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5111
NORMAND BAILLARGEON
PENSAMENTO
CRÍTICO
Tradução
Patrícia Sã
Telefone: (21) 3970-9300 FAX: E-mail: info@elsevier.com.br Escritório São
Paulo:
Rua Quintana, 753/8e andar 04569-011 Brooklin São Paulo : Tel.: (11) 5105-
8555
2507-1991
465.A
:6O?8é
Do original: Petit Cours D’Autodéfense Intellectuelle
Tradução autorizada do idioma francês da edição publicada por Lux Éditeur
Copyright © 2005, Lux Éditeur
Projeto Gráfico
Elsevier Editora Ltda.
A Qualidade da Informação.
Rua Sete de Setembro, 111 - 16s andar
20050-006 Rio de Janeiro RJ Brasil
ISBN 978-85-352-2416-0
Edição original: ISBN 2-89596-006-2
1.A linguagem
Introdução
1.1 Palavras do mal 13
1.2 A arte do ardil mental e da manipulação:
alguns paralogismos costumeiros
2.Matemática: contar para não se deixar enganar
Introdução
2.2Algumas manifestações corriqueiras de inumerismo
e seu tratamento
2.2Probabilidades e estatística
PARTE II: A JUSTIFICATIVA DAS CRENÇAS
Introdução
3.A experiência pessoal
Introdução
3.3Perceber
3.2Lembrar
3.3Julgar
4. A ciência empírica e experimental
Introdução
4.1 A ciência e a experimentação
4.2 Ciência e epistemologia
4.3 Algumas dicas para uma leitura crítica
dos resultados de pesquisa
4.4 O modelo ENQUETE
5. As mídias
Introdução
5.1 Outra idéia de democracia
5.2 O modelo propagandista das mídias
5.3 Trinta e uma estratégias para manter uma atitude crítica
em relação aos meios de comunicação de massa
Conclusão 233
Bibliografia 235
Notas
Introdução
Duvidar de tudo ou crer em tudo são duas soluções igualmente cômodas que, tanto
uma quanto outra, nos isentam de refletir.
POINCARÉ
FRANCISCO DE GoYA
A primeira coisa que se deve fazer é preocupar-se com seu cérebro. A segunda é
abstrair-se de todo esse sistema [de doutrinamento]. Existe um momento em que isso
se torna um reflexo de ler a primeira página do L. A. Times em busca dos enganos e
das distorções, um reflexo de recolocar tudo aquilo em uma espécie de quadro
racional. Para chegar a esse ponto, épreciso ainda reconhecer que o Estado, as
corporações, as mídias e assim por diante o consideram um inimigo: então, você deve
aprender ase defender. Se tivéssemos um verdadeiro sistema de educação, daríamos
cursos de autodefesa intelectual.
Noam Chomsky
Este livro nasceu da convergência de duas preocupações. Embora elas não me
pertençam, nem por isso possuem menos vigor. No caso da impossibilidade de
justificar cada uma delas, o que exigiría uma obra completa, o que, de forma alguma,
se faz necessário aqui, permita-me ao menos enunciá-las.
A primeira dessas preocupações podería ser qualificada de epistemológica e
encerra duas séries de inquietações.
A princípio, inquieto-me com a supremacia de todas essas crenças que circulam
em nossas sociedades sob diversos nomes, como paranormal, esoterismo ou Nova Era,
e que compreendem crenças e práticas tão diversas como telecinesia, transmissão do
pensamento, vidas passadas, abdução, poder dos cristais, curas milagrosas, programas
e aparelhos de exercícios com efeitos imediatos obtidos sem esforço, comunicação
com os mortos, diversos métodos de misticismo oriental aplicados, quiroprática,
homeopatia, astrologia, todas as espécies de medicinas ditas alternativas, Feng Shui,
tábuas Oui Ja, possibilidade de entortar talheres apenas com o pensamento, consulta a
videntes por policiais, cartomancia, entre outros.1
Sinto-me também inquieto—talvez devesse dizer consternado—com o que me
parece ser uma situação realmente deplorável de reflexão, do saber e da racionalidade
nas grandes abordagens da vida acadêmica e intelectual. Da forma mais moderada
possível, eu afirmaria: certas coisas que se fazem e se dizem em determinados setores
da universidade atual, em que florescem literalmente a falta de cultura e o
charlatanismo, me estarrecem. Não sou o único a pensar dessa forma.
Minha segunda preocupação é política e diz respeito ao acesso dos cidadãos das
democracias a uma compreensão do mundo no qual vivemos, a informações ricas,
sérias e pluralistas que lhes permitam compreender este mundo e agir sobre ele. Digo-
lhes com toda franqueza: fico apreensivo, como muitas outras pessoas, com o
posicionamento de nossas mídias, de sua concentração, convergência e do desvio
mercantilista, do papel propagandista que desempenham na dinâmica social quando
cada um de nós é literalmente bombardeado de informações e de discursos que buscam
obter nossa aquiescência, ou nos fazer agir desta ou daquela maneira.
Em uma democracia participativa, como sabemos, a educação é a outra grande
instituição, além das mídias, incumbida, de modo privilegiado, de contribuir para a
realização de uma vida cidadã digna desse nome. Mas ela também é corrompida.
Encontramos nesses desenvolvimentos recentes razões graves para nos perturbar: por
exemplo, parece que há uma renúncia, sem maior preocupação concreta, em perseguir
o ideal de dar a todos uma formação liberal. Isso me indigna porque, em particular
hoje, essa formação é mais que nunca necessária ao futuro cidadão. Os desvios
clientelísticos e o reducionismo econômico que descobrimos atualmente em muitas
pessoas, em especial entre os tomadores de decisão no âmbito da educação, constituem
então, a meus olhos, outra razão grave para não estar seguro quanto ao futuro da
democracia participativa.
Mas se é verdade, como penso, que, a cada um dos avanços do irracionalismo, da
baboseira, da propaganda e da manipulação, podemos sempre opor um pensamento
crítico e um recuo reflexivo, nesse caso é possível, sem nos iludirmos, encontrar certo
conforto na difusão do pensamento crítico. Exercer sua autodefesa intelectual, nessa
perspectiva, é um ato de cidadania. Foi isso que me motivou a escrever este pequeno
livro, que propõe justamente uma introdução ao pensamento crítico.
Os pressupostos que encontraremos nas páginas que se seguem não se pretendem
inovadores nem originais. O que exponho aqui é bastante conhecido, pelo menos entre
as pessoas que acompanham de perto a literatura científica ou os escritos concernentes
ao pensamento crítico e cético. Contudo, sinto-me forçado a fazer uma síntese
acessível ao apresentar, da forma mais simples e clara possível, esses conceitos e
habilidades cujo domínio me parece ser um talento necessário a todo cidadão.
Eis então o que veremos neste livro.
Na Parte I, no Capítulo 1, examinaremos a linguagem e estudaremos
determinadas propriedades das palavras, antes de relembrar certas noções úteis de
lógica e de observar os principais paralogismos. O Capítulo 2 propõe um sobrevoo
pelas matemáticas cidadãs, e aborda as formas correntes dos inumerismos* das
probabilidades, da estatística e das formas de representação dos dados.
A Parte II trata dessa questão em três domínios específicos: a experiência pessoal
(Capítulo 3), a ciência (Capítulo 4) e, por fim, as mídias (Capítulo 5). Em outras
palavras, procuraremos precisar em que casos, em que condições e em que medida
estamos autorizados a aceitar como verdadeiras as proposições justificadas por nossa
experiência pessoal, por meio do recurso à experimentação e às mídias.
Se, para você, o estudo do pensamento crítico é algo novo, estou consciente de
que essa descrição não é, provavelmente, muito esclarecedora e se mostra pouco
precisa em relação ao que queremos dizer por pensamento crítico ou autodefesa
intelectual. Assim, o restante do livro mostra isso com exatidão. Nesse ínterim e para
concluir esta introdução, gostaria de propor-lhe um pequeno jogo capaz de satisfazer
um pouco sua curiosidade e talvez mesmo atiçá-la.
Nota da Tradutora: O autor utiliza a palavra innumérisme, um neologismo, em francês, como correlato à palavra illettrisme —
analfabetismo, em português.
No quadro a seguir, você encontrará uma passagem extraída da última obra do
saudoso Carl Sagan (1934-1996).2
Astrônomo conceituado, divulgador científico exemplar, Sagan trabalhou
bastante, também, para propagar o pensamento crítico e encorajar sua prática. O texto
que cito é adaptado de uma passagem de sua última opus, em que propõe, justamente,
um conjunto de preceitos do pensamento crítico, que constitui o chamado baloney
detection kit - sugiro traduzir a expressão por “kit de detecção de tolices”!
Leia atentamente o texto.
Desconfio de que algumas de suas observações parecerão um pouco obscuras.
Mas estou convencido de que, quando você concluir a leitura da presente obra,
compreenderá perfeitamente não apenas o que Sagan queria dizer, como também—e
sobretudo - por que é tão importante praticar o que esses preceitos recomendam.
Se esse for o caso, nem você nem eu teremos perdido nosso tempo.
Quatro.
-E se chamássemos seu rabo de “pata”, quantas patas teria?
*= Cinco patas.
Ele comprou apenas língua: entrada, prato, sobremesa, tudo língua. E que há de
melhor que a língua? Esopo responde: há o laço da vida civil, a chave das ciências, o
órgão da verdade e da razão. Bem, disse Xanthus, compre-me amanhã o que há de
pior. Na manhã seguinte, Esopo serviu a mesma comida, dizendo que a língua era o
que havia de pior no mundo: “É a mãe de todos os debates... a fonte das cisões e das
guerras... ”
BOILEAU, Artpoétique, I
Esta seção o convida a ficar atento ao lugar das palavras, uma atenção que
deveria de fato se igualar àquela que lhes é dada, com razão, por aqueles que delas
sabem se servir com eficácia para convencer, enganar e doutrinar.
Começaremos apresentando uma distinção importante entre os verbos denotar e
conotar.
1.1.1 Denota r/conotar
Nossa concepção espontânea da linguagem é muitas vezes ingênua. Ela repousa na
idéia de que as palavras distinguem os objetos do mundo, objetos que poderiamos
apontar com o dedo. Um minuto de reflexão mostrará que isso está longe de ser tão
simples assim. Muitas palavras não têm tais referentes: são abstratas, imprecisas,
vagas, mudam de significado de acordo com o contexto; outras ainda reificam,
transmitem emoções etc.
Convém distinguir entre denotação das palavras (os objetos, as pessoas, os fatos
ou as propriedades às quais se referem) e suas conotações, ou seja, as reações
emocionais que suscitam. Duas palavras podem assim denotar a mesma coisa, mas ter
conotações bastante diferentes: positivas em um caso, negativas em outro. E crucial
saber porque, desse modo, pela escolha das palavras, podemos, segundo o caso,
glorificar, denegrir ou neutralizar o que falamos. Portanto, não é a mesma coisa falar
em automóvel, bólido ou um calhambeque; cada um desses termos denota um veículo
motorizado destinado ao transporte individual, mas cada um também traz consigo
conotações e suscita reações emocionais bem diferentes. É útil, então, estar atento às
palavras usadas para descrever o mundo - em particular em todos os setores polêmicos
da vida social. Pense, por exemplo, no vocabulário empregado para falar do aborto. Os
protagonistas do debate se dizem, eles próprios, pró-vida e pró-liberdade de escolha.
Não é por acaso: quem gostaria de ser antivida e antiliberdade de escolha? O feto de os
militantes falarem à vontade, segundo o caso, em feto ou bebê, também não se deve ao
acaso. Imagine, da mesma forma, os empregados do Wal-Mart serem chamados de
associados. Ou considere esta piada da comediante americana Roseanne Barr: “Encon‐
trei um meio infalível para que as crianças comam de forma saudável: a “mistura
saúde”. Uma colher de M&M e duas colheres de Smarties* As crianças amam
perdidamente. E bom para elas: Eh! E a mistura saúde!”
Veja ainda o que chamamos de eufemismos, que são justamente as palavras que
servem para mascarar ou minorar uma idéia desagradável ao fazer referência a ela
utilizando palavras com conotação menos negativa. Elas ilustram bem o uso dessa
propriedade da linguagem por meio da qual podemos induzir ao erro os ouvintes.
Considere o seguinte caso, relatado e estudado por Sheldon Rampton e John
Stauber,3 que mostra como grupos de interesse podem utilizar a linguagem. Em 1992,
o International Food Information Council (IFIC) dos Estados Unidos preocupava-se
com a percepção que o público tinha das biotecnologias alimentares. Um vasto
programa de pesquisa seria então implementado para determinar como falar sobre
essas tecnologias. As recomendações do grupo de trabalho diziam respeito, sobretudo,
ao vocabulário que convinha empregar. As palavras seriam mantidas por seu valor
positivo com a advertência de se ate- rem firmemente a elas. Por exemplo: beleza,
abundância, crianças, escolha, diversidade, terra, orgânico, herança, miscigenação,
fazendeiro, flores, frutas, gerações futuras, trabalhar muito, melhorar, pureza, solo,
tradição e inteiro. Outras, ao contrário, seriam totalmente proscritas, em especial
biotecnologia, DNA, economia, experimentação, indústria, laboratório, máquinas,
manipular, dinheiro, pesticidas, lucro, radiação, seguro e pesquisador.
Nota da Editora'. Bolinhas de chocolate confeitadas e coloridas fabricadas pela Nestlé.
As manifestações contra a Conferência de Cúpula de
Québec na primavera de 2001, vistas por Mario Roy
(Editorial, La Presse, 14 de abril de 2001, p. Al 8)
Bombardeio
Retirada estratégica Retirada (de nossa parte)
Terminar Matar
Receita especial (ou Napalm explosivos desconhecidos)
Versão revisada
Tradutor ou tradutora
Exigências
A pessoa ideal será titular de um diploma em tradução e possuirá experiência pertinente em
tradução e revisão, domínio de inglês e francês, boas atitudes interpessoais, capacidade de trabalhar sob
pressão e vontade de trabalhar em equipe. A pessoa escolhida deverá traduzir um mínimo de oitocentas
palavras por dia e revisar o trabalho de um(a) colega.
Exemplo 2
A demanda por trabalhadores qualificados aumenta a cada dia. Profissionais como eletricistas,
mecânicos de automóvel, montadores de linhas elétricas, gráficas, ferreiros, mecânicos montadores e
gesseiros ganham bons salários. Eles exercem um trabalho motivador e satisfatório. Têm a possibilidade de
conseguir um cargo de direção ou fundar a própria empresa.
Versão revisada
A demanda por trabalhadores e trabalhadoras qualificados aumenta a cada dia. Os profissionais em
eletricidade, mecânica automotiva, montagem de linhas elétricas, gráficas, serralheria, mecânica de
montagem e gessagem ganham bons salários. Além de exercer uma profissão motiva- dora e satisfatória,
têm a possibilidade de obter um cargo de direção ou fundar a própria empresa.
Exemplo 3
O(a) estudante ideal foi definido(a) pelos próprios jovens. Segundo eles, o/a jovem ideal é criativo(a),
trabalhador(a), interessado(a) em aprender, ativo(a) e comprometido(a) com a escola e sua comunidade.
O(a) estudante mostra-se independente, ele/ela é organizado(a) e possui espírito aberto. O/a jovem é
confiante, ele/ela é respeitoso e ele/ela possui espírito crítico. Por outro lado, é motivado(a), atento(a),
responsável e entusiasmado(a). Ele/ela é bilíngüe e atém-se a seus objetivos no longo prazo. ReflexivoA),
comunica-se com as pessoas a seu redor e tem uma atitude positiva diante da vida.
Versão revisada
Os jovens definiram a aluna ou o aluno ideal. Em sua opinião, esse jovem ou essa jovem possui
criatividade, adora trabalhar e aprender, e desempenha um papel ativo na escola e na comunidade. O aluno
ou a aluna dá provas de independência, possui senso de organização e espírito aberto. O respeito, a
confiança em si e o espírito crítico fazem parte de suas qualidades pessoais. Ele ou ela dá provas de
motivação, atenção e entusiasmo, e assume com facilidade responsabilidades. E bilíngüe, atém-se a seus
objetivos no longo prazo, dá provas de prudência, comunica-se com as pessoas ao seu redor, e manifesta
uma atitude positiva com relação à vida.
Observemos, para concluir, que certos autores (e determinadas autoras)
argumentam que, às vezes, esses modos de expressão encerram excessos de retidão
política que os tomam desacreditados, por serem irritantes, perniciosos e até mesmo
funestos. Diane Ravitch,6 por exemplo, denuncia o que ela chama de “polícia da
linguagem” sobre os campi norte-americanos e vê um grande perigo para a liberdade
de expressão e para a livre exploração de todos os assuntos e questões.
Temos, a título de exemplo, dois casos relatados pela autora.
Um texto relata a história (verdadeira) de um homem cego que conseguiu escalar
o cume de uma montanha. Esse relato foi declarado ofensivo porque uma história de
montanha é discriminatória em relação às pessoas que habitam cidades e regiões planas
e porque sugere que ser cego constitui uma desvantagem.
Por outro lado, um artigo afirmando que existem ricos e pobres no Egito foi
declarado ofensivo aos pobres de hoje.
1.1.4 A arte da ambiguidade: equívoco e anfibologia
Muitas palavras, em todas as línguas, são polissêmicas, ou seja, possuem muitos
sentidos. O fato de usar uma palavra em um sentido e depois mudá- lo de forma sutil é
justamente o que gera o equívoco que abordaremos aqui.
Na verdade, essa propriedade pode servir para produzir efeitos humorísticos.
Por exemplo:
Deus seja louvado1 - se ele estiver à venda, compre, é uma mercadoria em alta!
(Guy Bedos)
Ou ainda:
Quando alguém lhe diz: eu me mato2 de tanto lhe dizer, deixe-o morrer!
(Jacques Prévert)
Em ambos os casos, jogamos com o caráter ambíguo da palavra: “louer”, que
significa cantar os louvores, mas também alugar; e “tuer”, que quer dizer matar
alguém, assim como se cansar de alguma coisa.
Mas o equívoco nem sempre é tão fácil de detectar. Por isso, pode servir mais
para confundir que para fazer rir.
Por exemplo:
Vocês aceitam sem dificuldade os milagres da ciência: por que se tomam de
repente tão críticos quando se trata daqueles da Bíblia?
Veremos, ao refletirmos um pouco, que a palavra milagre está empregada, de
forma clara, em dois sentidos diferentes. Por não percebê-los, teremos a impressão de
que o argumento merece resposta.
Daremos um último exemplo. Certos pedagogos põem no centro de sua reflexão
o conceito de interesse. Mas essa palavra é exatamente uma palavra que produz
equívocos que podem ser compreendidos no mínimo de duas maneiras bem distintas:
pode de fato significar o que tem interesse para a criança, por um lado, ou aquilo que
lhe interessa, por outro. E possível que o que interessa à criança não seja interessante
para ela e aquilo que for de seu interesse não lhe interesse. Não precisar o que
entendemos por uma pedagogia fundada no interesse pode, portanto, dar lugar a
inúmeros equívocos, nem sempre fáceis de descobrir. E assim que florescem todos os
slogans vazios da pedagogia...
A figura de retórica que permite produzir enunciados com múltiplas inter‐
pretações chama-se anfibologia. Por vezes, tais enunciados são bastante divertidos e
proferidos sem o conhecimento de seus autores. Os anúncios classificados constituem
uma fonte inesgotável, visto que as pessoas se esforçam para se exprimir com um
mínimo de palavras.
Dá-se cachorro. Come tudo e adora crianças.
Alugo soberbo veleiro de 20m novo com marinheiro confortável e bem equipado.
Armário para senhoras com pés curvos.
A profecia do Oráculo era, portanto, ambígua e estava correta, pois qualquer que
fosse o derrotado destruiría um grande reino.
1.1.5 Acentuação
Essa estratégia retórica repousa no fato de ser possível alterar o sentido de uma
afirmação mudando apenas a entonação com que pronunciamos determinadas palavras.
Tomemos por exemplo a seguinte máxima: “Não devemos falar mal de nossos
amigos.” O significado é claro e sua interpretação não provoca, em geral, qualquer
problema. Mas podemos dizê-la dando o significado de se poder falar mal dos que não
são nossos amigos — ressaltando apenas a última palavra: “Não devemos falar mal de
nossos amigos”
Podemos ainda expressá-la dando a entender que podemos falar mal dos amigos
dos outros: “Não devemos falar mal de nossos amigos.”
Em determinado contexto, poderemos dizê-la insinuando que, se não podemos
falar mal de nossos amigos, podemos enquanto isso fazê-lo dissimuladamente: “Não
devemos falar mal de nossos amigos.”
Por escrito, existe um equivalente dessa estratégia oral, que consiste em destacar
partes de uma mensagem. A publicidade recorre a isso com freqüência, como, por
exemplo, ao anunciar em letras maiúsculas: COMPUTADOR POR $300 e, em
caracteres minúsculos, que o monitor não está incluído no preço.
Uma estratégia parecida mas distinta baseia-se em não reter senão certas
passagens de um texto, dando dessa forma a impressão de que algo é afirmado quando
o texto original dizia o contrário, pelo menos algo bem diferente. Proponho chamar
esse procedimento de educação.8
Para dar um exemplo fictício, veremos o que dizia a resenha de uma peça de
teatro de Marvin Miller.
A nova peça de Marvin Miller é um fracasso monumental! Apresentada pelos produtores como uma
aventura repleta de surpresas e suspenses, narrando as peripécias de uma expedição ao Ártico, o único
mistério, para o autor dessas Unhas, era saber se conseguiría ficar até o fim do primeiro ato deste
lamentável espetáculo. Para dizer a verdade, o único interesse que a peça apresenta é o acompanhamento
musical, soberbo e fascinante, assinado por Pierre Tournier.
O que podemos manter para fazer publicidade do espetáculo:
[...] monumental! [...] uma aventura repleta de destaques e suspense [...] soberbo e sedutor.
Contudo, um diálogo [entre cientistas e astrólogos] não poderá estabelecer-se senão em torno de um
pensamento complexo, o que rege o Novo Espírito Científico, mas também o paradigma astrológico - imagine
A. Breton falando do jogo multidialético de que a astrologia necessita. Essa abertura, essa flexibilização do
espírito, temos praticado de nossa parte amplamente no plano empírico até a monomania - ou até a
metanóia (Pareto).10
Constitui um caso exemplar de jargão, que condensa em algumas linhas tudo que
podemos imaginar de pior no assunto: palavras e conceitos pseudocientíficos utilizados
sem razão, referências artificiais a conceitos, teorias e autores de prestígio.
Tais jargões preenchem com certeza diversas funções. Alguns vêem nisso uma
cortina de fumaça destinada a dar prestígio a quem os utiliza. Noam Chomsky
considera-os, pelo menos em parte, uma maneira de os intelectuais esconderem o vazio
daquilo que fazem:
Os intelectuais têm um problema: devem justificar sua existência. Mas poucas coisas que se referem
ao mundo são compreendidas. A maioria, com exceção talvez de determinados setores da física, pode ser
expressa com a ajuda de palavras muito simples e frases bem curtas. Contudo, se fizer isso, não se tomará
célebre, não terá emprego, as pessoas não reverenciarão seus escritos. Existe um desafio para os
intelectuais. Deverão preferir o que é simples e fazê- lo passar por muito complicado e muito profundo. Os
grupos de intelectuais interagem desse modo. Falam entre si, e supõe-se que o resto do mundo os admire,
trate-os com respeito etc. Mas traduza em linguagem simples o que dizem e encontrará, com bastante
freqüência ou nada, ou truísmos, ou absurdos.11
Nem sempre é fácil aprender a traçar a Unha de separação evocada acima e,
portanto, reconhecer o jargão. Trata-se, na verdade, de um trabalho demorado, que
demanda muito saber, rigor e modéstia diante da própria ignorância, assim como
generosidade em relação a novas idéias novas.
Para concluir o assunto, gostaria de lembrar os resultados de um divertido
estudo,12 único no gênero, que, sem permitir tirar conclusões significativas, pretendeu
evidenciar o recurso ao jargão no contexto acadêmico. Cito-o, porém, porque consiste
em uma das raras pesquisas a se debruçar sobre esse objeto de estudo.
No início dos anos 70, o Dr. Fox pronunciou, em três ocasiões, uma conferência
intitulada “A teoria matemática dos jogos e sua aplicação na formação dos médicos”.
Ele falou para um total de 5 5 pessoas, todas com alto nível de escolaridade: assistentes
sociais, educadores, administradores, psicólogos e psiquiatras. Sua exposição durou
uma hora e seguiram-se trinta minutos de discussão. Distribuiu-se, depois disso, para o
auditório, um questionário para saber a opinião dos ouvintes sobre a conferência.
Todos os participantes a consideraram clara e estimulante; ninguém notou que essa
conferência consistia em um emaranhado de bobagens... o que, de fato, era.
Na verdade, o Dr. Fox era um comediante, com ar bastante distinto, e falava de
modo autoritário e convincente. Mas o texto decorado, sobre um assunto que
desconhecia totalmente, estava recheado de palavras vagas, contradições, falsas
referências, remissões científicas a conceitos sem qualquer relação com o tema tratado,
concepções ocas etc. Em resumo: vazio, contraditório e de uma insignificância
pomposa.
Aqueles que fizeram a brincadeira - que lembra muito a de Sokal13 há alguns
anos - formularam a chamada hipótese Fox, segundo a qual um discurso ininteligível,
emitido por uma fonte legítima, será aceito, apesar de tudo, como inteligível. Um
corolário dessa idéia consiste em empregar um vocabulário dando a ilusão de
profundidade e erudição, o que pode contribuir para aumentar de novo a credibilidade
de uma idéia.
O momento é propício, em especial, para relembrar algumas regras simples e
saudáveis que deveríam ser seguidas pelos que desejam se comunicar de maneira
eficaz:
- Certifique-se de que compreende sua mensagem antes de emiti-la;
- Fale a linguagem das pessoas para quem se dirige;
- Simplifique o máximo possível;
- Solicite comentários, críticas e reações.
1.1.8 Definir
- É evidente que não compreende -para isso épreciso que eu o diga. Quero dizer: Eis
um argumento decisivo para você!
- Mas “glória” não quer dizer “argumento decisivo” - retrucou Alice.
- Quando utilizo uma palavra, disse Humpty Dumpty com desprezo, ela significa
exatamente o que escolho que signifique - nem mais, nem menos.
-A questão é saber se você pode fazer com que as palavras signifiquem coisas
diferentes -falou Alice.
-A questão é saber quem é o mestre, e nada mais — disse Humpty Dumpty.
Quem quer que tenha estado pelo menos uma vez atrapalhado em uma discussão
emperrada por esse motivo sabe: certos debates são, na verdade, mal-entendidos que
estão na imprecisão do sentido reconhecido de determinada palavra ou perduram
porque cada um dos interlocutores não tem a mesma definição de um ou mais termos
utilizados.
Em casos semelhantes, evidentemente, deve-se produzir uma definição sobre a
qual possamos nos entender. Mas definir não é uma tarefa trivial.
Remeter-se ao dicionário constitui uma das primeiras tentações. Algumas vezes,
isso é legítimo. Entretanto, devemos lembrar que o dicionário fornece essencialmente
as convenções de uma sociedade relativas ao uso das palavras, convenções explicitadas
com a ajuda de sinônimos. E não deixa de ter interesse, com certeza. Se você ignorar,
por exemplo, o que seu interlocutor quer dizer com “quadrúpede”, o dicionário dará
um sinônimo que esclareça suficientemente seu uso para continuar a discussão:
“Vertebrado terrestre, especialmente um mamífero, que anda sobre quatro patas.”
Outro exemplo: se você não sabe o que um autor entende por deadbom, um dicionário
inglês do século XIX dirá que nos Estados Unidos, nessa época, assim era chamado
certo tipo de carruagem com cortina.
Todavia, esse tipo de definição - que chamamos linguística - não é em geral a que
convém. Suponhamos que estejamos discutindo a fim de determinar se essa ou aquela
prática é justa: o recurso ao dicionário, para informar que “justo” significa “conforme a
eqüidade, respeitando as leis da moral ou da religião”, não ajudará muito. Você
desejaria logo saber o que significa equânime, se essa conformidade, além de muitas
outras coisas, é necessária e por quê. Se conversar com alguém que pergunte se as
criações de Christo - que embalou, literalmente, o Reichstag, em Berlim, a Pont Neuf,
em Paris, o Central Park, em Nova York — são ou não arte, mais uma vez a definição
linguística de arte não será de grande valia.
Esses problemas não são apenas teóricos. Ao contrário, são capitais e apresentam
graves conseqüências de todos os tipos. E difícil, por exemplo, definir termos como:
terrorismo, vida, morte, aborto, guerra, genocídio, casamento, pobreza, roubo e droga.
Pense por um instante nas repercussões que decorrem do emprego de uma definição à
outra...
Nesses casos, deve-se produzir o que chamamos definição conceituai. No
Ocidente, podemos sustentar que a filosofia nasceu, pelo menos em parte, da vontade
de resolver problemas concernentes às definições conceituais, à imensa dificuldade de
sua formulação e de suas numerosas repercussões. O nome de Sócrates permanece
ligado a tudo isso. Na verdade, convinha a seus contemporâneos adotar uma atitude
que consistia em conseguir, por indução, ou seja, pelo exame do caso particular, uma
definição conceituai de um termo problemático: coragem, compaixão ou justiça, por
exemplo. Essa atitude continua válida; procurar precisar dessa maneira os conceitos
que utilizamos é muitas vezes vantajoso. Trata-se de terrorismo? Para que possamos
falar em terrorismo, quais são as condições necessárias e suficientes a serem
satisfeitas? Aquelas propostas que de antemão encontram-se em todos os casos em que
se discute a questão do terrorismo? Caso contrário, por quê? O que devemos rever
nesse caso: nosso uso ou nossa definição?
Uma maneira de proceder, antiga mas útil, consiste em procurar o gênero (genus)
e a diferença específica (differentia) daquilo que desejamos definir. Queremos, por
exemplo, definir “pássaro”. O gênero é animal; e a diferença específica é aquilo que
distingue os pássaros — e somente os pássaros — dos outros animais (digamos que
poderia ser: ter penas). Tentem com “droga”: verão que o exercício não é assim tão
fácil quanto parece! As ciências ou os saberes especializados propõem com freqüência
definições que poderão ser convenientes a nós.
Definição da fotografia
A proibição imposta às imagens, na Arábia Saudita, ocasionou, há muito tempo, a proibição da
fotografia. Mas as fotografias aéreas são indispensáveis para a pesquisa de poços de petróleo. A revista
Harper's (fevereiro de 1978) conta como esse dilema foi resolvido: "O rei Ibn Saud convocou uma Ulema [um
grupo de teólogos muçulmanos que exercem grande influência sobre a moral pública] e fez com que
reconhecesse que a fotografia era, na verdade, algo benéfico, porque não se tratava de uma imagem, mas
de uma combinação de luz e sombra que descrevia, sem profanar, as criaturas de Alá."
Citado por H. Kahane, Logic and Contemporary Rhetoric - Use ofReason in Everyday Life, p. 151.
Sócrates é um homem
Observe que, se essa argumentação é inválida, isso não nos diz que a conclusão a
que chegamos é falsa: a verdade ou a falsidade são uma questão para o geógrafo, e não
para o lógico, que não se interessa senão pela forma do raciocínio, e não por seu
conteúdo.
Um observador atento localizará bem as inconsistências nos raciocínios
propostos em ambos os casos. Temos um exemplo com o qual você já se deparou, com
certeza:
Não deveriamos oferecer auxílio social às pessoas:
uma economia de mercado demanda que cada um se
vire.
E:
Devemos subvencionar
o bombardeio, sem o qual essa campanha
não sobreviverá.
A afirmação do conseqüente
A forma deste paralogismo é:
Se P, então Q
OuQ
Logo P
Nesse caso, mesmo que as duas premissas sejam verdadeiras, a conclusão não
necessariamente é: dizemos que essa conclusão é um non sequitur.
Eis um exemplo:
Se você é um policial, possui um cassetete
Você possui um cassetete
Logo você é um policial
Christiane Collange
Como o nome indica, esse paralogismo consiste em generalizar rápido demais e
em tirar conclusões sobre determinado conjunto dado baseando-se em um número
pequeno demais de casos. Com certeza, os casos invocados podem ter relação com a
conclusão proposta; o problema está em sua raridade. Na vida diária, esse paralogismo
assume com fireqüência a forma de um argumento anedótico ou, melhor dizendo, que
invoca uma experiência pessoal para apoiar o raciocínio. “Todos os patrões são
trambiqueiros: sei disso, conheço vários” é uma generalização apressada, assim como:
“A acupuntura funciona: meu irmão parou de fumar ao consultar um acupunturista.”
No entanto, é desejável e necessário tirar conclusões acerca de um conjunto a
partir da observação de um número limitado de sujeitos desse conjunto. Desejamos de
fato poder sustentar conclusões gerais, mesmo que a observação de todos os casos seja
impossível, ou a observação de um grande número de casos, impraticável. Queremos,
na verdade, poder induzir conclusões gerais de casos particulares.
A arte de tirar tais conclusões de forma legítima tornou-se, sob os nomes de
teoria da amostragem e de inferência estatística, um ramo das matemáticas e mais
precisamente da estatística: trataremos disso no capítulo seguinte. Seu estudo constitui
o melhor dos antídotos à generalização apressada. Em todo caso, o pensador crítico
permanece cético diante das generalizações e pergunta-se, antes de aceitá-las, se a
amostragem invocada é suficiente e representativa.
O arenque defumado
Conta-se que antigamente, no Sul dos Estados Unidos, os prisioneiros em fuga
deixavam para trás arenques defumados para distrair os cães e despistá-los. Esse é o
princípio aplicado ao paralogismo que estudaremos agora e deve seu nome a essa
antiga prática. O objetivo desse estratagema é de fato levar-nos a tratar de outro
assunto diferente do discutido; em resumo, de fazer com que tomemos uma nova pista
esquecendo a que perseguíamos.
As crianças são às vezes campeãs nesse jogo:
- Não jogue com esse bastão pontudo, você pode se machucar.
- Isso não é um bastão, papai, é um laser biônico.
Mas certos adultos sabem jogar arenque defumado bastante bem. Imagine uma
discussão sobre o aquecimento global, em que a realidade do fenômeno seja debatida.
Um dos participantes toma a palavra:
— Devemos nos preocupar com esse governo demasiadamente regulador da economia, com esses
exércitos de burocratas que editam regras e leis sem cessar e impedem as pessoas de ter empregos decentes
e dar condi ções de vida para as suas famílias.
O apelo à autoridade
Napoleão — Giuseppe, que faremos com esse soldado?
Tudo que ele conta é ridículo.
Giuseppe - Excelência, faça dele um general:
Tudo o que disser será sensato.
O homem de palha com treinamento marcial é conhecido por ser assim. Mas,
quando recorremos a um homem de palha em uma argumentação, nós o tomamos com
freqüência por seu verdadeiro adversário, e ficamos, portanto, convencidos de tê-lo
derrotado na batalha. Desse modo, o estratagema escapa a quem o empreende. E
preciso estar atento tanto para não deixar que o façam contra nós quanto o fazermos
nós mesmos. Por isso, devemos manter na memória o princípio de caridade
argumentativa, segundo o qual devemos apresentar as idéias que contestamos no
momento mais favorável. As vitórias conquistadas em um debate perdem o valor e a
importância em proporção à falta de respeito a esse princípio fundamental.
A falsa analogia
Muitas vezes, pensamos com a ajuda de analogias, quer dizer, comparando duas
questões, com freqüência uma bem conhecida e outra menos conhecida. Esse tipo de
raciocínio é muitas vezes útil e esclarecedor. Por exemplo, no começo da pesquisa
sobre os átomos, representamos esses novos objetos da física como miniaturas do
sistema solar. A analogia, seguramente imperfeita, permitiu, no entanto, compreender
certas propriedades do que era menos conhecido (o átomo) a partir de algo bastante
conhecido (o sistema solar).
Mas existem casos em que uma falsa analogia leva a pensar de maneira errônea o
que gostaríamos de compreender melhor por meio dela. Porque pensar por analogia é
tão corriqueiro quanto útil, e às vezes é difícil detectar as falsas analogias.
Conseguimos fazê-lo quando nos perguntamos se as semelhanças e as diferenças, ao
comparar dois objetos, são importantes ou, ao contrário, insignificantes. Desse modo, o
caráter falacioso ou não da analogia salta aos olhos. Eis alguns exemplos que lhe
permitirão exercer sua sagacidade. Pergunte-se, em cada um desses exemplos, se a
analogia proposta é ou não legítima.
Como podemos sustentar que a fixação de preços é um crime quando feita por
homens de negócios, mas um bem para o público quando proposta pelo governo? (Ayn
Rand)
A própria natureza nos ensina que os mais fortes sobrevivem: esse é o motivo
pelo qual deveriamos legalizar e praticar de forma sistemática a eugenia.
A chuva e a erosão acabam por vencer os mais elevados picos, e a paciência e o
tempo eliminam todos os nossos problemas.
Uma escola é uma pequena empresa na qual os salários são as notas dadas aos
alunos.
Opor-se ao acordo multilateral sobre investimento é lutar contra a chuva e o bom
tempo.
O partido liberal empreendeu importantes reformas. Reelejam-no: não mudamos
a montaria no meio de um trajeto!
Forçar uma criança a aprender é tão inócuo quanto obrigar um cavalo a beber:
somos capazes apenas de trazer a água.
E tempo de acabar com esse câncer da sociedade.
A supressão de dados pertinentes
Quem conhece apenas sua posição sobre uma questão dada sabe pouco sobre o
assunto. Suas razões podem ser boas e é possível que ninguém consiga refutá-las.
Mas, se ele mesmo também é incapaz de refutar os argumentos do adversário, se
nem mesmo os conhece, então não tem razão para preferir uma opinião ã outra.
John Stuart Mill
Albert Einstein
Georg Cantor
Benjamin Dereca
Os números governam o mundo.
PITÁGORAS
O que se segue talvez seja uma lenda urbana, mas pouco importa. Parece que no
século XATTT começou-se a organizar um encontro entre Leonhard Euler (1 ”0”-l
783), reconhecido, em geral, como um dos maiores matemáticos de todos os tempos, e
Denis Diderot (1713-1783), o líder dos enciclopedistas. Ora, Euler era profundamente
cristão, enquanto Diderot era famoso por suas posições materialistas e um ateu
reputado.
Euler, afinal, consentiu no encontro, que se deu na corte do czar da Rússia,
enquanto Diderot passava uma temporada por lá. Perguntávamo-nos com excitação
como teria ocorrido o encontro face a face desses dois titãs do pensamento e temíamos
o pior. A história conta que, ao chegar à corte, o matemático dirigiu-se a Diderot e
perguntou:
- Senhor, (a + bn) = x, logo Deus existe. Responda!
n
Diderot, até então, havia atacado - e destruído - vários argumentos filosóficos ou
teológicos propostos em favor da existência de Deus. Dessa vez, contudo, o filósofo foi
incapaz de responder ao que quer que fosse, pela excelente razão de não compreender
o que Euler acabara de afirmar, além de, como devemos supor, sentir-se humilhado por
ter de admitir isso.
Essa pequena história talvez seja apócrifa, mas ela nos fornece um exemplo
perfeito do que chamamos terrorismo matemático. E consiste em utilizar o prestígio
das matemáticas com o objetivo de confundir, enganar e até atrapalhar as pessoas a
quem nos dirigimos.
Poderemos suspeitar de um terrorismo matemático em especial se constatarmos
que o próprio autor não domina as matemáticas que utiliza ou se a formulação
matemática de uma idéia não é no máximo metafórica e não acrescenta estritamente
nada ao que a linguagem corrente ou especializada teria permitido dizer.
E útil nos determos um pouco nesse fenômeno. Na verdade, nós o
encontraremos, com lástima, muitas vezes até mesmo em lugares inusitados - nas
publicações especializadas e universitárias. O sociólogo Andreski consagrou várias
passagens de uma obra sobre as ciências sociais para desmontar os mecanismos das
fraudes acadêmicas das quais dava, com ironia, a receita:
Para atingir a qualidade do autor nesse gênero de empreendimento, a receita também é simples e
vantajosa; pegue um manual de matemática e copie as partes menos complicadas, acrescente algumas
referências literárias que tratem de um ou dois ramos das ciências sociais, sem se preocupar
excessivamente em saber se as fórmulas escritas têm alguma relação com as ações humanas reais, e dê a
seu produto um título bem pretensioso que sugira ter encontrado a chave de uma ciência exata do com‐
portamento coletivo.3
Deixo-lhe o cuidado de descobrir exemplos - o que, infelizmente, não é muito
difícil - e me contentarei em concluir lembrando o teorema da incompletude de Kurt
Gõdel - um resultado metamatemático tão importante quanto complexo e sutil -
bastante popular entre os terroristas da matemática.
O problema: Não saber tratar números grandes.
As soluções: Utilizar notação científica e fazer o exercício.
A temperatura normal do corpo humano, há muito tempo tida como 37°C foi
depois revista e corrigida pela compilação, dessa vez por milhões de medições de
temperatura: chegamos então a 36,7°C, número que nos é dado como bastante preciso
e confiável. Como chegamos à primeira medida, tão precisa, mas pouco confiável? A
resposta é divertida. Havia-se estabelecido de forma bastante grosseira a temperatura
normal do corpo em graus centígrados e chegado a uma média aproximada de 3 7°C.
Essa fora a medida convertida em graus Fahrenheit, ou seja, bem precisamente 98,6°F.
Essa pequena história contém um ensinamento precioso: quando os dados sobre
os quais trabalhamos são aproximações, os cálculos de extrema precisão são ridículos e
a exatidão dos resultados obtidos é ilusória. Imagine que eu meça o comprimento de
meus seis gatos, da ponta do focinho à extremidade da cauda. Os resultados obtidos
serão aproximações evidentes. Digamos que eu obtenha os seguintes resultados,
expressos em centímetros: 98, 101, 87, 89, 76, 76.
Afirmar que a média do comprimento dos gatos da casa é 87,8333 não tem
sentido: essa precisão é ilusória e confere a meu trabalho uma aura de rigor e
cientificidade que ele não merece em absoluto.
O problema: Ser vítima de definições arbitrárias destinadas a promover uma apresentação
interessada em uma situação.
A solução: Perguntar-se quem contou e como definiu o que foi computado.
Para qual das duas companhias você preferiría trabalhar? De qual delas gostaria
de ser proprietário?
Na verdade, pouco importa sua resposta, pois se trata, em ambos os casos, da
mesma companhia.
Como é possível? De fato, é bastante simples.
Admitamos que três pessoas sejam proprietárias de uma empresa que emprega
noventa assalariados. No fim do ano, os proprietários terão pago aos assalariados
$1.980.000 em salários. Constata-se ao final do exercício que restam $450.000 de
lucro, soma a ser distribuída entre os proprietários da empresa.
E possível exprimir esses dados dizendo que o salário anual médio dos
empregados é de $ 1.980.000 divididos por 90, ou seja, $2 2.000* enquanto a receita
dos proprietários é obtida adicionando-se, para cada um, seu salário e parte do lucro
obtido, o que resulta: $110.000 + ($450.000/3) ■ $260.000. Essa era a companhia A.
Os números de seus negócios são excelentes e pode ser vantajoso apresentar em
determinadas circunstâncias os dados dos proprietários.
Suponhamos agora que os proprietários queiram primeiro salientar seu profundo
humanismo e senso de justiça.
Os números precedentes parecem pouco desejáveis para fazê-lo, podemos então
tomar $300.000 sobre os lucros e repartir esse montante, como bônus, entre os três
proprietários. Calcularemos, assim, a média dos salários, incluindo dessa vez os dos
três proprietários. Obteremos, com isso, o salário médio de: $1.980.000 + $330.000 +
$300.000/93 = $28.065. E o lucro dos proprietários-. $150.000/3 = $50.000, cada um.
Eis a nossa companhia B.
Esse exemplo está bastante simplificado, sem dúvida. O primeiro cálculo
confirmaria que, na realidade, poderiamos fazer melhor — ou pior — que isso!
0 problema: 0 dado destacado ou semidestacado.
A solução: Correlacione- me a qualquer evento!
Os dados são ditos destacados ou semidestacados quando não se referem a nada,
ou suas referências são aproximadas e não permitem saber exatamente do que se fala.
Sem saber que quantidade um número expressa, não sabemos bem do que fala, nem o
que afirma.
Tome o exemplo: “Mais de 80% das pessoas testadas prefere chocolate Talou.”
Que conclusão podemos tirar dessa afirmação? Os fabricantes do chocolate Talou
gostariam que concluíssemos que existem boas chances para também preferirmos seus
chocolates. Mas existem excelentes razões para não ceder à tentação, pois esse dado é
destacado e nada do que afirma permite chegar a essa conclusão.
Primeiro, com certeza, o que conta é seu gosto, e não o de 80% das pessoas.
Depois, quantas pessoas foram testadas? Como a amostra foi escolhida? Quantas vezes
foi testada antes de chegar a esse resultado? Essa percentagem, 80%, significa 800
pessoas sobre 1.000, 80 pessoas sobre 100, 8 sobre 10 ou mesmo 4 sobre 5 — ou algo
mais? Enfim, por que razão essas pessoas preferiram o chocolate Talou? Talvez a outra
marca seja detestável? Ou todas as outras são ruins? Ou apenas algumas outras? Quais?
Vejamos bem: 80% é um dado destacado.
“Duas vezes menos glicídios” anuncia com orgulho essa fatia de pão que deseja
fazer a felicidade dos diabéticos. E preciso saber em relação a que, antes de alegrar-se.
Se não precisarmos, o dado é destacado e, portanto, não diz nada a não ser a mensagem
que o espertalhão quer passar (compre-me, sou o que precisa), mas que se fundamenta
sobre o nada. Que consideramos como referência? Se for um pão rico em glicídios, o
pão que contém duas vezes menos desse composto talvez continue bastante açucarado.
Se for médio, qual o escolhido e qual a amostra aplicada? Que é uma fatia de pão?
Estaremos comparando alimentos incomparáveis? Ao escrever essas palavras, tenho
diante dos olhos uma fatia de pão que pretende conter sete gramas de glicídios, no
lugar dos 15 gramas habituais dos pães da mesma marca. Enquanto isso, para quem
olha com atenção, isso salta imediatamente aos olhos, as novas fatias são bem menores
e mais finas que as outras: eu diria mesmo, no olho, que são quase... duas vezes
menores!
0 problema: 0 paciente não sabe como o que fala é definido, ou ainda, alteramos, sem que ele saiba,
a definição em questão.
A solução: Perguntar sempre sobre o que falamos e assegurarmo-nos de que a definição não foi
mudada de forma sub-reptícia.
Aristóteles
Benjamin Disraeli
Não se deve sentar com um estatístico, nem confiar em ciência social
W.H. Auden
H. G. Wells, o célebre autor dos romances de ficção científica, predisse na
primeira metade do século XX que o conhecimento da estatística se tomaria um dia tão
necessário ao exercício da cidadania quanto saber ler e escrever. Acredito que essa
previsão aconteceu e que este é o momento: as estatísticas - e as probabilidades, suas
companheiras inseparáveis - são, a partir deste momento, indispensáveis instrumentos
cidadãos. Essa é a razão pela qual proponho nas páginas seguintes um sobrevoo pelas
noções elementares de estatística e probabilidade imprescindíveis ao exercício de sua
autodefesa intelectual.
Começaremos nosso percurso com o jogo de dados. A teoria das probabilidades,
que estudaremos para começar, nasceu justamente das reflexões suscitadas pelos jogos
de azar. Mas essa origem, talvez não das mais nobres, não deve nos fazer esquecer a
seriedade dessa teoria e a extrema utilidade em todos os setores da vida e da pesquisa
científica. Devo ou não fazer seguro? Qual é a chance de ganhar na loteria 6/49? Qual
a probabilidade de ficar doente ao fumar um maço de cigarros por dia?
Qual a minha expectativa de vida? Todas essas questões e milhares de outras
encontram respostas graças ao cálculo das probabilidades.
2.2.1 As probabilidades
A teoria das probabilidades nasceu das questões essenciais propostas pelo Che-
valier de Méré a seu amigo Blaise: permitam-me então apresentá-las a você...
Um enigma proposto por Méré a Pascal
Partamos para a França, no século XVn. O Chevalier de Méré (Antoine
Gombaud, 1607-1684) era um libertino, grande amante de vinhos, mulheres e jogos de
azar. Quanto a Blaise, é Blaise Pascal, um filósofo, físico e matemático brilhante, e
ainda está, quando se aproxima de Méré, na fase mundana de sua vida que logo
abandonará para se consagrar de forma exclusiva à religião - renunciando, desde então,
a todo o resto, inclusive às matemáticas.
Méré jogava sobretudo dados. Jogador escrupuloso, que estudava com atenção o
jogo e tomava notas cuidadosas sobre as suas partidas. Ele extraiu regras básicas, que
aplicou de forma metódica.
Primeiro, ele sempre verificava os dados antes de jogar. Jogador desconfiado,
Méré percebeu que existem trapaceiros que utilizam dados viciados, munidos de um
peso que faz com que tenham a tendência a cair com maior freqüên- cia sobre uma das
seis faces. Adivinhamos a vantagem que possui aquele que sabe disso! Méré, então,
não jogava senão com dados justos, ou seja, dados que caem ao acaso e possuem as
mesmas chances sobre uma ou outra das seis faces.
Quando um dado justo é lançado, não podemos, é evidente, saber sobre que face
ele cairá. Mas Méré sabia que, em um dado justo, cada uma das seis faces possui a
tendência a cair uma vez a cada seis.
Com certeza, Méré sabia que poderia obter o mesmo número, por exemplo, o 6,
duas, três ou até mesmo quatro vezes seguidas. Mas ele constatou que, em longo prazo,
o 6 retomava uma vez sobre seis, como cada uma das outras faces apareciam, também,
uma em cada seis vezes. Ele extraiu dessa observação uma regra que achou bastante
útil.
Se eu lançar um dado, tenho uma chance sobre seis de obter um 6, uma chance
sobre seis de sair um 5, uma sobre seis de sair um 4 e assim por diante. Suponhamos
que meu interesse seja o 6 e também que jogue meu dado quatro vezes seguidas.
Bem, nesse caso, pensou Méré, tenho seis vezes uma chance sobre seis de tirar um 6.
O que isso representa é fácil de calcular:
4x1=2
6 3
Tenho, portanto, concluiu Méré, duas chances sobre três de tirar um 6 ao lançar
um dado quatro vezes seguidas. Entretanto, Méré, quase sempre, jogava não apenas
com um dado, mas com dois dados distintos, de cores diferentes, digamos um branco
e um preto. Ele sabia, por conseguinte, indagar que chances teria de tirar dois 6 ao
lançar os dois dados. Para descobrir, raciocinou o seguinte:
Quando eu lanço dois dados, o primeiro pode dar, digamos, 1, e o segundo dado
pode dar 1,2, 3,4, 5 ou 6. O que faz seis possibilidades com 1 sobre o primeiro dado.
Mas o primeiro dado pode também dar 2, e o segundo, também 1, 2,3,4, 5, ou 6.
Temos agora 12 possibilidades. Mas o primeiro dado pode também dar 3, enquanto o
segundo dado... etc. No total, verifique, chegamos a 36 possibilidades.
Podemos representar o resultado ao qual chegou Méré da seguinte maneira:
Apenas uma das 36 possibilidades interessa Chevalier: aquela em que o primeiro
dado dá 6, enquanto o segundo dado também dá 6. Essa é uma das 36 possibilidades de
nosso quadro. Qual é minha chance de obter um duplo 6 com dois dados lançados de
uma vez? Resposta: 1 sobre 36. Mas suponhamos agora que eu lance meus dados 24
vezes. Méré raciocinou como há pouco e concluiu possuir 24 vezes uma chance sobre
36 de sair um duplo 6. Calculou então:
Isso quer dizer, concluiu nosso Chevalier, que temos exatamente as mesmas
chances (2/3) de obter um 6 ao lançar quatro vezes um dado que tirar um duplo 6
lançando 24 vezes dois dados. Chevalier estava bastante confiante de si, o raciocínio
parecia-lhe impecável.
No entanto, quando ele apostava confiando em seu raciocínio inatacável, os
dados, esses traidores, recusavam-se a se comportar como previra seu raciocínio: nosso
Chevalier perdia com mais freqüência com os dois dados que apenas com um. Isso o
deixaria fora de si. Ele perdia dinheiro. O problema o deixava obcecado, e ele não
dormia mais.
Incapaz de resolver o impasse, Méré decidiu consultar seu amigo Blaise, a quem
submeteu o problema - assim como outro que nos permitiremos ignorar aqui. E da
reflexão de Pascal sobre esses problemas e da correspondência com Pierre de Fermat
(1601-1665) que nasce a teoria das probabilidades. O que Pascal encontrou e explicou
a Méré, nós podemos compreender: isso nos abrirá a grande porta do cálculo das
probabilidades e das estatísticas. O que vamos descobrir com isso é extremamente
precioso.
Para concluir: você diría que o exemplo fictício proposto (1,2, 3,4, 5,49)e mais,
menos ou tão provável quanto o que ganhou esta semana?
O triângulo de Pascal
As dificuldades que encontramos nas probabilidades ainda consistem em não
conseguir definir e considerar o caso a ser examinado, e decidir se são ou não
exlusivos ou independentes. O triângulo de Pascal trata-se do mesmo Pascal poderá ser
útil cm certos cálculos.
Segue a apresentação desse famoso triângulo:
É bastante fácil construir o triângulo de Pascal. Escrevemos primeiro, na
primeira célula, o número 1. A linha seguinte é a linha 1 e possui duas células: em cada
uma escrevemos a soma dos números que se encontram, e imediatamente acima. Como
existe apenas um, então escrevemos o 1 duas vezes.
Alinha seguinte, a segunda do triângulo, comporta três células, com os números
1, 2 e 1 e assim por diante. A décima linha é aquela em que se lêem os números: 1, 10,
45 etc.
Consideremos uma linha qualquer, a qual chamaremos de N. O que ela nos
fornece é a distribuição de N experiências que comportam dois resultados. A linha 10,
por exemplo, indica-nos as probabilidades de dez lances de uma moeda (para os quais
existem dois resultados possíveis: cara ou coroa), de dez nascimentos (para os quais
existem dois resultados possíveis: homem ou mulher) etc. Consideremos essa linha. O
total de números que encontramos é:l + 10 + 45 + 120 + 210 + 252 + 210 + 120 + 45 +
10 + 1 = 1.024. Se lançarmos dez vezes uma moeda, existe uma chance (é o primeiro
número da linha) em 1.024 (o total dos números) de que todos os lances dêem coroa.
Existem dez chances sobre 1.024 de obter uma distribuição de 1 coroa e 9 caras; 45
chances sobre 1.024 de saírem 2 coroas e 8 caras. E assim por diante.
Qual a probabilidade de obter 5 coroas e 5 caras? Com o triângulo de Pascal, a
resposta salta aos olhos: 252/1.024. Observe também que a distribuição 6-4 ou 46 (ou
seja 6 coroas e 4 caras ou 6 caras e 4 coroas) é a mais provável (com 420 chances em
1.024) sem que tenhamos talvez pensado nisso de modo intuitivo.
Agora, é sua vez.
Em uma família com dez crianças, qual a probabilidade de que três sejam
mulheres e sete homens?
Concluiremos esta seção examinando dois outros instrumentos bastante preciosos
que nosso estudo das probabilidades nos permite colocar em nosso cofre de
pensamento crítico.
O sofisma do jogador
Esse erro de julgamento também é chamado de sofisma de Monte Cario,
exatamente porque é bastante freqüente entre os jogadores. E feito quando o apostador
está convencido de que uma série de resultados de uma dada espécie indica que um
resultado de outro tipo pode ser previsto para o próximo sorteio. Por exemplo, tendo
obtido 4 coroas seguidas, o jogador acreditará que o próximo lance da moeda será cara.
Falso, pela simples razão de que os acontecimentos (os lances da moeda) são
independentes: as moedas não possuem qualquer memória sobre que lado já saiu e os
resultados precedentes não têm influência sobre os seguintes. A probabilidade de obter
cara, a cada lance, continua 1/2 ou 50%.
Extraordinário? Não tão rápido...
Outra recaída bastante importante no domínio das probabilidades para o
pensamento crítico consiste em, graças a elas, não sermos tentados a achar
extraordinários eventos que acreditamos que devessem ser produzidos apenas pelo
jogo do azar. Não há necessidade então de fazer intervir qualquer outro fenômeno para
esclarecê-los.
Darei dois exemplos.
Exemplo 1: Os filhos primogênitos
Uma pesquisa mostrou que a maioria dos médiuns célebres é de primogênitos.
Os partidários da parapsicologia estão bastante impressionados com esse dado e
propõem as hipóteses mais ousadas para explicá-lo. Eles têm razão de ficar tão
impressionados assim? Um simples raciocínio mostra-nos que não.
Em uma dada população, sobretudo quando o número de crianças por família não
é alto (2, 3 ou 4), existem sempre mais filhos primogênitos.13 Por tanto, a maioria de
qualquer coisa é composta de filhos primogênitos. Consideremos uma população
fictícia de cem famílias de duas crianças cada uma. Teremos, em proporções iguais, as
seguintes composições (M quer dizer mulher e H, homem):
Esses resultados são bastante esclarecedores, como você pode observar. Com
certeza, compreendemos por que Chevalier ganhava com um dado, porém perdia com
dois. Mas as diferenças são tão pequenas que isso também indica que nosso bravo
Chevalier jogava muito e anotava minuciosamente as partidas!
2.2.2 Noções de estatística
Utilizamos a palavra estatística em dois sentidos. No plural, designa os dados
quantificados - por exemplo, as estatísticas de divórcio em Québec. No singular,
designa um ramo da matemática que utiliza e desenvolve os métodos que permitem
reunir, apresentar e analisar os dados. Trataremos então disso, mas, essencialmente,
abordaremos um ramo chamado estatística descritiva. Como o nome indica, ele permite
descrever as observações a respeito de tudo o que quiser - pessoas, objetos, eventos - e
que chamamos “população”.
Começamos nosso percurso estudando uma curva essencial ao conhecimento.
A curva de Laplace-Gauss
Se você quiser, retomaremos os lances com dois dados diferentes. Poderemos
representar os resultados teóricos de nossos lances com a ajuda de um gráfico. Sobre o
eixo Y (vertical), expressaremos em porcentagem a probabilidade de obter diferentes
somas de 2 a 12, que indicaremos no eixo X (horizontal). Desenharemos, a seguir,
retângulos chamados histogramas para representar as probabilidades de cada total. Veja
o gráfico obtido:
Moda. Utilizada mais raramente, é empregada, sobretudo, para descrever variáveis nominais
(descritas por um nome) ou discretas (que utilizam apenas um número limitado de valo res reais). Podem
existir uma ou mais modas, ou até não existir nenhuma. Não considera os valores de todos os dados.
Afinal, as tendências das perguntas não são em geral tão fáceis de distinguir. Elas
podem estar em numerosos fatores: a ambiguidade da questão, os termos empregados,
a natureza da informação procurada e até mesmo a identidade do pesquisador. Daremos
alguns exemplos. “Você lê Le Devoir?” pode parecer uma pergunta clara e precisa,
mas pode ser interpretada de varias maneiras: Lê às vezes? Com freqüência? Todos os
dias? Por inteiro? Apenas alguns textos? E ainda, provavelmente, de outras maneiras.
A resposta dada à pergunta “Você consome muito álcool?” depende, evidentemente,
do que a pessoa interrogada entende por álcool e também do que deseja dizer! Essa é
uma pergunta ruim que resultará em índices assustadoramente fracos se os
compararmos com os números oficiais das vendas de álcool. Dar- rell Huff conta, por
sua vez, que uma pesquisa havia estabelecido que um número maior de saguões
americanos recebia a revista Harper S, muito séria, que outra mais leve, a True Story.
Enquanto isso, as estatísticas de vendas das duas revistas contradiziam o resultado.
Concluamos sobre as pesquisas lembrando que, depois de alguns anos, e para além
das disputas metodológicas que acabamos de esboçar, existe um debate sobre a sua
legitimidade, especialmente política. Esse debate diz respeito às pesquisas de opinião -
existem também pesquisas que tratam de comportamento, conhecimento e
características sociodemográficas - e, entre elas, em particular, as pesquisas pré-
eleitorais. O pano de fundo do debate é notadamente o lugar acordado, de agora em
diante, às pesquisas e aos “pesquisocratas” em nossa vida política. Sobre esse assunto,
Pierre Bourdieu salienta que os pressupostos das pesquisas são contestáveis, pois
partem do princípio de que todos podem ter uma opinião; de que todas as opiniões são
válidas; e de que existe “consenso sobre os problemas ou, dito de outra forma, que
existe concordância sobre as perguntas que merecem ser feitas”. Bordieu conclui que a
opinião pública que revela as pesquisas consiste de “um artefato puro e simples, cuja
função é dissimular que o estado de opinião, em determinado momento, é um sistema
de forças, de tensões, e não há nada mais inadequado que representar o estado de
opinião em porcentagem”.15
Uma vez recolhidos os dados, a estatística, dizemos, permite analisá-los e, em
especial, encontrar relações entre determinadas características. Métodos sofisticados
foram desenvolvidos para exprimir com rigor o grau de ligação entre uma
característica e outra - por exemplo, o tamanho do tórax e a altura. Essas técnicas são
extremamente úteis, mas também complexas, e não poderemos trotá-las aqui. Duas
idéias devem, porém, ser dominadas por todos: a primeira consiste em uma
importante diferença entre correlação e causalidade; a segunda é um fenômeno
estatístico surpreendente e divertido chamado regressão da média.
A dependência estatística e as correlações
“Correlação” é a palavra científica utilizada em estatística para dizer que duas
variáveis estão relacionadas, que seus valores estão associados ou, se quiser, são
dependentes um do outro. O tamanho do tórax, suponho, está relacionado à altura e,
depois de reunir dados suficientes, poderemos talvez exprimir precisa e
matematicamente essa correlação. Uma parte importante do trabalho da estatística é
dessa ordem: ajuda a estabelecer as relações, permite garantir que sejam bem reais e as
quantifica. Mas reconhecer aqui nosso Porí hoc ergoprocter hoc do capítulo
precedente, o fato de haver constatado e estabelecido uma correlação, não significa que
tenhamos encontrado uma relação de causalidade. A confusão entre os dois constitui
uma das principais fontes de delírio irracional. Repitamos, então: quando a estatística
estabelece que duas variáveis A e B estão correlacionadas, isso não significa
necessariamente que exista entre elas uma relação de causalidade.
Um momento de reflexão mostrará que, quando se verifica que A e B estão
correlacionados, isso pode significar diferentes coisas:
Que A causa B;
Que B causa A;
Que A e B estão relacionados por acaso, sem que haja entre eles relação de
causalidade;
Que A e B dependem de um terceiro fator C.
Estabelecer causalidades é uma das tarefas mais difíceis da pesquisa científica;
teremos a oportunidade de retomar a esse assunto. Por ora, observemos apenas alguns
exemplos de casos em que A e B estão correlacionados sem que haja entre eles relação
de causalidade.
Imagine que um estudo junto a universitários mostre que o consumo de Cannabis
(A) está correlacionado com os resultados escolares inferiores à média (B). E possível
que a maconha seja a causa desses resultados ruins. Mas é possível também que o fato
de ter resultados um pouco piores ajude a viver na flauta e a fumar maconha. Ou ainda
que as pessoas mais sociáveis tendem, por sua vez, a fumar maconha e a levar menos a
sério os resultados.
O preço do café em Québec talvez esteja correlacionado com a quantidade de
chuva em uma dada região do mundo: mas, provavelmente, procuraremos em vão uma
relação de causalidade nesse fato.
A presença de cegonhas no telhado das casas em certos países está fortemente
correlacionada com o número de crianças. Mas as cegonhas não são a causa das
crianças! Talvez elas ocorram porque os tetos que abrigam famílias numerosas tendem
a ser maiores e, portanto, podem acolher mais cegonhas.
Talvez exista uma correlação entre a quantidade de cabelos de um homem e a
idade de sua avó: afinal, nossa densidade capilar tende a diminuir com a idade,
enquanto, por definição, a idade de nossas avós aumentam. Mas riríamos com razão de
um grupo que batizasse esse grau de correlação de índice Pipou, acreditando na relação
causai a ponto de fundar grupos de “pipoulogos” que teimassem em evitar a calvície
para manter vivas suas avós!
Bertrand Russell conta ter visitado monges na China que estavam convencidos
de que a causa dos eclipses lunares era um gato celeste tentando engolir a lua. Para
impedi-lo, os monges deveríam entregar-se a um rito que consistia em bater em um
gongo gigantesco. Afias, isso atestava sua eficácia desde tempos imemoriais:
pressupunham que os golpes no gongo provocavam a fuga do gato celeste e faziam
cessar o eclipse. Tudo isso nos permite compreender que a confusão entre correlação e
causalidade pode ser a fonte de muitas superstições. Da mesma forma, é o que produz
o fenômeno da regressão da média, que examinaremos agora.
A regressão da média e a superstição
Trata-se de um clássico entre os clássicos da estatística aplicada ao pensamento
crítico. A idéia é a seguinte: quando duas variáveis cujos valores respectivos dependem
de um grande número de fatores estão imperfeitamente correlacionadas, os valores
extremos de uma tenderão a estar correlacionados com os valores menos extremos da
outra. O fenômeno é normal, mas se o ignorarmos, poderemos unir um ao outro de
forma falaciosa em uma relação de causa e efeito. E isso explica muitas superstições.
Não resta senão esclarecer essa tenebrosa - mas precisa - definição.
Tudo começa nas origens da estatística, com Francis Galton (1822-1911), um de
seus ilustres pioneiros. Galton quis estudar a relação entre o tamanho dos pais e o dos
filhos. Ele a encontrou, o que não surpreende ninguém: pais altos tendem a ter filhos
altos, e pais baixos, a ter filhos baixos. Mas também encontrou algo mais admirável: os
pais particularmente grandes tendem a ter filhos menores que eles e, o inverso, pais
muito baixos, a ter descendentes maiores que eles. O que isso quer dizer?
Temos justamente uma dessas correlações imperfeitas entre duas variáveis- a
altura dos pais e dos filhos - de que fala nossa definição. Na verdade, numerosos
fatores entram em consideração para definir a altura de uma pessoa: a altura do pai,
com certeza, mas também a da mãe, os numerosos genes que comandam o tamanho de
cada um dos membros, das vértebras, do crânio e de muito mais... Ela depende, da
mesma forma, do ambiente, da nutrição, da quantidade de exercícios etc. E necessário
o feliz concurso de um grande número de fatores para que alguém seja
excepcionalmente grande (ou pequeno): esse é o valor extremo de que fala nossa
definição. Em virtude das leis do acaso, um concurso desse tipo é excepcional. O que
explica que, quando ocorre, tenderá a estar correlacionado a um evento menos
excepcional: eis os valores menos extremos de nossa definição, que são os filhos muito
grandes mas menores que os pais. Era previsível. Chamamos isso de regressão da
média.
Um exemplo ajuda a compreender com facilidade todo partido que o pensador
crítico pode tirar do conhecimento desse fenômeno, em especial para se prevenir da
superstição.
Os desportistas de alto nível, parece, têm como praga a proposta de aparecer na
capa da Sports Illustrated. Compreendemos com facilidade o porquê. Ser convidado é
conseqüência de uma série de desempenhos esportivos excepcionais que, naturalmente,
resultam da feliz combinação de uma grande variedade de fatores. Esses resultados
tenderão, portanto, a ser acompanhados de desempenhos menos excepcionais. Não é,
desse modo, senão pura superstição da parte desses desportistas atribuir essa redução
do desempenho à sua aparição na capa da célebre revista.
Você constatará logo que o campo de aplicação dessa idéia é enorme.
Chegou o momento de abordar os últimos temas de nosso sobrevoo pelas
matemáticas cidadãs: as ilustrações e os gráficos, com os quais, como você verificará,
podemos perpetrar as mentiras mais piedosas.
2.2.3 Ilustrações e gráficos: Às vezes isso vale mil males...
Estabeleça primeiro, com cuidado, os fatos.
Depois disso, você pode deformá-los como bem quiser.
MARK TWAIN
Para permitir visualizar os dados, utilizamos, com prazer, ilustrações e gráficos,
notadamente nos artigos científicos, relatórios financeiros e nas mídias. E preciso estar
bastante atento à maneira como são construídos, pois essas ilustrações e gráficos,
concebidos com conhecimento de causa para transmitir com rapidez informação,
também podem ser enganadores. Portanto, darão, por sua vez, a falsa impressão de que
será muito mais difícil desfazer, por ter a convicção de haver de algum modo visto com
os próprios olhos.
Perigos das ilustrações
Comecemos pela ilustração seguinte:16
Queremos nos assegurar de que as imagens decresçam na proporção da
diminuição que ilustram. Mas esse não é o caso, de modo algum, mesmo que seja de
difícil constatação. O leitor apressado arrisca-se então a tirar uma conclusão
equivocada - principalmente no caso de se contentar em dar uma rápida olhada no
texto e em sua ilustração.
Vejamos a ilustração mais de perto.
O comprimento da nota de um dólar é utilizado para representar o valor
decrescente do dólar, de $1,00 em 1958 a $0,44 em 1978, quando eram necessários
pouco mais de US$2 para comprar o que comprávamos em 1958 com US$1 apenas.
Mas o artista também reduziu a largura das notas de tal modo que a superfície da
cédula de 1958 não é duas mas... cinco vezes maior! Deveria ter levado, com cuidado,
em conta que o desenho utiliza duas dimensões.
Tufte propôs a seguinte lei: “A representação de números por grandezas físicas
mensuradas sobre a superfície da ilustração deve ser diretamente proporcional às
quantidades representadas.” Toda vez que uma ilustração se distancia desse princípio,
falseia e, quanto mais se afasta, mais o que Tufte chama de “índice de falsidade”
engana. Tufte exprimiría esse índice do exemplo precedente como sendo de 5 sobre 2.
Agora é sua vez. O que você pensa sobre a ilustração seguinte?
Podemos, entretanto, dar a impressão, em certos casos bastante útil mas de modo
desonesto, de que o desvio-padrão é menor: conseguimos esse efeito trocando somente
as proporções e dando à curva uma altura superior a três quartos da base.
Propomos agora uma distribuição normal que se assemelhe a:19
Gostaríamos de produzir impressão inversa? Nada mais fácil, como você pode
adivinhar. A curva proposta parece com a seguinte:20
Os gráficos falseados pelo eixo Y. Veja um gráfico honesto, que representa as
despesas em educação de um dado país num período de 12 anos.21
1111111
Nesse momento, enganaremos o leitor não-advertido dando outra impressão do
ocorrido. Para isso, faremos simplesmente desaparecer toda a base dc eixo Y de nosso
gráfico. A origem do eixo Y não é mais, nesse caso, o 22 zero, o que muda tudo. Veja
melhor:
Podemos fazer ainda melhor — ou pior. Na verdade, basta multiplicar os
intervalos sobre o eixo Y amputado para produzir um efeito ainda mais significativo,
um efeito que não será desdenhado por certos ideólogos, como você pensou bem. Eis o
resultado que podemos obter:
Esse truque, um dos grandes favoritos dos estados financeiros das empresas,
pode, com muita evidência, ser realizado de diferentes maneiras e por diversas
representações gráficas. Veja outros exemplos; os dados estão aqui reduzidos à sua
simples expressão.
O crescimento da produção dessa companhia parece bem modesto e a direção
poderia ficar constrangida ao apresentar tal resultado aos acionistas:
Mas um único corte de tesoura no eixo Y pode solucionar tudo. Eis a prova:
No exemplo seguinte, a tendência da variável em questão parece constante.
Digamosquese trata dos resultados das vendas em determinado período. Esses
resultados, receamos, não agradarão o Conselho de Administração.
Mas temos exatamente os mesmos resultados, um simples corte de tesoura
depois. Dessa vez, quem recusaria um aumento de salário aos vendedores?
Observe, sobre essa última ilustração, as linhas quebradas na base do eixo Y Elas
advertem o leitor que o ponto de origem não é zero. Isso e, no mínimo, o que um
gráfico honesto deveria indicar. Essas linhas quebradas são como um sinal que diz:
atenção, há algo incomum. Quando esse sinal não é dado e o eixo Y foi falseado, dois
sinais vermelhos devem se acender. Você podería então aumentar as suspeitas diante do
que lhe é proposto e, sobretudo, ler com grande atenção o texto que acompanha o
gráfico suspeito.
Agora, resumamos, por meio de algumas regras de conduta, o que acabamos de
aprender neste capítulo.
Algumas regras de ouro A fonte de informação
Quem produziu os dados?
A pessoa que os apresenta?
Outra pessoa?
Em seu nome ou de uma organização?
Qual a reputação dessa organização?
Existem ou não interesses na questão discutida, ou ainda interesses mais ou menos ocultos? Os
dados, a interpretação, ou ambos foram fornecidos?
No último caso, nos propuseram uma interpretação dos dados distinta daquela
apresentada pela instância que os produziu?
Que vieses, conscientes ou inconscientes, poderíam afetar a apresentação dos dados? Quantos casos
foram estudados?
Como foram reunidos?
Isso é suficiente?
O contexto
Uma pesquisa
De que assunto trata essa pesquisa?
0 assunto interessa ou preocupa realmente as pessoas?
Qual o público estudado?
Que métodos de amostragem, pesquisa e análise foram mantidos?
Em que período foi realizada a pesquisa?
Qual o índice de resposta?
Quantas pessoas foram entrevistadas?
Que perguntas foram feitas?
Essas questões são claras?
Elas são tendenciosas?
Como, em que condições e em que ordem as perguntas foram feitas nas pesquisas? Como a questão
dos indecisos foi abordada?
Quem contratou essa pesquisa e quem pagou os custos?
Quantas pessoas se recusaram a responder a cada uma das questões?
Quais são os limites de interpretação dos resultados obtidos?
Segundo as respostas obtidas, você podería também ter vontade de responder às seguintes
perguntas: essas questões - ou questões parecidas - já foram objeto de pesquisa? Quais foram então os
resultados?
Parte II A justificativa
das crenças
INTRODUÇÃO
PARA EXERCER nossa autodefesa intelectual, devemos de fato conhecer e
dominar instrumentos como os que acabamos de ver (a língua, a matemática); mas
também aprender a nos servir deles para avaliar a credibilidade do que é submetido a
nosso julgamento. Um pensador crítico desejará que suas opiniões sejam racionais; ele
se esforçará para extrair as inferências válidas de fatos conhecidos ou pressupostos.
Como é possível? Isso exige conhecimentos indispensáveis sobre os assuntos
discutidos e o domínio de normas e critérios de racionalidade a eles relacionados.
Neste capítulo, desejaria examinar três “fontes” de conhecimento supostamente
legítimas e determinar o que significa, para cada uma delas, um julgamento racional.
Esses três exemplos não esgotam, é evidente, tudo que se podería dizer; mas esse
panorama mostrará, no entanto, como se aborda a questão da justificativa das crenças
em setores bastante importantes da vida intelectual e cidadã, em que os julgamentos
irracionais acarretam conseqüências particularmente pesadas.
Essas três fontes de conhecimento são a experiência pessoal, a ciência e as
mídias. Sempre me colocarei no ponto de vista inaugurado por Platão, cuja análise do
conceito de saber serviu literalmente de paradigma à maioria das discussões posteriores
em epistemologia - pelo menos no Ocidente.
Platão observou que todos nós pretendemos saber uma grande quantidade de
coisas sobre uma variedade de assuntos. Por exemplo: existe lá, nesse exato momento,
um pintarroxo; a Terra gira ao redor do Sol; Paris é a capital da França; dois mais dois
são quatro; O DNA possui uma estrutura em dupla hélice etc. A questão colocada por
Platão, que desarma mas é crucial, é a seguinte: o que significa exatamente saber?
Platão não se contenta com uma pseu- do-resposta, do gênero: “Eu sei porque é
evidente” ou, ainda pior: “Eu sei porque sei bem.” Requer uma resposta clara que
defina o conceito de “saber” e ofereça as condições necessárias e suficientes para seu
uso legítimo.
Sua resposta? Três condições devem ser satisfeitas para que possamos pretender
saber P (P, sendo uma proposição qualquer, digamos: A Terra éredonda).
Em primeiro lugar, saber P supõe certa atitude intelectual no lugar de P, que
podemos exprimir assim: Eu creio que P ou Sou da opinião de que P. Seria, com
certeza, ilógico dizer: Sei que a Terra é redonda, mas não creio nisso.
Em segundo lugar, essa opinião ou crença deve ser verdadeira. Essa precisão é
importante, porque nem toda crença é um saber, e apenas uma crença verdadeira pode
ser um saber. Desse modo, não poderiamos dizer: Sei que a Terra é quadrada.
Enfim, a opinião ou a crença verdadeira deve ser justificada. De fato, uma
opinião verdadeira não é um saber se ela não se baseia em boas razões. Suponhamos
que alguém tenha estabelecido uma correspondência entre cada dia da semana e uma
figura geométrica. A forma redonda é atribuída à segunda-feira. Em contrapartida, essa
mesma pessoa pretende que a Terra seja dessa ou daquela forma segundo o dia da
semana. Se lhe perguntarmos que forma a Terra possui, será possível que afirme (nas
segundas-feiras): “A Terra é redonda”; eé possível que creia sinceramente nisso. Mas
essa opinião, mesmo verdadeira, não será um saber, pois não está fundamentada em
boas razões.
Veja então a definição de saber proposta por Platão: o saber é uma opinião
verdadeira justificada. Essa definição fundamental permite compreender que existe um
mundo entre o fato de crer em algo e o fato de sabê-lo. A diferença está nas razões e
nos argumentos que fazem com que possamos, de modo legítimo, tomar uma crença
como verdadeira. O fato de acreditar que uma proposição seja verdadeira para mim ou
para um grande número de pessoas, até para toda uma sociedade, não a toma por isso
verdadeira e justificada, nem o fito de que eu deseje crer nisso, que tenha sempre
acreditado, que tenha necessidade de acreditar ou que seja de meu interesse acreditar
nela.
Toda a dificuldade reside, na verdade, em definir o que constitui uma boa
justificativa. Não existe uma resposta simples e, em certos casos, nem mesmo uma
resposta universalmente admitida. Além disso, segundo as esferas cognitivas
consideradas, os critérios podem variar. Para dar apenas um exemplo, o pensamento
racional em matéria de moralidade é um empreendimento importante, até crucial, mas
fornece conceitos e critérios de validação de proposições diferentes daquelas que
utilizamos na física—e isso mesmo se o pensador crítico utiliza em ambos os casos a
lógica, a linguagem e, portanto, os critérios de racionalidade comuns.
As páginas seguintes ajudarão a compreender melhor como se forjam as crenças
verdadeiras e justificadas no contexto da experiência pessoal, da ciência e das mídias.
Capítulo 3 A experiência pessoal
0 verdadeiro pensador crítico admite o que pouca gente está disposta a reconhecer:
que não deveriamos confiar comumente em nossas percepções e em nossa memória.
James E. AIcock
INTRODUÇÃO
“Eu vi, com meus próprios olhos!”
Muitas vezes, invocamos desse modo nossa experiência pessoal para justificar
uma crença: tal coisa existe (ou bem aconteceu) como eu disse e a prova é que eu vi.
Em geral, diremos que algo é como relatamos porque fizemos a experiência por meio
de nossos sentidos (ver, ouvir, sentir, tocar, provar).
Não há dúvida de que a experiência pessoal (e sua lembrança) é uma das fontes
de nosso conhecimento empírico e imediato, e também integra a elaboração do saber
científico. Além disso, é razoável pensar que o fato de podermos nos orientar de forma
correta no mundo pelos sentidos, distinguindo o real do ilusório, o verdadeiro do falso,
nos dê uma enorme vantagem evolutiva. Portanto, não surpreende o fato de que os
órgãos da percepção sejam máquinas formidáveis, bastante confiáveis para nos
permitir agir com eficácia no mundo.
Muitas vezes, então, não é absurdo apriori invocar a experiência pessoal para
justificar nossas crenças. “Ele engordou. Eu sei porque eu vi.” “O vilarejo está a 50km
da cidade. Eu sei porque vim de lá.” “Eles instalaram uma fábrica de pasta e papel, se
você sentisse o cheiro!” “Os novos cassetetes Bing! são mais eficazes que os antigos.
Eu sei porque toquei em ambos!”
No entanto, o recurso à experiência pessoal para justificar nossas crenças não
deixa de ser perigoso. O conhecimento obtido dessa forma é limitado, sobretudo se
compararmos às formas de saber mais sistemáticas, em particular o conhecimento
científico. De fato, a experiência pessoal está longe de sempre conferir às nossas
crenças o grau de certeza que gostaríamos de estabelecer sobre elas. Todos nós
sabemos, aliás, bastante bem, que nossos sentidos podem nos enganar, nossa memória
pode não corresponder ao que aconteceu na verdade e nosso julgamento pode mostrar-
se equivocado. Portanto, é importante conhecer e compreender os limites do recurso à
experiência pessoal para justificaras crenças.
Existe até mesmo a possibilidade de pensar que a proliferação de tantas crenças
irracionais encontra no desconhecimento desses limites um solo fértil privilegiado.
Examinaremos agora alguns, apresentados sob três rubricas: perceber, lembrar, julgar.
Observamos, contudo, que essas distinções são, antes de tudo, arbitrárias, na medida
em que, como constataremos, perceber ou lembrar também envolvem julgar.
3.1 PERCEBER
A percepção é uma construção. Esse é um dos ensinamentos mais preciosos que
os pensadores críticos aprenderam com a psicologia.
Depois de algum tempo, com efeito, os psicólogos evidenciaram o caráter
construído de nossas percepções ao nos permitir apreender de maneira mais satisfatória
como e em que medida nosso saber, nossas expectativas e desejos, em especial, agem
em nossas percepções. Por conseguinte, é necessário compreender melhor essas
percepções como modelos do mundo exterior, altamente abstratos e construídos, de
preferência cópias sempre confiáveis desse mundo.
Para comprovar isso, detenhamo-nos um pouco na percepção visual.1
Temos um primeiro exemplo, retirado de Terence Hines, que está relacionado à
percepção de uma maçã vermelha.2
Em condições normais, os comprimentos de onda que correspondem ao
vermelho são reenviados da maçã ao olho e a maçã é percebida como vermelha. Mas,
com a variação das condições, por exemplo, mudando a luminosidade, podemos
modificar as condições da luz que é enviada da maçã ao olho. O que acontece, então, é
surpreendente: continuamos a perceber a maçã como vermelha, pelo fato de sabermos
que ela é (habitualmente) dessa cor, e esse saber empresta cor — é o caso de dizê-lo! -
ao que percebemos.
Hines relata outra experiência que confirma esse papel do saber na percepção da
cor. Colocamos uma maçã em uma caixa. Abrimos um buraco nessa caixa, por meio do
qual as pessoas podem observar a maçã, mas sem saber que se trata de uma maçã, pois
não vêem senão uma amostra da cor. Se mudarmos a luz dentro da caixa, a percepção
da cor da amostra também é alterada. A ignorância do fato de que se trata de uma maçã
permite perceber de forma correta as novas cores. Com efeito, privado desse saber,
nosso cérebro não pode introduzir em nossa percepção o que sabemos sobre a cor
normal da maçã.
Da mesma maneira, o fato de percebermos como constante o tamanho dos
objetos que se aproximam ou se distanciam resulta de uma construção elaborada. N
osso cérebro julga que esses objetos permanecem de tamanho constante, mesmo que as
imagens recebidas pela retina não sejam. Bruno Dubuc resume:
Chamamos constante de percepção essa tendência que temos de ver os objetos familiares como
possuindo uma forma, tamanho ou cor constante, independentemente das mudanças de perspectiva, de
distância ou de luminosidade incidentes nesses objetos. Nossa percepção do objeto aproxima-se nesse caso
bem mais da imagem geral memorizada do objeto que do estímulo real que atinge nossa retina. A constante
de percepção é, portanto, o que nos permite reconhecer, por exemplo, um prato de legumes visto do alto
sobre uma mesa, diante de nós em um restaurante escuro ou então em plena luz do dia de perfil sobre um
imenso anúncio situado a dezenas de metros de nós.3
O erro mais simples de corrigir, mas talvez o mais difundido entre todos os
cometidos por cientistas que testaram pessoas que afirmam ter poderes paranormais,
reside justamente no excesso de confiança nas próprias percepções senso- riais. Dito de
outro modo: os cientistas não consideraram a possibilidade de o seu julgamento ser
sempre colorido por suas expectativas, desejos, saberes e crenças. Acrescente a isso o
fato de que a natureza, por possuir uma complexidade infinita, não engana
intencionalmente aqueles que a estudam, enquanto os seres humanos podem
perfeitamente infringir as regras do jogo; assim, você terá uma explicação plausível
para a desconcertante facilidade com que pesquisadores, às vezes eminentes, se
deixaram enganar por charlatões. Estudar um pouco de magia toma-se, portanto, um
gesto de autodefesa intelectual; e, se você for um pesquisador que examina pessoas que
garantem possuir poderes paranormais, certificar-se da cooperação de um mágico
constitui uma preocupação metodológica absolutamente indispensável.
Alguns exemplos mostram com clareza que estamos errados em nos orientar
apenas por nossas observações para tirar conclusões.
O médium distribui a cada um dos participantes um pedaço de papel no qual
pede para escrever algo que apenas a pessoa conheça. Os papéis são recolhidos por um
participante, que os dobra com cuidado para que não possamos ver o que está escrito.
O médium senta-se então diante dos espectadores. Sem desdobrar, nem mesmo olhar,
coloca na testa o primeiro bilhete, que pretende ser capaz de ler por meio da força do
pensamento. Concentra-se.
Ao fim de algum tempo, após um esforço visível, anuncia:
- Existe entre nós uma pessoa que tinha na infância um cachorro chamado Popy.
O médium pergunta se procede a afirmação. Uma pessoa levanta a mão,
surpresa: ela havia escrito isso em seu papel. O médium desdobra o papel e confirma
sua predição, depositando-o sobre a mesa e apanhando outro papel, também dobrado
com cuidado. A mesma cena se repete e ele lê da mesma forma todos os bilhetes.
Essa mágica bem executada poderá parecer bastante convincente. Existe, no
entanto, um truque, que se baseia em um dos mais eficazes e preciosos princípios dos
médiuns. Nós o chamamos de “uma prévia”. O médium sabe de fato antes o que existe
em um dos bilhetes — poderá ter fido de forma sub-reptícia, possuir um cúmplice na
sala, pouco importa. Digamos que nesse caso existe um cúmplice. E necessário
também que esse bilhete seja reconhecível. A partir daí, tudo se toma simples. Quando
se apropria do primeiro bilhete, o médium toma o cuidado de não escolher o bilhete de
seu cúmplice. Ele leva o bilhete à sua testa e depois declara ler o que seu cúmplice
escreveu em outro bilhete - em nosso exemplo, seria: “Eu possuía, quando criança, um
cachorro chamado Popy.” Enquanto seu cúmplice fala com ar surpreso e toda a atenção
é dirigida para ele, o telepata deposita o bilhete sobre a mesa e lê o que está escrito -
digamos: “Possuo ações de uma fábrica de cassetetes.” Em seguida, recoloca o bilhete.
Apanha um novo bilhete, coloca-o sobre a testa e simula lê-lo: “Alguém entre nós
possui ações de uma fábrica de... qualquer coisa... isso ainda não está claro. Ah! é isso:
de cassetetes.” E assim por diante, até o último bilhete, que será o de seu cúmplice. Se
alguém pedir para ver os bilhetes depois da experiência, eles confirmarão que o
adivinho leu bem cada um deles. Se fizer essa mágica, pode ser inteligente enganar-se
uma ou duas vezes: isso dá credibilidade...
Vamos para a França, com nosso exemplo seguinte. Estamos na sexta- feira, 27
de janeiro de 1989, e esta é a manchete do jornal francês Nice- Matin: “Incrível: um
misterioso adivinho prevê os números ganhadores da loto. Em uma carta enviada terça-
feira e aberta no Nice-Matin por um repórter, o desconhecido anuncia os resultados do
sorteio do dia seguinte.” Pressentimos a perturbação que pode causar, em um curto
espaço de tempo, essa extraordinária notícia. Pressionado por perguntas, o jornal
explica o que houve. Na véspera, um jornalista havia recebido um envelope com a
seguinte frase: “Experiência de clarividência. Só deve ser aberta na presença de um
funcionários dos Correios.” Convocado, ele constatou que o carimbo do correio tinha a
seguinte inscrição: “16h30,24-01-1989.” O envelope então foi aberto; a carta explicava
que se tratava de uma experiência destinada a provar o dom de clarividência do
remetente, dons que ele não queria, de forma alguma, utilizar com finalidade financeira
indigna. Em seguida, estavam os números da loto: eram efetivamente aqueles que
viriam a ser sorteados no dia seguinte.
No entanto, apesar do crescente interesse público nesse caso, o misterioso
adivinho não se manifestou. Até o dia em que Henri Broch, professor de física da
Universidade de Nice, apresentou-se declarando ser o autor do que seria apenas uma
maliciosa—e pedagógica—farsa destinada a mostrar como poderiamos sucumbir com
facilidade às sereias do irracional.
Veja como foi feito.
Sobre um envelope não-fechado, você cola uma dessas etiquetas adesivas que
podem ser retiradas sem deixar vestígios; sobre essa etiqueta, você escreve seu nome e
endereço. Em seguida, envia para si mesmo o envelope.
Nós estamos no dia 25 e você possui um envelope timbrado com o carimbo
oficial que garante que foi enviado no dia anterior. Você espera para conhecer os
resultados da Loto sorteados à noite, depois redige uma carta explicando seus dons de
clarividência, seus escrúpulos, a experiência que possui e sua “previsão”, a partir de
então bastante fácil de fazer. Depois disso, você retira a etiqueta adesiva e escreve o
endereço de seu jornalista preferido sobre o envelope, acrescentando a frase:
“Experiência de clarividência. Só deve ser aberta na presença de um funcionário dos
Correios.” Por fim, você insere a carta no envelope, fecha-o e vai colocá-la na caixa do
correio de seu correspondente.
O que Broch quis salientar foi aquilo que ele chama, com graça, de “efeito
capacho”, que age toda vez que utilizamos uma palavra, seja por hábito ou por outra
razão, para designar algo diferente daquilo ao qual remete. “Limpe os pés no capacho”,
mas ninguém limpa literalmente os pés, apenas os sapatos! Nossa autoridade dos
Correios foi vítima de um duplo efeito capacho: pôde constatar a data na qual o
envelope (e não a carta - primeiro efeito capacho) havia sido fechado (e não remetido -
segundo efeito capacho).
Como último exemplo, passemos a um pouco de telepatia. Você anuncia ao
auditório que se comunica por telepatia com seu amigo Pierre, que mora a quilômetros
daqui. Para provar isso, propõe transmitir-lhe o nome de uma carta. O baralho é
fornecido pelo auditório, e a carta é escolhida por alguém acima de qualquer suspeita.
As pessoas são convidadas a exercer todos os controles que desejarem sobre a seleção
da carta. Digamos que o três de paus tenha sido a carta selecionada. Concentre-se e
“comunique-se de forma telepática”; chega o momento de telefonar ao receptor.
Alguém do auditório será encarregado de fazê-lo. Você lhe pede para chamar Pierre
Auger, que logo responde: “Três de paus.” Fantástico? Com certeza, não.
O receptor não havia sido identificado a não ser pelo nome; você deu o nome de
família somente após a escolha da carta. Esse é o código. Você e o receptor de fato
decoraram 52 nomes de família que correspondem às 52 cartas. Pierre Auger? Três de
paus. Pierre Lafleur? Três de copas etc.
Veja uma surpreendente variante desse truque, em que o suposto telepata
telefona, ele próprio, para o receptor. Os espectadores assistem à seguinte cena:
O telefone é retirado do gancho e o número, discado. O adivinho diz:
- Pierre? Um momento.
Em seguida, ele entrega o telefone a alguém no auditório a quem a pessoa do
outro lado da linha revela a carta escolhida.
Você tem alguma idéia de como o adivinho acertou? Vejamos.
Assim que acabou de discar o número, o telefone toca na casa de Pierre, que logo
atende (prevenido da experiência em questão, ele atende o telefonema).
Tão logo responde, começa a falar nomes das cartas na ordem usual, fazendo
uma breve pausa entre cada um: um, dois, três etc., até o rei. Quando o nome da carta
correta é pronunciado, a pessoa que telefona diz:
Pierre?
Pierre, então, começa a recitar os naipes das cartas sempre fazendo uma breve
pausa entre cada um: copas, espadas, ouros, paus. Quando o naipe correto é
pronunciado a pessoa que telefona diz:
Um instante.
Muitas pessoas serão convencidas de terem visto com os próprios olhos alguém
fazer telepatia.
Os mágicos desempenharam um papel importante no exame das pretensões dos
paranormais, dos pseudocientistas e similares. De início, esse foi o caso de Robert-
Houdin, depois do próprio Houdini. Atualmente, James Randi e Penn & Teller, entre
outros, deram continuidade a essa rica tradição. Os três primeiros publicaram várias
obras sobre as suas pesquisas. Quanto aos últimos, podemos assistir à divertida e
instrutiva série de televisão Bullshit, disponível em DVD.
A surpreendente arte de coldreading
A arte da leitura a frio, ou coldreading, consiste em um conjunto de técnicas que parece conferir àqueles que
a utilizam com eficácia capacidades surpreendentes, ou até mesmo espetaculares, por exemplo: conhecer intimamente
pessoas jamais encontradas antes; adivinhar alguns de seus pensamentos mais íntimos; predizer com admirável
exatidão seus projetos e intenções; descrever com acuidade sua personalidade; comunicar-se com pessoas mortas
próximas àquelas para quem se faz a leitura a frio etc.
Você poderá encontrar esses artistas extraordinários na sala de espetáculos, onde trabalham sob o nome de
mágicos ou médiuns. Certamente sem desvendar seus truques, eles admitirão facilmente fazer uma simples
apresentação e recorrer a técnicas para criar a ilusão de que realizam as proezas surpreendentes que lhes conferimos.
Encontrará também pessoas que produzem os mesmos efeitos garantindo-lhe que não há truques. Dirão, por
exemplo, invocando um dom que continua a ser misterioso até mesmo a seus olhos, que podem realmente falar com os
mortos ou conhecer seus pensamentos mais íntimos. Esses estão entre os leitores da sorte, astrólogos, quiromantes e
cartomantes: em uma palavra, todos aqueles que comercializam a credulidade - e, com frequência, a miséria - humana.
Mas, de fato, eles possuem esse misterioso poder? Observe que nos pedem aqui para provar uma proposição negativa
essencial (não existe X ou X não existe) e isso é bastante difícil e mesmo, no senso estrito, logicamente impossível. No
entanto, é possível mostrar que os mesmos efeitos podem ser produzidos sem invocar "poderes" especiais e de forma
ordinária. Além disso, é possível testar outras pessoas colocando-as em condições em que não mais possam recorrer
aos meios usuais que conhecemos para produzir seus efeitos. Se, mesmo assim, produzirem, será uma indicação de
que elas não têm recorrido a esses meios... o que ainda não provará que possuem poderes sobrenaturais, com certeza,
mas poderá convidar a investigações mais profundas.
Justamente! Todas as pessoas que pretendem realizar de fato os efeitos que os mágicos conseguem
produzir com o coldreading e que pretendem então, por exemplo, comunicar-se verdadeiramente com os
mortos, deveríam prová-lo logo para se tornarem milionários de forma instantânea! O que estão esperando?
De fato, há anos, o mágico Randi, por intermédio da James Randi Foundation, oferece a soma de US$1
milhão (dólares americanos, por favor) a quem puder provar, em condições de observação adequadas,
possuir poderes paranormais, ocultos ou sobrenaturais - inclusive o de se comuni car com os mortos e outros
efeitos similares produzidos habitualmente pelas técnicas de leitura a frio. Os testes são elaborados com a
participação de candidatos e aprovados por eles. No site, Randi explica:
Na maioria dos casos, pedimos aos candidatos para realizarem uma prova preliminar simples que
mostre, de modo concreto, sua afirmação: caso obtenha êxito, na sequência será realizado o teste propriamente
dito. Em geral, essas provas preliminares são conduzidas por associados da Fundação, onde residem os candidatos. [...]
Até hoje, ninguém jamais ultrapassou a etapa da prova preliminar.
[O endereço na internet da James Randi Foundation é: http://www.randi.org/. Um equivalente
francófono do trabalho de Randi pode ser consultado em: http://www.zeteti- que.ldh.org.]
Voltemos à leitura a frio.
Seu princípio é o seguinte: primeiro, o leitor enuncia proposições vagas, até contraditórias. Ele, então,
lança a isca e colhe os dados é, com isso, faz importantes estoques de fatos (ele conhece, por exemplo, os
nomes masculinos e femininos mais em voga nesse ou naquele ano, listas de objetos que encontramos geral
em cada domicílio etc.), temas caros às pessoas que se consultam (dinheiro, amor, saúde, morte etc.) e que
manifestam diversos indícios, como a aparência do sujeito, suas maneiras, sua linguagem e assim por diante.
Depois disso, graças a uma percepção sagaz das reações do sujeitoA ele refina seus enunciados. No conjunto,
o cliente, que se lembra de qualquer maneira das previsões que se realizam e esquece os fracassos, terá
fornecido, ele próprio, as respostas corretas pelas quais o charlatão terá "demonstrado" seus dons.
Observemos que pode ocorrer que o "leitor" tenha obtido informações que pretendaA, seja circulando entre
os sujeitos antes da sessão, seja com a ajuda de um assistente que tenha escutado suas conversas ou por
diversos outros meios. Nesse caso, falaremos de leitura a frio.
Randi, analisando uma leitura a frio da comunicação com os mortos, propõe os seguintes exemplos -
parafraseio aqui as explicações do célebre mágico.
0 leitor lança:
Tenho um homem mais velho.
Observe primeiro que se trata de uma (pseudo) questão, de uma sugestão, e de lançar a linha de
pesca, que busca suscitar alguma reação por parte do sujeito. Este poderá opinar, dar um nome ou
sobrenome, ou identificar uma pessoa (é meu pai, meu irmão etc.), mas ele mesmo fornecerá essas
informações.
0 leitor:
Dizem-me Bob ou Robert. Isso lhe diz alguma coisa?
Ainda aqui, trata-se de uma isca. Se existir um Robert, o sujeito vai melhorar a informação. Se não
existir, o leitor continua seu lance, garantindo ao sujeito que acabará por identificá-lo.
0 leitor:
-Seu marido morreu após uma longa internação no hospital ou de uma hora para outra? 0 sujeito:
Morreu quase de repente.
0 leitor:
- Sim, pois ele me diz nesse momento: "Eu não sofri. A dor me foi poupada."
Hábil e eficaz, não? Sobretudo quando nos dirigimos a pessoas fragilizadas pela perda de um ente
querido.
Fontes: J. Randi, "The art of Cold Reading", http://www.randi.org/library/coldreading/.
kcold reading remete em especial ao efeito Forer (ver p. 147) como uma forma de pensamento
seletiva que retém apenas o que confirma a hipótese privilegiada na qual o sujeito deseja crer ardentemente.
Essa técnica parece bem simples, fácil de descrever, mas árdua de praticar de maneira convincente.
Entretanto, sua eficácia é tão grande que podemos pensar que numerosos praticantes estão de fato
convencidos de possuir esse dom.
Existem boas publicações para quem desejar conhecer mais. Por exemplo, The FullFacts Book ofCold
Reading, do médium lan Rowland, disponível no seguinte endereço: hppt://www.ianrowling.com. 0 autor, um
especialista nessa técnica, revela alguns de seus segredos. Mas você pode também falar diretamente com
alguém que produz esses extraordinários efeitos. Basta telefonar para um ou outro dos serviços telefônicos
de "videntes": a demonstração poderá lhe custar algo como $120 por hora (o livro de Rowland é bem mais
barato..:).
3.2 LEMBRAR
A memória é inimiga quase irreconciliável do julgamento.
Bernard Fontenelle
O mais duro, para os homens políticos, é ter a memória necessária para lembrar o que
não se deve dizer.
Coluche
Nossos resultados mostram que mudar as crenças ou as lembranças pode ter pesadas
consequências sobre os comportamentos ou pensamentos futuros. Quando mudar de
lembranças, isso o mudará.
E.F. Loftus
A memória do passado não serve para lembrar o passado; ela serve para prevenir o
futuro. A memória é um instrumento de previsão.
Alain Berthoz
Acrônimos
Estabelecemos a correspondência entre cada uma das letras de uma palavra conhecida (isso é o que
chamamos acrônimo) em que as primeiras letras das palavras de uma frase contêm uma lista de palavras a
ser memorizada.
Exemplos:
homes (casas, em inglês) e o acrônimo para o qual memorizo o nome dos Grandes Lagos: Huron,
Ontário, Michigan, Erie e Superior.
Minha velha, traga meu jantar: sopa, uva, nozes, pão. As primeiras letras das palavras dessa frase
permitem memorizar na ordem os nomes dos planetas de nosso sistema solar: Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.
Encontraremos notas úteis sobre a mnemotécnica em: http://www.lecerveau.mcgill.ca/.
Os cômodos da casa
Na Antiguidade, os retóricos, recorriam a esse truque para memorizar uma lista de elementos.
Tratava-se apenas de associar cada um dos elementos a um local preciso de um ou mais cômodos bem
conhecidos, percorridos na imaginação segundo um plano preciso e predeterminado, sempre o mesmo. Esse
procedimento foi atribuído ao poeta Simonide de Céos (554-467). Segundo a lenda, ele recitou versos em um
banquete ocorrido em uma casa na qual o telhado depois desabou, matando todos os habitantes e deixando
os corpos irreconhecíveis. Simonide pôde, de memória, dizer quem estava lá lembrando o lugar que cada um
ocupava.
O calendário universal
As calculadoras prodigiosas fazem uso constante de truques mnemotécnicos. Veja um exemplo divertido
do que podemos fazer.
Veja a lista a seguir:
Este último resultado (5) indica o dia encontrado, segundo a seguinte lista.
Domingo 1
Segunda-Feira 2
Terça-Feira 3
Quarta-Feira 4
Quinta-Feira 5
Sexta-Feira 6
Sábado 0
0 dia 6 de setembro de 1951 era então uma quinta-feira.
0 truque é válido para todas as datas do século XX, com a condição de nos lembrarmos de subtrair 1
ao valor do mês de janeiro e de fevereiro, quando se tratar de ano bissexto - aqueles cujos dois últimos
números são múltiplos de 4. Lembre-se, entretanto, de que 1800 e 1900 não são anos bissextos, mas 2000
sim.
O procedimento lança mão das propriedades de números-módulo.
Com um pouco de treinamento, você chegará com muita rapidez à resposta.
Sigo o método exposto por A. Benjamin e M. B. Shermer em Mathemagics: How to Look Like a
Genius Without Really Trying, pp. 172-175.
3.3 JULGAR
Quatro homens visitam a Austrália pela primeira vez. Ao viajar de trem, veem o perfil de
um carneiro negro que pasta. O primeiro homem conclui que os carneiros australianos
são negros. O segundo acha que tudo que podemos concluir é que certos carneiros
australianos são negros. O terceiro contesta que a única conclusão possível é que, na
Austrália, pelo menos um carneiro é negro! O quarto homem, um cético, conclui: existe
na Austrália pelo menos um carneiro que possui pelo menos um dos lados negros!
A pequena história contada por Chevalier nos lembra até que ponto pode ser
difícil julgar de acordo com as evidências—na verdade, muito mais difícil do que
parece. Nas páginas seguintes, gostaria justamente de mostrar algumas provas, às vezes
inesperadas, dessa dificuldade. Cada uma constitui uma advertência contra a tendência
a se remeter muito rápido, e de modo exclusivo demais, à experiência imediata para
formar nosso julgamento.
Construiremos “teorias”, “esquemas explicativos”, caso você prefira, para
compreender e interpretar o mundo que nos circunda. Sua utilidade é enorme:
permitem colocar em ordem nosso ambiente e avaliá-lo de maneira eficaz. Pode
acontecer, entretanto, que os fatos imponham a revisão desses esquemas.
Portanto, diversos fenômenos mostram que, por vezes, somos muito pouco
hábeis, até recalcitrantes, em fazê-lo, o que nos conduz algumas vezes a negar as
evidências. Em parte, isso se explica por determinados erros de raciocínio que já
conhecemos e sobre os quais não voltaremos no momento - por exemplo, nossa
dificuldade de avaliar as probabilidades, ou ainda de tirar conclusões da observação de
um número reduzido demais de casos ou de casos não-representativos. Isso se traduzirá
por uma tendência em reter à vontade fatos que estão imediatamente disponíveis, e
considerar apenas alguns entre eles, particularmente espe taculares ou chocantes por
todo tipo de razões, em detrimento de dados com maior credibilidade e dignos de
confiança, mas também mais distantes e menos extraordinários. Se um canadense tem
o hábito de ler apenas alguns jornais, por exemplo, crê que o número de crimes contra
a pessoa está em alta fulgurante - ainda que, depois de algumas décadas, tenha
diminuído.
Dois exemplos de nossa dificuldade em avaliar as probabilidades
Feliz aniversário... a ambos!
Você provavelmente tem em torno de 23 pessoas próximas o suficiente para convidá-lo para o seu
aniversário. Como você avaliaria a probabilidade de recusar ir à festa de aniversário de uma dessas 23
pessoas porque precisaria ir à de outra dentre essas mesmas pessoas, que teria nascido no mesmo dia e
festejaria, portanto, o aniversário no mesmo dia? A maioria das pessoas pensa que essa probabilidade é
muito pequena. Mas vejamos mais de perto.
A primeira pessoa pode ter nascido em qualquer dia ou ano. Existe, assim, uma chance em 365 de
que a segunda pessoa tenha nascido no mesmo dia, ou seja 364 chances sobre 365 de que ela tenha nascido
em outro dia. Continuemos com a terceira pessoa. Existem agora duas chances sobre 365 de que ela tenha
nascido no mesmo dia que uma das duas primeiras e 363 chances sobre 365 de que tenha nascido em outro
dia. Realizemos o mesmo procedimento para as 23 pessoas e depois efetuemos as multiplicações: 364/365 x
363/365... 342/365. 0 resultado é 0,46 ou 46°/o, ou seja, a probabilidade de que nenhum aniversário
coincida com outro. Existe, então, mais de uma chance sobre duas (54°/o) de que dois aniversários ocorram
no mesmo dia em um grupo de 23 pessoas. Esse resultado é inesperado para o bom senso, que avalia mal e
de modo intuitivo esse tipo de probabilidade.
Se acreditarmos no físico G. Gamow, que se divertia em propor esse pequeno problema a seus amigos
matemáticos, a maioria que confiava na intuição se enganava. Conhecer esses instrumentos matemáticos
não serve de grande coisa quando negligenciamos seu uso!
Os falsos positivos
Temos outro exemplo, realmente espetacular, de nossa dificuldade em avaliar de modo intuitivo as
probabilidades. É conhecido sob o nome de paradoxo dos falsos positivos.
Suponhamos uma grave doença mortal que afete uma pessoa em mil em uma população.
Felizmente, existem testes para detectar essa doença. Tais testes, entretanto, são um pouco imperfeitos:
detectam a doença, quando está presente, em 99% dos casos - e, portanto, não reconhecem uma pessoa
acometida pela doença em 1 % dos casos; em contrapartida, não reconhecem a doença, quando não está
presente, em 98% dos casos - e declaram então doentes, duas vezes sobre cem, pessoas que não estão: é o
que chamamos de falsos positivos.
O médico anuncia ao paciente que o resultado do teste é positivo. A questão reside em saber até que
ponto essa pessoa deve ficar preocupada. A maioria pensará que é quase certo que o paciente tenha a
doença. No entanto, ele tem apenas uma chance sobre 23 de estar realmente doente... o que não é com
certeza uma novidade maravilhosa, mas admita que é menos terrível do que nossa intuição nos deixou
entrever.
Esse paradoxo deveria ser conhecido e pensado por aqueles que preconizam a pesquisa obrigatória
de certas doenças.
Para aqueles a quem isso interessa, eis a demonstração dessa surpreendente conclusão.
Veja:
A: o paciente tem a doença
B: o paciente tem um resultado positivo no teste
Podemos escrever:
P0) = 0,001
P (8) = 0,99
P(B|A) = 0,99
P (8|nãoA) = 0,02
O que procuramos é: P
A resposta é dada pela fórmula de Bayes:
Essa negação da evidência pode tomar formas ainda mais surpreendentes, com a
conseqüência de nos levar a não considerar o que enfraquece nossas convicções mais
caras ou, ao contrário, não considerar senão o que as afirma.
Veremos agora alguns exemplos.
3.3.1 Dissonância Cognitiva
- Fiz isso, diz minha memória.
- E impossível, diz minha consciência. E é minha memória que cede.
F. Nietzsche
O conceito de dissonância cognitiva foi proposto por Leon Festinger em 1957.
Sem dúvida, essa teoria é a simplificação de um fenômeno bem mais complexo, mas
permite discernir bem os aspectos antes estranhos do comportamento humano e dar-
lhes sentido. Além disso, é de grande utilidade para explicar como acontece de
podermos nos iludir, o que nos interessa em especial neste item. Em termos simples,
vejamos do que se trata.
Imagine uma situação em que você sustente duas idéias, crenças ou opiniões
incompatíveis. Por exemplo, você está muito ligado à opinião X, mas, ao mesmo
tempo, constata que X é falsa em virtude dos fatos observáveis. Ou ainda, imagine uma
situação em que suas convicções estejam em contradição com seu comportamento. Por
conseguinte, é inevitável uma tensão, um mal-estar. Segundo a teoria da dissonância
cognitiva, você procurará fazer desaparecer, ou pelo menos minimizar, essa tensão, da
maneira mais simples e eficaz possível.
Isso pode ser feito de diversas maneiras. Por exemplo, se considerarmos um de
nossos comportamentos imoral ou estúpido, poderemos mudar de ponto de vista para
achá-lo justo e sensato. Diante de um novo dado, duas pessoas que aderem a duas
crenças opostas terão cada uma de verificar o que confirma sua própria posição e
ignorar o que a desmente. Nossa capacidade de inventar razões que justifiquem
comportamentos antes inaceitáveis a nossos olhos está em primeiro plano na
dissonância cognitiva. Aquele que se percebe como doce e humano encontrará em sua
vítima faltas para justificar a violência que utilizou em seu encontro.
Compreendemos que certos comportamentos antes incompreensíveis podem ser
esclarecidos de maneira bastante instrutiva com a ajuda dessas idéias. Detenhamo-nos
em um exemplo célebre, extraído justamente da obra de Festinger.8
No início dos anos 50, uma senhora de certa idade, srta. Keech, afirma receber
mensagens de extraterrestres do planeta Clarion. Um dia, uma dessas mensagens
informa que, em 21 de dezembro daquele ano, a Terra seria destruída por um dilúvio
aterrador, mas que um esquadrão de discos voadores viria salvá-la, assim como todas
as pessoas próximas a ela nesse momento.
Um grupo de fiéis vinculou-se a essa senhora e esperou o fim do mundo em sua
companhia, levando, desde então, uma existência conforme sua crença: eles
renunciaram a todos os seus bens, deixaram seus empregos, cortaram relações com
seus amigos e conhecidos etc. Entre os seus discípulos, encontravam-se também,
incógnitos, psicólogos, que desejavam observar o comportamento dos membros do
grupo, em particular no dia 22 de dezembro. Esses psicólogos observaram que os
membros do grupo eram inofensivos, doces, recusavam qualquer publicidade e
entrevistas à mídia, não faziam qualquer proselitismo, vivendo com serenidade, nas
sombras, segundo suas convicções.
Em 20 de dezembro, a senhora em questão recebeu uma nova mensagem dos
habitantes de Clarion, transmitida a seus adeptos: o fim se aproximava, eles
precisavam estar preparados, pois seriam procurados exatamente à meia-noite. Além
disso, não deveríam usar nenhum metal. Era necessário retirar, portanto, botões e
zíperes de todas as vestimentas.
Meia-noite chegou e passou. Durante as horas seguintes, o desespero e a
confusão do grupo eram palpáveis. Mas às 4h45, a srta. Keech recebeu dos
“clarionenses” a mensagem de que sua ação e sua fé haviam salvado o mundo de uma
calamidade. Por isso, sua transferência por disco voador não se fizera necessária. O
grupo não podería ter ficado mais feliz.
O que se passou depois dessa noite não surpreende se nos lembrarmos do
conceito de dissonância cognitiva.
O grupo, até então discreto, lançou-se em inumeráveis e apaixonadas campanhas
para propagar e defender suas idéias. Seu proselitismo era desmedido. Os membros do
grupo contatavam as mídias, davam conferências, pronunciavam discursos na rua. A fé
na srta. Keech estava reforçada pelo que havia ocorrido.
3.3.2 O efeito Forer
Esse efeito bem especial deve seu nome a B. R. Forer, um professor de
psicologia que, nos anos 40, entregou-se a uma pequena experiência fascinante.
Forer aplicou primeiro um teste de personalidade em seus alunos. Em seguida,
enviou a cada um a descrição, por escrito, de sua personalidade, como o teste permitira
inferir. Os alunos deveríam avaliar esse teste e dizer se parecia descrever de forma
adequada sua personalidade, atribuindo-lhe uma nota de 1 (pior) a 5 (melhor). Eles
deram, em média, 4,2 sobre 5, resultado confirmado por centenas de repetições da
experiência. Que teste de personalidade admirável, não?
Não. Na verdade, Forer havia apenas reescrito o início de frases de previsões
astrológicas retiradas de jornais, agrupadas em um texto remetido a todo mundo. Em
outras palavras, enviara a cada um a mesma descrição de personalidade!
Eis a passagem:
Você tem necessidade de ser amado e admirado pelos outros, mas também demonstra uma
tendência a ser crítico em relação a si próprio. Ainda que possua algumas fraquezas de personalidade, você,
em geral, é capaz de compensá-las. Possui habilidades consideráveis, que ainda não conseguiu fazer
frutificar. Extemamente, parece disciplinado e controlado, mas in- temamente tende à inquietude e à
ansiedade. Chega a ter sérias dúvidas quanto à conveniência de uma decisão tomada ou de um gesto que
tenha feito. Prefere certa dose de mudanças e variedades. Você ficaria insatisfeito se lhe impusessem limites
e restrições. Vangloria-se de ser um pensador independente e não aceita as afirmações dos outros sem
solicitar provas satisfatórias. Enquanto isso, sabe também que é pouco sábio ser franco demais revelando-se
aos outros. Você, em alguns momentos, é extrovertido, afável e sociável, e em outros introvertido, reservado
e circunspecto. Algumas de suas ambições tendem a não se realizar.9
Penso que é inútil insistir nos imensos benefícios, inclusive materiais, que podem
ser obtidos a partir desse efeito. As pessoas dariam, graças a ele, a impressão de poder
ler montes de coisas, digamos, nas linhas das mãos, nas taças de chá, nos astros, nas
cartas, no taro, nos cassetetes etc... se essas pessoas existissem, certamente.
3.3.3 A prova de seleção de Wason
Nossa tendência a procurar exemplos que confirmem e a negligenciar os que
desmentem uma hipótese é particularmente evidenciada nessa prova.
Mostraremos, colocadas sobre uma mesa, quatro cartas cujas faces visíveis
indicam:
D - F-3-7
Cada carta possui uma letra sobre uma face e um número sobre a outra. Em
seguida, perguntamos que cartas você deveria virar para verificar se a seguinte regra
foi respeitada: se uma carta possuir um D em uma face, então deve ter um 3 na outra.
A experiência, realizada com freqüência e com um grande número de pessoas,
mostra que se não tiver estudado uma matemática um pouco avançada, lógica ou
programação, a maioria das pessoas responde D e 3, ou seja, a primeira e a terceira
cartas. Isso não é assim: deve-se virar a primeira e a última carta.
A primeira, pois ela podería conter algo diferente de um 3 na outra face, o que
desmente a hipótese. Teríamos, com certeza, pensado, pois buscamos confirmar nossa
hipótese. Da mesma forma, é para confirmar a hipótese que viramos a terceira carta (o
3): procuravamos um D do outro lado. Mas pense: isso não mudará nada,
independentemente do que estiver do outro lado. A hipótese diz que, se existe um D,
então existe um 3; ela não diz que, se existir um 3, deve haver um D!
A quarta carta, por sua vez, é crucial. Se houvesse um D do outro lado, nossa
hipótese seria refutada. O problema reside justamente no fato de que procuramos
confirmar mais que refutar; portanto, nós a negligenciamos.
Esse pequeno teste divertido foi retomado por pesquisadores em psicologia
evolutiva para mostrar que, se raciocinarmos sobre um exemplo colocando em jogo a
detecção de trapaceiros, o raciocínio se tomará mais fácil.
Vejamos ao que ele recorre para concluir sobre esse assunto.
Explicamos a você que trabalha como responsável pela segurança em um bar.
Esse bar é acessível a jovens menores de 18 anos e a adultos. Entretanto, os jovens não
devem, de modo algum, consumir álcool. Se um jovem de menos de 18 anos fosse
surpreendido consumindo álcool no bar, este perdería no mesmo instante sua licença.
Sua tarefa, como responsável pela segurança do bar, é garantir que nenhum jovem
consuma álcool. Felizmente, cada cliente circula usando, de modo bem visível, uma
carta: em um dos lados, encontramos um número que indica sua idade; no outro, as
bebidas que consome.
Você está no bar e observa as quatro cartas seguintes:
Que cartas você viraria para garantir que a pessoa não está consumindo álcool
ilegalmente?
Observe que, ainda que seja fácil e resolvido por todo mundo, no plano formal,
esse problema é exatamente o mesmo que o precedente. O que isso significa
exatamente continua a ser contestado...11
3.3.4 O efeito Pigmaleão
Na mitologia grega, o rei Pigmaleão, infeliz por não encontrar nenhuma mulher à
altura de suas expectativas, mandou construir uma estátua de mármore representando, a
seus olhos, a mulher ideal (segundo outra versão, ele mesmo a esculpiu). Mas
apaixonou-se perdidamente e sua infelicidade era então, nesse caso, ainda maior. Ao
ver isso, Afrodite, a deusa do amor, veio em seu socorro dando vida à estátua e
fazendo-a apaixonar-se por Pigmaleão.
Podemos ler essa história como uma metáfora das relações do criador com a
criatura, mas também como uma lembrança do papel que podem desempenhar nossas
expectativas na definição do outro.
Bernard Shaw fez desse tema o assunto de uma de suas peças mais conhecidas,
intitulada justamente Pigmaleão. A personagem principal, uma jovem florista,
declara:
Veja, para falar com franqueza, e colocando de lado aquilo que todos podem fazer - como vestir-se e
falar corretamente que a diferença que existe entre uma verdadeira dama e uma florista não é a maneira
como ela se comporta, mas como é tratada. Para o professor Higgins, serei sempre uma florista, pois ele me
trata assim e o fará sempre. Mas, para você, sei que posso ser uma mulher digna, porque você me trata
como uma dama e sempre o fará.12
Esta ultima frase leva evidentemente à seguinte questão: quais são as proposições
com boas razões para considerarmos verdadeiras e, por conseguinte, que saberes são
adequados o suficiente para que possamos ultrapassar os limites do recurso à
experiência pessoal? A ciência empírica e experimental trará uma resposta a essas
questões. Vamos nos debruçar sobre ela neste momento.
Mas, antes, gostaria de concluir esta seção propondo um instrumento de
pensamento crítico bastante útil quando uma proposição “fantástica” é submetida à
nossa aprovação com base em um testemunho: trata-se da célebre máxima de Hume.
3.3.7 Um instrumento precioso: a máxima de Hume
A hipocrisia e a estupidez humanas são fenômenos tão corriqueiros que acredito que
os acontecimentos mais extraordinários nasçam mais com seu concurso do que da
admissão da violação inverossímil das leis da natureza.
Daved Hume
Em um texto intitulado “Milagres”, o filósofo David Hume interveio nos debates
teológicos que agitavam sua época. Ele propôs um argumento admirável para ajudar a
avaliar os pretensos milagres. Esse argumento talvez possa ser aplicado a todas as
afirmações extraordinárias, por ser um dos mais eficazes instrumentos à disposição do
pensador crítico.
As diversas religiões, observa Hume, propõem, todas, milagres como provas de
sua verdade. No entanto, deve-se acreditar nos milagres com base em simples
testemunhos, pois a maioria das pessoas não foi nem testemunha nem “beneficiária”.
Ora, o que é um milagre?
Por definição, explica Hume, trata-se de uma violação, atribuída à vontade
divina, das leis da natureza. Nossa confiança nessas leis da natureza está fundada na
experiência - e, portanto, falível. Mas a testemunha que relata o milagre está, ela
própria, fundamentada na experiência. O que devemos comparar são as respectivas
probabilidades dos dois eventos: primeiro, a probabilidade de que tenha havido
violação das leis da natureza; e segundo, a probabilidade de que o testemunho (ou
outro transmissor da informação) tenha se enganado ou tentado nos enganar. Tão logo
pensemos no problema dessa maneira, que é boa, concluímos que a segunda hipótese é
a mais plausível. Na verdade, podemos invocar em seu favor muitos fatos apreendidos
por intermédio da experiência, como a fragilidade do testemunho de nossos sentidos, a
contradição das testemunhas, a incoerência entre as alegações de milagres das diversas
religiões (que não podem ser todas simultaneamente verdadeiras), o desejo de se
maravilhar e acreditar, o prazer de se crer escolhido como testemunha de um milagre, o
desejo de enganar e assim por diante.
Passemos a palavra a Hume:
Um milagre é uma violação das leis da natureza e, como uma experiência sólida e inalterável
estabeleceu suas leis, a prova que opomos ao milagre, pela própria natureza do fato, é tão completa quanto
todos os argumentos empíricos possíveis de imaginar. Porque é mais provável que todos os homens devam
morrer, que o chumbo não possa permanecer suspenso no ar, que o fogo consuma a madeira e seja apagado
pela água, senão porque os eventos se revelam de acordo com as leis da natureza e que seja necessária a
violação das leis da natureza, ou em outras palavras um milagre, para impedi-los? Para que um
acontecimento seja considerado milagroso, é preciso que jamais aconteça no curso habitual da natureza.
Não é milagre que um homem, aparentemente com boa saúde, morra de repente, porque esse tipo de morte,
ainda que bem mais rara que outras, tem, no entanto, sido vista com freqüência. Todavia, é um milagre que
um homem morto volte à vida, pois esse evento jamais foi observado, em nenhuma época, em nenhum país.
E preciso, porém, que exista uma experiência uniforme contra todo o evento miraculoso, ou o evento não
merece ser chamado de milagre. E, como uma experiência uniforme equivale a uma prova, existe nesse caso
umaprova direta e completa, proveniente da natureza dos fatos, contra a existência de um milagre qualquer.
Apenas uma prova contrária, superior ao milagre, pode fazer acreditar no milagre e tomar indestrutível a
prova de sua existência.
Esse argumento pode e deve ser generalizado, pois existe um campo de aplicação
bem maior que apenas os milagres confrontados com as leis da natureza. Jean
Bricmont assim reformula o que poderiamos chamar de “Máxima de Hume ampliada”:
Deve-se [...] fazer a seguinte pergunta aos cientistas, assim como aos adivinhos, astrólogos e
homeopatas: que razões me dão para acreditar que a veracidade de sua proposição é mais possível que o
fato de estarem enganados ou me enganarem? Os cientistas podem responder invocando experiências
precisas como — o que é mais evidente para o profano — as aplicações tecnológicas que suas teorias fazem
surgir. Mas, para os outros, a resposta não existe.
Além disso, a questão também é levantada por Hume: como confrontar o problema colocado pela
multiplicidade das doutrinas fundadas em argumentos de tipo miraculoso? Se devo acreditar na homeopatia,
por que não acreditar nas curas pela fé que possuem a mesma eficácia do outro lado do Atlântico que a
homeopatia entre nós? Por que aderir de preferência à nossa astrologia que à do Tibet ou da índia? Todas as
crenças estão fundadas em testemunhos que são igualmente válidos e, por conseguinte, igualmente
inválidos. Ou, dito de outro modo, todos os que nos parecem crédulos em nossas sociedades são muitas vezes
bastante céticos quando lhes falamos de crenças provenientes de além-mar. Sua posição é inconsistente, pois
as razões que justificam o ceticismo contra crenças exóticas, eles não aplicam às que lhe foram inculcadas na
infância ou são difundidas em seu ambiente imediato.17
Carl Sagan, por sua vez, propôs o corolário seguinte, e trata-se ainda de uma
máxima de ouro: “As afirmações extraordinárias exigem provas que são, elas mesmas,
extraordinárias.”18
Capítulo 4 A ciência empírica
e experimental
Não é tanto o que o cientista crê que o distingue senão como e por que ele crê.
Bertrand Russell
Se aprendi alguma coisa ao longo de minha vida, é que toda a nossa ciência,
confrontada com a realidade, parece primitiva e infantil — no entanto, é o que
possuímos de mais precioso.
Albert Einstein
Larry Laudan
INTRODUÇÃO
A ciência ocupa um lugar importante, mas singular em nossa cultura. Por um
lado, não existe aspecto de nossa vida que não tenha sido influenciado por ela — mais
exatamente pelas tecnologias advindas da ciência. Por outro lado, seus resultados,
conceitos e métodos parecem ter penetrado muito pouco nas consciências e ainda
permanecem bastante estranhos ao grande público.
Isso explica, talvez em parte, o fato de que sempre existem crenças pseudoci-
entíficas e mesmo anticientíficas em abundância, cuja persistência e propaga ção
continuam, sob muitos aspectos, ainda bastante enigmáticas. Paradoxalmente, não é
raro ver partidários dessas pseudociências invocarem a seu favor ciência e
racionalidade logo depois de desacreditá-las. A ciência é redutora e opressiva, dirá o
astrólogo; mas a astrologia, pelo menos a sua, é uma ciência.
Finalmente, a própria racionalidade, essa que a ciência se esforça precisamente
por implementar, é hoje objeto de ataques em certos meios... intelectuais e acadêmicos.
Em geral, a ciência e a razão são, nesse caso, tidas como máscaras ideológicas sórdidas
que abrangem diversos domínios - ocidental, machista, capitalista etc. Uma
"construção social” e política simples, sem nenhum acesso privilegiado à verdade,
decorre às vezes de tais análises sobre a formação de um relativismo que auxilia
doutrinas paranormais e esotéricas segundo as quais a ciência não é senão um discurso
entre outros. Tal conclusão justifica-se, de bom grado, pela enorme dificuldade (que se
faz passar por impossibilidade) de enunciar com precisão e de maneira filosoficamente
satisfatória o que é a ciência, como funciona e como seus resultados são obtidos e
verificados - todas as tarefas a que se propõe cumprir, mas sem conseguir totalmente,
uma disciplina chamada epistemologia (do grego episteme, saber e logos, discurso,
estudo; a epistemologia é o estudo crítico da ciência, de seus princípios, métodos e
conclusões).
As terríveis dificuldades da epistemologia
No infêio do século XX, refletindo, com razão, que a ciência era um empreendimento racional, os
pensadores acreditaram também, por vezes de forma equivocada, que a (nova) lógica formal associada a
uma teoria empirista da origem e da justificação do conhecimento seria suficiente para descrever e explicar
plenamente a racionalidade. Eles deviam saber que não era esse o caso. Para lhe mostrar o tipo de terríveis
dificuldades que podemos encontrar na epistemologia, considere o seguinte exemplo, chamado paradoxo de
Hempel.
Como os cientistas concluem que uma proposição é (provavelmente) verdadeira?
Pergunte a respeito desse assunto a cientistas pouco versados em epistemologia e eles, de modo
geral, lhe responderão que os dados reunidos conferem probabilidade crescente a uma proposição: "Para
começar, uma proposição é afirmada (nesse caso, pouco importa como) a título de hipótese. Os dados então
são reunidos (mais uma vez, não faz diferença como). Se confirmarem a hipótese, sua probabilidade
aumenta. Caso contrário, diminui."
O senso comum encontra-se com facilidade nessa descrição, que um exemplo célebre, envolvendo
corvos, permite apreender melhor.
Nossa hipótese será que todos corvos são negros. Suponhamos a observação de um corvo que
tenhamos constatado ser negro; essa observação confirma a hipótese. Devemos tomá-la como verdadeira?
Com certeza não, é evidente, pois um só corvo não permitiría uma generalização sobre todos os corvos.
Pressentimos, sem dúvida, a dificuldade: um número finito de observações, mesmo que enorme, não
podería jamais, em toda lógica, permitir, de modo algum, uma generalização sobre todos os corvos. Mas
deixemos isso de lado no momento. 0 importante é que essa ob- seivação de um corvo negro parece mesmo
conferir certa plausibilidade à hipótese de que todos os corvos são negros, plausibilidade essa que
aumentará com as observações de outros corvos que também apresentarem a característica de ser negros.
Um paradoxo surpreendente esboça-se - e ele foi estudado pelo lógico e filósofo Carí Hempel. Esse
paradoxo coloca em questão a concepção intuitiva da confirmação que acabo de descrever.
Hempel utiliza uma lei lógica do cálculo das proposições, chamada contraposição. Essa lei é bastante
fácil de compreender: diz, simplesmente, que a proposição "Se isso, então aquilo" é logicamente idêntica à
proposição "Se não isso, então não aquilo". Não é claro o bastante? Vejamos mais de perto. Partamos da
proposição condicional, como dizem os lógicos: "Se P, então Q"; para um exemplo mais concreto, digamos:
"Se chove, então a calçada está molhada." Sua contraposição seria "Se não Q, então hão P"; portanto: "Se a
calçada não está molhada, então não está chovendo."
Voltemos a nosso corvo. Nossa hipótese diz: "Se algo é um corvo, então é negro." Sua contraposição
é: "Se algo não é negro, então não é um corvo." Ora, como essa contraposição é logicamente idêntica à
proposição de partida, toda observação qiiê confirma uma deve necessariamente confirmar a outra. Para
compreender rnelhõr, imaginemos uma caixa contendo meias. Essa caixa está situada no alto de seu guarda-
roupa e não é possível ver o interior: você deve contentar-se em retirar as meias uma a uma para observá-
las. Então, procura verificara hipótese de que toda meia negra possui tamanho 9. E retira, nesse momento,
uma meia da caixa: ela é negra e o tamanho é 9. A hipótese está confirmada. Retira uma nova meia: ela é
azul e o tamanho é 7.0 que você concluiu?
0 paradoxo de Hempel surge neste ponto. Como a proposição: "Todos os corvos são negros" é
equivalente a "Todo objeto não-negro é um não-corvo", parece que devemos chegar à conclusão de que a
observação de uma rã verde confirma que todos os corvos são negros! De fato, precisamos concluir que toda
observação de um objeto qualquer, desde que não seja negro, confirma que todos os corvos são negros!!!
Mas não é estranho poder concluir, ao final do que parece uma lógica inatacável, que possamos
praticar ornitologia diretamente da cozinha ao observar, digamos, utensílios multicoloridos? Se for verdade
que acabamos de simplificar de modo considerável o trabalho dos ornitólogos, que não mais necessitam se
deslocar para praticar sua ciência, que preço devemos pagar por essa simplificação! Porque nossas
preocupações não param aí. Como meus astutos leitores terão identificado, a observação de uma rã verde
confirma não apenas que todos os corvos são negros, mas também, com a mesma lógica implacável, que
todos os corvos são brancos.
O drama de certa epistemologia atual, francamente irracional, é que, ao constatar que suas
tentativas de reconstrução da racionalidade da ciência fracassaram, os "teóricos", às vezes pouco
aparelhados para refletir acerca da ciência, têm concluído de modo equivocado que ela não é um
empreendimento racional.
Expus minha posição sobre essas epistemologias irracionais em: "Contre le charlatanisme
universitaire", Possibles, v. 26, n2 2, verão de 2002, pp. 49-72.
Um raciocínio poderoso
Pluralitas numquam est ponenda sine neccesitate. Isso significa: "A pluralidade não deve ser
postulada sem necessidade" ou ainda "Não devemos multiplicar os seres sem necessidade". Essa máxima foi
atribuída a Guillaume d'Ockham (por volta de 1285-1349), monge fran- ciscano que foi o mais importante
filósofo de seu tempo. Excomungado pelo papa João XXII, Ockham respondeu com um tratado demonstrando
que o papa era herege.
Conhecido sob o nome de "raciocínio de Ockham", esse princípio tornou-se um dos principais aportes
do pensamento medieval ao pensamento crítico. Enquanto isso, há dúvida de que o monge tenha aderido ao
uso que o pensamento moderno faria de seu célebre raciocínio. No ponto de partida, o princípio da
parcimônia é utilizado no contexto da Querela dos Universais; Ockham (assim como outros) a colocou a
serviço da tese nominalista. Mas, no pensamento moderno, o raciocínio de Ockham toma-se um princípio de
parcimônia ou de economia. Esse princípio, metodológico e ontológico, recomenda encontrar a explicação
mais simples, sustentar a tese em que postulamos o mínimo possível de entidades. Bastante útil nas ciências,
esse princípio também está presente no exame das pretensões de certos pa- racientistas. Não podemos
provar a inexistência de visitas de extraterrestres, e digamos, que tenham construído as pirâmides do Egito
ou erigido as estátuas da ilha de Páscoa; mas, se conseguirmos dar conta desses fenômenos sem a
interferência de marcianos, essa explicação, mais simples, deve ser privilegiada.
Ao refletir sobre tudo isso, talvez você sinta necessidade de definir que
afirmação deve testar, e quais as condições exatas do teste, além dos resultados que
possam confirmar a validade da afirmação de partida. Acompanhou? Você começa a
perceber as dificuldades que se colocam quando procuramos elaborar um método? E,
nesse caso, pensa o problema como fazemos nas ciências. Observe que podemos dizer
— e é bastante verdadeiro - que essa forma de raciocinar e de procurar como testar
uma idéia, que é a da ciência, é essencialmente o modo de pensar do mais comum dos
mortais diante de problemas corriqueiros. A única diferença agora é fazer com rigor
raro e de maneira obstinada.
Vemos que essa noção de experimentação abriga um princípio bastante simples.
Em resumo, deve-se procurar verificar se o que foi alegado é real, está presente,
verifica-se etc. Mas, com os fatos, o procedimento pode ser bastante complexo,
basicamente porque é difícil observar e porque é preciso certificar-se de que o que está
em ação é aquilo que supomos estar presente no que observamos. Isso às vezes é
surpreendentemente complexo.
Examinemos três modalidades de verificação experimental, que nos permitirão
conhecer determinadas dificuldades e nos mostrarão também as formas de tentar
ultrapassá-las. Trata-se da experimentação com controle de variáveis, da
experimentação com grupo de controle e da experimentação em duplo-cego. Acredito
que isso dará uma idéia bem exata do que fazem os cientistas. Depois disso, tentaremos
definir o próprio conceito de ciência de maneira mais precisa.
4.1.1 Experimentação com controle de variáveis
A ciência permite responder bem, com rigor e objetividade a certas questões. Mas
essas não são as únicas perguntas que merecem ser feitas, nem as únicas indagações
importantes que a humanidade se coloca, menos ainda aquelas às quais ela tem
profunda necessidade de responder.
Manon Boner-Gaillard
Estou bastante consciente ao abordar neste tópico problemas técnicos e difíceis,
dentre os quais um bom número, aliás, é sempre debatido de forma acalorada pelos
especialistas. Entretanto, parece necessário em um trabalho como este fornecer no
mínimo algumas balizas sobre essas questões. As pessoas que desejarem aprofundar
seus estudos encontrarão na bibliografia proposta ao final deste livro orientação de
abundante literatura epistemológica.
Seria bom lembrar primeiro que a palavra “ciência” é polissêmica e que muitas
confusões e polissemias seriam evitadas se fôssemos mais prudentes ao utilizá-la. E
desse modo que falamos às vezes das ciências para, na verdade, designar aplicações
práticas e técnicas. Deveriamos de preferência falar, nesse caso, de técnicas,
tecnologias ou de ciências aplicadas.
Então, o que é ciência?
3. Podemos comunicar a outros o que pensamos ter descoberto do mundo, e esses outros
podem, por sua vez, verificá-lo.
A primeira idéia é a do realismo exterior. Trata-se da atitude metafísica adotada
pela maioria das pessoas e por quase todos os filósofos e cientistas. Essa idéia não é
uma tese acerca do mundo ou sobre a melhor maneira de conhecê-lo, mas a condição
preliminar de todo conhecimento. E, além disso, a hipótese mais simples e a mais bem
confirmada que permite explicar a regularidade do mundo exterior. Martin Gardner a
apresenta da seguinte forma:
Se perguntar por que todos os cientistas, todos os filósofos e todas as pessoas comuns, com raras
exceções, são ou foram sempre realistas e im- penitentes, deixe-me dizer-lhe. Nenhuma circunstância
científica foi confirmada de maneira tão espetacular. Nenhuma outra hipótese oferece explicação tão simples
do motivo pelo qual a galáxia de Andrômeda possui a forma espiral em todos os negativos, todos os elétrons
são idênticos, as leis da física são as mesmas em Tóquio, em Londres ou em Marte, que elas existissem antes
do aparecimento da vida e que estarão sempre lá se a vida acabar, da razão pela qual não importa quem
possa apanhar um cubo e, ao fechar os olhos, seja possível contar oito cantos, seis faces e 12 arestas, e por
que seu quarto parece o mesmo que aquele no qual acordou ontem pela manhã.6
E um truísmo dizer: a ciência é uma prática social, feita por seres humanos em
um determinado contexto social, político e econômico. Esse é um fato importante que
pode pesar muito na decisão de investir neste ou naquele setor de pesquisa, nas
orientações da pesquisa e até mesmo nos resultados. O pensador crítico deve estar bem
consciente e perguntar-se, a todo instante, se esses fatores tiveram alguma influência.
Observemos que não é o caso nem de negar a racionalidade da ciência nem de
pesquisar tudo com assiduidade, a ponto de inventar interesses econômicos dando uma
idéia errada apriori de toda pesquisa; simplesmente deve-se permanecer lúcido e
crítico diante da possibilidade de que interesses, em geral econômicos, possam ter
influenciado a pesquisa realizada ou os resultados anunciados.
Todos conhecemos, nesse caso, a história escandalosa do financiamento de
trabalhos que minoram ou negam os riscos do cigarro, pesquisas essas financiadas
pelas companhias de tabaco. Eu daria aqui, no entanto, outro exemplo que provocou
muitas maledicências e inquietações, nos últimos anos, às companhias farmacêuticas.
Essas últimas também estiveram no centro de numerosas controvérsias sobre as suas
pesquisas. Isso mostra perfeitamente a que os pensadores críticos devem dedicar
grande atenção.
Mario Bunge
A compreensão do que é ciência é muito importante para o pensador crítico. Uma
das conseqüências cruciais é permitir distinguir a ciência da pseudociência. Na
verdade, saber o que é a verdadeira moeda dará uma melhor medida para reconhecer a
falsa... A pesquisa de uma linha de demarcação revelou-se, porém, mais difícil do que
se podería crer, como mostram os trabalhos de um dos mais eminentes e influentes
epistemólogos do século XX, Karl Popper (1902-1994).
Popper, na época morando em Viena, apaixonou-se por todas as idéias
revolucionárias que agitavam a cidade - e também toda a Europa. Primeiro, o
marxismo, que propunha uma interpretação materialista dialética da história baseada
no desenvolvimento das forças produtivas e na luta de classes; os marxistas tiram disso
leis com as quais analisam o
passado e o presente da humanidade e predizem o que, segundo eles, não pode deixar
de acontecer, a saber: o advento do comunismo. Em seguida, a psicanálise, que propõe
o conceito de inconsciente, assim como um modelo do psiquismo humano (o tópico),
fazendo intervir as pulsões, o recalque, um Id, um Ego e um Superego, e que explica,
graças a essas categorias, os sonhos, os lapsos, bem como os comportamentos - e até
certas doenças que a psicanálise pretende tratar. Na física, a teoria geral da relatividade
proposta por Einstein acaba de ser anunciada. Nesse caso, igualmente, é o que torna à
primeira vista esses três sistemas similares, categorias abstratas e gerais são invocadas
no contexto de uma teoria e servem para explicar e predizer determinados fenômenos.
Para Popper, o que sustentará a distinção entre essas três teorias e faz com que as
duas primeiras não sejam científicas, mas a última sim, é o risco de que essa última
seja incompatível com certos resultados passíveis de observação.
Popper, em outros termos, propôs a capacidade de falsificação como critério de
distinção da ciência, ou seja, sua capacidade de fazer previsões passíveis de teste pela
experiência e por ela desmentidos. Em resumo, uma teoria científica pode ser falsa
porque seria possível descobrir sua falsidade. Quanto aos marxistas e aos freudianos,
eles descobrem apenas confirmações de suas idéias em toda experiência; nada, jamais,
contradiz suas teorias. Precisamente nisso reside a marca da pseudociência, estima
Popper. Essa idéia é bastante interessante, mas, infelizmente, tem seus limites.
Para compreendê-la, considere o seguinte exemplo, que é histórico.
A órbita de Urano, como observaram os astrônomos, era sistematicamente
diferente daquela prevista pelos cálculos efetuados a partir da mecânica newtoniana, na
época o modelo exemplar de uma teoria científica. Encontrávamo-nos, portanto, diante
de uma teoria falsificada pela experiência. Mas os físicos e os astrônomos não
renunciaram por isso à mecânica newtoniana. Ao contrário, procuraram na experiência
o que sabiam na teoria. Uma das possibilidades era a existência de outro planeta,
desconhecido, que os cálculos não consideravam. Adams e Leverrier propuseram então
a hipótese de que a força gravitacional desse planeta ainda não descoberto explicava a
diferença entre as observações da órbita de Urano e as previsões da teoria. Essa
diferença seria eliminada se considerássemos a atração desse novo planeta nos
cálculos. O planeta foi efetivamente descoberto: tratava-se de Netuno.
Penso, da minha parte, que, à maneira de Mario Bunge, a distinção entre ciência
e pseudociência deve ser feita em graus contínuos, as pseudociências irremediável e
realmente fajutas às ciências reais mais sólidas e críveis, passando pelas protociências
(as ciências em via de se tomar científicas) e pelas ciências menos garantidas. Os
critérios que permitiríam fazer essas distinções seriam, por necessidade, múltiplos.
Vejamos as características de uma pseudociência segundo Bunge:8
- Um campo de pesquisa pseudocientífica é composto por uma pseudo- comunidade de
pesquisadores, da qual faz parte um grupo de fiéis mais do que uma associação de pesquisadores criativos e
críticos.
— A sociedade que a abriga a apoia por razões comerciais ou simplesmente a tolera,
marginalizando-a.
O domínio da pesquisa compreende entidades, propriedades ou acontecimentos irreais ou, no
mínimo, não é possível demonstrar serem reais.
— A perspectiva geral adotada compreende uma ontologia e admite entidades ou processos
imateriais (como espíritos) ou espíritos desencarnados; uma epistemologia que admite possibilidades
cognitivas para- normais, argumentos de autoridade e produção arbitrária de dados; um ethos que bloqueia
a pesquisa livre da verdade a fim de proteger um dogma.
- O pano de fundo formal é muito pobre, fraudulento (admite pseudo- quantidades) ou puramente
ornamental.
- O pano de fundo específico (disciplinar) é inexistente ou minúsculo: as pseudodêndas não aprendem
nada ou muito pouco sobre os fatos da ciência e não trazem nada em troca para a ciência.
- Os problemas que aborda são essencialmente imaginários ou práticos: não encontramos nela
problemas importantes de pesquisa fundamental.
- O capital de saber contém um bom número de conjeturas falsas ou inverificáveis, que se opõem às
hipóteses científicas bem confirmadas, mas não propõe nenhuma hipótese universal bem confirmada.
- Entre seus objetivos, não encontraremos a descoberta de leis e sua utilização para explicar ou
predizer fatos.
- Entre os seus métodos, encontram-se procedimentos que não podem ser duplamente verificados
nem são defensáveis por teorias científicas estabelecidas. Em particular, a crítica e os testes empíricos não
são bem-vindos. Não encontraremos um campo de pesquisa contínuo e, se for uma pseudociênda, poderá,
no máximo, desembocar em outra pseudociênda.
- Por fim, uma pseudodênda é, em geral, estagnante e não muda a não ser por meio de discussões
internas ou por pressões externas, mais que em conseqüênda de resultados de pesquisa: em outras palavras,
ela é isolada e fechada na tradição.
Conservadorismo, enfim. Uma hipótese, assertiva ou teoria coerente com nossos saberes mais bem
fundamentados deves, em geral, ser preferível a uma teoria que não o seja.
Para trazer proteção imediata a seu proprietário, a cápsula contém também um fragmento de fio
vermelho proveniente do túmulo de Raquel em Jerusalém.
O aparelho compreende, enfim, uma bobina especial Ethero-Magnética geradora de Orgone
Caduceus, que utiliza a medida 'cubale perdido', uma fórmula mágica e sagrada tão profunda que seu valor
exato não pode ser encontrado em nenhum lugar na literatura antiga ou moderna. Na verdade, apenas
alguns raros indivíduos e cientistas conhecem seu valor preciso.
(Jau! Tudo isso por apenas US$90! Além do frete e da manutenção...
Traduzido - no mínimo, com muita dificuldade - de http://www.lifetechnology.org/kabbalahcapsu- le.htm.
Diante dos resultados da pesquisa que você deseja examinar com mais atenção,
deveria tentar encontrar respostas a todas as questões, ou para a maioria delas.
Questões gerais e preliminares
Que instrumentos de medida foram mantidos? Que definições são dadas do que é
mensurado? São fornecidas especificações quanto à confiabilidade e à validade dos
instrumentos?
As conclusões
Proponho, para concluir esta seção sobre ciência, um modelo que ajudará a
refletir de maneira mais coerente e mais rigorosa sobre essas “teorias”, assertivas ou
hipóteses que poderiamos qualificar de bizarras ou extraordinárias e que, com
frequência, são submetidas à nossa aprovação. Esse modelo foi concebido e
desenvolvido por Theodore Schick Jr. e Lewis Vaughn, exatamente para nos ajudar a
pensar em iveird things (coisas estranhas). Acho-o bastante útil e pertinente; espero que
você também concorde com essas qualidades.
Em inglês, o modelo chama-se S-E-A-RCH (um acrônimo), o que proponho
traduzir em francês para EN-QU-E-TE (outro acrônimo).6 Eu o apresentarei primeiro,
depois o convidarei a aplicá-lo em um objeto, a homeopatia. Minha apresentação desse
modelo e o exemplo que o segue parafraseiam o discurso de seus criadores.10
O modelo ENQUETE compreende quatro etapas:
1. Enunciar a proposição.
2. determinar o QUe é invocado para sustentá-la.
3. Examinar outras hipóteses.
4. Testar todas as hipóteses.
5.
Vejamos mais de perto.
A primeira etapa consiste em proferir da maneira mais clara possível a
proposição. A idéia é bastante simples: não deveriamos avaliar de maneira crítica uma
proposição que não compreendamos com clareza e sobre a qual não tenhamos uma
idéia precisa do que significa. Com muita freqüência, as proposições que nos pedem
para admitir não são nem precisas nem claras. A primeira etapa consistirá, portanto, em
formulá-las nitidamente. Em suma: o que é proposto exata e precisamente?
A segunda etapa consiste em especificar e determinar que argumentos e dados
serão apresentados para sustentar a proposição. Os argumentos são válidos? Os dados
são confiáveis, fidedignos? Com certeza, nada substituirá jamais o fato de ser
informado para fazer o julgamento adequado sobre tudo isso.
A terceira etapa se resume a questionar e examinar outras hipóteses possíveis.
Pergunte-se se outras hipóteses além da proposta não poderiam, também, ser pensadas
em favor da proposição. E sempre sábio não concluir rápido, considerar outras
explicações possíveis ou dizer que, mesmo que não consigamos logo encontrá-la, será
possível encontrar uma.
A quarta e última etapa consiste em saber e testar cada hipótese segundo os
critérios de adequação que vocês já conhecem: possibilidade de ser testada,
fecundidade, extensão, simplicidade, conservadorismo.
Sem dúvida, você entendeu que tudo isso deve ser aplicado de maneira razoável,
e não mecanicamente, aberta ou de forma dogmática.
Apliquemos agora esse modelo a um objeto; com os autores do modelo, de-
bnicemo-nos sobre a homeopatia.
Fundada por S. Hahnemann (1755-1843), a homeopatia11 consiste em uma
prática médica hoje ainda bastante difundida, inclusive em Québec. Seus partidários
dirão que “funciona”. Mas, como você é adepto do pensamento crítico, para convencê-
lo serão necessários mais do que simples casos.
Os produtos homeopáticos são fabricados da seguinte maneira. Tomamos uma
parte da substância ativa (uma planta, por exemplo) e diluímos em dez partes de água.
Em seguida, diluímos uma parte da poção resultante em dez novas partes de água. A
razão agora é de 1/100. Continuamos dessa forma, agitando a cada vez a mistura. Em
geral, um medicamento homeopático possui uma dose dita 3 0X, o que quer dizer que a
operação foi repetida trinta vezes. Portanto, no total, a razão, de uma parte da
substância ativa por 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 partes de água.
Outros medicamentos possuem uma preparação dita de 30C: nesse caso, a diluição é
feita a cada etapa em cem partes de água. Obtemos, dessa maneira, uma parte da substância
ativa por 1 seguido de noventa zeros partes de água. A poção resultante não tem então, até o
momento, uma única molécula da substância de partida.
Para explicar que “isso funciona”, no entanto, os homeopatas invocam efeitos
desconhecidos (e mesmo considerados impossíveis) pela biologia e pela química — a
“memória da água”, por exemplo — ou entidades e processos misteriosos como a força
vital, a harmonia etc.
Estranha maneira de se cuidar? Com certeza. Explorando um pouco, você
descobrirá que a homeopatia baseia-se em dois princípios.
O primeiro está na cura do semelhante pelo semelhante. Os homeopatas dizem:
similia similibus curantur. O segundo afirma que, quanto menor a dose, maior a
eficácia do medicamento. No total, o homeopata pensa que doses infi- nitesimais de
substâncias que causam os sintomas de uma dada doença em um indivíduo com saúde
têm propriedades de tratar um indivíduo que sofre dessa doença.
Que devemos pensar? Agora é sua vez de agir aplicando o modelo ENQUETE.
Eis algumas pistas para nos ajudar.
Proferida a questão, você deve especificar de maneira satisfatória o que propõem
os partidários da homeopatia.
Em seguida, deve questionar o que é invocado para sustentar essa idéia.
Encontrará muitos casos, mas também estudos evocados pelos defensores da
homeopatia, que são, quase todos, sistematicamente recusados, por razões
metodológicas, por seus adversários e por observadores mais neutros.
Outras hipóteses podem ser examinadas para explicar as melhoras relatadas pelas
pessoas que se tratam com homeopatia? Você podería com certeza formulá-las. Saiba,
em especial, que a maioria das doenças que contraímos em nossa vida - em particular
as tratadas pela homeopatia — desaparece por si mesmas com o tempo. Saiba também
que a avaliação de medicamento deve considerar o efeito placebo, pelo qual uma
substancia possui efeitos curativos pelo simples fato de ser deglutida e de se acreditar
em seus efeitos.
Por fim, resta saber e testar as hipóteses concorrentes mantidas segundo os
critérios de adequação... e concluir.
Capítulo 5 As mídias
Nada pode ser mais irracional do que dar poder ao povo, privando-o, porém, de
informação sem a qual são cometidos os abusos de poder.
Um povo que quer governar a si mesmo deve armar-se do poder que proporciona a
informação. Um governo do povo, quando o povo não é informado ou não tem meios
de adquirir informação, saberia ser apenas prelúdio àfarsa e à tragédia - e talvez até
mesmo a ambos.
James Madison
COLUCHE
INTRODUÇÃO
Com certeza, o povo não quer a guerra. Isso é natural e compreendemos. Mas, afinal, são os
dirigentes do país que decidem a política. Quer se trate de uma democracia, de uma ditadura fascista, de um
parlamento ou de uma ditadura comunista, será sempre fácil levar o povo a segui-los. Tenha ele ou não o
direito àpalavra, o povo pode sempre ser levado a pensar como seus dirigentes. E fácil. Basta dizer-lhe que é
atacado, denunciar a falta de patriotismo dos pacifistas e garantir que colocam o país em risco. As técnicas
continuam as mesmas, não importa opaís.
Hermann Goering (durante o seu processo em Nuremberg)
O universo das mídias é de direito, com a escola, o lugar privilegiado de
aprendizagem do pensamento crítico cidadão. Um bom número de pessoas pensa que
elas escrevem ou refletem tudo o que se passa no mundo, ou, pelo menos, tudo o que
acontece de importante; e o que nos transmitem é fruto do trabalho de pesquisas
independentes realizadas por jornalistas, de tal modo que estabelecem por si próprias, e
de maneira autônoma, o conteúdo daquilo que veiculam; que a descrição do mundo
que aí encontramos é essencialmente neutra e completa e que os fatos e opiniões são
sempre - e de modo reconhecível - distintos uns dos outros.
Contudo, as recriminações acumulam-se nas grandes mídias ocidentais. Nós as
criticamos, entre outras questões, pelo fato de se entregarem aos índices de audiência,
que as colocam cada vez mais na perigosa vertente da demagogia e do
sensacionalismo. Acrescentou-se também, após alguns anos, a esses motivos de
apreensão, a concentração crescente dos meios de comunicação de massa. Mas existe
outra razão, talvez mais fundamental, para se preocupar com o desempenho das mídias
e com sua contribuição para a vida democrática. Trata-se da concepção bastante
particular de democracia sobre a qual tendem a se apoiar determinadas instituições
contemporâneas muito influentes. Convém, de acordo com essas fontes, não apenas
informar, mas marginalizar o público, que deveria se tomar, de preferência, espectador,
e não ator da vida política. Tudo isso toma imperativo o exercício do pensamento
crítico diante desses meios, como você compreenderá com o exemplo seguinte.
Em 2 de agosto de 1990, o Iraque foi invadido pelo Kuwait. No mesmo instante,
e com uma rapidez e vigor pouco comuns, a brutal agressão foi condenada pelas
Nações Unidas, que, em 6 de agosto, impuseram sanções contra o Iraque.1
Estamos no outono de 1990 e ocorrem acirrados debates sobre a oportunidade de
uma intervenção militar dos Estados Unidos - de quem Saddam Hussein fora, por
muito tempo, um amigo bastante querido, um aliado precioso e parceiro comercial
exemplar.
Nesse exato momento, ocorre algo que permanece na memória de todos - do qual
você se lembrará, com certeza, mesmo que tenha acompanhado apenas
superficialmente. Recordemos os fatos.
Uma pequena jovem chamada Nayirah apresenta-se em Washington diante do
Comitê dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Os membros do Congresso,
assim como o público americano, ficaram completamente atônitos com o testemunho
dessa jovem kuwaitiana de 15 anos, que conta, em lágrimas, horrores inominados.
Ela descreve como os soldados iraquianos tomaram de assalto um hospital no
Kuwait onde ela trabalhava como voluntária, roubaram as incubadoras e mataram, ou
deixaram morrer, 312 bebês, que agonizaram no chão da maternidade.
As mídias divulgaram a notícia em todo o mundo. Saddam Hussein, ainda um
amigo muito querido, tomou-se, depois de 2 de agosto, o “açougueiro de Bagdá”, após
o testemunho de Nayirah, e seria um tirano “pior que Hitler”.
Os partidários de uma guerra contra o Iraque fariam um bom uso desse precioso
testemunho, em particular contra os defensores das sanções e da busca por uma
solução política e negociada para o conflito — o que o Iraque havia, aliás, proposto em
meados de agosto às Nações Unidas.
Nas semanas seguintes ao testemunho de Nayirah, o presidente Bush (pai), em
seu discurso, evocou, no mínimo cinco vezes, o episódio contado pela pequena jovem,
lembrando toda vez que esses “horrores assustadores” nos “levam a Hitler”.2 Com a
ocorrência, logo depois, dos debates acerca da possibilidade da guerra, mais de sete
senadores americanos também se referiram ao depoimento de Nayirah.
A moção que decidiría sobre a entrada na guerra passou, finalmente, por cinco votos.
A campanha de bombardeamento, que não poderiamos de maneira razoável chamar de
guerra, teria, então, início — aprovada, maciçamente, pelo público americano. O
panorama internacional, bastante modificado após a queda do muro de Berlim, acabara
de se transformar de modo considerável, e o presidente Bush tinha bastante consciência
disso. Na transmissão do NBC NightlyNews, em 2 de fevereiro de 1991, ele garantia
com confiança: “Os Estados Unidos possuem nova credibilidade. Somos nós que
decidimos o que vai acontecer U.S. has a neiv credibility. What ive say goes).”
O bastão no auge
Fazer publicidade é agitar o bastão no chiqueiro.
GeorgeOrwell
"Existem, na essência, dois tipos de publicidade. O primeiro tipo é o que faz promessas - a de
satisfazer desejos e de aliviar os medos: essa espécie nos dá, em geral, mais 'razões' para crer que o produto
cumprirá suas promessas. O segundo tipo é a propaganda de identificação, que vende seu produto levando-
nos a nos identificar com ele (ou com uma companhia). Entende-se que a maioria dos anúncios recorre a
uma combinação dos dois procedimentos.
[...] Devemos desconfiar quando:
1. A propaganda não nos fala dos defeitos dos produtos, levando-nos, assim, a cometer o
paralogismo da supressão de dados. Por exemplo, uma publicidade para um
medicamento sem receita não falará de seus efeitos colaterais.
2. A propaganda utiliza diversos truques psicológicos, em vez de apelar diretamente à
razão. Por exemplo, [...] a identificação, o humor e a repetição.
3. A propaganda é, com frequência, enganosa, em especial quando leva a acreditar em
falsas implicações, mesmo quando diz a verdade [...], além de utilizar palavras fuinhas
e qualificações.
4. A propaganda recorre a diversas formas enganosas, por exemplo: ‘O melhor jornal do
mundo'.
5. A propaganda utiliza com frequência jargões ou faz algo que nos confunde. Por
exemplo: 'Mais branco que o branco'.
6. A propaganda nos leva a raciocinar de maneira falaciosa. Por exemplo, os
testemunhos nos convidam a cometer o paralogismo do apelo à autoridade.
7. A propaganda tende a transformar nossos valores e nos fazer adotar valores que os
produtos anunciados poderíam com facilidade satisfazer.
É importante compreender bem que os candidatos dos partidos políticos, assim como as políticas
públicas, são essencialmente anunciados e vendidos da mesma maneira que outros produtos. Dessa forma, a
identificação e a fabricação de imagens são procedimentos bastante corriqueiros,"
Fonte: H. Kahane, Logic and ContemporaryRhetoric- The Use ofReason in EverydayLife, pp. 228-229.
O terceiro filtro é constituído pela dependência das mídias em relação a certas
fontes de informação: o governo, as próprias empresas - em particular, por intermédio de
empresas de relações públicas -, os grupos de pressão, as agências de imprensa. Tudo
isso cria, finalmente, por simbiose, se podemos assim dizer, uma espécie de afinidade
tanto burocrática quanto econômica e ideológica entre os meios de comunicação de
massa e aqueles que os alimentam, relação proveniente da coincidência de interesses entre
uns e outros.
O quarto filtro são os flaks, ou seja, as críticas que os poderosos dirigem às mídias
e que servem para discipliná-las. No final das contas, tendemos a reconhecer que existem
fontes confiáveis, comumente admitidas, e poupamos trabalho e eventuais críticas
referindo-nos a elas quase de forma exclusiva e acreditando em sua imagem de
competência. O que dizem essas fontes e esses especialistas é da ordem dos fatos; o resto
é da ordem da opinião, do documentário subjetivo e, por definição, de menor valor.
Com certeza, o conjunto desses comentários ainda é bastante circunscrito por tudo que
o precede.
O quinto e último filtro foi batizado por Herman e Chomsky de anticomunismo;
essa denominação está marcada de forma evidente pela conjuntura americana. Ela
reenvia de modo mais amplo, na verdade, à hostilidade das mídias em relação a toda a
perspectiva de esquerda, socialista, progressista etc.
Alguns dos interesses não-desprezíveis de tal modelo é que podemos submetê-lo
à prova dos fatos. Com freqüência admirável, as observações estão, em grande parte,
em conformidade com as previsões. Se nos colocarmos na perspectiva da democracia
participativa, isso significa em especial, por um lado, que os fatos que deveríam ser
absolutamente conhecidos por todos não o são ou são muito pouco e, de outro, que as
interpretações dos acontecimentos, que teriam de ser compreendidas e discutidas, não o
são ou são muito pouco.
A feira de Abbotsford? Não conhece...
As mídias procedem quase sempre a uma dicotomização dos fatos e de suas interpretações,
acentuando um acontecimento e minimizando outro. Mas isso nem sempre se verifica: em certos casos,
percebemos mais a ocultação total de determinados eventos - que cada um deve compreender que não seria
educado evocá-los.
0 envolvimento canadense nas vendas de armamentos militares constitui um bom exemplo do que
quero dizer.
Com certeza, a imagem comumente projetada sobre os canadenses é de um Canadá gentil e
guardião da paz. Mas essa percepção não resiste à análise e à observação. É assim que a porção do
orçamento militar nacional consagrado às missões de paz representa apenas uma fração ínfima, que está
muito longe de se aproximar do montante das vendas de armas, sendo o Canadá um dos principais
vendedores de armamentos do mundo.
O Abbotsford InternationalAirshow é um caso concreto e particularmente interessante para se
examinar. Essa feira de armas ocorre em Vancouver desde 1961, e é conhecida em todo o mundo, pelo menos
por aqueles que vendem e compram armamento militar. Mais de setenta países, milhares de delegados e de
homens de negócios a frequentam para encontrar um monte de empresas que vendem brinquedinhos de
matar, entre elas a socialmente assistida Bombardier, mas também outras canadenses, a Marconi e a
Bristoal Aerospatiale.
Como é feita a cobertura dessa feira de armas pelas grandes mídias? A resposta é inequívoca, mas
previsível: não há. Diferenciemos o caso de Québec e o do Canadá inglês.
Em Québec, procurei muito e de diversas maneiras em um banco de dados, e recenseamos, desde
1985, apenas alguns artigos mencionando a feira de Abbotsford. Nenhum deles é crítico nem explica que se
trata de venda de armas. Menciona-se, de modo geral, uma simples feira aeronáutica, lembrando que o
escritório de Québec em Vancouver participa desse evento, que é de "âmbito internacional" (LesAffaires, 9 de
set. de 1995, p. 9), que o "Canadá está de olho no mercado asiático em expansão" e "pretende atrair
compradores" (Le Devoir, 6 de set de 1996, p. A-8) ou ainda que as empresas canadenses (Bombardier) estão
lá impelidas a tomar parte "no lucrativo mercado canadense de peças de motor de avião" (La Presse, 6 de
agosto de 1997, p. B7).
Em outras palavras: isso cria empregos e é tudo o que o público poderá saber.
No Canadá inglês, a situação difere um pouco, sobretudo na Colômbia Britânica. Nessa provínda, o público está
próximo. Resultado? Não falamos mais da venda de armas e as dimensões militares do assunto estão totalmente
atenuadas; mas, de acordo com os dossiês preparados pelas empresas de relações públicas, a feira, como constata
o "politicólogo" Ron Dart, que estudou sua apresentação nas mídias, é descrita como "um divertimento familiar
benigno".
Não é pequeno o sucesso do sistema de doutrinação.
Todo dia, dezenas de pessoas morrem assassinadas por armas de fogo em Springfield;
mas, até hoje, nenhuma delas era importante. Meu nome é Ken Brockman. Sexta-feira,
às 3h da tarde, o autocrata local C. Montgomery Bums foi atingido por uma bala após
intenso confronto na Prefeitura e enviado, no mesmo instante, para o hospital local,
onde o declararam morto. Em seguida, foi transferido para um hospital melhor, onde os
médicos o ajudaram a se recuperar, de forma progressiva, até “viver”.
OS Simpsons (Episódio 2F20,17 de maio de 1995)
1.Seja advogado do diabo. Diante de uma afirmação ou uma tese, procure o que poderia ser
alegado contra ela indagando se existem outros pontos de vista e razões para sustentá-la.
2.Substitua palavras. Divirta-se substituindo certas palavras utilizadas por outras com conotações,
até denotações diferentes e questione a si mesmo se os novos significados não poderíam também ser
defendidos: anuncia-se o livre-comércio? Substitua por “comércio administrado”. Com freqüência, isso
corresponde muito bem à realidade. Fala-se em educação? Use “doutrinação”. Discutem-se ecologia e
proteção do ambiente? substitua... é sua vez!
3.Escreva ou telefone para as mídias. Você leu ou ouviu algo inaceitável? Re clame. Os jornalistas e
seus patrões são sensíveis às críticas do público.
5.Seja dançarino ou dançarina. Praticar a arte de dançar com as idéias que evocava Nietzsche é
crucial para você. Analise um dado acontecimento tal como está descrito nos grandes meios de comunicação.
Divirta-se examinando-o em diferentes contextos conceituais e multiplique as perspectivas. Como seria
descrito no Terceiro Mundo? E nos bairros desfavorecidos ou nos bairros mais ricos de sua cidade?
6. Observe as conivências e as trocas. As pessoas das mídias fazem parte de certa elite e têm
relações entre elas e com a elite cuja observação é importante. X convida Y para o seu programa, que, por
sua vez, fala de seu livro em sua crônica, Z convida-o para uma conferência na França, e assim por diante...
Sobre esse assunto, existe, de fato, uma grande convergência de opiniões. O fato de colocá-los uns
diante dos outros - como se fossem comparáveis e pudessem se equilibrar, as opiniões dos especialistas e as
dos grupos de pressão - dá uma ilusão profundamente enganosa de simetria. Um estudo recente da Fairness
and Accuracy In Reporting (FAIR) demonstra isso de maneira admirável.16
8.Compare, por exemplo, com a ajuda da Internet, os tratamentos pro postos aos mesmos
acontecimentos em dois países diferentes.
9.Conheça com perfeição, de maneira a poder reconhecer os pratican tes, os dez mandamentos da
Igreja da ideologia.
10.Saiba reconhecer o que o Observatoire des médias, na França, chama de figuras impostas.
O observador crítico dos meios de comunicação em massa prestará atenção especial aos gêneros e
práticas que têm como efeito:
13.Considere o título dado a um artigo ou notícia. Está em conformida de com o que leu? Que outro
título seria possível? Desejável? Existem razões que possam explicar por que esse título, e não outro, foi
utilizado? Lembre-se de que, se os cronistas e editorialistas colocam os títulos nos próprios textos, em geral,
esse não é o caso das notícias e de outros tipos de textos.
14.Identifique as fontes que alimentam as mídias que você não conhece e procure saber mais sobre
elas. Se praticar uma escuta e uma leitura ativas, você não tardará a perceber fontes citadas de maneira
recorrente: o Institut Fraser, o FMI, o Conseil canadien des chefe d'entreprise, 1'Institut Economique de
Montréal (IEDM), por exemplo. Do que se trata? A Internet será, com certeza, útil para determinar isso. Visite
os sites dessas instituições. Leia suas publicações. Observe seus vestígios nas mídias. Quando, por quem, com
que freqüência, como e com que finalidade esses estudos são utilizados?
15. Aprenda o que são as lendas urbanas e não caia mais nessa mentira grosseira.
Lendas urbanas
Histórias belas demais para serem verdadeiras...
Você conhece a história dessa jovem a quem os pais pediram para tomar conta do bebê e colocar o
frango no forno enquanto iam ao restaurante? Ao voltar para casa, algumas horas depois, os pais
constataram com horror que a jovem, que estava completamente drogada, havia colocado o bebê no forno.
Ou ainda, a história do estudante que chegou atrasado no exame universitário de matemática? Havia
três problemas escritos no quadro. O estudante, bem-dotado, resolveu com facilidade os dois primeiros, mas
parou no terceiro. Ele trabalhou sem parar e terminou in extremis, logo antes de entregar sua prova, e
encontrar o que pensava ser uma solução possível. No dia seguinte, recebeu um chamado do professor. O
aluno estava convencido de que errara o terceiro problema. Mas o professor anunciou-lhe que os dois
primeiros problemas faziam parte do exame; o terceiro, que estava escrito no quadro a titulo de exemplo,
não. Era, explica o professor, um problema insolúvel há um século, e que o próprio Einstein fora incapaz de
resolver. Ora, o estudante acabara de solucionar e, assim, entrar para a história da matemática.
Você sabia que uma cadeia defast-food, cujo nome não diremos, usa minhocas em lugar de carne de
boi para fabricar seus hambúrgueres? O amigo de um amigo soube disso da maneira mais estranha...
Essas histórias são o que chamamos de lendas urbanas, pois é assim que nomeamos o interessante e
complexo fenômeno social dessas mitologias contemporâneas.
Tais narrativas circulam na cultura popular e são repetidas apenas com algumas variações. Com
freqüência, a isca é que o narrador contará algo que soube por um amigo de um amigo: essas histórias vêm
quase sempre de outro lugar e os norte-americanos que colecionam e estudam lendas urbanas criaram um
acrônimo para designá-las: FOAF - Friend OfA Friend.
Essas histórias não são todas necessariamente falsas; aliás, não podemos, é evidente, provar que o
que foi dito não aconteceu - porque não podemos provar uma proposição factual negativa. Mas não
dispomos, de modo geral, de nenhuma prova confirmando que tenha realmente acontecido. Quem quer que
siga a pista dessas histórias encontrará sempre impasses: o amigo do amigo não existe, ou sabia ele mesmo
a história de um amigo que dizia conhecer um amigo etc.
Procuremos uma definição que reúna as características comuns das lendas urbanas.
Essas lendas são histórias apócrifas (ou seja, duvidosas e suspeitas) pouco plausíveis, que circulam
quase sempre oralmente entre indivíduos (mesmo que as encontremos na Internet e em compêndios) e são
contadas como se fossem verdadeiras. Muitas vezes, a pessoa que narra reivindica uma fonte próxima e
confiável com quem a história aconteceu. Contudo, o narrador não fornece, comumente, nenhum nome ou
dado verificável.
As lendas urbanas são também boas histórias, capazes de despertar o interesse dos ouvintes,
permitindo ao narrador desenvolver seu talento. Em geral, apresentam um resultado bizarro, surpreendente
ou inesperado. As pessoas comuns são descritas em situações em que vivenciam algo terrível, irônico ou
incômodo. Enfim, elas contêm, muitas vezes, uma moral ou advertência implícita relativa a certos medos ou
fobias difundidos.
Para conhecer mais sobre as lendas urbanas, consultaremos prioritariamente os trabalhos de Jan
Harold Brunvand, o pesquisador que, nos anos 80, lhes nomeou em seu livro The Vanishing Hitchhiker. Depois
disso, não parou de inventariá-las e estudá-las. Citemos, por exemplo, Too Goodto be True. The Colossal Book
of Urban Legends, cuja referência completa está na bibliografia.
17. Consulte com regularidade, mas sobretudo em tempos de crise, os sites da Anistia Internacional e
dos Direitos Humanos, por exemplo. Você encontrará informações preciosas pouco ou não mencionadas nos
grandes meios de comunicação.
18. Siga de forma sistemática os temas e os assuntos de longa duração, por exemplo, na mesma
mídia.
19. Compare o tratamento proposto por uma mesma mídia para dois assuntos que possamos
considerar compatíveis em todos os aspectos, menos um. Por exemplo, compare o tratamento reservado a
atos criminosos cometidos por inimigos e aquele dedicado a atos similares, porém cometidos por nossos
amigos. Compare acontecimentos incomparáveis. Um sindicalista é acusado de ter quebrado uma porta?
Compare o tratamento dispensado a esse evento com o de um patrão que comete um crime muito mais
grave, envolvendo morte, por exemplo.
20. Transcreva, se tiver paciência, tudo o que se diz durante o telejomal.
Analise depois o texto de maneira quantitativa: quantas palavras foram pronunciadas sobre esse ou
aquele assunto? Por quem? A quantas páginas de seu jornal preferido isso corresponde? Compare os
resultados com os diferentes textos escritos. Não me queira mal se você concluir, com razão, que jamais
escutará informações na televisão.
22. As fontes utilizadas são determinadas? São múltiplas? Fidedignas? Há como suspeitar se lhe
falam em “fontes autorizadas” ou “observadores”.
24. Os especialistas. E preciso aprender a reconhecer não apenas quem fala e de onde fala, mas
também que ponto de vista deixou de ser representado, quem não é convidado ou nem tem o direito à
palavra. Portanto, preste muita atenção ao pertencimento institucional dos especialistas, em particular
daqueles que retomam sem parar às mídias para se expressar sobre certos assuntos, ou em tempos de crise.
25. Estude filosofia política. Cada um de nós vê o mundo pelo prisma de convicções adotadas de
forma mais ou menos consciente. Essas convicções podem ser ventiladas de maneira cômoda em duas cate‐
gorias: valores e concepções de mundo. Um bom número de debates são fundamentalmente conflitos entre
valores e visões de mundo diferentes às quais os protagonistas aderem com firmeza. Para conhecê-los, tome
a resolução de estudar os grandes sistemas que os organizam de maneira sistemática. Você não pode adotar
uma atitude crítica em relação às mídias se não sabe o que são o liberta- rismo, o liberalismo, a social-
democracia, o keynesianismo, o utili- tarismo, o monetarismo, o socialismo, o anarquismo, o feminismo, o
comunitarismo etc.
26. O vocabulário. Lembre-se de tudo que vimos no primeiro capítulo deste livro: eis o momento
sonhado de utilizá-lo.
27. Os números. Lembre-se de tudo que vimos no segundo capítulo deste livro: eis o momento
sonhado de utilizá-los.
28.Leia Chomsky. Seus livros, evidentemente, mas também seus artigos. Ele escreve com
regularidade na Z Net, onde mantém um blog no qual você pode lhe fazer perguntas.
Chomsky in extenso
Se você deseja aprender algo sobre o sistema de propaganda, um preceito cômodo a seguir é
procurar identificar os postulados de maneira tácita portodos os críticos: em geral, aí residem as doutrinas
que constituem a religião do Estado.
Se afirmo que a General Motors quer maximizar seu lucro e sua participação no mercado, não
proponho uma teoria de conspiração: essa é uma análise institucional.
Se as mídias no Canadá e na Bélgica são mais abertas, em parte é porque o que as pessoas pensam
não tem grande importância.
De tudo aquilo que conhecemos, as operações mais importantes de terrorismo internacional são
aquelas dirigidas de Washington.
Se as leis de Nuremberg fossem aplicadas, todos os presidentes americanos depois do fim da
Segunda Guerra Mundial teriam sido enforcados.
A educação é um sistema de imposição de ignorância.
[Se] você se conformar, começará a obter os privilégios conferidos ao conformismo. Logo, porque é
útil crer nisso, acreditará no que lhe dizem e interiorizará o sistema de doutrinação, de distorções e de
mentiras. Será também um membro que consente que a elite privilegiada exerça controle sobre o
pensamento e o doutrinamento: tudo isso se produz de maneira bastante corriqueira, até os mais altos
escalões. É de fato muito raro - se existe - que alguém possa suportar o que chamamos de "dissonância
cognitiva" - dizer uma coisa e crer em outra. Portanto, você começará a falar de certos assuntos porque é
necessário comentá-los e, em breve, acreditará no que diz.
Seja conciso - falas entre dois anúncios ou com seiscentas palavras. Também é muito importante,
porque a beleza da concisão é não permitir nada mais que a repetição de idéias convencionais.
Um especialista é alguém que articula o consenso daqueles que estão no poder.
O modelo propagandista não diz que as mídias repetem as posições daqueles que dirigem o país,
como é o caso de um regime totalitário; diz que as mídias refletem em geral o consenso das elites
dominantes da dupla Estado-empresas, compreendidas as posições daqueles que se opõem, com maior
frequência por razões táticas, a determinados aspectos das políticas governamentais. Pelos próprios
fundamentos, o modelo sustenta que os meios de comunicação em massa protegerão os interesses dos
poderosos, não que vão deixar escapar de suas críticas os administradores do Estado: a persistente
incapacidade de aprender essa distinção poderia refletir bem as tenazes ilusões quanto a nosso sistema
democrático.
Talvez seja um truísmo, mas o postulado democrático é que as mídias são independentes, que se
dedicam a descobrir e a proclamar a verdade e que não refletem apenas o mundo como os grupos
dominantes queriam que fosse visto. Os líderes desses meios de comunicação garantem que suas escolhas de
noticias estão fundamentadas em critérios profissionais e objetivos e não-tendenciosos, e possuem sobre
essa questão o apoio da comunidade intelectual. Enquanto isso, se as elites estão em posição de determinar
as premissas do discurso, de decidir o que a população em geral pode ver, ouvir e aquilo em que pode pensar
e "gerar" a opinião pública pelas constantes campanhas de propaganda, então nossa descrição habitual do
funcionamento do sistema é desmentida de maneira considerável pela realidade.
A maioria das tendências das mídias explica-se pela pré-seleção de pessoas que pensam como lhes
convém, pela interiorização de preconceitos e pela adaptação do pessoal às limitações da propriedade, da
organização, do mercado e do poder político. A censura é, em grande parte, autocensura.
As massas ignorantes devem ser marginalizadas, divertidas e controladas - para o seu bem, não é
preciso dizer.
Eles escolhem, decidem, preparam, controlam, restringem - e atendem, assim, aos interesses dos
grupos dominantes e das elites da sociedade.
Muitos jornalistas não compreendem as forças das quais dependem. Alguns são maleáveis, outros
tentam agir com integridade e são surpreendidos por resistências que encontram A suposta complexidade
dessas questões [em relação à política], a pretensa profundidade e obscuridade, tudo isso faz parte da ilusão
veiculada pelo sistema de controle ideológico, que busca mantê-los muito distantes da massa da população e
persuadir as pessoas de sua incapacidade de organizar os próprios negócios e compreender o mundo social
no qual vivem sem a ajuda de um intermediário.
Extraído de Manufacturing Consent, o filme e a obra.
29. Leia com regularidade outras fontes de informação. O quadro a se guir poderá ajudá-lo a
escolher. Leia e freqüente não apenas a imprensa e as mídias independentes e alternativas, mas também a
imprensa e as mídias especializadas.
31. Recorde-se de que todo mundo tem valores e pressupostos. Desconfie, portanto, dos autores de
Petit cours d'autodéfense intellectuelle. Este livro, em todo caso, não esconde que suas convicções são
libertárias e o convidam a levar isso em conta a fim de avaliar seus propósitos.
Percebo aqui, com tristeza, que este capítulo está quase terminado sem que eu
tenha utilizado uma única vez a palavra cassetete. Ah! Eis o que é acontece...
As mídias independentes
O fato de as mencionarmos aqui não significa que compartilhemos necessariamente os valores de
cada uma: com certeza, cabe a você escolher suas leituras saudáveis.
Mídias impressas
4 bâbord!
http://www.ababord.org/
"a bâbord\ é uma revista que se pretende aberta a todos os componentes da esquerda que-
bequense e ser eco de seus debates e preocupações. Com um engajamento central: a intervenção social e
política. Para refletir não apenas a militância social e política, mas também uma visão da ação social e
política."
CQFD http://www.cequilfautdetruire.org/ Jornal mensal de contra-informação e de crítica social.
CourantAlternatif http://oclibertaire.free.fr/ca.html
0 Courantalternatif editado há mais de vinte anos, é um jornal mensal de contra- informação aberto
às dinâmicas e às lutas sociais.
Dautfoumal http://www.lautjournal.info/
“OLauCjournalé um jornal independente, aberto e popular. Publicado em Québec, todos os meses,
pelo grupo do jornal, desde 1984, e editado pela Éditions du renouveau québécois. L'aut'journalé de
propriedade registrada e todos os direitos são reservados. No entanto, encoraja a reprodução de artigos e
A
fotos indicando a proveniência e enviando uma cópia da publicação ao L uFjournal."
La Décroissance
http://www.casseursdepub.org/journal/index.html
0 projeto do La Décroissance é a única solução possível para o desenvolvimento da miséria e a
destruição do planeta. La Décroissance é um movimento de idéias e um conjunto de práticas que não
pertencem a ninguém. Está a serviço dessa causa, mas não pretende ser o depositário exclusivo. Quer, ao
contrário, ser um vetor de debates e de mobilizações para convencer os partidários do "desenvolvimento
sustentável" de seu impasse. 0 jornal dirige-se, por seu conteúdo, ao grande público com o princípio de que
as escolhas políticas consistem numa tarefa de todos.
Le Couac
http://lecouac.org
Le Couac é um jornal mensal satírico quebequense que ridiculariza a tolice humana. Exemplo de
imprensa livre, crítica e jovial, aborda assuntos da atualidade desprezados pelos jornalistas convencionais.
Esse "pato com dentes" morde todos aqueles que zombam de nós: tecnocra- tas, absconsos, políticos
inconseqüentes, jornalistas complacentes, patrões e homens e mulheres de negócios sem escrúpulos.
Le Mouton NOIR
http://www.moutonnoir.com/
"0 Le Mouton NOIR é um jornal de opinião e de informação publicado oito vezes por ano. 0 Le
Mouton NOIR, na versão 'em papel', está disponível em quiosques por toda Québec."
MotherJones
http://www.motherjones.com/index.html
MotherJones é uma revista independente sem fins lucrativos cujas bases estão em seu
comprometimento com a justiça social implementada por intermédio de uma cobertura investi- gativa de
ponta. A Mother Jones é publicada a cada dois meses.
New Intemationalist
http://www.newint.org/
"A cooperativa dos trabalhadores do New Intemationalist existe a fim de escrever sobre as questões
acerca da miséria e da desigualdade no planeta; chama a atenção para a relação injusta entre os poderosos
e os excluídos em todo o mundo; tem o intuito de debater e fazer campanha pelas mudanças radicais
necessárias, com o objetivo de atender às necessidades básicas de todos; e visa trazer à vida o povo, as idéias
e a ação na luta pela justiça global. A New Intemationalist é uma revista mensal."
PLPL
http://plpl.org
0 jornal de crítica das mídias. "Um bimestral sarcástico contra os órgãos do espetáculo da ordem
mundial capitalista."
Politis
http://www.politis.fr/
Revista francesa publicada semanalmente. Principais temas: ação cidadã e alternativa, atualidade da
economia social e solidária, política, novas formas de engajamento, jogo internacional, cultura, idéias,
protestos.
Silence
http://www.revuesilence.net/
"A revista Silence é publicada desde 1982. Ela pretende ter uma relação com todos que acreditam ser
possível viver hoje de outra forma, sem aceitar o que as mídias e o poder nos apresentam como uma
fatalidade."
Mídias eletrônicas
A-Infos
http://www.ainfos.ca/
"A-Infos é uma agência de imprensa especializada a serviço (fazemos o melhor que podemos) do
movimento dos ativistas revolucionários anticapitalistas que estão engajados em diferentes lutas sociais
contra a classe capitalista e seu sistema social."
Acrímed
http://www.acrimed.org
Cybersolidaires
http://www.cybersolidaires.org/
"0 Cybersolidaires é uma mina de informações atualizadas com regularidade acerca das filhas e mulheres
das Américas e do mundo, em especial sobre a violência contra as mulheres, osfundamentalismos, as mulheres
afegãs, a prostituição e a exploração sexual, assim como a luta pela paz, por uma globalização solidária e para que
as mulheres assumam seu lugar na sociedade da informação e da comunicação."
Ecorev'
http://ecorev.org/
"Revista ecológica de reflexão e de debate, a EcoRev é um instrumento a serviço dos atores e atrizes
na luta pela transformação social e ecológica em escala planetária, provenientes dos movimentos da
esquerda crítica e dos movimentos cidadãos não- partidários emergentes em face da globalização liberal."
Fair
http://www.fair.org/
"0 FAIR, grupo de vigilância da mídia nacional, vem oferecendo críticas bem documentadas das
tendências e da censura da mídia desde 1986. Trabalhamos para fortalecer a Primeira Emenda, ao defender
maior diversidade na imprensa e ao examinar em detalhes as práticas da mídia que marginalizam o interesse
público, os pontos de vista minoritários e divergentes. Como organização contrária à censura, expomos
histórias de noticias negligenciadas e defendemos jornalistas que trabalham quando são silenciados. Como
grupo progressista, o FAIR acredita que a reforma estrutural é basicamente necessária para fragmentar os
conglomerados de mídia dominantes, estabelecer transmissão pública independente e promover vigorosas
fontes de informação não- lucrativas."
Guerrilla News NetWork
http://www.guerrillanews.com/
"A Guerilla News NetWork é uma organização de noticias underground com escritório em Nova York
e instalações de produção em Berkeley, Califórnia. Nossa missão é expor ao povo questões globais
importantes por meio da programação na Internet e na televisão."
Hacktivist news Service
http://www.hns-info.net/
"Se a comunicação está no coração do processo de acumulação do controle imperialista, a
comunicação alternativa que utiliza a Internet é uma das novidades e assume múltiplas formas de
intervenção política, tanto no plano local quanto mundial, fora do contexto ultrapassado dos Estados-nação,
que se opõem à lógica da guerra mundial permanente e difusa, a geometrias, intensidades e conseqüências
variáveis e experimentam novos percursos
de luta, liberação, emancipação de cooperações, troca de saberes, de criação, de prazeres, de afetos
etc."
IndyMédias
http://www.indymedia.org/fr/
"0 Independent Media Center é uma rede de distribuição de mídia operando em grupo para a criação
de relatos de verdades radicais, precisos e apaixonados. Trabalhamos por amor e inspiração pelas pessoas
que continuam a contribuir para um mundo melhor, apesar das distorções das mídias corporativas e da má
vontade em cobrir os esforços a fim de libertara humanidade."
Infoshop.org - Online Anarchist Community http://www.infoshop.org/
"A lnfoshop.org está engajada na promoção e representação de todos os aspectos do anarquismo e
do antiterrorismo contemporâneo."
L'lris
http://www.iris-recherche.qc.ca/
"Possui uma dupla missão. Por um lado, o instituto produz pesquisas, brochuras e folhetos de
propaganda sobre o grande jogo socioeconômico do momento (sistema fiscal, pobreza, globalização,
privatização etc.) a fim de oferecer um discurso diferente daquele da perspectiva neoliberal. Por outro, os
pesquisadores oferecem seus serviços a grupos comunitários, grupos de ecologistas e sindicatos para
projetos de pesquisa específicos ou redação de memórias."
L'ltinérant électronique
http://www.itinerant.qc.ca/index.html
"0 principal objetivo do 1'ltinérant électronique é fornecer aos intervenientes e às interve- nientes do
grande universo das relações de trabalho conteúdos dinâmicos e pontuais sobre acontecimentos locais,
nacionais e internacionais em relação aos grandes processos da atualidade."
L'Observatoire des inégalités http://www.inegalites.fr/
"0 Observatoire des inégalités não é um movimento político. Seu papel não é apoiar esse ou aquele
partido ou associação, mas contribuir para esclarecer ou criticar as escolhas públicas. Por isso, temos a
convicção de que é necessário, de maneira sempre renovada, comprometer-se a elaborar um inventário que
seja o mais completo possível e permaneça acessível ao grande público. Essa posição de observação não
impede - muito pelo contrário - de se pronunciar sobre as políticas públicas, de formular pistas para avançar
em direção à igualdade, ou assinalar essa ou aquela ação extraordinária. Em contrapartida, o Observatoire
recusa uma posição militante de defesa de um único programa: seu objetivo é alimentar o debate aberto, no
limite dos valores compartilhados por seus membros. Ele se maculará ao dar a palavra a todos aqueles que
lhe parecem abrir as vias da igualdade. Nenhum sindicato ou partido poderá tirar proveito de seu apoio
direto."
L'Observatoire français des médias http://www.observatoire-medias.info
"0 Observatoire français [des médias], criado em 24 de setembro de 2003, pretende proteger a
sociedade contra abuso, manipulação, falsidades, mentiras e campanhas de intoxicação dos grandes meios
de comunicação em massa - que acumulam poder econômico e hegemonia ideológica-, defendem a
informação como bem público e reivindicam o direito de saber dos cidadãos."
La Haine - Proyecto de Desobediencia informativa http://www.lahaine.org/
"Estendemos a ação direta e os espaços de poder alternativo. La Haine é um conjunto de pessoas
que, em diferentes lugares da Espanha, difundem lutas que estão acontecendo sobretudo na Europa e na
América Latina."
La Tribu du verbe
http://www.latribuduverbe.com/
Atualidade política, seguida de ações militantes, crítica das mídias. Le portail des copains
http://rezo.net
Um portal de informação alternativa. Seleção de um número muito grande de fontes eletrônicas,
tanto políticas e militantes quanto literárias e artísticas.
Les Pénélopes
http://www.penelopes.org/
"0 Les Pénélopes tem por objetivo promover, editar e difundir informações, utilizando todos os tipos
de mídias, do ponto de vista das mulheres, e favorecendo todas as atividades que garantem a troca, o
tratamento, a atualização, a centralização e a difusão das informações em favor de todas as mulheres do
mundo."
Multitudes
http://multitudes.samizdat.net
"[0] Objetivo [de multitudes] é experimentar as novas condições de enunciação e de agencia- mento
da política, esboçando os problemas que atravessam os campos da economia política, da filosofia, das
práticas artísticas ou de culturas emergentes da liberdade da tecnologia e da informática."
One World.net news
http://www.oneworld.net/section/current
"A OneWorld net abrange cinco continentes e produz conteúdo em 11 línguas diferentes, publicada
em seu site internacional, edições regionais e canais temáticos. Muitos são produzidos no Sul para ampliar a
participação no debate global dos povos mais pobres e marginalizados do mundo."
PRWatch
http://www.prwatch.org/
"A PR Watch, uma publicação quadrimestral do Center for Media & Democracy, dedica-se à
cobertura investigativa do setor de relações públicas. Atende cidadãos, jornalistas e pesquisadores, buscando
reconhecer e combater práticas enganosas e manipuladoras de RR"
Rebelión
http://www.rebelion.org/
"0 Rebelión pretende ser um meio de informação alternativo que publica notícias que não são
consideradas importantes pelos meios de comunicação tradicionais. Também visa dar às notícias um
tratamento diferente, mas objetivo, buscando mostrar os interesses que os poderes econômicos e políticos do
mundo capitalista ocultam para manter seus privilégios e condições atuais."
The Alternative Information Center
http://www.alternativenews.org/
"0 AIC é uma organização palestino-israelense que divulga a informação, pesquisa e análise política
sobre as sociedades palestina e israelense, assim como o conflito entre eles, enquanto promove a cooperação
entre esses povos com base nos valores de justiça social, solidariedade e envolvimento comunitário."
Transnationale.org
http://fr.transnationale.org/
Site de informação sobre as empresas "transnacionais". Uma mina de informação extremamente
rica, precisa e atual.
Z Communications
http://zmag.org
"ZNeté um site atualizado diariamente para transmitir informação e prestar serviço comunitário.
Cerca de trezentas mil pessoas por semana utilizam os artigos da ZNet, em áreas de vigilância, subsites,
traduções, arquivos, links para outros sites, programa diário de comentários e muito mais."
Rádio
CIBL 101,5 FM
http://www.dbl.cam.org/new/index.php
"A CIBL é uma estação radiofônica de Montreal livre, independente e comunitária."
CKIA 88,3 FM Radio Basse-Ville http://www.meduse.org/ckiafm/index2.html
"A CKIA é uma rádio comunitária proveniente, em sua totalidade, de iniciativas populares Desde
1894, seu micro está aberto às causas sociais e às paixões mais diversas. Cerca de membros produtores
criam os sessenta programas que povoam suas ondas."
150
CKUT90.3 FM
http://www.ckut.ca/
"ACKUT é apenas uma estação de rádio comunitária não-lucrativa do campus que fornece música,
notícias e programas alternativos à cidade de Montreal e às áreas vizinhas. Cerca de duzentos voluntários
trabalham intimamente com os coordenadores, não apenas para fazer uma programação de rádio criativa e
perspicaz, mas também para administrar a estação."
CINQ102,3 FM Radio Centre-Ville
http://www.radiocentreville.com/
"A Radio Centre-Ville é a rádio comunitária e multílíngüe de Montreal, desde 1975. Ela faz
transmissões em sete línguas [francês, inglês, espanhol, grego, português, crioulo e chinês (mandarim e
camponês)].”
Vídeos
Big Noise Films
http://www.bignoisefilms.com/
"Big Noise é um grupo de indivíduos, todos voluntários, que produzem mídia não- . lucrativa em todo
o mundo, dedicada a fazer circular imagens bonitas, apaixonantes e revolucionárias."
Les Lucioles
http://www.leslucioles.org/
"Desde setembro de 2002, Les Lucioles divulga seus filmes de caráter sociopolítico. Os filmes têm por
objetivo fazer entender e ver, muitas vezes, realidade diversa da veiculada pelas mídias tradicionais. 0 grupo
não pretende uma objetividade absoluta; ele se engaja mesmo com orgulho em denunciar, propor e suscitar
debates na sociedade. Os cur- tas-metragens engajados combinam diversidade de gêneros e de falas. Por
meio de notas, documentários, ficções, ou ainda filmes de animação, os videastas abordam diferentes
assuntos da atualidade."
Whispered Media
http://www.whisperedmedia.org/
"A Whispered Media utiliza vídeo e outras ferramentas de mídia para dar suporte a campanhas de
justiça social, econômica e ambiental."