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A auto-observação

Arquivado em Autoconhecimento | 1.850 views | Tags: auto-observação, autoconhecimento, consciência,


gnose, gnosis

A auto-observação constitui a mais básica e ao


mesmo tempo a mais profunda de todas as práticas para a transformação de nosso nível
de consciência. Sem ela, não teríamos os pré-requisitos para que se desenvolva aquela
conexão entre nossa verdadeira natureza e o Criador.

Assim como possuímos cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar) para
perceber o mundo exterior, possuímos também sentidos que nos permitem estabelecer
contato com o nosso mundo interior, como tratamos no artigo sobre a recorrência. É por
essa razão que conseguimos ouvir nossos pensamentos, ver as imagens mentais que se
formam em nosso espaço psicológico e sentir nossas emoções. Nenhum desses
fenômenos são percebidos com os sentidos externos. A soma de todos os nossos
sentidos internos nos dá a capacidade de percebermos o que ocorre em nosso
mundo interior e chamamos isso de auto-observação.

Algumas pessoas têm mais dificuldade que outras para perceber o que ocorre dentro
delas mesmas. Isso é devido ao estado de completo abandono que relegamos nosso
mundo interior.A auto-observação, portanto, é um sentido que deve desenvolver-se
mediante o exercício contínuo. Em um artigo anterior, exemplificamos através da
analogia de entrar em um quarto escuro, depois de caminhar sob o sol. Logo que a
pessoa entra não enxerga absolutamente nada, porém ao permanecer ali, pouco a pouco
as imagens vão se formando com seus contornos e até com algumas variações de
tonalidade. A mesma coisa ocorre com esse exercício de “olhar para dentro”. Estamos
tão voltados para os nossos sentidos externos que geralmente não percebemos a emoção
que deu início a uma explosão de raiva ou a uma alegria incontida.

Auto-observar-se é desenvolver a capacidade de sentir a si mesmo. Através desta


técnica tão simples, começaremos a enxergar os processos psicológicos que se
desencadeiam diante de cada um dos eventos; conseguiremos notar o momento em
que nosso subconsciente compara e traduz o que está acontecendo sob a ótica de alguma
recordação armazenada e emite uma resposta no sentido de reviver aquele
acontecimento passado; perceberemos o instante exato que antecede uma resposta
impulsiva; conseguiremos assim nos colocarmos em uma situação de avaliar e
selecionar melhor nossas emoções frente aos fatos e assim sofrer menos, por cometer
menos erros.

Aprender a sentir a si mesmo requer uma reeducação psicológica de aprender a viver o


instante sem tantas preocupações com acontecimentos futuros ou com fato que já
ocorreram; viver o momento sem tanta conversa consigo mesmo, sem tantas distrações
que nos tiram do centro de equilíbrio e tranquilidade que precisamos para viver de bem
com a vida. A auto-observação, antes de mais nada, é uma técnica para proporcionar
paz e alegria, trazendo grande bem-estar, porque nos alivia dos pesos desnecessários
que nós mesmos nos impomos.

Estamos acostumados a passar o tempo todo conversando com a mente,


conceituando, julgando, definindo ou simplesmente tagarelando. E isso nos deixa
despreparados para capturarmos a essência do momento que vivemos. Por isso, para se
auto-observar, a pessoa deve deixar de lado os conceitos mentais e sentir a si mesma,
sem nenhuma preocupação se está fazendo certo ou errado o exercício; sem
preocupação de ter que atingir algum nível ou perceber alguma coisa específica. Apenas
sentir-se, notar-se e ir aprofundando essa percepção para o seu mundo interior
gradativamente, sem nenhuma pretensão específica, nem qualquer lugar para chegar.
Mantendo a sintonia com esse estado, o que tiver que vir, virá.

De início, é extremamente útil fixar um ponto de atenção em si mesmo, que pode


ser a respiração ou os batimentos cardíacos. Ambos nos conectam com forças
celestiais poderosíssimas, que ativam nossa conexão com o sagrado (veremos mais
adiante esses aspectos, quando entrarmos nos estudos ligados à medicina tradicional
chinesa). A partir daí, desprender-se das preocupações que nos tiram a atenção do
instante, esvaziar-se, para que novas percepções de si mesmo (e por consequência, do
que está ao redor) possam surgir. Cada vez que nos distrairmos e perdemos esse foco,
voltamos a relaxar e entrar em sintonia com o coração ou com a respiração, para estar
presente no instante, vivendo de verdade.

Muitas pessoas se perguntam se vão precisar fazer isso o resto da vida – e realmente,
analisando desse ângulo, torna-se algo terrivel, quase que uma prisão perpétua – então a
resposta é que não precisamos fazer isso o resto da vida, pois esse conceito é uma ilusão
da mente. Apenas precisamos fazer isso agora e sustentar esse estado da forma mais
relaxada e alegre possível.

Sabemos se estamos nos auto-observando se


conseguimos sentir a nós mesmos sem a rotulação contínua do intelecto. Tentar
observar a si mesmo com o intelecto é um erro muito comum. Quando fazemos isso,
ficamos tentando controlar o que fazemos com a mente, como se fosse um robô
executando comandos, algo como “agora faça isso, agora faça aquilo”. Auto-observação
não é assim.

Uma característica importante desse estado é que nós conseguimos perceber o fluxo de
impressões que entram e as reações que surgem dentro de nós, tudo isso visto como se
estivéssemos entre esses dois mundos (exterior e interior) porém como um observador
imparcial, que seleciona as emoções que quer expressar, sem apegar-se àquelas que lhe
são prejudiciais. E nisso está a essência de outra prática que estudaremos mais adiante,
que é a meditação (pois na verdade, são a mesma coisa, porém a auto-observação trata
de atingir um estado de harmonia consigo mesmo no dia-a-dia). Como ensina Chuang
Tzu: “O homem perfeito usa sua mente como um espelho, ele nada aprisiona e nada
recusa, recebe mas não conserva.” Não aprisionar nada nem recusar nada significa
não fazer oposição moral às coisas negativas que surgem dentro de nós. O Cristo
ensinava que não devemos resistir ao mal. E por quê? Pois quando fazemos resistência,
ele cresce, porque encontra algo a dominar. Apenas deixando que não se enraizem em
nós, as emoções negativas, desagradáveis perdem força e se esvaem.

Através da auto-observação, vamos desenvolver a capacidade de perceber esses “eus


psicológicos” tentando se expressar e poderemos então optar por manter um estado de
alegria e paz interior, livrando-se deles. Isso não significa que não teremos emoções,
mas sim que aprenderemos a selecionar as emoções. E através da auto-observação
aprenderemos a notar as expressões mais espontâneas de nossa própria consciência,
conseguindo produzi-las à vontade, a qualquer momento.

Também é importante dizer que não existe um “padrão de comportamento aceitável”,


comum às pessoas que estão se auto-observando. No ocidente, quando vemos as
imagens dos santos, sempre os vemos em estado de franco sofrimento ou, na melhor das
hipóteses, de indiferença. É como se, para ser uma pessoa conectada com a divindade,
tivéssemos que nos tornar pessoas introspectivas ou até penitentes. No oriente, ao
contrário, as imagens dos sábios inspiram alegria e confiança na vida. Então não é
preciso tornar-se de um jeito ou de outro para se auto-observar, nem precisamos nos
isolarmos dos acontecimentos do mundo, pois é justamente neles que encontraremos o
material para nosso crescimento espiritual.

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