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O conceito de Inconsciente foi uma revolução dentro das Ciências Psicológicas (como eram intitulados
os estudos em Psicologia até o início do século XX) que marcou profundamente todas as Ciências
Humanas e até mesmo algumas disciplinas das Ciências Naturais. Trazia à tona uma possibilidade de
resposta para perguntas incômodas aos olhos dos estudiosos que tentavam pautar suas teorias sob o
paradigma Positivista, como Wundt, Watson e outros.
O primeiro teórico do Inconsciente a concatenar um conjunto de idéias e hipóteses dispersas em
obras filosóficas, como a de Schopenhauer e Nietzsche, foi o fundador da Psicanálise, Sigmund Freud.
Seus estudos sobre a histeria na última década do século XIX o levaram a formular a hipótese de um
mecanismo mental inacessível à memória, porém tão ou mais influente que esta na subjetividade
humana.
Dada a amplitude dessa formulação e sua importância, inumeráveis filosófos e pesquisadores com ela
estabeleceram diálogo, nem sempre aceitando-a. Traremos em destaque Reich e Jung, dois dos
maiores nomes dentre aqueles que tiveram estreita colaboração com o “Pai” da Psicanálise e
posteriormente romperam. Suas obras têm como fundamento aquilo que Freud estabeleceu mas vão
além, consolidando-se como teorias próprias, não desdobramentos do pensamento freudiano.
Freud
Utilizando inicialmente o método da hipnose (ainda como colaborador de Breuer, médico vienense
renomado), Sigmund Freud percebeu que as manifestações histéricas estavam ligadas a recordações
que em condições normais seriam impossíveis às pacientes de trazê-las à tona. Observou também
que estas lembranças provocavam não somente o sintoma histérico, mas influenciavam o
comportamento cotidiano das pacientes. A hipótese estabelecida foi de que a mente dessas pessoas
poderia estar bipartida, de maneira que o conteúdo traumático tivesse sido oculto a fim de evitar
sofrimento, mas viria à tona por meio dos sintomas sem que fosse reconhecido.
Abandonando a hipnose, foi estabelecido o princípio da livre associação: o paciente poderia seguir
seus pensamentos e falar espontaneamente o que lhe viesse à cabeça, sem se preocupar com uma
suposta lógica, ou com a censura moral. Assim, foi possível observar que parte de nossa mente não
segue uma organização racional, estabelecendo ligações entre temas e representações que podem
parecer absurdas sob o ponto de vista das normas sociais.
Com seus estudos sobre os sonhos, Freud aprimorou essas concepções: o “ocultar” de lembranças
não se limitava às histéricas, mas se estendia a todos os seres humanos. No conteúdo onírico, surgem
elementos mnemônicos que permaneciam inacessíveis em estado de vigília, retornando durante o
repouso através de simbolizações, algumas vezes mais, algumas vezes menos diretas.
É necessário analisarmos inicialmente o conceito de pulsão (Trieb), que, para Freud, é um aumento de
tensão, um acúmulo de energia mental voltado para um objeto. Essa energia mental Freud a intitulou
de libido; teria caráter dinâmico, sempre alternando acúmulo e descarga – a descarga gerando alívio
ou prazer. O impedimento de descarregar-se essa energia acumulada gera grande desprazer, o que
leva a mente a recalcar essa pulsão, “aprisionando-a” no Inconsciente. Ela tem a tendência de sempre
retornar, isto é, a mente continuará tentando descarregar essa energia acumulada afim de alcançar
equilíbrio.
O conceito de libido em Freud é essencialmente erógeno, isto é, ligado ao prazer, ainda que não
diretamente erótico/reprodutivo. O autor ainda divide a libido em narcísica, predominante no início
do desenvolvimento humano, onde o prazer se encontra no próprio corpo; e objetal, onde o prazer
está ligado aos objetos externos do desejo.
Inconsciente, estrutura e dinâmica da Psique
Freud formulou a primeira tópica da mente (intitulada Modelo Pulsional ou Dinâmico), dividindo-a em
Consciente, Pré-Consciente e Inconsciente. O Consciente seria, conforme expressão comumente
usada, a ponta do iceberg da mente humana. É onde se encontra o domínio lingüístico e semiótico,
bem como o raciocínio. O Pré-Consciente é a seção onde encontram-se os traços mnemônicos
acessíveis ao Consciente, não-recalcados e num estágio pré-representativo. No Inconsciente, a área
mais vasta e insondável da mente, encontram-se as lembranças recalcadas: tudo aquilo que, sem o
auxílio da análise, está fora do alcance do Consciente.
A maior parte do comportamento humano seria ditado pelos conteúdos inconscientes, que estão em
constante necessidade de descarregar-se; para tanto, ele se utiliza de diversos recursos, como o
Deslocamento, a Condensação, a Projeção e a Sublimação, citando apenas os mais importantes
dentre diversos outros estudados por Freud.
A Segunda Tópica
Estudando esses fenômenos e, particularmente, após seus estudos sobre o Narcisismo e sobre o
complexo de Castração e Édipo, Freud aperfeiçoou o conceito de Inconsciente, formulando a
chamada Segunda Tópica (intitulado Modelo Estrutural), dividindo a mente em Id, Ego e Superego.
O Id é a maior estrutura da mente. Nele encontram-se as pulsões e todo material recalcado (mas não
se deve confundi-lo com o Inconsciente da Primeira Tópica). Assim, seu caráter é sempre afirmativo,
isto é, para o Id não há recusa, ele sempre busca a satisfação plena, irrestrita e imediata (essa
característica é intitulada de princípio de prazer). É a estrutura mais primária da mente,
predominando nos primeiros anos de vida do ser humano.
Gradativamente, essa predominância é superada por uma estrutura que é uma diferenciação do Id, o
Ego. Formado a partir do contato do indivíduo com o meio externo, o Ego é o controle sobre o Id,
condizendo seus desejos com o que o meio pode ou permite oferecer-lhe (característica intitulada de
princípio de realidade).
A parte mais diferenciada da mente, surgida a partir do complexo de Castração e Édipo, é o Superego.
Nesta estrutura, encontram-se os valores morais do indivíduo, introjetados particularmente a partir
do contato deste com as figuras parentais. Atua inibindo os anseios inconvenientes do Id através do
mecanismo de culpa.
Ligeiramente, podemos explicar esse complexo da seguinte maneira: para os meninos, o desejo que
sente pela mãe, vindo do vínculo existente entre ambos desde o nascimento, sofre um revés quando
este percebe que ela não possui o falo. Após uma fase de recusa desse fato, o menino percebe que
quem provê a mãe do falo é o pai, e este a teria castrado. Dentro do que Freud e os psicanalistas que
o seguem intitulam de “equação simbólica”, o menino chega à conclusão de que o pai o castrará,
assim como castrou a mãe, por desejá-la. Ele então recalca esse desejo e introjeta a figura do pai
como um ideal a ser seguido, a fim de um dia substituí-lo.
Para a menina, Freud e seus seguidores admitem não existir uma explicação satisfatória. Esta seguiria
um percurso diferente: imaginando-se possuidora de um falo, quando depara-se com o fato de não
tê-lo e de sua mãe também não possuí-lo, tenta recusar esse fato, admitindo para si possuir um falo
diminuto (o clitóris). Desloca então seu objeto de desejo (que inicialmente era a mãe, devido ao fato
do vínculo gerativo) para o pai, por este possuir o falo, desejando assim dar-lhe um filho. Não há uma
explicação clara sobre como esse processo se encerra; aparentemente, o desejo pelo pai
simplesmente se dissiparia, explicação evidentemente insuficiente.
Em sua obra “O Mal-estar na Civilização”, Freud tenta dissertar a respeito do problema clássico da
“metafísica última”, isto é, o bem e o mal. Apresenta uma distinção entre as pulsões, onde a Pulsão
de Vida guiaria a busca pelo desenvolvimento pleno na integração, sendo assim a base do convívio e
da civilização. É o que leva os seres humanos a conviverem e colaborarem entre si para sua
sobrevivência e satisfação. A Pulsão de Morte seria o instinto de desintegração, responsável pela
destruição e aniquilação. Guia o indivíduo para a fixação (isto é, o não-desenvolvimento) e a
fragmentação.
Jung
Carl Gustav Jung foi inicialmente o principal colaborador de Freud. A teoria dos complexos, de onde
Freud extraiu a base para formular os princípios dos complexos de Castração e Édipo, é de sua autoria,
para dar um exemplo dentre tantas contribuições que deu à obra de Freud.
a) Jung não dava tanto peso ao papel de uma pulsão sexual na mente humana, como Freud fazia –
veja-se o princípio da Psicanálise, pautada na análise de desejos sexuais não realizados nas histéricas.
b) O complexo de Castração e Édipo não teria um papel tão central na formação da mente nem da
personalidade do indivíduo.
c) Seus estudos sobre misticismo e religiões incomodaram a Freud, conhecido por sua defesa
ferrenha do ateísmo e que via a religião como uma espécie de patologia.
Não se está aqui deixando de lado possíveis fatores menos elevados para o distanciamento entre
Freud e Jung, como disputas dentro da Sociedade Psicanalítica. Importa mais o percurso do
desenvolvimento teórico da Psicanálise.
Para Jung, existiria uma energia psíquica que seria a base para todos os processos psíquicos, em nível
elementar, isto é, ainda sem ligações a objetos quaisquer. Ele amplia o conceito freudiano de libido,
recusando-se a aceitar a visão desta como essencialmente ligada ao prazer erógeno: ela estaria ligada
a todos os processos vitais do ser humano, como fome, sede, necessidade de repouso etc.
A conceituação de Jung sobre o Inconsciente segue caminho bem distinto do de Freud, porém, deve-
se sempre ter em mente que seus conceitos supõem a conceituação freudiana, ao menos em sua
primeira tópica.
Para ele, a psique era constituída por três níveis: a Consciência, o Inconsciente Pessoal e o
Inconsciente coletivo.
A Consciência é o nível das lembranças e das percepções, proporcionando o contato com a realidade
e a adaptação a esta. Julgava-a secundária diante do Inconsciente, no que concordava com Freud.
O Inconsciente Coletivo
Seus estudos sobre religiões, antropologia e misticismo levaram Jung a concluir que diversos traços
são comuns às mais diferentes culturas. Diante desse fato, Jung chega a conclusão que fariam parte
de um repertório de recordações comum a toda humanidade, o Inconsciente Coletivo.
Constitui-se por arquétipos, estruturas básicas formadas ao longo da evolução em torno de temas
que repetiram-se ao longo de seu processo. Atualizam-se na interação com o meio, “preenchendo-se”
e atuando sobre a personalidade.
– A Persona e a Sombra
– Anima e Animus
Diante dessa breve explicação, fica evidente o quanto os estudos de Jung afastaram-se dos de Freud.
Sua conceituação sobre a psique dá margem a uma práxis analítica completamente diversa da
freudiana, sendo a preferida por estudiosos da mente mais ligados às artes e ao misticismo, por
considerarem esta teoria como a que melhor contempla esses aspectos do ser humano.
Reich
Wilhelm Reich participou por um curto período de tempo dos círculos psicanalíticos. Suas teorias
também pressupõem as de Freud, porém estendem-se para muito além das idéias do primeiro
teórico da Psicanálise, partindo para a Biologia, Sociologia, Fisiologia e até mesmo Meteorologia,
Cosmologia etc. Será apresentada aqui uma conceituação muito breve de suas idéias, concentrando-
nos nos temas em debate.
Reich principia seus estudos em Psicanálise problematizando o conceito de libido. Em “A energia das
pulsões”, artigo publicado em 1921, ele define a pulsão como sendo a expressão motora do prazer
experimentado. Assim, o que se encontra na psique não é a própria energia mas apenas uma
representação.
Esses estudos o levaram a afastar-se em pouco tempo das concepções de Freud. Enquanto este
caminhava para uma concepção estruturalista da mente, Reich nunca abandonaria a posição de
considerar a energia psíquica como elemento central para a compreensão da mente.
A energia psíquica percorre todo o corpo, segundo Reich. A psique e o corpo possuem a mesma
energia, responsável por todos os processos vitais. Com esta concepção, o autor abriu as portas para
a terapia corporal e para a medicina psicossomática.
Dentro dessa concepção, a libido seria a parcela dessa energia diretamente ligada à excitação sexual,
porém não de forma exclusiva. Em “A função do Orgasmo”, Reich defende que a saúde do ser
humano, física e psíquica, depende diretamente do pleno desenvolvimento da “potência orgástica”,
isto é, da plena capacidade do indivíduo descarregar a potência libidinal sem as travas de qualquer
repressão.
É importante salientar que Reich admite a primeira tópica freudiana da psique, dividindo esta em
Consciente, Pré-consciente e Inconsciente. Porém, estava mais preocupado com a dinâmica da psique,
a economia da energia psíquica, e não com conceitos estruturais.
Seus estudos sobre a transferência o levaram à obra “Análise do Caráter”. Segundo ele, o caráter é
uma configuração da psique, formada a partir das vivências do indivíduo, que visa evitar o
desagradável e manter o equilíbrio psíquico, consumindo energia recalcada ou que escapa à
repressão. Essa configuração reflete-se na denominada “couraça muscular”: tensionamento da
musculatura conforme o material reprimido no Inconsciente, levando a determinados modelos de
comportamento e constituição corporal.
Na última fase de seu trabalho, cujo cume é a obra “The discovery of the Orgone” (2 vols.), Reich
amplia sua concepção de energia psíquica ao realizar a polêmica descoberta da Orgone. Esta seria
uma forma de energia presente em todo o Cosmos, responsável pela vida. Ela é auto-organizadora e
auto-suficiente, compondo todos os processos químicos e biológicos do Universo, possibilitando que
estes se organizem, constituindo o Cosmos como o conhecemos.