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Resumo
A autora apresenta algumas preocupações frente ao impacto
que as novas plataformas de comunicação produzem dentro
das relações analíticas. Questões como responder e-mails,
torpedos ou WhatsApp, ou ainda se o analista deve ter ou
não Facebook, são examinadas. Sem oferecer uma posição
conclusiva a respeito dessas questões, a autora propõe que os
analistas não podem “perder o trem da história”. É preciso
que aprendam a usar essas ferramentas, pois recusar-se a
isso pode ser menos neutro do que usá-las. Também são
abordadas preocupações a respeito da perda do anonimato
na web.
Palavras-chave
anonimato; internet; WhatsApp; Facebook; web; rede;
psicanálise virtual.
166 Revista Brasileira de Psicanálise
volume 49, n.1
2015
Esperar – uma qualidade importante, nem o nosso próprio! Esse não é o mesmo
que Freud entendia como uma conquista indivíduo que buscou análise na época
do desenvolvimento emocional – hoje em do surgimento da psicanálise. Tanto nós
dia caiu em desuso. É démodé! Nem mais quanto nossos pacientes estamos imersos
é preciso esperar os tradicionais nove meses nessa nova sociedade tecnológica.
para saber de que sexo é a criança. E a Tomemos um exemplo bastante banal.
ultrassonografia em 3D permite uma inva- Aqueles de nós que têm computador ou
são de privacidade total no espaço sagrado smartphone nos consultórios e os consul-
do útero gravídico. Antes mesmo de nas- tam entre uma sessão e outra não pode-
cer, o feto já posa para fotos e filmagens!!! riam estar prejudicando a relação analítica
E pode também aparecer nas páginas web e perturbando o desenvolvimento do pro-
de Instagram, Twitter ou Facebook. O feto cesso naquele setting, quando informa-
antes de nascer pode inclusive ter um blog ções oriundas de fora invadem nossas
seu (Luz, 2010)!!! mentes tão facilmente e a nosso convite?
A relação com o tempo mudou. A velo- Nós também desejamos estar na privaci-
cidade astronômica com que a informa- dade dos nossos consultórios e, ao mesmo
ção atravessa o planeta é quase chocante tempo, desejamos resolver problemas pes-
para quem tem mais de 40 anos. A rela- soais, familiares, domésticos e institucio-
ção com a geografia também se alterou. nais, ou simplesmente saber as notícias do
As distâncias não são mais “tão distantes”. momento em tempo real.
Atualmente, nossos filhos transitam por Examinando sob este ângulo, fica evi-
todas as latitudes do planeta Terra com dente que o setting analítico também se
uma naturalidade que nos é estranha. Os modificou. Pacientes podem ter acesso ao
jovens circulam entre um continente e que escrevemos, fazemos ou deixamos de
outro como nós fazíamos dentro do nosso fazer através de uma rápida pesquisa na
país ou como Freud fazia quando transi- web. Como ficam os aspectos da neutra-
tava entre Viena e Berlim ou Roma. Nossos lidade e do anonimato frente a isso? Pode
filhos, quando moram fora, falam conosco ou deve um analista ter Facebook ou Ins-
todos os dias através do Skype, FaceTime, tagram, por exemplo? Que grau de pri-
Facebook, Imo, dentre outros. Sentir sau- vacidade pode ser garantido a qualquer
dades ou sentir falta de algo ou alguém é informação postada na rede? Sabemos
fora de moda hoje em dia. Somos semideu- que, apesar de todas as precauções, não
ses: sabemos antes, sabemos mais, sabemos há garantias de sigilo e privacidade quando
rápido. Mas, se perdermos nosso telefone uma informação cai na rede. São questões
celular, não seremos capazes de lembrar pertinentes e muito atuais. Gabbard (2012)
quase nenhum número telefônico, talvez considera a perda do anonimato como
uma das mais significativas e ansiogênicas
mudanças que a hipermodernidade trouxe
para nós, analistas.
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volume 49, n.1
2015
Apesar dos benefícios inquestionáveis humanos, mas estão a caminho de. As fron-
que essa nova tecnologia cibernética nos teiras entre nós e nossas smart máquinas
proporciona, é fundamental que nos lem- estão se dissolvendo. Por isso mesmo, os
bremos de que a psicanálise smartphones, tablets, e-mails e WhatsApp
fazem parte dos consultórios cada vez mais.
busca a verdade sobre o indivíduo. Trata da Kowacs (2014) comenta que cada
retirada das nossas máscaras. Numa era de vez mais o humano perde na fantasia as
comunicação instantânea e de perda da con- características humanas e passa a crer que
templação e reflexão, a psicanálise desempe- é possível ultrapassar os limites do corpo
nha um papel muito importante – oferece original. Assim o “indivíduo transforma-se
a possibilidade de uma sensação mais pro- num ser virtual, sem vísceras, secreções ou
funda de autenticidade baseada no conhe- odores, que com um click faz desaparecer o
cimento dos conflitos inconscientes e num que frustra ou surgir o que gratifica: o leite
diálogo íntimo com uma pessoa treinada virtual jorra no instante em que é desejado”
para compreender como a mente funciona. (p. 634). São fantasias com apelo sedutor
(Gabbard, 2012, on-line) muito poderoso. Por outro lado, os smar-
tphones são cada vez mais tratados como
Portanto, podemos no momento con- humanos: têm capinhas protetoras com
cluir que ainda não estamos adequa- olhos e orelhinhas, são smart e podem
damente preparados para essa nova era pegar vírus ou bugs.
da cultura, a era da realidade ciberné- Para finalizar, gostaria de salientar que,
tica, virtual, ou era do on-line. Sabemos mesmo que ainda não tenhamos compre-
que são tecnologias cujas plataformas de ensões melhores e mais profundas sobre
comunicação apresentam-se repletas de os processos virtuais que invadem nossos
possibilidades que nos seduzem a cada consultórios a cada dia, ainda assim não
novo aplicativo lançado no mercado. Mas podemos nos furtar de aprender a usá-
também sabemos os perigos que essas for- -los, pois é um progresso tecnológico sem
mas tão tecnológicas representam, pois há retorno. A atenção e o exame dos sentimen-
uma evidente perda de contato humano tos contratransferenciais sempre foi uma
profundo, íntimo e verdadeiro. O prejuízo ferramenta útil para cada analista em seu
para as relações humanas me parece bem dia a dia no consultório. Isto é específico
significativo. Há um número bem maior de para cada dupla analista-paciente. A utili-
“amigos”, mas muito menos amizades são zação dessas novas formas de comunicação
construídas. O título de um livro de Sherry poderá ser compreendida da mesma forma:
Turkle (2011), Alone together: why we expect uso específico, com significados específicos
more from technology and less from each para cada nova dupla analítica. Quem sabe
other, caracteriza com clareza essa questão. nossas análises também possam ser mais
Estamos sempre conectados, mas somos efetivas se lograrem unir afetos e smart
solitários. Máquinas ainda não substituem conexões. O tempo dirá.
Oi. Q horas mesmo ficou nossa sessão? TKS. 175
Anette Blaya Luz
Hola. ¿A qué hora habíamos marcado nuestra Hi. What time will really be our appointment?
sesión? TKS. TKS.
La autora presenta algunas preocupaciones Abstract: The author expresses her concerns about
relacionadas al impacto que las nuevas formas the impact of new communication platforms on
de comunicación pueden tener en las relaciones analytic relationships. Issues such as answering
psicoanalíticas. Temas como correos, torpedos e-mails, text messages or WhatsApp, and even
o WhatsApp, así como si debe o no el analista if the analyst should have a Facebook account or
utilizar el Facebook, son examinados. Sin tener not, are debated. Without providing a conclusive
una posición definitiva en esas cuestiones la autora position, the author proposes that analysts can’t
defiende la opinión de que el analista que se omite be “behind the times”. They must learn how to
puede “perder el tren de la historia”. El analista use these tools, because refusing to do so would
necesita aprender a utilizar esas nuevas formas de be less neutral than using the tools. She also
comunicación pues rechazarlas puede ser menos poses concerns about the loss of anonymity due to
neutro que usarlas. La preocupación con la pérdida searching the web.
del anonimato en la web es también examinada. Keywords: anonymity; internet; WhatsApp; Facebook;
Palabras clave: anonimato; internet; WhatsApp; web; virtual psychoanalysis.
Facebook; web; red; psicoanálisis virtual.
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