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INTRODUÇÃO

Ao final do século XIX e início do século XX, a cientificidade e delimitação do


objeto de estudo da ciência psicológica foi questionada e colocada a prova por diversos
membros da academia científica. Como apontado por Figueiredo e Santi (2001), os
experimentos de Wundt (1832-1920) e a criação do laboratório de psicologia experimental
trouxeram novos olhares no que tange a delimitação da área de estudo da psicologia, no
objeto a ser estudado e nos métodos a serem empregados. Entretanto, Wundt não conseguiu
explicar com clareza e sustância uma das perguntas fundamentais que norteiam a área de
estudos psicológicos, o dilema da unidade psicofísica. Como relacionar os constituintes
internos (pensamento, comportamentos, sonhos e desejos) com os constituintes orgânicos
(corpo, cérebro, órgãos sensoriais)? Diversos teóricos posteriores tentaram responder a esta
pergunta de maneiras diferentes. No presente trabalho iremos apontar alguns princípios da
teoria psicanalista de Freud que explicam e elaboram a relação corpo-mente e estruturam as
bases da teoria psicanalítica.

UM BREVE HISTÓRICO SOBRE FREUD E SUA TEORIA


O principal teórico e criador da psicanálise Sigmund Freud (1856-1939) era um
médico neurologista que em parte de suas pesquisas se dedicou a estudar pacientes
denominados histéricos que possuíam sintomas incomuns que não conseguiam ser
identificadas causas orgânicas (biológicas) para seus sintomas de adoecimento,
constantemente alegando por outros médicos a inexistência de qualquer patologia, uma vez
que causa físicas nunca foram identificadas. Como relatado por Oliveira e Hikita (2021),
Freud em sessões com esses pacientes, utilizando técnicas de hipnose, elaborou a hipótese de
que tais sintomas não eram relacionados a eventos orgânicos e sim psicológicos que
ocasionaram tal adoecimento.
Sucedendo-se os atendimentos, Freud observou que os sintomas experienciados por
seus pacientes foram desencadeados por acontecimentos psicológicos e internos que deram
origem aos seus sintomas físicos, abrindo novos rumos ao estudo da unidade mente-corpo,
evidenciando uma interligação entre estes dois componentes que posteriormente foi chamado
de unidade psicofísica.

A PRIMEIRA TÓPICA FREUDIANA E A DESCOBERTA DO INCONSCIENTE


Durante seus atendimentos aos pacientes histéricos, Freud observou que os sintomas
físicos de suas pacientes eram derivados de eventos internos, do psicológico de cada um.
Após uma série de observações, elaboração de hipóteses e constatações, o médico chegou a
uma possível resposta, Freud conclui que “os histéricos sofrem sobretudo de reminiscências”
(FREUD, 2016 [1893-1895], p. 25) o que significa que seus sintomas são causados por
resquícios ou resíduos de experiências traumáticas que estavam suprimidas em algum lugar na
mente, este lugar é denominado inconsciente, e assim pode-se associar uma veracidade dos
sintomas ao corpo dos pacientes, pois os enfermos histéricos se prendiam a esses
acontecimentos passados e não conseguiam externalizar de formas “racionais”, portanto, seu
corpo respondia por eles.
A partir da descoberta do inconsciente, Freud elaborou o que ficou conhecida como a
Primeira Tópica, na qual explica “a existência de lugares no psiquismo (lembrando que
psiquismo não se confunde com cérebro), e esses lugares seriam o inconsciente (Ics), o pré-
consciente (Pcs) e o consciente (Cs)” (OLIVEIRA & HIKITA, 2021, p.10).
O Inconsciente, a estrutura mais aprofundada da psique, seria o lugar onde residem
os pensamentos mais profundos da mente, localizado em uma posição de difícil e quase
impossível o acesso pois é ali onde residem os desejos, pulsões e asseios proibidos. De acordo
com Oliveira e Hikita (2021) o Ics tem a característica de ser a localização de rastros de
imagens vividas na primeira infância, que são herdadas através da genética, e que é regido
pelo princípio do prazer.
Juntamente com a descoberta do inconsciente, Freud também delimitou outras duas
áreas da mente, o pré-consciente e o consciente, sendo o Pcs “O pré-consciente é uma
instância “reguladora”, que censura conteúdos inconscientes. O conteúdo em instância é
aquele que pode ser acessado pela consciência, com algum esforço” (OLIVEIRA & HIKITA,
2021, p.11) e o consciente (Cs) “uma pequena parte do nosso psiquismo e é o lugar dos
pensamentos, da racionalidade” (OLIVEIRA & HIKITA, 2021, p.11).
Assim, Freud evidenciou como fonte dos sintomas de seus pacientes os traumas
suprimidos pelo inconsciente e que retornavam ao externo como forma de espasmos e
“tiques” que eram gerados pela descarga de energia acumulada em seu inconsciente.
Através destes elementos da Primeira Tópica, Freud foi capaz de explicar à sua
maneira, a existência de processos internos do subjetivo privatizado dos pacientes histéricos
que estavam relacionados aos sintomas experienciados por eles, abrindo assim um novo
campo para a ciência psicológica e criando a teoria psicanalítica.

A SEGUNDA TÓPICA E O ID
Após a elaboração da primeira tópica, Freud persistiu em seus trabalhos com
pacientes clínicos, porém, ao advento de novos casos, o pesquisador se deparou com novas
formações e padrões encontrados em seus pacientes que não eram em sua totalidade explicada
pela Primeira Tópica, e que sua primeira teoria não era capaz de abarcar a complexidade da
mente humana em sua totalidade.
A partir disso, Freud elaborou o que ficou conhecido como a segunda tópica,
Oliveira & Hikita (2021) dizem que:
O segundo modelo de aparelho psíquico é conhecido como modelo estrutural, no
qual é formado por três instâncias psíquicas: id, ego e superego. Essas instâncias
psíquicas estão em constante conflito, o que pode ocasionar em algum tipo de

sofrimento ao sujeito.

Dentro da Segunda Tópica, Freud elabora a existência do Ego, uma estrutura que é
parcialmente inconsciente, segundo Oliveira & Hikita (2021, p. 14) “o ego é uma parte do id
que fora transformada pelo mundo externo, a partir do sistema perceptível. É regulado pelo
princípio de realidade, e é onde se encontra a identidade do sujeito”. O ego é a parte que
detém a razão e é mediado pela percepção da realidade.
[...] a importância funcional do ego se manifesta no fato de que, normalmente, o
controle sobre as abordagens à motilidade compete a ele, assim, em sua relação com
o Id, ele é como um cavaleiro que tem que manter controlada a força superior do
cavalo, com a diferença de que o cavaleiro tenta fazê-lo com a sua própria força,
enquanto o ego utiliza forças tomadas de empréstimo. (FREUD, 1923, p. 39)
O Ego é a parte que tenta satisfazer o desejo dentro dos moldes do que é socialmente
aceito. Entretanto, o Id é a parte que jaz no inconsciente, onde residem os desejos e pulsões
primitivos. De acordo com o autor, o Id é o componente psicobiológico da personalidade ao
ser constituído também pela hereditariedade (genética), o id é responsável pele busca do
prazer, ficando a cargo do Ego conceder ou não os desejos e impulsos do id (FREUD, 1923).
O Superego é uma parte independente do ego que é advinda do complexo de Édipo
(processo relacionado a fase fálica do desenvolvimento psicossexual) tendo eu desenrolar na
fase de latência, em que se constroem os sensos de limites e do complexo de castração
advindos do conflito com a figura do mesmo sexo dentro da família. O Superego é uma
instancia de repressão, que tem a função de punir o sujeito e que emana sentimentos de
autossabotagem, em que o sujeito sente culpa quando seus desejos são subjugados pelo
superego.
Como evidenciado por Oliveira & Hikita (2021):
Se, no primeiro modelo, pensava-se a dinâmica psíquica a partir de regressivo-
progressivo, a partir de conteúdos recalcados, sistemas Ics, Pcs, e Cs, o segundo
modelo visa pensar o funcionamento da mente a partir de conflitos internos que
buscam a satisfação, como o id, porém, mediados pelo princípio de realidade – o
ego–e uma instância punidora – o superego.

ESTÁGIOS PSICOSSEXUAIS E A FROMAÇÃO DO SUPEREGO: UM


OBSERVAÇÃO DA ESPERIENCIAÇÃO DAS ZONAS ERÓGENAS NA
CONSTRUÇÃO DO SUBJETIVO
No decorrer de suas pesquisas, Freud, em seu livro Os três ensaios sobre a teoria da
sexualidade (1905), traz à tona que o desenvolvimento do subjetivo do indivíduo dá-se em
fase que estão relacionadas com a sexualidade infantil, onde a energia libidinal é concentrada
em zonas erógenas onde se adquire uma sensação de prazer. O pai da psicanálise postula que
existem 5 fases que desenvolvem a psicossexualidade do sujeito.
A primeira fase, chamada de Fase Oral, é o estágio em que o “desenvolvimento
libidinal e se encontra nos primeiros anos de vida (1-2 anos). O prazer estaria ligado à
oralidade, tendo o ato de chupar como seu principal representante, pois a criança teria
satisfação no ato de sucção [...]” (OLIVEIRA & HIKITA, 2021, p. 19).
A fase seguinte foi denominada de Fase Anal, que acontece por volta do 2 aos 4
anos, essa fase estaria ligada com o controle do esfíncter e com o reter e expulsar as fezes. É
nesse estágio que a criança começa a relacionar a existência de um “dentro” e “fora” de seu
corpo. Nessa fase, de acordo com Papalia e Feldman (2013) é necessário que haja cuidado
com o processo de desfralde, pois, um processo de aprendizagem traumático de uso do
sanitário pode acarretar me consequências futuras no subjetivo.
A terceira fase é chamada de Fase Fálica, é o estágio em que por volta dos 3 aos 6
anos ocorre a organização da energia libidinal na região genital, nessa fase é desenrolado o
que ficou conhecido por Freud como Complexo de Édipo, uma estrutura de conflito em que é
responsável pela criação do complexo de castração e de formação do superego e do senso de
moral. Essa fase é a mais complexa pois nesse se organizam os papéis familiares e de
identificação do gênero.
Tal estágio concentra a questão intrínseca do falo (phallus), de possuir ou não o
pênis. Para Oliveira & Hitaki (2021, p.20) “Uma das maiores críticas à teoria freudiana reside
justamente nessa última fase mencionada, visto que Freud é amplamente acusado de produzir
uma teoria falocentrada”, tais considerações apontadas na modernidade questionam a
acuidade da teoria freudiana na perspectiva feminina.
O Período de Latência é definido por Oliveira & Hitaki da seguinte forma:
[...] é um período em que a sexualidade sofre um recalque e é direcionada a
finalidades culturais, como esporte, amizades, eventos culturais etc. Essa fase
costuma preceder a puberdade (2021, p. 20).
Na latência a libido está adormecida, e a maioria dos impulsos sexuais está
reprimida, assim a energia é canalizada para o desenvolvimento de novas habilidades e a
aquisição de novos conhecimentos.
A última fase, denominada genital, é caracterizada pela organização das pulsões
parciais a partir das zonas erógenas anteriormente focadas nas fases prévias (boca, ânus,
região genital), de acordo com Oliveira & Hitaki (2021) é quando o sujeito passa a
demonstrar interesse sexual por outras pessoas. Essa fase se inicia na puberdade e se estende
até a morte do indivíduo.
Para Oliveira & Hitaki è necessário ressaltar que:
[...] todas essas fases do desenvolvimento não são superadas completamente, como
se nunca mais o sujeito fosse adquirir prazer por meio dessas zonas. O que acontece
é que elas deixam resquícios sob o nosso psiquismo. Desse modo, não deixamos de
lado o prazer pela oralidade, por exemplo. Um modelo disso é: quando nervosa, uma
pessoa tem a mania de morder a tampa de uma caneta. Aparentemente, isso não faz
sentido, mas a questão é: a partir de um prazer oral, a pessoa pode aliviar uma certa
tensão. (2021, p. 21)
Assim, para Freud (1923) é necessário principalmente ater-se a fase fálica, uma vez
que uma resolução não suficientemente satisfatória do complexo de Édipo implicará em uma
formação alterada do superego, regendo de forma tirana ou não sobre o ego. Tal ponto é
necessário ser ressaltado pois, a construção do superego como elemento presente no subjetivo
do indivíduo evidência um caráter de formação de duas vias, uma natural/biológica, pois é
observada a relação de construção de identificação de seu gênero através da associação de seu
órgão genital com a de seu genitor de mesmo sexo, e de formação de via histórico-relacional,
uma vez que é necessária a presença dos pais/cuidadores para que haja o conflito edípico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, Freud ao criar a teoria psicanalítica foi capaz de responder ao dilema da
unidade psicofísica (corpo-mente) utilizando o estudo de seus pacientes histéricos e
neuróticos e relacionando a existência do aparelho psíquico em diferentes níveis
(Inconsciente, Pré-consciente e Consciente) e elaborando a Segunda Tópica que explica a
formação do subjetivo privatizado a partir do desenvolvimento psicossexual e da existência de
zonas erógenas no corpo do indivíduo, descrevendo que a passagem da energia libidinal por
tais partes é responsável pela elaboração de um estágio que fica armazenado no inconsciente
sujeito e que forma o seu agir. Freud foi pioneiro em explicar tais fundamentos pois
evidenciou que a desarmonia entre os constituintes de nosso subjetivo geram conflitos que são
externalizado de diferentes maneiras em nosso corpo, provando a veracidade da normativa
psicofísica e instaurando um estudo sistematizado do corpo e da mente.

REFERÊNCIAS
BREUER, Josef; FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 2: estudos sobre a histeria
(1893-1895). São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

FREUD, S. (1923). O Ego e o Id. In: FREUD, S. Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. v. 19. Rio de Janeiro: Imago, 1990, p. 20-22.

FREUD, S. O ego e o id. In: FREUD, S. Sigmund Freud – Obras Completas. Rio de
Janeiro: Imago, 1969 [1923], p. 15-82. 19. v.

NOBRE, Isadora Di N. Introdução à teoria psicanalítica: gênese e estrutura da


psicanálise. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786589965206. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786589965206/. Acesso em: 08 abr. 2023.

OLIVEIRA, Jéssica S.; HIKITA, Patrícia H. Fundamentos da teoria psicanalítica I:


constituição do aparelho psíquico. Editora Saraiva, 2021. E-book. ISBN 9786589965442.
Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786589965442/. Acesso
em: 08 abr. 2023.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre,


Artmed, 12ª ed.

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