordo com o interesse, permissão
e disponibilidade dos sujeitos mediante a assinatura do Termo de Consentimento e Livre

22
Durante a pós-graduação tivemos a oportunidade de participar de duas pesquisas sob coordenação da nossa
orientadora Prof. Dra. Gláucia Helena Araújo Russo. São elas: Estado da Arte: a produção sobre infância,
adolescência e juventude na Revista Serviço Social e Sociedade (2017-2018) e; Quem ganha? O The Voice Kids
e a proteção/negação de direitos de crianças e adolescentes (2018-2019).
23
Ver apêndice A – Roteiro de entrevista.
22

Esclarecido24 (TCLE), do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido25 (TALE) e do Termo


de Autorização para o Uso de Áudio26. A técnica de entrevista semi-estruturada consiste em

[...] um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha informações a
respeito de determinado assunto, mediante uma conversação de natureza profissional.
É um procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados ou para
ajudar no diagnostico ou no tratamento de um problema social. (MARCONI;
LAKATOS, 2003, p.195).

A utilização de tal instrumento foi o principal modo de produção de dados e,


consequentemente, de acesso as informações fundamentais para a conclusão desta pesquisa.
Visto ter permitido aos jovens autores de ato infracionais exporem suas percepções e trajetórias
sobre a sexualidade durante o cumprimento da medida socioeducativa de internação, bem como
suas concepções sobre as orientações sexuais e identidades de gênero socialmente dissidentes
de maneira mais aprofundada e individual. Logo, a técnica de entrevista semi-estruturada
permitiu um maior aprofundamento das questões postas, permitindo certa flexibilidade no
processo de pergunta e resposta entre o pesquisador e o entrevistado. Além disso, deixava os
sujeitos da pesquisa livres para responder de acordo com suas percepções, permitido em
determinados situações, adentrar em assuntos não expostos nas perguntas (MARCONI;
LAKATOS, 2003). É importante ressaltar, ainda, que durante o processo das oficinas e
entrevistas reiteramos por diversas vezes aos participantes a possibilidade de não responder
alguma pergunta que, por acaso, lhe causasse desconforto, sendo ainda garantido o seu direito
em desistir de participar da pesquisa a qualquer momento e sem qualquer prejuízo para si
mesmo.
Para além das entrevistas e das oficinas, buscando aprofundar a discussão sobre o
exercício da sexualidade nos centros socioeducativos que gestam a medida de internação, foi
imprescindível durante todo o processo de produção de dados a utilização do diário de campo,
indissociado da observação sistemática, para a efetivação da pesquisa, uma vez que nele
pudemos “colocar nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são
obtidas através da utilização de outras técnicas”, (MINAYO, 1994, p. 63), visto que é na
subjetividade das relações, das observações e dos apontamentos informais que o pesquisador
encontra grandes contribuições empíricas para a construção da pesquisa.

24
Ver apêndice C – Imagens utilizadas na oficina “Orientações Sexuais e Representações de Gênero”.
25
Ver apêndice D – Músicas utilizadas na oficina “Sexualidade e Privação de Liberdade”.
26
Ver apêndice E – Roteiro de frases utilizadas na oficina “Sexualidade e Privação de Liberdade”.
23

Dessa maneira, a análise dos dados produzidos no decorrer da pesquisa foi feita de
acordo com o método escolhido e com os objetivos propostos, buscando responder a pergunta
problema do objeto. Assim, por estarmos partindo de uma abordagem qualitativa fez-se
necessário um maior cuidado nessas análises, visto estarmos buscando apreender os
significados presentes nas falas, nos comportamentos, nos sentimentos e nas expressões dos
entrevistados. Logo, a preocupação em decodificar esses relatos através da categorização dos
dados, buscando investigar aquilo que não se mostra de imediato por meio dos sentidos
subjacentes que os dados e os discursos trazem. Com o cotejar entre o empírico e o teórico,
num debruçar-se criticamente sobre os dados, de maneira a buscar aquilo que não mostra senão
pela análise cuidadosa, pelo apossar-se do método.
Diante disso, construímos esse trabalho da seguinte maneira: no primeiro capítulo
realizamos, inicialmente, uma discussão sócio histórica sobre a proteção e responsabilização
infanto-juvenil no Brasil. Para tanto, apontamos os marcos legais e suas nuances no contexto
nacional, aprofundando o debate em torno da criação e implementação do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA), bem como do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE) e suas repercussões nas instituições de privação de liberdade na contemporaneidade.
Posteriormente, no segundo momento desse capítulo, observado os sujeitos dessa pesquisa
realizamos uma discussão teórica sobre a categoria juventude27 considerando que este
fenômeno se apresenta singularmente para cada sujeito e, sobretudo, para aqueles autores de
ato infracional. Desse modo, articulamos, posteriormente, essa categoria com a prática de ato
infracional desvelando seus condicionalidades e (re)configurações na sociedade. Refletindo
sobre a construção das identidades juvenis, principalmente, aquelas no contexto de violência,
segregação e incessante busca de reconhecimento.
No segundo capítulo, apontamos como o direito a sexualidade tem sido viabilizado, ou
não, no contexto brasileiro. Para tanto, realizamos uma discussão teórica sobre este conceito,
principalmente, a partir do advento da modernidade, destacando os limites, desafios e
contradições assumidas na contemporaneidade. Destarte, abordamos teoricamente a
constituição das orientações sexuais e as identidades de gênero a partir de uma perspectiva
histórico-critica, tendo em vista os aspectos contraditórios e transitórios que estas assumem
culturalmente no ocidente e, mais particularmente, no Brasil, visto a constituição da
heterossexualidade como norma. Além disso, a partir dos dados empíricos e da fundamentação

27
Apesar de estarmos fazendo uma interlocução a partir do diálogo com o Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), optamos por trabalhar a categoria
juventude em virtude da faixa etária dos participantes da pesquisa.
24

teórica abordamos como a masculinidade e o ser homem tem sido construído historicamente no
ocidente e, sobretudo, no Brasil, onde o tradicionalismo tem marcado as relações sociais e
representações sobre os gêneros. Ademais, a partir dos dados empíricos aprofundamos a
construção do masculino nas sociabilidades delitivas, apontando suas especificidades e sua
relação com o patriarcado.
No último capítulo, a partir dos relatos dos jovens autores de ato infracional do CASE-
Mossoró, refletimos sobre os rebatimentos da agudização dos métodos punitivos e disciplinares
nos espaços de privação de liberdade, principalmente, na constituição e exercício da
sexualidade dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação. Nesse
sentido, analisaremos o processo de admissão e permanecia dos sujeitos LGBT nas instituições
socioeducativas, desvelando os mecanismos de “gerenciamento” desses corpos tanto do ponto
de vista institucional como a partir das relações interpessoais construídas por esses jovens.
Nesse ínterim, aprofundamos o exercício da sexualidade dos jovens autores de ato infracional
no CASE-Mossoró. Para tanto, apontamos a maneira como o centro socioeducativo legitima os
direitos sexuais e reprodutivos. Bem como as estratégias sexuais de subversão construídas pela
maioria dos socioeducandos, refletindo como as identidades sexuais, sobretudo, as orientações
sexuais são construídas nesse contexto, focalizando os aspectos transitórios assumidos pelas
práticas sexuais.
Por fim, delineamos as considerações finais deste trabalho, apontando com base nos
dados empíricos e na discussão teórica se os objetivos e os questionamentos levantados no
decorrer dos capítulos foram ou não respondidas.
25

2 (IN) VISIBILIDADE E REPRESSÃO: O JOVEM AUTOR DE ATO INFRACIONAL


EM CENA

2.1 AS BASES SÓCIO-HISTÓRICAS DA INFÂNCIA E JUVENTUDE NO BRASIL:


DA PUNIÇÃO A PROTEÇÃO?

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro da tua última quimera
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O homem, que nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija.
(Augusto dos Anjos)

A célebre frase “a mão que afaga é a mesma que apedreja” do poeta pós-modernista,
Augusto dos Anjos, traduz um pouco da natureza repressiva e criminalizadora com que o Estado
brasileiro vem conduzindo as políticas sociais e públicas para o universo infanto-juvenil. A
partir disto podemos afirmar, portanto, que a história social de crianças e jovens no Brasil é
atravessada por desigualdades sociais, violações de direitos e invisibilidade. A ascensão destas
categorias à condição de sujeitos de direitos percorreu uma longa trajetória marcada, sobretudo,
pela estigmatização de crianças, adolescentes e jovens a partir de sua cor, classe social e
sexo/gênero.
Volpi (2001), divide e diferencia as três etapas que marcaram a história da (des)proteção
da infância no Brasil, são elas: a fase penal indiferenciada caracterizada pela ausência de
distinção penal entre crianças, jovens e adultos; passando pela etapa tutelar, de origem norte-
americana, inaugurada com o Movimento dos reformadores, no final do século XIX; até a
proteção integral iniciada, no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal, de 1988, e,
posteriormente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. Para fins
didáticos, situaremos historicamente cada etapa apontando o início e passagem de uma fase
para outra.
26

O caráter penal indiferenciado, por exemplo, abrange, na verdade, desde o processo de


“descobrimento” da América por meio das grandes navegações europeias até o surgimento das
primeiras ações de assistência a infância. As crianças e os adolescentes tripulantes dos navios
foram utilizados como mão-de-obra barata nessas embarcações. O sentimento em relação a
infância neste momento histórico explica o desapego das famílias, de maneira geral, e da
sociedade frente as crianças. Ramos (2013), destaca que entre os séculos XIV e XVII os altos
índices de mortalidade infantil revelavam a inexistência da percepção no imaginário coletivo
dessa fase como um momento peculiar da vida. Conquanto, tanto a coroa portuguesa como os
pais dessas crianças as encaravam como um instrumento de trabalho capaz de contribuir no
sustento doméstico. Dessa forma, “alistar seus filhos entre a tripulação dos navios parecia
sempre um bom negócio”. (RAMOS, 2013, p. 22).
Durante as viagens, a tripulação e, em especial, as crianças e os jovens estavam sujeitos
a toda sorte de perigos e violências. Desde os perigos inerentes ao trabalho insalubre, a péssima
qualidade alimentar, as doenças que surgiam constantemente, aos riscos de naufrágio das
embarcações até os atos de abuso sexual por parte dos marujos e comandantes, principalmente,
devido à ausência de mulheres e pela própria maneira como as crianças e os adolescentes eram
vistos pela sociedade de então. Os jovens grumetes e pajens28, por exemplo, estavam na base
hierárquica das embarcações. Abaixo, inclusive, de assassinos, pedófilos e ladrões recrutados
para construir o “novo mundo”. Talvez, por isso, os “miúdos” mesmo representando apenas 5%
da tripulação, nunca eram priorizados e, por isso, eram as principais vítimas das viagens. Em
casos de naufrágio, por exemplo, apesar do baixo número de crianças e adolescentes, os capitães
raramente “[...] davam prioridade de embarque às crianças primeiro, consideravam como
crianças as embarcadas como passageiros e as integradas às órfãs do Rei, excluindo os que
serviam como grumetes ou pajens”. (RAMOS, 2013, p. 43).
Já nas terras da recém “descoberta” Ilha de Santa Cruz, o destino de crianças e
adolescentes não alterou a dinâmica de violência e pobreza. A companhia dos jesuítas, porém,
se comprometeu a educar as crianças indígenas. Os padres se incumbiram da responsabilidade
de levar os ensinamentos cristãos para os “povos não-civilizados”. Assim, foram utilizados
como instrumentos ideológicos de reprodução dos valores portugueses. As crianças como o
objeto mais suscetível a introjeção de tais modos de viver e pensar foram os principais alvos da

28
Dentro dessa classificação Ramos (2013), aponta diferentes denominações e funções específicas para crianças
e adolescentes presentes nas embarcações, como os pajens, os grumetes e as órfãs “del rei”, por exemplo. Os pajens
costumavam trabalhar diretamente com o alto escalão da tripulação, já os grumetes ficavam responsáveis pelos
trabalhos braçais e as órfãs “del rei” embora não exercessem, na maioria das vezes, trabalhos de natureza braçal,
comumente eram vítimas de abuso sexual.
27

catequização cristã. Esta “preocupação” demonstra uma mudança, embrionária, do sentimento


social em relação a infância. Surgem, assim, “novas formas de afetividade e a própria
“afirmação da infância”, na qual Igreja e Estado tiveram papel fundamental”.
(CHAMBOULEYRON, 2013, p. 58). Desse modo, “ao cuidar das crianças índias, os jesuítas
visavam tirá-las do paganismo e discipliná-las, inculcando-lhes normas e costumes cristãos,
como o casamento monogâmico, a confissão dos pecados, o medo do inferno”. (RIZZINI;
PILOTTI, 2011, p. 17).
Esta mudança, apesar de positiva em relação ao contexto anterior, não representou uma
alteração material nas relações sociais com a infância, uma vez que o destino das crianças era
determinado a partir de sua classe, raça/etnia e gênero. As crianças escravas, por exemplo, não
eram, no início da escravidão, um objeto de interesses dos grandes fazendeiros. Primeiro, por
sua pequena produtividade no trabalho e, segundo, pelo alto índice de mortalidade infantil.

Aqueles que escapavam da morte prematuramente, iam, aparentemente, perdendo os


pais. Antes mesmo de completaram um ano de idade, uma entre cada dez crianças já
não possuía nem pai nem mãe anotados nos inventários. Aos cinco anos, metade
parecia ser completamente órfã; aos 11 anos, oito a cada dez. (GÓES; FLORENTINO,
2013, p. 180).

De acordo com Guimarães (2008), a mortalidade infantil da população negra chegava à


percentagem absurda de 88%, superando a taxa de nascimento. Para Ariès (2014), o constructo
social em relação a infância neste momento histórico desvaloriza a vida das crianças, em
especial, as negras. Percebiam, assim, as crianças negras, nesta conjuntura, como um “mal
negócio” para os escravagistas, visto ser financeiramente mais vantajoso comprar um escravo
adulto, “pois com um ano de trabalho, o escravo pagava seu preço de compra. As crianças
escravas morriam com facilidade, devido às condições precárias em que viviam seus pais”.
(RIZZINI; PILLOTI, 2011, p.18). Somado a isso, o abandono dessas crianças era uma prática
comum até meados do século XIX.
Leite (2016), ao realizar uma minuciosa pesquisa sobre como a infância era retratada
nas cartas de viajantes nacionais e estrangeiros no país, aponta diversos elementos que nos
fazem compreender a visão acerca da mortalidade infantil, em especial, das crianças negras no
século XIX. John Luccock (1810) descreve:

Mesmo nas cidades grandes [as crianças] morrem muito em tenra idade. Mas na
realidade, nascem relativamente poucas crianças no Rio de Janeiro e, devido à
fraqueza de constituição, menos ainda se conservam vivas, mesmo nas famílias que
se destacam pelos cuidados hábeis e ternos com que tratam suas proles. [...] Além
disso, os filhos de escravos acham-se incluídos juntos com seus pais, por isto que
28

pertencentes à mesma classe. E é doloroso acrescentá-lo, usa-se dos meios da mais


baixa espécie a fim de impedir o nascimento de crianças, sendo que o infanticídio não
é de forma alguma raro. (LEITE, 2016, p. 43-44 apud LUCCOCK, 1810, p. 28-29).

No decorrer do século XIX, contudo, as crianças escravas começam a ser vistas,


gradativamente, como principal alternativa para a exploração do trabalho, principalmente, em
virtude do advento do capitalismo e da, consequente, necessidade de mão de obra livre. A
Inglaterra, dessa forma, como berço do capitalismo pressionou diversas nações, dentre elas o
Brasil, na erradicação do tráfico negreiro. No Brasil, a Lei Eusébio de Queiroz, de 1950, ficou
conhecida por ter dificultado o mercado de compra e venda de trabalho escravo. As crianças,
assim, passaram a ser utilizadas como mão-de-obra barata pelos senhores de escravos como
uma alternativa ao, agora, escasso mercado de escravos. Posteriormente, no final do século
XIX, são promulgadas leis importantes objetivando, pouco-a-pouco, abolir a servidão infanto-
juvenil, tais como: a Lei do Ventre livre ou Lei Rio Branco, de 1871 e a Lei do Sexagenário,
de 1887. (FIALHO, 2012). Sabemos, contudo, que a exploração do trabalho infantil se tornou
uma prática culturalmente arraigada no país e, por muitos, naturalizada, principalmente, quando
tratava-se de crianças pobres e negras.
Já as crianças brancas, mamelucas e mestiças oriundas de famílias de baixo poder
aquisitivo e/ou de famílias abastadas que eram enjeitadas por serem frutos de gravidezes
indesejadas eram, quase sempre, alvos de abandono. Deixar crianças nos átrios das igrejas e nas
portas das casas era uma prática comum da época. Preocupados com os frequentes casos de
morte dessas crianças, que muitas vezes morriam de frio ou eram devoradas por animais, a
Coroa portuguesa determinou, por meio das Câmaras Municipais, o recolhimento de impostos
destinados a criança abandonada. (RIZZINI; PILOTTI, 2011).
Surgem, assim, as primeiras Casas dos Expostos administradas pela Santa Casa de
Misericórdia. Basicamente, estas instituições caracterizavam-se por ter um “um cilindro
giratório na parede que permitia que a criança fosse colocada da rua para dentro do
estabelecimento, sem que se pudesse identificar qualquer pessoa”. (RIZZINI; PILOTTI, 2011,
p. 19). Esta ferramenta ficou conhecida como roda dos expostos. O sistema da roda embora
tenha chegado tardiamente no Brasil, já era um recurso antigo utilizado em Portugal. Isso
porque “[...] o fenômeno de abandonar os filhos é tão antigo como a história da colonização
brasileira”. (MARCILIO, 2016, p. 71). Dessa forma, as primeiras rodas dos expostos, no Brasil,
foram implantadas nas cidades de Salvador, Recife e Rio de Janeiro. Este recurso foi, por quase
um século e meio, a única instituição de assistência à criança abandonada no Brasil,
sobrevivendo até a década de 1950. De acordo com Marcilio (2016), o fortalecimento da ciência
29

e, consequentemente, da ideia de ordem e progresso no século XIX representou o ponto de


partida para a abolição da roda dos expostos. No Brasil esse movimento ganhou força com os
juristas e com os

[...] médicos higienistas, horrorizados com os altíssimos níveis de mortalidade


reinantes dentro das casas de expostos. Vidas úteis estavam sendo perdidas para o
Estado. Mas o movimento insere-se também na onda pela melhoria da raça humana,
levantada com base nas teorias evolucionistas, pelos eugenistas. (MARCILIO, 2016,
p. 86).

As rodas dos expostos mesmo tendo sido implementadas em pequena escala deixou um
legado de violência, mortes e abandono de crianças. Devido, principalmente, a escassez de
recursos, as constantes fraudes por parte das amas-de-leite e o alto número de crianças
abandonadas. Além disso, “alguns autores atuais estão convencidos de que a roda serviu
também de subterfúgio para se regular o tamanho das famílias, dado que na época não havia
métodos eficazes de controle da natalidade”. (MARCILIO, 2016, p. 92).
Percebe-se a partir disso, tímidos avanços quanto a “assistência” a criança e ao
adolescente, principalmente, com a chegada da realeza portuguesa no Brasil e,
consequentemente, com o advento do império. Por outro lado, medidas de natureza repressiva
também ganharam força. Uma vez que o desenvolvimento comercial e econômico ocasionado
pela chegada da corte portuguesa, representou um aumento do número de roubos e furtos
praticados por crianças e adolescentes. Tal fato serviu como justificativa para o governo colocar
esse segmento nas cadeias públicas sem fazer distinção entre crianças-adolescentes e adultos.
Além disso, não havia diferenciações nas medidas punitivas aplicadas às crianças e aos adultos,
pois não havia estabelecimento específico para esse segmento. Somente após vinte anos da
chegada da corte portuguesa foram criadas as primeiras instituições de acolhimento para
crianças e adolescentes, sempre guiadas pelo viés caritativo da Igreja católica, sem qualquer
responsabilização do Estado com a categoria infanto-juvenil. (FIALHO, 2012). Tais
instituições objetivavam tirar das ruas os pobres, mendigos e “vagabundos”. Logo, sua missão
tinha o caráter meramente punitivo e correcional, sem qualquer compromisso educativo.
(FIALHO, 2012).
Inicia-se neste período, especialmente, após a independência do Brasil, em 1822, as
primeiras ações de institucionalização de crianças e jovens. Essas medidas, de acordo com
Rizzini (2011a), eram fundadas na ideologia cristã e, portanto, possuíam traços moralizantes
em relação as crianças, sobretudo, as pobres. Estas crianças, não eram quaisquer crianças, mas
30

os “menores abandonados e delinquentes”. Assim, a “infância é classificada de acordo com sua


origem familiar e sua ‘herança’ social”. (RIZZINI, 2011a, p. 98).
A família, desse modo, torna-se alvo privilegiado da medicina higienista que despontava
na época. Para esse grupo, “era preciso sanear a família para atingir a sociedade como um todo”.
(RIZZINI, 2011a, p. 105). Embora, não tenham tido expressiva importância no escopo
legislativo da época, os higienistas e, posteriormente, os puericulturalistas29 atribuíram a família
pobre a responsabilidade das práticas delinquentes de crianças e adolescentes tidas como
“viciosas” e “abandonadas”. Estas concepções assentaram as medidas institucionalizantes
jurídicas em relação a infância e adolescência no período republicano (RIZZINI, 2011b).
Na República (1889), período marcado pela mudança de regime e disputa pelo poder
político entre a oligarquia rural e a burguesia, as crianças e os adolescentes passam a ser vistos
como um “magno problema”, ou seja, tanto necessitava-se defender a criança como resguardar
a sociedade dessa criança potencialmente “delinquente”. Esta interpretação embasou todo o
sistema jurídico da época que criminalizava a pobreza e, em especial, a família, justificando,
inclusive, a retirada do pátrio poder30 familiar. (RIZZINI, 2011a). De acordo com Faleiros
(2011), a República representava ruptura e continuidade. Ou seja, “ruptura com a forma pessoal
de governar do Imperador, mas continuidade das relações clientelistas e coronelistas, que
sustentavam o poder [...]”. (FALEIROS, 2011, p. 36). Neste sentido, cabia aos pobres o lugar
dos dominados e aos ricos a função de dirigente. Não coincidentemente, as leis da época fazem
“menção à manutenção da ordem pública e procuram coibir ‘as ações que ofendam os bons
costumes, a tranquilidade pública e a paz das famílias’”. (RIZZINI, 2011a, p. 115).
Destarte, tais ações promoveram no ordenamento jurídico-normativo uma interpretação
dual em relação as crianças e jovens a partir de sua classe, raça e gênero. O termo “menor”, por
exemplo, caracterizava a “criança abandonada, desvalida, delinquente, viciosa, entre outras, foi
naturalmente incorporado na linguagem, para além do círculo jurídico”. (RIZZINI, 2011a, p.
113). Ser “menor” era uma denominação específica das crianças e adolescentes pobres. Sendo
assim, a política menorista oscilava, neste momento histórico, entre “[...] o pólo assistencial
(abrigos, asilos, albergues) e o polo jurídico (prisões, patronatos, casas correcionais, centros de
internamento) articulada a um processo de institucionalização como forma de controle social”.
(FALEIROS, 2011, p. 36).

29
A ciência responsável pela higiene física e social das crianças. No Brasil, Dr. Moncorvo Filho foi seu mais
expressivo representante. (RIZZINI, 2011).
30
Segundo Rizzini (2011), o termo pátrio poder remete ao poder do patriarca.
31

A justiça e a assistência tiveram papéis preponderantes nesse processo. Pois, partindo


de uma perspectiva filantrópica repressiva, a infância pobre era tida como lócus social de
produção dos criminosos. E, desse modo,

arquitetou-se um intrincado sistema, que Donzelor denominou de “complexo tutelar”,


através do qual, qualquer criança, por sua simples condição de pobreza, estava sujeita
a ser enquadrada no raio de ação da Justiça-Assistência. A despeito da similitude de
objetivos deste “complexo” em outros países, cuja matriz, como vimos, foi a mesma
em diferentes partes do mundo, no Brasil a tutelarização do Estado por vias jurídicas
assumiu uma fantástica dimensão monopolizadora de autoridade e controle.
(RIZZINI, 2011b, p. 131).

O início do século XX emerge, assim, dotado de percepções institucionalizantes em


relação a infância pobre. A retirada das crianças e dos jovens do seu meio social e famíliar,
considerados moralmente “viciosos”, era a principal alternativa para evitar a “delinquência”.
De acordo com Rizzini (2011b), os menores abandonados, em particular, eram indicados para
estabelecimentos industriais, onde seriam ensinados sobre trabalho e instruções básicas.
Remete a esse período a constituição, do quê Rizzini e Celestino (2016), denominaram de
“cultura da institucionalização” caracterizada pela construção dos primeiros complexos
destinados a privação de “menores”.
Os higienistas e juristas, dessa maneira, reivindicando uma maior responsabilização do
Estado31 quanto a crianças e adolescentes “abandonados” e “delinquentes”, ou em “perigo de
ser”, (FALEIROS, 2011), articularam, em 1913, por exemplo, a criação das primeiras
instituições de total responsabilidade do Estado destinadas, exclusivamente, a atender "menores
infratores" e “desvalidos”. (FIALHO, 2014). Em 1923, foram criados também o Juizado de
Menores e o Abrigo de Menores. Os juízes, assim, substituem, simbólica e juridicamente, o
lugar social dos pais. Ficando a cargo desses “[...] impor o castigo que, a seu critério, a criança
merecesse”. (FALEIROS, 2005, p. 5).
A promulgação do Código de Menores, de 1927 consolida todas estas medidas
higienistas e juristas. Além de inaugurar uma nova etapa, agora, tutelar na “proteção” de
crianças e adolescentes, sobretudo, pela indiscriminada ação do Estado brasileiro em relação a
infância “abandonada” e “delinquente”. A nova legislação infanto-juvenil estabelecia que o
“menor” de 14 anos não seria submetido ao processo penal de nenhuma natureza. Os maiores
de 14 anos e inferior a 18 anos, por outro lado, eram sujeitos a um processo especial. Os
abandonados eram tipificados (Art. 26 A) como sujeitos menores de 18 anos que "vivem em

31
Em 1921 é sancionada a Lei 4.242 que fixava a despesa geral da República, autorizando o governo a organizar
a assistência e proteção à criança delinquente e desvalida (FIALHO, 2014).
32

casas dos pais ou tutor ou guarda, porém se mostram refratários a receber instruções ou
entregar-se a trabalho sério e útil, vagando pelas ruas e logradouros públicos”. (BRASIL, 1927,
p. 2). Portanto, aparecia sempre ligado a figura do vadio. Já os delinquentes eram os menores
de 18 anos "autores ou cúmplices de atos qualificados como crime ou contravenção”. (FIALHO,
2014, p. 62).
Se fortalece, assim, nesse momento noções essencialistas em relação a infância
“desvalida” e “delinquente”. Em outras palavras, as decisões dos juízes de menores se
assentavam na ideia da índole boa ou má. A pobreza era o critério de julgamento moral e penal
das crianças e adolescentes. Assim,

A intervenção do Estado não se realiza como uma forma de universalização de


direitos, mas de categorização e de exclusão, sem modificar a estratégia de
manutenção da criança no trabalho, sem deixar de lado a articulação com o setor
privado e sem se combater o clientelismo e o autoritarismo. A esfera diretamente
policialesca do Estado passa a ser assumida/substituída por instituições médicas e
jurídicas, com novas formas de intervenção que vão superando a detenção em celas
comuns, sem, contudo, fugirem do caráter repressivo. (FALEIROS, 2011, p. 49).

A década de 1930, a partir da Era Vargas trouxe diversas mudanças na dinâmica das
relações sociais de ampla parcela da população brasileira, especialmente, pela inserção da
mulher no mercado de trabalho e a conquista de direitos trabalhistas e políticos. A partir disso,
segundo Rizzini (2011a), o governo Vargas lança uma política de proteção materno-infantil,
objetivando resguardar a educação infantil e familiar, remodelada a partir da introdução
feminina na esfera pública. Ainda de acordo com Faleiros (2011, p. 53), “a estratégia do
governo é de privilegiar, ao mesmo tempo a preservação da raça, a manutenção da ordem e o
progresso da nação e do país”.
Para tanto, a concepção de cidadania presente no Código de 1927 funda-se na ideia do
trabalho digno, capaz de evitar comportamentos considerados desviantes. Assim, o regime de
privação de liberdade conjugava, na percepção higienista, uma série de ações nesse sentido.
Para a “política do menor” inaugurada com o Código, as internações compulsórias de menores
“abandonados” e “delinquentes” seriam benéficas para esses jovens, principalmente, por
propiciar dentro dos espaços de internação novas perspectivas de vida. Tal perspectiva, todavia,
ocultava a intencionalidade ideológica presente no discurso eugenista da época que tinha por
finalidade a limpeza das ruas, escondendo a pobreza e os problemas sociais dentro dos muros
dos grandes complexos. Nesse sentido, em 1941, foi instituído o Serviço Nacional de
Assistência aos Menores (SAM) responsável por orientar e fiscalizar os educandários. Segundo
33

Faleiros (2005), contudo, no interior dos internatos geridos pelo órgão as torturas, surras e
abusos predominavam a despeito de qualquer lógica educativa. Aliás,

o próprio uso da palavra “educação”, no período estudado, corrobora a hipótese de


que o objetivo não era realmente tirar da ignorância a massa da população. Falava-se
repetidamente em educar, mas com um sentido particular – como antídoto à
ociosidade e à criminalidade e não como instrumento que possibilitasse melhores
chances de igualdade social. (RIZZINI, 2011b, p. 144).

A dicotomia crianças e menores, desse modo, também irá perpassar o âmbito


educacional. Para o menor, a educação, mínima, deveria ser utilizada como ferramenta de
domesticação e apassivamento. Enquanto, às crianças das classes abastadas cabia uma educação
capaz de lhes proporcionar seu lugar social dominante (RIZZINI, 2011b). De acordo com
Corrêa (2016), aflora-se neste período, sobretudo, nos anos 1930 projetos que visavam a criação
de uma “cidade de menores”. O projeto utópico seria patrocinado pelo Ministro da Justiça,
Macedo Soares, e destinado a institucionalização de menores “desvalidos” e “delinquentes” na
idade de seis a 21 anos. Nela, seriam incutidos nas crianças e adolescentes valores morais
socialmente dominantes, inclusive, tendo experiências com outras famílias que, posteriormente,
os adotariam. A cidade, que mais remete a uma produção cinematográfica Hollywoodiana32 ,
propunha “uma sociedade higienizada, material e ideologicamente”. (CORRÊA, 2016, p. 159).
Aspectos desse projeto, porém, foram introduzidos nos regimentos de outras instituições de
internação de menores como na experiência do SAM, por exemplo.
Neste caso específico, no entanto, devido ao grande número de denúncias de violência,
exploração sexual, alimentação inadequada, ausência de condições estruturais etc. os
movimentos em prol da infância e os próprios juízes de menores classificaram as instituições
administradas pela SAM como “fábricas de delinquentes, escolas do crime, lugares
inadequados” (FALEIROS, 2011, p. 61). Assim, em meio ao debate internacional em torno dos
direitos da criança e do adolescente, o governo brasileiro extinguiu o SAM e instituiu em 1º de
dezembro de 1964 a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM)33. Surge, assim, a
Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e, no âmbito estadual, as Fundações Estaduais
de Bem-Estar dos Menores (FEBEM’s).
Por tratar-se de um contexto ditatorial-militar, o Estado brasileiro assume a política
infanto-juvenil sob uma ótica antisubversiva ou anticomunista, buscando garantir a defesa da

32
Tal como o Filme norte-americano O Show de Truman, de 1998, do diretor Peter Weir.
33
Pela lei 4.513/64.
34

ordem. Em outras palavras, os menores são tidos como uma questão de segurança nacional e,
assim, a marginalização de crianças e adolescentes é encarada sob o espectro do “‘afastamento
progressivo do processo normal de desenvolvimento’ (In: FUNABEM, 1984, p.). A
normalidade se confundiria com a ordem existente”. (FALEIROS, 2011, p. 66). As internações
compulsórias dos menores que fugiam a “normalidade” constituem-se um elo basilar desse
período. Fortalece-se ainda, as bases da “cultura de institucionalização” por meio da dicotomia
“entre “abandonados” e delinquentes” e passa-se a legitimar o Sistema de Proteção e
Assistência ao Menor, que normatizou as diretrizes e ações dirigidas para a infância
caracterizada como “desvalida”. (RIZZINI; CELESTINO, 2016, p. 231).
O Código de Menores de 1979, por exemplo, sob o signo da doutrina do “menor em
situação irregular” legitimou e intensificou as práticas de institucionalização de crianças e
adolescentes, negando, inclusive, aos adolescentes “delinquentes” o direito à ampla defesa na
forma da lei, sem que a materialidade dessa prática fosse comprovada. De acordo com Rizzini
e Celestino (2016), socialmente, essas instituições de privação de liberdade eram convidativas,

[...] não apenas pela propaganda governamental. A estrutura operacional e a


possibilidade de formação profissional eram certamente propostas que atraiam a
atenção de muitas famílias e/ou responsáveis pobres, que na busca pelo melhor
cuidado a seus filhos requisitavam sua internação, seja em estabelecimentos próprios
ou naqueles subvencionados pela Fundação. (RIZZINI; CELESTINO, 2016, p. 239).

Para as autoras, a condição de pobreza configurava-se um pré-requisito no acesso a tais


estabelecimentos. Contraditoriamente ao discurso ideologicamente tentador propagado pela
FUNABEM, segundo Faleiros (2005), o crescente número de internos somado ao silenciamento
e consentimento do regime ditatorial deu lugar a práticas de negação de direitos e violências de
toda espécie. A FUNABEM, assim como, o SAM acentuou as práticas negadoras de direitos.
A criança e o adolescente “[...] só tinha direitos quando era julgada em risco, em uma situação
de doença social, irregular. Não era sujeito de direitos”. (FALEIROS, 2005, p. 8). Tinha-se a
errônea ideia que os pobres possuíam uma pré-disposição a desordem e as práticas ilícitas.
(ARANTES, 1999).
A década de 1980, em contrapartida, foi marcada pela luta de diversos movimentos
sociais em prol da redemocratização do país. No âmbito dos direitos da criança e do adolescente
setores progressistas políticos e civis organizaram-se em sua defesa. O Movimento Nacional de
Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) destaca-se pelo protagonismo na luta pela garantia de
direitos para a população infanto-juvenil, principalmente, durante a Assembleia Constituinte.
Cabe ressaltar também, a articulação das entidades não-governamentais e os movimentos pela
35

infância que criaram, em março de 1988, o Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-
Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA). (SILVA,
2005).
A Constituição Cidadã, de 1988, inclusive, aderiu a diversas reivindicações presentes
na Assembleia Constituinte expressas no artigo 227, garantindo a primazia da família, da
sociedade e do Estado em assegurar às crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, o
direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização etc. (BRASIL,
1980). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, concretizou, assim, os direitos
e deveres elencados na Constituição Federal. O ECA, para além disso, propõe-se a balisar um
novo paradigma nas políticas sociais e públicas infanto-juvenil, baseado na doutrina da proteção
integral presente na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, de 1989, aprovada pela
Organização das Nações Unidas (ONU).
Passados 28 anos desde a promulgação do ECA, percebemos vários impactos da
legislação na garantia de direitos de crianças e adolescentes. De acordo com Rizzini (2007), por
exemplo, houve expressiva redução da mortalidade infantil no país, em 58%, além do
decréscimo da mortalidade materna e diminuição da desnutrição infantil. Além disso, as
famílias receberam por meio de programas sociais amplo incentivo na escolarização de crianças
e adolescentes. Em razão, principalmente da construção do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente, em 2006, por meio da implementação do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e da inovadora, rede de Conselhos
Tutelares.
Em contrapartida, ainda são muitos os desafios postos a consolidação dos direitos
elencados pelo ECA. Dentre eles, destaca-se, por exemplo, uma grande defasagem na
escolarização de jovens brasileiros na faixa de 15 a 17 anos, que deveriam estar cursando o
ensino médio ou já tê-lo concluído. Em 2013, cerca de um terço dos adolescentes de 15 a 17
anos ainda não havia terminado o ensino fundamental e menos de 2% (1,32%) havia concluído
o ensino médio. (BRASIL, 2016). Outro dado assustador, sobre o qual é necessário avançar,
são os dados relativos aos homicídios de adolescentes e jovens brasileiros. Segundo o Atlas da
Violência, de 2018, os homicídios são a principal causa de morte no Brasil e atingem
especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores de periferia e áreas metropolitanas
dos centros urbanos. Conforme indica o relatório, cerca de 33.590 jovens foram assassinados
em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Entre as principais dificuldades, destacam-se, em
primeiro lugar, a ausência de recursos e meios necessários para o desenvolvimento de ações e
políticas públicas capazes de implementar os direitos previstos no Estatuto. Este tem como lema
36

priorizar a criança em todas as áreas, o que significa, sobretudo, prioridade nos gastos públicos
da União, dos estados e dos municípios.
Além disso, a Pesquisa Nacional de Amostra Por Domicílio (PNAD-2015) realizado
pelo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou que mais de 2,7 milhões
de crianças e adolescentes, de 5 a 17 anos, estão em situação de trabalho no Brasil. No Rio
Grande do Norte, este dado corresponde a cerca de 40 mil crianças e adolescentes trabalhando
irregularmente. Ademais, outro obstáculo na consolidação do ECA é a violência infanto-
juvenil. Segundo dados do relatório “Violência contra Crianças e Adolescentes: análise de
cenários e propostas de políticas públicas”, de 2018, as principais violências contra crianças e
jovens são: negligência, violência física, psicológica e sexual. A violência física mostra-se
como a mais expressiva, sobretudo, a infantil (MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS,
2018). Para Silva (2016), tanto as políticas públicas, as mães, as escolas, os abrigos, assim
como, a saúde, a universidade possuem um “tipo ideal” de infância. Assim, a violência infantil
se constrói a partir dessa visão adultocêntrica. Ou seja, uma compreensão da criança como um
sujeito incompleto e, portanto, que precisa ser constantemente “corrigido”, melhorado. Já os
jovens também estão bastantes expostos a violência física.
No âmbito da proteção e responsabilização de crianças e adolescentes, o ECA se opôs
ao modelo compulsório e indiferenciado presente nos Códigos de Menores e estabeleceu
medidas de proteção e medidas socioeducativas. A primeira destina-se, basicamente, a crianças
e adolescentes em risco ou vulnerabilidade social e a segunda busca responsabilizar
adolescentes autores de ato infracional na faixa etária de 12 a 18 anos. No caso específico das
medidas socioeducativas, estas “comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são
punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização,
e do acesso à formação e informação” (VOLPI, 2011, p. 20).
O ECA pauta-se, assim, no respeito a princípios constitutivos quanto a aplicabilidade
das medidas, são eles: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais
gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da
imposição de medidas, favorecendo meios de auto composição de conflitos; III - prioridade a
práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades
das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em
resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 do ECA; VI -
individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do
adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da
medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero,
37

nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou


pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários no processo socioeducativo. (BRASIL, 1990).
O ECA, em seu Art. 112, divide as medidas socioeducativas em: I – Advertência, II –
Obrigação de Reparar o Dano, III - Prestação de Serviços à Comunidade, IV – Liberdade
Assistida, V – Semiliberdade e VI – Internação. (BRASIL, 1990). Tais medidas são aplicadas
pelo Juízes das Varas da Infância e Juventude considerando a natureza do ato infracional, assim
como a gravidade, o índice de reincidência do adolescente e/ou o não cumprimento de uma
medida anterior.
No que tange ao objetivo de cada medida socioeducativa podemos destacar,
resumidamente, a advertência como “[...] uma medida admoestatória, informativa e imediata”
(VOLPI, 2011, p. 23). A advertência deverá ser reduzida a termo e assinada pelas partes. A
obrigação de reparar o dano se faz a partir da restituição do bem e/ou compensação da vítima,
sendo uma responsabilidade intransferível do adolescente. Já a prestação de serviços à
comunidade constitui-se uma medida operacionalizada entre o adolescente e a comunidade, esta
exercerá um papel fundamental na aplicação da medida. A liberdade assistida se caracteriza por
ser uma medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social
do adolescente, manifestando-se no acompanhamento personalizado, garantidor dos aspectos
de proteção. Já a semiliberdade trata-se de uma medida coercitiva, pois restringe a liberdade do
adolescente, mas não tira totalmente seu direito de ir e vir. Não é o caso, por exemplo, da medida
de internação, de caráter provisório e definitivo. Essa medida destina-se a adolescentes e jovens
responsáveis por cometerem atos infracionais graves (VOLPI, 2011). Contudo, a medida
socioeducativa de internação

só poderá ser aplicada quando: tratar-se de ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência a pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações
graves; por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente
imposta. O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser
superior a três meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo
legal. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida
adequada. (BRASIL, 1990, p. 23).

Observamos, todavia, com base nas informações disponibilizadas pelo SINASE a


aplicação desta medida socioeducativa, em desconformidade muitas vezes aos princípios
mencionados. Revelando, assim, uma face punitiva do ECA. Para Silva (2005), o ECA não
rompeu com o projeto de sociedade presente no Código de Menores, mas incorporou
38

descontinuidades e manteve continuidades num processo de reafirmação da sociedade de


controle. Isso porque,

Por mais ‘inovador’, ‘garantista’ e ‘participativo’ que possa ser o Estatuto, não
podemos esquecer que suas bases estão enraizadas no processo de reprodução e
dominação social. Nesse sentido, lei é sempre lei, portanto, passa por freqüentes
reformas e será sempre normativa, coercitiva e reguladora; jamais fará qualquer
ruptura no plano institucional legal. Resguardará os interesses e os valores dos grupos
hegemônicos que compõem o Estado e inovará com reformas necessárias à
manutenção da ordem social. (SILVA, 2005, p. 42).

Desse modo, a medida socioeducativa de internação vem sendo utilizada como


instrumento de encarceramento massivo da juventude pobre, negra e moradora da periferia
(MOURA; LIMA, 2017). Em síntese, embora as medidas socioeducativas possuam uma face
educativa introduzida pelas novas prerrogativas do ECA, expressa nas entrelinhas a natureza
punitiva e coercitiva que a sociedade brasileira está estruturada. De acordo com Costa (2005),
durante os trâmites processuais, os adolescentes estão sujeitos a diversas lacunas, tais como:
ausência da presunção de inocência, falta de preocupação com a comprovação da prova e da
contraprova e, frequentemente, a ausência de fundamentação na decisão do juiz. Dessa forma,
em comparação ao sistema penal, verifica-se que os adolescentes apresentam desvantagens
durante o processo. Nesse sentido, a autora sustenta a fragilidade do ECA, principalmente,
devido suas interpretações equivocadas, intensificando a face punitiva do ECA, em detrimento
da face educativa. Isto porque, para além das vulnerabilidades possibilitadas pela letra da lei, o
preconceito contra pobres e negros alicerça todo o sistema de opressão e exploração (CISNE,
2014; GERSHENSON et al., 2017).
Como revela o relatório de comemoração dos 25 anos do Estatuto da Criança e do
Adolescente construído pela UNICEF (2015), 40% dos adolescentes autores de ato infracional
estão nessa situação por roubo e 24% por tráfico de drogas. De acordo com o referido relatório,
no Brasil dos 21 milhões de adolescentes brasileiros, somente 0,01% estão cumprindo medidas
socioeducativas por atos contra a vida.
Tais dados corroboram o entendimento que as medidas socioeducativas, em especial, as
de privação de liberdade não estão cumprindo o papel pedagógico e educativo defendidos pelo
ECA e o SINASE, visto que de acordo com um levantamento realizado pelo Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), em 2015, registraram a presença de 26.868 jovens
em cumprimento de medidas de privação e restrição de liberdade. Destes, 18.381 cumprem
medida socioeducativa de internação, 5.480 em internação provisória, enquanto 2.348 estão no
regime da semiliberdade. Ainda de acordo com o estudo, 61,03% dos adolescentes e jovens em
39

restrição e privação de liberdade são de cor parda/preta; 23,17% de cor branca; 0,81% de cor
amarela e 0,28% da raça indígena. Logo, os objetivos das medidas socioeducativas perderam
seu caráter pedagógico e adotaram uma perspectiva de controle, punição e higienização social
(CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2015). Conclui-se a partir desses
números um desenfreado

[...] crescimento dos gastos com prisões e polícia, ao passo que o gasto social
brasileiro experimenta um crescimento vegetativo, o que significa, como reconhece o
próprio Radar Social do IPEA, que infelizmente as respostas a essas situações não
vêm se dando a partir de amplas, universais e sólidas políticas públicas, sociais e de
geração de emprego e renda. Pelo contrário, os programas ainda são tímidos,
focalizados e residuais, sobretudo na assistência e previdência social. (BEHRING;
BOSCHETTI, 2011, p. 190).

A fragilidade e descaso do Estado brasileiro com as políticas sociais infanto-juvenis,


num contexto neoliberal, se espraia também para as medidas de proteção, agravando a situação
de risco e vulnerabilidade social de crianças e adolescentes. Os recursos propostos no
orçamento público destinados a área infanto-juvenil, por exemplo, atestam o processo de
precarização destas políticas. Para Berclaz e Moura (2009, p. 472, grifos do autor),

Apesar de o princípio constitucional da prioridade absoluta ter sido reforçado


pela destinação privilegiada e preferencial de recursos públicos para políticas
públicas voltadas à população infanto-juvenil, a realidade, em matéria orçamentária,
tem sido (des)figurada na ótica da "(des)consideração absoluta".

Ainda de acordo com dados cruzados pelo Centro de Defesa da Criança e do


Adolescente (CEDECA), do Ceará, a partir de informações originadas na subfunção
“Assistência à Criança e ao Adolescente”, vinculada à função “Assistência Social”, do
orçamento das capitais brasileiras reunidas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), com
informações da pesquisa PNAD Contínua, do IBGE, a cidade de Fortaleza, por exemplo,
destinou R$ 1,60 para cada criança e adolescente alvo das políticas públicas em 2017. Valor
per capita só inferior a Teresina, que investiu R$ 0,79. Salvador, no topo do ranking, executou
R$ 37,54 para cada criança e adolescente no mesmo período (CEDECA, 2018).
Cabe destacar que setores conservadores da sociedade brasileira tem se fortalecido
politicamente a partir de propostas que negam e retiram direitos sociais das políticas infanto-
juvenil como é o caso, por exemplo, da campanha em torno da redução da maioridade penal. O
pleito eleitoral, de 2018, inclusive, representou uma importante vitória para esses setores.
Principalmente, por contar com o apoio aberto do atual Governo Federal.
40

O governo Bolsonaro34, aliás, tem direcionado diversos ataques aos direitos de crianças
e jovens. Em julho de 2019, por exemplo, o governo federal suspendeu a cartilha de saúde
dos/as adolescentes. Neste mesmo mês o Fórum DCA emitiu uma nota em repúdio ao atual
chefe do poder executivo pelo o descaso com o CONANDA e, mais especificamente, pela não
realização do Encontro Nacional dos Conselhos Estaduais dos Direitos de Criança e do
Adolescente (CEDCAS).
Enquanto isso, tem predominado a reprodução de práticas de natureza repressiva,
violentas e autoritárias, com acentuada focalização na criminalização da pobreza clamando com
frequência o ressurgimento da imagem estigmatizada do “menor”, presente nos Códigos de
Menores (ROSA, 2001). Aliás, há na política criminal brasileira um avivamento do
encarceramento e repressão como tentativa de resolução da violência e criminalidade. Tal
caminho, conquanto, tem se mostrado frequente não apenas no Brasil, mas nas sociedades
ocidentais, sobretudo, em países da Europa e Estados Unidos. Pratt (2012), destaca que nas
últimas décadas a justiça criminal retrocedeu em relação ao controle do crime e da punição. Se
na pré-modernidade a punição era aplicada por meio da humilhação pública, suplício do corpo
do infrator e com uso da infâmia, como bem descreve Foucault (2014), hoje vemos um retorno
desses tipos de punições. Os programas policiais são um exemplo desses métodos pré-
modernos, utilizando da infâmia para estigmatizar a imagem do infrator perante a comunidade.
De acordo com Pratt (2012), surgiu na contemporaneidade uma “nova punitividade”, essa nova
(ou pré-moderna) concepção de punição está embasada no desejo de envolver a comunidade
nos atos de criminalidade,

[...] no processo de punição eles podem ativamente participar desse processo, mais do
que simplesmente ler sobre ele de modo indireto. É-lhes oferecida a chance de ler e
procurar por monstros reais em seu entorno ao invés de nos meios ficcionais ou
naqueles cuja distância geográfica dissipa sua ameaça. (PRATT, 2012, p. 135).

Na concepção do referido autor, essas “novas” estratégias de punição provocaram um


retrocesso de cerca de dois séculos na penalidade ocidental ao trazer à tona o retorno da infâmia.
A infâmia se apresenta através das publicações dos nomes dos infratores, endereços e
fotografias de conhecidos criminosos ou egressos do cárcere nos boletins de notícias da polícia
comunitária local, em comerciais de televisão e, atualmente, com maior intensidade nas mídias
sociais. Ademais, tais medidas contam com grande apoio popular, logo a superlotação

34
O presidente Jair Messias Bolsonaro, quando da sua candidatura pertencente ao Partido Social Liberal (PSL),
foi eleito para cumprir um mandato de quatro anos (2019-2022).
41

carcerária e punições ao corpo dos infratores, resultado do desmonte da política de bem-estar


penal. Outrora o uso da infâmia e da punição do corpo do infrator eram vistas com vergonha,
hoje são exaltadas e utilizadas como slogan de campanha por políticos para alavancar e
promover suas carreiras políticas35. Logo, “verifica-se o crescimento de iniciativas que parecem
suspender algumas das liberdades e direitos assegurados aos quais nos acostumamos nas
sociedades modernas, democráticas”. (PRATT, 2012, p. 136).
Diferentemente desse cenário, a penalidade que se desenvolveu nos últimos dois
séculos, encarava a justiça criminal sob uma ótica humanista, destoante dessa que se apresenta
na sociedade contemporânea, conhecida como Estado de Bem-Estar Penal. (FONSECA, 2012).
A prática punitiva na modernidade se dirigia, principalmente, à redução das taxas de
criminalidade, influenciada pelas perspectivas penais iluministas objetivando a prevenção e
controle do crime. Foram criadas as agências profissionalizantes responsáveis pela regulação
social do controle do crime e da pena como, por exemplo, as delegacias, tribunais, presídios
etc. Além disso, sob influência do positivismo passou-se a adotar práticas e métodos
psicológicos e sociais para tratar os atos desviantes e prevenir o crime, focalizando no sujeito
autor da infração, e tendo como pano de fundo a tentativa de diminuição das desigualdades
sociais. Ou seja,

Durante a maior parte do século 20, nas mudanças estabelecidas pelo Estado de bem-
estar social, uma racionalidade específica de prevenção pode ser reconhecida, sendo
derivada dessas premissas anteriores. A criminalidade foi gradualmente caracterizada
como resultado de forças sociais operando sobre o indivíduo, cujo déficit de
socialização eventualmente produziria comportamento criminoso. (FONSECA, 2012,
p. 301).

Portanto, segundo as concepções da justiça criminal moderna, a resposta para as taxas


de criminalidade deveria ser um trabalho contínuo de reabilitação do adolescente por meio de
uma abordagem centrada no indivíduo e utilizando métodos para reintegrá-lo a sociedade como
o uso amplo de suspensão condicional, o estabelecimento de juizados para infância e juventude
e a individualização do tratamento. Além disso, a pena serviria para alertar e prevenir futuros
comportamentos, visto que outros indivíduos teriam medo de sofrer uma sanção criminal. No
entanto, nas últimas décadas percebemos um desmonte da Política de Bem-estar Penal

35
O presidente eleito Jair Messias Bolsonaro é um exemplo latente da utilização desse tipo de campanha política,
defendendo a legalização do porte de arma, a castração química, a redução da maioridade penal e a exclusão da
ilicitude para policiais, o que lhes permitiria matar no exercício da profissão sem que fossem responsabilizados
penalmente. Disponível em: <
http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534
284632231.pdf>. Acesso em: 13. Jun. 2019.
42

provocada, principalmente, pela falta de investimento, ausência de conhecimento técnico


adequado e falta de empatia por parte da população com os jovens praticantes de delitos.
(FONSECA, 2012).
O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) Nº 171, versa sobre a defesa da redução da
maioridade penal de 18 para 16 anos, e traduz o latente crescimento das medidas punitivas que
atravessam, sobremaneira, a dinâmica das relações sociais brasileiras. Como já mencionado, os
argumentos em defesa da redução da maioridade sustentam-se numa suposta maneira de
combater a impunidade, além de buscar diminuir os altos índices de criminalidade e violência.
Esta estratégia, contudo, não está atrelada a políticas de distribuição de renda e políticas
públicas direcionadas para a educação e profissionalização da juventude. Para Oliveira (2018,
p. 76),

O conteúdo da PEC nº 171/93 nega de forma clara todos os direitos conquistados


arduamente pela sociedade brasileira no que se refere à proteção da criança e do
adolescente, bem como desconsidera todos os fatores socioeconômicos que
contribuem para a violência e a criminalidade, legitimando um Estado punitivo em
detrimento de um Estado social.

Nesse sentido, no Brasil, as políticas de punição e controle do crime se desenvolveram


de acordo com as especificidades do país, principalmente, devido ao fenômeno das
desigualdades sociais. Além disso, a incapacidade do Estado em gestar uma política
penitenciária reabilitadora capaz de alterar a dinâmica de violência e desigualdades sociais que
atinge sobremaneira pobres e negros provocou, principalmente, no Estado de São Paulo um
aumento da população carcerária e, consequentemente, do número de penitenciárias, tendo seu
ápice na virada da década de 1980/90. (DIAS, 2015).
Na verdade, no Brasil houve uma resistência das agências criminais, principalmente, da
polícia e do poder judiciário na implementação da política de bem-estar penal, sobretudo, no
período de redemocratização do país que, de acordo com Salla (2006), caracteriza-se como uma
herança do regime ditatorial militar. Segundo Barroco (2015), nesse momento histórico, setores
conservadores também apresentaram resistência a implementação de uma política criminal
progressista, reivindicando políticas penais de apelo a ordem e, consequentemente, ao
fortalecimento das políticas de repressão e punição. A ofensiva neoliberal na estrutura social,
sobretudo, nas relações de trabalho ampliou e contribuiu, assim, para a reprodução social da
manifestação da barbárie e do conservadorismo expressas nas ideias, valores e
comportamentos. (BARROCO, 2015).
43

Tais circunstâncias deram margem ao surgimento e fortalecimento de organizações


criminosas, no caso de São Paulo, por exemplo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) possui
ampla hegemonia em diversos territórios. De acordo com Dias, (2015, p. 30), o PCC surge num
momento de esgotamento das políticas criminais tradicionais, reagrupando e organizando o
crime. A prisão, portanto, passa a ser o lócus de organização do crime, sendo o processo
massivo de encarceramento seu principal vetor. (DIAS, 2015).
Nesse sentido, não muito diferente da situação do sistema prisional, o sistema
socioeducativo brasileiro, como já mencionado, apresenta um processo massivo de
superlotação e violações de direitos humanos, principalmente, porque a lógica de gestão ainda
está enraizada numa perspectiva punitiva. Diante disso, os adolescentes e jovens autores de ato
infracional, historicamente violados, utilizam diferentes estratégias de resistência como
instrumento de reivindicação coletiva para o atendimento de direitos básicos como, por
exemplo, rebeliões, motins etc., (SALLA, 2006), provocando fissuras no processo
socioeducativo.
Para Diógenes (2012), o desafio posto as políticas públicas destinadas a juventude,
dentre elas a socioeducação, é captar as nuances que se forjam nos roteiros juvenis. Em outras
palavras, é necessário transpor as barreiras do instituído (foco principal das políticas de
juventude, com suas concepções e noções estáveis) para se alcançar o instituinte (necessidades
subjetivas, por vezes, difíceis de serem pactuadas pelas contradições existentes na sociedade de
mercado). Desse modo, “ao invés de atuar tendo por base o plano das dimensões normativas
ligadas ao ‘dever ser’, as políticas públicas têm como desafio penetrar nos mundos de vida, nos
códigos, nas lógicas e significados de violência das práticas juvenis”. (DIÓGENES, 2012, p.
111).
Contudo, as práticas socioeducativas, especialmente, nos espaços de privação de
liberdade têm priorizado a punição indiscriminada utilizando “como ‘capa’ jurídica os preceitos
socioeducativos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e,
concomitantemente, associados ao estigma da ‘sujeição criminal’”. (DIÓGENES, 2012, p.
110). Sendo assim, numa conjuntura de agravamento da barbárie e do conservadorismo romper
com essa lógica repressiva nos espaços que gerem a medida socioeducativa de internação requer
assumir compromissos políticos tanto do Estado e da família como, principalmente, da
sociedade civil organizada.
No ponto seguinte, abordaremos a partir dos elementos apresentados pela pesquisa a
constituição das identidades juvenis, principalmente, no contexto brasileiro. Além de desvelar
44

os aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais que rodeiam a prática de ato infracional e
sua relação com o capitalismo.

2.2 JUVENTUDE(S) E ATO INFRACIONAL: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE


NEGOCIADA

Moço, peço licença


Eu sou novo aqui
Não tenho trabalho, nem passe, eu sou novo aqui
Não tenho trabalho, nem classe, eu sou novo aqui
Sou novo aqui, sou novo aqui

Sou quase um cara


Não tenho cor, nem padrinho
Nasci no mundo, sou sozinho
Não tenho pressa, não tenho plano, não tenho dono

Tentei ser crente


Mas, meu Cristo é diferente
A Sombra dele é sem cruz, dele é sem cruz
No meio daquela luz, daquela luz
(Meu mundo é barro, O Rappa)

As análises em torno da prática do ato infracional são permeadas por concepções


conservadores e simplistas. O senso comum, quase sempre, atribui este fenômeno a uma suposta
essência “marginal” dos jovens autores de ato infracional. Desconsideram, contudo, os aspectos
sociais, econômicos, políticos e culturais que circunscrevem seu exercício. Assim, como as
diversas expressões da “questão social”36 que, historicamente, violam os direitos de crianças e
jovens brasileiros.
Dessa maneira, para analisar as relações sociais em torno do ato infracional é
imprescindível compreender a dinâmica complexa e heterogênea da formação das identidades
juvenis. A juventude, assim, constitui-se uma categoria moderna cuja noção tem sido abordada
ambiguamente. Para alguns teóricos, trata-se apenas de uma faixa etária especifica, já outros a
compreendem como uma etapa de transição da infância para a vida adulta. Porém, para
conseguirmos responder o que realmente se caracteriza como juventude é necessário apontar as
variáveis envolvidas nesta categoria, visto não está somente ligada as determinações

36
Constitui-se um elo basilar na formação sócio-histórica do país. Observa-se as manifestações de suas expressões,
com maior ou menor intensidade, tanto nos períodos autoritários como nos momentos democráticos. A “questão
social”, desta forma, para além de uma expressão da desigualdade social, como sinaliza Netto (2001), configura-
se como a politização, via reivindicação coletiva, dos efeitos nefastos do pauperismo. Este, contudo, não é aspecto
exclusivo da sociedade capitalista, mas é nesta que “pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na
razão direta em que se aumentava a capacidade social de produzir riquezas”. (NETTO, 2001, p. 42).
45

geracionais, mas também a aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais de cada


sociedade.
Do ponto de vista normativo, a juventude é classificada a partir de diferentes marcos
etários. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo, a juventude é uma das
fases da adolescência compreendida dos 15 aos 24 anos. Já o Estatuto da Juventude,
promulgado em 2013, define esse período dos 15 aos 29 anos de idade. Assim, “[...] é necessário
considerar que a faixa etária utilizada pela OMS/ONU para definir juventude (15 a 29 anos)
abrange o período que se refere a adolescência (12 a 15 anos) e, ao mesmo tempo, se estende
para além do que, no Brasil, é o consenso legal para caracterizar o final da adolescência”.
(TRASSI; MALVASI, 2010, p. 29). Percebe-se, dessa maneira, uma dificuldade dos
instrumentos legais em estabelecer um consenso sobre a questão. Aliás, para além das
divergências etárias, há uma discordância teórica sobre a adolescência e juventude.
Isso porque, apesar da adolescência também ser entendida pela literatura especializada
como uma etapa de transição da infância para a vida adulta, (SERRA, 1997; BECKER, 2003),
a juventude apresenta características específicas que as distinguem. De acordo com Abramo
(2005), por exemplo, em geral, os jovens já estão inseridos no mercado (in)formal de trabalho,
possuem união estável e, quase sempre, com filhos. Além disso, devido ao recorte etário, os
jovens possuem maior autonomia para ocupar os espaços públicos que os adolescentes.
Abramo (2005), aliás, aponta quatro abordagens que, historicamente, as políticas
sociais e as instituições sociais têm utilizado como parâmetro para se compreender a categoria
juventude, são elas: a juventude como período preparatório, o jovem como ator estratégico de
desenvolvimento, juventude cidadã como sujeitos das políticas e a juventude como etapa
problemática.
A primeira abordagem, geralmente, focaliza a juventude como um “[...] período de
transição entre a infância e a idade adulta, gerando políticas centradas na preparação para o
mundo adulto”. (ABRAMO, 2005, p. 20). Em outras palavras, o jovem é compreendido sempre
como um sujeito em “formação” promovendo, assim, uma separação entre estes e os adultos.
Essa tendência tem predominado nas políticas públicas voltadas para juventude.
Já na segunda abordagem elencada pela autora, o jovem como ator estratégico de
desenvolvimento, parte de uma perspectiva que reconhece esses sujeitos como atores dinâmicos
da sociedade, com potencialidades para responder aos desafios colocados pelas inovações
tecnológicas e transformações produtivas. Esta concepção busca capacitar e responsabilizar os
jovens em situação de vulnerabilidade social quanto a resolução dos problemas comunitários e
sociais. Entretanto, Abramo (2005) acredita que essa ideia de corresponsabilização entre os
46

jovens e as políticas públicas acaba por lançar uma sobrecarga nesse sujeito, “[...] sem que
sejam devidamente consideradas suas necessidades; o risco é que se tornem alvo de interesse
público somente na medida das suas contribuições, em detrimento de suas demandas”.
(ABRAMO, 2005, p. 22). Além disso, essa perspectiva liberal sobre a juventude promove uma
mistificação a respeito dos jovens como se fossem eles os sujeitos privilegiados da mudança
social ou os únicos capazes de inovações, ignorando o papel de outros sujeitos e movimentos
sociais nesse processo. No Brasil, as agências de cooperação internacional, os organismos
multilaterais e as fundações empresariais são os principais apoiadores dessas ações.
(ABRAMO, 2005).
A terceira abordagem, da juventude cidadã como sujeitos das políticas, divergindo das
anteriores compreende essa etapa da vida dos jovens como “[...] singular do desenvolvimento
pessoal e social, por onde os jovens passam a ser considerados como sujeitos de direitos e
deixam de ser definidos por suas incompletudes ou desvios”. (ABRAMO, 2005, p. 22). Do
ponto de vista jurídico-legal, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o
Estatuto da Juventude despontam como os principais meios de reinvindicação política da efetiva
cidadania desses jovens.
Já na quarta e última abordagem,

[...] o sujeito juvenil aparece a partir dos problemas que ameaçam a ordem social ou
desde o déficit nas manifestações de seu desenvolvimento. [...] Tal abordagem gera
políticas de caráter compensatório, e com foco naqueles setores que apresentam as
características de vulnerabilidade, risco ou transgressão [...]. (ABRAMO, 2005, p. 20-
21).

Este enfoque surge ainda no século XIX com as mudanças ocorridas no mundo do
trabalho e, consequentemente, do ingresso dos jovens nos postos de trabalho. De acordo com
Trassi e Malvasi (2010), ao mesmo tempo em que são vistos como “símbolo do futuro”, também
são taxados de “um grupo instável e perigoso”. Essa visão ganha força, principalmente, na
década de 1960, a partir dos diversos movimentos sociais de contestação ao status quo burguês
e por meio da propagação de uma contracultura, denominado por muitos como a “revolução da
juventude”. (TRASSI; MALVASI, 2010). Segundo Diógenes (1998), no Brasil, esse
movimento começa a se expressar e catalisar novos estilos definidores de um modo de ser
jovem apenas na década de 1980. “Pode-se afirmar que os movimentos sociais, que eclodiram
no Brasil durante toda a década de 80, tiveram como eixo mobilizador a demanda por bens de
consumo coletivo mas fundamentalmente, reclamaram o direito à diferença”. (DIÓGENES,
1998, p. 148).
47

No entanto, cabe destacar que esse movimento juvenil é atravessado pelo recorte de
classe. No Brasil, por exemplo, a juventude das classes médias e altas eram os principais
protagonistas desse movimento contestatório, visto seu maior acesso ao ensino superior. Já o
jovem das classes trabalhadoras, afetado pelo o pauperismo em função do modelo de
desenvolvimento econômico desigual, “[...] tinha seu destino social definido pela
impossibilidade da escolarização, pelo trabalho precoce, pela ausência de políticas públicas que
garantissem um futuro de participação social e cidadania”. (TRASSI; MALVASI, 2010, p. 37).
Assim, em função das suas condições objetivas de existência, estes jovens dificilmente
conseguiam construir uma consciência de classe em si. Isso porque, como bem pontua Marx e
Engels (2007), apesar da consciência ser construída a partir do real, ou seja, de relações sociais
determinadas, “os homens fazem sua própria história, mas não fazem como querem; não a
fazem sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente,
legadas e transmitidas pelo passado”. (MARX, 2003, p. 7).
Por outro lado, apesar da dificuldade dos jovens da classe trabalhadora em construir
uma consciência coletiva, estes assim como os jovens das classes médias e altas, também
transgridem os padrões sociais vigentes. Todavia, a maneira como a sociedade aborda os atos
de transgressão das juventudes também é transpassada pelo o signo das classes sociais. Os
jovens ricos, por exemplo, “[...] são ‘excêntricos’, ‘rebeldes’, ‘contestadores’; os mais pobres
são ‘deliquentes’”. (TRASSI; MALVASI, 2010, p. 39). A diversas formas de transgressão,
assim, catalisam a formação das identidades juvenis.
Como bem pontua Calligaris (2000), os jovens e adolescentes são, em geral, sujeitos
gregários. Ou seja, costumam procurar “novas condições sociais, em que sua admissão como
cidadão pleno de direito não dependa mais dos adultos e, portanto, não seja mais sujeita à
moratória” (CALLIGARIS, 2000, p. 35). Estes criam e inventam, assim, “microssociedades”
formadas, principalmente, por grupos de amigos que tenham características e uma identidade
em comum por meio do uso de adereços como, por exemplo, o uso de piercing, tatuagem,
vestimentas específicas etc. Pais (2006), sinaliza que estes sujeitos, por vezes, não se
reconhecem nos padrões sociais estabelecidos, posto que “[...] as culturas juvenis são
vincadamente performativas porque, na realidade, os jovens nem sempre se enquadram nas
culturas prescritivas que a sociedade lhes impõe” (PAIS, 2006, p. 7).
Abramo (1994) exemplifica os diferentes grupos juvenis formados a partir da década de
1990, são eles: movimentos darks, emos, skinheads, punks, hackers, patricinhas e as gangues
(atualmente, também conhecidas como facções). O surgimento desses grupos, de acordo com
48

Trassi e Malvasi (2010), é um fenômeno da modernidade37 potencializado pela criação de


instituições sociais como a escola e os clubes esportivos. Além do crescimento dos espaços
urbanos de circulação e encontros como parques públicos, mercados e festas.
Além disso, o consumo tornou-se outro elemento definidor na formação das identidades
juvenis. Especialmente, a partir da expansão da “cultura de massas” responsável por criar uma
“cultura-adolescente-juvenil” particular, sobretudo, a partir dos anos 2000. (MORIN, 1986)38.
Nesta perspectiva, o consumo tornou-se o vetor que determina e/ou condiciona a constituição
das identidades dos jovens na contemporaneidade. “Nesta lógica, ‘consumir é ser jovem, ser
moderno’” (BEZERRA, 2015, p. 108. Grifos do autor). Para Diógenes (1998, p. 149),

O consumismo traz uma mensagem subliminar e orienta-se sobre princípios básicos:


não é apenas o potencial produtivo e a riqueza acumulada pelos indivíduos que define
o status social; é fundamentalmente o que eles podem consumir, e, efetivamente
consomem, que os identifica e os qualifica no jogo das relações sociais.

Assim, a construção dessa identidade jovem varia, no entanto, de acordo com a classe,
raça e sexo do sujeito, assim, como sua cultura. O processo de transição de um jovem da classe
trabalhadora para a vida adulta difere expressivamente daqueles das classes médias e altas.
Esses entram precoce e precariamente no mundo do trabalho, por exemplo, tendo em vista a
necessidade de contribuir no sustento doméstico. Para Soares (2004), esse conjunto de
desigualdades sociais que atingem, sobremaneira, as classes trabalhadoras têm sido o vetor para
inserção desses jovens nas sociabilidades delitivas. Para o autor, a negação de uma cidadania
plena tem estimulado, sobretudo, os jovens do sexo masculino para uma “cultura masculina
belicista”. Em outras palavras, há nessas sociabilidades um crescimento de valores ligados a
guerra. (SOARES, 2004).
Contudo, esse aspecto não se constitui o único condicionante para a prática de ato
infracional, uma vez que os jovens das classes dominantes também cometem delitos. Trassi e
Malvasi (2010, p. 39) afirmam, no entanto, que nessas situações os meios de comunicação e,
inclusive, os órgãos de justiça tendem a ter “[...] uma tolerância social maior na compreensão
de sua conduta – tentativa de psicologização – e nas práticas sociais de repressão e controle de
suas ações”.

37
Compreendemos a modernidade a partir da perspectiva de Giddens (1991) que concebe esta como um “[...]
estilo, costume de vida ou organização social que emergiram a partir do século XVII e que se tornaram mais ou
menos mundiais em sua influência”. (GIDDENS, 1991, p. 8).
38
O referido autor parte de uma abordagem teórica pós-moderna. Embora este não seja o referencial teórico
disposto neste trabalho, optei por utilizar o conceito de “cultura de massas” definido pelo autor para estabelecer
relação com a “cultura-adolescente-juvenil”.
49

Em síntese, a formação das identidades “adolescentes-juvenis” ocorre de maneiras


múltiplas. O jovem autor de ato infracional, por exemplo, geralmente, congrega várias dessas
identidades. Isto porque, para além das explicações psicológicas, estes jovens estão inseridos
socialmente e, por isso, sujeitos a diversos fatores determinantes na construção das identidades,
tais como: a família, a escola, a mídia e o consumo. Em suma, a identidade e a personalidade
juvenil “[...] constitui-se e diferencia-se por uma série de identificações, que ocorrem em
contextos do qual o indivíduo faz parte”. (ZAPPE, 2010, p. 11).
A construção da identidade dos jovens autores de ato infracional é marcada pela
complexidade e transitoriedade. Para Hall (2015), a complexificação das sociedades modernas
desestabilizou as estáveis e imutáveis identidades que outrora servia de sólida referência aos
sujeitos sociais. Esta “crise de identidade” vem se forjando desde o final do século XX e ocorre,
sobretudo, pelo processo de reestruturação da dinâmica do capital, fragilizando as relações de
trabalho e, consequentemente, as relações sociais entre os trabalhadores. Em suma, a
intensificação de valores individualistas perpassa todo o tecido social na contemporaneidade,
repercutindo diretamente na construção das identidades dos sujeitos. Nesse sentido, “o próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático”. (HALL, 2015, p. 11). Sendo assim,
incapaz do sujeito social “[...] fazer a ‘viagem de volta’ concretamente. [...] Assim, os processos
de negociação identitária são mediados por um núcleo imutável e atemporal”. (BEZERRA,
2015, p. 54. Grifos da autora). Em outras palavras, as diversas identidades culturais que
perpassam os indivíduos ao longo de sua trajetória resultam num hibridismo, e são resultantes
dos momentos de entrelaçamento de valores, culturas, ideias, posições políticas, religiões e
combinações por meio de um ininterrupto processo de negação, assimilação e tradução de
sujeitos. (BEZERRA, 2015).
No caso do jovem em cumprimento de medida socioeducativa, a sua identidade é
construída socialmente em torno do ato infracional, sendo constantemente negociada. Tanto
apresenta-se, em determinados momentos entre eles, como um símbolo de força, respeito e
visibilidade (SALES, 2007), como representa, socialmente, um estigma social. De acordo com
Goffman (2004, p. 6), o termo estigma “[...] será usado em referência a um atributo
profundamente depreciativo”. Desse modo, o estigma produz uma imagem dúbia sobre jovens
autores de ato infracional. Primeiro, promove respeito entre o grupo e, segundo, produz
estereótipos negativos sobre eles. Nessa perspectiva, a prática de ato infracional é tida
socialmente como imutável e irreversível, principalmente, se o jovem possuir características
50

especificas, tais como: ser negro e pobre. Abandonar essa identidade socialmente marginal só
é possível, para o senso comum, por meio da prisão ou da morte.
Além disso, nos espaços de privação de liberdade, embora nem sempre os internos
possuam uma identificação grupal a partir de uma pertença étnica ou geográfica em comum, a
estigmatização criada pela prática de ato infracional e, consequentemente, “[...] um estilo de
vida homogêneo, principalmente durante o período de internação, bem como de um sentimento
de identificação ou pertença coletiva, decorrente da experiência de marginalização”
(BEZERRA, 2015, p. 73) propicia a criação de uma identidade compartilhada. Assim, a
constituição das identidades juvenis oscila de acordo com inserção econômica, política, cultural
e social.
No contexto brasileiro, a forte marca das desigualdades sociais, geralmente, determina
os lugares destes jovens na estrutura social. A violência, discriminação, exploração sexual,
pobreza, baixa escolaridade, abuso de drogas e genocídio são algumas das diferentes expressões
da “questão social” responsáveis por atingir estes sujeitos e, sobremaneira, os que praticam ou
praticaram o ato infracional. Desta maneira, é impossível refletir sobre a prática de ato
infracional separado das diversas expressões da “questão social” originadas no campo objetivo
das relações sociais.
No Brasil, as expressões da “questão social” estão materializadas, como bem indica
Ianni (1991), numa histórica trajetória de negação de direitos de grande parcela da população,
inscrita na flexibilização das relações de trabalho, na desnutrição, na ausência de condições
mínimas de saúde, etc., criando, dessa forma, dois brasis (IANNI, 1991). Em outras palavras,
a sociedade brasileira está organizada por um “dualismo social” que de um lado apresenta uma
sociedade industrial desenvolvida expressa na lucratividade das receitas e, de outro, uma
sociedade primitiva com altos níveis de pobreza, concentração de renda e marginalização. Desta
forma, “é enganoso sugerir que os ‘dois brasis’ pouco ou nada têm a ver um com o outro”
(IANNI, 1991, p. 6, Grifos Nossos), uma vez que o desenvolvimento de um é diretamente
dependente do pauperismo do outro.
Esta dualidade nas relações sociais entre as classes repercute, sobretudo, no processo de
constituição da cidadania dos sujeitos. Isto porque no Brasil, diferentemente de outros países
que vivenciaram um Estado de Bem-Estar Social39, o longo predomínio de regimes

39
O Estado de Bem-Estar Social também conhecido como “anos de ouro” do capitalismo, “propugnava a mudança
da relação do Estado com o sistema produtivo e rompia parcialmente com os princípios do liberalismo”.
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 83-84). Em outras palavras, foi um período marcado pela ampliação dos
direitos sociais dos(as) trabalhadores(as) e teve seu mais expressivo desenvolvimento sob o Welfare State por via
51

antidemocráticos, associado ao desenvolvimento tardio do capitalismo, permitiu as elites


realizarem contrarreformas40 pelo “alto”, numa relação vertical, de cima para baixo com fortes
consequências nas relações de trabalho, repercutindo negativamente nos direitos sociais dos
trabalhadores. Neste sentido, a cidadania sempre foi regulada e, assim, apenas determinados
sujeitos tiveram acesso aos bens socialmente produzidos. Logo, um grande contingente de
trabalhadores rurais, urbanos informais e a massa das “classes perigosas” estavam a margem
das relações de trabalho e, consequentemente, da proteção social. (SANTOS, 2012).
O título de cidadão, portanto, sempre teve como pressuposto a posse de bens de
consumo. Sendo assim, como reflete Tonet (2004, p. 149), “a propriedade ainda continua e
continuará a ser o critério indireto da cidadania, uma vez que o acesso efetivo aos direitos tem
a sua raiz na divisão social do trabalho”. Os jovens das classes trabalhadoras e, mais
especificamente, os autores de ato infracional, dessa maneira, são tidos socialmente como não-
cidadãos na medida que não vivenciam uma cidadania efetiva consequência, principalmente,
da postura política neoliberal brasileira que, nas últimas décadas, vem sucateado e fragilizando
as políticas sociais e públicas. Além do quê, “[...] é difícil, para o senso comum, juntar a ideia
de segurança e cidadania. Reconhecer no agressor um cidadão parece ser um exercício difícil
e, para alguns, inapropriado. (VOLPI, 2011, p. 9). A privação de direitos essenciais como a
moradia, saúde, educação e, até mesmo, a vida repercute concretamente nas condições de
existência da maioria da população, agravando, assim, as relações sociais de opressão e
subalternização da pobreza. (SALES, 2007).
O fenômeno da marginalidade que atinge, sobremaneira, os jovens da classe
trabalhadora, como já mencionado, tem na desigualdade social sua matriz estrutural. Este
determinante acentua as formas de punição contra as “minorias sociais”, especialmente, pobres,
negros(as) e populações periféricas. Os jovens autores de ato infracional, sobretudo, os pobres
são, historicamente, tidos como “perigosos” (ou em perigo de ser...), como bem indica Rizzini
(2011). Guimarães (2008), ao realizar um resgate sócio histórico da sociedade brasileira para
explicar como se forjou o surgimento desse grupo, vai denominá-los, de “classes perigosas”.

da geração de emprego e aumento de renda. Ainda de acordo com as autoras, o Welfare State foi claramente uma
reforma – uma tentativa temporal e geopoliticamente situada de combinar acumulação e diminuição dos níveis de
desigualdade, com alguma redistribuição de renda (Behring, 1998)”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 150).

40
O termo “contrarreforma”, segundo Behring e Boschetti (2011), consiste numa série de medidas promovidas
pelo Estado, sobretudo, a partir do processo de reestruturação produtiva sob a égide do neoliberalismo com forte
ataque aos direitos sociais dos(as) trabalhadores(as). Em síntese, opõe-se ao sentido de “reforma”. Uma vez que,
“[...] o termo reforma [...] ganhou sentido no debate do movimento operário socialista, ou melhor, de suas
estratégicas revolucionárias, sempre tendo em perspectiva melhores condições de vida e trabalho para as maiorias”.
(BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 149).
52

De acordo com o autor, desde o Brasil colônia até o processo de industrialização do país, as
desigualdades sociais foram uma constante na realidade brasileira e propiciaram o surgimento
do banditismo urbano e rural.
Dentro desse cenário, principalmente, nos períodos de crise econômica há uma forte
tendência de elevação nos delitos antissociais, principalmente aqueles contra a propriedade e a
ordem social do sistema capitalista, aumentando, consequentemente, as taxas de criminalidade
e violência. Os crimes contra o patrimônio são os principais delitos praticados pelas “classes
perigosas”. Logo, a lógica adotada pelo Estado para punir os sujeitos dessas classes se
materializam em ações punitivas e violentas por parte, principalmente, da polícia. Uma das
técnicas governamentais para o controle do crime é a “cultura do encarceramento”
(GARLAND, 2012) e/ou o genocídio destes jovens. Aliás, as “respostas” a este fenômeno
continuam, na contemporaneidade, sendo (re)produzidas via ações repressivas e de violações
dos direitos humanos. Tais ações, todavia, ganharam fôlego a partir da década de 1970 quando
o fenômeno da marginalidade se agravou como uma expressão fundante da instabilidade das
relações de trabalho e do desemprego inerente ao modelo dependente de produção capitalista
brasileiro. (PASTORINI, 2004).
Os índices de violência contra a juventude expressam esta natureza repressiva e
criminalizadora do aparelho estatal. De acordo com Atlas da Violência de 2018, no país 33.590
jovens foram assassinados em 2016, sendo 94,6% do sexo masculino. Utilizando como
parâmetro a década de 2006-2016, o país sofreu um aumento de 23,3% nesses casos. Ainda
segundo o documento, estes índices se acentuam nos estados de Sergipe (142,7 homicídios por
grupo de 100 mil jovens), Rio Grande do Norte (125,6 homicídios por grupo de 100 mil jovens)
e Alagoas (122,4 homicídios por grupo de 100 mil jovens). (INSTITUTO DE PESQUISA
ECONOMICA APLICADA, 2018).
Tais dados retratam a vulnerabilidade das condições de vida da juventude, em especial,
da classe trabalhadora. A ausência de respostas do Estado, via políticas públicas, para as
diversas expressões da “questão social” que afligem estes jovens abrem margem para sua
inserção em diferentes grupos criminosos. As “facções”, desse modo, assumem muitas vezes,
por meio da violência, a responsabilidade de inseri-los num mercado de trabalho altamente
lucrativo e de visibilidade social: o tráfico de drogas. Cabe destacar que os jovens das classes
dominantes embora também pratiquem atos infracionais e participem da dinâmica de grupos
criminosos organizados, nestes casos são, quase sempre, ignorados pela mídia, caindo no crivo
seletivo da justiça sob a roupagem de erros pontuais.
53

Estes grupos criminosos41, surgiram no espaço prisional como uma resposta a ineficácia
do Estado Penal em gerenciar uma política penitenciária “ressocializadora”, são “[...] fruto de
uma articulação de presos em resposta a atuação historicamente violenta e arbitrária do Estado
dentro das prisões, que teve seu auge no evento conhecido como Massacre do Carandiru 42, em
1992”. (DIAS, 2015, p. 30). Segundo Wacquant (1999), a naturalização da violência tanto
institucional como interpessoal no seio da classe trabalhadora caracteriza-se como uma herança
do período escravocrata e fortalecida no período militar. Assim, cotidianamente sob o signo da
ordem social, as classes subalternas estão sujeitas a todo tipo de repressão do Estado.
Portanto, a crescente cooptação de jovens, sobretudo, das classes subalternas tem na
(des)proteção social seu principal motivo. Isto porque estes jovens, assim como aqueles das
classes dominantes, estão inseridos socialmente e, por isso, sujeitos a influência da mídia e da
lógica de consumo que alimenta o mercado. A constante busca por reconhecimento social e
financeiro dentro destas sociabilidades contribuem, assim, para a prática de ato infracional43. O
delito, portanto, para além de uma ação isolada na busca de um retorno financeiro também
representa, simbolicamente, a conquista de status diante da comunidade, isto porque,

- Os adolescentes gostam de ser vistos – numa atitude cultural bastante em sintonia


com a geração da indústria cultural, isto é, a geração midiática;
- Os adolescentes querem ser vistos associados à beleza, à irreverência e ao
reconhecimento e prestígio social que ícones do mundo da cultura (música, teatro,
cinema, etc) e do esporte desfrutam;
- Na impossibilidade da gratificação imediata em termos de consumo, prazer, lazer,
reconhecimento social (estimulado pela cultura de massas), devido às dificuldades de
acesso a oportunidades sociais (escola, trabalho, remuneração digna, etc.), muitos
jovens aderem aos apelos da criminalidade em seus diversos matizes: furtos, assaltos,
tráfico, etc;
- Os adolescentes compreendem o poder e a força da imagem que os associa à rebeldia,
a comportamentos transgressores e à violência, e tiram partido dela. (SALES, 2007,
p. 29-30).

A prática de ato infracional, portanto, constrói uma identidade social em sintonia com o
modelo economicamente hegemônico de ser “bem-sucedido”, quase sempre, associada ao

41
O Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho despontam como as principais organizações
criminosas do país, respectivamente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
42
No dia 02 de outubro de 1992, após uma rebelião iniciada por grupos rivais na Casa de Detenção Carandiru, o
pavilhão 9 do presidio foi palco de um massacre. Na ocasião, 111 presos foram assassinados pela a polícia. Até
hoje nenhum policial ou autoridade foi responsabilizado pela ação.
43
De acordo com dados do relatório de comemoração dos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente
realizado pela UNICEF (2015), constatou-se que 40% dos adolescentes autores de ato infracional estão cumprindo
medida socioeducativa de internação por roubo e 24% por tráfico de drogas.
54

poder, a força e ao respeito, mesmo que por via do medo e da violência. De acordo com Sales
(2007), a prática de ato infracional produz um duplo efeito sobre o jovem denominado de
“(in)visibilidade perversa”. Por um lado, produz diversos estigmas sociais que, quase sempre,
lhes determina um lugar marginal na sociedade e, por outro, proporciona uma visibilidade
positiva entre seus pares, na medida em que lhes garante o status de “bichão da favela44” e,
consequentemente, respeito pela a comunidade, representa, dessa forma, “[...] quase um valor
absoluto em um lugar onde ninguém é ’considerado’ por ninguém”. (SÁ, 2011, p. 352. Grifos
do autor). Os valores éticos-morais desses jovens, em geral, são construídos a partir de
representações, socialmente, não hegemônicas. Como bem enfatiza Zaluar (1994, p. 9): “seus
heróis são outros”. Estes são, em suma, a figura violenta, viril e respeitável do chefe do crime
“[...] que desafiam, passam rasteira e se negam a este mundo do trabalho. Se antes, por lá, os
valentes eram os simpáticos malandros, hoje são os perigosos e armados bandidos”. (ZALUAR,
1994, p. 9).
Ademais, a constante violência policial nas comunidades periféricas antagoniza e,
consequentemente, rivaliza a população destas áreas. Os jovens, dessa maneira, como os
principais alvos dessa violência do Estado45, (PESCHANSKI; MORAES, 2015), constroem
suas identidades em oposição aos valores sociais (re)produzidos pelos agentes públicos. O
famoso “condomínio do diabo”, denominado por Zaluar (1994), para descrever as fragilidades
materiais e simbólicas presentes nos territórios periféricos, congrega diversos condicionantes
para a prática de ato infracional. Esta variável, contudo, precisa ser compreendida num
panorama global e não de maneira generalizada, correndo o risco de cairmos numa perspectiva
criminalizadora da pobreza.
Além disso, como já sinalizado, a indústria cultural ou “cultura de massas” exerce,
ainda, subjetivamente, uma forte influência na constituição dessas identidades juvenis. De
acordo com Fávero (2007), o advento da “revolução cultural”46, representou diversas mudanças
na sociedade contemporânea e, consequentemente, nas relações sociais. Dentre essas

44
“‘Bichão’ é uma categorização simbólica sobre as fronteiras do humano e do não humano nas dinâmicas
identitárias da violência entre jovens envolvidos em guerras intestinas em uma das favelas de Fortaleza”. (SÁ,
2011, p. 348. Grifos do autor).
45
“Pelo menos na perspectiva sociológica, corporações e Estados não puxam o gatilho, não estupram nem
torturam. Pessoas que agem em nome das instituições cometem o que se costuma designar violências do Estado”.
(PESCHANSKI; MORAES, 2015, p. 62).
46
Fávero (2007) compreende por “revolução cultural” as diversas transformações sociais ocorridas na década de
1960, sob a liderança dos movimentos feminista, LGBT e negro.
55

mudanças, destaca-se: a alteração da dinâmica das relações entre os sexos, acentuada pela forte
marca do patriarcado47, em que se estrutura o modelo da família nuclear burguesa como, por
exemplo, o divórcio, aumento de famílias chefiadas por mulheres, a crescente inserção da
mulher no mercado de trabalho etc.; e “[...] o fortalecimento da cultura juvenil, com acentuado
abismo entre gerações, revelado pela desvalorização de regras e valores da geração mais velha,
implicadoras de controle de comportamento humano”. (FÁVERO, 2007, p. 120). Além disso,
a mídia se tornou um dos principais instrumentos de propagação ideológica com fortes
repercussões na constituição do ser “belo, divertido e desejável” nesta sociedade.
Desse modo, a mídia ocupa na contemporaneidade uma importante posição no âmbito
da esfera pública, “[...] em função da capacidade de projetar temas e polêmicas no cenário
mundial”. (SALES; RUIZ, 2011, p. 46). Os desdobramentos ideológicos da mídia, contudo,
oscilam de acordo com os interesses em jogo. Ora apresentam pautas progressistas relacionadas
ao feminismo e ao movimento LGBT, ora distorcem a realidade social, sobretudo, em relação
aos determinantes da violência e da criminalidade. Reproduzem, com frequência, discursos
ancorados na criminalização da pobreza e da juventude. Mostra-se urgente, dessa maneira,
problematizar os limites éticos destes meios de comunicação na arena pública devido,
principalmente, ao crescimento vertiginoso das redes sociais e das Fake News48. A informação
divulgada pelos veículos de comunicação, de acordo com Sales e Ruiz (2011, p. 54), “[...] deve
ancorar-se na lei e nos direitos humanos – sociais, políticos, civis, culturais, ambientais – ou
em sua defesa”. Em resumo, a imprensa deve atuar “como uma guardiã da ética na esfera
pública”. (SALES; RUIZ, 2011, p. 54).
Porém, a atual projeção midiática sobre os atos infracionais desconsidera a totalidade
social, contribuindo, assim, na construção de representações sociais estereotipadas dos jovens
pobres, negros e de periferia. Em outras palavras, a mídia mostra-se um importante canal
ideológico de criminalização da “questão social” expressa, por exemplo, na mobilização
pública pela redução da maioridade penal. Conquanto, oculta as trajetórias destes jovens, em
sua maioria, marcadas pela pobreza, criminalidade, ausência de ensino formal e pelo
desemprego. Além disso, os meios de comunicação, comumente, dão considerável cobertura
aos atos infracionais praticados pelos jovens da classe trabalhadora, numa clara tentativa de
criminalização da pobreza. Assim, as representações construídas sobre estes indivíduos os

47
Saffioti (2004) compreende o patriarcado como um sistema de dominação e exploração dos homens sobre as
mulheres.
48
Fake News significa "notícias falsas". São as informações noticiadas que não representam a realidade, mas que
são compartilhadas na internet como se fossem verídicas, principalmente por meio das redes sociais.
56

retratam como: “[...] meninos perigosos, cujo comportamento passa a ser previsível, o ser
humano some por trás desse processo violento de julgamento do outro a partir da classe social”.
(FROTA, 2007, p. 135). Ignorando, desse modo, a adolescência e a juventude como um período
peculiar de desenvolvimento, cujos determinantes para o ato infracional estão na própria forma
como a sociedade se organiza.
Para Volpi (2001), os meios de comunicação reforçam e, de certa forma, validam os três
mitos em torno da prática de ato infracional. São eles: o mito do hiperdimensionamento,
periculosidade e irresponsabilidade. O primeiro diz respeito a ampliação de discursos
repressivos por meio de opiniões unilaterais, sobretudo, por parte de autoridades e agentes
públicos de segurança, reforçando a cultura do medo49 em relação aos jovens que cometem atos
infracionais. Já o mito da periculosidade constrói uma imagem violenta sobre os jovens,
geralmente, associando-o aos atos de homicídio, latrocínio, etc. E o terceiro mito, da
irresponsabilidade, sustenta-se “na ideia de que ele estaria mais propenso à prática de atos
infracionais porque a legislação é muito branda na sua punição. Nesse caso ocorre uma
confusão entre inimputabilidade penal e impunidade”. (VOLPI, 2001, p.16). Já que ser
inimputável penalmente não exime o jovem de ser responsabilizado e, consequentemente, ser
privado de liberdade por até três anos mediante a aplicabilidade das medidas socioeducativas,
como sinaliza o ECA. (BRASIL, 1990).
Além disso, frequentemente o senso-comum atribui a prática de ato infracional a
“desestruturação” dos vínculos familiares destes jovens. Tal concepção utiliza como parâmetro
o modelo de família nuclear burguesa e, assim, “[...] os arranjos familiares que fogem a ele
apresentam-se como anormais, desviantes, diferentes e, portanto, necessitados de correção ou
de enquadramento” (FAVÉRO, 2007, p. 122). O cotidiano, contudo, revela diversas formas de
ser família divergentes desse padrão hegemônico. As famílias chefiadas por mulheres, por
exemplo, representam uma quebra no paradigma nuclear burguês50. A noção positivista e,
consequentemente, conservadora de conceber uma suposta ligação entre o ato infracional e as

49
A cultura do medo “é internalizada na vida cotidiana, uma situação de insegurança excepcional passa a ser vivida
como algo que pode vir a ocorrer a qualquer momento, um estado de alerta típico de situações de guerra.
(BARROCO, 2011, p. 210).
50
Por família nuclear burguesa resume-se a definição dominante “reduzida ao pai, à mãe e aos filhos, organizada
hierarquicamente ao redor de uma rígida divisão sexual de papéis, na qual competia ao homem a responsabilidade
pelo sustento da família e, à mulher, a educação dos filhos e os cuidados com o lar. Este modelo institui padrões
de educação dos filhos e devotou importância à privacidade e à intimidade nas relações entre pais e filhos. A
higiene, a disciplina, as emoções, a domesticidade, o amor materno e o amor romântico tornaram-se valores
basilares à manutenção desse particular modelo de estruturação”. (OSTERNE, 2001, p. 68).
57

diferentes configurações familiares estão assentadas no ideário conservador que naturaliza e


individualiza as diversas expressões da “questão social”, dentre elas, a prática de ato infracional
(FÁVERO, 2007).
Sendo assim, as alternativas postas para tirar o jovem da prática de ato infracional51
sustentam-se em medidas precárias e paliativas. A inserção no mercado de trabalho desponta
como a opção mais viável. Este acesso, por outro lado, funda-se nos pressupostos burgueses de
compra e venda da força de trabalho. Ou seja, na exploração e na subalternização dos jovens
em situação de vulnerabilidade social. Este trabalho condenado, proibitivo, “é aquele em que
crianças e adolescentes são forçados a realizá-lo para sobreviver, para contribuir na renda
familiar; é o trabalho que os faz abandonar a escola e o brinquedo” (CARVALHO, 1997, p.
109). Portanto, diverge da concepção crítica de trabalho como potencializador do gênero
humano e garantidor das necessidades básicas dos indivíduos.
Contraditoriamente, porém, tais propostas desconsideram o alto índice do desemprego
estrutural, somado a precariedade do ensino formal, além da ausência de políticas públicas
voltadas a profissionalização destes jovens. Logo, as oportunidades de trabalho são, quase
sempre, instáveis e de baixa remuneração. Porém, muitas vezes, a necessidade de subsistir torna
esses sujeitos um contingente vulnerável dentro da massa trabalhadora e acabam aceitando
qualquer tipo de trabalho, seja regular ou informal, leve ou pesado, saudável ou insalubre
(GALASSO, 1994). Apesar disso, quando estes jovens recusam estas condições de trabalho e,
optam pelo ato infracional e, consequentemente, se distanciam dos padrões de sociabilidade das
classes dominantes, as avaliações morais produzidas por essas classes são, em suma,
individualizadas e internalizadas como um fracasso pessoal do sujeito. (FERNANDES, 1985).
A recusa ao trabalho nas sociabilidades periféricas juvenis se sustenta, principalmente,
nas experiências pessoais e na observação das relações de trabalho dos membros familiares.
Esta visão negativa ampara-se na assimilação do trabalho a escravidão. Para os jovens autores
de ato infracional, particularmente,

[...] escravidão é trabalhar de “segunda a segunda” por irrisórios salários durante


quase todo o tempo que se está desperto. Escravidão é também submeter-se a um
patrão autoritário que humilha o trabalhador com ordens ríspidas, que não o ouve
nunca, que o vigia sempre. (ZALUAR, 1994, p. 9).

51
O termo “delinquência” foi bastante empregado durante a vigência dos Códigos de Menores e, teoricamente,
deveria ter sido abolido do vocabulário para referir-se ao público infanto-juvenil. Contudo, nomenclaturas
estigmatizantes e discriminatórias ainda são com frequência utilizadas nos ordenamentos jurídicos-sociais. Numa
clara perspectiva criminalizadora dos adolescentes das classes populares (SARTÓRIO; ROSA, 2010).
58

Em síntese, o submundo da criminalidade, embora possa ser passageiro e efêmero, em


particular, para os jovens da classe trabalhadora, dado o crescente índice de homicídios de
jovens negros e moradores de periferias, (ATLAS, 2018), possibilita-lhes acessar bens
materiais e imateriais até então inimagináveis. O boné, o tênis e a roupa “de marca” criam um
conjunto de signos e códigos que os permitem viver um estilo de vida em harmonia com os
padrões sociais de ser” bem-sucedido e atraente” na sociedade. O preço pago por esses bens,
geralmente, é a sua vida ou sua liberdade, tendo como parâmetro sua classe, cor e gênero.
Para além disso, o ato infracional também ressignifica comportamentos sexuais,
sobretudo, nas comunidades periféricas. A iniciação sexual, assim, como a prática de ato
infracional catalisa a transição da infância para a vida adulta. A precoce iniciação sexual nas
periferias brasileiras “exprime uma mudança de status e da percepção de ser homem, que é a
um só tempo ter adentrado o universo masculino da ‘obrigação’ de trazer dinheiro para casa (o
grupo doméstico de origem) e ter se iniciado sexualmente”. (HEILBORN, 1999, p. 43).
Sendo assim, a imagem viril, masculina e violenta cotidianamente representada pelos
jovens e oportunizada através do delito, estimula a desejabilidade das jovens que também veem
no adolescente uma maneira de acessar tais bens. Isto porque, as mulheres como sujeitos dessas
sociabilidades também compartilham dos mesmos anseios e necessidades objetivas produzidas
pela sociedade do consumo e, portanto, veem na relação afetiva e sexual com os sujeitos
envolvidos em prática de ato infracional e/ou até mesmo numa inserção direta nos grupos
criminosos organizados, uma maneira de adquirir status, dinheiro e respeito. Os jovens
pesquisados reforçam esta visão:

- Mulher gosta de dinheiro sim, quem gosta de homem é fresco. (Pistoleiro Sem
Nome, 18 anos).
- A mulher pra curtir se você não tiver [dinheiro] ela lhe dá logo um cano. Mas também
quando a mulher gosta... tem aquela mulher tipo assim, ela gosta de curtir e tem aquele
cara que se identifica, seja na cama, seja onde for e sabe que ela tá com ele por
momento. Tá entendendo? (Justiceiro, 18 anos).

As esposas/companheiras/namoradas desses jovens são vistas por eles de maneira dual.


De acordo com alguns, suas companheiras e/ou namoradas não são classificadas de forma
moralmente negativas, sendo retratadas como uma “mulher direita”,

- [...] que quer construir uma família e deixar de lado a farra. Porque, primeiramente,
tem que abandonar a farra pra poder casar com você e construir uma família (Jack
Sparrow, 20 anos).
59

Assim, a mulher ideal para estes jovens precisa reunir valores morais opostos a
sociabilidade violenta e, por vezes, destrutiva do crime.
Há, por outro lado, a representação da “mulher interesseira” que congrega diversas
características moralmente reprováveis pelos jovens. São, geralmente, rotuladas como
“bandidas”,

- [..] vive de farra, que fuma maconha nas praças e cheira pó. (Lex Luthor, 19 anos).

Tais aspectos remetem ao universo masculino e, mais especificamente, ao universo do


crime. Embora tais elementos sejam aceitáveis para estabelecer relações sexuais, são tidos como
entraves para a manutenção de uma relação afetiva sólida, como o casamento, por exemplo.
Neste jogo de papeis e posições sociais fortemente demarcadas cabe a “mulher bandida” o lugar
da curtição, sexo e descompromisso.
Sendo assim, o regime das relações de gêneros nas sociabilidades juvenis, em especial,
da classe trabalhadora, de acordo com Heilborn (1999), concebe categorias duais sobre o
feminino. Geralmente, “opõe as mulheres fáceis’, que ‘dão mole’, ‘piranhazinhas’, e as
mulheres ‘pra casar’. Esse parâmetro ordena o modo como os homens se aproximam das figuras
femininas” (HEILBORN, 1999, p. 45). Nos diálogos com os jovens entrevistados, todavia, estas
representações são, por vezes, negociadas se isso significar ter relações sexuais com as
“mulheres bandidas”. Além disso, a representação que os jovens autores de ato infracional têm
sobre elas falam muito mais deles próprios do que delas. Para Pistoleiro Sem Nome, por
exemplo, as “mulheres bandidas”:

- É a que fica com nois. Aquelas que é bagulho doido, que quer andar mais o cara,
que quer fumar maconha direto, cheira pó, o caralho de asa. São as bandidas.

Nesta interpretação, os sujeitos reconhecem a prática de ato infracional como uma


atividade moral e socialmente marginal e, por isso, lhes permite se relacionar, majoritariamente,
com “mulheres bandidas”, mesmo que estas possuam atitudes moralmente negativas a suas
concepções de gênero. Abordaremos esta questão com maior profundidade no terceiro capítulo
deste trabalho.
Nesse sentido, compreendemos, assim, que a prática de ato infracional é carregada de
significados e códigos sociais que perpassam diferentes aspectos subjetivos e objetivos da vida
dos jovens. Desde a conquista de status e respeito social por via da violência e do medo, do
retorno financeiro originado pelo delito até o alcance de relações afetivo-sexuais.
60

Dito isso, gostaríamos de deixar claro que este ponto do trabalho, longe de buscar
reduzir a problemática a ausência de condições estruturais ao qual estes jovens estão inseridos,
também objetiva compreender os aspectos subjetivos que circunscrevem a prática do ato
infracional, visto ser esse segundo aspecto completamente dependente do primeiro. Logo, não
temos por objetivo construir uma imagem vitimizada em torno do jovem autor de ato
infracional, tampouco desresponsabilizá-lo, mas compreender este fenômeno como resultado
de um processo inscrito na totalidade social. E, dessa maneira, corresponsabilizar a ausência de
condições estruturais, somada aos aspectos contraditórios e heterogêneos que compõem a
juventude autora de ato infracional.
No contexto de privação de liberdade a repressão, o controle e a punição perpassam,
inclusive, o campo intersubjetivo da sexualidade. Desse modo, buscando compreender como
os jovens em processo de cumprimento da medida socioeducativa de internação vivenciam esse
aspecto da individualidade e da coletividade dentro dos muros dos centros educacionais,
abordaremos no capítulo seguinte como a sexualidade constitui-se um direito humano
fundamental e intrínseco a singularidade de homens e mulheres. Além disso, discorreremos
sobre a construção social da masculinidade nas sociedades ocidentais e, mais especificamente,
na conjuntura brasileira traçando as particularidades dos sujeitos privados de liberdade,
sobretudo, pela constante necessidade de demonstração da virilidade, força e respeito.
61

3 SEXUALIDADES: PARA ALÉM DA NORMATIVIDADE DOMINANTE

3.1 SEXUALIDADES: IDENTIDADE DE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL EM


DEBATE

O que vão dizer de nós?


Seus pais, Deus e coisas tais
Quando ouvirem rumores do nosso amor
Baby, eu já cansei de me esconder
De olhares, sussurros com você
[...]
Um novo tempo há de vencer
Pra que a gente possa florescer
E, baby, amar, amar sem temer
Eles não vão vencer
Baby, nada a de ser em vão
(Flutua, Johnny Hooker)

O debate em torno da sexualidade é recente na história ocidental, visto a histórica


moralização subjetiva, social e política no cotidiano de sujeitos dissidentes, sobretudo, gays,
lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais etc. Assim, sob o signo de diversas opressões, estes
indivíduos são submetidos a inúmeras violências, tais como a física, psicológica, simbólica,
material etc.
Neste sentido, a sexualidade como elemento intrínseco à condição humana só veio a ser
reconhecida nos diversos ordenamentos jurídicos e conferências nacionais e internacionais em
1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e, após esse momento, no Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966; no Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966 e; na Convenção Americana de Direitos Humanos,
de 1969. Na década de 1980 com o surgimento da epidemia da Síndrome da ImunoDeficiência
Adquirida (AIDS), causada pelo Vírus da ImunoDeficiência Humana (HIV), a luta por direitos
sexuais ganha força a partir das demandas do movimento LGBT52, feminista e negro. No Brasil,
por exemplo, somente em 1984 são ratificados os direitos das mulheres previstos na Convenção
para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, adotada pela ONU,
em 1979. (MATTAR, 2008).
Todavia, o reconhecimento deste debate na agenda dos direitos humanos não tem
garantido o respeito e livre expressão das orientações sexuais e das identidades de gênero. Isso
porque embora os direitos humanos sejam instrumentos de reivindicação política,

52
O vírus da ImunoDeficiência Adquirida foi relacionado a população, tendo sido chamada pejorativamente de
“peste gay”.
62

concretamente eles não garantem seu efetivo cumprimento no bojo das relações sociais. Assim,
a igualdade formal não representa o fim das desigualdades materiais entre os sujeitos, pois “a
igualdade jurídica é, ao mesmo tempo, uma expressão e um instrumento da reprodução da
desigualdade vigente na esfera da produção”. (TONET, 2004, p. 154).
Diante disso, compreendemos, a partir da perspectiva histórico-critica que os direitos
humanos possuem limites próprios no regime de produção capitalista. Para Trindade (2010), a
igualdade, comumente propagada pelos instrumentos normativos, é falsa, individualista e
idealista, pois se alicerça na ideia de direito natural, ou seja, em uma concepção a-histórica.
Posto não reconhecer a conquista dos direitos humanos como resultado da luta coletiva dos
trabalhadores, negando, assim, o homem enquanto ser social.
Portanto, apesar destes dispositivos normativos defenderem a igualdade, a liberdade, a
não discriminação entre os sujeitos, tais princípios não se efetivam concretamente, mas somente
do ponto de vista jurídico-formal, pois na realidade concreta a sexualidade ainda é utilizada
como instrumento de hierarquização, subalternização, invisibilidade e violação dos direitos
humanos de diferentes sujeitos na sociedade.
Para gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais e demais expressões da identidade
de gênero que subvertem o modelo heteronormativo esse processo é mais perverso, uma vez
que se convencionou supor que estes sujeitos estão fora da “normalidade”, ou seja, da
heteronormatividade. Portanto, vivenciar a sexualidade se configura para eles como uma
experiência marcada por conflitos. É importante salientar, porém, que a concepção de
sexualidade aqui tratada vai além da ideia simplista que a reduz ao ato sexual, mas está
relacionada a uma compreensão sociológica, centralizada em torno da vivência da orientação
sexual e da identidade de gênero dos sujeitos, bem como numa dimensão social, histórica,
cultural, econômica, subjetiva e também biológica, pois se inscreve nos corpos dos sujeitos,
mas em muito os ultrapassa, visto atravessar identidades, afetos e uma complexa rede de
relações responsáveis por construir o sujeito enquanto ser no mundo. Posto que a literatura
especializada tem dificuldade em conceber uma visão unívoca a respeito da sexualidade53

53
“Assim, a sexualidade pode ser abordada em relação à família, ao parentesco, ao casamento e a aliança como
constitutiva e, ao mesmo tempo, perturbadora da ordem (antropologia e sociologia). Ela pode ser abordada, ainda,
como constitutiva da subjetividade e/ou da identidade individual (psicanálise) e social (história e ciências sociais
em geral); como representação (antropologia) ou como desejo (psicanálise); como um problema biológico/genético
(medicina); ou ainda como um problema político e moral (sociologia e filosofia) ou, mais direta e simplesmente,
como atividade sexual”. (LOYOLA,1999, p. 32).
63

possuindo diferentes enfoques no campo da antropologia, sociologia, psicanálise, filosofia e


medicina.
Nesse sentido, as concepções de sexualidade ligadas a reprodução biológica da espécie
e as diversas expressões de discriminação contra as demais orientações sexuais e identidades
de gênero estão fundadas no pensamento (neo)conservador54 que (re)produz juízos de valores,
sobretudo, de caráter LGBTfóbico. Este conceito pode ser definido como a hostilidade geral,
psicológica e social contra aqueles(as) que, supostamente, sentem desejo ou têm práticas
sexuais com indivíduos do mesmo sexo (práticas homoeróticas). Atuando como forma
específica do sexismo, a LGBTfóbia rejeita, igualmente, todos(as) aqueles(as) que não se
conformam com o papel de gênero predeterminado para o seu sexo biológico.
Nesse sentido, historicamente, os sujeitos coletivos reivindicam a desvinculação do
desejo, sexo, práticas sexuais e do gênero das perspectivas patologizantes. Assim, os próprios
conceitos de orientação sexual e identidade de gênero são uma expressão desse movimento. O
primeiro, por exemplo, foi cunhado para escapar de termos como opção sexual. “Uma vez que
a orientação sexual não se trata de uma escolha racional do sujeito. Orientação sexual indica o
direcionamento da atração física e/ou emocional para pessoas do mesmo sexo (homossexual),
do sexo oposto (heterossexual) ou de ambos os sexos (bissexual)”. (PRADO, 2012, p. 143). Já
o segundo conceito foi forjado buscando relacionar as diversas expressões da feminilidade e
masculinidade às identidades vinculadas ao posicionamento simbólico, pois, assim como o
sexo, a identidade de gênero também é histórica. Dessa forma, “a noção de identidade de gênero
se baseia na noção de que o corpo biológico indica apenas as possibilidades de identificação,
não sendo totalmente determinada por ele”, (PRADO, 2012, p. 142), podendo desempenhar
papeis sexuais do sexo oposto. Esse processo de identificação, geralmente, mostra-se contrário
as expectativas sociais quanto ao sexo biológico do sujeito.
Em suma, a discriminação e o preconceito contra as orientações sexuais e identidades
de gênero dissidentes sustentam-se no pensamento conservador. Como bem aponta Netto
(2011, p. 60), tal pensamento se fundamenta na defesa da “autoridade fundada na tradição, o
poder legitimado pela religião institucional (igreja), a desigualdade jurídica dos homens, a

54
O neoconservadorismo surge em meados da década de 1970 num contexto de crise estrutural do capital, fracasso
das experiências do chamado socialismo real, reestruturação produtiva e retirada de direitos sociais, favorecendo
a organização dos movimentos de direita. Grupos skinheads, por exemplo, surgem como um expoente dessa
ideologia, fortemente, influenciada pelo neoliberalismo. Tendo em vista que “o neoconservadorismo busca
legitimação pela repressão dos trabalhadores ou pela criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da
militarização da vida cotidiana. Essas formas de repressão implicam violência contra o outro, e todas são mediadas
moralmente, em diferentes graus, na medida em que se objetiva a negação do outro: quando o outro é discriminado
lhe é negado o direito de existir como tal ou de existir com as suas diferenças”. (BARROCO, 2011, p. 209).
64

administração personalizada pela justiça, a lei assentada na moralidade e a subordinação do


indivíduo à sociedade”. Portanto, não é um pensamento a-histórico, mas produto de uma matriz
cultural fortemente influenciada pelo cristianismo e que assume novos contornos com o advento
da revolução industrial e, consequentemente, da ascensão da burguesia como classe dominante.
Diante disso, as questões relacionadas à orientação sexual e a identidade de gênero não
hegemônicas são, em geral, analisadas sob o crivo da moralidade burguesa, quase sempre,
ligadas a concepções heteronormativas e binárias pautadas em modelos pré-estabelecidos e
socialmente naturalizados de ser homem e mulher que desconsideram a possibilidade de outras
vivências da sexualidade e identidades de gênero. De acordo com Butler (2015), a
heteronormatividade é uma construção ideológica que consiste na permanente promoção de
uma forma de sexualidade (hétero) em detrimento de outra (homo) e uma forma de identidade
de gênero (cis) em detrimento de outra (trans), organizando uma hierarquização das
sexualidades e identidades.
Nesse sentido, tais instrumentos de controle social ainda repercutem na sexualidade de
homens e mulheres. No contexto brasileiro, o conservadorismo ganha força, principalmente, no
campo da política. A ausência das discussões de gênero e diversidade sexual no Plano Nacional
de Educação (PNE), por exemplo, demonstram a proliferação de concepções reacionárias no
Congresso Nacional e nos mais diversos espaços públicos promovendo uma cultura de
violência e discriminação no cotidiano das “minorias sexuais”55. Em 2011, o projeto “Escola
sem Homofobia”, cujo objetivo era capacitar educadores(as) a respeito das questões de gênero
e sexualidade na escola, foi barrado no Congresso Nacional por setores conservadores,
compostos majoritariamente por deputados evangélicos fundamentalistas, estes vetaram a
circulação do material e apelidaram o texto, pejorativamente, de “Kit Gay” sob o argumento de
que a pauta visava a doutrinação das crianças e a reprodução de “valores promíscuos”56.

55
Minoria sexual é um termo que se refere ao grupo social cuja identidade de gênero, orientação sexual ou práticas
sexuais consentidas diferem dos da maioria da sociedade na que vivem. Nesse sentido, fizemos o uso das aspas
pois, concordamos com Butler (2016) quando afirma que as orientações sexuais e as identidades de gênero são
dinâmicas, portanto, transitórias. Dessa forma, todos os indivíduos estão sujeitos a transitarem pela vasta gama da
diversidade sexual, embora, a heterossexualidade ainda seja utilizada como norma.
56
Do ponto de vista político, o presidente eleito Jair Bolsonaro utilizou tais argumentos como slogan de campanha.
Em fevereiro de 2019, o político reproduziu na sua página oficial nas redes sociais um vídeo de uma pessoa
aparentemente homossexual praticando “Golden Shower” entre os foliões. Na ocasião o presidente eleito escreveu:
“É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro”. A expressão Golden Shower significa o ato
sexual do/a parceiro/a urinar no/a outro/a. Assim, além de reproduzir estereótipos, o presidente ainda liga a
homossexualidade a práticas consideradas socialmente bizarras.
65

Ademais, em 2018, alguns profissionais de psicologia ligados a uma perspectiva


conservadora, conseguiram, por meio da justiça federal, suspender a Resolução nº. 01/1999 que
impedia os profissionais de oferecerem tratamento para “curar” homossexualidade ou
identidade de gênero. A proposta objetivava nitidamente patologizar as orientações sexuais e
identidades de gênero socialmente dissidentes, tendo por princípio a manutenção do imperativo
heterossexual. Ou seja, estabelecer a heterossexualidade sob o signo da normalidade,
rechaçando todas as outras expressões da diversidade sexual. Posteriormente, o Conselho
Federal de Psicologia (CFP) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) mantendo íntegra e
eficaz a resolução nº. 01/1999.
Tais “desvalores”57 encontram fundamento no sistema de preconceitos presentes na vida
cotidiana. Desse modo, pensar o preconceito é pensar o lugar onde ele surge: o cotidiano, seu
espaço privilegiado de (re)produção. (HELLER, 2016). Nesse sentido, a ultrageneralização e o
pragmatismo são características deste cotidiano, assim como, do nosso pensamento e
comportamento. Portanto, produtor de juízos provisórios, na medida que “antecipa à atividade
possível e nem sempre, muito pelo contrário, encontra confirmação no infinito processo de
prática”. (HELLER, 2016, p. 71). Nessa perspectiva, a moralização e, consequentemente, os
preconceitos contra as “minorias sexuais” baseiam-se em “preconceitos negativos”, ou seja,
“ressentimento, racionalização (auto-justificação) estereotipada, comportamento estereotipado
(desde a discriminação até o extermínio, passando pela tortura física)”. (HELLER, 2016, p. 78).
Barroco (2016, p. 20-21) ratifica:

[...] O sistema de preconceitos exerce uma função social de controle e dominação. E


não é possível romper radicalmente com o sistema social de preconceitos nesta
sociedade, pois, para isso, seria preciso superar a separação existente entre os
indivíduos e o humano-genérico, a existência de classes sociais e de interesses de
dominação de classe, ou seja, superar a sociedade burguesa em sua totalidade. Mas
mesmo nessa sociedade, é possível combater o preconceito, individual e
coletivamente. Para isso, é preciso entender que a vida cotidiana comporta momentos
de ‘suspensão’ temporárias, que permitem ao indivíduo sair de sua singularidade,
motivado por exigências de caráter humano-genérico, que ampliam a sua consciência
do ‘nós’, enriquecendo o indivíduo de valores, motivações e exigências voltadas ao
coletivo, à sociedade, à humanidade.

Desse modo, é impossível dissociar a (re)produção dos preconceitos da sociabilidade do


capital, uma vez que esta é funcional a esse sistema. Pois garante a coesão da estrutura social.
Tal sistema de preconceitos repercute, sobremaneira, no debate em torno da diversidade sexual,

57
Para Heller (2016), valor é tudo aquilo que potencializa o gênero humano. Dessa forma, “pode-se considerar
desvalor tudo o que direta ou indiretamente rebaixe ou inverta o nível alcançado no desenvolvimento de um
determinado componente essencial”. (HELLER, 2016, p. 18).
66

posto que a moral dominante (re)produz moralismos contra as orientações sexuais e identidades
de gênero não hegemônicas como, por exemplo, a homossexualidade, bissexualidade,
travestilidade e transexualidade. Ou seja, o capital se mantém reproduzindo relações
hierárquicas de poder entre os indivíduos expressas nas relações de opressão de gênero,
étnico/raciais, orientações sexuais e identidade de gênero. (SANTOS, 2008).
De acordo com Silva (2011, p. 53), esta moral hegemônica “coloca uns indivíduos
contra os outros e, nesse processo, se vale das diferentes refrações da diversidade humana e dos
grandes sistemas de opressão a grupos particulares, tais como patriarcado e a
heteronormatividade”. Nesse sentido, sob a égide do capitalismo, e mais fortemente com o
desenvolvimento do neoliberalismo, tais processos ideológicos repercutem na subjetividade dos
sujeitos, bem como na sua sexualidade, na medida em que “reelaboram a individualidade”
influenciando no modo de pensar e de conceber a vida, a si mesmo e ao mundo.
É importante salientar, no entanto, que embora a sociabilidade normatize as condições
e possibilidades quanto ao modo de ser da individualidade, não se pode resumir a vida social
como externa ao indivíduo, visto que embora se postule como norma a heterossexualidade, os
processos sócio históricos são capazes de romper com a “heterossexualidade compulsória”. A
partir desta perspectiva, as orientações sexuais, assim como as identidades de gênero, dentro de
uma sociabilidade heteronormativa, devem estar em conformidade com o gênero e o sexo
biológico dos sujeitos. (BUTLER, 2016). No contexto de privação de liberdade esses
preconceitos são naturalizados e reforçados pelos jovens autores de ato infracional. Na ocasião
da entrevista com o jovem Magneto, de 20 anos, ele fez a seguinte observação sobre os sujeitos
LGBT:

- É o tipo da coisa, sabe? já nasce.... Tem dois tipos: tem aqueles que já nasce com o
jeito, tá entendendo? Que a gente vê assim... vixe aí... Mas jamais nois vai julgar, né?
É uma escolha, tem uns homens que já nascem gostando de mulher, daquela forma...
E tem uns que já gostam de brincar de boneca, tá entendendo? (Magneto, 20 anos).

Na perspectiva levantada pelo jovem, a homossexualidade tanto apresenta-se como um


aspecto biológico como uma escolha individual. Há, dessa forma, nas entrelinhas a
reinvidicação de um modelo pré-estabelecido de ser, amar e pensar na dinâmica das relações
sociais dualizando a diversidade sexual. Assim, de um lado, temos a heterossexualidade tida
como normal, boa, divina e biologicamente natural e, do outro, as orientações sexuais e
identidades de gênero dissidentes tidas como “anormais”, ruins e reprováveis. Esta dualidade
tem se espraiado por todo o tecido social, inclusive, no campo das políticas sociais. De acordo
67

com Santos (2008), o debate em torno da diversidade sexual na arena pública acaba resumido
a duas dimensões: a valorização da diferença e a busca de igualdade de oportunidades. Em
contrapartida, tais pautas entram em confronto com a própria contradição do sistema, já que
este se (re)produz por meio das desigualdades sociais e da propriedade privada. Ou seja, estas
duas dimensões não encontram materialidade. (SANTOS, 2008).
Além disso, a moralização em torno da sexualidade não é um processo recente e, muito
menos, ausente de conflitos contando, inclusive, com o apoio e legitimação cientifica58. No
ocidente, por exemplo, se perpetuou a concepção de sexualidade relacionada à reprodução
biológica da espécie e aos ideais de amor a Deus e a família. Ou seja, as questões relativas ao
prazer e ao erotismo ficaram condicionadas a exigência matrimonial, tendo a
heterossexualidade como fundamento. (LOYOLA, 1999). A medicina, por exemplo, teve um
papel decisivo nesse processo de construção normativa sobre os gêneros, sobretudo, na ideia de
sexualidade biologizante que “sentencia” e define a orientação sexual e a identidade de gênero
dos sujeitos à sua genitália. Deadpool ratifica esse pensamento quando declara:

- Rapaz, isso aí é errado, né? Mas fazer o quê? O gosto é deles, né? Posso fazer nada.
Isso aí eu não acho certo, não. Porque o omi tem a parada e a mulher tem a dela pra
juntar os dois. Agora o cara vai dá o fastirado [a expressão significa ânus] ...vai comer
um priquito, né? O homem nasceu pra comer um priquito, né? Vai inventar de dá o
caneco véi. É embaçado. E muier nasceu pra fazer com o bagulho do omi, num foi
com muier, né? (Deadpool, 17 anos).

O relato do jovem expressa a naturalização do modelo heteronormativo centrado no


biológico incapaz de questionar as múltiplas formas de vivenciar a sexualidade. Ademais, essa
perspectiva reproduz juízo de valores sobre indivíduos não-heterossexuais, culpabilizando-os
e, consequentemente, reduzindo sua orientação sexual à genitália. Para Louro (2000), esta
perspectiva essencialista concebe a sexualidade como algo dado. Assim, “[...] usualmente se
ancora no corpo e na suposição de que todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma
forma. (LOURO, 2000, p. 11). Nesta perspectiva Weeks (2000) acrescenta que a sexualidade
é perpassada por rituais, linguagens, afetos e outros elementos, assim, reduzi-la ao sexo
biológico seria atribuir-lhe uma importância social definidora na construção do gênero de
homens e mulheres. Ou seja, “estou sugerindo que o órgão mais importante nos humanos é

58
No Brasil até a década de 1980 a homossexualidade esteve no código de doenças do extinto Instituto Nacional
de Previdência Social (INAMPS). Em 2019, a Organização Mundial de Saúde também retirou de sua classificação
oficial de doenças, a CID-11, o chamado “transtorno de identidade de gênero”, definição utilizada para patologizar
pessoas trans.
68

aquele que está entre as orelhas. A sexualidade tem tanto a ver com nossas crenças, ideologias
e imaginações quanto com nosso corpo físico”. (WEEKS, 2000, p. 38).
Portanto, essa restrição binária que pesa sobre o sexo de homens e mulheres atende aos
objetivos reprodutivos de um sistema “heterossexual compulsório”. (BUTLER, 2016). Tal
sistema, como já mencionado, (re)produz hierarquias e, consequentemente, relações de
opressão de ordem sexual e identitária. De acordo com Foucault59 (2013), esta matriz
sociocultural dominante é um produto de um novo modo de pensar dos indivíduos. Dado que a
partir do século XIX a ciência tomou a sexualidade como objeto de regulação e controle.
(FOUCAULT, 2013).
Segundo Prado (2012), há três etapas necessárias para compreender a construção
valorativa em torno das orientações sexuais e das identidades de gênero na contemporaneidade.
Esta breve contextualização histórica nos auxiliará no entendimento sobre a diferenciação
sexual e, consequentemente, na formação dessas hierarquias sexuais que vem servindo de
fundamento para as relações de opressão. São elas: o modelo do sexo único, o modelo de
dimorfismo radical e da ressignificação da sexualidade pela diversidade sexual.
De acordo com o modelo único, “[...] o homem afeminado ou ainda a passividade não
eram relacionados diretamente ao comportamento sexual passivo, mas se destinavam a
identificar aquele que se colocava passivamente em relação ao prazeres”. (PRADO, 2012, p.
35). Veyne (1987) ao debruçar-se sobre a constituição da homossexualidade na sociedade
romana no período clássico, por exemplo, irá desmistificar a noção de “liberação sexual”
comumente atribuída a essa sociedade. Isto porque os valores morais deste contexto,
obviamente, divergem dos valores da nossa sociedade, sobretudo, em relação a
homossexualidade. Em síntese,

Nesse mundo não se classificavam as condutas de acordo com o sexo, amor pelas
mulheres ou pelos homens, e sim em atividade e passividade: ser ativo é ser másculo,
seja qual for o sexo do parceiro passivo. Ter prazer de modo viril, ou dar prazer
servilmente, tudo está nesse ponto. A mulher é passiva por definição, a menos que
seja um monstro, e não tem voz ativa nesse caso específico: os problemas são tratados
do ponto de vista masculino. (VEYNE, 1987, p. 43).

Assim, o julgo moral que recaia sobre a sexualidade direcionava-se para as hierarquias
sociais, demarcando os papéis sexuais. Assumir uma posição sexual passiva nesta sociedade

59
Embora este trabalho se paute numa perspectiva histórico crítica, acreditamos ser pertinente trazer algumas
contribuições importantes do autor francês Michel Foucault, devido a sua relevância nos estudos das instituições
prisionais e da sexualidade, especialmente aquelas em que o autor traz elementos históricos e que nos permitem
cotejar seus argumentos a uma visão mais dialética da sociedade.
69

era tido como um “[...] defeito moral, ou melhor, político, que era exatamente grave: a lasciva.
O indivíduo passivo não era lascivo por causa de seu desvio sexual, muito pelo contrário: sua
passividade não era senão um dos efeitos de sua falta de virilidade”, (VEYNE, 1987, p. 44),
lócus privilegiado das mulheres e dos escravos. Já as práticas sexuais ativas exercidas pelos
homens não eram alvos de questionamentos morais, mas apenas sua performance social. Ou
seja, a sociedade romana “[...] prestava uma atenção exagerada a ínfimos pormenores do traje,
da pronúncia, dos gestos, do modo de andar, para perseguir com seu menosprezo os que
traíssem uma falta de virilidade, independentemente de suas preferências sexuais”. (VEYNE,
1987, p. 44). De acordo com Foucault (2013), até o período Vitoriano, antes da expansão da
moralidade e castidade cristã, a sexualidade era determinada pelas posições e papéis sexuais
(ativo/passivo) dos sujeitos.
Contraditoriamente, na contemporaneidade, sob o signo normativo heterossexual tanto
as práticas sexuais determinaram o lugar social dos sujeitos como suas ações performativas.
Isto porque a estrutura binária organiza os gêneros e exerce demasiado controle sobre os papeis
sociais de ser homem e mulher. Foucault (2013) a partir da sua tese denominou esta regulação
da sexualidade pelas diversas instituições sociais de “hipótese repressiva”. Para o filósofo
francês, a sociedade burguesa não ocultou ou baniu a sexualidade para o âmbito privado, mas
garantiu seu controle a partir de diversos mecanismos discursivos e de poder representados
pelos sistemas educacionais, religião e ciência, por exemplo. Para Foucault (2013), a sociedade
burguesa (re)formulou todo o regime de (re)produção da sexualidade, tanto por meio do
discurso ou “polícia dos enunciados” como também exercendo controle sobre as enunciações.

Definiu-se de maneira muito mais restrita onde e quando não era possível falar dele;
em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais; estabeleceram-se,
assim, regiões, senão de silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição: entre pais
e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais. É quase certo ter
havido aí toda uma economia restritiva. (FOUCAULT, 2013, p. 21-22).

Assim, a partir destes mecanismos regulatórios a heteronormatividade foi estruturada,


negando-se a diversidade humana representada pelos sujeitos de orientações sexuais e
identidades de gênero dissidentes. Este momento histórico caracteriza-se, assim, pelo modelo
de dimorfismo sexual. (PRADO, 2012)
O modelo de deformismo sexual se inscreve em um contexto de reprodução das
ideologias liberais burguesas, a partir do final século XVIII e início do XIX, que proporcionou
também o debate da possibilidade em torno da inserção da mulher no mercado de trabalho. No
entanto, esta discussão acabou por ser abortada, uma vez que “as mulheres passam a ser vistas
70

como um sexo diferente, biologicamente determinado, e nesta diferença se ancorariam as


justificativas necessárias para a desigualdade entre os sexos”. (PRADO, 2012, p. 37). Ou seja,
baseando-se no saber médico, a mulher foi confinada a esfera privada, utilizando como
justificativa a suposta fragilidade ovariana feminina.
As desigualdades entre os sexos surgem, portanto, para justificar desigualdades sociais.
Além disso, é importante salientar que tais concepções se fundamentavam na ideia de indivíduo
natural. Logo, aqueles que se desviam desse perfil heteronormativo, ou seja, “[...] daquilo que
a natureza cobra de cada sexo, seriam vistos como imperfeitos, patológicos. Surge, então, a
ideia de perversão e degenerescência”. (PRADO, 2012, p. 37).
Os termos heterossexual e homossexual surgem, assim, no final do século XIX, nos
Estados Unidos, a partir dos artigos médicos do americano James G. Kiernan e do inglês
Richard Von Krafft-Ebirig, em 1893. Para o primeiro teórico, a heterossexualidade era
considerada uma perversão, visto que até então a sexualidade tinha um caráter meramente
reprodutivo, logo as condutas sexuais associadas ao desejo e ao prazer eram marginalizadas e
condenadas, independentemente de serem provenientes de relacionamentos hétero ou
homossexuais. Somente, na obra de Krafft-Ebing (1893) o termo “hetero-sexual” surge sob
uma nova moralidade valorativa, uma normalidade erótica até então negada pela obra de
Kiernan. (KATZ, 1996). Em síntese, a distinção e oposição dos termos
heterossexual/homossexual é, essencialmente, uma criação do século XIX. Dessa maneira,
concordamos com Katz (1996) quando afirma que “a heterossexualidade foi inventada”. E,

Sem rejeitar a velha norma reprodutiva, Krafft-Ebing introduzia o novo termo


heterossexual. No século XX, ele passou a significar uma sexualidade relativa ao sexo
oposto totalmente desvinculada da reprodução. Seu uso do termo heterossexual
começou a afastar a sua discussão sobre o sexo do ideal reprodutivo vitoriano e a levá-
la na direção da norma erótica moderna do sexo diferente. (KATZ, 1996, p. 39).

A criação do termo heterossexual por Krafft-Ebing, desse modo, contribuiu para o


surgimento de um novo modo de encarar a sexualidade no século XX. Embora os termos
heterossexual e homossexual, para o autor, sejam antagônicos, do ponto de vista moral, com
eles passou-se a ter uma nova interpretação e visão sobre o desejo. Contudo, a
homossexualidade continuou tida como patológica, uma vez que não tinha fins reprodutivos.
Portanto, para Katz (1996, p. 40) “[...] seus hetero-sexual e homo-sexual ofereceram ao mundo
moderno dois erotismos de sexo diferenciado, um normal e bom, outro anormal e ruim”.
Somente com a ressignificação da sexualidade pela diversidade sexual, em meados do
século XX, a partir da teorização da sexualidade e, consequentemente, das transformações no
71

discurso hegemônico motivado, principalmente, pela contestação de sujeitos coletivos60, as


concepções desnaturalizantes e despatológicas abraçaram as orientações sexuais e identidades
de gênero. (PRADO, 2012). Giddens (1993), denomina esse processo de mudança de
“revolução sexual”61, que, para ele, se fundamentava em quatro elementos principais: 1) o
deslocamento do papel família como polo de produção da sociedade para o mercado; 2) a
autonomia sexual feminina decorrente do impacto da pílula anticoncepcional e da organização
política do movimento feminista; 3) a crescente visibilidade da homossexualidade feminina e
masculina; 4) a atuação cada vez mais impactante dos movimentos sociais e da sociedade civil
organizada que, por meio de suas ações, interpelaram a naturalidade das formas de objetivação
humana.
Os movimentos sociais organizados pela diversidade sexual viabilizaram, assim, a
promoção de um conjunto de direitos para sujeitos, historicamente, violados, - dentre eles
destacam-se: gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexuais, assexuados,
não-binários etc. -, tais como a garantia do nome social no âmbito da administração pública, a
regulação do nome e sexo no registro civil de pessoas transgênero, a garantia do casamento
civil homoafetivo nos cartórios, dentre outros.
Todavia, a concepção de uma normativa heterossexual ainda (re)produz discursos e
práticas discriminatórias, colocando os sujeitos não pertencentes a lógica heteronormativa em
condições subalternizadas. Baseando-se nessa lógica de sexo/gênero hegemônicos, Rubin
(1984), constrói de maneira crítica uma escala hierárquica da sexualidade. O autor buscou
demonstrar por meio dessa escala a maneira como socialmente as orientações sexuais e
identidade de gênero são percebidas moralmente pela sociedade. Nessa pirâmide estariam, no
topo, os casais heterossexuais, ligados pelo casamento. Embaixo deles, os casais heterossexuais

60
A “Revolta de Stonewall” representa um marco histórico de luta e contestação do conservadorismo nos EUA.
Ocorrida em 28 de junho de 1969, a população de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) de
Nova York, cansada de ser constantemente reprimida pela polícia, reagiu a essa repressão. Na época, a
homossexualidade, assim, como a travestilidade e transexualidade eram tidas como desordem mental, sendo
considerada “psicopatia sexual” semelhante à pedofilia. Além disso, as propagandas anti-gays televisionadas
reforçavam as legislações que regulamentavam as opressões contra essa população. Stonewall era um bar
pertencente a máfia e um dos únicos que aceitava essa população. Os indivíduos que não estivessem, por exemplo,
vestindo pelo menos três peças de roupa relacionadas a seu sexo biológico estavam sujeitos a prisão. Na histórica
noite, a população LGBT resolveu reagir contra a repressão policial, dando impulso para criar-se, cerca de um ano
depois, em 1970, a Parada do Orgulho LGBT. (GNT, 2013).
61
Cabe destacar que embora este período histórico tenha representado mudanças significativas, estas, ao menos
na perspectiva marxista, não podem ser consideradas revolucionárias. Visto que estão dentro da dimensão que
Marx (2010) denominou que “emancipação política”. Contudo, o pensamento de Giddens (1993) é interessante,
porque demonstra o impacto que as mudanças no campo da sexualidade trouxeram para as “minorias sexuais”,
assim como não podemos negar o movimento inverso, ou seja, que essas mudanças só foram possíveis pela própria
mudança na sociedade.
72

monogâmicos não casados, seguidos pelos heterossexuais solteiros, mas de vida sexual ativa.
Logo abaixo estariam casais de gays e lésbicas “próximos da respeitabilidade”. Mais abaixo,
viriam as lésbicas de bares e homossexuais considerados “promíscuos”. E na base da pirâmide,
considerada a categoria mais baixa viriam os/as travestis, os/as transexuais, os/as fetichistas,
os/as sadomasoquistas, os/as trabalhadores do sexo e, abaixo de todos os outros, os/as pedófilos.
(RUBIN, 1984).
Além disso, Pinafi (2011) acrescenta que a hierarquização do binarismo de gênero
homem/mulher produziu sobre o primeiro termo um teor positivo a partir de uma
desqualificação do segundo. Esta disparidade cria sobre a mulher, incluído, o seu corpo, tipos
de moralização e, consequentemente, estigmatização62. Além de desqualificá-la e colocá-la
numa posição de inferioridade em relação ao homem. O jovem Justiceiro trás elementos
importantes para se compreender o papel social da mulher na dinâmica das relações sociais.

- Eu acredito que mulher, pra ser uma mulher de verdade é mais difícil do que o papel
de um homem. Porque também sobre a questão do caráter...só que como o homem
tem sua responsabilidade, a mulher tem o dobro. Por ser mulher. Porque o homem vai
trabalhar. Quando chega em casa quer vê tudo pronto. E as vezes tem muitas mulheres
que trabalham na rua e que trabalham em casa. Tem mulheres, por exemplo, que é
mãe. Que tem mil e uma utilidade pra si própria. Então, pra mim ser mulher é muita
responsabilidade e muito caráter. Muita força de vontade, muita determinação.
(Justiceiro, 18 anos).

O diálogo do jovem descreve a mulher como responsável por um excessivo número de


obrigações morais e materiais com o marido e os filhos. Na compreensão do jovem, o âmbito
doméstico é o lugar social por excelência da mulher, mesmo aquelas que exercem atividade
laborativa para além do núcleo doméstico. Essa compreensão patriarcal presente na fala do
socioeducando embora reconheça a importância da mulher para a manutenção física dos
homens e dos filhos, concebe essa lugar social como pré-determinado e natural. Segundo
Mathieu (2014), por exemplo, essa desigualdade entre os sexos tem suas bases na divisão sexual
do trabalho. Isso porque as mulheres são, historicamente, as principais vítimas da exploração e
opressão da dinâmica capitalista. Para Almeida (2017, p. 107), “[...] o trabalho doméstico não

62
O estigma é uma característica negativa, comumente, atribuída ao diferente. Para Goffman (1975, p. 12)
“enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente
de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos
desejável [...]. Assim deixamos de considerá-la criatura comum e total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e
diminuída. Tal característica é estigma, especialmente quando o seu efeito de descrédito é muito grande”.
73

pago das mulheres além de lhes gerarem sobrecarga de trabalho por meio de duplas jornadas
de trabalho, ainda lhes trazem desvantagens para o acesso ao mercado formal de trabalho”.
Na perspectiva materialista histórico-dialética, sobretudo, das feministas francesas a
consubstancialidade entre classe, raça e sexo63 organiza todo o sistema de exploração e opressão
que incide, sobremaneira, no cotidiano das mulheres e grupos subalternizados como negros e
população LGBT. (CISNE; SANTOS, 2018).
Posto isso, compreendemos que o sistema hétero-patriarcal-racista64-capitalista tem
engendrado formas de opressão específicas em face de homens e mulheres que estão fora das
demarcações normativas dos gêneros. A cultura e, consequentemente, os costumes e as práticas
são utilizados como mecanismos regulatórios de manutenção desse status quo. A cultura, aliás,
não é neutra ou a-histórica, mas funcional a uma lógica hétero-patriarcal valorativa sobre o
mundo e os sujeitos. Butler (2000), embora não analise o gênero e a cultura sob o prisma
classista, concebe estas questões como “[...] um processo temporal que atua através da
reiteração de normas; o sexo é produzido e, ao mesmo tempo, desestabilizado no curso dessa
reiteração. (BUTLER, 2000, p. 163). Além disso, no contexto ocidental, a cultura costuma
(re)produzir “gêneros inteligíveis”. Ou seja, os papeis sociais são fixados para homens e
mulheres e, por isso, responsáveis por instituírem e manterem “[...] relações de coerência e
continuidade entre sexo, gênero, prática sexual e desejo”. (BUTLER, 2016, p. 43).
Este pressuposto tem sido responsável pelo fortalecimento do binarismo de gênero,
vetor das hierarquias entre as orientações sexuais e identidades de gênero não hegemônicas,
postulando que as pessoas são exclusivamente homens ou exclusivamente mulheres (ou
somente pertencentes ao sexo masculino ou feminino). Desse modo, de acordo com Lauretis
(1994), o gênero constitui-se como produto de várias tecnologias sexuais (re)produzidas por
discursos e práticas discursivas das autoridades religiosas, legais ou científicas, da medicina,
mídia, família, religião, pedagogia, cultura popular, sistemas educacionais, psicologia, arte,
economia, demografia, etc., encontrando legitimidade nas instituições do Estado.
Diante disso, a partir de uma análise conjuntural da sociedade brasileira,
compreendemos esse debate intimamente associado a concepções religiosas, em sua maioria,
conservadoras e negadoras de direitos das pessoas que vivenciam a sexualidade para além da

63
Devido nossa escolha teórica não analisaremos a sexualidade a partir da perspectiva de relações sociais de sexo,
embora coadunemos com diversos aspectos da análise crítica realizada pelas chamadas feministas francesas.
64
De acordo com Almeida (2018, p. 25), racismo é “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como
fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens
ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertencem”.
74

heteronormatividade. Além disso, como bem destaca Santos (2017, p. 16), “na sociedade
capitalista não há como desvincular formas de opressão e de violação de direitos da natureza
da exploração da força de trabalho e da vigência da propriedade privada”.
Assim, no contexto brasileiro, tais opressões ganham contornos particulares, sobretudo,
para as “minorias sexuais”, uma vez que a população LGBT ocupa a maior posição nos índices
de extermínio do mundo, segundo o Grupo Gay da Bahia (2016). Além disso, as pessoas LGBT,
em menor ou maior medida, acessa desigualmente os bens socialmente produzidos. Basta
observar, por exemplo, o índice de inserção da população transgênero no mercado formal de
trabalho. De acordo com a base de dados coletadas nas diversas regionais da Associação
Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), de 2018, constatou-se que 90% da população
travesti e transexual brasileira está inserida no mercado da prostituição. Isso demonstra que a
ausência de políticas públicas destinadas a garantir o direito ao trabalho formal tem
condicionado essas pessoas a procurarem postos de trabalho socialmente marginalizados.
Ademais, esse dado revela uma defasagem no processo de ensino-aprendizagem desses sujeitos.
Segundo Andrade (2012), as jovens travestis estão submetidas a inúmeras opressões no
ambiente escolar em decorrência, sobretudo, da inexistência de programas e projetos escolares
que versem sobre a orientação sexual e identidades de gênero da escola. Este contexto tem
provocado uma “evasão escolar voluntária”. Em outras palavras, os padrões heterossexuais
socialmente legitimados impõem sobre esses sujeitos um conjunto de exigências a serem
seguidas. Soma-se a isso, os preconceitos sofridos pela família que, quase sempre, submetem a
esses indivíduos uma condição de pobreza. Diante disso, é impossível dissociar as diversas
formas de opressão das determinações societárias.
Destarte, faz-se urgente trazer para arena política tais pautas, principalmente, pela forte
marca do patriarcado na formação sócio histórica da sociedade brasileira, aspecto este
estruturante da heteronormatividade e do binarismo de gênero que nega e oprime a existência
da diversidade humana. Assim, consideramos urgente e necessário pensar as questões relativas
à sexualidade e a identidade do gênero para além dos preconceitos e estigmas sociais, como
parte da inserção do ser humano no mundo, portanto, sujeito aos aspectos culturais nos quais
ele se insere.
Desse modo, compreendendo o lugar do patriarcado e do masculino no bojo das relações
sociais, analisaremos no ponto seguinte a construção da masculinidade no contexto ocidental,
sobretudo, no Brasil, onde o tradicionalismo marca as relações e representações sobre os
gêneros. Além disso, embora não seja esse o objetivo desse trabalho, acreditamos ser pertinente
apontar as transformações engendradas pela nova dinâmica do crime organizado na construção
75

do ser masculino, visto sua repercussão na construção da identidade dos jovens autores de ato
infracional e no cotidiano dos espaços de privação de liberdade.

3.2 SUJEITO MASCULINO: A CONSTRUÇÃO DO SER HOMEM NO OCIDENTE

A masculinidade como um aspecto presente nas relações sociais entre homens e


mulheres tem sido interpretada a partir de diferentes aportes teóricos. De acordo com Welzer-
Lang (2004), os estudos sobre as relações sociais de gênero, sobretudo os feministas, têm
focalizado a discussão nos estudos sobre as mulheres. Assim, a teoria produzida sobre o
masculino tem sido, quase exclusivamente, feita “[...] fora das ciências sociais quando
empreendida por homens heterossexuais, e à margem das ciências sociais acadêmicas quando
empreendidas por gays”. (WELZER-LANG, 2004, p. 109).
Dessa maneira, o grande desafio nos estudos sobre o masculino consiste na superação
de visões androcentristas65, posto as inegáveis desigualdades entre homens e mulheres,
especialmente, no acesso à informação e, consequentemente, a ocupação dos espaços de
decisão. A política é um exemplo de espaço ocupado majoritariamente por homens. De acordo
com dados da Justiça Eleitoral, nas eleições de 2018, no Brasil, as mulheres representaram
apenas 30,7% dos pedidos de candidaturas, o equivalente a 8.435 do total de 27.485 de pedidos
de registros encaminhados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Diante disso, para superar as
relações de dominação dos homens sobre as mulheres, sobretudo, nos espaços de decisão é
imprescindível que os homens “parem de pensar em si mesmos como os únicos do mundo, que
eles aceitem considerar as mulheres como um dos componentes essenciais do social, e não
como uma especificidade do geral”. (WELZER-LANG, 2004, p. 112). Esta contradição entre
os sexos (re)produz múltiplas visões sobre as relações sociais, visto que a educação e os papeis
sociais diferenciados destinados a homens e mulheres influenciam e definem determinadas
práticas sociais hierarquizadas repercutindo, inclusive, em suas representações sociais.
Para a perspectiva materialista crítica, a edificação do sistema de opressão e dominação
dos homens sobre as mulheres remete a formação da família patriarcal. Este modelo familiar
surge com a transição do modelo de produção comunal para o processo de organização em
classes embasado na exploração privada dos meios de produção e, em especial, das mulheres.
A monogamia, assim, irrompe como aparato fundador da família hétero-patriarcal neste

65
Concepção que visa supervalorizar o pensamento masculino em detrimento do feminino, ou seja, um pensamento
cercado pelo conservadorismo, machismo e moralismo. O androcentrismo busca garantir a primazia masculina em
relação ao feminino. (WELZER-LANG, 2004).
76

contexto para manter a perpetuação da prole e da reprodução da dominação masculina. (CISNE;


SANTOS, 2017).
Neste sentido, o sociólogo francês Pierre Bourdieu embora não comungue dessa mesma
vertente teórica, traz elementos relevantes para se pensar a masculinidade ocidental,
especialmente, no campo da violência simbólica contra as mulheres e sujeitos LGBT. Para
Bourdieu (2017), historicamente a diferença biológica entre os sexos, ou seja, os órgãos sexuais
têm sido utilizados como justificativa para a manutenção da dominação simbólica e material
entre os gêneros.
A ótica masculina dominante interpreta as mulheres, a partir da ausência do falo, como
sujeitos por excelência da penetração masculina. Desse modo, segundo Machado (2004), o ato
sexual resultante do estupro é pensado como comum e, portanto, tido como biológico e natural.
Esta suposição organiza, inclusive, os roteiros eróticos, pois para essa visão “[...] a posição
considerada normal é, logicamente, aquela em que o homem ‘fica por cima’. [...] A posição
amorosa na qual a mulher se põe sobre o homem é também explicitamente condenada em
inúmeras civilizações”. (BOURDIEU, 2017, p. 33-34). Para os jovens autores de ato
infracional, por exemplo, o sexo está condicionado a penetração e passividade feminina.

- Sexo é... quando o caba vai com a mulher [gesticulou com as mãos, simulando uma
penetração]. Aí tem que... sentir o degredir, o caba tem que dá prazer a mulher e a
mulher dá prazer ao cara. É sexo bom... Com calma, só satisfazer... satisfazer a mulher
ou mulher só se satisfazer o cara. Um satisfaz o outro. (Deadpool, 17 anos).
- Transar. Né não? Transar... Sexo é transar. Penetrar, né? (Coringa, 18 anos).
- Transa. Pra mim é isso, transa. Quando você mata seu desejo na cama no sexo com
outra pessoa. (Justiceiro, 20 anos).

O depoimento dos jovens trás diferentes concepções sobre as relações sexuais entre
homens e mulheres. Enquanto Coringa e Justiceiro reduz o sexo a penetração e, portanto, a
satisfação do prazer masculino. Deadpool reconhece o sexo como um troca, onde a mulher
ocupa um papel protagonista. O gesto do jovem, contudo, acaba denunciando o destaque dado
a penetração como uma prática necessária durante o sexo. Historicamente, o sexo é tido como
um elemento exclusivo dos homens. No século XIX, por exemplo, existiam livros considerados
proibidos as mulheres. Ou seja, livros, contos e histórias eróticas destinadas a produção do
orgasmo masculino. Contraditoriamente, dentre as histórias se destacavam àquelas que
descreviam as práticas homossexuais entre mulheres. Contudo, na percepção destes leitores,
tais práticas não se configuravam como sexo, uma vez que não havia penetração peniana. Cabe
77

destacar que tal tolerância quanto a homossexualidade feminina era restrita ao universo erótico
masculino. (DEL PRIORE, 2011).
Assim, a concepção masculina ocidental espera da mulher que ela sempre diga sim, já
que o “não” seria denunciador da ausência de virilidade masculina. Nesta perspectiva, a imagem
e as práticas dos homens são culturalmente construídas a partir da prerrogativa paradoxal deste
sujeito. Primeiro, são considerados fortes e, por isso, dominantes no âmbito do sexo, sendo essa
característica valorativa de sua masculinidade e, segundo, são tidos como alguém fraco
sexualmente, pois incapaz de controlar seus impulsos. Em outras palavras, seus erros são
justificados com base na necessidade que os homens têm de dominar, sobretudo, as mulheres.
Assim, a violência física, sexual e doméstica, bem como o adultério se justificam em nome da
preservação da virilidade.
Os jovens sujeitos dessa pesquisa, reforçam e ratificam a dominação sobre as mulheres
e/ou aqueles(as) que ameaçam sua masculinidade. Jack Sparrow, jovem negro, de 20 anos de
idade, descreve uma situação de violência doméstica envolvendo sua companheira. De acordo
com o socioeducando, após longo período cumprindo a medida socioeducativa de privação de
liberdade, ao retornar ao lar foi informado pelos amigos sobre um suposto caso de adultério por
parte da mãe de seu filho, caso este confirmado pela jovem. Na ocasião, buscando restaurar sua
virilidade e, consequentemente, o prestígio social diante da comunidade e do grupo, ele
descreve:

- Eu dei um murro daquele jeito que quase quebrava o queixo, pra ela aprender a ser
mulher. [...] E eu fiz assim, também por impulso, né? Porque eu tava na rua, né? Aí
chegou uma amiga dela que também não tava mais gostando dela e tal. Foi tipo, ela
tava ficando com o irmão dessa cumade, aí ela pegou e falou [sobre o adultério], aí eu
peguei [e dei um soco – o jovem demostrou o gesto] daquele jeito. (Jack Sparrow, 20
anos).

Do ponto de vista masculino, a defesa da virilidade requer, quase sempre, a utilização


da violência. Isto porque, os homens, nesta sociedade patriarcal, são ensinados a manter e
defender sua honra. A virilidade, desse modo, é um interlocutor entre a honra e a masculinidade.
Ser viril requer um conjunto de atributos específicos, tais como a heterossexualidade, a
demonstração de força e, consequentemente, o uso da violência. Bourdieu (2017), define a
virilidade como a

[...] capacidade reprodutiva, sexual e social, mas também como aptidão ao combate e
o exercício da violência (sobretudo em caso de vingança), é, acima de tudo, uma carga.
Em oposição à mulher cuja honra, essencialmente negativa, só pode ser defendida ou
perdida, sua virtude sendo sucessivamente a virgindade e a fidelidade, o homem
78

“verdadeiramente homem” é aquele que se sente obrigado a estar à altura da


possibilidade que lhe é oferecida de fazer crescer sua honra buscando a glória e a
distinção na esfera pública. (BOURDIEU, 2017, p. 76).

A honra ocupa, assim, um lugar central na construção dos gêneros e, em especial, do


masculino. De acordo com Machado (2004, p. 51-52), “a construção hegemônica dos valores
do masculino faz lembrar os padrões mediterrâneos da construção simbólica masculina em
torno do desafio da honra, do controle das mulheres e da disputa entre os homens”. Além disso,
esse elemento reivindica, mesmo que de forma diferenciada, responsabilidades e papeis a serem
interpretados por homens e mulheres. No campo da masculinidade, os homens representam dois
polos complexos e, por vezes, antagônicos: o “homem bicho danado” e o “homem honrado”. O
primeiro é aquele “[...] não domesticável, irresponsável, perigoso para as mulheres porque não
confiável”. (MACHADO, 2004, p. 56). Já o segundo, em nome da responsabilidade face à
parentela “[...] tem o poder e o dever de controlar suas mulheres (inclusive usando violência
física) e de defender (inclusive usando força física) a ‘honra de suas mulheres’ contra homens
que delas se aproximam de forma considerada inadequada” (ibid.). As mulheres também, como
já mencionado, são pensadas a partir da ideia de “mulher para casar” e “mulher para curtir”.
Esse código relacional da honra incide de forma mais contundente nas relações sociais
das classes trabalhadoras, especialmente, pela dificuldade de acesso à informação e ao ensino
superior. Segundo Heilborn (1999), as camadas populares possuem visões mais tradicionais
sobre a sexualidade, masculino e o feminino que as camadas médias. Os jovens, por exemplo,
iniciam suas vidas sexuais de maneira mais precoce quando comparada a dos homens dos
segmentos médios. Já das mulheres são esperados certos comportamentos tais como
respeitabilidade, submissão e, por vezes, a virgindade. Durante as oficinas, os jovens
expressaram diferentes posições sobre as mulheres e, consequentemente, as características
femininas necessárias para ser considerada respeitável.

- Pra mim a mulher pra casar é aquela que a gente se identifica, não só em relação
sobre cama, mas também no dia-a-dia para ter um relacionamento. E a mulher pra
curtir é mais uma questão de momento, mais passageiro” (Justiceiro, 18 anos).

- Mulher pra casar é uma mulher direita, que não quer a pessoa nessa vida, tá ligado?”
(Lex Luthor, 19 anos).

- A sua mulher, a sua ficante não é pra tá no meio de malandro. Se ela quer tá no meio
de malandro é porque ela tem alguma coisa com outro malandro. A mulher do cara
não é pra tá em roda de malandro, não. Roda de malandro é só malandro, a mulher do
cara é em casa.” (Pistoleiro Sem Nome, 18 anos).
79

No contexto brasileiro, apesar das conquistas do movimento feminista as relações


sociais entre os gêneros são predominantemente marcadas pelo tradicionalismo. Para esse tipo
de sociedade “[...] o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e
perpetuam a experiência de gerações”. (HALL, 2015, p. 12). Em síntese, os jovens corroboram
uma perspectiva dual sobre as mulheres. Aquelas dentro dos parâmetros da respeitabilidade são
confinadas ao âmbito privado. Já as mulheres que ocupam o espaço público são julgadas como
perigosas.
Estes códigos regulatórios se apresentam também de maneira latente na construção do
gênero masculino, pois “o manejo da atividade sexual por parte dos sujeitos é capital para a
constituição de suas identidades de gênero”. (HEILBORN, 1999, p. 43). Os jovens privados de
liberdade, assim, por serem em sua maioria, se não todos, provenientes das classes
trabalhadoras reproduzem nas suas relações cotidianas tais valores e representações normativas.
Neste jogo relacional a representação de “homem honrado” e “homem bicho danado”,
(MACHADO, 2004), como já mencionado, são negociadas e, em suma, compartilhadas.
Wolverine, de 18 anos, por exemplo, quando questionado sobre as fronteiras entre o homem
honrado e o homem bicho danado, corrobora a perspectiva patriarcal do homem como sujeito
da “carne fraca”.

- Cê sabe, né? Um negócio desses vai desmoralizar nois. Mais ou menos, né? Tendo
só uma [mulher], tá tranquilo, sabe? Mas é tipo da coisa, né, tem homem que tem
várias [mulheres], não tem só uma. Mas tem homem que é de respeito, tem só ela. O
que penso e é o que os outros pensam também, sabe? Que tem cara que só tem olho
pra mulher dele, sabe? Que é casado... (Wolverine, 18 anos).

Em síntese, ser “homem bicho danado” e/ou “homem honrado” nem sempre está
condicionado ao estado civil. A monogamia, como afirmam Cisne e Santos (2017), é uma
exigência exclusivamente feminina. Assim, essa dinâmica relacional da honra confere aos
homens, mesmo aqueles considerados como “bichos danados”, percepções positivas própria da
demonstração da masculinidade. Todavia, conforme indica Bourdieu (2017), o privilégio
masculino também exerce uma violência simbólica sobre os homens, em virtude da constante
necessidade de afirmação da virilidade e, consequentemente, dos atributos que socialmente
legitimaram o “ser homem”.
No caso específico das mulheres, o código relacional da honra as classifica a partir de
um perverso julgo valorativo, opondo as ditas “para casar” daquelas consideradas “para curtir”.
De acordo com Heilborn (1999), apesar do valor dado a virgindade ter sido socialmente
relativizado, as condutas e comportamentos morais das mulheres ainda são utilizados como
80

determinantes nas escolhas masculinas. Essas condutas, muitas vezes, divergem da própria
atividade delitiva dos jovens privados de liberdades. Para Magneto, de 20 anos, por exemplo, a
mulher para casar

- [...] é aquelas que a gente não acha no baile, não. É aquelas que a gente acha numa
ocasião especial, assim, tipo assim, não sei explicar direito não, né? Quando o amor
bate à primeira vista. A mulher pra casar é a mulher direita, correta, honesta.

Por outro lado, o jovem classifica a mulher para curtir como interesseira e “ingrata”.

- Mulher bandida, tenho ódio dessas: - E aí minha fia, quer uma camisinha da Nike?
Vamô ali no cineminha? Bora pro shopping e tal? Tem uma festa ali e tal. Pagando
tudo. Dê fé, o cara é preso. No dia de visita, manda recado: - amor, próxima visita eu
tô aí. Cadê? O cara no sistema carcerário, o cara aqui abandonado, rapaz. Essa é a
mulher bandida. (Magneto, 20 anos).

Contudo, é importante salientar que o lugar da “mulher bandida” parece não ser
hegemônico para todos, em especial, para os jovens autores de ato infracional. Durante os
debates realizados na oficina sobre os papeis de gênero, alguns participantes se sentiram
constrangidos em expor suas opiniões, pois confirmar que durante o sexo com a “mulher
bandida” exista relações de afeto e, até mesmo de amor deslegitimaria ou, parafraseando os
adolescentes, “desconsideraria a fiel”, suas companheiras oficiais. Assumir a existência de tal
sentimento, desse modo, colocaria ambas em situação de “igualdade” perante eles e, portanto,
negaria as características afirmadas por eles como necessárias para uma mulher ser considerada
como “para casar”. Ser uma mulher bandida, para os jovens, é exercer as mesmas atividades
construídas, historicamente, para gênero masculino no espaço público. Ou seja, cometer atos
infracionais, fazer uso de substâncias psicoativas, ser ativa sexualmente, trair os
companheiros/namorados etc.
Diante disso, percebemos nos roteiros afetivos e no regime de gêneros a (re)produção
de símbolos sociais, historicamente, dominantes objetivando o controle do corpo das mulheres
e a garantia da dominação masculina. A reprodução dessa ideologia desigual entre os sexos
ancora-se tanto na divisão sexual do trabalho (CISNE, 2012), como em violências materiais e
simbólicas. Esta, para Bourdieu (2017), é erroneamente interpretada como um conceito que
busca minimizar os efeitos materiais da violência física. Contudo, para o autor a violência
simbólica é um dos elementos da dominação masculina e, assim como esta, produto de um
trabalho incessante de reprodução de visões unilaterais de mundo legitimadas por diversas
instituições sociais, tais como família, igreja, escola e Estado. Assim,
81

A violência simbólica se institui por intermédio de adesão que o dominado não pode
deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe,
para pensá-la e para se pensar ou melhor, para pensar sua relação com ele, de mais
que instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais
que forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como
natural. (BOURDIEU, 2017, p. 56).

A partir dessas relações de dominação, portanto, segundo Monteiro (1999), as jovens da


classe trabalhadora se veem, desde muito cedo, imersas numa relação marital motivada,
sobretudo, pelos precoces casos de gravidez na adolescência, assim como pela falta de
oportunidades no mercado de trabalho, quase sempre, precários e de baixa remuneração. Em
suma, a opressão e exploração das mulheres são condicionadas a sua classe e raça. As mulheres
das classes trabalhadoras são, assim, as principais vítimas das relações sociais de opressão.
Todavia, tais opressões atingem, em maior ou menor medida, também as mulheres dos
segmentos médios e altos. Nesta dinâmica, a castidade e a boa reputação feminina são, em
geral, ferramentas valorativas da honra masculina, na medida que produzem capital simbólico
e social para os homens. Neste jogo, cabe a mulher preservar esses aspectos essenciais tanto
para a manutenção da honra do pai e dos irmãos como, posteriormente, do marido.
(MONTEIRO, 1999). Dessa maneira,

Como esposa e/ou mãe, a jovem altera o seu status social de filha e põe em prática o
ideal do casamento e da maternidade. As funções assumidas estimulam o abandono
da escola com mínimas perspectivas de retorno e inibem atividade de lazer, como idas
a bailes, restringindo, dessa forma, a circulação da mulher no âmbito público.
(MONTEIRO, 1999, p. 122-123).

Desse modo, como já indicado, a dominação masculina e a demarcação dos papeis de


gênero são inflexibilizados, sobremaneira, nas sociabilidades delitivas. Assim, os jovens,
imersos nesse contexto, precisam projetar precocemente estes atributos ditos masculinos. Em
vez dos esportes e dos jogos violentos, o perigo ou os atos delitivos parecem ser propulsores da
afirmação da virilidade e, consequentemente, da masculinidade. Em contrapartida, os aspectos
relacionados ao sentimento e demonstrações de afeto, historicamente tidos como parte do
universo feminino, são colocados em segundo plano em favor da violência. Esta é a descrição
do sujeito popularmente conhecido nestas sociabilidades como “bicho louco” ou “vida louca”
“[...] que encarna a atitude guerreira na sua versão autodestrutiva e na versão heroica, que
convergem”. (SÁ, 2011, p. 349).
Para serem temidos e respeitados diante do grupo, essa virilidade e masculinidade
precisa ser validada pelos demais homens, especialmente, no universo do crime em que a menor
82

demonstração de fraqueza pode ser definidora entre a vida e a morte. Nesta batalha
intersubjetiva, há um roteiro a ser seguido, determinante na formação de alianças ou guerras.
“O mundão é o sistema da droga, da prostituição e da criminalidade. Para sobreviver nele, é
preciso aprender a falar corretamente, sem querer ser mais do que outros, pois, se não, é ‘treta
na certa’, vira motivo para guerra. (SÁ, 2011, p. 352).
Diante disso, no campo das sociabilidades delitivas alguns aspectos relacionados a
honra são mais engessados. O estupro, por exemplo, compreendido em determinados contextos
como uma prerrogativa do “macho social” (MACHADO, 2004) e, portanto, como atividade
sexual natural e moralmente valorativa da masculinidade é interpretado pelos jovens autores de
ato infracional como uma prática desonrosa.

- Sobre questão de estupro pra mim, pode ser meu irmão, se cair nos meus pés... Mas
agora, assim, dependendo das circunstâncias, se a mulher errou pra mim é outra coisa.
Não sei, não. Acho que pra mim não tem perdão, não. (Justiceiro, 18 anos).

Esse olhar negativo sobre o estupro, baseia-se na compreensão da mulher como objeto
por excelência dos homens. E, portanto, macular sua “propriedade”, via violência sexual,
representa um ataque a sua própria noção de virilidade e masculinidade. De acordo com
Nahoum-Grappe (2004, p. 23), “[...] o estupro da mulher constitui não apenas uma agressão
moral e física, o estrago de um bem que pertence aos homens da família [...]”, mas promove
também um assassinato do gênero masculino e feminino na medida que afeta a reprodução
social da prole. (NAHOUM-GRAPPE, 2004).
Na contemporaneidade, assim, o estuprador tem ocupado um lugar socialmente
marginal, especialmente, na dinâmica do crime. A exemplo disso, as instituições de privação
de liberdade têm destinado aos autores de violência sexual alas separadas dos demais internos,
visto as frequentes tentativas de homicídio e linchamento sofrido por esses sujeitos nesses
espaços. Esses são conhecidos nos espaços de aprisionamento como: Duzentão, Safado,
Seguro66 etc. Jack Sparrow e Pistoleiro sem Nome reforçam esse argumento:

- Não bomba, não. Se estrupar uma menina não bomba não, porque se chegar a fazer
com alguém da família do cara, a pessoa sente, né? Não dá pra respeitar, né? (Jack
Sparrow, 20 anos).

- Porque é um tremendo de um sem vergonha, merece morrer impindurado na grade.


(Pistoleiro Sem Nome, 18 anos).

66
O termo Duzentão refere-se ao artigo 213 do Código Penal Brasileiro que versa criminalmente sobre o estupro.
Já o termo Seguro é utilizado para denominar os sujeitos condenados por estupro que estão em espaço especial e,
portanto, protegidos da correção dos demais internos.
83

Além disso, o adultério feminino é também uma questão delicada para os jovens autores
de ato infracional, constituindo-se como uma transgressão aos roteiros sexuais pré-
determinados às mulheres, embora seja uma prática negociada quando se trata deles. Isso
porque, todos os jovens relativizaram a traição masculina. Justiceiro justificou:

- Assim, pelo menos minha mulher já perdoou várias vezes, conversas no whatsapps,
já presenciou. Mas ela tem a consciência dela, né? Agora assim, é que nem eu digo,
lá fora pode ter mil e uma, mas mulher mesmo só é ela, quem passa o que tá passando
comigo aqui dentro. Lá fora é ela, né? Ela é minha mulher. Eu posso ter mil e uma lá
fora, mas eu não troco ela por nenhuma. Porque eu conheço ela, as outras eu não
conheço, não. Não adianta eu abandonar minha mulher que é comigo na lama e no
luxo. Abandono minha mulher, aí pego outra mais bonita, mais nova, isso e aquilo, ai
Deus o livre acontece um imprevisto na minha vida e me abandona. (Justiceiro, 18
anos).

A mulher ideal descrita pelo o jovem está associada a uma visão tradicional responsável
pelo cuidado com o marido e os filhos. Essa concepção se afasta do erotismo e se aproxima da
dimensão materna. Segundo Badinter (1985, p. 20), “o amor materno foi por tanto tempo
concebido em termos de instinto que acreditamos facilmente que tal comportamento seja parte
da natureza da mulher”. Esses valores de cuidado e amor com o marido e os filhos foram
construídos historicamente para garantir o papel da mulher no âmbito da (re)produção social.
Desse modo, a mulher adultera transgride todo o sistema social predestinado a ela.
Outros fatores somam-se nos casos de adultério feminino como a ameaça a honra masculina,
por exemplo. No contexto das sociabilidades delitivas, a punição para a mulher que trai varia
desde a violência física até a simbólica. Uma das violências mais emblemáticas contra a mulher,
por exemplo, é o corte do cabelo da adultera. Magneto, por exemplo, quando questionado sobre
qual seria sua reação ao saber que foi traído, é taxativo:

- Vai brincar de cabelereiro. O charme da mulher é os cabelos, né? (Magneto, 20


anos).

Esta prática além de ser utilizada como um mecanismo para rebaixar a autoestima
feminina, serve também para estigmatizar a mulher diante da comunidade. A traição feminina,
desse modo, viola a primazia da virilidade masculina. Nesse sentido, nos casos de adultério
feminino, a agressão se justifica, segundo a norma masculina, como uma ação natural e
corretiva. Assim, “os atos de violência parecem não interpelar os sujeitos agressores sobre
porque, afinal, agrediram fisicamente, e se têm alguma culpa. São vividos como decisões em
84

nome de um poder e de uma ‘lei’ que encarnam”. (MACHADO, 2004, p. 47). Em suma, são
praticados em nome da defesa intransigente da virilidade.
Na ocasião das oficinas, os socioeducandos foram questionados sobre a possibilidade
de perdoar as companheiras em caso de adultério, e externalizaram diferentes reações:

- Eu perdoaria. Mas tem um porém, porque as vezes né, a pessoa gosta muito, né? E
também assim, as vezes ela faz por impulso com as amigas, com os amigos também.
Porque aconteceu comigo isso também, quando eu tava em João Pessoa. Aí na hora
H, ela foi e ficou com um bicho lá e eu fiquei sabendo. Na hora, o cara perde o chão.
Mas depois eu fiquei com a irmã dela, aí depois fiquei com a outra irmã dela, com a
outra sobrinha dela. Ai depois ela viu, né, que fez errado e tal, aí pediu pra mim voltar
pra ela, eu na frente da casa dela, bebo passando. Aí eu dizia que não queria, mas
mesmo assim, eu perdoei, né? (Jack Sparrow, 20 anos).
- Rapaz, não. Mas também não ia fazer nada não. O que é um boi sem um chifre, né?
É um produto indefeso, né? (Pistoleiro Sem Nome, 18 anos).
- Eu sou bem cruel. Aí, porque se tiver algum sentimento, vai ter que pagar de alguma
forma. Se eu não tiver coragem de matar ela... Por isso que eu digo pra minha mulher
eu não me preocupo com nada, você pode fazer o que você quiser, agora você tem a
sua consciência. Dependendo se for grande ou pequena, você vai ter seu pago, seja lá
como for. Se eu não tiver coragem de fazer mal, eu faço mal com uma pessoa que ela
gosta. Não tem bom, não. Eu sou bem... não gosto nem de falar. Eu nunca vivi um
negócio desse, mas só de pensar eu fico logo assim. (mudou de fisionomia, mostrando
ódio). (Justiceiro, 18 anos).

- Aí não, aí eu falo: - sai de perto de mim, se não toro seu pescoço.” (Deadpool, 17
anos).

- ... se ela traiu, é porque não gosta do cara de verdade. (Lobo, 18 anos).

- Talvez se o cara voltar pra ela, vai ser chifrado de novo. (Logan, 15 anos).

Cabe destacar, porém, que as práticas violentas executadas por esses jovens, nem
sempre, ocorrem em nome da sua honra ou em defesa da virilidade. De acordo com Machado
(2004), a hipervalorização do consumo e, portanto, o fortalecimento de valores individualistas
associados ao limitado acesso da população a cidadania, deram margem para o surgimento, no
Brasil, de uma sociedade do espetáculo inscrita no interior de uma cultura narcisista. Além
disso, o enfraquecimento dos valores relacionados ao trabalho e o fortalecimento do ideário
neoliberal, bem como o intercruzamento do mundo relacional da honra com o mundo do
individualismo moderno dos direitos contribuiu para o surgimento de uma terceira
temporalidade cultural que, embora não substitua o individualismo clássico dos direitos, nos
permite realizar inferências sobre os atuais casos de violência praticadas nas sociabilidades do
crime, são eles: o mundo do individualismo das singularidades ou individualismo imagético.
(MACHADO, 2004).
85

Sob essa terceira lógica moral “[...] a exibição se transforma no lema essencial da
existência. [...] Trata-se do exibicionismo do maioral que trabalha sobre um deslocamento do
uso da lógica relacional da honra”. (MACHADO, 2004, p. 63). No caso dos jovens autores de
ato infracional, por exemplo, embora não seja consenso entre eles, a violência perpetrada contra
suas companheiras não se justifica simplesmente pela defesa de sua honra, mas para alguns as
agressões são motivadas também pela necessidade de demonstração da força. Não há
imperativo que justifique. Wolverine, por exemplo, quando interpelado sobre a possível
existência de um tipo sádico de mulher que, sem estar diretamente relacionado ao plano erótico,
sente prazer em ser objeto da violência masculina, afirma:

- Eu não concordo não, né? Mas tem mulher que gosta. Eu tinha uma bichinha. Todo
dia tinha que apanhar. E a primeira vez que aconteceu comigo eu nem queria fazer
isso, mas virou vício. Vira vício. Só dizer uma bagulhozinho errado que o cara não
gosta... Porque vira um vicío, né? De tanto você dá [tapas]... qualquer carinha feia,
você já vai querer espancar ela. Eu digo por experiência própria, sabe? Ai não, o cara
bate aí ela nem liga, tá ligado? Liga, mas aí, depois vem de volta, tá ligado? Eu mando
simbora, tá ligado? Mas depois volta. (Wolverine, 18 anos).

Há, assim, uma culpabilização da mulher pela violência sofrida. Os homens acabam se
eximindo do processo de violência sob a justificativa que “elas gostam”. Essa concepção,
inclusive, é legitimada socialmente nos casos de violência contra a mulher. Ademais, Machado
(2004) acrescenta que esse tipo de violência “trata-se de um exibicionismo que se dá por si
mesmo. Um cenário teatral é montado e nele não importam os sujeitos, mas somente os
personagens e os papéis impostos pelo agressor”. (MACHADO, 2004, p. 63). Em outras
palavras, constitui-se uma violência vazia e, por isso, não é exercida em nome de uma lógica
social em defesa do primado masculino, mas apenas um ato teatralizado. Este modo de violência
é denominado de “[...] violência hard, porque fundada somente no valor social do ato de
violência, mas não numa conflitualidade social relacionada com a honra e a vingança,
interpessoal, instrumental, política ou de guerras. Ele a denomina uma forma de violência
dissocializada”. (MACHADO, 2004, p. 64. Grifos da autora).
Destarte, a violência contra a mulher nas sociabilidades delitivas parecer ser justificada
em nome da honra masculina. O fortalecimento do crime organizado nas sociabilidades juvenis
parece ter potencializado o avivamento de códigos de gênero demarcados. Isso porque o crime
organizado possui estatutos que versam sobre o comportamento dos seus membros na esfera
privada. (MANSO; DIAS, 2017). Contudo, a violência doméstica não compõe um dos critérios
de elegibilidade dos jovens nas facções. A heterossexualidade e a masculinidade, por outro
lado, parecem ser obrigatórias aos jovens faccionados. O crescimento do crime organizado, em
86

especial, do PCC e Sindicato do RN nas prisões e comunidades periféricas do Rio Grande do


Norte67 (re)organizou a dinâmica de gestão dos espaços de privação de liberdade, (MANSO;
DIAS, 2017), produzido um novo modo de ser homem.
Para os jovens membros das facções, tanto PCC como Sindicato do RN, a compreensão
do ser homem tem produzido interpretações duais. Há o “homem trabalhador”, inserido na
padrões burgueses,

- [...] é o caba se responsabilizar aí pelas coisas do caba, pela família, trabalhar


honestamente. Respeitar a mulher. Isso aí é que é ser homem pra mim. Não agredir a
mulher, nem ninguém da família do caba. Isso aí é ser homem. (Deadpool, 17 anos).

- O que é ser homem na minha opinião é trabalhar e... pronto, focar no estudo,
trabalhar, construir uma família. E tipo, sempre tá junto da família. É... não tá saindo
pra farra, também, fazendo... né? Causá tipo uma destruição no casamento e aí as
vezes, né, a pessoa vai pra vida do crime, esses negócio assim... Aí pronto a pessoa
não se torna mais um homem, se torna um bicho. Porque a pessoa vai começar a
matar... esses negócio. Tipo assim, no meu vê, é isso. (Jack Sparrow, 20 anos).

- Ser homem é caráter e postura, né? No sentido assim, o homem pra mim, que eu
saiba, quando aquele homem tem o caráter de homem que é respeitado por ser homem
e também, né, por trabaia, ser respeitado também. Não ser caba sem vergoim. Negócio
safado. Caba que se importa com a vida dos outro, quer se envolver com a vida dos
outro. Não tem nada a ver e vai se intrometer. Fica com conversinha... conversa vai,
conversa vem. (Severus Snape, 15 anos).

Esse modelo de ser homem descrito pelos os jovens se contrapõem, inclusive, aos relatos
feitos por eles mesmos, principalmente, àqueles relacionados a sua atividade laborativa e
relação marital. O “homem trabalhador” parecer ser um tipo masculino ideal, socialmente
legitimado pelos padrões burgueses de ser homem nessa sociedade. Além disso, o trabalho
constitui-se o elemento central na dignificação do ser homem.
Em contraposição, há o “homem bandido”, que está fora dos padrões sociais
hegemônicos. Ou seja, que além de não estar inserido no mercado formal de trabalho, comete
atos infracionais. Para este sujeito sociológico, em específico, as configurações que engendram
a masculinidade nessas sociabilidades exigem certos signos de “consideração” em meio a outras
formas de expressividade simbólicas. (SÁ, 2011). Tais como a heterossexualidade, a coragem
e a honra.

- [...] na vida que nois leva, pá ser homem tem que fazê coisas erradas que na vida
normal, na vida de vocês trabalhador, que estuda, também não faz, né? Pra nois...pode

67
“As rebeliões em presídios no Norte e no Nordeste do Brasil, em janeiro de 2017, produziram mais de 160
mortos e evidenciaram uma nova configuração de redes criminais no Brasil, articuladas pelo mercado de drogas e
organizadas por facções regionais formadas dentro dos presídios, com graus diferentes de rivalidade e articulações,
em relações que podem transpor as fronteiras estaduais e até as nacionais”. (MANSO; DIAS, 2017).
87

falar, né? Vocês, que nem eu disse, né? Vocês na vida certa aí, pra ser homem só
precisa trabalhar, estudar, respeitar os outros, né? Ser um cidadão como todo mundo.
Mas pra ser homem nessa vida tem que muitas vezes matar, roubar, vender droga.
Esses negócio, sabe irmão? Quando acontece de vir problema, saber resolver tudo do
jeito certo. Do jeito certo pra nois, né? Na vida errada, mas do jeito certo. Sem
pilantrar com ninguém. (Coringa, 18 anos).

Percebemos, assim, o retorno das categorias “homem honrado” e “homem bicho


danado” apontadas anteriormente por Machado (2004). Todavia, no caso dos jovens internos
no CASE-Mossoró, o ato infracional constitui-se um aspecto fundamental na formação da
masculinidade. Isso porque, por meio do delito os jovens se afirmam perante o grupo e a
comunidade (SÁ, 2011), além de prover o sustento da família. Em síntese, ser homem para
esses jovens está em oposição a todos os símbolos femininos. Portanto, embora a
homossexualidade seja relativizada em alguns relatos, mostra-se uma barreira na constituição
do ser masculino. O ingresso nas facções, por exemplo, requer desses sujeitos um conjunto de
obrigações em defesa da masculinidade. Sendo assim, é vedado aos membros dos grupos
organizados manter relações sexuais de natureza homoafetiva, ao menos do ponto de vista ideal,
sob o risco de serem punidos e/ou expulsos pelo grupo.

- Rapaz, a nossa facção [PCC]... não sei a facção [Sindicato do RN] desses bicho aí,
mas a nossa facção... os boy aí do PCC, isso aí não pode, não. Porque não pode, é
embaçado. Facção é só sujeito homem. Aí o camarada que já fez esses bagulho com
outro caba, os cara vai batizar? Porque tem esse negócio da camisa aí, que o camarada
se batiza aí, vira irmão da camisa. Aí se tiver se relacionado com outro omi, alguma
vez, num pode, não. Se batizar, não. Que é embaçado. – ei primo, com todo respeito,
você já teve um relacionamento com outro omi? Se o camarada disser: - Não, tem não.
Eles vão querer saber. Se tiver, num se batiza, não. Nam, dá certo não. (Deadpool, 17
anos).

Durante o ensejo das oficinas, percebemos contradições entre os grupos participantes.


Contudo, apesar da inserção desses jovens em diferentes grupos organizados, suas percepções
são, em geral, consonantes. Principalmente, em se tratando de assuntos como traição, estupro,
violência contra a mulher e população LGBT. As facções, nesse sentido, têm acentuado os
valores patriarcais, em virtude dos seus estatutos e códigos regulatórios rígidos. O ser homem
e, consequentemente, os códigos tidos como masculinos tais como a heterossexualidade, a
violência e a força tornaram-se um ideal a ser alcançado por todos aqueles imersos em relações
delitivas. Todavia, esses valores patriarcais são reeditados em contextos específicos. No âmbito
da privação de liberdade, por exemplo, as relações sexuais entre homens são flexibilizadas. Para
os jovens autores de ato infracional, especificamente, por centrarem a ideia de
homossexualidade a relação o ativo/passivo acreditam que se tiveram uma relação com outro
88

homem e foram “ativos” no processo essa não seria uma relação homoafetiva e, portanto, não
estariam transgredindo as regras e códigos impostos.
Desse modo, no próximo capítulo aprofundaremos essas discussões, mais
especificamente o lugar da sexualidade no contexto de privação de liberdade apresentando, a
partir das vivências dos sujeitos pesquisados, os mecanismos moratórios utilizados pela
instituição, assim como, os processos de resistência e subversão construídos por eles em meio
aos signos da masculinidade tão demarcados nesse contexto.
89

4 “Se essas bichinhas vier com macacada pro meu lado...”: O EXERCÍCIO DA
SEXUALIDADE DOS JOVENS AUTORES DE ATO INFRACIONAL NO CASE-
MOSSOSÓ

4.1 APRISIONANDO SEXUALIDADES: A PERCEPÇÃO DOS JOVENS AUTORES


DE ATO INFRACIONAL DO CASE-MOSSORÓ

O Sistema Socioeducativo brasileiro tem passado, nos últimos anos, por diversas
metamorfoses motivadas pelo fortalecimento do apelo a ordem e ao disciplinamento dos
sujeitos tidos como dissidentes. Tais (re)configurações têm estimulado uma minuciosa
produção de técnicas disciplinares e punitivas sobre os sujeitos e seus corpos, repercutindo
diretamente na sua subjetividade e, consequentemente, nas relações interpessoais entre os
adolescentes imersos na dinâmica dos centros socioeducativos de privação de liberdade.
De acordo com Wacquant (2003), historicamente, a prisão e/ou os espaços de privação
de liberdade foram utilizados como aparatos de segregação social e racial. No Brasil, este
recurso vem sendo fortalecido desde a década de 1980 por meio da ascensão de políticas
criminais de “tolerância zero”, em virtude, principalmente, do vertiginoso aumento dos índices
de homicídio diretamente proporcional ao crescimento da criminalidade. Esta conjuntura,
associada a crise econômica e a não efetivação de mecanismos de justiça de transição, resultou
numa estrondosa ampliação dos números de presídios e centros educacionais68. (AZEVEDO;
CIFALI, 2015).
Aliás, o encarceramento em massa, em especial, da infância e juventude como
ferramenta de higienização social não se configura um fenômeno recente, como afirmam
Rizzini e Celestino (2016). Contando com apoio de diferentes setores políticos da burguesia do
país, a mídia, por exemplo, tem atuado diariamente por meio de programas policiais69 na
produção de um “medo social”, principalmente, devido as altas taxas de criminalidade e
violência. Nas palavras de Barroco (2011), “temos medo de algo real ou imaginário. Quando o
objeto do medo é tratado moralmente, torna-se sinônimo do ‘mal’. [...] Na luta contra o ‘mal’

68
De acordo com levantamento do SINASE realizado pelo Ministério de Direitos Humanos, divulgado em 2018,
referente ao ano de 2016 constatou no país 477 unidades de atendimento socioeducativo. Na região nordeste são
96 unidades (cerca de 20,1% do total). O Rio Grande do Norte possui 8 unidades, sendo 6 destinadas a atender o
sexo masculino, 1 para o sexo feminino e 1 mista. (SINASE, 2018).
69
De acordo com Araújo e Lima (2008), esse formato de programa surgiu no início da década de 1990 com o
programa “Aqui Agora” e se caracteriza por produzir conteúdo noticioso centrado especialmente em temas
criminais, com apelos sensacionalistas e estrutura narrativa considerada simplificada e maniqueísta. No Ceará, por
exemplo, os programas policiais ocupam 50 horas da programação semanal em canais abertos. (CEDECA, 2011).
90

toda moral é suspensa, tudo é válido. (BARROCO, 2011, p. 210). O “mal”, neste caso, tem se
personificado socialmente na figura da população pobre e, em especial, negra. O uso de medidas
penais mais severas e, sobretudo, da privação de liberdade como recurso inequívoco tem,
segundo Garland (1999), garantido um duplo objetivo. Primeiro, opera em função de “[...] um
registro punitivo que segrega os símbolos de condenação e de sofrimento para entregar sua
mensagem, e um registro instrumental mais adequado aos objetivos de proteção do público e
gestão do risco” (GARLAND, 1999, p. 60).
No Sistema Socioeducativo brasileiro, portanto, o encarceramento da população juvenil
seguiu o mesmo padrão do Sistema Criminal de Justiça de aprisionamento de sujeitos pobres e
negros. Em 2016, por exemplo, segundo dados da Secretária Nacional dos Direitos de Criança
e do Adolescente, foram registrados 26.450 adolescentes cumprindo medida socioeducativas.
Destes, 25.929 estavam cumprindo medida de internação e semiliberdade. No Rio Grande do
Norte, em 2011, o sistema socioeducativo potiguar tinha 110 adolescentes e jovens privados de
liberdade, já em 2016, esse número subiu para 192. (SINASE, 2018). Os centros
socioeducativos, dessa maneira, em comparação ao sistema penitenciário têm apresentado
similaridades, tanto do ponto de vista operacional da gestão dos internos como das socializações
destes no espaço institucional.
Isto porque, como nos aponta Foucault (2014), os espaços de privação de liberdade são,
em suma, ambientes disciplinares. Além disso, nesses espaços a disciplina costuma dá lugar a
indisciplina e as estratégias de subversão. As prisões ou espaços de privação de liberdade são,
assim, espaços de lutas, contradições e antagonismos. Há dominantes e dominados, há classes,
raças, gêneros, sexualidades e alienação. Mesmo que não seja um espaço produtivo, neste lugar
se fabricam, dominantes e dominados a exemplo do que ocorre na sociedade mais ampla
caracterizando-se, como quer Foucault (2014), como um lugar de contrapoder, revoltas, lutas e
do não conformismo.
No Sistema Socioeducativo, em especial, os efeitos do recrudescimento das medidas
punitivas têm transformado a dinâmica de socialização dos jovens internos. Nessas unidades,
por exemplo, ações corretivas que, muitas vezes, fogem a legalidade tais como tortura,
espancamentos, assassinatos, abuso sexual etc. têm sido naturalizadas no cotidiano institucional
a partir de socializações hierarquizadas tanto entre os internos como entre
agentes/socioeducadores e os jovens. (MOURA, 2016).
Isso porque a alienação é um aspecto presente na socialização entre os jovens, se
intensificando com a polarização formada pelos diferentes grupos faccionados no centro
educacional. Para Iasi (2007), a alienação como resultado das relações sociais imediatas entre
91

o indivíduo e a realidade concreta e externa, costuma naturalizar os valores, tradições e


representações transmitidos pelos pais e pela cultura nacional. A alienação, como bem aponta
Heller (2016), tem no cotidiano seu lugar privilegiado de (re) produção, uma vez que é o espaço
em que se (re)produz a ultrageneralização e o pragmatismo. Logo, nesta primeira forma de
consciência70 “o indivíduo interioriza essas relações, as transforma em normas, estando pronto
para reproduzi-las em outras relações através da associação”. (IASI, 2007, p. 17). Tais normas
e valores são reforçados em outros espaços, para além da família, como a escola, a comunidade
e o trabalho. Nesse sentido, as relações desiguais provocadas pela contradição capital e trabalho,
bem como os processos de exploração e violência são naturalizados.
Neste contexto disciplinar e punitivo as prisões e/ou centros educacionais realizam uma
tarefa gerencialista da pobreza e das “classes perigosas”, funcional a dinâmica da (re)produção
capitalista. Para Wacquant (1999), esse processo massivo de encarceramento da população
pobre e negra faz parte do projeto neoliberal de criminalização da miséria. Segundo o autor, a
institucionalização da prisão, em meados do século XIX, tinha por objetivo controlar as
populações desviantes. Contudo,

Em nossos dias, o aparelho carcerário americano desempenha um papel análogo com


respeito aos grupos que se tornaram supérfluos ou incongruentes pela dupla
reestruturação da relação social e da caridade do Estado: as frações decadentes da
classe operária e os negros pobres das cidades. Ao fazer isso, ele assume um lugar
central no sistema dos instrumentos do governo da miséria, na encruzilhada do
mercado de trabalho desqualificado, dos guetos urbanos e de serviços sociais
"reformados" com vistas a apoiar a disciplina do trabalho assalariado dessocializado.
(WACQUANT, 2004, p. 63).

No Brasil, em virtude da histórica desigualdade social, as prisões e espaços de privação


de liberdade tornaram-se verdadeiros “campos de concentração”, como caracteriza Wacquant
(2004). Nessas instituições, além da gestão da miséria, há ainda a gestão dos corpos dos
indivíduos. Estes têm se tornado os principais objetos de adestramento e controle por parte do
Estado.
Assim, além dos corpos, os sentimentos, comportamentos e subjetividades dos sujeitos
internos nesses espaços são interpelados pelo panóptico71 “[...] onde os menores movimentos
são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto
de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão”. (FOUCAULT, 2014,

70
De acordo com Iasi (2007), além da consciência alienada há a consciência em si e consciência para si.
71
As instituições sociais que se fortalecem a partir da revolução francesa tais como os hospitais, os manicômios
e, principalmente, a prisão tornaram-se os principais materializadores do modelo panóptico.
92

p. 192). Esse meio de controle reproduzido pelas diversas instituições sociais exercem uma
série de métodos disciplinares para corrigir os sujeitos tidos como “anormais” socialmente. Em
outras palavras, estes processos disciplinares e punitivos possuem uma dupla dimensão
ideológica: (re) produzir o devir burguês no interior das classes subalternas e garantir o controle
social. (WACQUANT, 2004). Do ponto de vista arquitetônico, o panóptico organiza as
instituições de privação de liberdade permitindo um controle intersubjetivo dos sujeitos.
Nesta gestão dos corpos e das singularidades a sexualidade torna-se um dos objetos
desse poder institucional numa incansável “docilização” do corpo. (FOUCAULT, 2014). Em
outras palavras, este corpo é modelado, manipulado, treinado e, no caso da sexualidade, é
monitorado em função do imperativo heterossexual. Para Goffman (2015), as instituições de
privação de liberdade e, em especial, as prisões e centros educacionais utilizam uma série de
técnicas de desconstrução das identidades formadas pelos sujeitos internos, num incessante
processo de “degradação do eu”. Assim,

Na linguagem exata de algumas de nossas mais antigas instituições totais, começa


uma série de rebaixamento, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu
é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado. Começa
a passar por algumas mudanças radicais em sua carreira moral, uma carreira composta
pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a
respeito dos outros que são significativos para ele. (GOFFMAN, 2015, p. 24).

Essa descaracterização das identidades construídas pelos sujeitos que adentram tais
instituições inicia-se, assim, desde a admissão. Nessas ocasiões, os internos são, geralmente,
obrigados a utilizar as vestimentas disponibilizadas pela instituição; costumam perder os
apetrechos e símbolos que compõe sua identidade, tais como brincos, cordões e pulseiras; e, na
maioria das vezes, são submetidos a lógica apassivante das normas institucionais. (GOFFMAN,
2015). Assim, os sujeitos que estão a margem, tidos como desviantes e, portanto, objeto dessa
“sanção normalizadora”, são submetidos a diversos castigos e sanções. Para Irineu et al. (2016,
p. 117), “[...] é possível afirmar que essas instituições foram pensadas como um lugar para
encarcerar corpos indisciplinados, construindo, assim, uma rede que perpassa todos os lugares
e corpos”.
A identificação dos sujeitos tidos como desviantes nas unidades socioeducativas,
especialmente, aqueles pertencentes a grupos sexuais, historicamente, estigmatizados, tais
como homossexuais, bissexuais, transexuais e travestis é realizada a partir de uma interpretação
performática do interno aos moldes da norma heterossexual. Em outras palavras, aqueles
indivíduos LGBT’s que apresentam um conjunto de características heteronormativas,
93

geralmente, não são identificados como homossexuais ou bissexuais e, assim, são, quase
sempre, encaminhados aos dormitórios com os demais internos.
Aliás, durante o período de estágio voluntário no CASE-Mossoró, não observamos nos
instrumentos técnicos e nem mesmo nos atendimentos individuais com os internos nenhum
questionamento referente orientação sexual e identidade de gênero dos jovens autores de ato
infracional. O estado civil é o único ponto que se aproxima dessa questão. Além disso, durante
a pesquisa nenhum dos jovens autores de ato infracional se autodeclarou homossexual, embora
seja de conhecimento de todos, sobretudo, dos socioeducadores a existência de relação sexual
entre os internos. Em determinada ocasião, por exemplo, presenciei um socioeducador relatar
a equipe técnica sua suspeita sobre o envolvimento sexual de um jovem com os demais
ocupantes do dormitório. Contudo, não observamos nenhuma ação por parte da equipe técnica
e/ou da direção da unidade socioeducativa para averiguar a natureza dessa relação sexual ou
mesmo tomar quaisquer medidas no sentido de realizar um trabalho de educação sexual com os
socioeducandos. Especialmente, sobre o uso de preservativos, Infecções Sexualmente
Transmissíveis72 ou mesmo temas relativos a sexualidade na adolescência.
Todos esses elementos corroboram o entendimento que, no CASE-Mossoró, os jovens
LGBT’s a margem do regime binário dos gêneros e, consequentemente, não apresentam
características e trejeitos em sintonia com matriz heterossexual, são destinados a acomodações
apartadas dos demais internos. Esses espaços são considerados de “risco”, pois tem a função de
resguardar a integridade física de sujeitos marginalizados pelos demais socioeducandos. A
Portaria Nº 005/16-GP73 determina, por exemplo, “dentre as ações socioeducativas, resguardar
espaços físicos e/ou horários alternativos para participação da população LGBT, sem prejuízo
das atividades, a fim de preservar sua integridade física, moral e social”. (Art. 2, inciso VIII).
Tais dormitórios são caracterizados como espaços de “gerenciamento”.
Segundo Feely e Simon (2012, p. 20), essa filtragem dos internos “preocupa-se com
técnicas para identificar, classificar ou gerenciar agrupamentos distinguidos por sua
periculosidade. A tarefa é gerencial e não transformativa”. Em síntese, essa classificação dos
jovens privados de liberdade reflete o deslocamento na missão educativa dos centros

72
Essas temáticas foram trabalhadas pelos profissionais da equipe do Programa de Residência Multiprofissional
em Saúde da Família e Comunidade da UERN. Contudo, as atividades não contaram com o apoio técnico dos
profissionais e direção do centro socioeducativo.
73
Institui e regulamenta as normas de procedimentos, acesso e permanência de adolescentes de grupos LGBT, no
âmbito da FUNDAC/RN, tendo em vista as garantias de seus direitos.
94

socioeducativos para o simples “[...] gerenciamento, um depósito para as distintas classes de


‘delinquentes’ com níveis de riscos variados”. (NASCIMENTO, 2018, p. 113-114).
O gerenciamento dessa população “de risco”, especialmente, LGBT’s reflete a
constituição do imperativo heterossexual nos espaços de privação de liberdade. A menor
possibilidade de interação entre o jovem LGBT e o heterossexual coloca em xeque e risco a
masculinidade desse último, assim como a integridade física do primeiro grupo. Desse modo,
ao separar os sujeitos considerados “de risco”, a instituição nega seu compromisso pedagógico
com os jovens autores de ato infracional, sobretudo, àqueles que vivenciam outras expressões
da diversidade sexual. O SINASE, a propósito, em sua décima diretriz pedagógica afirma:

[...] questões de diversidade cultural, da igualdade étnico-racial, de gênero, de


orientação sexual deverão compor os fundamentos teórico-metodológicos do projeto
pedagógico dos programas de atendimento socioeducativo; sendo necessário discutir,
conceituar e desenvolver metodologias que promovam a inclusão desses temas,
interligando-os às ações de promoção de saúde, educação, cultura, profissionalização
e cidadania na execução das medidas socioeducativas, possibilitando práticas mais
tolerantes e inclusivas. (BRASIL, 2006, p. 49).

Nesse sentido, a incapacidade de dialogar e executar ações capazes de promover a


inclusão dos jovens LGBT com os demais internos fomenta, a partir da orientação sexual e
identidade de gênero, o estabelecimento de socializações verticais entre os jovens autores de
ato infracional do CASE-Mossoró. Ademais, as facções também têm potencializado o abismo
entre os sujeitos tidos como “de risco”, especialmente, os LGBT. Isso porque a facção,
organização destinada exclusivamente a homens heterossexuais, requer destes signos de
consideração (SÁ, 2011) incompatíveis com outras expressões da orientação sexual e
identidade de gênero socialmente dissidentes. Esses grupos costumam, como já mencionado,
emitir regras a partir de estatutos de comportamentos que, muitas vezes, divergem daqueles
impostos pela instituição, inclusive, sobre a sexualidade.
É importante salientar que embora a dinâmica das facções não constitua o objetivo
central desse trabalho, a polarização entre a facção Sindicato do RN e PCC têm (re)organizado
todo o calendário pedagógico das instituições socioeducativas potiguares, inclusive, a maneira
como os sujeitos LGBT são gerenciados pela instituição e vistos pelos demais internos. No
CASE-Mossoró, por exemplo, alguns jovens74 condenados pelos “tribunais do crime” de ambas
as facções são alocados juntamente com os jovens LGBT’s num espaço, popularmente,
denominado de “cafú”.

74
Dentre esses jovens destaca-se os “duzentos” e demais internos que não pertencem a nenhuma das facções.
95

Dertarte, durante as oficinas e entrevistas com os jovens do CASE-Mossoró, quando


questionados sobre a possibilidade de receber um(a) adolescente travesti ou transexual em seus
alojamentos, estes apresentaram diferentes reações. Alguns jovens verbalizaram opiniões e
posicionamentos progressistas, todavia, a maioria externalizou concepções preconceituosas e
rejeitou a hipótese.

- Ei meu véi, mora lá na cafú [espaço onde fica os adolescentes acusados de estupro
e/ou que são ameaçados pelos outros adolescentes] (Deadpool, 17 anos).
- é o terror, a cafú. (Lobo, 18 anos)
- É o seguro. (Riddick, 18 anos)
- Negócio que se fosse pra lá... [para o alojamento dos adolescentes] ia ser meio
embaçado” (Deadpool, 18 anos).
- Teria que aceitar mesmo não gostando. Porque não pode oprimir. Como é essas
questões de facção e meu núcleo é da facção do RN, do sindicato. Não pode ter
agressão física, não pode ter agressão verbal. Não pode ter coesão. A num ser que nós
nos se sentimos oprimidos. É diferente. Aí tem que combater porque nós que tá sendo
oprimido. Combater a opressão. Nós não somos opressores. Mas com certeza... tipo
assim, mesmo não gostando, eu tenho que aturar. Eu não posso fazer nada, eu não
posso dizer nada. Se não, o errado sou eu. (Justiceiro, 18 anos).
- Ia aceitar de boa. Porque tudo é respeito. Ninguém pode desrespeitar ninguém, não.
Se for pela facção de nois, pode ser o que for. Pode ser travesti homem, travesti
mulher. Tem esse negócio, não. Tem que respeitar. Ia ser como qualquer um de nois.
Como qualquer um outro que chega e tira brincadeira. Se alguém quisesse se envolver
[sexualmente] lá dentro, se envolvia. Se não quiser também não se envolvia. Aí é de
cada um. (Coringa, 18 anos).

Estes diálogos coadunam o entendimento das orientações sexuais e identidades de


gênero permeadas por estigmas sociais. Isso porque os(as) jovens LGBT’s possuem uma série
de marcadores sociais que lhes atribui características estéticas e moralmente negativas. As
travestis e transexuais, por exemplo, apresentam inúmeras propriedades que lhes confere um
conjunto de estigmas sociais. Goffman (2004), apresenta três tipos diferentes de estigmas,
sendo os dois primeiros muitas vezes associados a esses sujeitos. São eles:

Em primeiro lugar, há as abominações do corpo – as várias deformidades físicas. Em


segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões
tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas
a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício,
alcoolismo, homossexualidade, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento
político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, de nação e religião, que
podem ser transmitidos através de linguagem e contaminar por igual todos os
membros de uma família. (GOFFMAN, 2004, p. 7).

No espaço socioeducativo esses elementos sexuais, socialmente, tidos como anormais


e/ou patológicos são incorporados ao estigma produzido pela prática do ato infracional. Para
96

Vieira e Lacerda (2016), esses aspectos intrínsecos a individualidade dos sujeitos LGBT’s,
assim como o próprio ato infracional, são utilizados como justificativa para a prática de diversas
violências de natureza física, psicológica e simbólica. Ainda segundo as autoras, as próprias
instituições socioeducativas (re)produzem, por meio do corpo técnico, sobretudo, os
socioeducadores, práticas discriminatórias a partir de perspectivas essencialistas que acabam
por naturalizar a LGBTfobia nesses espaços.
Os jovens autores de ato infracional, desse modo, interpretam a socialização com os(as)
adolescentes LGBT’s em seus respectivos dormitórios como uma ameaça a sua masculinidade
e aos signos de respeito e prestígio impostos pelas facções. De acordo com Nascimento (2018),
o descontentamento dos grupos em situação de aprisionamento em receber pessoas LGBT,
principalmente, travestis e transexuais nos espaços de privação de liberdade expressam-se num
conjunto de violências contra as “minorias sexuais” que materializa-se desde a proibição em
“[...] expressar o feminino performado em seus corpos ou ter relações afetivo-sexuais com
outros presos” (NASCIMENTO, 2018, p. 62) até os linchamentos, cortes de cabelo das internas
transgênero e morte.
Isso porque os espaços de aprisionamento são, historicamente, considerados a “casa-
dos-homens”, onde se (re)produz, durante todo o tempo, a manutenção do masculino. A
imagem dos ditos “grandes-homens” no universo carcerário, como aponta Welzer-Lang (2004),
está associada aos “que tem poder e que demostra os sinais desse poder (as redes de relações, o
dinheiro, mulheres à disposição...)”. (WELZER-LANG, 2004, p. 117-118).
Essa recusa dos jovens autores de ato infracional em socializar com os socioeducandos
homossexuais, travestis, mulheres trans justifica-se pelo fato desses(as) jovens performarem
uma identidade de gênero relacionada ao feminino. Para Goffman (2004), essas orientações
sexuais e identidades de gênero socialmente dissidentes constitui-se, dentro do espaço prisional,
“[...] um traço que pode-se impor a atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a
possibilidade de atenção para outros atributos seus”. (GOFFMAN, 2004, p. 07). Deadpool, por
exemplo, revela que embora conheça alguns sujeitos LGBT:

-[...] não ando direto. Conheço e aí, sossegado. É porque na rua... andar colado com
os boy, ir pra festa... tem as cumadi. É embaçado.

Nesse sentido, nas relações cotidianas, em especial, no mundo das sociabilidades


delitivas andar com gays e lésbicas representa um risco ao seu prestígio diante do grupo e,
ainda, a possibilidade de colocar em xeque sua masculinidade diante das mulheres. Desse modo,
a partir de algumas verbalizações já mencionadas pelos adolescentes, percebemos que no plano
97

das relações entre os internos com a população LGBT no sistema socioeducativo o abuso se
apresenta como o operador hierárquico entre os indivíduos, criando uma divisão entre os
dominantes e dominados. (IRINEU; MAIA; LACERDA, 2016). Estes, de acordo com Welzer-
Lang (2004, p. 118), são os “detentos estigmatizados como ‘sub-homens’, entre eles os
homossexuais e todos os que apresentam sinais de fraqueza ou são vistos como ‘efeminados’ e
considerados passíveis de abuso (os jovens, os drogados, as travestis etc.)”.
Desse modo, a homofobia como expressão da discriminação a pessoas “[...] que
mostram, ou a que se emprestam, certas qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero”.
(WELZER-LANG, 2004, p. 118) desempenha um papel central nessas relações de poder
criadas entre os “grandes-homens” e os “sub-homens”. Ela é, assim, utilizada como um
instrumento de controle social, principalmente, sobre o grupo dos dominados. Tal controle
inicia-se desde os primeiros passos da educação masculina. Ou seja, todas as características
ligadas ao feminino, tido como um sexo inferior, são reprimidas. Nesse sentido, “para ser
valorizado, o homem precisa ser viril, mostrar-se superior, forte, competitivo... se não é tratado
como os fracos e como as mulheres, e assimilado aos homossexuais”. (WELZER-LANG, 2004,
p. 118).
Nesse sentido, durante a oficina sobre Orientações Sexuais e representações de gênero75
convidamos os jovens a produzir por meio de colagens os símbolos relativos ao gênero
masculino e feminino. A partir desse exercício conseguimos compreender suas concepções
sobre o ser homem e mulher. Na ocasião, dois deles, Pistoleiro Sem Nome e Thanos, foram
convidados a selecionar as imagens a partir das revistas disponibilizadas76. No momento da
atividade, os participantes teciam comentários a respeito dos famosos que estampavam as
revistas. Pistoleiro Sem Nome, em determinado momento, recortou uma imagem de uma atriz,
destacando a beleza da jovem e das tatuagens exibidas por ela. A atividade não foi realizada de
maneira silenciosa, pois ambos os participantes opinavam nas escolhas um do outro e, quase
sempre, justificavam as figuras escolhidas.
Assim, em determinado momento, Pistoleiro Sem Nome criticou o colega por estar
recortando uma imagem de um homem de cueca. As críticas misturavam-se a um tom de
deboche e machismo. Thanos, por outro lado, pareceu não se importar. Na seleção das revistas,
Pistoleiro Sem Nome avistou a imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quis
associá-lo ao universo masculino, pois representava a figura do “ladrão”. Porém, descartou a

75
Ver apêndice B e C.
76
Ver apêndice B.
98

imagem durante a colagem. O jovem escolheu ainda a imagem de um prato de comida


relacionando ao universo feminino. Neste momento Thanos desdenhou: aqui tem coisa mais
importante, enquanto folheava uma revista de roupa íntima.

IMAGEM 1 - Colagem representando as concepções de gênero realizada pelos jovens


autores de ato infracional, no CASE Mossoró-RN, (2018)

Fonte: oficina realizada pelo autor no CASE-Mossoró-RN.


99

IMAGEM 2 - Colagem representando as concepções de gênero realizada pelos jovens


autores de ato infracional, no CASE Mossoró-RN, (2018)

Fonte: oficina realizada pelo autor no CASE-Mossoró-RN.

Por meio das colagens, os jovens reiteraram o modelo heteronormativo na demarcação


dos papeis de gênero. Os homens, por exemplo, em uma das colagens, foram representados por
imagens valorativas da masculinidade e virilidade associadas aos esportes radicais. Além disso,
na imagem 2 há também uma associação das armas e da violência na constituição do ser homem.
Isso se explica porque a trajetória masculina difere da feminina. O ser homem, sobretudo, nas
sociabilidades delitivas está vinculado com o ingresso no espaço público, uma vez que essa
nova dinâmica “[...] passa a representar a concepção de local de trabalho, responsabilidade e
busca de atividade remunerada”. (MONTEIRO, 1999, p. 125). Tais qualidades representam
uma mudança social na figura do homem, pois garante a constituição da imagem de provedor
e protetor da mulher. Na imagem 1 também há uma vinculação do órgão sexual na constituição
do masculino e da virilidade. Em contrapartida, as mulheres são descritas pelos socioeducandos
a partir de símbolos que reforçam sua feminilidade e fragilidade, apontando o âmbito doméstico
como seu lugar social, representado na imagem pela comida.
100

Na segunda etapa da atividade, os jovens foram interpelados a dar sua opinião partir da
apresentação de personalidades LGBT públicas77 sobre o gênero e orientação sexual de cada
artista. Na ocasião, Thanos fez uma observação na imagem do modelo masculino transgênero
T78. O adolescente demonstrou conhecimento sobre a discussão da transexualidade. Inclusive,
fez referência ao personagem transexual “Ivan/Ivana” da novela da Rede Globo “A Força do
Querer”79.
Se, em geral, percebemos uma dissimetria entre a concepção de orientação sexual e
identidade de gênero, pudemos perceber isso nesta atividade, pois quando reproduzimos em
data show as imagens de pessoas transgênero, os jovens tiveram dificuldade em determinar a
qual gênero os sujeitos pertenciam. Ao reproduzir a imagem do apresentador Thammy Miranda,
por exemplo, homem transexual, filho da cantora Gretchen, os jovens externalizaram as
seguintes verbalizações:

- Aí é uma mulher porque apareceu na televisão. Corta dos dois lados, acho que fica
com homem. (Capuz Vermelho, 18 anos).

- Como é o nome? Mulé que fica com mulé? Lésbica. Eu acho que é uma mulé.
(Wilson Fisk, 17 anos).

- Ele tem vagina. Mas na fisionomia é um omi. (Venom, 18 anos).

- Isso é uma lésbica parceiro, se isso fosse um omi... aparecia o gogo. (Severus Snape,
15 anos).

As percepções dos jovens sobre a identidade de gênero dos sujeitos apresentados,


sobretudo, transgêneros estão fundadas em uma perspectiva essencialista. Os órgãos sexuais
são, para eles, determinantes na constituição da identidade de gênero dos indivíduos, mesmo os
aspectos fenomênicos divergindo do sexo biológico dos sujeitos. (BUTLER, 2015). No âmbito
dos centros socioeducativos, essas concepções atravessam e determinam a maneira como os
jovens heterossexuais vão socializar com os jovens LGBT. Em síntese, embora alguns
socioeducandos apresentem visões progressistas sobre as orientações sexuais e identidades de
gênero dissidentes, o estatuto e regras produzidas em meio as relações delitivas e de poder
impossibilitam estes internos a considerarem os sujeitos LGBT como iguais. Portanto, a

77
Ver apêndice C.

78
O modelo transexual ganhou notoriedade na mídia em 2017. Inicialmente, o modelo utilizava seu nome de
batismo “Tereza”. Mas após a regulamentação das alterações no nome social e no registro civil de pessoas trans
pelo Conselho Nacional de Justiça, o modelo passou a se chamar Tarso Brant.

79
No folhetim global, Ivana, uma jovem de classe média alta começa a questionar sua identidade de gênero
assumindo, posteriormente, sua transexualidade e se alto afirmando como homem trans, Ivan.
101

ausência de símbolos e comportamentos que permitem uma identificação dos sujeitos LGBT
com os demais internos, acaba por fazer desses o “outro”. Ou seja, essa dissonância
performática e sexual desses indivíduos da matriz heterossexual retira deles seu elemento
humano, na medida que sua orientação sexual e/ou identidade de gênero é utilizada como
fundamento para o cerceamento de seu direito a vida. (BARROCO, 2011). A categoria
“humanidade”, nesse caso, está condicionada a inteligibilidade esperada das noções
hegemônicas de ser homem e mulher.
De acordo com Bento (2016), a violência contra as “minorias sexuais”, principalmente,
contra travestis e mulheres transsexuais ocorrem pela recusa em conceber outras maneiras de
se construir o gênero e a afetividade. Para a autora, o transfeminicídio80 constitui-se uma
prática, quase, cultural da sociedade brasileira. Há, assim, uma espetacularização exemplar
dessas mortes e corpos, na medida que “[...] contribuem para a coesão e reprodução da lei de
gênero que define que somos o que nossas genitálias determinam”. (BENTO, 2016, p. 51).
Ainda nessa perspectiva, Bento (2016) aponta como os principais alvos dessa violência, mesmo
entre os homossexuais, aqueles que performatizam em seus corpos características femininas.
Demonstrando, assim, uma profunda desvalorização do feminino.
Neste sentido, segundo relatório do Grupo Gay da Bahia, em 2018, 420 pessoas LGBT
morreram por morte violenta (incluindo suicídio). De acordo com a Associação Nacional de
Travestis e Transexuais (ANTRA), em 2017, foram assassinados(as) 179 pessoas trans. Já de
acordo com a organização não governamental International Trangender Europe (TGEU), que
monitora casos de violência em todo o mundo, entre 2008 e 2016 ocorreram, no Brasil, pelo
menos 868 homicídios de pessoas trans. Só no Estado do Rio Grande do Norte, segundo dados
divulgados em 2017, pelo hoje extinto Ministério de Direitos Humanos, o disque 100 recebeu
23 denúncias por LGBTfobia.
Essa abjeção quanto aos sujeitos LGBT revela os desdobramentos do que Foucault
(2014) denominou de sociedade disciplinar. Para o autor, a regulação dos corpos dissidentes
pelas diversas instituições sociais tem produzido nestes indivíduos a imagem do sujeito
“anormal”. Logo, passível de correção mesmo que por meios violentos. Esse sistema de
opressão encontra fôlego no pragmatismo e na ultrageneralização cotidiana, ausente de valores
emancipatórios. (HELLER, 2016). Nos espaços de privação de liberdade, como já exposto,

80
Para Bento (2016, p. 51), “o transfeminicídio, tal qual o feminicídio, se caracteriza como uma política
disseminada, intencional e sistemática de eliminação das travestis, mulheres trans e mulheres transexuais,
motivada pela negação da humanidade às vítimas. O transfeminicídio seria a expressão mais potente e trágica do
caráter político das identidades de gênero”.
102

esse processo é mais latente. Uma vez que para além das identidades de gênero e orientações
sexuais, as práticas sexuais são reguladas e, por vezes, negociadas entre os sujeitos internos. De
acordo com Wacquant (2003), as prisões e/ou os espaços de privação de liberdade se tornaram
“guetos” compostos de diferentes minorias sociais. Os guetos, em gênese, surgiram no início
do século XX no estado norte-americano num contexto de forte segregação racial, sobretudo,
na região sul do país. Assim, reivindicando melhores condições de vida e trabalho, o povo
negro deslocou-se em direção ao norte, onde embora a discriminação racial ainda repercutia
material e simbolicamente em suas vidas, havia a garantia de direitos inimagináveis no contexto
de servidão camponesa do sul rural, tais como: maior liberdade de ir e vir nos espaços públicos,
direito a voto, proteção dos tribunais etc. Neste sentido, os negros puderam ocupar as trincheiras
de produção da economia industrial fordista, de maneira abundante e barata. Neste cenário os
guetos são criados: “a cidade na cidade”. (WACQUANT, 2003).
Em síntese, a burguesia norte-americana via nos guetos a oportunidade de “[...] extrair
a força de trabalho negra e, ao mesmo tempo, manter os corpos negros a uma distância segura,
para grande proveito material e simbólico da sociedade branca”. (WACQUANT, 2003, p. 114).
Todavia, essa dinâmica de opressão racial começa se alterar a partir da década de 1960-70 com
a organização coletiva do movimento negro somado as reivindicações em torno da guerra do
Vietnã. Nesse contexto, a população negra conquistou direitos civis e políticos como o voto,
por exemplo. Em contrapartida a esse avanço nos direitos sociais, a burguesia reagiu
negativamente a inserção deste grupo na cidade, direcionando fortes ataques as políticas sociais
ancoradas na busca pela igualdade. Assim, o reavivamento das políticas de apelo a “ordem
pública” serviu para segregar as classes perigosas a um novo espaço social: a prisão.
(WACQUANT, 2003).
Nesse espaço, apesar do processo de estigmatização comum a todos os internos, há a
constituição de outros guetos submetidos a grupos dominantes, inclusive, entre os próprios
sujeitos privados de liberdade. Segundo Wacquant (2003), quatro elementos caracterizam um
gueto: estigma, coação, confinamento territorial e segregação institucional. Os sujeitos LGBT,
dessa maneira, compõem um gueto nos espaços de privação de liberdade. Onde toda expressão
da diversidade sexual está sujeita tanto ao domínio institucional como ao julgo dos outros
internos. O exercício da sexualidade, inclusive, também é submetido a inúmeras regras nesse
espaço, tendo em vista a defesa do imperativo heterossexual e, consequentemente, da
masculinidade dos jovens imersos nas dinâmicas delitivas.
Assim, compreendendo que a dinâmica da privação de liberdade é heterogênea,
complexa e contraditória, aprofundaremos no ponto seguinte como o exercício da sexualidade
103

é administrado pelo centro socioeducativo e, sobretudo, pelos jovens internos. Em outras


palavras, discorreremos sobre o lugar da sexualidade nesses espaços, especialmente, devido ao
limitado acesso a direitos sexuais e reprodutivos nas instituições socioeducativas.

4.2 HETEROSSEXUALIDADE VERSUS HOMOSSEXUALIDADE: IDENTIDADES


NEGOCIADAS NO CONTEXTO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE?

As instituições sociais têm compreendido a sexualidade a partir da defesa da matriz


heterossexual. Nos centros socioeducativos, em especial, essa questão é atravessada por
moralismos e limitações de natureza conservadora. O entendimento sobre a sexualidade,
geralmente, tem se resumido ao ato sexual em si. Contudo, como nos elucida Louro (2000),
“[...] a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política; ou melhor, é
construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos”. (LOURO, 2000,
p. 11).
No CASE-Mossoró, a ausência de uma interpretação progressista sobre a sexualidade
tem (re)produzido entre os jovens internos o fortalecimento dessa perspectiva reducionista. Para
os entrevistados, a sexualidade ainda é um conceito desconhecido, quase sempre, equivalente
ao ato sexual entre homens e mulheres.

- Já ouvi falar, mas... num tô ligado, não. Sexualidade...sei não eu juntei os dois
naquele dia [da oficina]. Eu juntei sexo com sensualidade. Coloquei sexo sensual...
num sei o quê. Mas botei, né? Mas não sei o que significa bem direitim, né? Eu juntei
os dois... sexualidade, sexual e sexo com sexualidade. Sexo com sensualidade. Eu
botei esse negócio aí, né? Eu não sei nem o que é... botei o que vei na mente.
(Deadpool, 17 anos).
- Assim... é o conjunto de vários sexos. E pode ter vários sentidos, falando de um sexo
especial com o sexo oposto e vai até do mesmo sexo. Que hoje em dia é natural.
(Justiceiro, 18 anos)
- Já ouvi falar em sexo. É a merma coisa? Sexo? Já ouvi falar [em sexualidade], sim.
Mas nunca me explicaram o que é. Sexo? Eu penso que é sexo, né? Transar... coisa
do tipo. Ou então quando a mulher quer seduzir o homem também pode ser, né?
(Coringa, 18 anos).
- A pessoa fazer um amor de verdade e a pessoa ter que fazer para que a pessoa que
esteja fazendo, gostar da pessoa. Eu mermo acho isso. (Jack Sparrow, 20 anos).

Durante a oficina sobre Sexualidade e privação de liberdade os jovens participantes


foram interpelados a expressar por meio de gravuras ou palavras aquilo que compreendiam por
sexualidade. Assim, foram produzidas as seguintes imagens:
104

IMAGEM 3 - representação da sexualidade produzida pelos jovens autores de ato


infracional no CASE Mossoró-RN. (2018)

Fonte: oficina realizada pelo autor no CASE-Mossoró-RN.


105

IMAGEM 4 - representação da sexualidade produzida pelos jovens autores de ato


infracional no CASE Mossoró-RN. (2018)

Fonte: oficina realizada pelo autor no CASE-Mossoró-RN.


106

IMAGEM 5 - representação da sexualidade produzida pelos jovens autores de ato


infracional no CASE Mossoró-RN. (2018)

Fonte: oficina realizada pelo autor no CASE-Mossoró-RN.

Percebe-se a partir das imagens que a sexualidade sempre está associada a relação
heterossexual, dando ênfase ao tamanho dos órgãos sexuais masculinos como sinônimo de
virilidade. As parceiras sexuais, por outro lado, são reproduzidas como desejáveis. Desse modo,
o ato sexual apresenta-se como basilar na compreensão das vivências da sexualidade dos jovens
internos no CASE-Mossoró, visto a centralidade da associação entre sexualidade e sexo
elencada por eles. O amor também está condicionado a prática sexual, embora não seja
consenso entre todos. O desconhecimento dos jovens quanto a sexualidade revela ainda a recusa
política em incluir temas relativos à educação sexual nas escolas.
Nessa perspectiva, os jovens privados de liberdade estão à margem do acesso aos seus
direitos sexuais e reprodutivos quando comparados aos adultos em situação de encarceramento.
Isso porque, diferentemente destes que são amparados pela Lei de Execução Penal, os direitos
sexuais e reprodutivos dos adolescentes e jovens autores de ato infracional não são
regulamentados pelo o ECA e SINASE. Aliás, o direito a visita íntima, embora seja o único
ponto relativo a sexualidade contemplado pela legislação socioeducativa, é facultativo aos
centros educacionais que gestam a medida de internação. Para Mattar (2008, p. 71), “há quem
diga que os adolescentes privados de liberdade não têm o direito ao exercício da sexualidade,
justamente pelo caráter punitivo da medida socioeducativa”.
107

No CASE Mossoró, por exemplo, a concessão desse direito requer do jovem o


cumprimento de um conjunto de obrigações, tais como: a comprovação do vínculo afetivo entre
o socioeducando e a(o) companheira(o); realização de exames de sangue de ambas as partes
para o diagnóstico de possíveis Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST’s); autorização dos
responsáveis em caso de companheira(o) menor de idade e; avaliação do comportamento de
quem pleiteia tal direito. Esse excessivo número de exigências, dificilmente garante aos jovens
o direito sexual e reprodutivo, tendo em vista seu perfil socioeconômico, que acaba por
dificultar a realização destes exames. Assim, no CASE-Mossoró há uma reiteração da
perspectiva reducionista da sexualidade expressa, por exemplo, em seu Projeto Político
Pedagógico, publicado em novembro de 2017, que versa sobre alguns objetivos no eixo “direito
à sexualidade” sobre a garantia do direito a visita íntima para os jovens privados de liberdade:

- Informar ao socioeducando e sua (seu) parceira(o) sobre os procedimentos


necessários para assegurar a visita íntima;
- Contribuir para que o socioeducando e sua(seu) parceira(o) tenham acesso às
condições suficientes para cumprir os critérios para a visita íntima;
- Garantir local que assegure a privacidade necessária para a visita íntima;
- Observar que o direito a visita íntima independe da orientação sexual e identidade
de gênero dos envolvidos, devendo a unidade evitar limitar, restringir ou impedir a
realização da visita íntima por esses motivos;
- Respeitar os requisitos conforme dispostos no Regimento Interno; (MOSSORÓ,
2017, p. 52).

Apesar desse posicionamento do CASE-Mossoró sobre o direito a visita íntima, no


cotidiano institucional os trâmites que levam os jovens e suas companheiras a solicitar esse
recurso, geralmente, é cercado por posicionamentos moralistas e conservadores, sobretudo, dos
educadores sociais. Para Irineu et al. (2016), estes profissionais, em especial, ainda têm sua
imagem atrelada a figura do agente prisional e, portanto, reproduz uma ação profissional, quase
sempre, truculenta e autoritária. Todavia, conforme documento disposto sobre os “parâmetros
para formação do socioeducador”, (BRASIL, 2006), os educadores sociais devem fomentar o
protagonismo juvenil por meio de uma educação profissionalizante capaz de proporcionar ao
adolescente acesso ao mercado de trabalho, além de incentivar ações voltadas para o esporte e
a cultura, realizando campeonatos e atividades artísticas (BRASIL, 2016). Ireneu et al. (2016)
afirmam que sendo a formação dos educadores uma responsabilidade do Estado, os debates
relativos à sexualidade, dificilmente, compõem esse processo formativo fortalecendo, assim, a
reprodução de juízos de valores.
A resistência na discussão dessas temáticas ocorre, principalmente, pelo próprio debate
tardio em nível mundial e, principalmente, nacional sobre a sexualidade. Aliás, o fortalecimento
108

das políticas públicas sexuais e reprodutivas só ocorreram no Brasil na década de 1980, quando
diversos sujeitos coletivos reivindicaram a desvinculação das orientações sexuais dos
argumentos médicos patológicos, especialmente, do Código Internacional de Doenças (CID).
(IRINEU; RODRIGUES, 2016). Assim, a educação e a saúde, enquanto campos de
conhecimentos fundamentais, se tornaram centrais na luta por direitos sexuais e reprodutivos.
A saúde atuando junto ao combate ao crescimento da epidemia de HIV/AIDS e a educação
buscando desconstruir relações sociais de discriminação e preconceito.
Dessa maneira, durante todo o período vivenciado, cerca de 8 meses, junto ao campo de
pesquisa apenas dois socioeducandos conseguiram ter acesso a visita íntima. Coringa, de 18
anos, foi um dos jovens contemplados. Na ocasião, o interno relatou:

- Era duas hora, só. Mas dava pra ficar no sossego. Era uma vez por semana.

A fala apresenta uma interpretação dúbia sobre a visita íntima. Primeiro, reconhece a
relação sexual como capaz de proporcionar, parcialmente, a satisfação de seus desejos sexuais.
Mas ao mesmo tempo demonstra a insatisfação do jovem quanto ao tempo e a frequência
destinada a visita intima. Ademais, outro fator que dificultava a visita era a distância do centro
socioeducativo da comarca de origem do socioeducando. Neste caso, a FUNDASE fazia o
translado da família com uma periodicidade quinzenal. Posteriormente, no entanto, o jovem
perdeu este direito devido seu envolvimento nos conflitos entre as facções na unidade. No
CASE-Mossoró há um espaço específico para a visita íntima, onde há uma cama de solteiro,
um banheiro disponível para o casal e preservativos.
109

IMAGEM 6 - Espaço destinado a visita intima no CASE-Mossoró. (2018)

Fonte: Imagem feita pelo o autor.

A interdição quanto ao acesso a visita íntima impõe aos adolescentes internos no CASE-
Mossoró duras restrições, uma vez que eles possuíam uma vida sexual ativa anterior a privação
de liberdade. Deadpool, por exemplo, revela:

- Ficava com uma cumadi uma semana, outra semana tava com outra. Era assim...
num tinha os dias certos, não. Quando aparecesse...

Já Jack Sparrow, pelo fato de ter um relacionamento estável afirma que tinha relação
sexual com a sua companheira todos os dias.

- Antes dela engravidar, nois fazia toda hora, bem dizer... antes. Mas só que ela
engravidou, né, a mulher vai... mas todo dia. Uma vez só.

Desse modo, ocorre um cerceamento do direito a sexualidade da maioria dos jovens


internos no CASE-Mossoró, posto eles não atenderem os critérios da visita íntima, assim as
110

regras acabam obrigando estes sujeitos a criarem “ajustamentos secundários” para vivenciar a
sexualidade nesse espaço. De acordo com Goffman (2015) essas estratégias são “[...] práticas
que não desafiam diretamente a equipe dirigente, mas que permitem que os internos consigam
satisfações proibidas ou obtenham, por meios proibidos, as satisfações permitidas”.
(GOFFMAN, 2015, p. 54).
Destarte, a sexualidade desses jovens transita entre a legitimidade dada pela instituição,
por via da visita íntima, e por meio dos “ajustamentos secundários” (GOFFMAN, 2015)
negociados entre os internos com os distintos grupos dominantes. Assim, os adolescentes criam
um roteiro sexual que varia desde a masturbação até o ato sexual entre eles. Isso porque, embora
os signos de masculinidade sejam rígidos nas sociabilidades delitivas, sobretudo, quanto a
performance de gênero, nos espaços de privação de liberdade, onde os direitos sexuais e
reprodutivos são concedidos a poucos, estas práticas sexuais tornaram-se naturalizadas.
No entanto, durante o processo de entrevistas com os jovens internos no CASE-Mossoró
nenhum dos participantes confessou o envolvimento sexual com outro interno. Contudo,
revelaram já ter ouvido histórias de relações dessa natureza, inclusive, entre socioeducandos e
socioeducadores.

- Nesse CEDUC não, mas ouvi falar de outro CEDUC. Os boys falam aí... num
CEDUC aí, tal. Essa macacadas aconteceu lá no mei dos omi, amaldiçoado. Se essas
bichinhas vier com macacada pro meu lado eu largo um murro no mei dos ói. O caba
sabe, né, pelo jeito? Pelo jeito de falar... Ouvi falar numa história aí... que o boy tava
só arriando, tirando onda com o outro. Foi assim: - Se levantar [o adolescente
gesticulou com as mão representando o formato de um pênis], você vai ter que baixar.
Aí dê fé, o outro boy disse assim: - pois levante pra eu baixar essa porra. Dê fé, eu não
sei o que foi, sei que o camarada tava armado [com o pênis erétil]. O Boy disse: - nam,
não, embaçado isso aí. Dê fé, o boy que coisou disse: - segure esse boy aí e tal, o nego
disse que se eu levantasse ia ter que abaixar, agora vai abaixar. E baixou o cacete do
cara. Bateu uma sola no caba. É embaçado... diga aí o bagulho doido. (Deadpool, 17
anos).
- Até já. Até mesmo pelos próprios educadores. Só não sei se é verdade porque fica
muito difícil de acreditar. Mas também não posso afirmar se é verdade ou não. Porque
ouvi falar por outras bocas, nunca presenciei. Que os educadores tavam detrás de uma
cela e ouviu os meninos falando em transa que ia vê eles transando. E depois chegaram
até comentar com os próprios meninos e eles ficaram bem envergonhados. Já ouvi
falar de uma pessoa que tava aqui dentro que era gay. Já ouvi falar que em outras
unidades sobre a vara criminal... porque tem gays que é respeitado, não é porque ele
é gay que... não. Ele é gay e tá no mesmo barco, normalmente. Tipo assim, nos
presídios acontece até de ficar na mesma cela, respeitando todos. Tá entendendo?
(Justiceiro, 18 anos)

- Aqui [no CASE], não. Já, ano passado. Lá no CIAD de Natal, teve uma cena dessa
aí. Tinha uma cela lá que era só desses negócio. (Coringa, 18 anos).

- Aqui [no CASE] não tem isso, não. Mas pronto... no CIAD-João Pessoa porque,
assim, tinha chegado um viado. Aí só que ele ficou em cela separada porque na
unidade... quem tava no bagulho lá, tipo dando a letra era eu. Mas só que aí ele ficou
111

na cela sozinho, aí depois chegou mais outro, aí eu acho que por lá mais outro viado,
eles fizeram. Viado mermo. Eu acho que eram [homossexuais]. Mas só que tinha que
cortava dos dois lado, pegava mulher e homem, tá ligado? (Jack Sparrow, 20 anos).

- Já, no [Centro de Atendimento Socioeducativo] Pitimbu. Lá no Pitimbu tinha um


rapaz lá que ele era hemafrodita. Um tal de hemafrodita. A masculinidade dele era
mais pra mulher. Ele era homem, mas só que o estilo dele era mais feminino. Era do
mesmo jeito de uma mulher. Só que ele foi deu os papo em um, aí se relacionou com
ele lá e ficou. Ninguém disse nada, não. Agora putaria, né, se fizesse com o cara que
tivesse dormindo... saísse fora. Mas era sossegado os dois, omi. (Severus Snape, 15
anos).

- Já. De alguns meninos do CIAD de Natal que tinha um educador que tinha lá que os
meninos disse que ele jogava cigarro pros meninos. Disse até que ele foi exonerado
por ser flagrado fazendo posição. Os meninos pegava ele. (Justiceiro, 18 anos).

A dificuldade desses jovens em assumir a existência de relações homossexuais dentro


do seu alojamento justifica-se tanto do ponto de vista da defesa da masculinidade do grupo
como das exigências das facções por comportamentos viris de seus membros. Segundo Fry
(1982), há uma grande diferença entre o que as pessoas dizem fazer e o que acham que deveria
ser feito com o que de fato fazem. Existe, nesse sentido, uma defasagem entre representações e
práticas. Embora seja inegável a influência da percepção na constituição das representações dos
sujeitos e, de certa forma, no direcionamento de suas ações sociais.
Coringa, de 18 anos, por exemplo, embora tenha tido durante o cumprimento da medida
socioeducativa o direito a visita íntima e tenha negado a existência de relação sexual entre os
internos no CASE-Mossoró é apontado pelos socioeducadores como um exemplo de relação
homossexual no centro socioeducativo. Aliás, durante o processo investigativo identificamos o
jovem com quem este mantinha relação sexual. Esse jovem, inclusive, foi convidado a
participar das oficinas, contudo quando percebeu a temática das atividades se recusou a assinar
o TALE. Desse modo, não utilizaremos nenhum relato feito pelo jovem. Percebemos a natureza
da relação entre os jovens durante uma atividade educativa sobre IST’s realizada pelas
residentes do Programa Saúde da Família e Comunidade ligado à Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte (UERN). Na ocasião, colocamos sobre a mesa da sala várias camisinhas.
Na medida em que cada jovem entrava, ia pegando um pacote. Em determinado momento da
atividade, Coringa avistou seu companheiro de dormitório com um pacote de preservativo e
exclamou: - pra quê que tu quer isso? Sabe que eu não uso. Nesta situação específica, não
conseguimos identificar se a natureza da relação sexual era consensual ou violenta.
Constatamos, somente, ao final da atividade o jovem colocar novamente os preservativos sobre
a mesa.
112

Dessa forma, nos espaços de privação de liberdade há uma pedagogia da sexualidade a


ser interpretada por esses jovens. De acordo com Louro (2000), as diversas instituições sociais
e, em especial, a escola vem impondo a meninos e meninas um roteiro de gênero e orientação
sexual hegemônico a ser seguido. “Todas essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um
investimento que, frequentemente, aparece de forma articulada, reiterando identidades e
práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas”.
(LOURO, 2000, p. 25). Nos espaços de privação de liberdade não é diferente, pois estes roteiros
sexuais têm por fundamento a matriz heterossexual e, portanto, todas as práticas sexuais,
inclusive homossexuais, devem partir dessa perspectiva preservando a masculinidade e,
consequentemente, as relações sexuais hierarquizadas sob o binômio ativo/passivo. Forja-se,
assim, nesse espaço duas categorias antagônicas: o “macho” e a “bicha”. Para Fry (1982), a
interação sexual entre esses dois sujeitos ocorre de maneira delineada:

Enquanto o “homem” deveria se comportar de uma maneira “masculina”, a “bicha”


tende a reproduzir comportamentos geralmente associados ao papel de gênero (gender
role) feminino. No ato sexual, o “homem” penetra, enquanto a “bicha” é penetrada.
Como argumentei no Capítulo III, o ato de penetrar e o ser penetrado adquirem, nessa
área cultural, através de conceitos de “atividade” e “passividade”, o sentido de
dominação e submissão. Assim o “homem” idealmente domina a “bicha”. Além disso,
a relação entre “homens” e “bichas” é análoga à que se estabelece entre “homens” e
“mulheres” no mesmo contexto social, onde os papéis de gênero masculino e feminino
são altamente segregados e hierarquizados. (FRY, 1982, p. 90. Grifos do autor).

A privação de liberdade caracteriza-se, assim, como um espaço de “exceção”. Pois a


relação sexual entre homens não é associada a identidade homossexual, pelo menos, para
aqueles que penetram durante o ato sexual. Ou seja, assumem uma posição sexualmente ativa.
Já o indivíduo penetrado é estigmatizado como “viado” pelo grupo. Para Veyne (1987, p. 43.
Grifos do autor), esta noção remete a Roma antiga onde a desonra “[...] recaia sobre o homem
adulto e livre que era homófilo passivo, ou como se dizia, impudius (este é o sentido pouco
conhecido desta palavra) ou diatithemenos”.
Também no seio da classe trabalhadora, segundo argumenta Lago (1999), sobretudo,
entre os trabalhadores do campo e das comunidades periféricas admitem-se a possibilidade de
um homem ter relações sexuais com outro homem e manter sua identidade masculina, tendo
como condição a manutenção de sua posição sexual ativa, principalmente, se estas práticas
ocorrerem em situações “excepcionais”, como é o caso do aprisionamento. Essa prática sexual
“[...] nunca é definida como ‘homossexual’ e não afeta radicalmente o sentido de si de alguém:
em instituições fechadas como prisões, em encontros ocasionais e em relação um-a-um que são
vistas como especiais, mas não definidoras” (WEEKS, 2000, p. 69). Assim,
113

Para que surjam identidades distintivas, colocando-se contra as normas heterossexuais


de nossa cultura, algo mais do que atividade sexual ou mesmo desejo homossexual é
necessário: a possibilidade de algum tipo de espaço social e apoio social ou rede que
dê sentido às necessidades individuais. (WEEKS, 2000, p. 69).

No contexto de socialização dos jovens, em especial, nas sociabilidades delitivas, no


entanto, devido as pressões exercidas pelos regimentos dos grupos organizados, a construção
de identidades sexuais que escapam a norma é quase impossível. Durante a oficina sobre
sexualidade e privação de liberdade, os jovens autores de ato infracional avaliaram os homens
heterossexuais que mantem relações homossexuais:

- Ele é caba sem vergonhim. (Spawn, 17 anos).


- Ele é gillete, corta dos dois lados. (Deadpool, 18 anos).
- Ele merece uma peia. (Capus Vermelho, 18 anos).

Na mesma ocasião, em contrapartida, o jovem Magneto, de 20 anos, utilizou como


exemplo a relação homossexual do personagem Samuel vivido pelo ator Eriberto Leão na
novela da Rede Globo “O Outro Lado do Paraiso”81

- Ele gosta de homem e mulher. Ou ele disfarça a relação com a mulher porque tem
vergonha da população, de se assumir, de se revelar. Pronto, sabe aquela novela que
passava nas 9h? Que aquele cara que era doutor... aquela galegona, mulher dele,
cabulosa, aí quando dê fé, ele tava com o negão e ele num sei o quê, num sei quê...
vou fazer um filho com você e tal... ela chama ele de bebezão e tal... Aí quando dê fé,
o bicho era tão gay, que ele foi na macumbeira e pegou um pozinho assim, que ele
virava tipo uma serpente, tá ligado? Daquele jeito... (Magneto, 20 anos).

Como já mencionado, as concepções sobre a sexualidade não são hegemônicas entre os


jovens autores de ato infracional. Embora alguns apresentem perspectivas mais flexíveis quanto
as orientações sexuais e identidade de gênero, em geral, são feitas sob o primado heterossexual.
Em outras palavras, os sujeitos LGBT, na concepção desses jovens, precisariam estar de acordo
com o que se convencionou definir ser atitudes específicas de homens e mulheres. Logo, por
não performarem de maneira heteronormativa tais atributos são, em geral, vistos como
desviantes e anormais pelos jovens.

81
No folhetim do horário nobre global, exibido em 2018 e escrito por Walcyr Carrasco, Samuel (Eriberto Leão) é
um renomado médico de Palmas-TO, que esconde sua homossexualidade da mãe, Adinéia (Ana Lúcia Torres).
Para ser aceito pela família e manter seu prestígio profissional, o médico casa com a enfermeira Suzy (Ellen
Rocche).
114

Para Lago (1999), a emergência da AIDS, na década de 1980, assim como o


fortalecimento do movimento feminista contribuíram para incorporar e ressignificar no
vocabulário coletivo as categorias homo, hetero e bissexual, permitindo um deslocamento das
percepções religiosas sobre as orientações sexuais e identidades de gênero. Esse movimento,
contudo, tem limites e a própria autora reconhece o fato. Isso porque, prevalece ainda a divisão
binária hetero/homossexual ou, nas palavras de Fry (1982) “macho” e “viado”. A
bissexualidade, assim, aparece num plano marginal, pois é “[...] vista mais como uma variação
da homossexualidade do que uma extensão do desejo heterossexual (MENDÈS-LEITÉ, 1996),
ela é alvo de desconfiança por parte de hetero quanto de homossexuais”. (LAGO, 1999, p. 159).
As relações sexuais, dessa maneira, demarcam as diferenças entre o “homem” e o
“viado”. Dentro desta terminologia há ainda uma subclassificação: o “viado” comportado e os
femininos e que tiram cabimento (Justiceiro, 18 anos). Durante a oficina sobre Orientações
Sexuais e representações de gênero os participantes citaram um jovem homossexual envolvido
em atos infracionais respeitado por todo o grupo. O respeito deve-se ao fato do jovem não se
atrever a “tirar liberdade” com os companheiros de ofício. Lembraram ainda sobre um jovem
homossexual do CEDUC-Caicó “considerado” pelo grupo, pois “ficava na dele”.
Tais exemplos apontam para o fortalecimento do binarismo de gênero, representando,
mesmo entre os jovens homossexuais, a possibilidade de ser aceito pelo grupo. Negar os
pressupostos heteronormativos que sustentam a masculinidade significa ser rejeitado, assim,
como ser vítima das mais diversas violências no espaço institucional. Justiceiro é categórico
em demarcar essa divisão:

- Assim, eu não vou nem levantar a placa, porque em certas coisas sim, mas em certas
coisas não. Mais femininos. Tem coisas que são um pouco diferentes, mas tem coisa
que não. Pronto, lá tem dois tipos, tem aqueles gays que é respeitador e se veste igual
um homem. Tem aquele, não, que é mais exibido, mais solto. Eu conheço um gay que
você nunca diz que ele é gay. Sabe entrar, sabe respeitar, conversa com todo mundo,
se dar com todo mundo. Não é aqueles que dá em cima, na cara limpa. (Justiceiro).

Na verdade, essa interpretação dual sobre as orientações sexuais fundamenta-se na


constituição do sujeito “normal” e “anormal” pelos diversos campos de conhecimento tais
como: medicina, psicologia, educação etc. Assim, as orientações sexuais socialmente
dissidentes são, quase sempre, associadas a essa última classificação. O gênero, conforme
dispõe Butler (2015), é outro elemento fundamental nessa divisão. Neste sentido, para essa
perspectiva heteronormativa o sujeito tido como normal deve carregar um gênero inteligível
capaz de instituir e manter “[...] relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática
115

sexual e desejo.” (BUTLER, 2016, p. 43). Logo, aqueles indivíduos que fogem dessa regra são
caracterizados, historicamente, por essas áreas de conhecimento como patológicos, pervertidos,
histéricos, sadomasoquistas etc.
De acordo com Week (2000), as definições do normal e anormal estão inextricavelmente
ligadas. Essa relação remete ao fim século XIX quando esta cisão funcionou como mecanismo
de institucionalização da heterossexualidade. Em síntese,

A sexologia tomou a si duas tarefas distintas ao final do século XIX. Em primeiro


lugar, tentou definir as características básicas do que constitui a masculinidade e a
feminilidade normais, vista como características distintas dos homens e das mulheres
biológicos. Em segundo lugar, ao catalogar a infinita variedade de práticas sexuais,
ela produziu uma hierarquia na qual o anormal e normal poderiam ser distinguidos.
Para a maioria dos pioneiros, os dois empreendimentos estavam intimamente ligados
ao intercurso genital. Outras atividades sexuais ou eram aceitas como prazeres
preliminares ou eram condenadas como aberrações. (WEEKS, 2000, p. 63).

Para Pollak (1985), desde a década de 1960, a homossexualidade transcendeu o domínio


do não-dito. Desse modo, nos espaços de privação de liberdade mesmo com todos os aparatos
disciplinares para coibir as práticas sexuais, as relações homossexuais entre os jovens tornaram-
se comuns. Isso não quer dizer, porém, que essa interação sexual resulte numa afetividade
homossexual e, consequentemente, numa identidade sexual dissidente. Pois, segundo Pollak
(1985), a histórica proibição de modos de vida homossexual produziu uma racionalização de
tais práticas reforçando e acelerando a separação entre sexualidade e tendências afetivas.
Segundo o jovem Riddick,

- o homem gosta de mulher e o viado gosta de outro viado. (Riddick, 18 anos).

Ou seja, a constituição da identidade homossexual parece mais estar condicionada ao


vínculo de afeto entre os sujeitos do que entre as práticas homossexuais estabelecidas entre eles,
sobretudo, nas instituições de privação de liberdade.
Na interpretação dos jovens privados de liberdade o sujeito homossexual ou, nas
palavras destes, o “viado”, é aquele que além de ser passivo na relação sexual, carrega um
conjunto de características tipificadas como femininas. Esse é considerado, pelos jovens, uma
espécie de “terceiro sexo”. (POLLAK, 1985). Nas gravuras produzidas pelos socioeducandos,
eles afirmam essa dimensão.
116

IMAGEM 7 - Representação da sexualidade produzida pelos jovens autores de ato


infracional, no CASE Mossoró-RN. (2018)

Fonte: Imagem feita pelo o autor.

Os sujeitos homossexuais não são para eles nem inteiramente homens, nem mulheres.
A inteligibilidade do gênero, nesse caso, está condicionada as regras e comportamentos
heteronormativos esperados de cada um. (BUTLER, 2015). Ratificando essa interpretação,
durante a oficina sexualidade e privação de liberdade apresentamos um vídeo clip intitulado
“Aí que delícia, que delícia ser viado”, de Gustavo Bezzi, com vários(as) dançarinos(as) de
identidades de gênero diversas, tais como: mulheres transexuais, travestis, drag queens e
sujeitos não-binários, o vídeo teve como objetivo identificar a percepções dos socioeducandos
sobre as orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes e retratava diversos(as)
dançarinos(as) LGBT performando ao som da música.
Na ocasião, todos os jovens participantes demonstraram reações de espanto e, por vezes,
de abjeção aos dançarinos(as) do vídeo. Alguns jovens verbalizaram, ainda durante a
reprodução do vídeo, preconceitos e ofensas mais veementemente. Lobo, de 19 anos, exclamou:
- aí é embaçado. Ao passo que Riddick o acompanhou: - esses viados tem que respeitar pra ser
respeitado. Ao final do vídeo, Spawn pegou as placas disponibilizadas no início da atividade
para afirmar: - ninguém concorda. Esse sentimento de discriminação coletiva sobre as
orientações sexuais e identidades de gênero foi expresso durante toda a atividade.
117

Reiterando a perspectiva de Lago (1999), todos esses jovens reduziram as diferentes


identidades de gênero representadas no vídeo clip à homossexualidade. Para os eles ser “viado”
ou “sapatão”,

- É uma escolha deles, né? Ele escolhe ser assim, né? Agora de lá, mais pra lá. Agora
um negócio desse aí... Ave Maria. Mas é assim, né? Não tenho preconceito não, né?
É uma escolha dele, né? (Deadpool, 17 anos).
- Eu tenho [preconceito]. Eu não gosto, não. Não gosto não... (Spawn, 17 anos).
- O negócio é assim, né? Eu não tenho preconceito, não. É só o caba ficar na dele, né?
Ele tá vendo que eu sou...[heterossexual]. Ele pode ficar com quem ele quiser, agora
é de lá, mais pra lá. (Lobo, 18 anos).
- Não dá certo, não. (Riddick, 18 anos).

Na verbalização dos jovens, a homossexualidade é um defeito moral. Portanto, os


sujeitos dissidentes precisam ser, nessa perspectiva, submetidos a um processo de “docilização”
dos corpos por via de diferentes tipos de violência, tanto simbólica como psicológica. A
heterossexualidade, assim, como norma reguladora do gênero-sexo-desejo é utilizada como
parâmetro na determinação dos lugares sociais que os corpos irão atuar neste espaço.
(BUTLER, 2015). Uma vez que os espaços de privação de liberdade “[...] reproduzem a lógica
do sexismo e da homofobia, a partir do imperativo heterossexual”. (IRINEU et al, 2016, p. 122).
O preconceito reproduzido por esses jovens contra os indivíduos não-heterossexuais tem sua
origem no pragmatismo e na ultrageneralização cotidiana, especialmente, na dinâmica das
relações sociais delitivas onde o ser homem e o ser mulher está vinculado a “desvalores” de um
sistema de dominação heteropatriarcal (CISNE; SANTOS, 2017; HELLER, 2016).
Unanimemente, todos os participantes das oficinas compreendem a homossexualidade
como uma escolha individual. Logo, o esforço pessoal é o único meio para o sujeito ser “não-
homossexual”. Utilizo essa expressão, pois para estes jovens uma vez ultrapassada a tênue
fronteira da heterossexualidade em direção a outra orientação sexual, o sujeito jamais voltará a
ser visto socialmente como “homem”, mas sempre um indivíduo “em recuperação”. Assim, as
alternativas apontadas pelos adolescentes para essa mudança de orientação sexual resumem-se
a:

- Uma surra. (Ultron, 18 anos).

- É só comer uma buceta. (Bizarro, 19 anos).


118

Contraditoriamente, quando questionados se esta alternativa “correcional” se aplicava


também para as mulheres lésbicas, eles não conseguiram manifestar uma alternativa. Isso se
explica porque o sistema de dominação masculino garantidor da primazia do homem em relação
a mulher, inclusive, nas práticas sexuais (BOURDIEU, 2017) tem dificuldade em conceber a
mulher como o sujeito da ação sexual, assim, como o homem homossexual. (MACHADO,
2004). Nessa perspectiva, a homossexualidade feminina é vista apenas como dificuldade da
mulher em encontrar o parceiro apropriado, capaz de trazê-la para normalidade, ou seja, a
heterossexualidade.
No entanto, nas rotas da sexualidade, os afetos, preconceitos, moralismos e sentimentos
se intercruzam expressando conflitos morais, principalmente, quando os sujeitos sexuais não
hegemônicos possuem uma ligação de sangue e/ou de parentesco com os jovens autores de ato
infracional. A possibilidade de ter um(a) filho(a) gay ou lésbica, por exemplo, revelou os
sentimentos conflitantes e, por vezes, contraditórios dos jovens. A maioria deles descartaram a
possibilidade de rejeitar sua prole.

- Cê é doido, é? Aí de quem passasse por ele e dissesse que ele é fresco. Diga! Pra tu
ficar sem a língua. Existe isso não, omi. (Pistoleiro Sem Nome, 18 anos).
- É, ia compreender. Se adaptando... aos poucos. (Mad Max, 18 anos).
- Meu irmão, eu ia dá conselho, né? Meu filho... vá jogar bola, rapaz! (Magneto, 20
anos).
- É como ele disse, quando ele tivesse o jeitinho, nesse jeitinho o caba já ia
moralizando ele. (Mad Max, 18 anos).

Alguns jovens, porém, dividiram as opiniões, de um lado ficaram Bizarro e Alex


Delarge no grupo dos pais que não expulsariam seus filhos de casa e, do outro, Ultron e Bane,
naquele que renegaria sua prole. Todavia, a maioria dos socioeducandos se posicionaram
contrários a discriminação de seus filhos. Conforme os diálogos anteriores, percebemos que os
jovens equiparam negativamente a homossexualidade a natureza das práticas de ato infracional.
Aliás, a negativa em abandonar o filho ou a filha homossexual é pensada a partir da
própria experiencia delitiva desses jovens. Ter um(a) filho(a) homossexual, nesse caso, está na
mesma proporção do ato infracional. Em outras palavras, ambas as práticas são moralmente
reprováveis, mas admitidas em nome da família. Para os jovens, tanto a homossexualidade
como o ato infracional são defeitos que podem ser abandonados.

- Não expulsaria, porque minha mãe não me expulsou de casa quando eu fiz coisa
errada, pior que isso aí. Porque que eu vou expulsar meu filho, né? (Lex Luthor, 19
anos).
119

- Eu já disse que eu fui criado mais minha avó. Mas quando eu cheguei na casa da
minha mãe ela não me expulsou, não. Ela me aceitou e tal. E eu vivia na vida errada
mesmo, por isso que eu tô aqui. Eu tô colhendo o que eu plantei, né? (Jack Sparrow,
20 anos).
- Assim, eu não tenho nada contra não, tem uns que não curto, mas tem uns que
respeitam, admiro a atitude, eu só não curto. Mas eu não tenho nada contra. Eu tenho
um irmão que ele é gay e uma irmã que ela é também. Como eu sou adotado, eu tenho
duas famílias, ai meu irmão eu percebi que como eu vivia nessa vida, não só meu
irmão, quando eu sai eu vi que todos ficaram tipo assim, meio com medo de “se eu
for falar com ele será que ele vai rejeitar?”, mas não, tratei naturalmente. Como ele
mora vizinho ele passou por mim eu vi que ele não falou comigo, ai eu chamei: - Vem
aqui! vamos conversar. Tratei naturalmente porque é uma escolha natural dele, eles
não vão fazer mal a ninguém, diferente de mim. Como minha mãe mesmo diz quando
ela fica com raiva: - Muito melhor se você fosse gay igual seu irmão, pelo menos não
tava dando trabalho. E eu não tenho nada contra, não. Tem que respeitar, num é uma
escolha? A minha escolha foi optar pelo perigo. A escolha do meu irmão num foi ser
gay? Ele num me respeita? Então eu tenho que respeitar ele. (Justiceiro, 18 anos).

A verbalização do jovem Justiceiro demonstra uma cruel equiparação da


homossexualidade e criminalidade feita pela sua mãe. Nessa perspectiva, assim como o ato
infracional, a homossexualidade produz vergonha, estigma e tristeza a família. Ambas as
práticas são, para o jovem, uma escolha individual e moralmente reprovável dos indivíduos.
Além disso, as concepções de natureza religiosa têm sido outro elemento que incide no
cotidiano dos espaços de privação de liberdade e altera a dinâmica das relações sexuais e
pessoais, tanto entre os jovens como entre o corpo operacional. Alguns socioeducandos, por
exemplo, atribuíram a homossexualidade a um pecado divino.

- Eu creio que é um espírito também, né? Porque Deus fez nois homem. E pra quê
nois sentir aquele desejo de ficar com outro homem? Porque nois foi feito pra ficar
com uma mulher, uma mulher séria, né? E isso foi um espírito maligno, né? Que
entrou naquela pessoa. Eu acho, né? Uma pessoa que morre, aí o espírito vai e entra
naquela pessoa. [...] Tem um amigo meu lá de Timoteo que ele era gueba, aí ele entrou
pro evangelho, hoje ele é casado com uma mulher e tem uma filha. E vive a vida dele
no evangelho, é cantor e tudo. (Jack Sparrow, 20 anos).

- Como deixa de ser fresco, viado e sapatão? Rapaz, é como o cara aqui disse, por
vontade deles e pelos próprios meios deles mesmo, porque tem na Bíblia uma
passagem que fala sobre isso. Eu acredito que é assim, né? (Pistoleiro Sem Nome,18
anos).

Embora este não seja um dos pontos centrais de análise desse trabalho, percebemos um
forte teor moralista, baseado na religião, nos relatos e experiências dos jovens participantes
dessa pesquisa, sobretudo, no que se refere a homossexualidade e as identidades de gênero. Este
fenômeno tem ocorrido, principalmente, pelo crescimento do evangelismo no Brasil, a partir
dos anos 2000. (FRASER, 2007). De acordo com Fraser (2007), a doutrina religiosa pentecostal
e presbiteriana, com forte poder ideológico, tem sido utilizada em prol de um importante
120

objetivo ideológico: gerir a crise de insegurança provocada pelas políticas neoliberais, a partir
de discursos de conciliação de classe. Além de ditar modos regulatórios de comportamentos e
de relações sexuais-afetivas, quase sempre, criminalizando e naturalizado as orientações
sexuais que fogem a heterossexualidade. Ratificando esse argumento Machado e Piccolo (2010)
acrescentam ainda que a doutrina evangélica sobre a sexualidade oscila entre a condenação dos
sujeitos LGBT e a produção de discursos de “libertação” ou da popular “cura gay”.
Segundo Ariès (1987), a sexualidade tem sido explicada pela religião cristã a partir das
cartas aos Coríntios escritas pelo profeta São Paulo. De acordo com o autor, o profeta listou os
cinco pecados capitais de forma hierárquica, sendo eles: os pecados contra Deus, contra a vida
do homem, contra seu corpo, contra os bens e as coisas, e, finalmente, os da palavra. A
sexualidade, assim, está associada ao pecado da carne. Os principais pecadores, segundo São
Paulo, são: os prostitutos, os adúlteros, os molles82 e os masculorum concubitores83. Em síntese,
os pecados sexuais ocupam lugar central na constituição da moral cristã, sendo equiparada ao
homicídio. Para Ariès (1987, p. 52-53. Grifos do autor), sob a moral cristã, “a
homossexualidade, difundida no mundo helenístico e considerada normal, tornava-se um ato
abominável e proibido. É mesmo o único dos delitos sexuais cujo nome evoca diretamente uma
atitude física: masculorum concubitores”.
A própria prática de masturbação no CASE-Mossoró, inclusive, tem sido atravessada
por concepções religiosas e incorporada a dinâmica das relações sociais dos jovens privados de
liberdade. Apesar desse aspecto não ser hegemônico e central nas falas dos socioeducandos,
demonstram o quanto a religião acaba sendo proibitiva em relação a sexualidade. Para os jovens
dos núcleos III e IV, por exemplo, a prática da masturbação é proibida nos dias em que grupos
evangélicos vão fazer um trabalho religioso na instituição. Segundo Deadpool,

- [...] porque sexta tem a visita e sábado tem o crente e domingo é folga. Porque não
pode. É respeito, né? Tem que respeitar.

Essa prática, todavia, é o recurso mais utilizado pelos socioeducandos para vivenciar
sua sexualidade nesse espaço. Mesmo a sexualidade sendo compreendida por eles como o coito
vaginal e a penetração. (MONTEIRO, 1999). Desse modo, assim como a visita íntima, a
masturbação também tem suas regras construídas pelos grupos como, por exemplo, dias e

82
“O termo é pejorativo, e aproxima-se do de ‘passividade’, na qual, segundo Dover e Paul Veyne, os romanos
viam um aviltamento do homem, uma desonra, uma prática indigna, condenável”. (ARIÈS, 1987, p. 51).
83
Homossexuais ou, nas palavras da época, homens que dormem juntos.
121

horários acordados. Bem como códigos específicos para alertar os companheiros de dormitório
sobre tal prática. Os adolescentes descrevem detalhadamente esse roteiro e as possíveis
punições para aqueles que quebram as regras:

- Meu véi, o caba tá dormindo assim, bem cedim. Aí os caba: - ó o banho embaçado.
O caba: - desgraçado! [Riu com a piada interna]. O caba fica calado, né? Só vendo a
macacada. O cara zuando... [QUANDO QUESTIONADO SOBRE A DINÂMICA
DA PRÁTICA, SE ERA NA PRESENÇA DE TODOS DO DORMITÓRIO]. Nam...
se fizer um negócio desse eu boto pra partir da cela que eu tô. É doido, é? Pode não.
No banheiro lá. Se resolva no banheiro. Porque o quadrado do lá é assim, tá ligado?
[Explicando a estrutura do banheiro] A porta do banheiro assim, aí o boy não dá pra
vê quem tá dentro, não. Só se o caba botar a cabeça e olhar assim... Aí dá pra vê. Mas
o caba não vai fazer isso, o caba não é doido. Botar a cabeça pra olhar, é? Né não? É
embaçado, o caba vai ver o outro cumpadi batendo sola, é? Tu é doido, é? Antes de
eu chegar... Lá no CEDUC Pitimbu, tá ligeiro? Os caba tava com uma conversa que
tinha um boy que tinha batido uma sola no outro lá, né? Não entendi muito, não. Mas
foi verdade. O outro chegou pegou o barato do cara e... bateu lá. Rapaz, eu não
acreditei, não. Mas... isso aí eu escutei, né? O boy confirmou também que foi o bicho
que pegou o bagulho. Aí nós botou o bicho pra pinar da quebrada. Só o que [fez a
masturbação no companheiro]. Mas o outro levou uma lapada também. O caba vai
deixar, é? O caba participou também... (Severus Snape, 15 anos).

- Com certeza. Se masturbar. Porque tipo assim, aqui você passa muito tempo. Eu
tenho muita testosterona e quando eu passo assim... alguns dias, a curto prazo, sem
ejacular meus testículos ficam bem inchados e bem dolorosos. Aí eu tomo um remédio
pra dor, tomo um medicamento. As vezes passa, as vezes não. Aí tipo assim, você
procura se concentrar em alguma relação sexual que você já teve até se excitar. Você
vai pro banheiro e você tem que avisar que é pra ninguém tá entrando no banheiro,
incomodando. Você avisa, é tipo uma coisa natural. Hoje que é uma sexta-feira, dia
de visita, já não pode. Não pode, é sagrado. Porque... tipo assim, fez pra minha visita
ou alguma coisa parecida. Aí não pode. Mas nos outros dias, se você sentir desejo, se
você sentir aquela vontade... você simplesmente entra no banheiro e avisa que vai
fazer, e faz. E aqui é, por incrível que pareça, natural. (Justiceiro, 18 anos).
- Bater punheta. É né... não posso mentir. Vai pra dentro do banheiro. Não pode, não,
boy se masturbar na frente dos outros. Aí é uma falta de respeito entre nois, alí. Porque
quando nois vai fazer isso, nois avisa. Não pode fazer sem avisar. Tem que avisar e
vai pra dentro do banheiro. Fazia todo mundo. Não tem quem não faz, não. Mas agora
eu tô só [no dormitório] mermo. Aí não precisa avisar [risos]. [Há regras] sobre isso?
A pessoa deu vontade aí vai e diz: - Ó o banho embaçado. Nois chama de banho
embaçado, sabe? Chama de uma ruma de coisa. Banho embaçado, cinzenta, bronha,
punheta... Esses negócio. Mas é mais banho embaçado. Aí vai e entra pra dentro do
banheiro. Aí dia de sexta não pode por causa da visita. Porque sexta-feira tem visita,
aí não pode. Aí tem que respeita, sabe? Só dia de visita. (Coringa).

A prática de masturbação deve ser exercida respeitando a individualidade de cada


ocupante do dormitório, sem transpor os limites das normas heterossexuais. Além disso, em
virtude das visitas realizadas pelas famílias aos jovens, majoritariamente, feita pelas mães,
irmãs e companheiras, é estritamente proibida a prática de masturbação nesse dia. Isso porque
a família, assim como as mulheres que a compõem, é idealizada por esses jovens,
especialmente, as mães. Nesse sentido, a defesa da honra das mulheres da família torna-se um
elemento valorativo da masculinidade desses jovens. (MACHADO, 2004). A honra feminina
122

produz capital simbólico aos homens. (BOURDIEU, 2017). Portanto, a regras sobre a
masturbação nos dias de visita têm por objetivo central muito mais preservar a honra masculina
que das mulheres.
De acordo com Del Priore (2011), a prática da masturbação não passou ilesa a
moralização do saber médico-legal do final do século XIX. Pregava-se que a masturbação
destruía lares, casamentos e famílias. “Antes pecadores, agora doentes ou ambos, os
masturbadores sofriam de febres, magreza, suores, surdez, estupidez e imbecilidade”. (DEL
PRIORE, 2011, p. 99). Na privação de liberdade, conforme os relatos dos socioeducandos, essa
prática constitui-se o principal meio de exercitar a sexualidade e, consequentemente, explorar
seus corpos. Durante a seleção das revistas na oficina sobre Orientações Sexuais e
representações de gênero, por exemplo, alguns jovens demonstraram maior interesse pelas
revistas expostas no chão da sala. Estavam, inclusive, bastante dispersos em relação a atividade.
Observou-se que muitos procuravam imagens de mulheres sensuais e quando encontravam,
recortavam e guardavam para levar para os dormitórios. As imagens serviriam, conforme
revelou um dos jovens, como estímulo a imaginação durante a prática da masturbação.
Em suma, os aspectos que rodeiam a sexualidade dos jovens privados de liberdade no
CASE-Mossoró são constituídos de relações sociais fundadas em posicionamentos
preconceituosos e, consequentemente, irracionais. Os conflitos entre os diferentes grupos
organizados dominantes que polarizam esse espaço parecem ter potencializado tanto a
demarcação dos papeis sociais de homens e mulheres como a negação da diversidade sexual.
Ademais, no bojo da socialização dos jovens autores de ato infracional nesse espaço complexo,
heterogêneo e contraditório o exercício da sexualidade tem sido garantido de forma
hierarquizada, seletiva e a partir de pressupostos heterossexuais, tendo como fundamento
“desvalores” patriarcais. Neste contexto, os sujeitos que vivenciam outras expressões da
orientação sexual e da identidade de gênero são tipificados como “anormais” e/ou patológicos.
Assim, mostra-se cada vez mais urgente reivindicar a defesa e reprodução de valores éticos e
morais alinhados aos direitos humanos como a liberdade, a diversidade e a democracia. Como
já mencionado, a implementação da diretriz pedagógica do SINASE que versa sobre a
introdução nos fundamentos teóricos metodológicos dos centros socioeducativos temas como
a diversidade cultural, igualdade étnico-racial, de gênero e de orientação sexual (BRASIL,
2006), desponta como uma alternativa para descontruir essas socializações de violência,
opressão e segregação.
123

5 CONCLUSÃO

A imersão na dinâmica de socialização dos jovens autores de ato infracional em situação


de privação de liberdade constituiu-se um percurso marcado por nuances, limites e cautela,
sobretudo, por estamos investigando suas percepções tão demarcadas sobre os papeis sociais
de homens e mulheres. Portanto, nos debruçar sobre as relações sociais que engendram suas
incursões afetivas e sexuais fortemente determinadas por signos e códigos específicos nos põe
limites e lacunas. Assim, acreditamos ser natural o surgimento de novas inquietações e
questionamentos responsáveis por nos instigar a buscar novas respostas. Demonstrando o
quanto a realidade é mais rica e complexa que qualquer teoria.
Desse modo, no transcorrer desse processo investigativo, reflexões foram feitas e
confirmadas, já outras supreendentemente foram igualmente refutadas pelos jovens internos no
Centro de Atendimento Socioeducativo-Mossoró (CASE). No âmbito da nossa investigação,
constatamos aquilo previsto inicialmente: o exercício da sexualidade dos jovens internos no
CASE ocorre à margem da legitimidade dada pela instituição tanto a partir de interações
hierárquicas e violentas, como consensuais. Todavia, no processo de socialização desses jovens
outros fatores incidem sobre a sexualidade nos espaços de privação de liberdade.
Primeiramente, este sujeito sociológico em específico constrói sua identidade a partir de
inúmeros demarcadores sociais, econômicos, políticos e culturais.
O consumo, por exemplo, opera de forma determinante no processo de subjetivação
das identidades juvenis, na medida que estes, por vezes, buscam por via do ato infracional ter
acesso a bens econômicos e simbólicos capazes de tirá-los, mesmo de maneira estigmatizada e
nos limites das fronteiras de suas sociabilidades, da invisibilidade e segregação provocada pelas
diversas expressões da “questão social”, assim como, pelo modelo adultocêntrico presente tanto
nas políticas sociais e públicas como na forma como os jovens são percebidos pelas diversas
instituições sociais.
A identidade construída pelo jovem autor de ato infracional é perpassada pela
necessidade de reconhecimento social, acesso a bens de consumo e interação sexual. No bojo
das sociabilidades delitivas, a constituição das identidades desses jovens lhes exige um conjunto
de signos e códigos ligados a um tipo ideal de ser homem. O “homem bandido”, por exemplo,
quase sempre, heterossexual, viril e destemido necessita carregar essas características para
impor respeito e se afirmar diante do grupo.
Concomitantemente, essa expressão da masculinidade se sustenta a partir de outros
fatores valorativos. As mulheres desses jovens, por exemplo, são basilares na manutenção da
124

honra masculina. Em geral, essas mulheres precisam apresentar um conjunto de atributos e


valores opostos aqueles potencializados nas dinâmicas delitivas. Paradoxalmente, os jovens
autores de ato infracional internos no CASE-Mossoró buscam companheiras que, via de regra,
não aprovam seu estilo de vida e/ou buscam vantagens financeiras, mas os apoiam, sobretudo,
nas situações de aprisionamento.
Nesse regime de gênero tão demarcado e contraditório, as mulheres que se arriscam a
burlar as regras patriarcais e ousam desempenhar papeis sociais, historicamente, masculinos
como cometer atos infracionais, fazer uso de substâncias psicoativas, ser donas de seus corpos
e desejo /ou trair os companheiros/namorados, são classificadas moralmente como “bandidas”.
Essa classificação organiza a forma como os jovens do CASE-Mossoró irão se relacionar com
essas mulheres. O primeiro tipo de mulher, usualmente, é considerada apta para o
estabelecimento de uma relação marital. Já as do segundo grupo, embora sejam percebidas de
forma moralmente negativa, são consideradas hábeis para interações de natureza sexual.
A partir desses (des)valores, as concepções dos jovens internos no CASE-Mossoró
sobre as orientações sexuais e identidades de gênero são, de maneira geral, unívocas ao
compreender os sujeitos LGBT como o “outro do outro”. Em outras palavras, assim como o ato
infracional, as expressões das orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes são
interpretadas moral e irracionalmente como uma escolha individual.
Em contrapartida, a condição de privação de liberdade provoca nesses jovens a
ressignificação e, ao mesmo tempo, a intensificação de percepções sobre sua própria
sexualidade. Isso porque, em virtude da herança punitiva e disciplinar dos espaços de
aprisionamento responsáveis por ainda reiterar práticas repressivas e normatizantes, a
sexualidade desses sujeitos é atravessada por um conjunto de técnicas e instrumentos
disciplinar-punitivos que, em geral, reprime e isola expressões da diversidade sexual na defesa
pelo imperativo heterossexual.
Os indivíduos LGBT, por exemplo, são submetidos a um gerenciamento institucional
tendo por objetivo principal garantir o primado heterossexual e evitar interações sexuais, seja
de natureza violenta ou consensual. Essa administração dos corpos, sentimentos e desejos é
realizada a partir dos estereótipos apresentados por esses sujeitos. Logo, os jovens LGBT que
não performatizam trejeitos e atitudes tidas como femininas conseguem passar pelo crivo
moralizante das instituições socioeducativas.
A sexualidade, aliás, é compreendida tanto pelos instrumentos normativos da instituição
como pelos próprios jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação como o
ato sexual decorrente da penetração. Assim, os direitos sexuais e reprodutivos viabilizados
125

pelos centros socioeducativos ocorrem apenas por meio da visita intima. Esse recurso, contudo,
é ofertado a partir do cumprimento de inúmeras obrigações, tais como: comprovar a natureza
afetiva com a(o) parceira(o), autorização dos genitores em caso de jovens menores de idade,
realização de exames IST’s e comprovação de bom comportamento do jovem interno no CASE-
Mossoró. No lapso temporal entre janeiro a agosto de 2018, dos 40 jovens internos no CASE-
Mossoró apenas 2 (dois) socioeducandos foram beneficiados com o direito a visita intima.
Diante desse contexto, os jovens autores de ato infracional têm criado estratégias para
vivenciar sua sexualidade. Embora não confirmem a existência de relação sexual entre eles e
seus colegas de dormitórios, afirmam saber sobre diversas situações de contato sexual entre os
socioeducandos que solidificam o nosso pressuposto inicial que a condição de privação de
liberdade influência nas práticas sexuais entre os internos. Em outras palavras, a situação de
aprisionamento e, consequentemente, os escassos direitos sexuais e reprodutivos potencializa o
estabelecimento de práticas sexuais de natureza homossexual. Cabe destacar, contudo, que esta
ação não altera a constituição da identidade heterossexual desses jovens. Para eles, a privação
de liberdade constitui-se em um contexto excepcional, onde as práticas sexuais podem ser
negociadas sem correrem o perigo de afetar suas noções sobre o ser homem. Dentro dessa
pedagogia da sexualidade, tais regras estão postas apenas para aqueles sujeitos que se colocam
sexualmente de forma ativa. Os sujeitos passivos, por outro lado, têm sua masculinidade e
prestígio melindrado diante do grupo.
Ademais, apesar de não ser esse o objetivo central desse trabalho acreditamos ser
pertinente pontuar que a polarização de diferentes grupos organizados no CASE-Mossoró,
embora não tenha abolido as relações sexuais entre os sujeitos internos, tem incidido na maneira
como esses jovens vivenciam sua sexualidade no centro socioeducativo. Visto a imposição de
condutas em sintonia com o modelo heteronormativo objetivando proteger a honra do grupo. A
associação das facções a orientações sexuais e identidades de gênero dissidentes põe em xeque
sua legitimidade nos espaços de privação de liberdade e nas comunidades onde exercem poder.
Em decorrência dessas regras, a grande maioria dos jovens, se não todos, exercem
também sua sexualidade por meio da masturbação. Essa prática sexual, historicamente, tida
como impura e desonrosa socialmente, é compreendida por eles como necessária. Todavia, há
regras e códigos prescritos para experienciar tal prática. Nos dias de visita das famílias, por
exemplo, a masturbação é proibida a todos os socioeducandos. Dado o perigo de usarem as
mulheres da família de seus pares como instrumento para fomentar a imaginação erótica.
Portanto, no âmbito da medida socioeducativa de internação e, mais especificamente,
na garantia do direito a sexualidade aos sujeitos privados de liberdade acreditamos ser
126

fundamental a articulação de ações objetivando garantir os direitos sexuais e reprodutivos dos


jovens autores de ato infracional. Destacamos, assim, a necessidade de articular a rede
socioassistencial do município de Mossoró/RN buscando, por exemplo, a realização dos
exames IST’s pela equipe de saúde responsável pelo território tanto nos jovens como nas(os)
suas/seus respectivas(os) companheiras(os) dado o contexto de vulnerabilidade social dos
socioeducandos.
Além disso, compreendendo a insuficiente concessão do direito a visita intima no
CASE-Mossoró, sugerimos que a inserção dos jovens nas facções não deva ser considerada
como critério para a negação de tal direito. Visto a expansão desses grupos no bojo relações
sociais entre os socioeducandos que, muitas vezes, impossibilita-os de se isentarem dessa
dinâmica. Ademais, no que tange a vivência dos sujeitos LGBT em cumprimento de medida
socioeducativa de internação destacamos a importância de pensá-los(as) para além da
perspectiva “gerencialista” presente nos espaços de privação de liberdade, mas percebê-los(as)
como indivíduos historicamente discriminados e estigmatizados. Logo, a pertinência de se
construir estratégias e metodologias educativas capazes de (re)pensar o exercício da
sexualidade no âmbito da socioeducação e na desconstrução de hierarquias de gêneros,
orientações sexuais e identidades. Esse trabalho pedagógico precisa ser pensado e partilhado de
maneira multiprofissional e interdisciplinar por todo o corpo técnico das unidades
socioeducativas. Além disso, deve ser contínuo e não se constituir como ações isoladas e
esporádicas, mas como parte de um processo pedagógico, cujo norte deve ser a quebra de
preconceitos e discriminações no campo da sexualidade humana, atrelada a processos
educativos mais gerais, que pensem esses sujeitos em sua totalidade.
Em síntese, pensar as relações de gênero, raça/etnia, sexualidade e poder nas instituições
de privação de liberdade, sobretudo, nos centros socioeducativos é condição necessária para
avaliar todo o processo pedagógico do sistema socioeducativo brasileiro. Num contexto social
de agravamento da barbárie e fortalecimento de práticas discriminatórias, principalmente,
contra aqueles que vivenciam outras expressões da diversidade sexual é mister a defesa política
de novas formas de sociabilidade tendo como norte a emancipação humana. Desse modo, dentro
dos limites da política socioeducativa, tais relações hierárquicas, preconceituosas e de
segregações socioespaciais só serão desconstruídas por meio de compromissos éticos-políticos
sólidos, como a liberdade, a defesa da autonomia e a negação de toda forma de opressão.
127

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Grande do Sul, 2010.
137

APÊNDICES

APÊNDICE A - ROTEIRO DE ENTREVISTA

1. Para você o que é ser homem?


2. Para você, quais as diferenças entre homens e mulheres?
3. Você já ouviu falar em sexualidade? O que é?
4. Você acha que há diferença entre sexualidade e sexo? O que você pensa sobre isso?
5. Você já teve alguma experiência sexual? Você poderia falar um pouco como foi?
6. Nesse período que você está aqui no CEDUC você já sentiu necessidade de sexo? O que
você faz quando isso acontece?
7. Para você, o que mudou na sua vida sexual depois que entrou no CEDUC?
8. Para você está preso dificulta ter relação sexual? Porque?
9. Em relação ao sexo, você já fez alguma coisa aqui que não faria lá fora? Poderia contar?
10. Aqui no CEDUC você já teve alguma relação sexual? Você poderia contar?
11. Fora daqui ou mesmo aqui dentro, você tem amizade ou conhece alguém que se
relacione com uma pessoa do mesmo sexo e/ ou que se relacione com meninos e
meninas?
12. O que você pensa sobre esse tipo de relacionamento?
13. Aqui dentro, você já ouviu falar se os meninos costumam ficar/transar uns com os
outros? Você sabe como ocorre? Já presenciou? Como foi? Você já se envolveu nessas
situações?
14. Para você esses meninos que ficam uns com os outros são gays?Por quê? Para você o
que é ser gay?
15. Aqui no CEDUC, você sabe de alguma situação em que o menino foi obrigado a fazer
sexo com outro menino? Você poderia me contar?
16. Você tem algum amigo(a) gay/lésbica? Você teria algum problema em ter?
17. E em relação as travestis, o que você pensa sobre isso?
18. Qual sua opinião sobre a mudança de sexo?
138

APENDICE B – PLACAS E REVISTAS UTILIZADAS NAS OFICINAS SOBRE


“SEXUALIDADE E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE” E “ORIENTAÇÕES SEXUAIS E
REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO

REVISTAS DISPONIBILIZADAS NA OFICINA “ORIENTAÇÕES SEXUAIS E


REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO”
139

APÊNDICE C - IMAGENS UTILIZADAS NA OFICINA “ORIENTAÇÕES SEXUAIS E


REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO”

Figura 1 - Cantora Pabblo Vittar. Imagem extraída Figura 2 - Dupla Pepê e Nenê - Imagem
da plataforma Google. extraida da plataforma Google

Figura 4 - Ex-BBB Serginho - Imagem extraida da


plataforma Google

Figura 3 - Thammy Gretchen,


homem trans.
Imagem extraída da plataforma
Google.

Figura 5 - Promoter David Brazil.


Imagem extraída da plataforma Google.

Figura 7- Atriz Bruna Linzmeyer e a namorada Figura 6 - Cantora Ana Carolina e a atriz
Priscila Visman. Letícia Lima.
Imagem extraída da plataforma Google. Imagem extraída da plataforma Google.
140

Figura 8 - Atriz Nanda Costa e cantora Lan Lanh.


Imagem extraída da plataforma Google.

Figura 9 - Tarso Brant, homens trans.


Imagem extraída da plataforma Google.

Figura 10 - Atriz e cantora Rogéria.


Imagem extraída da plataforma
Google.
141

APÊNDICE D - MÚSICAS UTILIZADAS NA OFICINA “SEXUALIDADE E


PRIVAÇÃO DE LIBERDADE”
Portãozinho - MC G15 Ai que delicia, que delicia ser Viado - Gustavo Bezzi

Ela fica só de portãozinho Ai que delícia, que delícia ser viado!


Não liga pra sair Ai que delícia, que delícia ser viado!
Ela só fica no Whatsapp Ai que delícia, que delícia ser viado!
Ai que delícia, que delícia ser viado!
Tá raro de encontrar uma mina assim Ai que delícia, que delícia ser viado!
Acho que eu consegui
Eu encontrei você
Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai!
E essa eu vou tratar igual rainha Ai que delícia, que delícia ser viado
Apresentar à minha família Vamo ser pra sempre ser viado é babado!
Vou te surpreender Ai que delícia, que delícia ser viado
Vamo ser pra sempre ser viado é babado!
E quando acordar no outro dia
Vai me chamar de vida
Que eu sou de fortalecer Taca mais viado que tá pouco eu quero é mais!
Taca mais viado que tá pouco taca mais, e vai!
Nessa eu vou dar várias linguadinha Taca mais viado que tá pouco eu quero é mais!
Botar na bocetinha Taca mais viado que tá pouco taca mais, e vai!
Vou te surpreender
Sai do Meu Pé - MC Hungria
Tá Rocheda - Banda a Loba
Ôoooooo... Ôoooooo
Entrei na rua dela com meu carro rebaixado Ôoooooo... Ôoooooo
No som do porta-mala tocando um forró pesado
Eu logo percebi quando ela olhou pra mim
Me liga toda hora, briga me xinga e chora
Vou falar tá, quero não não, diz some some
Dei a volta na rua, chamei ela pra sair Só tivemos um lance e tu tá nessa dor
Ela aceitou o convite e a gente foi, caiu na farra Eu te garanti prazer não garanti amor
Três garrafas de vinho, ficou mal intencionada
Ela foi no banheiro e do nada ela sumiu
Quando eu fui procurar, com outro cara ela fugiu Sai do meu pé... Sai do meu pé
Me diz Deus o que eu faço sai do meu pé
Sai do meu pé... Sai do meu pé
Tá rocheda, tô nem vendo Nós só tivemos um lance sai do meu pé
Pode crer, você merece um prêmio
Tá rocheda, tô nem vendo
Pode crer, você merece um prêmio Troca o disco por favor, foi um lance não amor
De mulher mais bandida do mundo Pena que tu se apegou, e na curva tu rodou
Um coração que é vagabundo, vagabundo Que papo de namorar, eu até fico contigo

Aliança não é pra mim... Algema é pra bandido


Eu não posso te agradar, me desagradando
É meu jeito de viver, os 12 meses do ano
Quem sabe nos 35, ou melhor nos 40
E da pegação a idade me aposenta
142

APÊNDICE E - ROTEIRO DE FRASES UTILIZADAS NA OFICINA “SEXUALIDADE E


PRIVAÇÃO DE LIBERDADE”
1. “Existe mulher pra casar e mulher pra se divertir”.
2. “Moça direita precisa ser virgem”.
3. “Mulher gosta é de dinheiro”.
4. “Mulher safada merece apanhar pra aprender”.
5. “Ser viado e sapatão é uma escolha”.
6. “Homem é uma coisa, viado é outra”.
7. “Se tivesse um(a) filho(a) viado ou sapatão expulsaria de casa”.
8. “Existe cura gay”.
9. “Sexo é uma coisa, amor é outra coisa”.
10. “Homem que é homem não tem só uma mulher”.
11. “Mulher gosta de homem safado”.
143

APÊNDICE F - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL - FASSO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS -
PPGSSDS

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

ESCLARECIMENTOS

Este é um convite para você participar da pesquisa ADOLESCÊNCIA, SEXUALIDADE E


SOCIOEDUCAÇÃO: a vivência da sexualidade dos adolescentes autores de ato infracional no
CEDUC-Mossoró que é coordenada por Artur Fernandes de Moura e que segue as recomendações
da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. Declaro que fui
devidamente esclarecido quanto ao objetivo geral: “Analisar como os adolescentes autores de ato
infracional vivenciam sua sexualidade no Centro Educacional de Mossoró - CEDUC que
operacionaliza a medida socioeducativa de internação no município de Mossoró-RN” e quanto
aos objetivos específicos: apreender a percepção dos adolescentes sobre as orientações sexuais e
as identidades de gênero; compreender como os adolescentes autores de ato infracional
vivenciam sua sexualidade no contexto de privação de liberdade e investigar se a privação de
liberdade influência nas práticas sexuais e na orientação sexual dos adolescentes autores de ato
infracional. Sua participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer momento,
retirando seu consentimento ou recursar-se a participar da pesquisa, sem que isso lhe traga nenhum
prejuízo ou penalidade. Dialogar com os adolescentes em situação de privação de liberdade tem como
pressuposto compreender como eles sentem, pensam e percebem sua sexualidade e as relações que
estabelecem com os outros, de maneira a colocá-los numa posição de reflexão sobre suas vidas, num
desdobrar-se sobre si e suas vivências. Caso decida aceitar o convite, você será submetido(a) a algumas
oficinas e também a uma entrevista semiestruturada.
Este estudo prevê riscos mínimos, tais como possíveis constrangimentos ou desconfortos
durante a entrevista e/ou oficina, não sendo revelado o seu nome nos resultados da pesquisa. As
entrevistas e oficinas serão confidenciais, sendo realizadas em local e horário a serem combinados com
o(s) participante(s) em ambientes em que a privacidade dos sujeitos participantes seja respeitada,
estando presente apenas a pesquisador. O(a) senhor(a) não é obrigado(a) a responder ou participar
daquilo que não desejar, podendo solicitar interrupções a qualquer tempo e recusar responder a alguma
pergunta que considere inconveniente ou desnecessária. Poderá também desistir da pesquisa em
qualquer momento, mesmo que tenha assinado este termo de consentimento. O tempo de duração da
entrevista, bem como das oficinas será de acordo com sua própria disposição. Embora na pesquisa
estejam previstos riscos mínimos, se o(a) senhor(a) se sentir prejudicado(a), será realizado um acordo
entre a pesquisador e o(a) sujeito(a) da pesquisa para indenizá-lo(a) ou ressarci-lo(a) de eventual
prejuízo. O (a) senhor(a) não terá nenhum gasto financeiro por qualquer procedimento executado por
essa pesquisa.
Desse modo, a pesquisa alcançando a qualidade e profundidade necessárias pode dar subsídios
aqueles que trabalham diretamente com esses sujeitos, dando-lhes conhecimentos e instrumentalizando-
os para um fazer profissional ético e que esteja comprometido com a garantia e a ampliação dos direitos
144

de seus usuários. Todas as informações obtidas serão sigilosas e seu nome não será identificado em
nenhuma fase/etapa desta pesquisa. Ademais, pode contribuir para a construção de programas sociais
que auxiliem aos adolescentes para que tenham seus direitos resguardados, principalmente no que diz
respeito a sexualidade e seu exercício na privação de liberdade; sob o risco de que, cada vez mais, tais
situações sejam ignoradas, naturalizadas ou banalizadas.
Os dados serão guardados em local seguro e a divulgação dos resultados será feita de forma a
não identificar os voluntários. Garanto que os dados obtidos a partir de sua participação na pesquisa não
serão utilizados para outros fins além dos previstos neste termo.

Você ficará com uma via deste Termo, que deverá ser rubricada e assinada em cada página e toda a
dúvida que você tiver a respeito desta pesquisa, poderá perguntar diretamente para Artur Fernandes
de Moura, no endereço BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos, S/N, Costa e Silva ou pelo
telefone (85) 98514-1181.
Dúvidas a respeito da ética dessa pesquisa poderão ser questionadas ao Comitê de Ética em Pesquisa da
UERN no endereço BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos, S/N, Costa e Silva –
Mossoró/RNou pelo telefone (84) 3318-2596.

Consentimento Livre e Esclarecido

Estou de acordo com a participação no estudo descrito acima. Fui devidamente esclarecido(a) quanto
aos objetivos da pesquisa, ao(s) procedimento(s) ao(s) qual(is) serei submetido e dos possíveis riscos
que possam advir de minha participação. Foram-me garantidos esclarecimentos que eu venha a solicitar
durante o curso da pesquisa e o direito de desistir da participação em qualquer momento, sem que minha
desistência implique em qualquer prejuízo a minha pessoa ou de minha família. (Caso minha
participação na pesquisa implique em algum gasto, serei ressarcido e caso sofra algum dano, serei
indenizado. Autorizo assim a publicação dos dados desta pesquisa sendo-me garantido o meu anonimato
e o sigilo dos dados referentes a minha identificação.

RESPONSÁVEL LEGAL:

Nome:

Assinatura: _________________________________________________________

PARTICIPANTE DA PESQUISA:

Nome:

PESQUISADOR RESPONSÁVEL
Artur Fernandes de Moura
Assinatura:

Endereço: BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos, S/N, Costa e Silva


Telefone: (85) 98514-1181

COMITÊ DE ÉTICA E PESQUISA


Endereço: BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos, S/N, Costa e Silva
Telefone: (84) 3318-2596.
145

APÊNDICE G - TERMO ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL - FASSO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS -
PPGSSDS

TERMO ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO


Declaro que estou ciente e concordo em participar do estudo ADOLESCÊNCIA,
SEXUALIDADE E SOCIOEDUCAÇÃO: a vivência da sexualidade dos adolescentes autores de
ato infracional no CEDUC-Mossoró que é coordenada por Artur Fernandes de Moura e que segue
as recomendações da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. Declaro
que fui devidamente esclarecido quanto ao objetivo geral: “Analisar como os adolescentes autores
de ato infracional vivenciam sua sexualidade no Centro Educacional de Mossoró - CEDUC que
operacionaliza a medida socioeducativa de internação no município de Mossoró-RN” e quanto
aos objetivos específicos: apreender a percepção dos adolescentes sobre as orientações sexuais e
as identidades de gênero; compreender como os adolescentes autores de ato infracional
vivenciam sua sexualidade no contexto de privação de liberdade e investigar se a privação de
liberdade influência nas práticas sexuais e na orientação sexual dos adolescentes autores de ato
infracional. Quanto aos procedimentos aos quais serei submetido: Oficinas e entrevistas semi-
estruturadas, cujo as informações coletadas serão organizadas em banco de dados e analisadas a partir
de técnicas de categorização de dados. E dos possíveis riscos de ordem emocional como
constrangimento/vergonha de a sua vida ser exposta que possam advir de tal participação e que serão
minimizados mediante: Garantia do anonimato/privacidade do participante na pesquisa, onde não será
preciso colocar o nome do mesmo; Para manter o sigilo e o respeito aos participantes da pesquisa, apenas
a coordenador aplicará as entrevistas e somente o pesquisador responsável poderão manusear e guardar
as informações provenientes das oficinas e entrevistas; Sigilo das informações por ocasião da publicação
dos resultados, visto que não será divulgado dado que identifique o participante; Garantia que o
participante se sinta a vontade para responder aos questionários e Anuência das diretoras das Instituições
de ensino para a realização da pesquisa. Dessa forma, concordo em participar voluntariamente da
pesquisa e autorizo sua publicação.

___________________________________________
Assinatura do participante

IMPRESSÃO
DATILOSCÓPICA

Mossoró-RN,___/___/2018
Artur Fernandes de Moura (Pesquisador Responsável) - Curso de Pós-Graduação em Serviço Social
e Direitos Sociais, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus Central, no
endereço BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos, S/N, Costa e Silva, Mossoró/RN. Tel.(84) (84)
3318-2596
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UERN)
146

Campus Universitário Central - Centro de Convivência. BR 110, KM 48 Rua: Prof. Antonio Campos,
S/N, Costa e Silva.Tel: (84) 3312-7032. e-mail: cep@uern.br / CEP 59.610-090
147

APÊNDICE H - TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE ÁUDIO

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN


FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL - FASSO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL - DESSO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS -
PPGSSDS

TERMO DE AUTORIZAÇÃO PARA USO DE ÁUDIO

Eu_________________________________________,depois de conhecer e entender os


objetivos, procedimentos metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa, bem como de estar
ciente da necessidade da gravação de áudio produzido por mim, especificados no Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo, o
pesquisador Artur Fernandes de Moura do projeto de pesquisa intitulado “
ADOLESCÊNCIA, SEXUALIDADE E SOCIOEDUCAÇÃO: a vivência da sexualidade
dos adolescentes autores de ato infracional no CEDUC-Mossoró” a realizar captação de
áudios que se façam necessários sem quaisquer ônus financeiros a nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destes áudios (suas respectivas cópias) para fins científicos
e de estudos (livros, artigos, monografias, TCC’s, dissertações ou teses, além de slides e
transparências), em favor dos pesquisador da pesquisa, acima especificados, obedecendo ao que
está previsto nas Leis que resguardam os direitos das crianças e adolescentes (ECA, Lei N.º
8.069/ 1990), dos idosos (Lei N.° 10.741/2003) e das pessoas com deficiência (Decreto Nº
3.298/1999, alterado pelo Decreto Nº 5.296/2004).

Mossoró-RN, __ de ______ de 2018

________________________________

Assinatura do participante da pesquisa


____________________________________
IMPRESSÃO
DATILOSCÓPICA
Assinatura do pesquisador responsável

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