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Se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta

freudiana, essa palavra seria incontestavelmente


INCONSCIENTE.

(Laplancher, Pontalis, 1970, p. 307).

A partir do enlace da psicanálise com a educação e o processo de ensino-aprendizagem, o presente


capítulo traz algumas reflexões acerca das questões psicanalíticas abordadas por Sigmund Freud em
seus estudos, tais como os conceitos de pré-consciente, consciente, inconsciente, transferência,
complexo de Édipo, id, ego e superego, que são as bases da teoria psicanalítica freudiana. Nosso
intuito é contribuir com as teorias da aprendizagem a partir do que a psicanálise pode oferecer à
educação e aos educadores, tais como apresentar ao professor ferramentas para lidar melhor com os
estudantes em sala de aula.

Sigmund Freud (1856-1939) nasceu em Freiberg, na antiga Tchecoslováquia (atual Pribor, na


República Tcheca), em uma família judia. Sua família, porém, mudou-se para Viena quando Freud
ainda tinha três anos de idade. Assim, a capital austríaca tornou-se seu lar, onde viveu praticamente
toda a sua vida. Freud só deixou Viena para ir Londres, em 1938, quando os nazistas ocuparam a
cidade, já em idade avançada e com câncer que o levaria à morte um ano depois. Freud cursou
medicina, desenvolvendo estudos nas áreas de anatomia, neurologia e histologia, tornando-se mais
tarde médico psiquiatra. É considerado o pai da psicanálise (ou análise da mente), escola psicológica
iniciada em Viena (Áustria) no início do século XX. Seu interesse inicial era pesquisar as causas das
doenças mentais (neuroses e psicoses). Ao longo de sua carreira, teve contato com os estudos de
Jean-Martin Charcot e Joseph Breuer, partilhando de seus estudos e métodos de pesquisa e
tratamento sobre a histeria. Mais tarde, Freud criou sua própria teoria a partir da compreensão dos
fenômenos psíquicos. A partir daí, elaborou uma teoria da sexualidade infantil, a qual dá ênfase aos
processos psíquicos inconscientes, revolucionando completamente a maneira de pensar da época e
chocando seus contemporâneos.

Bock, Furtado e Teixeira (2002) explicitam que o termo psicanálise é usado para se referir a uma
teoria, a um método de investigação e também a uma prática profissional dentro das correntes
psicológicas. Como teoria, segundo tais autores, caracteriza-se por um conjunto de conhecimentos
sistematizados sobre o funcionamento da nossa vida psíquica.
Freud publicou uma obra vasta, traduzida para várias línguas em todo o mundo. Durante
toda a sua vida, Freud dedicou-se a estudos, descobertas e relatos sobre suas pesquisas, formulando
leis gerais sobre a estrutura e o funcionamento da psique humana.

Nesse sentido, a psicanálise tornou-se, a partir do desenvolvimento da práxis freudiana, um


método de investigação. A metodologia psicanalítica caracteriza-se pela investigação e interpretação
do que está oculto, ou seja, daquilo que é “manifesto por meio de ações e palavras ou pelas
produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associações livres, os atos falhos” (Bock;
Furtado; Teixeira, 2002, p. 70).

A obra de Freud foi influenciada pelo modelo cartesiano de ciência, embora ele discordasse
dos racionalistas em relação à razão humana, pois acreditava que o homem é fortemente
comandado pelo inconsciente (conteúdos reprimidos não presentes na consciência pela ação de
censuras internas) e por forças instintivas.

Para Freud (1974), todo comportamento humano é sobredeterminado, ou seja, nossos atos
(mesmo os que parecem ocorrer ao acaso) estão relacionados a uma série de causas, das quais
frequentemente não temos consciência. Tais causas, em geral, estão correlacionadas a impulsos
sexuais latentes, os quais se constituem desde a primeira infância.

Freud desenvolveu suas ideias a partir da noção de uma psique humana dividida em sistemas
denominados consciente, inconsciente e pré-consciente (tríade denominada por Freud de primeira
tópica). Posteriormente, avançando em seus estudos, desenvolveu uma nova forma de pensar e
criou a segunda tópica, constituída pelos sistemas chamados ego (eu), Id (isso) e superego (supereu).

3.1

A primeira teoria do aparelho psíquico

De acordo com Gomes (2003, p.118), “há poucos estudos psicanalíticos sobre a consciência.
Embora o inconsciente ocupe o lugar central, na psicanálise, não devemos esquecer que a própria
definição do inconsciente só pode ser feita em relação à consciência”. O próprio Gomes (2003, p.119)
acrescenta que, para Freud, a consciência “não é só percepção consciente, ela compreende também
as lembranças conscientes, as fantasias conscientes, os desejos conscientes, o pensamento
consciente, etc.”.

Nesse sentido, na teoria psicanalítica, ter consciência é perceber o mudo, as sensações, os


sentimentos, os afetos, as lembranças, os desejos, as fantasias e os pensamentos propriamente
ditos. Assim, a consciência é, para Freud, consciência e percepção do mundo real, dos afetos, do
prazer ou do desprazer – é a própria subjetividade do sujeito.

“O CONSCIENTE é o sistema do aparelho psíquico que recebe ao mesmo tempo as informações do


mundo exterior e as do mundo interior. Na consciência, destaca-se o fenômeno da percepção,
principalmente a percepção do mundo exterior, a atenção, o raciocínio” (Bock; Furtado; Teixeira, 2002,
p.74, grifo nosso).

Gomes (2003, p.123) explicita que “entre as representações do pré-consciente, só algumas


são escolhidas pela atenção, a cada momento, para tornarem-se conscientes”.

Assim, parte das nossas representações que não são conscientes, em algum momento,
podem ser tornar conscientes, e o material que pode ser facilmente resgatado da memória
(sentimentos, afetos, lembranças, fantasias, desejos etc.) pela consciência é denominado pré-
consciente.

Gomes (2003, p.123) afirma, ainda, que

a propriedade de ser pré-consciente, isto é, suscetível de tornar-se consciente, é dada para Freud
pela ligação entre representações de coisa (Dingvorstellungen) e representações de palavra
(Wortvorstellungen). Isto significa que o sistema da linguagem é indispensável, segundo Freud, não
para a percepção consciente nem para os sentimentos e emoções conscientes, mas sim para o
pensamento consciente (aí incluindo as lembranças conscientes, as fantasias conscientes, os desejos
conscientes etc).

Ou seja, os conteúdos, lembranças, fantasias e desejos pré-conscientes são aqueles que


podem chegar facilmente à consciência, sem que o sujeito tenha de se esforçar muito para isso, já
que são resgatados da memória sem grandes dificuldades.

“O PRÉ-CONSCIENTE refere-se ao sistema onde permanecem aqueles conteúdos acessíveis à


consciência. É aquilo que não está na consciência, neste momento, e no momento seguinte pode
estar"

Outro conceito-chave que fundamenta a teoria psicanalítica o denominado de inconsciente.


De acordo com Garcia-Roza (1988), o termo inconsciente, antes de Freud, era utilizado de maneira
puramente adjetiva, para designar aquilo que não era consciente. Entretanto, para a psicanálise, o
inconsciente é um sistema psíquico diferente dos demais e dotado de atividades próprias; porém, o
inconsciente não é jamais observável, de acordo com Freud. Assim, nós nos expressamos a partir da
nossa consciência, mas o inconsciente está sempre presente.
Em seu discurso, o sujeito fala daquilo de que tem consciência. Mas, ao mesmo tempo, o
inconsciente também se exprime através de seu discurso, na escolha de algumas palavras, na
insistência de alguns significantes, nos lapsos de linguagem eventualmente cometidos, nas
associações etc. É portanto sobre um fundo de consciência que o inconsciente se revela, é entre as
malhas conscientes que ele tece sua trama. O próprio conteúdo consciente do discurso está sempre
relacionado ao inconsciente, seja por aproximações, seja por afastamentos ou evitações. (Gomes,
2003, p.118)

Nesse sentido, o inconsciente impõe seus conteúdos de alguma forma e acaba se


manifestando por meio de atos falhos, chistes, sonhos etc., ou seja, não se pode controlar o
inconsciente. Além disso, de acordo com Freud, o inconsciente é formado por desejos, instintos e
pulsões são socialmente inaceitáveis.

O INCONSCIENTE exprime o “conjunto dos conteúdos não presentes no campo atual da consciência”. É
formado por conteúdos reprimidos, que não têm acesso aos sistemas pré-consciente/consciente, pela
ação de censuras internas. Esses conteúdos podem ter sido conscientes em algum momento e ter sido
reprimidos, isto é, “foram” para o inconsciente, ou podem ser genuinamente inconscientes. O
inconsciente é um sistema do aparelho psíquico regido por leis próprias de funcionamento (Bock;
Furtado; Teixeira, 2002, p. 73-74).

Quadro 3.1 – A primeira tópica

Consciente

Formado por pensamentos, ideias e percepções acerca da realidade.

Pré-consciente

Sistema formado por conteúdos/lembranças que podem tornar-se conscientes sem grandes
dificuldades pelo sujeito. Funciona como censura, afastando da consciência determinados conteúdos
desprazerosos emanados do inconsciente.

Inconsciente Refere-se ao que está latente, é regulado pelo princípio do prazer e é


constituído por desejos em busca de satisfação.
Os três pilares (consciente, pré-consciente e inconsciente) compõem a chamada primeira
teoria do aparelho psíquico freudiana. Contudo, Freud foi além e desenvolveu uma outra teoria
inovadora, avançando nos estudos sobre a psique humana.

3.2

A segunda teoria do aparelho psíquico

Freud reformulou continuamente seus conceitos, chegando a uma segunda teoria do


aparelho psíquico, a qual denominou segunda tópica. Neste segundo momento, ele apresenta outro
patamar de desenvolvimento da teoria psicanalítica, definindo mais três conceitos fundamentais
para a psicanálise: ego, id, superego.

O primeiro deles, o EGO (EU)¸Freud explicita como sendo a razão humana, ou seja, está
diretamente relacionado à consciência e ao inconsciente, simultaneamente. Nesse sentido, uma
parte do ego é consciente (uma pequena parte), enquanto a outra parte é influenciada pelo
inconsciente. Assim, o ego recebe influência do mundo externo e do id.

O ego é o sistema que estabelece o equilíbrio entre as exigências do id, as exigências da


realidade e as “ordens” do superego. Procura “dar conta” dos interesses da pessoa. É regido pelo
princípio da realidade, que, com o princípio do prazer, rege o funcionamento psíquico. É um
regulador, na medida em que altera o princípio do prazer para buscar a satisfação considerando as
condições objetivas da realidade. Neste sentido, a busca do prazer pode ser substituída pelo
evitamento do desprazer. As funções básicas do ego são: percepção, memória, sentimentos,
pensamento. (Bock; Furtado; Teixeira, 2002, p. 77)

O ID (ISSO) são os impulsos humanos mais primitivos. É regido pelo princípio do prazer, pelo
desejo, sendo impulsionado pela busca da satisfação. Além disso, o id é uma instância psíquica pouco
acessível ao sujeito, sendo, portanto, inconsciente.

O id constitui o reservatório da energia psíquica, é onde se “localizam” as pulsões: a de vida e a de


morte. As características atribuídas ao sistema inconsciente, na primeira teoria, são, nesta teoria,
atribuídas ao id. É regido pelo princípio do prazer. (Bock; Furtado; Teixeira, 2002, p. 77)

O SUPEREGO (SUPEREU) é a representação da moral, da lei e da ordem. Funciona, nesse


sentido, como instância crítica, controlado conteúdos provenientes do id, não aceitáveis
conscientemente. Apesar de não ser consciente, advém da introjeção das regras, valores e normas
socialmente impostas pela cultura e pela família às quais pertence o sujeito. O superego tem a
função de buscar o equilíbrio no conflito de forças entre o id e o ego. “O superego origina-se com o
complexo de Édipo, a partir da internalização das proibições, dos limites e da autoridade. A moral, os
ideais são funções do superego. O conteúdo do superego refere-se a exigências sociais e culturais”
(Bock; Furtado; Teixeira, 2002, p.77)

Nessa perspectiva, na teoria freudiana, o superego funciona como uma espécie de “pai
internalizado”, um censo de moral e autoridade, que permite à humanidade mantes a vida civilizada,
regida por leis, costumes e regras criadas para mantes o id sob controle.

Quadro 3.2 – A segunda tópica

Id

Possui uma atividade inconsciente, é regido pelo princípio do prazer e impulsionado pela busca da
satisfação. Instância psíquica menos acessível ao sujeito.

Ego

Relacionado à consciência. Sua existência está conectada ao sistema perceptivo, recebe influência do
mundo externo e das forças provenientes do id. Uma parte do ego é consciente uma pequena parte)
e outra é movida pela influência do inconsciente.

Funciona com instância crítica, controlando conteúdos provenientes do

Superego

id, não aceitáveis no plano da consciência. Emerge do ego, não é consciente e surge em virtude da
introjeção de normas e valores existentes na família e na cultura às quais o sujeito pertence. Tenta
regular o conflito de forças entre o id e o ego.

As teorias do aparelho psíquico de Freud revolucionaram os estudos e “chocaram” os


estudiosos da psique humana em sua época. Ainda hoje, esses estudos influenciam sobremaneira a
psicologia e a educação contemporâneas.

3.3

Os estágios de desenvolvimento psicossexual: da infância à vida adulta

Freud desenvolveu, em seus estudos, a teoria de que os padrões da personalidade adulta


vinculam-se com o início da vida, estando quase completamente formados por volta dos 5 anos de
vida do infante. Na teoria psicanalítica, os estágios do desenvolvimento psicossexual infantil estão
associados a uma zona erógena do corpo, denominados respectivamente de estágio oral, estágio
anal, estágio fálico e estágio genital.

O ESTÁGIO ORAL vai do nascimento até, mais ou menos, 2 anos de vida. Nesse período, a
“estimulação da boca, como sugar, morder e engolir, é a fonte primária de satisfação erótica. A
satisfação inadequada nesse estágio [...] pode produzir um tipo oral de personalidade, uma pessoa
excessivamente preocupada com hábitos bucais como fumar, beijar e comer” (Schultz; Schultz, 2006,
p.346).

O ESTÁGIO ANAL transcorre entre os 2 e os 3/4 anos de idade e “coincide com o período de
treinamento da higiene pessoal [...]. Conflitos durante esse período podem resultar num adulto [...]
que é sujo, perdulário e extravagantes ou [...] demasiada asseado, parcimonioso e compulsivo”
(Schultz; Schultz, 2006, p. 347).

O ESTÁGIO FÁLICO acontece entre os 3/4 e os 5/6 anos. Por volta dos 4 anos, a satisfação da
criança migra para a região da genitália. Nesse período, são normais a manipulação e a exibição da
genitália bem como o interesse pelas diferenças entre os sexos. Essa fase é um marco na teoria
psicanalítica, pois é período do desenvolvimento do COMPLEXO DE ÉDIPO. Por ser um dos marcos da
teoria freudiana, é crucial tecermos explicações sobre esse tema e aprofundarmos nossos estudos
acerca desse estágio.

Veja, no Quadro 3.3, as fases do desenvolvimento da personalidade, a partir dos estágios


psicossexuais freudianos, que ocorrem desde o nascimento até a adolescência.

Quadro 3.3 – Fases do desenvolvimento psicossexual

Estágio oral

(do

nascimento

até + 2 anos)
Nesta fase, é por meio dos lábios, da boca e da ingestão de alimentos que a criança sacia
suas necessidades e tem prazer. A saciação da fome produz prazer, sensação de conforto e bem-
estar. Neste estágio, a criança está submetida a um movimento de forças que emanam de um corpo
(que não necessita apenas de suprimento alimentar para sobreviver) e aos cuidados de quem realiza
a função materna. Esse jogo intersubjetivo pode proporcionar prazer, mas também frustração, já que
a presença do “cuidador”, ou de um outro com o qual a criança conviva, não está garantida o tempo
todo.

Estágio anal

(entre os 2 e

os 3/4 anos)

Nesta fase, a mucosa anal e o intestino são as zonas principais de produção de prazer. As
fezes assumem um valor simbólico de dar e receber, ligadas à expulsão e à retenção. Existe
alternância de lugar em relação à ação da criança no mundo e, consequentemente, na ligação com
seus pais, que são a posição passiva e a ativa. A passividade manifesta quando a criança põe em ação
a mucosa do intestino, e a atividade é produzida por meio da musculatura. Neste estágio, surgem
demandas externas em reação a determinadas regras sociais, como a aprendizagem do uso do
banheiro, com a exigência de controle gradativo dos esfíncteres, e ainda com o início da aceitação de
limites inevitáveis ao convívio social, que anteriormente não estavam postos.

Estágio

fálico
(entre os 3/4 e os 5/6 anos) No terceiro estágio de
desenvolvimento psicossexual, a criança começa a apresentar interesses na manipulação dos
genitais, que funciona como forma de descarga sexual, de obtenção de prazer. Tem início um
processo de curiosidade em relação ao seu corpo e ao corpo do outro. Nesta fase, a criança
considera a existência apenas de um genital, o masculino, estando presente na representação do
falo, percebendo o corpo completo, como se “nada faltasse”, e negando, assim, a diferença sexual
anatômica. Este período é marcado pela vivência de fantasias (inconscientes) infantis em um
conjunto de relações intersubjetivas criança-pais, denominado complexo de Édipo.

A seguir, avançamos nos estudos do desenvolvimento psicossexual proposto por Freud,


trazendo alguns elementos da teoria do complexo de Édipo.

3.4

A teoria do complexo de Édipo

Segundo Young (2005), a ideia do complexo de Édipo foi desenvolvida por Sigmund Freud
perto da virada do século XX. Freud baseou-se nas suas próprias lembranças infantis, em sua
experiência clínica e no mito de Édipo, rei de Tebas, escrito pelo grego Sófocles – em particular,
aquele em que Édipo mata inadverti-damente o pai e desposa a mãe, cumprindo um trágico destino
traçado pelos deuses. Como essa alusão ao mito de Édipo, “Freud sugeriu que as crianças sentem
atração sexual pelo genitor do sexo oposto e temor pelo genitor do mesmo sexo, agora percebido
como rival. Freud derivou essa noção de suas próprias experiências infantis” (Schultz; Schultz, 2006,
p.347).

De acordo com Nasio (1999), na primeira etapa da formação do Édipo, reconhecem-se dois
tipos de ligação afetiva: um apego desejante pela mãe, considerada como objeto sexual, e,
sobretudo, um apego ao pai, como modelo a ser imitado. O menino, então, faz de seu pai um modelo
em que ele próprio gostaria de se transformar. Enquanto o vínculo com o mãe (objeto sexual) se
nutre do ímpeto de desejo, o vínculo com o pai (objeto ideal) repousa num sentimento de amor
produzido pela identificação com um ideal. Esses dois sentimentos, então, aproximam-se um do
outro e acabam por se encontrar, o que resulta no complexo de Édipo. Dessa forma, o menino fica
incomodado com a presença do pai, que barra seu impulso desejante dirigido à mãe, e vice-versa. A
identificação amorosa com o pai ideal transforma-se, então, numa atitude hostil e acaba em uma
identificação com o pai como companheiro da mãe.

É importante ressaltar que, segundo a teoria psicanalítica, nenhuma criança escapa do


complexo do Édipo. Por outro lado, se o desfecho dessa fase acontece de modo satisfatório, ou seja,
se há um desenvolvimento psicológico adequado, a criança percebe que a união dos pais é algo que
lhe traz benefícios e aprende a conter os sentimentos de posse, medo e hostilidade para com um e
outro.

Nessa perspectiva, para Freud, o desenvolvimento saudável do complexo de Édipo é crucial


ao ser humano, pois implicará a futura identidade sexual da criança transformada em adulto. Por
outro lado,

as pessoas que não conseguem superar o complexo de Édipo ficam imaturas, incapazes de progredir,
sentem-se dependentes do pai ou da mãe ou de ambos, passam a manifestar as suas dificuldades
psicológicas em vez de contê-las e/ou sentem uma estagnação na carreira e nos relacionamentos,
não conseguem controlar bem os impulsos, têm dificuldade com a autoridade e são presas fáceis de
toda sorte de problemas. (Young, 2005, p.7)

Feita essa constatação, vê-se a importância desse fase até a vida adulta, e ressalta-se que ela
deve ser atravessada de forma cuidadosa. Desse modo, é imprescindível que se tomem os devidos
cuidados com as crianças, tanto os familiares ou responsáveis por elas quanto o professor em sala de
aula. Assim, sublinha-se a importância do educador na vida escolar da criança, que deve não só
ensiná-la, mas também orientá-la; para tanto, é preciso ter conhecimento das teorias da
aprendizagem que permeiam os processos de desenvolvimento, ensino e aprendizagem humanos.

Retomando a teoria dos estágios de desenvolvimento psicossexual infantil, temos mais dois
períodos, denominados respectivamente de estágio de latência, que decorrer entre os 5/6 anos e os
12 anos de idade, e o estágio genital, que ocorre após a puberdade e início da adolescência, ou seja,
dos 12 anos em diante. As crianças que sobreviveram às muitas lutas dos estágios anteriores.

entram num período de latência, que dura mais ou menos do quinto ao décimo segundo ano de visa.
Então, ao ver de Freud, o início da adolescência e a proximidade da puberdade assinalam o começo
do estágio genital. O comportamento beterossexual se torna evidente, e a pessoa começa a se
preparar para o casamento e para formar uma família. (Schultz; Schultz, 2006, p.347)

Nessa perspectiva, terminado o período de latência, ou calmaria, como Freud também


denomina essa fase, a vida sexual volta a avançar com a puberdade e chega a uma segunda
florescência (Freud, citado por Schultz; Schultz, 2006).

O desenvolvimento psicossexual infantil vincula-se à função de obter prazer a partir das


zonas erógenas do corpo; porém, mais tarde, com o amadurecimento do sujeito e a passagem para a
vida adulta, essa função passa a estar a serviço da reprodução. Contudo, as funções de reprodução e
prazer deixam completamente de coincidir na vida adulta, na maioria das vezes.

É imprescindível esclarecer, neste ponto, que há, para Freud, uma clara diferença entre os
conceitos de sexual e genital no desenvolvimento psicossexual infantil. Enquanto o primeiro é um
conceito amplo e agrega muitas atividades que não têm qualquer relação com os órgãos genitais, o
segundo está diretamente relacionado às genitálias.

Embora a obra de Freud não se refira à concepção inatista de desenvolvimento sua crença de que
todo comportamento humano é orientado pelo impulso sexual, denominado por ele de libido, o qual
se manifesta desde o nascimento e segue durante todos os estágios da vida do sujeito, leva alguns
autores a acusa-lo de inatista, pois, segundo eles, sua teoria naturaliza o desenvolvimento
psicossexual humano.

É como se naturalmente todos nós vivêssemos experiências muito semelhantes, da mesma forma,
passando pelos mesmos processos de desenvolvimento psicossexual durante a nossa vida, em
qualquer meio socioeconômico ou cultural, ou seja, para Freud, todos os processos psíquicos seriam
iguais ou muito semelhantes em todo e qualquer ser humano, independentemente do contexto
social em que ele vive.

(Nogueira, 2009, p.25)

Apesar das críticas, é preciso ressaltar a notável influência da teoria de Freud, não só na
medicina e na psicologia, mas também na educação. Embora não possa ser considerado um
pedagogo, Freud teve grande influência nessa área, como veremos a seguir.

3.5

A psicanálise e o processo de ensino-aprendizagem

A partir de Freud e da psicanálise, houve um novo olhar sobre o desenvolvimento e a


aprendizagem humanos. Antes, a educação era modeladora, ou seja, o seu objetivo era apenas
treinar e transmitir valores, sem levar em conta o desejo do aluno. Com Freud e a teoria psicanalítica,
essa ideia se inverteu e surgiu uma nova prática educativa, não repressiva e respeitadora do desejo
do aluno. A partir dessa prática, apareceram novas ideias e necessidades educativas, e passou-se a
considerar o “aprender pela satisfação”, e não o “aprender pela coerção”, como parâmetro para um
processo de ensino-aprendizagem, mais prazeroso e, consequen-temente, mais significativo. Ainda
assim, nos dias de hoje há instituições e professores que orientam seus trabalhos pela coerção,
impondo aos alunos uma postura submissa.
O desejo de aprender, ou o “aprender pela satisfação”, refere-se aos aspectos subjetivos do
aluno, que interferem, quer ele saiba ou não, no processo de ensino-aprendizagem e na relação
professor-aluno, assim como nas relações aluno-aluno. O estudante que deseja aprender e que tem
prazer e satisfação na aprendizagem confere ao professor o espaço de ser alguém com quem vale a
pena estar, facilitando, assim, o processo de ensino-aprendizagem.

A psicanálise aplicada à educação, portanto, pode trazer ao educador a possibilidade de lidar


com as diferentes situações que ocorrem no cotidiano da sala de aula, já que “o educador inspirado
por ideias psicanalíticas renuncia a uma atividade excessivamente programada, instituída, controlada
com rigor excessivo. Aprende que pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos
que produz sobre seus alunos” (Kupfer, 2001, p.97).

Nesse sentido, a teoria psicanalítica pode contribuir sobremaneira com a educação. Por
outro lado, é preciso destacar que, pelas lentes da teoria freudiana, não há controle sobre os efeitos
produzidos a partir da transmissão/construção do conhecimento, ou seja, no processo de ensino-
aprendizagem, o professor não domina o processo de aprendizagem do estudante, ele controla
somente o processo de ensino, mas não tem controle sobre o que é aprendido pelos estudantes.
Dessa forma, segundo Voltolini (2011), para compreender a relação da psicanálise com a educação é
importante esclarecer a influência da primeira sobre a segunda.

Quando um professor entra em contato com a psicanálise, ouve falar do sujeito. Continua
sem saber como atingi-lo, como manipulá-lo, como enfiar em sua cabeça o que a sua racionalidade
supõe que ele deveria aprender. Continua sem métodos e o sujeito do qual ouviu falar torna-se mais
misterioso do que nunca. No entanto, esse professor aprende a levá-lo em conta, aprende que visa a
um alvo e acerta em outro, reaprende que visa à consciência de seu aluno, mas atinge o sujeito
(Kupfer, 2001, p. 121-122).

Nesse sentido, Kupfer (2001) afirma que, quando um educador abre portas à psicanálise, ele
trabalha a serviço do ser humano, e não de um sistema de ensino-aprendizagem; ele abandona
técnicas behavioristas (estilo traço resposta), renuncia preocupação excessiva com métodos de
ensino traço aprendizagem, ao planejamento engessado e os conteúdos programados, fechados e
padronizados.

Dessa forma, processo de construção do trabalho do professor que faz uso dos
conhecimentos psicanalíticos não se fundamentará na simples reprodução do conhecimento. É
importante coordenar operações no sentido da evolução constante do ser humano em seu processo
de maturação e desenvolvimento psíquico, não só em sua vida acadêmica, mas como um todo. Por
isso a relevância da teoria freudiana na construção do conhecimento e de si mesmo.

Finalmente, um último ponto importante da teoria freudiana para as nossas reflexões acerca
da relação entre a psicanálise e educação é o conceito de TRANSFERÊNCIA. Esse foi um dos primeiros
fenômenos observados por Freud, que percebeu que todos seus pacientes desenvolviam para com
ele sentimentos de grande intensidade, afetuoso ou hostil. Ele também constatou que esse processo
de transferência acontece em todos os relacionamentos interpessoais, e não apenas no tratamento
clínico, sendo um universal.

Nas palavras de Freud (1975,p.998),

transferências são reedições dos impulsos e fantasias despertadas e tornadas conscientes durante o
desenvolvimento da análise e que trazem como singularidade característica a substituição de uma
pessoa anterior pela pessoa do médico (ou do professor no caso da sala de aula). Ou, para dizê-lo de
outro modo: toda uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente, agora não mais
como passado, mas, como relação atual com a pessoa do médico.

Nesse sentido, o processo de transferência está relação ao aparecimento de sentimentos, impulsos,


atitudes, fantasias e defesas experienciadas com pessoas que fazem parte da nossa convivência.
Porém, são reflexos de repetições (positivos negativos) de relações passadas, que se originaram em
relações significativos do passado (infância) e que são deslocadas inconscientemente para pessoas
do presente (maridos, esposas, filhos, professores, amigos, colegas de trabalho etc.).

Assim em sala de aula, muitas vezes o aluno revive, na relação com o professor, sentimentos
de amor e ódio (embora inconscientes), os quais possivelmente foram gerados em outra época na
sua história de vida. Por isso, muitas vezes gostar de um professor não se refere apenas à relação
estabelecida com ele, mas ao que esse professor significa no inconsciente do aluno. A voz, o rosto, o
estilo do docente podem remeter o estudante, inconscientemente, a vivência anteriores. Para nós,
professores, isso significa que precisamos ter claro que algumas reações dos alunos em relação a nós
podem estar ligadas ao fenômeno da transferência.

Importante, pois o que o professor esteja atento as manifestações inconscientes que são
transferidas pelos estudante dentro de sala de aula, para lidar de maneira adequada com os alunos
ajudando-os a superar as adversidades e a desenvolver todo seu potencial crítico e criativo.

Freud, ao desenvolver a teoria psicanalítica, influenciou progressivamente a educação e a


mentalidade dos educadores, no que se refere à compreensão da relação professor-aluno, tornando-
se, apesar de não ser educador, um marco na educação do século XXI.

Síntese

Neste capítulo sintetizam as contribuições de Freud para educação, dando ênfase a alguns conceitos
psicanalíticos, tais como foi consciente, pré-consciente, inconsciente, os, ego e superego. Além disso,
apresentamos a fase do desenvolvimento psicossexual desde a infância até a vida adulta, destacando
o conceito de complexo de Édipo. Na linha de pensamento psicanalítico, destacamos a importância
de conceitos-chave para as nossas reflexões sobre a relação entre a teoria psicanalítica e o processo
de ensino-aprendizagem, a saber, o desejo de aprender e a situação transferencial entre os alunos e
o professor, fundamentais para nossas reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem.

A partir de Freud e de sua teoria, enfatizamos a grande contribuição e a relevância da teoria


freudiana para educação e para o educador, considerando que no contexto educacional é preciso ele
precisa compreender o desenvolvimento psicossexual dos estudantes, assim como próprio
desenvolvimento psíquico, para se estabelecerem relações saudáveis e propícias a uma
aprendizagem significativa e prazerosa.

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