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NORMAND BAILLARGEON

PENSAMENTO
CRÍTICO
Tradução
Patrícia Sã
Telefone: (21) 3970-9300 FAX: E-mail: info@elsevier.com.br Escritório São
Paulo:
Rua Quintana, 753/8e andar 04569-011 Brooklin São Paulo : Tel.: (11) 5105-
8555
2507-1991

465.A
:6O?8é
Do original: Petit Cours D’Autodéfense Intellectuelle
Tradução autorizada do idioma francês da edição publicada por Lux Éditeur
Copyright © 2005, Lux Éditeur

© 2007, Elsevier Editora Ltda.


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Editoração Eletrônica: Estúdio Castellani
Revisão Gráfica: Andréa Campos Bivar e Jussara Bivar

Projeto Gráfico
Elsevier Editora Ltda.
A Qualidade da Informação.
Rua Sete de Setembro, 111 - 16s andar
20050-006 Rio de Janeiro RJ Brasil
ISBN 978-85-352-2416-0
Edição original: ISBN 2-89596-006-2

Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara


Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Baillargeon, Normand
Pensamento crítico : um curso completo de autodefesa intectual /
Normand Baillargeon ; [tradução Patrícia Sá]. - Rio de Janeiro : Elsevier,
2007.
Título original: A short course of intellectual self-defense Bibliografia.
ISBN 978-85-352-2416-0
1. Pensamento crítico I. Título.
CDD-160
07-6220,
índices para catálogo sistemático:
1. Pensamento crítico : Filosofia 160

Ao erudito Martin Gardner,


em agradecimento por tudo que me ensinou.
Aos Céticos de Québec,
para destacar seu importante trabalho.
Agradecimentos
A aventura deste livro começou com os textos publicados na revista mensal Le
Couac: agradeço a ela por me ter disponibilizado suas páginas.
Prosseguiu no Service aux Collectivités, da UQAM, no contexto de um projeto
do qual faziam parte Lorraine Guay, Jocelyne Lamoureux (professora do de partamento
de sociologia) e Lina Trudel. Sou-lhes grato por seus preciosos comentários.
A meu amigo Benoit Léonard, hoje matemático a serviço do Centro de Estudos
Cégep de Saint-Jérôme, que releu o Capítulo 2 desta obra, agradeço as inúmeras
sugestões.
A meu amigo Bruno Dubuc, que leu o Capítulo 3, dirijo meus agradecimentos
pelas mesmas razões. Com certeza, o site sobre questões ligadas ao cérebro será
apreciado pelos leitores desta obra: http://www.lecerveau.mcgill.ca/.
Agradeço a outras pessoas cujos nomes não posso citar por serem numerosos,
todos os autores e pensadores críticos com os quais aprendi muito ao longo dos anos.
Tive o cuidado de destacar em todas as partes minhas dívidas e terei prazer de corrigir,
em uma edição posterior, qualquer omissão involuntária de minha parte.
Agradeço, enfim, a Charlotte Lambert, pelas diversas ilustrações que facilitaram
bastante a compreensão de certas passagens desta obra.
Desnecessário dizer que os eventuais erros encontrados nas páginas que se
seguem devem ser imputados apenas a mim.
Sumário
Introdução 1
PARTE I: ALGUMAS FERRAMENTAS INDISPENSÁVEIS AO PENSAMENTO
CRÍTICO

1.A linguagem
Introdução
1.1 Palavras do mal 13
1.2 A arte do ardil mental e da manipulação:
alguns paralogismos costumeiros
2.Matemática: contar para não se deixar enganar
Introdução
2.2Algumas manifestações corriqueiras de inumerismo
e seu tratamento
2.2Probabilidades e estatística
PARTE II: A JUSTIFICATIVA DAS CRENÇAS

Introdução
3.A experiência pessoal
Introdução
3.3Perceber
3.2Lembrar
3.3Julgar
4. A ciência empírica e experimental
Introdução
4.1 A ciência e a experimentação
4.2 Ciência e epistemologia
4.3 Algumas dicas para uma leitura crítica
dos resultados de pesquisa
4.4 O modelo ENQUETE
5. As mídias
Introdução
5.1 Outra idéia de democracia
5.2 O modelo propagandista das mídias
5.3 Trinta e uma estratégias para manter uma atitude crítica
em relação aos meios de comunicação de massa
Conclusão 233
Bibliografia 235
Notas
Introdução
Duvidar de tudo ou crer em tudo são duas soluções igualmente cômodas que, tanto
uma quanto outra, nos isentam de refletir.
POINCARÉ

O sono da razão engendra monstros.

FRANCISCO DE GoYA

(Extraído da legenda de uma gravura de Caprichos)

A primeira coisa que se deve fazer é preocupar-se com seu cérebro. A segunda é
abstrair-se de todo esse sistema [de doutrinamento]. Existe um momento em que isso
se torna um reflexo de ler a primeira página do L. A. Times em busca dos enganos e
das distorções, um reflexo de recolocar tudo aquilo em uma espécie de quadro
racional. Para chegar a esse ponto, épreciso ainda reconhecer que o Estado, as
corporações, as mídias e assim por diante o consideram um inimigo: então, você deve
aprender ase defender. Se tivéssemos um verdadeiro sistema de educação, daríamos
cursos de autodefesa intelectual.

Noam Chomsky
Este livro nasceu da convergência de duas preocupações. Embora elas não me
pertençam, nem por isso possuem menos vigor. No caso da impossibilidade de
justificar cada uma delas, o que exigiría uma obra completa, o que, de forma alguma,
se faz necessário aqui, permita-me ao menos enunciá-las.
A primeira dessas preocupações podería ser qualificada de epistemológica e
encerra duas séries de inquietações.
A princípio, inquieto-me com a supremacia de todas essas crenças que circulam
em nossas sociedades sob diversos nomes, como paranormal, esoterismo ou Nova Era,
e que compreendem crenças e práticas tão diversas como telecinesia, transmissão do
pensamento, vidas passadas, abdução, poder dos cristais, curas milagrosas, programas
e aparelhos de exercícios com efeitos imediatos obtidos sem esforço, comunicação
com os mortos, diversos métodos de misticismo oriental aplicados, quiroprática,
homeopatia, astrologia, todas as espécies de medicinas ditas alternativas, Feng Shui,
tábuas Oui Ja, possibilidade de entortar talheres apenas com o pensamento, consulta a
videntes por policiais, cartomancia, entre outros.1
Sinto-me também inquieto—talvez devesse dizer consternado—com o que me
parece ser uma situação realmente deplorável de reflexão, do saber e da racionalidade
nas grandes abordagens da vida acadêmica e intelectual. Da forma mais moderada
possível, eu afirmaria: certas coisas que se fazem e se dizem em determinados setores
da universidade atual, em que florescem literalmente a falta de cultura e o
charlatanismo, me estarrecem. Não sou o único a pensar dessa forma.
Minha segunda preocupação é política e diz respeito ao acesso dos cidadãos das
democracias a uma compreensão do mundo no qual vivemos, a informações ricas,
sérias e pluralistas que lhes permitam compreender este mundo e agir sobre ele. Digo-
lhes com toda franqueza: fico apreensivo, como muitas outras pessoas, com o
posicionamento de nossas mídias, de sua concentração, convergência e do desvio
mercantilista, do papel propagandista que desempenham na dinâmica social quando
cada um de nós é literalmente bombardeado de informações e de discursos que buscam
obter nossa aquiescência, ou nos fazer agir desta ou daquela maneira.
Em uma democracia participativa, como sabemos, a educação é a outra grande
instituição, além das mídias, incumbida, de modo privilegiado, de contribuir para a
realização de uma vida cidadã digna desse nome. Mas ela também é corrompida.
Encontramos nesses desenvolvimentos recentes razões graves para nos perturbar: por
exemplo, parece que há uma renúncia, sem maior preocupação concreta, em perseguir
o ideal de dar a todos uma formação liberal. Isso me indigna porque, em particular
hoje, essa formação é mais que nunca necessária ao futuro cidadão. Os desvios
clientelísticos e o reducionismo econômico que descobrimos atualmente em muitas
pessoas, em especial entre os tomadores de decisão no âmbito da educação, constituem
então, a meus olhos, outra razão grave para não estar seguro quanto ao futuro da
democracia participativa.
Mas se é verdade, como penso, que, a cada um dos avanços do irracionalismo, da
baboseira, da propaganda e da manipulação, podemos sempre opor um pensamento
crítico e um recuo reflexivo, nesse caso é possível, sem nos iludirmos, encontrar certo
conforto na difusão do pensamento crítico. Exercer sua autodefesa intelectual, nessa
perspectiva, é um ato de cidadania. Foi isso que me motivou a escrever este pequeno
livro, que propõe justamente uma introdução ao pensamento crítico.
Os pressupostos que encontraremos nas páginas que se seguem não se pretendem
inovadores nem originais. O que exponho aqui é bastante conhecido, pelo menos entre
as pessoas que acompanham de perto a literatura científica ou os escritos concernentes
ao pensamento crítico e cético. Contudo, sinto-me forçado a fazer uma síntese
acessível ao apresentar, da forma mais simples e clara possível, esses conceitos e
habilidades cujo domínio me parece ser um talento necessário a todo cidadão.
Eis então o que veremos neste livro.
Na Parte I, no Capítulo 1, examinaremos a linguagem e estudaremos
determinadas propriedades das palavras, antes de relembrar certas noções úteis de
lógica e de observar os principais paralogismos. O Capítulo 2 propõe um sobrevoo
pelas matemáticas cidadãs, e aborda as formas correntes dos inumerismos* das
probabilidades, da estatística e das formas de representação dos dados.
A Parte II trata dessa questão em três domínios específicos: a experiência pessoal
(Capítulo 3), a ciência (Capítulo 4) e, por fim, as mídias (Capítulo 5). Em outras
palavras, procuraremos precisar em que casos, em que condições e em que medida
estamos autorizados a aceitar como verdadeiras as proposições justificadas por nossa
experiência pessoal, por meio do recurso à experimentação e às mídias.
Se, para você, o estudo do pensamento crítico é algo novo, estou consciente de
que essa descrição não é, provavelmente, muito esclarecedora e se mostra pouco
precisa em relação ao que queremos dizer por pensamento crítico ou autodefesa
intelectual. Assim, o restante do livro mostra isso com exatidão. Nesse ínterim e para
concluir esta introdução, gostaria de propor-lhe um pequeno jogo capaz de satisfazer
um pouco sua curiosidade e talvez mesmo atiçá-la.
Nota da Tradutora: O autor utiliza a palavra innumérisme, um neologismo, em francês, como correlato à palavra illettrisme —
analfabetismo, em português.
No quadro a seguir, você encontrará uma passagem extraída da última obra do
saudoso Carl Sagan (1934-1996).2
Astrônomo conceituado, divulgador científico exemplar, Sagan trabalhou
bastante, também, para propagar o pensamento crítico e encorajar sua prática. O texto
que cito é adaptado de uma passagem de sua última opus, em que propõe, justamente,
um conjunto de preceitos do pensamento crítico, que constitui o chamado baloney
detection kit - sugiro traduzir a expressão por “kit de detecção de tolices”!
Leia atentamente o texto.
Desconfio de que algumas de suas observações parecerão um pouco obscuras.
Mas estou convencido de que, quando você concluir a leitura da presente obra,
compreenderá perfeitamente não apenas o que Sagan queria dizer, como também—e
sobretudo - por que é tão importante praticar o que esses preceitos recomendam.
Se esse for o caso, nem você nem eu teremos perdido nosso tempo.

Kit de detecção de tolices (extratos)


- Sempre que possível, deve haver confirmação independente dos fatos.
- É preciso encorajar discussões relevantes sobre os fatos alegados entre pessoas infor­madas e com
diferentes pontos de vista.
- Os argumentos de autoridade possuem pouco peso - a julgar pelo passado, as autori­dades podem
se enganar; outras se enganarão no futuro. Ou seja, em ciência, não existe autoridade; apenas especialistas.
- Considere mais de uma hipótese e não se lance à primeira idéia que lhe vier à mente. [-]
- Tente não se prender excessivamente a uma hipótese só porque é sua. [...] Pergunte a si mesmo
porque a idéia lhe agrada. Compare-a com outras hipóteses. Procure razões para rejeitá-la: se você não o
fizer, outros o farão.
- Quantifique. Se o que busca explicar é mensurável, ou se exprime por um dado numé­rico, você
saberá melhor ainda discriminar hipóteses concorrentes. 0 que é vago e qualitativo pode ser explicado de
várias maneiras. Com efeito, existem verdades a serem procuradas em todos esses problemas qualitativos
que devemos enfrentar: mas encontrá-las é um desafio ainda maior.
- Se existe uma cadeia de argumentação, cada um dos elos deve funcionar, inclusive as premissas, e
não apenas a maioria deles.
- A Navalha de Ockham. Este preceito aparentemente simplista defende que, caso existam duas
hipóteses válidas para um fato, então devemos escolher a mais simples.
- Pergunte a si mesmo se sua hipótese pode, pelo menos em princípio, ser contrafeita. As proposições
que não podem ser testadas ou falseadas não têm muito valor. Reflita, por exemplo, acerca da grande ideia
de que nosso universo e tudo aquilo que ele contém não é senão uma partícula elementar - digamos, um
elétron - de um cosmos muito maior. Se não podemos jamais obter informações sobre o que se passa no
exterior de nosso universo, não é impossível refutar nossa ideia? É necessário que nos seja facultada a
verificação das afirmações. Os céticos fervorosos devem ter a possibilidade de acompanhar seu raciocínio,
repetir seus experimentos e constatar se eles obedecem aos mesmos resultados.
É crucial poder recorrer a experimentos controlados [...]. Não aprendemos muito com a simples
contemplação. [...] Por exemplo, se um medicamento cura uma doença na ordem de vinte em cada cem
casos, devemos garantir que, em um grupo de controle cujos participantes tomam uma pílula de açúcar sem
saber se é ou não um novo medicamento, não encontraremos a mesma taxa de remissão de vinte sobre cem.
Devem-se isolar variáveis. Digamos que você sinta enjôo no mar e lhe entreguemos uma pulseira de
acupressão e um comprimido de 50mg de meclozina. Sua doença desaparece. O que funcionou - a pulseira
ou o comprimido? Você não saberia se os utílizasse ao mesmo tempo a cada vez que sentisse enjôo. [...]
Com frequência, o experimento deve ser feito em estudos duplo-cego.
[...]
Além de ensinar o procedimento para avaliar uma proposição tída como verdadeira, o bom detector
de tolices também deve ensinar o que não se deve fazer. Ele nos ajuda a reconhecer os paralogismos mais
comuns e as ciladas mais perigosas da lógica e da retórica.
Fonte: Ibid., pp. 210-211. Sagan prossegue descrevendo os principais paralogismos nas pp. 212-216
(Sagan, Carl. The Demon Haunted World, - Science as a Candle in the Dark, Balantíne Books, New York, 1996).
Parte I Algumas ferramentas
indispensáveis ao
pensamento crítico
Capítulo 1 A linguagem
A custa de repetições e da ajuda de um bom conhecimento dopsiquismo das pessoas
envolvidas, deveria ser possível provar que um quadrado é de fato um círculo. Porque,
afinal, o que são “círculo” e “quadrado”? Simples palavras. E as palavras podem ser
usadas até tomarem irreconhecíveis as idéias que veiculam.
JOSEPH GOEBBELS
{Ministro nazista de Informação e Propaganda do governo do III Reich)

À medida que as palavras perdem o sentido, as pessoas perdem a liberdade.


Confúcio

Quantas patas têm um porco?

Quatro.
-E se chamássemos seu rabo de “pata”, quantas patas teria?

*= Cinco patas.

Nada disso: não podemos transformar um rabo

em uma pata chamando-o simplesmente de pata.


Enigma infantil anônimo

Xanthus [seu mestre]pediu-lhe [a Esopo]para comprar o que tivesse de melhor.

Ele comprou apenas língua: entrada, prato, sobremesa, tudo língua. E que há de
melhor que a língua? Esopo responde: há o laço da vida civil, a chave das ciências, o
órgão da verdade e da razão. Bem, disse Xanthus, compre-me amanhã o que há de
pior. Na manhã seguinte, Esopo serviu a mesma comida, dizendo que a língua era o
que havia de pior no mundo: “É a mãe de todos os debates... a fonte das cisões e das
guerras... ”

La Fontaine (yie dÉsopé)


INTRODUÇÃO
PLATÃO SUSTENTAVA, com elegância, que a capacidade de se maravilhar é
uma paixão propriamente filosófica. Como compreender isso? Talvez que a capacidade
de se maravilhar é um ponto de partida privilegiado do pensamento em geral e da
filosofia em particular. Na verdade, ela pressupõe que nos destituamos de idéias
preconcebidas e de prejulgamentos, que arranquemos a nós mesmos, com muita força,
da inércia de opinião, até estarmos profundamente atônitos por aquilo que parecia até
então anódino e sem grande interesse. Nesse caso, nasce a capacidade de se maravilhar,
que convida à reflexão.
A linguagem é uma experiência de tal forma cotidiana que é raro pararmos e nos
maravilharmos com ela. Estamos enganados: um simples minuto de reflexão permite à
maioria das pessoas descobrir até que ponto a linguagem humana é prodigiosamente
incrível e digna de nosso maravilhamento.
Temos, na parte inferior de nosso rosto, uma cavidade que pode ser aberta e
fechada à vontade. Em algum lugar no fundo dessa cavidade, possuímos uma espécie
de cordas; podemos, ao fazer passar o ar, produzir sons com inumeráveis modulações.
Esses sons são projetados pela cavidade e, viajando pelo ar, chegam àqueles que estão
a seu alcance e que, com a ajuda de outros mecanismos complexos, podem captá-lo.1
Graças a esses sons, podemos conseguir um número prodigioso de ações. Podemos,
por exemplo:
- Transmitir informações
- Afirmar ou negar fatos
- Fazer perguntas
- Dar explicações
- Estimular alguém a fazer alguma coisa
- Dar ordens
- Prometer
- Casar
- Emocionar
- Construir hipóteses
- Propor experiências de pensamento
Esses são apenas alguns exemplos entre milhares de outros. Como tudo isso é
possível? O que a linguagem significa? Como explicar, por exemplo, ser possível
construir enunciados inéditos - e até mesmo produzi-los tanto quanto desejarmos? Ou
ainda, como esses enunciados, em geral, são compreendidos com perfeição por aqueles
que os escutam pela primeira vez?
Tão logo reflitamos sobre o que significa falar, surgem inúmeras questões e
problemas fascinantes que os linguistas, filósofos e outros pensadores procuram
desvendar há muito tempo. Por ora, garantimos que a linguagem conserva vários
mistérios.
Contudo, não nos aprofundaremos mais em considerações, mesmo que sejam
apaixonantes. Mas, como a linguagem é capaz de produzir os efeitos que acabamos de
descrever (convencer, emocionar, estimular etc.), parece evidente que devemos parar aí
se desejarmos garantir nossa autodefesa intelectual - mesmo que não tenhamos
respostas definitivas e filosoficamente satisfatórias a todas as nossas questões. Você
adivinhou: um instrumento tão potente pode revelar-se uma arma a ser temida. A quem
tiver esquecido ou ignorado, será suficiente relembrar como a língua, no século XX,
falou de política. Para refrescar nossa memória sobre o assunto, nada melhor que reler
George Orwell, o inventor do conceito de “novilíngua”, essa linguagem estranha que
permite dizer, por exemplo, que a escravidão é a liberdade.
Orwell, da linguagem à política
Em nossa época, o discurso e a escrita política consistem, em grande parte, em defender o
indefensável. Com certeza, coisas como a perpetuação da dominação inglesa na índia, as prisões, os exílios e
as deportações na Rússia, além do lançamento de bombas atômicas no Japão, podem ser defendidas, mas
não apenas por meio de argumentos demasiadamente brutais que poucas pessoas seriam capazes de
encarar. De toda maneira, esses argumentos não se enquadram nos objetivos professados pelos partidos
políticos. Assim, a linguagem política deve ser constituída essencialmente de eufemismos, de
pseudobanalidades e de ambigüidades supérfluas. As cidades são bombardeadas dos ares; seus habitantes,
forçados a fugir para o campo; seus rebanhos, metralhados; e suas cabanas, queimadas por balas
incendiárias? Isso se chamará pacificação. Roubamos as fazendas de milhões de camponeses que devem
fugir pelas ruas sem levar nada consigo senão aquilo que podem carregar? Isso se chamará transferência de
população ou reconfiguração das fronteiras. Alguns são aprisionados anos sem julgamento, outros recebem
uma bala na nuca ou são enviados para morrer de escorbuto nos campos de madeira do Ártico? Isso se
chama supressão de elementos indesejáveis.
Fonte: G. Orwell. Politics andthe English Language, 1946. Tradução de Normand Baillargeon.

A lição é antiga. A história nos ensina que, rapidamente, as pessoas sensíveis ao


poder da linguagem se apressarão em tirar todo proveito possível. Parece (ao menos no
Ocidente) que tudo começou em tomo do século V a.C., na Sicília, exatamente quando
pessoas usurpadas de suas propriedades tentavam retomá-las abrindo processos contra
seus malfeitores.
Começaram então a se desenvolver as técnicas de oratória que formam a retórica.
Logo os professores começaram a viajar de cidade em cidade comercializando essa
arte da palavra, prometendo fortuna e glória a quem soubesse dominá-la. Os “sofistas”,
como eram chamados, deram origem ao termo “sofisma”, que designa um
arrazoamento proposto com a intenção de enganar os ouvintes.
Talvez a história tenha sido injusta nesse ponto com os professores, ao tomá-los
por charlatões preocupados somente com a eficácia prática e a realização social.
Os sofistas - quem quer que tenham sido - tinham plena consciência do poder
conferido pela linguagem quando manejada por um retórico hábil. Vejamos a opinião
de um deles, Górgias, sobre o assunto:
[...] o discurso é um tirano muito poderoso; [...] a palavra pode deter o medo, dissipar a dor, estimular
a alegria, intensificar a compaixão. Por intermédio da [palavra], os ouvintes são invadidos de arrepio de
temor, ou penetrados por essa piedade que arranca lágrimas ou por esse remorso que desperta a dor [...]. Os
encantos entusiastas nos proporcionam prazer pelo efeito das palavras, e afastam a dor [...] ao destruir uma
opinião e suscitar outra em seu lugar, [os retóricos] fazem aparecer aos olhos da opinião coisas incríveis e
invisíveis [...] os defensores judiciários [..,] produzem seu efeito de constrangimento graças às palavras: um
gênero para o qual um só discurso pode sustentar o charme e persuadir uma numerosa multidão, mesmo
que não diga a verdade, desde que tenha sido escrito com arte. [...] Existe analogia entre o poder de um
discurso em relação à disposição da alma e a receita de drogas? [...] Existem discursos que afligem; outros
que, com a ajuda maligna da persuasão, colocam a alma na dependência de sua droga e de sua magia.2

Nas páginas que seguem, interessamo-nos pela linguagem do ponto de vista da


autodefesa intelectual.
Nosso percurso compreende dois momentos.
Antes de tudo, nos deteremos nas palavras, em sua escolha e em certos usos
enganosos que podemos fazer, cujo conhecimento é crucial para melhor nos
prevenirmos.
Retomaremos depois à lógica, ou à arte de combinar proposições, e sobretudo a
essa arte bem particular que é a retórica, vista como aquela própria do ardil e da
manipulação. Examinaremos então alguns paralogismos correntes.
1.1 PALAVRAS DO MAL
Palavras, palavras, palavras.
WILIAM SHAKESPEARE

O que é bem concebido tem um enunciado claro

E as palavras para dizê-lo vêm com facilidade.

BOILEAU, Artpoétique, I

Esta seção o convida a ficar atento ao lugar das palavras, uma atenção que
deveria de fato se igualar àquela que lhes é dada, com razão, por aqueles que delas
sabem se servir com eficácia para convencer, enganar e doutrinar.
Começaremos apresentando uma distinção importante entre os verbos de­notar e
conotar.
1.1.1 Denota r/conotar
Nossa concepção espontânea da linguagem é muitas vezes ingênua. Ela repousa na
idéia de que as palavras distinguem os objetos do mundo, objetos que poderiamos
apontar com o dedo. Um minuto de reflexão mostrará que isso está longe de ser tão
simples assim. Muitas palavras não têm tais referentes: são abstratas, imprecisas,
vagas, mudam de significado de acordo com o contexto; outras ainda reificam,
transmitem emoções etc.

Convém distinguir entre denotação das palavras (os objetos, as pessoas, os fatos
ou as propriedades às quais se referem) e suas conotações, ou seja, as reações
emocionais que suscitam. Duas palavras podem assim denotar a mesma coisa, mas ter
conotações bastante diferentes: positivas em um caso, negativas em outro. E crucial
saber porque, desse modo, pela escolha das palavras, podemos, segundo o caso,
glorificar, denegrir ou neutralizar o que falamos. Portanto, não é a mesma coisa falar
em automóvel, bólido ou um calhambeque; cada um desses termos denota um veículo
motorizado destinado ao transporte individual, mas cada um também traz consigo
conotações e suscita reações emocionais bem diferentes. É útil, então, estar atento às
palavras usadas para descrever o mundo - em particular em todos os setores polêmicos
da vida social. Pense, por exemplo, no vocabulário empregado para falar do aborto. Os
protagonistas do debate se dizem, eles próprios, pró-vida e pró-liberdade de escolha.
Não é por acaso: quem gostaria de ser antivida e antiliberdade de escolha? O feto de os
militantes falarem à vontade, segundo o caso, em feto ou bebê, também não se deve ao
acaso. Imagine, da mesma forma, os empregados do Wal-Mart serem chamados de
associados. Ou considere esta piada da comediante americana Roseanne Barr: “Encon‐­
trei um meio infalível para que as crianças comam de forma saudável: a “mistura
saúde”. Uma colher de M&M e duas colheres de Smarties* As crianças amam
perdidamente. E bom para elas: Eh! E a mistura saúde!”
Veja ainda o que chamamos de eufemismos, que são justamente as palavras que
servem para mascarar ou minorar uma idéia desagradável ao fazer referência a ela
utilizando palavras com conotação menos negativa. Elas ilustram bem o uso dessa
propriedade da linguagem por meio da qual podemos induzir ao erro os ouvintes.
Considere o seguinte caso, relatado e estudado por Sheldon Rampton e John
Stauber,3 que mostra como grupos de interesse podem utilizar a linguagem. Em 1992,
o International Food Information Council (IFIC) dos Estados Unidos preocupava-se
com a percepção que o público tinha das biotecnologias alimentares. Um vasto
programa de pesquisa seria então implementado para determinar como falar sobre
essas tecnologias. As recomendações do grupo de trabalho diziam respeito, sobretudo,
ao vocabulário que convinha empregar. As palavras seriam mantidas por seu valor
positivo com a advertência de se ate- rem firmemente a elas. Por exemplo: beleza,
abundância, crianças, escolha, diversidade, terra, orgânico, herança, miscigenação,
fazendeiro, flores, frutas, gerações futuras, trabalhar muito, melhorar, pureza, solo,
tradição e inteiro. Outras, ao contrário, seriam totalmente proscritas, em especial
biotecnologia, DNA, economia, experimentação, indústria, laboratório, máquinas,
manipular, dinheiro, pesticidas, lucro, radiação, seguro e pesquisador.
Nota da Editora'. Bolinhas de chocolate confeitadas e coloridas fabricadas pela Nestlé.
As manifestações contra a Conferência de Cúpula de
Québec na primavera de 2001, vistas por Mario Roy
(Editorial, La Presse, 14 de abril de 2001, p. Al 8)

"Pessoas fantasiadas de golfinhos ou tartarugas marinhas - ou ainda vacas, como havia na


conferência dos ministros das finanças das Américas, em Toronto. Músicos de rua e dançarinos. Cartazes e
pôsteres. Discursos e canções. Slogans e folhetos. O manifestante que oferece uma flor a um policial. Como
na foto dos anos 60 que deu a volta ao mundo e tornou-se um ícone, pela mesma razão que a foto de Che.
Um cartaz que diz: o capitalismo fede! Como em 1970.
Por todos os lugares, adolescentes grandes e jovens adultos que correm para a festa, pelo único
motivo de estar onde ela acontece, com os companheiros e companheiras, em Seattle ou em Québec. Para
eles, à noite, após a manifestação, depois de colar os cartazes no muro, haverá música e comida, amor e
vinho...
Não falamos aqui de manifestantes profissionais, quase sempre pagos pelos grandes sindicatos ou
organizações "populares" presos às colunas do Estado por uma coleira e uma guia, que não apresentam
qualquer interesse. Nem dos arruaceiros, palavra que empregamos para designar os pequenos vagabundos,
que não têm muito a oferecer.
Nada disso.
Antes de tudo, fazem parte da grande multidão anônima de jovens cheios de hormônios e
entusiasmo, que vão à OMC ou à Conferência das Américas com o mesmo espírito que, trinta anos antes,
animou outros jovens que foram a Woodstock, ou ao "McGilI francês", ou estavam diante da Sorbonne para
o grande movimento de maio de 1968.
É normal. Saudável. Lembra-se de seus 18 anos?"

A guerra, adivinha-se sem dificuldade, é outro domínio propício, em espe­cial, à


utilização de eufemismos, como mostra o quadro seguinte.4Na primeira coluna,
encontramos alguns exemplos do vocabulário empregado para falar da guerra, desde o
Vietnã até nossos dias. A segunda coluna propõe uma tradução do que, na verdade,
designa cada uma das palavras ou expressões.

Perdas colaterais Morte de civis

Centro de pacificação Campo de concentração

Forças de manutenção da paz no


Caribe (R. Reagan, 1983)

Exército, Marinha e Aeronáutica


americanos que invadiram Granada
Departamento de Defesa dos
Estados Unidos da América
Ministério da Agressão

Operação Tempestade no Deserto

Guerra contra o Iraque


Esforço de ajuda e Missão de
compaixão (Bill Clinton)

Entrada das tropas americanas na


Somália
Luta contra o terrorismo Comissão de ações terroristas
Incursão Invasão

Ataque cirúrgico Bombardeamento que se espera seja


preciso em virtude da proximidade de
civis.

Ataque de defesa reativa

Bombardeio
Retirada estratégica Retirada (de nossa parte)

Reorganização tática Retirada (do inimigo)

Conselheiro Oficial militar ou agente da CIA - antes


que os Estados Unidos reconhecessem
sua “implicação” no Vietnã

Terminar Matar
Receita especial (ou Napalm explosivos desconhecidos)

1.1.2 As virtudes da imprecisão


Se, muitas vezes, as palavras servem para exprimir idéias claras e precisas,
também podem se mostrar vagas e imprecisas. Essa propriedade prova-se bastante útil
no momento. Poderemos, graças a ela, afirmar alguma coisa de maneira tão vaga, por
exemplo, que existiriam poucas chances de a interpretação dos fatos confirmar nossa
afirmação. Ou ainda ser capazes de responder a uma questão embaraçosa com
generalidades não relacionadas a nada específico, justamente porque elas não dizem
nada com precisão.
- Senhor Ministro, o que pretende fazer para desobstruir as questões
emergenciais de Montreal? - perguntou o jornalista.
- Implementar um plano que utilizará melhor o conjunto dos recursos dis­poníveis
e enfrentar, da maneira mais eficaz possível, este grave problema - respondeu o
ministro.
- E o que mais?
- Será um plano conjunto, bastante inovador, esforçando-se para dar conta de
cada uma das dimensões do problema sem negligenciar nenhum dos aspectos
quantitativos e humanos e que... — respondeu o ministro.
As profecias de Nostradamus
Michel de Notre-Dame, médico e astrólogo que seria conhecido pelo nome de Nostradamus, nasceu
em Saint-Rémy-de-Provence (França) em 1503.
Em 1555, ele publica, sob o título Centúrias, uma primeira coletânea de quadras enigmátícas logo
bastante populares e ainda hoje tídas por seus adeptos como previsões extraordinariamente precisas. A
segunda edição dessas Centúrias aparece em 1558: ela é dedicada ao rei Henrique II, a quem Nostradamus
deseja "uma vida feliz". Henrique II morre... no ano seguinte de um ferimento sofrido em um torneio.
Ficaria o visionário com a vida complicada? De forma alguma, respondem seus aduladores, que
garantem que a previsão da morte de Henrique II é, ao contrário, uma das mais claras de todas as profecias
de Nostradamus. Henrique II morreu em um torneio em Paris (rue Saint-Antoine), atíngido por uma lança do
Conde de Montgomery, que, estando quebrada, entrou em seu crânio.
E, com efeito, Nostradamus escreveu:

O jovem leão o velho derrotará


No campo bélico por duelo singular:

Em elmo de ouro os olhos lhe furará

Duas feridas em uma, depois morrer, uma morte cruel


Observemos agora que é sempre aposteriori que previsões similares são formuladas de maneira
explícita, o que faz com que não sejam predições. Por exemplo, os acontecimentos de 11 de setembro de
2001 estavam bem claros em Nostradamus, mas apenas a partír de 12 de setembro de 2001.
Mas vejamos mais de perto esse predito/pós-dito exemplar.
Eis como James Randi analisa a quadra sobre o rei Henrique II:
1.Falar em jovem e velho é duvidoso neste caso, pois os dois tinham apenas poucos anos de
diferença.
2.Campo bélico refere-se a um campo de batalha, mas não designaríamos dessa forma um lugar em
que acontece um torneio de cavalaria, que é uma competição esportiva.
3.elmo de ouro: nenhuma armadura ou elmo é feito de ouro, porque se trata de metal mole
4.Os olhos lhe furará: nenhuma testemunha da época fala de um olho furado.
5. O leão: ainda não era, nem havia sido antes e não seria depois o emblema dos reis da França.
Moral: utilize palavras vagas e construa frases obscuras: sempre será possível encontrar alguém para
entrever algo nisso e extasiar-se com seus dons.
Para mais detalhes: J. Randi, Le vrai visage de Nostradamus, Éditions du Griot, Paris, 1993.

1.1.3 Sexismo e retidão política


A língua reflete as ideologias particulares da sociedade a que se refere. E reflete
também as transformações. Depois de muitos anos, tornamo-nos mais sensíveis às
dimensões sexistas (discriminação de acordo com o sexo), mas também classistas
(segundo a classe social), etárias (quanto à idade) e etnocêntricas (de acordo com a
sociedade ou a cultura) de nossa língua falada ou escrita e nos esforçamos para bani-
las. E que a língua pode ser um veículo poderoso de formas, mais ou menos sutis, de
exclusão e discriminação.
A história seguinte é bastante conhecida. Um homem viaja de carro com o filho.
Acontece um acidente e ele morre imediatamente. A criança é levada à emergência do
hospital. Enquanto isso, na sala de cirurgia, o médico declara: “Não posso operar essa
criança, é meu filho.” Como explicaria essa afirmação rigorosamente verdadeira?
A resposta é evidente: o médico é sua mãe.
Vejamos alguns exemplos reescritos não-sexistas recomendados pelo governo de
Ontário.5
Exemplo 1
Tradutor H/M
Exigências
O(a) tradutor(a) será titular de um diploma de tradução e possuirá experiência pertinente em
tradução e revisão, domínio de inglês e de francês, boas atitudes interpessoais, capacidade de trabalhar sob
pressão e vontade de atuar em equipe. A pessoa escolhida deverá traduzir no mínimo oito- centas palavras
por dia e revisar as traduções de outro(a) tradutor (a).

Versão revisada
Tradutor ou tradutora
Exigências
A pessoa ideal será titular de um diploma em tradução e possuirá expe­riência pertinente em
tradução e revisão, domínio de inglês e francês, boas atitudes interpessoais, capacidade de trabalhar sob
pressão e vontade de trabalhar em equipe. A pessoa escolhida deverá traduzir um mínimo de oitocentas
palavras por dia e revisar o trabalho de um(a) colega.

Exemplo 2
A demanda por trabalhadores qualificados aumenta a cada dia. Profissionais como eletricistas,
mecânicos de automóvel, montadores de linhas elétricas, gráficas, ferreiros, mecânicos montadores e
gesseiros ganham bons salários. Eles exercem um trabalho motivador e satisfatório. Têm a possibilidade de
conseguir um cargo de direção ou fundar a própria empresa.
Versão revisada
A demanda por trabalhadores e trabalhadoras qualificados aumenta a cada dia. Os profissionais em
eletricidade, mecânica automotiva, monta­gem de linhas elétricas, gráficas, serralheria, mecânica de
montagem e gessagem ganham bons salários. Além de exercer uma profissão motiva- dora e satisfatória,
têm a possibilidade de obter um cargo de direção ou fundar a própria empresa.

Exemplo 3
O(a) estudante ideal foi definido(a) pelos próprios jovens. Segundo eles, o/a jovem ideal é criativo(a),
trabalhador(a), interessado(a) em aprender, ativo(a) e comprometido(a) com a escola e sua comunidade.
O(a) estudante mostra-se independente, ele/ela é organizado(a) e possui espírito aberto. O/a jovem é
confiante, ele/ela é respeitoso e ele/ela possui espírito crítico. Por outro lado, é motivado(a), atento(a),
responsável e entusiasmado(a). Ele/ela é bilíngüe e atém-se a seus objetivos no longo prazo. ReflexivoA),
comunica-se com as pessoas a seu redor e tem uma atitude positiva diante da vida.

Versão revisada
Os jovens definiram a aluna ou o aluno ideal. Em sua opinião, esse jo­vem ou essa jovem possui
criatividade, adora trabalhar e aprender, e desempenha um papel ativo na escola e na comunidade. O aluno
ou a aluna dá provas de independência, possui senso de organização e espí­rito aberto. O respeito, a
confiança em si e o espírito crítico fazem parte de suas qualidades pessoais. Ele ou ela dá provas de
motivação, atenção e entusiasmo, e assume com facilidade responsabilidades. E bilíngüe, atém-se a seus
objetivos no longo prazo, dá provas de prudência, comunica-se com as pessoas ao seu redor, e manifesta
uma atitude po­sitiva com relação à vida.
Observemos, para concluir, que certos autores (e determinadas autoras)
argumentam que, às vezes, esses modos de expressão encerram excessos de retidão
política que os tomam desacreditados, por serem irritantes, perniciosos e até mesmo
funestos. Diane Ravitch,6 por exemplo, denuncia o que ela chama de “polícia da
linguagem” sobre os campi norte-americanos e vê um grande perigo para a liberdade
de expressão e para a livre exploração de todos os assuntos e questões.
Temos, a título de exemplo, dois casos relatados pela autora.
Um texto relata a história (verdadeira) de um homem cego que conseguiu escalar
o cume de uma montanha. Esse relato foi declarado ofensivo porque uma história de
montanha é discriminatória em relação às pessoas que habitam cidades e regiões planas
e porque sugere que ser cego constitui uma desvantagem.
Por outro lado, um artigo afirmando que existem ricos e pobres no Egito foi
declarado ofensivo aos pobres de hoje.
1.1.4 A arte da ambiguidade: equívoco e anfibologia
Muitas palavras, em todas as línguas, são polissêmicas, ou seja, possuem muitos
sentidos. O fato de usar uma palavra em um sentido e depois mudá- lo de forma sutil é
justamente o que gera o equívoco que abordaremos aqui.
Na verdade, essa propriedade pode servir para produzir efeitos humorísticos.
Por exemplo:
Deus seja louvado1 - se ele estiver à venda, compre, é uma mercadoria em alta!
(Guy Bedos)
Ou ainda:
Quando alguém lhe diz: eu me mato2 de tanto lhe dizer, deixe-o morrer!
(Jacques Prévert)
Em ambos os casos, jogamos com o caráter ambíguo da palavra: “louer”, que
significa cantar os louvores, mas também alugar; e “tuer”, que quer dizer matar
alguém, assim como se cansar de alguma coisa.
Mas o equívoco nem sempre é tão fácil de detectar. Por isso, pode servir mais
para confundir que para fazer rir.
Por exemplo:
Vocês aceitam sem dificuldade os milagres da ciência: por que se tomam de
repente tão críticos quando se trata daqueles da Bíblia?
Veremos, ao refletirmos um pouco, que a palavra milagre está empregada, de
forma clara, em dois sentidos diferentes. Por não percebê-los, teremos a impressão de
que o argumento merece resposta.
Daremos um último exemplo. Certos pedagogos põem no centro de sua reflexão
o conceito de interesse. Mas essa palavra é exatamente uma palavra que produz
equívocos que podem ser compreendidos no mínimo de duas maneiras bem distintas:
pode de fato significar o que tem interesse para a criança, por um lado, ou aquilo que
lhe interessa, por outro. E possível que o que interessa à criança não seja interessante
para ela e aquilo que for de seu interesse não lhe interesse. Não precisar o que
entendemos por uma pedagogia fundada no inte­resse pode, portanto, dar lugar a
inúmeros equívocos, nem sempre fáceis de descobrir. E assim que florescem todos os
slogans vazios da pedagogia...
A figura de retórica que permite produzir enunciados com múltiplas inter‐­
pretações chama-se anfibologia. Por vezes, tais enunciados são bastante divertidos e
proferidos sem o conhecimento de seus autores. Os anúncios classificados constituem
uma fonte inesgotável, visto que as pessoas se esforçam para se exprimir com um
mínimo de palavras.
Dá-se cachorro. Come tudo e adora crianças.
Alugo soberbo veleiro de 20m novo com marinheiro confortável e bem equipado.
Armário para senhoras com pés curvos.

As manchetes de jornal também:


Cem policiais vigiaram cinqüenta cruzamentos perigosos que não haviam sido monitorados até então
por falta de pessoal.
Há muito tempo, os charlatões sabem todo o proveito que podem tirar da
anfibologia. Aliás, a primeira utilização conhecida remonta, provavelmente, à
Antiguidade grega. O rei Creso teria consultado o Oráculo de Delfos, a fim de saber se
sairia vencedor de uma guerra contra os persas. O reino persa e o seu estavam
separados pelo rio Hális. O rei obteve a seguinte resposta: “Se Creso atravessar o
Hális, destruirá um grande império.”
Creso entendeu que vencería. Mas essa profecia é ambígua. Percebem por quê?
Creso guerreou, convencido de que se mostraria superior. Foi derrotado.
Aprisionado pelo rei dos persas, enviou mensageiros para se queixar ao Oráculo de
Delfos pela má profecia. A pítia, conta Heródoto, disse:
Creso recrimina sem razão. Loxias predisse que, se ele entrasse em guerra contra os persas, destruiría
um grande império. Em vista dessa resposta, ele deveria ter perguntado ao deus de qual império falava, do
seu ou do império de Ciro. Ele não compreendeu o que lhe dissemos, não perguntou outra vez: que censure a
si mesmo.7

A profecia do Oráculo era, portanto, ambígua e estava correta, pois qualquer que
fosse o derrotado destruiría um grande reino.
1.1.5 Acentuação
Essa estratégia retórica repousa no fato de ser possível alterar o sentido de uma
afirmação mudando apenas a entonação com que pronunciamos deter­minadas palavras.
Tomemos por exemplo a seguinte máxima: “Não devemos falar mal de nossos
amigos.” O significado é claro e sua interpretação não provoca, em geral, qualquer
problema. Mas podemos dizê-la dando o significado de se poder falar mal dos que não
são nossos amigos — ressaltando apenas a última palavra: “Não devemos falar mal de
nossos amigos”
Podemos ainda expressá-la dando a entender que podemos falar mal dos amigos
dos outros: “Não devemos falar mal de nossos amigos.”
Em determinado contexto, poderemos dizê-la insinuando que, se não podemos
falar mal de nossos amigos, podemos enquanto isso fazê-lo dissimuladamente: “Não
devemos falar mal de nossos amigos.”
Por escrito, existe um equivalente dessa estratégia oral, que consiste em destacar
partes de uma mensagem. A publicidade recorre a isso com freqüência, como, por
exemplo, ao anunciar em letras maiúsculas: COMPUTADOR POR $300 e, em
caracteres minúsculos, que o monitor não está incluído no preço.
Uma estratégia parecida mas distinta baseia-se em não reter senão certas
passagens de um texto, dando dessa forma a impressão de que algo é afirmado quando
o texto original dizia o contrário, pelo menos algo bem diferente. Proponho chamar
esse procedimento de educação.8
Para dar um exemplo fictício, veremos o que dizia a resenha de uma peça de
teatro de Marvin Miller.
A nova peça de Marvin Miller é um fracasso monumental! Apresentada pelos produtores como uma
aventura repleta de surpresas e suspenses, narrando as peripécias de uma expedição ao Ártico, o único
mistério, para o autor dessas Unhas, era saber se conseguiría ficar até o fim do primeiro ato deste
lamentável espetáculo. Para dizer a verdade, o único interesse que a peça apresenta é o acompanhamento
musical, soberbo e fascinante, assinado por Pierre Tournier.
O que podemos manter para fazer publicidade do espetáculo:
[...] monumental! [...] uma aventura repleta de destaques e suspense [...] soberbo e sedutor.

Um perigoso assassino invisível


O texto a seguir teria sido redigido em 1988, antes de ser, alguns anos mais tarde, colocado na
Internet por um de seus autores, Eric Lechner.
Ele foi apresentado, mais de uma vez, como uma petição e enviado para assinatura de pessoas
encontradas ao acaso em diversos locais públicos; no entanto, embora tenha contado com muitas
assinaturas, isso não lhe conferiu valor cientifico.
O que quer que seja, como constatarão, trata-se de um texto delicioso cuja leitura atenta constitui
um divertido exercício de pensamento crítico.
O assassino invisível
O monóxido de dihidrogênio é incolor, inodoro e insosso e mata milhares de pessoas a cada ano. A
maioria das mortes ocorre pela ingestão acidental de MODH; mas os perigos não param aí. A exposição
prolongada à forma sólida pode provocar sérios danos ao organismo. Os sintomas da ingestão de MODH
podem ser: suor e urina em excesso, possível sensação de inchaço, náuseas e vômitos, assim como
desequilíbrio eletrolítico. Assim que nos tornamos dependentes, o fim do consumo leva à morte certa.
O monóxido de dihidrogênio:
- Também é conhecido sob o nome de ácido hidroxílico e é o principal composto das chuvas ácidas;
- Contribui para o efeito estufa;
- Pode causar sérias queimaduras;
- Contribui para a erosão de nossas paisagens naturais;
- Acelera a corrosão e a ferrugem de vários metais;
- Pode provocar panes elétricas e reduzir a eficácia dos freios dos automóveis;
- Foi encontrado nos tumores extraídos de pacientes com câncer em fase terminal.
A contaminação atinge, agora, proporções endêmicas!
Hoje, detectamos a presença abundante de monóxido de dihidrogênio em quase todos os nossos rios,
lagos e reservatórios. Mas a poluição é global e a contaminação foi detectada até nos glaciais da Antártica.
Muitas vezes, o MODH causou danos à propriedade avaliados em milhões de dólares - inclusive,
recentemente, na Califórnia.
Apesar de todos esses perigos, o monóxido de dihidrogênio continua a ser utilizado com freqüência:
- Em diversas indústrias como refrigerante e solvente;
- Nas centrais nucleares;
- Na produção de poliestireno expandido;
- Como substância hidrófuga;
- Em inúmeras e cruéis pesquisas com animais;
- Na difusão de pesticidas - mesmo após a lavagem, os objetos continuam contamina- dos por esse
produto químico;
— Como aditivo em certos alimentos de restauração rápida e em diversos outros produtos
alimentares.
Atualmente, as empresas despejam monóxido de dihidrogênio nos rios e oceanos e nada pode
impedi-las dessa prática, pois seu uso continua a ser, até o momento, perfeítamente legal. O impacto sobre a
natureza é imenso e não se pode mais, de agora em diante, ignorá-lo.
É necessário pôr fim a esse horror!
O governo recusou-se a banira produção, distribuição ou utilização desse produto químico nocivo,
alegando sua "importância para a saúde econômica de nosso país". Na realidade, a Marinha e outras
organizações militares fazem experimentos com o monóxido de dihidrogênio e constroem, ao custo de
milhões de dólares, aparelhos destinados a controlá-lo e utilizá-lo nos conflitos armados. Aliás, centenas de
centros militares de pesquisa recebem quantidades importantes por meio de um complexo reservatório
subterrâneo de distribuição. Muitos o armazenam em abundância.
[A brincadeira continua no hilariante site, que promete banir o monóxido de dihidrogênio. Seus
esforços, felizmente, permaneceram totalmente vãos.]
Fonte: http://www.dhmo.org/
1.1.6 As palavras fuinhas
Em inglês, certas palavras são chamadas iveasel ivords, quer dizer, literalmente,
palavras fuinhas.
Esse animal charmoso, a fuinha, ataca os ovos no ninho dos pássaros segundo
um método bem particular: fura-os e engole-os, antes de devolvê- los. A mamãe
passarinho crê estar vendo seu ovo: mas é apenas a casca vazia sem seu precioso
conteúdo.
As palavras fuinhas fazem o mesmo, mas com as proposições. Assim,
acreditamos existir um enunciado rico em conteúdo, mas a presença de uma pequena
palavra esvaziou-o de sua substância.
Com muita freqüencia, a publicidade recorre a essa estratégia; o observador
atento constatará sua presença em um grande número de ocorrências. Quem não
recebeu um envelope contendo a seguinte frase: “Você podería ter ganho $1.000.000”?
Veja mais alguns outros exemplos:
Um produto pode produzir esse ou aquele efeito.
Um produto diminui ou aumenta algo até esse ou aquele nível.
Um produto ajuda a...
Um produto contribui para...
Um produto entra na composição de...
Um produto o faz sentir-se como...
Um produto é como...
Um produto é de algum modo...
Os pesquisadores afirmam que...
As pesquisas sugerem que...
As pesquisas estão inclinadas a mostrar
Pretendemos que...
Um produto é quase...
Entretanto, a publicidade não é a única a utilizar essas palavras fuinhas, longe
disso! O pensador crítico deve saber reconhecê-las sem dificuldade, para não
interpretar a mensagem de maneira incorreta. Devemos, portanto, recordar que, em
certos casos, é importante estabelecer diferenças entre as sutilezas do pensamento. Não
se deve confundir essa nuança e o emprego de palavras fuinhas com o objetivo
consciente de enganar ou mistificar.
1.1.7 Jargão e pseudo parecer
Faz-se necessário, e até legítimo, algumas vezes utilizar um vocabulário
especializado para exprimir determinadas idéias com clareza. Não podemos, por
exemplo, discutir com seriedade física quântica ou a filosofia de Kant sem introduzir
palavras técnicas e um vocabulário preciso que permita trocar idéias complexas sobre o
assunto. Esse vocabulário, que o neófito não compreende, serve para formular e
esclarecer problemas reais. Todavia, conseguiremos, em geral, dar ao neófito
interessado alguma idéia da significação desses conceitos e dos contextos que
expressam. Com essa exposição, ele poderá decidir se vai prosseguir e aprofundar seus
conhecimentos: nesse caso, deverá adquirir o vocabulário especializado e o conjunto
de saber correspondente.
No entanto, temos às vezes a impressão de que o vocabulário empregado, longe
de tratar dos problemas reais, de permitir o estudo e o esclarecimento, serve, ao
contrário, para tomar mais complexas, de forma artificial, questões antes simples ou
ainda para mascarar a indigência do pensamento.
A linha de separação entre a primeira categoria e a segunda nem sempre é fácil
de traçar, concordo; mas, sem dúvida, existe. O que encontramos na segunda categoria
chama-se jargão.
Existe uma grande variedade de jargões. Em inglês, vários termos foram
propostos para designá-los. Por exemplo, o jargão dos advogados, em francês, seria
legalese-* existem, além disso, nos Estados Unidos, grupos abertos para agir contra
esse obscurantismo jurídico e que propõem traduções em linguagem corrente desses
documentos. Aquele que se dedica às ciências da educação se chama Educando, em
francês — no entanto, ninguém, que eu saiba, debruçou-se ainda sobre a hercúlea
tarefa de traduzir tais textos em linguagem compreensível para o comum dos mortais.
Eis um exemplo de jargão acadêmico. Extraído de uma tese de sociologia
defendida há pouco na Sorbonne por uma astróloga francesa bastante conhecida. A
tese, de um vazio inconcebível, na opinião dos peritos que a analisaram,9 foi um ato de
militância para introduzir na universidade o ensino da astrologia.
O pivô e o cerne da astrologia, espelho de uma unicidade profunda do universo, lembram o
unusmundis da Antiguidade, no qual o cosmos é considerado nm grande Todo indivisível. Com o racionalismo
e o Iluminismo, deu-se a cisão entre coração, alma e espírito, entre razão e sensibilidade. Um cisma
sociocultural que faz par com a dualidade na qual se inscreve ainda nossa cultura ocidental, apesar da
mudança de paradigma dos últimos anos. [...]
No entanto, um novo paradigma gerou interesse crescente pelos astros, apesar de uma rejeição que
subsiste e perdura, ligada essencialmente à confusão e ao amálgama feito em torno de práticas como a
clarividência, o taro, entre outras. Em relação à nossa vivência, elemento fundamental a propósito de uma
sociologia abrangente, weberiana e simmeliana, quisemos privilegiar o fenômeno das mídias, reflexo do
dado social, em função de nossa experiência nesse domínio após mais de vinte anos, dentro e fora do
Hexágono. [...] Tentamos analisar essa ambivalência, na verdade, entre atração e rejeição; mas também
definir, com a ajuda de uma atestação de fato baseada na sociedade, qual pode ser a situação
epistemológica da astrologia hoje. [...]
Alinha de separação entre a primeira categoria e a segunda nem sempre é fácil de
traçar, concordo; mas, sem dúvida, existe. O que encontramos na segunda categoria
chama-se jargão.
Existe uma grande variedade de jargões. Em inglês, vários termos foram
propostos para designá-los. Por exemplo, o jargão dos advogados, em francês, seria
legalese-* existem, além disso, nos Estados Unidos, grupos abertos para agir contra
esse obscurantismo jurídico e que propõem traduções em linguagem corrente desses
documentos. Aquele que se dedica às ciências da educação se chama Educando, em
francês — no entanto, ninguém, que eu saiba, debruçou-se ainda sobre a hercúlea
tarefa de traduzir tais textos em linguagem compreensível para o comum dos mortais.
Eis um exemplo de jargão acadêmico. Extraído de uma tese de sociologia
defendida há pouco na Sorbonne por uma astróloga francesa bastante conhecida. A
tese, de um vazio inconcebível, na opinião dos peritos que a analisaram,9 foi um ato de
militância para introduzir na universidade o ensino da astrologia.
O pivô e o cerne da astrologia, espelho de uma unicidade profunda do universo, lembram o
unusmundis da Antiguidade, no qual o cosmos é considerado um grande Todo indivisível. Com o racionalismo
e o Iluminismo, deu-se a cisão entre coração, alma e espírito, entre razão e sensibilidade. Um cisma
sociocultural que faz par com a dualidade na qual se inscreve ainda nossa cultura ocidental, apesar da
mudança de paradigma dos últimos anos. [...]
No entanto, um novo paradigma gerou interesse crescente pelos astros, apesar de uma rejeição que
subsiste e perdura, ligada essencialmente à confusão e ao amálgama feito em torno de práticas como a
clarividência, o taro, entre outras. Em relação à nossa vivência, elemento fundamental a propósito de uma
sociologia abrangente, weberiana e simmeliana, quisemos privilegiar o fenômeno das mídias, reflexo do
dado social, em função de nossa experiência nesse domínio
após mais de vinte anos, dentro e fora do Hexágono. [...] Tentamos analisar essa ambivalência, na verdade,
entre atração e rejeição; mas também definir, com a ajuda de uma atestação de fato baseada na sociedade,
qual pode ser a situação epistemológica da astrologia hoje. [...]
'Nota da Editora: O que diz respeito a lei ou o que lhe é conforme.

Contudo, um diálogo [entre cientistas e astrólogos] não poderá estabelecer-se senão em torno de um
pensamento complexo, o que rege o Novo Espírito Científico, mas também o paradigma astrológico - imagine
A. Breton falando do jogo multidialético de que a astrologia necessita. Essa abertura, essa flexibilização do
espírito, temos praticado de nossa parte amplamente no plano empírico até a monomania - ou até a
metanóia (Pareto).10
Constitui um caso exemplar de jargão, que condensa em algumas linhas tudo que
podemos imaginar de pior no assunto: palavras e conceitos pseudocientíficos utilizados
sem razão, referências artificiais a conceitos, teorias e autores de prestígio.
Tais jargões preenchem com certeza diversas funções. Alguns vêem nisso uma
cortina de fumaça destinada a dar prestígio a quem os utiliza. Noam Chomsky
considera-os, pelo menos em parte, uma maneira de os intelectuais esconderem o vazio
daquilo que fazem:
Os intelectuais têm um problema: devem justificar sua existência. Mas poucas coisas que se referem
ao mundo são compreendidas. A maioria, com exceção talvez de determinados setores da física, pode ser
expressa com a ajuda de palavras muito simples e frases bem curtas. Contudo, se fizer isso, não se tomará
célebre, não terá emprego, as pessoas não reverenciarão seus escritos. Existe um desafio para os
intelectuais. Deverão preferir o que é simples e fazê- lo passar por muito complicado e muito profundo. Os
grupos de intelectuais interagem desse modo. Falam entre si, e supõe-se que o resto do mundo os admire,
trate-os com respeito etc. Mas traduza em linguagem simples o que dizem e encontrará, com bastante
freqüência ou nada, ou truísmos, ou absurdos.11
Nem sempre é fácil aprender a traçar a Unha de separação evocada acima e,
portanto, reconhecer o jargão. Trata-se, na verdade, de um trabalho demorado, que
demanda muito saber, rigor e modéstia diante da própria ignorância, assim como
generosidade em relação a novas idéias novas.
Para concluir o assunto, gostaria de lembrar os resultados de um divertido
estudo,12 único no gênero, que, sem permitir tirar conclusões significativas, pretendeu
evidenciar o recurso ao jargão no contexto acadêmico. Cito-o, porém, porque consiste
em uma das raras pesquisas a se debruçar sobre esse objeto de estudo.
No início dos anos 70, o Dr. Fox pronunciou, em três ocasiões, uma conferência
intitulada “A teoria matemática dos jogos e sua aplicação na formação dos médicos”.
Ele falou para um total de 5 5 pessoas, todas com alto nível de escolaridade: assistentes
sociais, educadores, administradores, psicólogos e psiquiatras. Sua exposição durou
uma hora e seguiram-se trinta minutos de discussão. Distribuiu-se, depois disso, para o
auditório, um questionário para saber a opinião dos ouvintes sobre a conferência.
Todos os participantes a consideraram clara e estimulante; ninguém notou que essa
conferência consistia em um emaranhado de bobagens... o que, de fato, era.
Na verdade, o Dr. Fox era um comediante, com ar bastante distinto, e falava de
modo autoritário e convincente. Mas o texto decorado, sobre um assunto que
desconhecia totalmente, estava recheado de palavras vagas, contradições, falsas
referências, remissões científicas a conceitos sem qualquer relação com o tema tratado,
concepções ocas etc. Em resumo: vazio, contraditório e de uma insignificância
pomposa.
Aqueles que fizeram a brincadeira - que lembra muito a de Sokal13 há alguns
anos - formularam a chamada hipótese Fox, segundo a qual um discurso ininteligível,
emitido por uma fonte legítima, será aceito, apesar de tudo, como inteligível. Um
corolário dessa idéia consiste em empregar um vocabulário dando a ilusão de
profundidade e erudição, o que pode contribuir para aumentar de novo a credibilidade
de uma idéia.
O momento é propício, em especial, para relembrar algumas regras simples e
saudáveis que deveríam ser seguidas pelos que desejam se comunicar de maneira
eficaz:
- Certifique-se de que compreende sua mensagem antes de emiti-la;
- Fale a linguagem das pessoas para quem se dirige;
- Simplifique o máximo possível;
- Solicite comentários, críticas e reações.
1.1.8 Definir

- Eis, portanto, o que é a glória para você.


- Não entendo o que quer dizer - disse Alice.
- Humpty Dumpty sorriu com desdém.

- É evidente que não compreende -para isso épreciso que eu o diga. Quero dizer: Eis
um argumento decisivo para você!
- Mas “glória” não quer dizer “argumento decisivo” - retrucou Alice.
- Quando utilizo uma palavra, disse Humpty Dumpty com desprezo, ela significa
exatamente o que escolho que signifique - nem mais, nem menos.

-A questão é saber se você pode fazer com que as palavras signifiquem coisas
diferentes -falou Alice.
-A questão é saber quem é o mestre, e nada mais — disse Humpty Dumpty.

LEWIS CARROLL (Do outro lado do espelho)

Quem quer que tenha estado pelo menos uma vez atrapalhado em uma discussão
emperrada por esse motivo sabe: certos debates são, na verdade, mal-entendidos que
estão na imprecisão do sentido reconhecido de determinada palavra ou perduram
porque cada um dos interlocutores não tem a mesma definição de um ou mais termos
utilizados.
Em casos semelhantes, evidentemente, deve-se produzir uma definição sobre a
qual possamos nos entender. Mas definir não é uma tarefa trivial.
Remeter-se ao dicionário constitui uma das primeiras tentações. Algumas vezes,
isso é legítimo. Entretanto, devemos lembrar que o dicionário fornece essencialmente
as convenções de uma sociedade relativas ao uso das palavras, convenções explicitadas
com a ajuda de sinônimos. E não deixa de ter interesse, com certeza. Se você ignorar,
por exemplo, o que seu interlocutor quer dizer com “quadrúpede”, o dicionário dará
um sinônimo que esclareça suficientemente seu uso para continuar a discussão:
“Vertebrado terrestre, especialmente um mamífero, que anda sobre quatro patas.”
Outro exemplo: se você não sabe o que um autor entende por deadbom, um dicionário
inglês do século XIX dirá que nos Estados Unidos, nessa época, assim era chamado
certo tipo de carruagem com cortina.
Todavia, esse tipo de definição - que chamamos linguística - não é em geral a que
convém. Suponhamos que estejamos discutindo a fim de determinar se essa ou aquela
prática é justa: o recurso ao dicionário, para informar que “justo” significa “conforme a
eqüidade, respeitando as leis da moral ou da religião”, não ajudará muito. Você
desejaria logo saber o que significa equânime, se essa conformidade, além de muitas
outras coisas, é necessária e por quê. Se conversar com alguém que pergunte se as
criações de Christo - que embalou, literalmente, o Reichstag, em Berlim, a Pont Neuf,
em Paris, o Central Park, em Nova York — são ou não arte, mais uma vez a definição
linguística de arte não será de grande valia.
Esses problemas não são apenas teóricos. Ao contrário, são capitais e apresentam
graves conseqüências de todos os tipos. E difícil, por exemplo, definir termos como:
terrorismo, vida, morte, aborto, guerra, genocídio, casamento, pobreza, roubo e droga.
Pense por um instante nas repercussões que decorrem do emprego de uma definição à
outra...
Nesses casos, deve-se produzir o que chamamos definição conceituai. No
Ocidente, podemos sustentar que a filosofia nasceu, pelo menos em parte, da vontade
de resolver problemas concernentes às definições conceituais, à imensa dificuldade de
sua formulação e de suas numerosas repercussões. O nome de Sócrates permanece
ligado a tudo isso. Na verdade, convinha a seus contemporâneos adotar uma atitude
que consistia em conseguir, por indução, ou seja, pelo exame do caso particular, uma
definição conceituai de um termo problemático: coragem, compaixão ou justiça, por
exemplo. Essa atitude continua válida; procurar precisar dessa maneira os conceitos
que utilizamos é muitas vezes vantajoso. Trata-se de terrorismo? Para que possamos
falar em terrorismo, quais são as condições necessárias e suficientes a serem
satisfeitas? Aquelas propostas que de antemão encontram-se em todos os casos em que
se discute a questão do terrorismo? Caso contrário, por quê? O que devemos rever
nesse caso: nosso uso ou nossa definição?
Uma maneira de proceder, antiga mas útil, consiste em procurar o gênero (genus)
e a diferença específica (differentia) daquilo que desejamos definir. Queremos, por
exemplo, definir “pássaro”. O gênero é animal; e a diferença específica é aquilo que
distingue os pássaros — e somente os pássaros — dos outros animais (digamos que
poderia ser: ter penas). Tentem com “droga”: verão que o exercício não é assim tão
fácil quanto parece! As ciências ou os saberes especializados propõem com freqüência
definições que poderão ser convenientes a nós.
Definição da fotografia
A proibição imposta às imagens, na Arábia Saudita, ocasionou, há muito tempo, a proibição da
fotografia. Mas as fotografias aéreas são indispensáveis para a pesquisa de poços de petróleo. A revista
Harper's (fevereiro de 1978) conta como esse dilema foi resolvido: "O rei Ibn Saud convocou uma Ulema [um
grupo de teólogos muçulmanos que exercem grande influência sobre a moral pública] e fez com que
reconhecesse que a fotografia era, na verdade, algo benéfico, porque não se tratava de uma imagem, mas
de uma combinação de luz e sombra que descrevia, sem profanar, as criaturas de Alá."
Citado por H. Kahane, Logic and Contemporary Rhetoric - Use ofReason in Everyday Life, p. 151.

Em tais exercícios de definição, alguns fazem uso da etimologia, o estudo das


raízes das palavras. Impõe-se nessa questão, ainda, certo cuidado: a origem de uma
palavra não é necessariamente esclarecedora, pois o sentido que possuía antes, sob a
forma original, nem sempre é idêntico ao sentido que terá na nova forma; com
freqüência, está inclusive bastante distante, de modo que a etimologia não nos ensina
muito. A palavra role3 por exemplo, tem sua origem no latim medieval rotulus, que
designa uma folha enrolada contendo um escrito. Isso não é exatamente de grande
ajuda...
O que poderiamos chamar de “paralogismo etimológico” está algumas vezes
estendido ao máximo. Desse modo, por um lado, aconteceu aos partidários de uma
concepção liberal da educação invocar que a palavra “educação” provém de educere,
cuja etimologia induz à concepção de educação como uma atividade que consiste em
conduzir (ducere) para fora (ex) da ignorância - o que está de acordo com a concepção
liberal de educação. Por outro lado, existem os partidários de uma concepção da
educação vista como o fato de nutrir e, de modo mais amplo, proporcionar a um ser as
condições necessárias a seu desenvolvimento. Esses invocam uma segunda hipótese
etimológica, segundo a qual “educação” vem de educare, que significa “nutrir”,
“criar”. Outros, por fim, tomam educação como um conceito indeterminado e apoiam
sua tese sobre... a própria incerteza da etimologia. Vemos que a etimologia, às vezes,
por mais esclarecedora que seja, não pode decidir por si mesma os problemas de
definição conceituai.

Acontece de precisarmos estar de acordo com uma definição estabelecida, ou


seja, uma definição por convenção. Conceitos como “sobrepeso” ou “obesidade”, por
exemplo, pertencem a um contínuo de excesso de peso: as fronteiras entre o peso
normal, o sobrepeso e a obesidade são traçadas com a ajuda de um índice de massa
corporal, que estabelece uma definição específica para esses conceitos.
As ciências, no que lhes diz respeito, recorrem com freqüência a dois tipos de
definição de seus conceitos, o que é preciso conhecer.
Em primeiro lugar, as definições operacionais. Aquelas que indicam os
procedimentos ou as etapas a seguir para observar o conceito que faz o objeto. A
receita do bolo Floresta Negra é uma definição operacional do conceito do bolo
Floresta Negra. Com certeza, as definições operacionais utilizadas em ciência são bem
mais complexas...
Em segundo lugar, os índices. Dessa forma, o caminho é feito em várias etapas.
14 Veja um conceito X. Começaremos por fazer uma representação imagética desse
conceito: é nessa fase que entram em jogo saber, sensibilidade e criatividade. A fase
seguinte compõe-se da especificação do conceito, que determina as dimensões. A
terceira fase consiste na escolha desses indicadores de dimensões, ou seja, das
características observáveis que o testemunham. Para finalizar, fazemos a síntese
ponderada dessas dimensões em uma medida única que constitui o índice.
Observaremos, para concluir, o quão fácil é a perigosa tentação de reificação, que
atribui realidade e existência autônoma a um índice que não é nada senão uma
construção possível. O quociente de inteligência (o famoso QI) trata-se justamente de
um índice; cada um sabe com que facilidade ele é reificado.
1.2 A ARTE DO ARDIL MENTAL E DA MANIPULAÇÃO: ALGUNS PARALOGISMOS
COSTUMEIROS15
Considere as seguintes proposições:
Todos os homens são mortais

Sócrates é um homem

Logo, Sócrates é mortal

Todos conhecem essas proposições, que chamamos de silogismo. Aliás, repetido


com tanta freqüência que Paul Valéry disse com humor ter sido o silogismo, e não a
cicuta, que matou Sócrates.
Por haver chamado atenção para raciocínios dessa espécie, ter-lhes nomeado e ter
sido o primeiro a estudá-los de modo sistemático, Aristóteles é conhecido, de modo
geral, como o inventor da lógica formal. Até o fim do século XIX, a lógica
desenvolvida por ele foi considerada o ápice dessa disciplina. Apenas com o trabalho
de matemáticos e filósofos do século XX (em especial, G. Frege e B. Russell)
desenvolveu-se uma lógica (matemática) mais poderosa.
O que é lógica? Para saber, retornemos aos tratados de lógica de Aristóteles (ou
Organon, ou seja, instrumento). Nesses textos, ele estuda os raciocínios inte- ressando-
se somente pela forma, independente do conteúdo
- por isso o epíte- to “formal” dado à sua lógica. Aristóteles codifica em primeiro
lugar as “leis do pensamento”:
- princípio de identidade: o que é é; A é A;
- princípio da contradição: nada pode ser A e não-A ao mesmo tempo;16
- princípio do terceiro excluído: A ou não-A - sem a possibilidade de um terceiro.
Depois disso, ele desenvolve sua teoria do silogismo. Considere o raciocínio
seguinte:
Todos os policiais de Québec possuem um cassetete

Pierre é policial em Québec


Logo Pierre possui um cassetete

Esse raciocínio - ou silogismo, como diz Aristóteles - tem um conteúdo (a


questão dos policiais de Québec, de Pierre e dos cassetetes) e faz-se uma afirmação
sobre esse conteúdo. Além disso, esse silogismo também possui uma forma que
podemos destacar, se podemos dizê-lo, ao abstrairmos o conteúdo. Talvez já tenhamos
observado que esse silogismo conserva justamente a mesma forma do outro que
concluía sobre a mortalidade de Sócrates. Contudo, veremos melhor ao utilizarmos
letras que servirão de símbolos convencionais para representar qualquer conteúdo. O
raciocínio a seguir refere-se a classes gerais: os policiais de Québec (A), a posse de um
cassetete (B) e um indivíduo, Pierre (que chamaremos de x). Ele fala de todos os A, de
todos os B, e deste x ao estabelecer as relações entre essas classes e esse indivíduo. Sua
estrutura é:
Todos os A são B
x é um A
Logo xé B
Se considerarmos a estrutura desse raciocínio, independente de seu conteúdo, nos
daremos conta de que “isso funciona” necessariamente. De fato, desde que todos os A
são B e que x é um A, é preciso que x também seja B. Damo-nos conta disso com
perfeição ao desenhar esses círculos, chamados diagramas de Venn, nome de seu
inventor:

A primeira e a segunda proposições (todos os A são B e x é um A) são chamadas


premissas por Aristóteles. Dessas premissas, concluímos, com segurança, uma terceira
proposição resultante: esta é a conclusão (x é um B). As premissas são as razões
invocadas para sustentar nossa conclusão. No caso de um raciocínio como esse que
acabamos de examinar, a conclusão decorre necessariamente das premissas: dizemos
que o raciocínio é válido.
O silogismo válido garante que, se as premissas são verdadeiras, a conclu­são
também será. Partindo desse ponto, as questões ficam mais complexas com muita
rapidez. Aristóteles descreveu 14 formas válidas de silogismos, que os lógicos
medievais batizaram com nomes latinos: Barbara, Celerant e assim por diante.
Uma importante distinção entre validade e verdade foi mencionada antes e deve
ser especificada agora. Nós a vimos: determinadas formas de raciocínio garantem que
uma conclusão válida decorre necessariamente das premissas. Mas isso não garante
que a conclusão seja verdadeira. Retomemos a mesma forma, porém com um novo
raciocínio:
Todas as avestruzes são elefantes
Essa rã verde é uma avestruz
Logo, essa rã verde é um elefante
Esse silogismo é válido, mas a conclusão não é verdadeira, pois as premissas não
são.
Ao refletir um pouco sobre essas categorias (validade e verdade), você verá que
podemos distinguir quatro possibilidades:
1. O raciocínio é válido e a conclusão é verdadeira
Todos os homens são mortais
Sócrates é um homem
Logo Sócrates é mortal
2. A conclusão é falsa, mas o raciocínio é válido:
Todos os homens são azuis
Sócrates é um homem
Logo Sócrates é azul
3. A conclusão é falsa e o raciocínio é inválido:
Alguns homens são azuis
Sócrates é um homem
Logo Sócrates é azul
4. A conclusão é verdadeira, mas o raciocínio é inválido:
Alguns homens são mortais
Sócrates é um homem
Logo Sócrates é mortal
Se quisermos garantir sua autodefesa intelectual, ganharemos indiscutivelmente
ao praticar a arte de detectar o ardil mental e assim conseguir perceber as
argumentações que não se sustentam e que conduzem a conclusões equivocadas.
Chamamos esses raciocínios de sofismas ou paralogismos - e a diferença está no fato
de o paralogismo ser realizado de boa-fé, enquanto o sofisma faz uma proposição com
a intenção de enganar. (Nesse ponto, conforme o uso disseminado, falaremos apenas de
paralogismos para designar um raciocínio inválido, seja ele ou não intelectualmente
enganador.)
Podemos distinguir entre paralogismos formais e paralogismos informais.
Os primeiros são realizados quando o raciocínio é inválido e a conclusão não
decorre, portanto, das premissas. Esses são os que estudaremos agora. Mas existe
também uma grande quantidade de paralogismos que chamamos de informais; e nos
interessaremos, sobretudo, por eles. Os paralogismos informais repousam nas
propriedades da linguagem, na forma com que apelamos aos fatos e, de modo mais
geral, em certas características das premissas invocadas. Esses paralogismos são
bastante corriqueiros e faz-se absolutamente necessário saber reconhecê-los. Contudo,
são também mais difíceis de classificar. Muitas classificações foram propostas; isso
não é surpreendente, pois as formas de errar são múltiplas e inúmeros erros pertencem
a mais de uma categoria entre as que queremos ordená-los. Por essas razões, ficarei
feliz em descrever os paralogismos informais que considero mais freqüentes.
1.2.1 Os paralogismos formais
Para começar, examinaremos três causas que podem invalidar um raciocínio. Em
cada um desses casos, o raciocínio proposto, somente em virtude da forma, não garante
a preservação da verdade (eventual) das premissas.
A inconsistência
Uma propriedade essencial de uma argumentação válida é não conter uma
contradição: dizemos então que é consistente. Desde o momento em que você perceber
uma contradição em uma argumentação, saberá que ela é inválida porque é
inconsistente.
Veja um exemplo de raciocínio inconsistente:
Montreal está a 60km de Saint-Appolinaire
Québec está a 200km de Saint-Appolinaire
Logo Saint-Appolinaire é mais perto de Québec que de Montreal.

Observe que, se essa argumentação é inválida, isso não nos diz que a conclusão a
que chegamos é falsa: a verdade ou a falsidade são uma questão para o geógrafo, e não
para o lógico, que não se interessa senão pela forma do raciocínio, e não por seu
conteúdo.
Um observador atento localizará bem as inconsistências nos raciocínios
propostos em ambos os casos. Temos um exemplo com o qual você já se deparou, com
certeza:
Não deveriamos oferecer auxílio social às pessoas:
uma economia de mercado demanda que cada um se
vire.
E:
Devemos subvencionar
o bombardeio, sem o qual essa campanha
não sobreviverá.
A afirmação do conseqüente
A forma deste paralogismo é:
Se P, então Q
OuQ
Logo P
Nesse caso, mesmo que as duas premissas sejam verdadeiras, a conclusão não
necessariamente é: dizemos que essa conclusão é um non sequitur.
Eis um exemplo:
Se você é um policial, possui um cassetete
Você possui um cassetete
Logo você é um policial

Vemos que as premissas não garantem a conclusão. Pode-se possuir um cassetete


sem ser policial, e o fato de ser policial não esgota as razões pelas quais podemos
possuir um cassetete.
Veja outro exemplo:
Se chove, a calçada está molhada
A calçada está molhada
Logo, chove.
Sabemos bem que pode haver um grande número de explicações para o fato de a
calçada estar molhada. O fato de que esteja molhada não garante que esteja chovendo.
Considere o exemplo seguinte:
Se as estruturas de base de uma sociedade são
justas, os cidadãos
não se rebelam
Os cidadãos de nossa sociedade
não se rebelam
Logo as estruturas de base de nossa sociedade são justas
O paralogismo da afirmação do conseqüente é especialmente pernicioso, pois é
difícil detecta-lo por duas razões importantes. A primeira, porque é raro apresentá-lo
de maneira que a forma esteja explícita, como nos exemplos precedentes. Muitas
vezes, teremos algo como:
Todos os observadores imparciais e todos os teóricos com credibilidade admitem que, quando as
estruturas de base de uma sociedade são equâni- mes, os cidadãos conformam-se de bom grado. O fato de
os cidadãos de nossa sociedade não se rebelarem constitui, portanto, uma prova podero­sa e convincente da
justiça de nossas instituições de base e todos os nossos pretensos revolucionários deveríam meditar a esse
respeito.
A segunda razão explica que a dificuldade de perceber esse paralogismo reside
em sua semelhança superficial com um raciocínio válido chamado moduspo- nens.
Este último possui a seguinte forma:
Se P, então Q
OuP
Logo Q
Por exemplo:
Se as estruturas de base de uma sociedade são justas, então
os cidadãos não se rebelam.
As estruturas de base de nossa sociedade são justas
Logo os cidadãos não se rebelam
A negação do antecedente
Este paralogismo segue a forma:
Se P, então Q
Não P
Logo não Q
Também nesse caso, a condição (se P) ainda é falsamente considerada necessária
e suficiente a Q. Para entender melhor por que isso não funciona, considere o seguinte
exemplo:
Se estou em Londres, estou na Inglaterra
Eu não estou em Londres
Logo não estou na Inglaterra
É óbvio que existem, com exceção de Londres, muitos lugares onde se pode estar
na Inglaterra.
Dessa vez, do mesmo modo, a dificuldade de perceber esse paralogismo reside
em sua semelhança com outro, de forma válida, chamado negação do conse- qüente ou
modus tollens. Temos:
Se P, então Q
Não Q
Logo não P
Retomemos o mesmo exemplo:
Se estou em Londres, estou na Inglaterra
Eu não estou na Inglaterra
Logo não estou em Londres
Mas vejamos a seguir os paralogismos informais.
1.2.2 Paralogismos informais
O falso dilema
Uma das estratégias mais úteis do repertório de todo bom mágico está em
“forçar” uma escolha. Vejamos do que se trata.
O mágico o convida a escolher, por exemplo, uma carta em um baralho. Você o
faz, com a certeza de ter optado livremente. Contudo, as condições da seleção,
organizadas pelo mágico, são colocadas de tal forma que ele saiba, desde o início, por
que carta você optará: dizemos então que sua escolha foi forçada. Uma vez
ultrapassada essa etapa, como você adivinhou, nada mais fácil para o mágico do que
(pretender) encontrar ou adivinhar sua carta.
Podemos dizer que o falso dilema, o paralogismo do qual trataremos agora, é no
fundo um equivalente no plano do ardil mental dessa escolha forçada dos mágicos.
Um verdadeiro dilema, pois isso existe e aparece quando estamos diante de uma
alternativa: duas escolhas — e somente duas — oferecem-se a nós. Ficamos indecisos,
porque temos boas razões para desejar optar por uma ou por outra. Um falso dilema
acontece quando nos deixamos convencer de que devemos escolher entre duas e
apenas duas opções mutuamente excludentes, ainda que seja falso. Em geral, no
momento em que essa estratégia retórica é utilizada, uma das opções é inaceitável e
repulsiva, enquanto a outra é a que o manipulador quer que adotemos. Quem quer que
caia nessa cilada faz uma escolha forçada e, por isso, sem grande valor. O pensador
crítico, colocado diante de um falso dilema, deveria reagir e salientar que, entre A e Z,
existe uma grande variedade de opções (B, C, D etc.).
Veja alguns exemplos corriqueiros de falsos dilemas.
Ou a medicina pode explicar como a senhora X se curou, ou se trata de um milagre. A medicina não
pode explicar como ela se curou, portanto trata-se de um milagre.
Se não diminuirmos as despesas públicas, nossa economia vai desmoronar.
Você utiliza muita iluminação inútil em sua casa e isso desperdiça energia. Você não podería tomar
um pouco mais de cuidado? O que quer, que eu ilumine com velas?
América: ame-a ou deixe-a
Como o universo não pôde ser criado a partir do nada, deve ter sido criado por uma força vital
inteligente.

De fato, é possível, seguindo o mesmo procedimento, criar trilemas, qua-


drilemas etc. Sempre pretendemos (falsamente) que a lista das opções que enumeramos
esteja completa e introduzimos nessa lista uma, e apenas uma, opção aceitável.
A tendência tão humana de preferir as análises e as descrições simples às
complexas e repletas de nuanças é bastante disseminada. Isso talvez explique em parte
o sucesso obtido pelos falsos dilemas. Nenhum manipulador, não importa quem,
deixou de perceber todo o partido que é possível tirar disso. E bem mais facil escolher
entre lutar contra o terrorismo bombardeando o país X ou ver a civilização ocidental
aniquilar-se do que consentir em longas e complexas análises que exigem um exame
sério e lúcido das inúmeras questões em jogo. Kaha- ne17 sugeriu que a estratégia do
falso dilema associada ao paralogismo do homem de palha (que veremos depois) está
entre as mais utilizadas pelos políticos. O esquema de argumentação é o seguinte: faz-
se uma caricatura da posição política do adversário, tomando-a grotesca; em seguida, a
própria posição fica exposta como sendo a outra única opção possível. A conclusão é,
enfim, proposta de modo explícito ou afirmada implicitamente: que a política
apresentada é a única razoável.
Qual a moral de tudo isso? Se nos apresentam um dilema, devemos nos assegurar
de que se trata de um verdadeiro dilema antes de tirar uma conclusão (ou antes de
concluir que é impossível escolher). Por isso, é crucial lembrar que, entre o branco e o
preto, existem, com muita fr eqüência, várias nuanças de cinza. Em outras palavras, um
pouco de imaginação constitui o melhor antídoto para o falso dilema, o que basta para
estabelecer que as escolhas não nos foram apresentadas de modo justo e exaustivo.
A generalização apressada

O sexismo, assim como o racismo, começa pela


generalização: ou seja, a bobagem.

Christiane Collange
Como o nome indica, esse paralogismo consiste em generalizar rápido demais e
em tirar conclusões sobre determinado conjunto dado baseando-se em um número
pequeno demais de casos. Com certeza, os casos invocados podem ter relação com a
conclusão proposta; o problema está em sua raridade. Na vida diária, esse paralogismo
assume com fireqüência a forma de um argumento anedótico ou, melhor dizendo, que
invoca uma experiência pessoal para apoiar o raciocínio. “Todos os patrões são
trambiqueiros: sei disso, conheço vários” é uma generalização apressada, assim como:
“A acupuntura funciona: meu irmão parou de fumar ao consultar um acupunturista.”
No entanto, é desejável e necessário tirar conclusões acerca de um conjunto a
partir da observação de um número limitado de sujeitos desse conjunto. Desejamos de
fato poder sustentar conclusões gerais, mesmo que a observação de todos os casos seja
impossível, ou a observação de um grande número de casos, impraticável. Queremos,
na verdade, poder induzir conclusões gerais de casos particulares.
A arte de tirar tais conclusões de forma legítima tornou-se, sob os nomes de
teoria da amostragem e de inferência estatística, um ramo das matemáti­cas e mais
precisamente da estatística: trataremos disso no capítulo seguinte. Seu estudo constitui
o melhor dos antídotos à generalização apressada. Em todo caso, o pensador crítico
permanece cético diante das generalizações e pergunta-se, antes de aceitá-las, se a
amostragem invocada é suficiente e representativa.
O arenque defumado
Conta-se que antigamente, no Sul dos Estados Unidos, os prisioneiros em fuga
deixavam para trás arenques defumados para distrair os cães e despistá-los. Esse é o
princípio aplicado ao paralogismo que estudaremos agora e deve seu nome a essa
antiga prática. O objetivo desse estratagema é de fato levar-nos a tratar de outro
assunto diferente do discutido; em resumo, de fazer com que tomemos uma nova pista
esquecendo a que perseguíamos.
As crianças são às vezes campeãs nesse jogo:
- Não jogue com esse bastão pontudo, você pode se machucar.
- Isso não é um bastão, papai, é um laser biônico.
Mas certos adultos sabem jogar arenque defumado bastante bem. Imagine uma
discussão sobre o aquecimento global, em que a realidade do fenômeno seja debatida.
Um dos participantes toma a palavra:
— Devemos nos preocupar com esse governo demasiadamente regulador da economia, com esses
exércitos de burocratas que editam regras e leis sem cessar e impedem as pessoas de ter empregos decentes
e dar condi ções de vida para as suas famílias.

Isso cheira demais a peixe, você não acha?


A utilização do arenque defumado é uma arte difícil, e praticá-la com talento não
está ao alcance de todos. Convém, de fato, que o arenque seja escolhido com cuidado
para provocar interesse por si mesmo, dando a impressão de ter uma relação real com o
assunto tratado do qual quer desviar sua atenção. E absolutamente necessário atender a
essas duas condições se desejarmos que as vítimas sigam a falsa pista por muito tempo,
sem perceber que foram ludibriadas.
Essa estratégia, utilizada de forma correta, terá eficácia especial para sabotar o
debate com tempo limitado e, portanto, precioso. Imaginemos esse debate em favor da
liberdade de expressão. Um dos participantes, mal-intencionado, podería lançar-se em
uma longa digressão sobre a Internet: contar sua história, explicar seu funcionamento,
descrever suas características... sem jamais entrar na questão da liberdade de
expressão. No momento em que os outros participantes percebessem, o tempo restante
para o debate estaria consideravelmente reduzido - talvez até esgotado.
O pensador crítico previne-se contra os efeitos nefastos do arenque defumado e
permanece vigilante assegurando-se de não perder de vista o assunto discutido, as
questões e os problemas tratados.
O argumentum ad hominem
Essa expressão latina significa literalmente “argumento contra a pessoa” e
designa um dos paralogismos mais difundidos e eficazes. Felizmente, é também, como
veremos, um dos mais fáceis de perceber.
O argumentum ad hominem (ou, de forma resumida, o ad hominem) consiste em
ater-se mais à pessoa que enuncia uma idéia ou um argumento que à idéia ou ao
argumento em si. Procuramos, dessa forma, desviar a atenção da proposição que
deveria ser debatida para certas características próprias da pessoa que a propõe.
Com fireqüência, um ad hominem insinua que existe um laço entre os traços de
caráter de uma pessoa e as idéias e os argumentos que apresenta; com isso, desejamos
tirar o crédito de uma proposição ao desacreditar a pessoa que a enuncia. Chamamos
de modo charmoso essa forma de operar de “envenenar o poço”. Ela consiste
precisamente em colocar primeiro em evidência os traços de caráter negativos da
pessoa atacada, que os ouvintes, reais ou putativos, tenderão a perceber de forma
negativa (como um veneno), e depois a concluir que, por isso, a água do poço (as
outras idéias e os argumentos da pessoa, e em especial aqueles que são o objeto da
discussão) está envenenada.
Teremos compreendido que o recurso ad hominem está bastante contextualizado
e que a habilidade do sofista consiste em ajustar o tiro — quer dizer, os ataques
pessoais — em função dos ouvintes. Em determinados contextos, a palavra comunista
é suficiente para envenenar todo um poço, enquanto em outros contextos é tida como
garantia da pureza da água. De acordo com a situação, as palavras que descrevem a
nacionalidade, a orientação sexual, o sexo, a religião etc. podem ser todas utilizadas
para atacar (ou louvar) uma pessoa.
Um pequeno exemplo possibilitará compreender melhor do que se trata.
Suponhamos que, em uma discussão na qual tomam parte pessoas de esquerda, alguém
proponha como plausível e relativa à discussão em curso uma idéia do economista
monetarista Milton Friedman. Vamos presumir que, em seguida, lhe digam de imediato
que Friedman é um economista de direita e que a idéia não merece, portanto, qualquer
consideração — em vez de procurar compreender e talvez até refutar a idéia em
questão. Nesse caso, nós nos encontramos diante de um ad hominem e um
envenenamento do poço.
Observamos a legitimidade e a racionalidade, algumas vezes, de duvidar de uma
proposição, e até não considerá-la plausível, em virtude de certos traços de caráter
daquele que a enuncia. Por exemplo, compreenderemos o policial que não leva a sério
a queixa do sr. Glenn no sentido de que alega, pela oitava vez em três meses, ter sido
abduzido por extraterrestres. Existem circunstâncias em que determinados traços de
uma pessoa que incita credibilidade podem e devem ser seriamente considerados e
avaliados. No momento de um testemunho em curso, por exemplo, torna-se bastante
útil saber se a testemunha que viu o carro avançar o sinal vermelho é ou não daltônica
e o advogado que procura determinar isso não cometa um ad hominem. Mas, nesses
dois casos, a relação entre a pessoa e as idéias que defende é pertinente e merece, por
isso, ser levada em conta. Quando se comete um ad hominem, ao contrário, a relação
de pertinência não existe.
Percebemos ainda a necessidade de distinguir o ad hominem da acusação de
hipocrisia (ou tu quoque, você também): se um argumento não é invalidado pelos
traços de caráter da pessoa que o propõe, pode acontecer de essa pessoa não praticar o
que sustenta como verdadeiro. Nesse caso, poderemos dizer que sua pratica é
inconsistente com sua teoria ou que ela dá mostras de hipocrisia.
Para perceber um ad hominem, convém dar provas de julgamento. O princípio geral
continua a ser: as idéias ou os argumentos valem por e para si mesmos, e não podem
ser refutados apenas pelo ataque ao mensageiro.

O apelo à autoridade
Napoleão — Giuseppe, que faremos com esse soldado?
Tudo que ele conta é ridículo.
Giuseppe - Excelência, faça dele um general:
Tudo o que disser será sensato.

A questão é entendida e inevitável, considerando o pouco tempo de que


dispomos, nossos gostos e nossas atitudes individuais: é impossível sermos
especialistas em tudo e devemos, portanto, muitas vezes, consultar as autoridades e nos
dirigirmos a elas sobre uma grande variedade de assuntos. Será razoável se o fizermos
no caso de:
- a autoridade consultada dispor do conhecimento necessário para se pro­nunciar;
- não existir razão para pensar que não nos dirá a verdade;
- não termos tempo, desejo ou habilidade necessários para procurar e
compreender, por nós mesmos, a informação ou a opinião sobre a qual consultamos o
especialista.
Mesmo que seja razoável remeter-se à opinião de especialistas, continua a ser
saudável conservar no mínimo uma pequena dose de ceticismo: acontece, por fim, de
os especialistas se contradizerem ou divergirem de opinião, enganarem-se ou
argumentarem mal.
Podemos, enquanto isso, distinguir pelo menos três exemplos em que o apelo à
autoridade é falacioso e suscita suspeita.
O primeiro é aquele em que o conhecimento pressuposto revela-se duvidoso ou
frágil; por exemplo, quando o domínio do saber invocado não existe, ou não autoriza a
certeza com a qual se apresentam as afirmações do especialista.
O segundo consiste naquele em que o especialista possui, ele próprio, interesse
no que fala. Podemos, assim, pensar, com razão, que esses interesses orientam ou, de
modo mais radical, conduzem seu julgamento.
O terceiro, por fim, manifesta-se quando o especialista se pronuncia sobre um
assunto diferente daquele acerca do qual possui conhecimentos legítimos.
Em todos esses casos, o apelo à autoridade constitui um paralogismo e é preciso
suspeitar dele — ao lembrarmos que a opinião do especialista poderia até mesmo ser
verdadeira. Inúmeras vezes, conseguimos apenas com dificuldade exercer essa
desconfiança legítima, tantos são os atrativos da competência que conferem à fala dos
especialistas uma aura de respeitabilidade, ainda que não seja merecedora: isso é o que
torna pernicioso o paralogismo de apelo à autoridade.
Consideremos o primeiro dos três casos relacionados acima, aquele em que o
especialista não dispõe de um saber que o autorize a falar como faz.
Em primeiro lugar, vêm à mente — e Sócrates foi o primeiro a observar isso —
todos os domínios em que não é razoável pensar na existência de competência de
especialista. Desconfiaríamos, com razão, de pretensos professores de bondade,
especialistas em gentileza, escolas de generosidade etc. Pensamos depois em todos os
casos em que não existe consenso entre os
especialistas e, portanto, o fato de invocar um deles para decidir um debate seria
falacioso. E o que se produz se, ao discutir um problema moral, argumentarmos que o
utilitarismo forneceu em definitivo a solução.
No entanto, os casos mais delicados são aqueles em que existe um domínio de
saber, mas este não permite inferir a conclusão a que pretendemos chegar. Muitos
analistas econômicos da atualidade que causam estragos nas mídias são exemplos
perfeitos. Por um lado, a incerteza da ciência econômica e, por outro, o fato de as
decisões econômicas serem políticas e sociais, repousando necessariamente em valores
interditar essas pessoas de falarem da maneira como fazem algumas vezes: com isso,
cometem o paralogismo do apelo à autoridade.
Voltemos ao segundo exemplo. Lembremo-nos de que o especialista possui um
interesse no assunto sobre o qual se pronuncia e o interesse — quase sempre de
natureza financeira — falseia ou comanda literalmente a conclusão que defende.
Encontraremos, infelizmente, numerosos exemplos. Esse foi o modo como as empresas
de tabaco propuseram aos pesquisadores, por retribuição financeira, anunciar ao
público pseudopesquisas para apoiá-las, no sentido de que o tabaco não era
cancerígeno, nem mesmo nocivo à saúde: tais companhias encontraram pesquisadores
que aceitaram vender seu conhecimento por um prato de lentilhas. As empresas de
relações públicas, as companhias de modo geral e outros grupos de interesse
constituem às vezes pretensos grupos de pesquisa destinados a promover suas idéias e
interesses, conferindo-lhes a aura de respeitabilidade e objetividade que a ciência
proporciona. Apresente categoria pode ser ampliada para incluir todas as formas de
apelo ao que confere autoridade; ela engloba, então, muitas outras questões além do
saber. A publicidade compreendeu isso, ao fazer apelo a pessoas célebres, ricas ou
poderosas para promover determinados produtos.
Nosso terceiro e último exemplo é aquele em que o especialista, talvez de boa-fé,
pronuncia-se sobre um assunto diferente daquele acerca do qual possui
conhecimento legítimo. Apesar da boa-fé do especialista, nesse caso, os ouvintes
atribuirão à sua fala uma autoridade que ela não possui. Isso acontece quando um
Prêmio Nobel de Medicina se pronuncia sobre, digamos, questões de ética. Da
mesma forma, Einstein era com certeza um físico importante, mas nem por isso suas
opiniões políticas são necessariamente melhores que as de outra pessoa.
Essa categoria pode, ainda, ser ampliada para abranger todos os casos em que
personalidades públicas, vedetes, pessoas ricas e célebres são convidadas a se
pronunciar sobre diversas questões sociais, políticas ou econômicas em relação às
quais, com muita freqüência, não sabem nada.

Os provérbios e a sabedoria popular


A sabedoria popular exprime-se em especial por meio de provérbios, que são fórmulas curtas e
incisivas, invocados deforma corriqueira para justificar uma decisão ou compor­tamento.
Mas deve-se desconfiar do raciocínio baseado em provérbios, que possui em geral pouco valor. Além
disso, é divertido observar até que ponto nossos provérbios comuns se contradizem com freqüência, de tal
modo que, caso você encontre algum que garanta algo, achará com facilidade outro que diga exatamente o
contrário. Por exemplo: "Antes só do que mal acompanhado." Contudo, a mesma sabedoria popular garante
o inverso: "Melhor a dois do que sozinho." "Tal pai, tal filho", é bastante conhecido; contudo, há outro
provérbio: "Pai avarento, filho pródigo." "Quem se parece se reúne", mas "Os opostos se atraem". Em
resumo, de acordo com as circunstâncias, a mesma sabedoria popular poderá com facilidade ser convocada
em auxílio de duas situações contrárias.

A petição de princípio (ou petitio princípíí)


Esse paralogismo apresenta o raciocínio circular, e é assim chamado porque
supomos já estar nas premissas o que queremos estabelecer na conclusão. Os an-
glófonos chamam-no, entretanto, com charme, de begging the question.
A seguinte troca nos dará um exemplo simples mas bastante difundido:
- Deus existe, porque a Bíblia disse.
— E por que devemos crer na Bíblia?
— Porque é a palavra de Deus!
Para retomar uma imagem empregada por Bertrand Russell em outro contexto,
esse procedimento tem todas as vantagens do roubo em relação ao trabalho honesto!
Precavemo-nos contra esse paralogismo observando bem as premissas e dis-
tinguindo-as das conclusões.
Post hoc ergo procter hoc
Essa expressão latina significa: “Depois disso, portanto por causa disso” e trata-
se ainda de um paralogismo bastante difundido.
Esse paralogismo é pronunciado, por exemplo, pelas pessoas supersticiosas.
“Ganhei no cassino quando usava essas roupas, diz o jogador; por isso, uso as mesmas
roupas toda vez que volto ao cassino.” O episódio de ganhar no jogo seguido do fato de
usar tais vestimentas é falsamente designado como causa do ganho.
Esse paralogismo é mais sutil e menos fácil de detectar. A ciência com certeza
recorreu às relações causais, mas, em ciência, um evento não é dado como causa de
outro apenas porque o precede. Reteremos sobretudo de que apenas o fato de um
evento preceder (ou estar correlacionado a) outro não o toma causa do segundo. Não se
deve confundir correlação com causalidade; aliás, essa é uma das primeiras noções
ensinadas em estatística, como veremos no próximo capítulo. Em um hospital, a
presença de indivíduos chamados médicos está for­temente relacionada à de indivíduos
conhecidos como pacientes: isso não quer dizer que os médicos sejam a causa da
doença!
O estabelecimento de relações causais legítimas é uma das pretensões
importantes da ciência empírica e experimental, que implementa vários meios de se
precaver contra o paralogismo Post hoc ergo procter hoc\ voltaremos mais tarde a essa
questão, tão difícil quanto importante.
Ad populum
Todo mundo faz; faça também!
(Slogan da radio ckac, por volta de 1972)

E, se todos se jogassem no canal,


você também se jogaria?
(Os pais de Québec a seus filhos)

O nome latino desse paralogismo significa simplesmente “(apelo) à multidão”,


pois consiste em apelar à sua autoridade. Com certeza, o fato de todos pensarem,
fazerem ou crerem em algo não é em si um argumento suficiente para concluir que seja
justo, bom ou verdadeiro. Mas o ad populum continua a ser, apesar disso, um dos
paralogismos favoritos dos publicitários: afirma-se que algo é justo, bom, belo,
desejável etc., pois é a opinião de todos.
Beba X, a cerveja mais vendida do Canadá!
O carro Y: n milhões de motoristas não podem estar enganados.
A geração Pepsi.
Uma variante bem conhecida apela à tradição para concluir (falsamente) que,
como sempre agimos dessa ou daquela maneira bastante aceita, ela deve, portanto, ser
a melhor forma de agir.
Nenhuma sociedade jamais legalizou o casamento entre indivíduos do mesmo
sexo e, portanto, a nossa não deve fazer isso.
A astrologia é praticada há muitos anos em todas as sociedades e pessoas de
todas as classes sociais recorreram a ela.
É evidente que todo mundo (e a tradição) pode enganar-se. Portanto, devem-se
avaliar o mérito e os ensinamentos da tradição, perguntar-se se continuam válidos e
verdadeiros hoje, considerando nosso conhecimento, nossos valores etc.
O apelo à multidão e à tradição são estratégias bastante eficazes e por isso muito
valorizadas pelos manipuladores. Elas oferecem em especial a vantagem de
favoreceras convicções mais conformistas, logo as mais corriqueiras. Podem então ser
exercidas sem grande risco na maioria das circunstâncias. Na forma mais exacerbada
— e mais perigosa —, esse tipo de paralogismo torna-se um apelo à paixão popular.
Sob esse formato, pode até suscitar o ódio e o fanatismo.
Paralogismo de composição e paralogismo de divisão
Kr Porque os carneiros brancos comem mais
que os carneiros negros?
— Porque são mais numerosos!
(ADIVINHAÇÃO INFANTIL)

Os paralogismos de composição e de divisão são, de hábito, estudados em


conjunto porque ambos constituem formas errôneas de raciocinar sobre as partes e o
todo.
O paralogismo de composição consiste em afirmar a propósito do todo o que é
verdadeiro sobre uma das partes, sem dar outra justificativa senão o pertenci- mento da
parte ao todo. O paralogismo de divisão, ao contrário, afirma que o que for verdadeiro
para o todo deve essencialmente ser verdadeiro sobre as partes, sempre sem dar
explicações, a não ser o fato de fazer parte do todo. O problema, sempre, é que a razão
não é suficiente, pois o todo possui propriedades que as partes não necessariamente
possuem.
Ainda assim, o paralogismo é enganoso, pois se assemelha a um raciocínio
aceitável no qual se conclui, parece que por boas razões, que o todo deve ser se‐­
melhante às partes e de modo inverso. Deve-se,
portanto, prestar grande atenção toda vez que se raciocina da parte ao todo e do todo à
parte. Devemos examinar o mérito dos argumentos invocados e relembrar que apenas o
pertenci- mento de uma parte a um conjunto não garante que o que é verdadeiro sobre
um seja verdadeiro acerca do outro.
Vejamos alguns exemplos:
1 e 3 são ímpares: o resultado da adição será então um número ímpar. Consumir sódio e consumir
cloreto constituem um perigo para os seres humanos. Por conseguinte, consumir cloreto de sódio é perigoso.
Um cavalo bebe todo dia muito mais água que um ser humano. Logo os cavalos devem consumir
muito mais água que os seres humanos.
Cada uma dessas diferentes flores é linda; ao reuni- las, cremos obter um lindo buquê.

Esta rosa é vermelha. Então, os átomos que a compõem são vermelhos.


Os átomos são incolores: essa rosa é, portanto, incolor.
Eis os vinte melhores jogadores da LNH: juntos, formarão a melhor equipe.
O primeiro violino da melhor orquestra sinfônica do mundo é o me­lhor primeiro violino do mundo.
“Como podemos amar nosso país sem amar seus habitantes?” (Ronald Reagan)
“Como acontece no cenário geral da globalização, a nação mais pobre do trio unido pela Alena, o
México, é também a que mais deseja consolidar os laços com os norte-americanos: vivem no Sul do
continente cem milhões de seres humanos cujo nível de vida é cinco vezes menor que o dos canadenses - seis
vezes menor que o dos americanos - e agarram-se com unhas e dentes ao sonho de ascender à prosperidade
de seus vizinhos do Norte.” (Lzz Pr esse, 1» de agosto de 2001, p. A13.)

Apelo à ignorância (ou argumentum ad ignorantíam)


Quando, apesar de todos os esforços para reuni-los, não dispomos de fatos
pertinentes e de boas razões que nos permitam nos pronunciar sobre uma proposição, a
solução mais racional é precisamente não concluir. Reconhecemos nesse caso que não
sabemos se a proposição examinada é verdadeira ou falsa.
Comete-se o argumentum ad ignorantíam no momento em que, na ausência de
fatos pertinentes e de boas razões, concluímos, apesar disso, sobre a verdade ou a
falsidade da proposição examinada.
Esse paralogismo pode tomar duas formas. A primeira consiste em concluir que
uma afirmação seja justa porque não podemos demonstrar que seja falsa. A segunda,
com certeza, leva à conclusão de que, se não podemos provar a verdade de uma
afirmação, então ela deve ser falsa.
Uma lenda medieval nos oferece um exemplo divertido.18 Uma seita religiosa
possuía uma estátua dotada de uma estranha propriedade. Uma
vez por ano, em determinado dia, os membros da seita reuniam-se e, de olhos baixos,
rezavam diante dela. A estatua, então, ajoelhava-se e derramava lágrimas. Entretanto,
se um único membro da seita a olhasse, a estátua permanecia imóvel. A resposta dos
membros da seita à evidente objeção dos que levantavam dúvidas era um exemplo
maravilhoso de ad ignorantium-: o fato de a estátua ficar imóvel quando a olhamos
não prova que ela não se ajoelhe para chorar quando não a olhamos.
Temos mais um exemplo. Teria sido atentar gravemente contra a glória e a
divindade do Faraó mencionar por escrito ou manter vivo na memória o fato de que os
escravos judeus teriam conseguido fugir do Egito. Apenas porque a Bíblia fala nisso e
não existe nenhum outro vestígio — arqueológico, histórico ou outro qualquer — desse
acontecimento.
Entretanto, não reconhecemos sempre esses paralogismos com tanta faci­lidade,
sobretudo quando os cometemos. Tudo se passa com se déssemos prova de uma grande
indulgência epistemológica diante de nossas crenças preferidas. Estamos, por
conseguinte, tentados a dizer que a melhor prova de seu valor é o fato de ser
impossível concluir sobre a sua falsidade — ou o contrário. Por exemplo, quem quer
que creia em extraterrestres dirá: “Afinal, jamais provamos que eles não existem.
Deve, portanto, existir algo de verdadeiro nisso.” No terreno da parapsicologia,
justamente, esses paralogismos são numerosos. “Ninguém foi capaz de demonstrar que
X trapaceia durante as experiências de clarividência: deve por isso possuir um dom.”
Durante as tristes e célebres audiências do senador McCarthy, podíamos sustentar com
alegria que, se o FBI não dispunha de dados contestando que uma pessoa era
comunista, essa pessoa então deveria ser.
Outra razão que explica a dificuldade em detectar o ad ignorantium é a
existência de casos em que é perfeitamente legítimo concluir na ausência de qualquer
evidência. Por exemplo, se os resultados das análises confiáveis demonstram que não
há colesterol em seu sangue, é razoável concluir que não haja. Observaremos, portanto,
que a ausência de colesterol desse tipo de teste fornece precisamente os fatos
pertinentes e as boas razões para a conclusão à qual aderimos.
O terreno escorregadio
Por causa de um prego, perdeu-se uma ferradura,
Por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo,
Por causa de um cavalo, perdeu-se um cavaleiro,
Por causa de um cavaleiro, perdeu-se uma batalha,
Por causa de uma batalha, perdeu-se o reino,
E tudo por causa de um prego de ferradura.
(Comptine)

Depois de derrotado Tongking,


todas as barreiras estarão destruídas até Suez.
General Jean de Lattre de Tassiguy, 1951

O terreno escorregadio é um paralogismo que dizemos de diversão, pois distrai


nossa atenção do assunto discutido, levando-nos a pensar em outra questão - ocorrendo
toda uma série de efeitos indesejáveis atribuídos a um ponto de partida que defende
nosso interlocutor em uma troca. O raciocínio falacioso invocado nesse ponto é que se
aceitamos A como ponto de partida, como prega nosso interlocutor, seguirá B; depois
C; e D; e assim por diante, de conseqüên- cia indesejável em conseqüência indesejável,
até um evento particularmente terrível. O argumento, na verdade, está destinado a
provar que não devemos aceitar A. Pode, da mesma forma, ser formulado começando
por uma conse- qüência indesejável, em vez de acabar por ela e retomar de modo
progressivo até o ponto de partida propagado por nosso interlocutor.
Nos Estados Unidos, alguns dizem que, se aceitarmos as leis contra a liberação
do porte de arma de fogo, logo teremos leis sobre um caso aqui, outro ali e acabaremos
por viver em um regime totalitário... Esses fazem um pequeno passeio a esmo no
terreno escorregadio.
O terreno escorregadio retira parte substancial de sua eficácia do fato de as
vítimas não perceberem que cada um dos elos da cadeia é frágil, não sendo razoável
concluir que deveremos passar de um a outro. Assim, como nada assevera a solidez de
cada um dos elos da cadeia, nada garante também que, se aceitarmos A, todo o resto se
seguirá. Então não é certo, longe disso, que a perda de um prego promova a do reino
inteiro.
No entanto, sob o nome de efeito dominó, talvez tenho sido construída, na forma
de paralogismo do terreno escorregadio, parte da política externa dos Estados Unidos
durante a segunda metade do século XX. Afirmamos então que, se o governo de tal
país passasse para a esquerda, todos os outros países vizinhos passariam igualmente
para a esquerda.
A cortina de fumaça
Quando um filósofo me responde,
Não compreendo mais minha questão!
PlERRE DESPROGES

Perdeu um debate? Seu adversário levou decididamente a melhor? Os fatos são


pertinentes, sólidos e estabelecidos? Seus argumentos são válidos? Acalme-se: nem
tudo está perdido. Resta-lhe ainda uma mágica a desenvolver: projetar uma cortina de
fumaça. Estenda-a de forma correta e todos os bons argumentos do adversário
inoportuno desaparecerão atrás dela ao mesmo tempo que seus preciosos fatos e todos
os seus aborrecimentos se esvairão.
Por isso, nada vale o recurso aos jargões invocados acima, e o exemplo então
citado podería ter sido mencionado aqui.
O homem de palha
Se não podemos vencer um raciocínio dado, talvez seja possível sair vitorioso de
um debate com uma versão enfraquecida desse mesmo raciocínio. Isso será ainda mais
fácil se nós mesmos criarmos a versão frágil, fazendo-o de modo a garantir que será
demolida. Tal é, na essência, a estratégia colocada em ação pelo paralo- gismo do
homem de palha. Seu nome tem origem no antigo costume dos soldados que se
exercitavam para o combate contra um manequim feito de palha.
Temos um exemplo em que o interlocutor do primeiro interveniente trabalha
como homem de palha:
O aborto é moralmente condenável, pois significa a morte de um ser humano. Um feto tem direito à
vida tanto quanto uma criança já nascida. O feto possui, na verdade, muito antes do nascimento, grande
parte das propriedades que fazem dele um ser humano completo; muito cedo, chuta a barriga da mãe.
A vaca também chuta e isso tampouco faz dela um ser humano. Se seguirmos esse raciocínio,
deveremos parar de comer carne de boi. O feto não é um ser humano mais que uma vaca e o aborto é
moralmente permitido.

O homem de palha com treinamento marcial é conhecido por ser assim. Mas,
quando recorremos a um homem de palha em uma argumentação, nós o tomamos com
freqüência por seu verdadeiro adversário, e ficamos, portanto, convencidos de tê-lo
derrotado na batalha. Desse modo, o estratagema escapa a quem o empreende. E
preciso estar atento tanto para não deixar que o façam contra nós quanto o fazermos
nós mesmos. Por isso, devemos manter na memória o princípio de caridade
argumentativa, segundo o qual devemos apresentar as idéias que contestamos no
momento mais favorável. As vitórias conquistadas em um debate perdem o valor e a
importância em proporção à falta de respeito a esse princípio fundamental.

O apelo à piedade (ou argumentum ad misericordiam)


Esse paralogismo consiste em defender as circunstâncias particulares que
suscitaram a simpatia por uma causa ou uma pessoa e insinuar que, por essa razão, os
critérios atuais de avaliação não poderíam ser aplicados - pelo menos não poderíam ser
aplicados em todo seu rigor.
Veja alguns exemplos:
A pressão sobre X era tanta que compreendemos que tenha chegado a isso.
Antes de criticar o primeiro-ministro, pensem no peso de sua missão: ele deve...
Se me fizerem fracassar nesse exame, eu o retomarei neste verão, mas preciso estudar...
Com efeito, é legítimo, às vezes, apelar para as circunstâncias particulares
quando suscitam simpatia. O paralogismo de apelo à piedade surge quando invocamos
de forma ilegítima as circunstâncias de modo a provocar uma simpatia que não deveria
fazer parte de nosso julgamento.
O apelo ao medo
Esse paralogismo é cometido quando provocamos o medo, seja por ameaça ou
outros meios, a fim de fazer valer uma posição. Em vez de levar em consideração o
assunto discutido e pesar os argumentos invocados, deslocamos, assim, a discussão
para as conseqüências da adoção de determinada postura, fazendo pensar que essas
seriam desastrosas por um ou outro motivo para o nosso interlocutor que a ela adere.
A ameaça não é explícita; ela pode nem mesmo ser perceptível às partes
presentes. E justamente o que toma algumas vezes esse paralogismo difícil de detectar.
Todos temos temores e eles estão às vezes profundamente enraizados.
Os demagogos não o ignoram e dele tiram partido ao cometerem o paralogis- mo de
apelo ao medo.
Temos alguns exemplos desse paralogismo:
— Incrédulo! Acabará no inferno!
— Esses militantes ameaçam nosso modo de vida, nossos valores, nossa segurança.
— Você se opõe à pena de morte, mas mudará de idéia no dia em que você ou seus filhos forem
vítimas de um criminoso que foi poupado da cadeira elétrica.
— Professor, se me reprovar, deverei refazer o exame neste verão. Não imagino que meu pai, seu
decano, gostaria muito disso.
—Você não deveria dizer tais coisas em público: se chegassem aos ouvidos do reitor, poderíam lhe
custar caro.
- Senhor diretor, estou convencido de que os senhores jornalistas sa­bem bem que essa história de
pneus defeituosos que acarretaram a morte de algumas pessoas não merece que nos estendamos por mais
tempo. Aliás, será preciso encontrarmo-nos logo para discutir nossa campanha anual de promoção, para a
qual compramos tanto espaço publicitário em suas páginas.
|— Você é uma pessoa razoável e deve concordar comigo que não tem meios para enfrentar um
processo interminável.

A falsa analogia
Muitas vezes, pensamos com a ajuda de analogias, quer dizer, comparando duas
questões, com freqüência uma bem conhecida e outra menos conhecida. Esse tipo de
raciocínio é muitas vezes útil e esclarecedor. Por exemplo, no começo da pesquisa
sobre os átomos, representamos esses novos objetos da física como miniaturas do
sistema solar. A analogia, seguramente imperfeita, permitiu, no entanto, compreender
certas propriedades do que era menos conhecido (o átomo) a partir de algo bastante
conhecido (o sistema solar).
Mas existem casos em que uma falsa analogia leva a pensar de maneira errônea o
que gostaríamos de compreender melhor por meio dela. Porque pensar por analogia é
tão corriqueiro quanto útil, e às vezes é difícil detectar as falsas analogias.
Conseguimos fazê-lo quando nos perguntamos se as semelhanças e as diferenças, ao
comparar dois objetos, são importantes ou, ao contrário, insignificantes. Desse modo, o
caráter falacioso ou não da analogia salta aos olhos. Eis alguns exemplos que lhe
permitirão exercer sua sagacidade. Pergunte-se, em cada um desses exemplos, se a
analogia proposta é ou não legítima.
Como podemos sustentar que a fixação de preços é um crime quando feita por
homens de negócios, mas um bem para o público quando pro­posta pelo governo? (Ayn
Rand)
A própria natureza nos ensina que os mais fortes sobrevivem: esse é o motivo
pelo qual deveriamos legalizar e praticar de forma sistemática a eugenia.
A chuva e a erosão acabam por vencer os mais elevados picos, e a pa­ciência e o
tempo eliminam todos os nossos problemas.
Uma escola é uma pequena empresa na qual os salários são as notas dadas aos
alunos.
Opor-se ao acordo multilateral sobre investimento é lutar contra a chuva e o bom
tempo.
O partido liberal empreendeu importantes reformas. Reelejam-no: não mudamos
a montaria no meio de um trajeto!
Forçar uma criança a aprender é tão inócuo quanto obrigar um cavalo a beber:
somos capazes apenas de trazer a água.
E tempo de acabar com esse câncer da sociedade.
A supressão de dados pertinentes
Quem conhece apenas sua posição sobre uma questão dada sabe pouco sobre o
assunto. Suas razões podem ser boas e é possível que ninguém consiga refutá-las.
Mas, se ele mesmo também é incapaz de refutar os argumentos do adversário, se
nem mesmo os conhece, então não tem razão para preferir uma opinião ã outra.
John Stuart Mill

Esse paralogismo é um dos mais difíceis de detectar, porque consiste justamente


em ocultar os dados relativos à conclusão defendida em uma argumentação. Um
raciocínio é tão forte que todos os dados pertinentes foram levados em consideração.
Contudo, voluntariamente ou não, determinados dados pertinentes não são lembrados.
Esse paralogismo pode ser intencional: por exemplo, a publicidade não
especifica que todos os produtos são tão eficazes quanto o produto exaltado quando
nos diz que nenhum é mais eficaz que ele. Pode ocorrer, porém, ser involuntário e
apoiar-se em nossa propensão a não procurar, não ver ou reter senão exemplos que
confirmem nossas hipóteses preferidas. Essa forma seletiva de pensar acontece com
certeza em todos os tipos de crenças, notadamente no domínio da paranormalidade, e
consiste em uma forma de esconder de si mesmo os dados pertinentes.
Retomaremos a essa questão no Capítulo 3.
As regras da conveniência argumentativa
Veja as dez regras do bom argumento propostas por van Eemeren e Grootendorst. Um sofisma
(ouparalogismo) é dito toda vez que elas são tranWedidas - o que cpjistitui uma "falta".
Regra 1: Os participantes não devem impedir um ao outro de sustentar ou pôr em dúvida as teses
presentes.
Sofismas: Banimento das teses ou afirmação do caráter sacrossanto; pressão sobre o interlocutor,
ataques pessoais.
Regra 2: Quem se alinha a uma tese deverá defendê-la se lhe pedirmos.
Sofismas: Abster-se do fardo da prova; redirecionar o fardo da prova.
Regra 3: A crítica de uma tese deve tratar da tese realmente proposta.
Sofismas: Atribuira alguém uma tese fictícia ou deformar sua posição por simplificação ou exagero.
Regra 4: Uma tese não pode ser defendida a não ser alegando os argumentos relativos a essa tese.
Sofismas: Argumentação sem relação com a tese debatida, tese defendida com a ajuda de
artimanhas retóricas (adpopulum, ad verecundiam [argumento de autoridade]).
Regra 5: Uma pessoa pode ater-se às premissas que tinha como implícitas.
Sofismas: 0 exagero de uma premissa não dita representa um caso particular do sofisma do homem
de palha.
Regra 6: Devemos considerar que uma tese é defendida de modo conclusivo se a defesa ocorrer em
meio a argumentos resultantes de um ponto de partida comum.
Sofismas: A apresentação abusiva de um enunciado como ponto de partida comum ou a denegação
excessiva de um ponto de partida comum.
Regra 7: Devemos considerar que uma tese é defendida de maneira conclusiva se a defesa tem lugar
em meio a argumentos pelos quais um esquema de argumentação comumente aceito encontra sua aplicação
correta.
Sofismas: Utilização de um esquema de argumentação inadequado [...] ao aplicar de maneira
inadequada o esquema de afi&entaçãA("O sistema americano não se preocupa com o que acontece
aEMjpMonheco um homem que morreu depois de voltar ao hospital." "Você não terá computador; seu pai e
eu não tínhamos quando éramos jovens.")
Regra 8: Os argumentos utilizados Êm um texto discursivo devem ser válidos ou estar sujeitos à
validação por meio da explitítãAAe umapiimais premissas não-expressas.
Sofismas: Confusão entre condições necessárias e suficientes; confusão entre as propriedades das
partes e as propriedades do todo.
Regra 9:0 fracasso de uma defesa deve levar o protagonista a negar sua tese, e o êxito de uma
defesa deve fazer com que Q>aiíitagoííiiAretíre suas dúvidas a respeito da tese em questão.
Regra 10: Os enunciados não devem ser vagos e incompreensíveis, nem confusos ou ambíguos, mas
devem ser objeto de uma interpretação o mais precisa possível.
Ver H. van Eemeren e R. Grootendorst, LArgumentatíon, pp. 174 e seguintes.
Capítulo 2 Matemática: contar para
não se deixar enganar*
Não se preocupe demais com seus problemas em matemática: posso garantir-lhe que
os meus são piores.

Albert Einstein

A essência das matemáticas é a liberdade.

Georg Cantor

Majestade, não existe caminho real.

Euclides (dirigindo-se a seu aluno, o rei Ptolomeu, que


considerava as lições difíceis e perguntava-lhe se não havia
maneira mais fácil de encaminhar a questão...)
INTRODUÇÃO
Um dia, no século XVIII, um professor primário que deveria. Ausentar-se da
classe deu a seus alunos de 7 anos um desses exercícios insípidos e quais alguns
professores parecem ter, até hoje, guardado o segredo. Tratava-se de adicionar todos os
números de 1 a 100: 1 + 2 + 3 e assim por diante.
O professor pensava poder manter seus alunos ocupados por um bom tempo.
Mas ainda não havia passado um minuto sequer e um deles ficou sem fazer nada.
Quando perguntou por que não estava trabalhando, o aluno explicou que havia
terminado. Era verdade e ele provou dando a resposta correta: 5.050.
Nota da Tradutora: O autor joga com o significado das palavras em fraiwè* nifica “contar, calcular”, aqui traduzido como
“contar”, e a palavra traiueM dizer “contar”, mas também “enganar”.

O aluno em questão chamava-se Johann Carl Friedrich Gauss(1777-1855)e se


tomaria um dos mais produtivos e importantes matemáticos da história. Ve­jamos como
Gauss fez: antes de atacar o problema, refletiu primeiro sobre o que fora proposto e
perguntou- se que tipo de dificuldade colocava. Depois, seguiu-se o traço do gênio.
Gauss observou uma propriedade surpreendente que podia ser generalizada da seguinte
forma: o primeiro termo da série (1) adicionado ao último (100) dá um total de (101),
que corresponde à adição do segundo termo (2) ao penúltimo (99), do terceiro termo
(3) ao antepenúltimo (98) e assim por diante. Para obter o resultado solicitado, essa
operação é repetida 50 vezes (sendo a última operação 50 + 51). A soma final,
portanto, é o resultado de 50 vezes 101: cuja solução é 5.050.
Não é preciso fazer alta matemática para apreciar o raciocínio do pequeno Gauss.
Ele é bom, justo, rápido... e irrefutável. Essas são as qualidades que fazem da
matemática um instrumento tão poderoso e indispensável de autodefesa intelectual.
Mas é pena porque também assusta muita gente, a ponto de recen­temente criarmos
uma palavra para descrever aqueles que fogem e têm medo dela: são, como dizemos
hoje, “matematófobos”.
Não podemos, no entanto, nos permitir ignorar por completo a matemática,
considerando o bombardeio frequente de dados numéricos que devemos com­preender e
avaliar. Fugir da matemática envolve, como veremos, consequências muitas vezes
desastrosas. O drama é precisamente que muita gente sofre do que um matemático
contemporâneo batizou de inumerismo - o equivalente para os números do
analfabetismo. Existe, entretanto, uma boa notícia para os matematófobos-. grande
parte das noções essenciais de matemática não é muito complexa.
Este capítulo aposta que, com paciência, um pouco de humor e atenção, a
matematofobia pode ser curada. Não pretendo, é evidente, transmitir aqui todas as
noções de matemática que cada um deveria dominar de forma ideal: a matemática é
bastante rica e eu mesmo não a domino inteiramente, longe disso. Faremos, mesmo
assim, um percurso bastante vasto pelo horizonte das matemáticas cidadãs, visto que
cada um já possui, com algumas noções elementares aprendidas na escola, muitos
instrumentos de autodefesa intelectual extrema­mente eficazes - com a possibilidade, de
fato, de se servir deles e dar provas de espírito crítico. Trataremos primeiro dessas
noções elementares, a fim de mos trar o partido que toda pessoa determinada a não se
deixar enganar pode tirar de sua bagagem matemática, mesmo que seja modesta.
A seguir, abordaremos duas questões um pouco mais difíceis, mas também
indispensáveis, da matemática de autodefesa intelectual: as probabilidades e a
estatística. Penso poder garantir que, caso você se esforce, compreenderá sem
dificuldade o essencial das idéias expostas nesta seção.
Na conclusão do capítulo, você concordará comigo, espero, no sentido de que as
matemáticas proporcionam amplo retorno de todo esforço investido para compreendê-
las.
2.1 ALGUMAS MANIFESTAÇÕES CORRIQUEIRAS DE INUMERISMO E SEU
TRATAMENTO'
Existem três tipos de pessoas: as que sabem contar
e as que não sabem.

Benjamin Dereca
Os números governam o mundo.
PITÁGORAS

O problema: Sofrer de indigestão de números que não têm estritamente nenhum


sentido.
A solução: Contar com cuidado antes de decidir consumi-los.
Quando números são propostos, é indispensável perguntar-se se são plausíveis.
Por isso, deve-se conhecer o assunto sobre o qual se fala, o que pressupõe às vezes um
saber especializado. Se não possuirmos esse saber, não poderemos avaliar a afirmação.
Se eu não possuir os conhecimentos necessários em física, por exemplo, não serei
capaz de avaliar as afirmações dos números a respeito, digamos, da velocidade do som
(Mach 1, ou seja 331,4 metros por segundo a 0°C.). Mas, quase sempre, em especial
nas discussões sobre questões sociais e políticas, o saber exigido, se não for do
conhecimento de cada um, pelo menos é relativamente fácil de obter. Em geral, nesse
caso,* ás operações aritméticas elementares serão suficientes para demonstrar se o que
foi proposto é plausível ou não, sensato ou insensato. Portanto, é extremamente útil
manter vigilância crítica diante dos números dados. Temos dois exemplos dos enormes
benefícios que podemos obter da adoção dessa máxima simples de autodefesa
intelectual: “Esperem um pouco para que o cálculo seja feito.”
Um dia, um universitário declarou diante de mim e de um auditório cheio de
intelectuais que duas mil crianças iraquianas morriam a cada hora depois de dez anos
do embargo britânico-americano àquele país. Talvez você já tenha escutado a mesma
coisa, que foi repetida diversas vezes. Deixemos de lado a questão de saber se esse
embargo foi ou não justificado e detenhamo-nos na afirmação proposta. Para isso,
utilizaremos apenas a aritmética. Se duas mil crianças morrem a cada hora, é fácil
calcular, chega-se a 17.520.000 crianças por ano, e isso por um período de dez anos;
acaso isso seria possível em um país que possui vinte milhões de habitantes?
Digamos apenas que esses dados não ajudam nenhuma causa, qualquer que seja.
Temos outro exemplo. Dessa vez, trata-se do número de jovens americanos
mortos ou feridos por arma de fogo em 1995.
Joel Best conta o seguinte caso na bela obra que redigiu sobre as mentiras
estatísticas.2 Ele assistia em 1995 à defesa de uma tese, durante a qual o candidato
sustentava que, desde 1950, o número de jovens assassinados ou feridos por arma de
fogo nos Estados Unidos havia dobrado a cada ano. Uma referência a uma revista
especializada foi citada para confirmar o fato.
Todos sabemos que a questão das armas de fogo é, no mínimo, bastante
particular aos Estados Unidos. Deixemos de lado mais uma vez todos os debates que
provocam paixão. Com um único instrumento aritmético, reflitamos um pouco sobre o
que foi proposto aqui.
Formulemos de forma generosa que uma única criança tenha sido assassinada
por arma de fogo em 1950. Teremos então, segundo a afirmação, duas crianças mortas
por arma de fogo em 1951, depois quatro em 1952, oito em 1953... Se vocês
continuarem o cálculo, chegarão a 32.768 mortes em 1965, o que é, com certeza, muito
mais que o número total de mortos por homicídio (crianças e adultos) nos Estados
Unidos durante todo o ano de 1965. Em 1980, teremos cerca de um bilhão de crianças
assassinadas, ou seja, mais de quatro vezes a po­pulação do país. Em 1987, o número de
crianças mortas por arma de fogo nos Estados Unidos ultrapassaria o que constitui,
segundo as melhores estimativas disponíveis, o número total de seres humanos que
viveram na Terra após o aparecimento de nossa espécie! Em 1995, o número ao qual
chegaríamos é tão grande que não encontraríamos cifras semelhantes senão na
astronomia ou na economia.
O que nosso cálculo coloca em evidência chama-se uma série de números em
progressão geométrica: é uma sene na qual cada resultado, conhecido como termo, é
igual ao termo precedente multiplicado por uma constante. Em nosso exemplo, temos
uma progressão geométrica cuja razão é 2: 1, 2, 4, 8, 16... Da mesma forma, a razão da
série: 3, 15, 75, 375, 1.875, 9.375, 46.875... é 5.
Uma formula simples permite obter com rapidez qualquer termo de uma
progressão geométrica. Chamemos de L nossa série; L o enésimo termo cujo valor
procuramos; /?. a constante (ou razão) da série. Para calcular o enésimo termo,
multiplicamos o primeiro termo pela constante R elevada a n-1. Nossa fórmula pode
então ser escrita:
O problema: Ser vítima de 'terrorismo' matemático.
As soluções: Aprender matemática; contar; manter-se crítico; não temer pedir explicações.

O que se segue talvez seja uma lenda urbana, mas pouco importa. Parece que no
século XATTT começou-se a organizar um encontro entre Leonhard Euler (1 ”0”-l
783), reconhecido, em geral, como um dos maiores matemáticos de todos os tempos, e
Denis Diderot (1713-1783), o líder dos enciclopedistas. Ora, Euler era profundamente
cristão, enquanto Diderot era famoso por suas posições materialistas e um ateu
reputado.
Euler, afinal, consentiu no encontro, que se deu na corte do czar da Rússia,
enquanto Diderot passava uma temporada por lá. Perguntávamo-nos com excitação
como teria ocorrido o encontro face a face desses dois titãs do pensamento e temíamos
o pior. A história conta que, ao chegar à corte, o matemático dirigiu-se a Diderot e
perguntou:
- Senhor, (a + bn) = x, logo Deus existe. Responda!
n
Diderot, até então, havia atacado - e destruído - vários argumentos filosóficos ou
teológicos propostos em favor da existência de Deus. Dessa vez, contudo, o filósofo foi
incapaz de responder ao que quer que fosse, pela excelente razão de não compreender
o que Euler acabara de afirmar, além de, como devemos supor, sentir-se humilhado por
ter de admitir isso.
Essa pequena história talvez seja apócrifa, mas ela nos fornece um exemplo
perfeito do que chamamos terrorismo matemático. E consiste em utilizar o prestígio
das matemáticas com o objetivo de confundir, enganar e até atrapalhar as pessoas a
quem nos dirigimos.
Poderemos suspeitar de um terrorismo matemático em especial se constatarmos
que o próprio autor não domina as matemáticas que utiliza ou se a formulação
matemática de uma idéia não é no máximo metafórica e não acrescenta estritamente
nada ao que a linguagem corrente ou especializada teria permitido dizer.
E útil nos determos um pouco nesse fenômeno. Na verdade, nós o
encontraremos, com lástima, muitas vezes até mesmo em lugares inusitados - nas
publicações especializadas e universitárias. O sociólogo Andreski consagrou várias
passagens de uma obra sobre as ciências sociais para desmontar os mecanismos das
fraudes acadêmicas das quais dava, com ironia, a receita:
Para atingir a qualidade do autor nesse gênero de empreendimento, a receita também é simples e
vantajosa; pegue um manual de matemática e copie as partes menos complicadas, acrescente algumas
referências literárias que tratem de um ou dois ramos das ciências sociais, sem se preocupar
excessivamente em saber se as fórmulas escritas têm alguma relação com as ações humanas reais, e dê a
seu produto um título bem pretensioso que sugira ter encontrado a chave de uma ciência exata do com‐­
portamento coletivo.3
Deixo-lhe o cuidado de descobrir exemplos - o que, infelizmente, não é muito
difícil - e me contentarei em concluir lembrando o teorema da incompletude de Kurt
Gõdel - um resultado metamatemático tão importante quanto complexo e sutil -
bastante popular entre os terroristas da matemática.
O problema: Não saber tratar números grandes.
As soluções: Utilizar notação científica e fazer o exercício.

Com freqüência, encontramos números gigantescos na economia, astronomia e


em outros domínios. Tome, por exemplo, a parte do orçamento americano consagrada
em 2004 à que chamamos, creiam ou não, Departamento de Defesa. Segundo um
comunicado da Associated Press (15 de março de 2004), a soma foi de $402 bilhões.
Vejamos ainda o custo da guerra atualmente em curso no Iraque: segundo
cálculos confiáveis, mas sobre os quais pouparemos aqui os detalhes, estabele­ceu-se
em outubro de 2004 em mais de $113 bilhões.4 Deveriamos, na verdade, procurar
entender o que significam na política e em muitos outros planos tais despesas e
verificar o que se faz de fato com essas despesas orçamentárias? Mas, neste ponto,
detenhamo-nos nos próprios números.
O espantoso é o quanto a capacidade de muitas pessoas em compreender e
representar para si números dessa grandeza parece muito limitada. Que significa então,
de fato, $402 bilhões ou $113 bilhões? Se não tivermos nenhuma idéia clara, estaremos
suscetíveis de dizer (e repetir), não importa quão rápi­do, que existem grandes números
em jogo. Portanto, é crucial ver com maior clareza.
Para isso, devemos primeiro desconfiar das confusões lingüísticas. Um milhão,
todos sabem, é mil vezes mil, enquanto um bilhão4 é mil milhões. Mas, quando
dizemos na França um “milliard” (para designar mil milhões) os americanos dizem um
bilhão nesse caso - atenção! Para os francófanos, um bilhão é mil “milliards”.
Juraríamos, mil “milliards” de mil diabos! Vejamos como isso funciona. Os múltiplos
de mil são assinalados pelos americanos por terminações “llion”: million, billion,
trillion, quatrillion etc. Os franceses, como os europeus, alternam “liards” e “lions”:
million, milliard, billion, billiard, trillion, trilli- ard, quatrillion, quatrilliard e assim
por diante.
Mas, como eu disse, são confusões conceituais em que se faz necessário
desconfiar sobretudo dos grandes números, visto que após alguns milhares, nós os
representamos muito mal. Temos então três pequenos truques bastante cômodos para
chegar a isso - sugeridos por Paulos.5
O primeiro. É bastante útil voltar aos conjuntos nos quais compreendemos os
principais grandes números que nos arriscamos a reencontrar. Mil, por exemplo, pode
ser o número de assentos da seção de seu estádio preferido; 10 mil, o número de tijolos
da fachada de um imóvel que você conhece bem. Um milhão, um bilhão? Eis uma
sugestão. Imagine que o enviemos em uma viagem de luxo porquanto tempo quiser,
com a condição de gastar $1.000 por dia. Hotel, restaurante etc; vamos imaginar isso.
Ao final de mil dias, ou seja, após três anos (dois anos e nove meses), você terá
gastado $ 1 milhão. Mas, para gastar um bilhão, seria necessário que sua viagem
demorasse mais de 2,700 anos.
Sua vez, agora: encontre formas de representar os grandes números,digamos, até
um sextilhão.
A segunda dica. E preferível escrever os grandes números de notação científica;
E mais simples e, a partir do momento em que adquirimos o hábito, bem mais claro.
Além disso, é fácil: 10” (10 elevado a n) é um seguido de n zeros. 104 é, portanto,
10.000.
A terceira dica. Divirta-se contando coisas que requeiram a manipulação de
grandes números. Você verá a que ponto nossa intuição é muitas vezes pouco
confiável. Tomemos alguns exemplos de cálculos, sempre sugeridos por Paulos.
Quantos cigarros são fumados nos Estados Unidos por ano? (Resposta 1011). Quantas
pessoas morrem na Terra todo dia? (Resposta: 2,5 x 10). E não tema enfrentar números
imensamente... pequenos: com que rapidez o cabelo humano cresce, em quilômetros
por hora? (Resposta: 1,6 x 10~8). Sua vez. Suponhamos que existam 15 x 103 grãos de
areia por polegada cúbica; grãos seriam necessários para encher totalmente seu quarto
de dormir?
Habituar-se a esse tipo de exercício dá uma grande segurança c tv - vezes,
quando nós lançamos à percepção de grandes números, mais correta, e até, em certos
casos, saber logo se o que dizemos é ou não plausível.
Voltemos à guerra do Iraque. Aqueles que calcularam o custo propõem exprimi-
lo de diversas maneiras, mais compreensíveis, Se quisermos encontrar um equivalente
aos US$113 bilhões estimados, podemos dizer que seria o custo da inscrição de
16.099.088 de crianças no programa Head Start, um programa de educação destinado
a crianças pobres. Seria também o custo da contratação de 2.168.932 professores por
ano nas escolas públicas. O custo, anual, do seguro saúde para 48.807.933 crianças. O
custo de 2.888.245 de bolsas universitária por quatro anos. O custo de 1.626.701
alojamentos. Ou americano deu até hoje mais $1.600 para essa guerra e cada
americano, $404.
O problema: O acréscimo dos números em consequência de múltiplas contagens
A solução; Limitar de modo importante a contagem.

O fenômeno sobre o qual eu gostaria agora de chamar a atenção produz-se


quando contamos mais de uma vez uma ou muitas unidades, chegando assim a um total
maior que a realidade. Os riscos que isso produz aumentam, com efeito, quando não
sabemos com clareza nem o que desejamos contar nem de que maneira abordar o
assunto.
A múltipla contagem acontece, por exemplo, quando as mídias e os serviços
púbicos avaliam de maneira equivocada o n úmero de ví ti mas de um desastre por
considerar dados fornecidos por diversas fontes: hospitais, polícia, necrotério, equipes
paramédicas etc., com todos os riscos de duplicação que isso comporta.
Desse modo, em 1989, o número de vítimas do terremoto em São Francisco foi
primeiro estimado em 255, antes de diminuir progressivamente até chegar a 64.
O problema: Alucinações de supostas coincidências numéricas petrificantes.
A solução: Aprender a se acalmar para conhecer melhor as surpreendentes propriedades dos grandes
números.

A numerologia, se podemos arriscar uma definição do conjunto confuso de idéias


e práticas que essa palavra recobre, é o estudo das pressupostas qualidades ocultas ou
místicas dos números, assim como sua influência e significação sobre os seres
humanos.
Com mais freqüência, a numerologia pretende ser capaz de determinar o número
que corresponde ao nome de uma pessoa e o que ele significa. Por isso, utiliza primeiro
um sistema de correspondência entre cada uma das letras do nome e o número. Em
seguida, esses números são somados e o resultado dessa operação decomposto em
números, que são adicionados, até obter um único número (de 1 a 9). Essa operação é
denominada cálculo do resíduo de um número. A esse número, corresponderíam
determinados traços de caráter que se imagina pertencerem à pessoa. A numerologia é
apresentada como ciência por seus adeptos, que fariam, portanto, o mesmo trabalho
que Galileu. (Tentemos não rir aqui.)
Uma forma de numerologia ocorre na pesquisa do que podemos chamar
“coincidências petrificantes”, pesquisa à qual alguns se dedicam com frenesi. Nos
diversos exemplos, os numerólogos acompanham de perto e colocam em evidência os
dados numéricos de um conjunto de fatos que se relacionam a um ou vários eventos —
e em último caso, comparam-nos. Se isso fosse tudo, podería ser apenas divertido. O
problema reside na argumentação seguinte do numerólogo, no sentido de que apenas o
acaso não pode explicar o que entende como coincidências petrificantes, antes de lhes
atribuir alguma força oculta, como uma conspiração, o destino ou uma força mística.
Dois exemplos permitirão compreender melhor.
No primeiro, enumeramos os aspectos numéricos dos fatos relativos a 11 de
setembro de 2001. Na manhã desse drama, Uri Geller, um mágico que se tomou
célebre nos anos 70 ao atribuir sua capacidade de realizar alguns truques de mágica
banais a poderes paranormais,6 sustentou que o evento deveria ser compreendido e
interpretado em relação ao número 11. Esse último, garantia, “representa uma conexão
positiva e uma porta de entrada para os mistérios do além”711
Para sustentar essa “teoria”, Geller citou os seguintes fetos:
A data do ataque que é 9/11, e, portanto, 9+1 + 1 = 11.
11 de setembro é o 254° dia do ano, ou: 2 + 5 + 4=11.
Faltavam 111 dias para o ano de 2001 terminar, a partir de setembro de i 2001.
O código telefônico do Iraque (e do Irã) é 119, ou seja, 1 + 1+ 9 = 11.
O primeiro vôo a atingir as torres foi o vôo 11 da American Airlines J como A é a
primeira letra do alfabeto, AA pode ser escrito como 11. J
O estado de Nova York foi o 112 a se incorporar à União.
O nome da cidade de Nova York (New York City) possui 11 letras.
O navio USS, que estava no golfo durante o ataque, possui o número de identificação
65N, ou seja: 6 + 5 = 11.
A palavra Afeganistão é composta de 11 letras.
As palavras The Pentagon são compostas de 11 letras.
O ataque contra o World Trade Center em 1993 foi organizado por Ramzi Yousef, cujo
nome possui 11 letras.
Havia 92 pessoas a bordo do vôo 11, ou seja: 9 + 2 = 11.
O outro vôo (o vôo 77) possuía 65 pessoas a bordo, ou seja: 6 + 5 = 11.
Zero não é número e, se ignorarmos isso, o prédio possuía 11 andares.
Os que desviaram os aviões habitavam no endereço 10.001 (também aqui não se
devem levar em conta os zeros).
Todos os seguintes nomes possuem 11 letras: George W. Bush, Bill Clinton; Saudi
Arabia, wtp terrrorismy Colin Powell, Mohamed Atta (o piloto que atacou o World
Trade Center).
Na conclusão da mensagem em que relatava suas “descobertas”, Geller pediu a
cada um para rezar durante... você adivinhou: 11 minutos.
Nosso segundo exemplo mostra as semelhanças entre diversos dados numéricos
relacionados a dois eventos, e a ocorrência nas presidências de Abraham Lincoln e
John F. Kennedy.
Lincoln foi eleito para o congresso em 1846; Kennedy, em 1946.
Lincoln foi eleito presidente em 1860; Kennedy, em 1960.
Seus nomes de família possuem cada um sete letras.
Os assassinos, John Wilkes Booth (de Lincoln) e Lee Harvey Oswald (de Kennedy),
possuem nomes compostos de três palavras, que totali­zam 15 letras.
Ambos foram assassinados no quinto dia da semana.
O sucessor de Lincoln, Andrew Johnson, nasceu em 1808; Lyndon
B. Johnson, de Kennedy, em 1908.
John Wilkes Booth nasceu em 1839; Lee Harvey Oswald, em 1939.
O que se produz aqui é bastante simples e pode ser explicado com facilidade. O
fenômeno é causado pelos próprios acontecimentos em questão, e mais ainda pela
maneira (vaga) como são definidos. Existe, de fato, um número virtualmente infinito
de coisas relacionadas a esses eventos que podem ser expressas por números;
encontraremos, portanto, sem dificuldade, o mesmo número tanto quanto quisermos.
Podemos dar a esse fenômeno uma explicação e uma formulação matemática precisa
com a ajuda do cálculo das probabilidades (ver a seção seguinte), que permite mostrar
como os fenômenos que nos parecem coincidências extraordinárias são, na verdade,
bastante prováveis e nada têm de extraordinário se considerarmos apenas as leis que
regem os números muito grandes. O erro está em selecionar de forma arbitrária as
recorrências numéricas que nada têm de extraordinário e atribuir-lhes significação.
Para concluir, acrescentemos que convém manter o ceticismo não apenas diante das
interpretações propostas pelos pesquisadores dessas pseudocoincidências, mas também
diante dos fatos presumidos. Por exemplo, nas listas precedentes, o indicativo
telefônico do Iraque não é 119, mas 964; quanto a Booth, ele nasceu em 183 8.

O problema: Uma ilusão de extrema precisão.


A solução: Lembrar-se como essa pretensa precisão foi alcançada.

A temperatura normal do corpo humano, há muito tempo tida como 37°C foi
depois revista e corrigida pela compilação, dessa vez por milhões de medições de
temperatura: chegamos então a 36,7°C, número que nos é dado como bastante preciso
e confiável. Como chegamos à primeira medida, tão precisa, mas pouco confiável? A
resposta é divertida. Havia-se estabelecido de forma bastante grosseira a temperatura
normal do corpo em graus centígrados e chegado a uma média aproximada de 3 7°C.
Essa fora a medida convertida em graus Fahrenheit, ou seja, bem precisamente 98,6°F.
Essa pequena história contém um ensinamento precioso: quando os dados sobre
os quais trabalhamos são aproximações, os cálculos de extrema precisão são ridículos e
a exatidão dos resultados obtidos é ilusória. Imagine que eu meça o comprimento de
meus seis gatos, da ponta do focinho à extremidade da cauda. Os resultados obtidos
serão aproximações evidentes. Digamos que eu obtenha os seguintes resultados,
expressos em centímetros: 98, 101, 87, 89, 76, 76.
Afirmar que a média do comprimento dos gatos da casa é 87,8333 não tem
sentido: essa precisão é ilusória e confere a meu trabalho uma aura de rigor e
cientificidade que ele não merece em absoluto.
O problema: Ser vítima de definições arbitrárias destinadas a promover uma apresentação
interessada em uma situação.
A solução: Perguntar-se quem contou e como definiu o que foi computado.

Nós nos proporemos aqui a um pequeno exercício de contabilidade destinado a


mostrar a pertinência, sempre, de se perguntar, diante dos números dados, quem os
produziu, com que objetivo e por que método e definição. E possível que os dados
apresentados ocultem uma parcela da realidade. Não considerar, então, os números
como sacrossantos, mas lembrar de que são resultado de escolha e de decisões, às
vezes arbitrárias.
Você talvez conheça esta piada que circula entre os contadores:
Uma empresa deseja contratar um contador - homem ou mulher. Pergunta ao primeiro candidato
quanto é dois mais dois. Ele responde: quatro. Entra, então, um segundo candidato. A mesma questão, a
mesma resposta. Depois um terceiro candidato é trazido. Depois da pergunta, levanta-se» fecha com cuidado
as cortinas e indaga em voz baixa: quanto querem que eu responda?
Ele é contratado.
O exemplo (fictício) que se segue, adaptado de um pequeno livro clássico de
Darrell Huff,8 diz respeito, exatamente, aos procedimentos contábeis.
Considere os dados financeiros a seguir de duas companhias:
Companhia A
Salário médio dos empregados: $22.000
Salário médio e lucro dos proprietários: $260.000
Companhia B
Salários médios: $28.065
Lucros médios dos proprietários: $50.000

Para qual das duas companhias você preferiría trabalhar? De qual delas gostaria
de ser proprietário?
Na verdade, pouco importa sua resposta, pois se trata, em ambos os casos, da
mesma companhia.
Como é possível? De fato, é bastante simples.
Admitamos que três pessoas sejam proprietárias de uma empresa que emprega
noventa assalariados. No fim do ano, os proprietários terão pago aos assalariados
$1.980.000 em salários. Constata-se ao final do exercício que restam $450.000 de
lucro, soma a ser distribuída entre os proprietários da empresa.
E possível exprimir esses dados dizendo que o salário anual médio dos
empregados é de $ 1.980.000 divididos por 90, ou seja, $2 2.000* enquanto a receita
dos proprietários é obtida adicionando-se, para cada um, seu salário e parte do lucro
obtido, o que resulta: $110.000 + ($450.000/3) ■ $260.000. Essa era a companhia A.
Os números de seus negócios são excelentes e pode ser vantajoso apresentar em
determinadas circunstâncias os dados dos proprietários.
Suponhamos agora que os proprietários queiram primeiro salientar seu profundo
humanismo e senso de justiça.
Os números precedentes parecem pouco desejáveis para fazê-lo, podemos então
tomar $300.000 sobre os lucros e repartir esse montante, como bônus, entre os três
proprietários. Calcularemos, assim, a média dos salários, incluindo dessa vez os dos
três proprietários. Obteremos, com isso, o salário médio de: $1.980.000 + $330.000 +
$300.000/93 = $28.065. E o lucro dos proprietários-. $150.000/3 = $50.000, cada um.
Eis a nossa companhia B.
Esse exemplo está bastante simplificado, sem dúvida. O primeiro cálculo
confirmaria que, na realidade, poderiamos fazer melhor — ou pior — que isso!
0 problema: 0 dado destacado ou semidestacado.
A solução: Correlacione- me a qualquer evento!
Os dados são ditos destacados ou semidestacados quando não se referem a nada,
ou suas referências são aproximadas e não permitem saber exatamente do que se fala.
Sem saber que quantidade um número expressa, não sabemos bem do que fala, nem o
que afirma.
Tome o exemplo: “Mais de 80% das pessoas testadas prefere chocolate Talou.”
Que conclusão podemos tirar dessa afirmação? Os fabricantes do chocolate Talou
gostariam que concluíssemos que existem boas chances para também preferirmos seus
chocolates. Mas existem excelentes razões para não ceder à tentação, pois esse dado é
destacado e nada do que afirma permite chegar a essa conclusão.
Primeiro, com certeza, o que conta é seu gosto, e não o de 80% das pessoas.
Depois, quantas pessoas foram testadas? Como a amostra foi escolhida? Quantas vezes
foi testada antes de chegar a esse resultado? Essa percentagem, 80%, significa 800
pessoas sobre 1.000, 80 pessoas sobre 100, 8 sobre 10 ou mesmo 4 sobre 5 — ou algo
mais? Enfim, por que razão essas pessoas preferiram o chocolate Talou? Talvez a outra
marca seja detestável? Ou todas as outras são ruins? Ou apenas algumas outras? Quais?
Vejamos bem: 80% é um dado destacado.
“Duas vezes menos glicídios” anuncia com orgulho essa fatia de pão que deseja
fazer a felicidade dos diabéticos. E preciso saber em relação a que, antes de alegrar-se.
Se não precisarmos, o dado é destacado e, portanto, não diz nada a não ser a mensagem
que o espertalhão quer passar (compre-me, sou o que precisa), mas que se fundamenta
sobre o nada. Que consideramos como referência? Se for um pão rico em glicídios, o
pão que contém duas vezes menos desse composto talvez continue bastante açucarado.
Se for médio, qual o escolhido e qual a amostra aplicada? Que é uma fatia de pão?
Estaremos comparando alimentos incomparáveis? Ao escrever essas palavras, tenho
diante dos olhos uma fatia de pão que pretende conter sete gramas de glicídios, no
lugar dos 15 gramas habituais dos pães da mesma marca. Enquanto isso, para quem
olha com atenção, isso salta imediatamente aos olhos, as novas fatias são bem menores
e mais finas que as outras: eu diria mesmo, no olho, que são quase... duas vezes
menores!
0 problema: 0 paciente não sabe como o que fala é definido, ou ainda, alteramos, sem que ele saiba,
a definição em questão.
A solução: Perguntar sempre sobre o que falamos e assegurarmo-nos de que a definição não foi
mudada de forma sub-reptícia.

Nas questões humanas, em particular, as definições que utilizamos para falar de


determinados assuntos são construções convencionais. Mude a definição e você poderá
fazer pensar que a realidade mudou. Os dados econômicos, políticos e sociais devem
então ser examinados com o maior cuidado, de modo a garantir que a definição
mensurada seja clara, pertinente e constante. Se não for, demanda de forma imperativa
uma justificativa.
Em 1996, aos olhos de um cronista do San Francisco Chronicle, milhões de
americanos tomaram-se de repente obesos sem, no entanto, ganhar um único quilo.
Como? O jornalista9 acabara de aprender que a obesidade é definida pelo índice de
massa corporal, ou IMC. Mas, segundo a Organização Mundial de Saúde, o EMC de
25 ou mais determinava a obesidade, enquanto nos Estados Unidos, para ser
considerado obeso, era preciso um IMC de 27,6 ou mais.
Temos outro exemplo. Em 1998, na Grã-Bretanha, o índice de desemprego deu
um salto prodigioso, aumentando o número de desempregados em 500.000 de uma só
vez, passando de 5% para 7%. Que calamidade havia atingido esse país? Nenhuma.
Acabavam apenas de mudar a definição de “desempregado” - como havíamos feito
nesse país 32 vezes em 18 anos. Isso sempre ocorria para diminuir o número dos
excluídos do trabalho; uma vez, o objetivo era aumentar.
Um pensador crítico dará provas de discernimento ao lembrar que uma boa
definição é uma convenção, sem, contudo, ser totalmente arbitrária.
O fato de não se ater às definições comuns e convencionais pode às vezes
conduzir a assombros, até a resultados interessantes. Os trabalhos de Ivan Illich
mostram isso bem. Ele desenvolveu uma crítica das sociedades industriais avançadas,
centrada em particular sobre as noções de progresso e crescimento, dando ênfase à
redução do cidadão ao estatuto de consumidor pelas democracias monopolistas a
serviço da produtividade.
As análises de Illich abrangeram a medicina, o trabalho e o desemprego, a
educação, os transportes e a energia. Tomemos a última questão. Segundo Illich, o
automóvel individual seria a solução, por excelência, que nossa civilização daria ao
problema de se deslocar de maneira eficaz de um ponto a outro. Essa solução
apresenta, ao lado de certas vantagens perceptíveis de imediato, falhas e até mesmo
perigos bastante reais - para o ambiente, para a saúde etc. - que não vemos de início
porque preferimos ignorar, no entusiasmo da pressa e da eficácia do carro. Contudo,
pouco a pouco, o instrumento toma-se contraproducente e os problemas surgem.
No entanto, o sistema burocrático e ideológico que se colocou nesse meio-tempo
e detém um “monopólio radical” é incapaz de considerar a resolução desses problemas
de outro modo sem aumentar a oferta. Com isso, não faz senão acentuar ainda mais a
causa dos problemas que procuramos eliminar. O carro deve permitir um deslocamento
com rapidez do ponto A ao ponto B; todos possuem um, seguem-se os
engarrafamentos que diminuem consideravelmente a velocidade dos deslocamentos;
reagimos construindo mais estradas, pontes etc. Temos, afirma Illich, a engrenagem
que incentiva a produtividade, e seu parente próximo, que ele nomeia a contra-
produtividade do instrumento.
De acordo com Illich, deve-se fazer um esforço para pensar de outro modo toda a
questão. Para isso, ele propõe uma nova definição de velocidade, que exige
considerarmos particularmente o custo social do automóvel. Para expor essa nova
definição, levaremos em conta todas as horas de imobilidade, no trabalho, com as quais
cada um de nós deve consentir para pagar o carro, a gasolina, a manutenção e os
seguros; todas as horas, da mesma forma necessárias, para pagar o custo coletivo do
uso do automóvel - ruas, rodovias, hospitais e todo o resto.
Illich fez os cálculos e concluiu que a velocidade social real do automóvel não é
significativamente superior à da... carruagem.
O problema; O paciente parece incapaz de calculados por habitante.
A solução: Alguns exerciam de flexibilidade.

No ano passado, foram cometidos cinquenta homicídios na cidade de Port-qui-


Swinge e cinqüenta em Banlieue- Dodo. O que devera fazer al­guém que deseje habitar
a cidade em que houve redução na pratica desses crimes?
Ele desejará saber o que representa esse número recente em relação a situação
anterior - digamos, para simplificar, há cinco anos. Isso dará uma avaliação da
mudança de valor, no tempo, da cidades. variável crime, para essas duas cidades.
Há cinco anos, ocorreram 42 mortes em Port-qui- Swinge c 29 em Banlíeue-
Dodo. Para determinar o que os números representam, subtrairemos esse valor do novo
(50, em ambos os casos), dividiremos o resultado pelo valor antigo e multiplicaremos o
último resultado por 100, obtendo, desse modo, a porcentagem do aumento do número
de homicídios nas duas cidades, () que nos leva a:
Port-qui-Swinge:
(50-42) = 0,19
42
0,19 x 100= 19%
Banlieune Dodo:
(50 – 29) = 0,72
29
0,72 x100 = 72|%
Isso é tudo? Imagino que não parará aí, sabendo muito bem que essa
porcentagem é um dado semidestacado: 72% e 19% de quê? Antes de parar e conduir,
é preciso saber.
Desejaremos analisar as populações das respectivas cidades.
Digamos que Port-qui-Swinge possua neste ano 600 mil habitantes e, há cinco
anos, possuísse 550 mil; sabemos também que Banlieue-Dodo tem hoje 800 mil
residentes, enquanto tinha 450 mil há cinco anos. As duas cidades não cresceram no
mesmo ritmo e os números devem expressar isso. Podemos exprimir o índice de
homicídios por habitante em função da população. Como fazer? Dividimos simplesmente
o número de homicídios pela população total. A seguir, como o número minúsculo ao
qual chegamos não é muito cômodo, nós o multiplicamos por 100 mil para obter um
dado válido para cada 100 mil habitantes. Observemos então os dados deste ano:
Port-qui-Swinge:
—A— = 8,33 x 10 s
600.000

8,33 x 10 s x 100.000 = 8,33 por 100.000


Banlieue-Dodo:
= 6,25 x 10-5
800.000 '

6,25 x IO 5 x 100.000 = 6,25 por 100.000

Há cinco anos, a situação das duas cidades era a seguinte:


47
Port-qui-Swinge: — = 7,64 por 100.000 habitantes

Banlieue-Dodo: = 6,44 por 100.000 habitantes 450.000 r


Os homicídios, expressos em porcentagens, haviam aumentado 72% em
Banlieue-Dodo e 19% em Port-qui-Swinge. Mas, se analisarmos, adequadamente, as
respectivas populações de ambas as cidades, o que acontece nesse caso com o índice de
homicídios?
2.2 PROBABILIDADES E ESTATÍSTICA

Todas as gerações são perigosas, inclusive esta.

Alexandre Dumas Filho


A provável que coisas improváveis aconteçam.

Aristóteles

Existem três tipos de mentiras: as mentiras comuns, as mentiras sagradas e as


estatísticas.

Benjamin Disraeli
Não se deve sentar com um estatístico, nem confiar em ciência social

W.H. Auden
H. G. Wells, o célebre autor dos romances de ficção científica, predisse na
primeira metade do século XX que o conhecimento da estatística se tomaria um dia tão
necessário ao exercício da cidadania quanto saber ler e escrever. Acredito que essa
previsão aconteceu e que este é o momento: as estatísticas - e as probabilidades, suas
companheiras inseparáveis - são, a partir deste momento, indispensáveis instrumentos
cidadãos. Essa é a razão pela qual proponho nas páginas seguintes um sobrevoo pelas
noções elementares de estatística e probabilidade imprescindíveis ao exercício de sua
autodefesa intelectual.
Começaremos nosso percurso com o jogo de dados. A teoria das probabilidades,
que estudaremos para começar, nasceu justamente das reflexões suscitadas pelos jogos
de azar. Mas essa origem, talvez não das mais nobres, não deve nos fazer esquecer a
seriedade dessa teoria e a extrema utilidade em todos os setores da vida e da pesquisa
científica. Devo ou não fazer seguro? Qual é a chance de ganhar na loteria 6/49? Qual
a probabilidade de ficar doente ao fumar um maço de cigarros por dia?
Qual a minha expectativa de vida? Todas essas questões e milhares de outras
encontram respostas graças ao cálculo das probabilidades.
2.2.1 As probabilidades
A teoria das probabilidades nasceu das questões essenciais propostas pelo Che-
valier de Méré a seu amigo Blaise: permitam-me então apresentá-las a você...
Um enigma proposto por Méré a Pascal
Partamos para a França, no século XVn. O Chevalier de Méré (Antoine
Gombaud, 1607-1684) era um libertino, grande amante de vinhos, mulheres e jogos de
azar. Quanto a Blaise, é Blaise Pascal, um filósofo, físico e matemático brilhante, e
ainda está, quando se aproxima de Méré, na fase mundana de sua vida que logo
abandonará para se consagrar de forma exclusiva à religião - renunciando, desde então,
a todo o resto, inclusive às matemáticas.
Méré jogava sobretudo dados. Jogador escrupuloso, que estudava com atenção o
jogo e tomava notas cuidadosas sobre as suas partidas. Ele extraiu regras básicas, que
aplicou de forma metódica.
Primeiro, ele sempre verificava os dados antes de jogar. Jogador desconfiado,
Méré percebeu que existem trapaceiros que utilizam dados viciados, munidos de um
peso que faz com que tenham a tendência a cair com maior freqüên- cia sobre uma das
seis faces. Adivinhamos a vantagem que possui aquele que sabe disso! Méré, então,
não jogava senão com dados justos, ou seja, dados que caem ao acaso e possuem as
mesmas chances sobre uma ou outra das seis faces.
Quando um dado justo é lançado, não podemos, é evidente, saber sobre que face
ele cairá. Mas Méré sabia que, em um dado justo, cada uma das seis faces possui a
tendência a cair uma vez a cada seis.
Com certeza, Méré sabia que poderia obter o mesmo número, por exemplo, o 6,
duas, três ou até mesmo quatro vezes seguidas. Mas ele constatou que, em longo prazo,
o 6 retomava uma vez sobre seis, como cada uma das outras faces apareciam, também,
uma em cada seis vezes. Ele extraiu dessa observação uma regra que achou bastante
útil.
Se eu lançar um dado, tenho uma chance sobre seis de obter um 6, uma chance
sobre seis de sair um 5, uma sobre seis de sair um 4 e assim por diante. Suponhamos
que meu interesse seja o 6 e também que jogue meu dado quatro vezes seguidas.
Bem, nesse caso, pensou Méré, tenho seis vezes uma chance sobre seis de tirar um 6.
O que isso representa é fácil de calcular:
4x1=2
6 3

Tenho, portanto, concluiu Méré, duas chances sobre três de tirar um 6 ao lançar
um dado quatro vezes seguidas. Entretanto, Méré, quase sempre, jogava não apenas
com um dado, mas com dois dados distintos, de cores diferentes, digamos um branco
e um preto. Ele sabia, por conseguinte, indagar que chances teria de tirar dois 6 ao
lançar os dois dados. Para descobrir, raciocinou o seguinte:
Quando eu lanço dois dados, o primeiro pode dar, digamos, 1, e o segundo dado
pode dar 1,2, 3,4, 5 ou 6. O que faz seis possibilidades com 1 sobre o primeiro dado.
Mas o primeiro dado pode também dar 2, e o segundo, também 1, 2,3,4, 5, ou 6.
Temos agora 12 possibilidades. Mas o primeiro dado pode também dar 3, enquanto o
segundo dado... etc. No total, verifique, chegamos a 36 possibilidades.
Podemos representar o resultado ao qual chegou Méré da seguinte maneira:
Apenas uma das 36 possibilidades interessa Chevalier: aquela em que o primeiro
dado dá 6, enquanto o segundo dado também dá 6. Essa é uma das 36 possibilidades de
nosso quadro. Qual é minha chance de obter um duplo 6 com dois dados lançados de
uma vez? Resposta: 1 sobre 36. Mas suponhamos agora que eu lance meus dados 24
vezes. Méré raciocinou como há pouco e concluiu possuir 24 vezes uma chance sobre
36 de sair um duplo 6. Calculou então:

Isso quer dizer, concluiu nosso Chevalier, que temos exatamente as mesmas
chances (2/3) de obter um 6 ao lançar quatro vezes um dado que tirar um duplo 6
lançando 24 vezes dois dados. Chevalier estava bastante confiante de si, o raciocínio
parecia-lhe impecável.
No entanto, quando ele apostava confiando em seu raciocínio inatacável, os
dados, esses traidores, recusavam-se a se comportar como previra seu raciocínio: nosso
Chevalier perdia com mais freqüência com os dois dados que apenas com um. Isso o
deixaria fora de si. Ele perdia dinheiro. O problema o deixava obcecado, e ele não
dormia mais.
Incapaz de resolver o impasse, Méré decidiu consultar seu amigo Blaise, a quem
submeteu o problema - assim como outro que nos permitiremos ignorar aqui. E da
reflexão de Pascal sobre esses problemas e da correspondência com Pierre de Fermat
(1601-1665) que nasce a teoria das probabilidades. O que Pascal encontrou e explicou
a Méré, nós podemos compreender: isso nos abrirá a grande porta do cálculo das
probabilidades e das estatísticas. O que vamos des­cobrir com isso é extremamente
precioso.

Algumas noções de probabilidade


Voltemos ao quadro que representa as 36 possibilidades de uma experiência
aleatória (lançar dois dados de cores diferentes). Suponhamos que cada um desses
resultados possua as mesmas chances que os outros de aparecer. Tomemos, então, um
deles ao acaso: tirar 1 no dado preto e 1 no dado branco. Qual é a sua probabilidade?
Esse resultado aparece apenas uma vez sobre 36 casos de nosso universo de
possibilidades. Existe, portanto, uma chance em cada 36 de acontecer. Exprimimos
com freqüência as probabilidades dessa maneira, quer dizer, por uma fração cujo
numerador é o caso favorável e o denominador, o conjunto dos casos possíveis.
Nesse momento, a probabilidade do evento, obter 1 no dado branco e 1 no dado
negro, é 1/36. A probabilidade de um evento está sempre compreendida entre 0 (o
evento nesse caso é impossível e estamos certos de que não pode acontecer) e 1 (a
certeza do evento). A probabilidade de que a soma das duas faces superiores de nossos
dados seja 13 é zero; a de obter dois números cuja soma esteja entre 2 e 12 é 1 (ou
36/36). Teremos adivinhado que cada um dos 36 resultados representados possui a
probabilidade de 1/36 e sua soma é um, pois 36A=1.
Avancemos um pouco. Considere dessa vez o que chamamos de evento, o que
pode ser realizado por diferentes casos possíveis. Veja, por exemplo, o fato de obter um
total de três. E um evento. Qual é sua probabilidade? Para saber, devemos perguntar
quantos casos possíveis realizam o evento. Observemos nossa tabela. A soma 3 pode
ser obtida quando temos 1 com o dado negro e 2 com o dado branco; mas também
quando obtemos 1 com o dado branco e 2 com o dado negro. Portanto, dois casos
compõem o evento. A probabilidade de cada um dos casos é 1 sobre 36. Esse evento
tem, então, duas chances sobre 36 de ser produzido.
Vejamos de modo um pouco mais claro.
Considere um evento A; para indicar sua probabilidade, escreveremos: P(A).
Para o evento A;. o total dos dados é 3, temos: P(A) = 2\36

Da mesma forma, é possível combinar os eventos, sendo justamente isso que


permite o cálculo das probabilidades. Tomemos os eventos E e F. Podemos combiná-
los de diversas maneiras para obter novos eventos e procurar determinar a
probabilidade de obter ambos; dito de outra forma, a probabilidade EeF; é possível
ainda tentar obter a probabilidade de E ou F; ou, enfim, tentar não E (ou não F), ou
seja, a probabilidade de obter E (ou F). Tentemos esse novo jogo.
Considere o evento E, obter 1 no dado branco; e o evento F, 1 no dado negro.
Imaginemos que queiramos calcular a probabilidade de obter um ou outro, quer dizer,
obter 1 com um dos dados. Para refletir sobre isso, voltemos à nossa tabela. Existem
seis resultados em que E ocorre e também 6 em que F ocorre. Ocultemos todos esses
resultados. Observou alguma coisa? Ocultamos duas vezes o resultado em que os
dados davam 1. Por quê? Porque os dois eventos pos­suem um elemento em comum e
devemos tomar cuidado para não contá-los duas vezes. Isso nos fornece a regra para a
operação “ou” quando os eventos não são mutuamente exclusivos. Temos nossa regra
de adição (para E e F não- exclusivos):
P(EouF) = P(E) + P(F)-P(EeE)
Em nosso exemplo, teremos:
6+ 6 - 1_=11.
36
Se os eventos são mutuamente exclusivos, adicionaremos as probabilidades de
cada um, simplesmente, sem sermos obrigados a subtrair. O que nos fornece a segunda
regra:
P(E ou F) = P(E) + P(F)
Introduzamos outra regra. Seja o evento E. Temos, por definição:
P (E) = 1 - P (não E)
Considere, por exemplo, o evento D, que consiste em lançar um duplo 1 e tem a
probabilidade de 1/36. Podemos reencontrá-la ao dizer que existe uma proba­bilidade
de 1 -P(não D), quer dizer 1-35\36 Essa regra, como descobriremos, será bastante
cômoda para resolver o problema proposto por Méré a Pascal.
Restam apenas as regras que concernem a P (E e E), ou seja, as probabilidades de
que ambos os resultados aconteçam. Nesse momento, devemos introduzir uma pequena
sutileza: os eventos que desejamos combinar podem ser dependentes ou independentes.
Retomemos nosso evento P (A) = obter um total de 3. Existe uma possibilidade
de 2/36. Suponhamos agora que lancemos primeiro o dado branco; observemos o
resultado e apenas depois jogaremos o outro dado. Imaginemos que o dado branco
tenha caído com o 1 voltado para cima. P (A) ainda tem a probabilidade de 1/36? Com
certeza, não. Se obtivermos 1 com o primeiro dado, a probabilidade de tirar 3
evidentemente aumentou: agora ela é de 1/6. Nesse caso, o resultado alcançado com o
primeiro dado (branco) tem influência sobre probabilidade investigada. Chamemos B o
evento obter 1 com o primeiro dado. A probabilidade de B influi na probabilidade de
A. Chamamos isso de probabilidade condicional e sua notação é a seguinte: P (A/B).
Se os dois eventos são combinados com “e”, além de serem dependentes nesse
sentido, então (eventos dependentes):
P(AeB)=P(A/B)xP(B)
Se forem independentes — o que significa que o fato de um acontecer não tem
qualquer influência sobre a probabilidade do outro teremos (eventos independentes):
P(AeB) = P(A)xP(B)
O conhecimento dessas regras é a única coisa absolutamente necessária para
começar a jogar com as probabilidades, o que proponho que você faça imediatamente.
A probabilidade de um evento, como vimos, exprime- se pela relação entre os
casos favoráveis e o conjunto de casos possíveis. Quando sabemos ou temos razões
para crer que existem X casos igualmente prováveis - dizemos que são eqüiprováveis
—, podemos determinar apriori a probabilidade de um evento. E o caso de lançar um
dado, com a condição de que não esteja, com certeza, viciado. Nos outros casos,
devemos experimentar, fazer testes, reunir os dados para encontrar a posteriori a
probabilidade de um evento. As probabilidades de um jogador de beisebol bater em
lugar seguro, de chover amanhã, de se ter certo tipo de câncer firmando X cigarros por
dia são todas determinadas a posteriori, além de serem estimativas mais ou menos
confiáveis segundo diferentes fatores, em particular o número de casos observados.
A loteria 6/49
Na loteria 6/49 ganha aquele que escolhe os seis números (sobre 49) que
correspondem aos seis números escolhidos ao acaso por um mecanismo qualquer no
dia do sorteio. Que probabilidade temos de ganhar nesse jogo? As chamadas regras de
arranjos e combinações se fazem necessárias.
Tomemos um conjunto de três letras: A, B e C. Queremos saber de quantas
maneiras podemos arranjar essas letras em grupos de dois sem repeti-las e
considerando que AC é diferente de CA. O que buscamos são arranjos de dois em um
conjunto de três. Encontraremos seis:
AB BC BA CB AC CA
Mas, quando os conjuntos são maiores, não conseguimos contar dessa forma.
Você adivinhou que existe uma regra de cálculo, cuja notação é , seja » o número de
elementos do conjunto, A, a operação de arranjo, e k, o número de elementos que
reagrupamos. A fórmula é:

Leia-se n! fatorial de n, o produto de n números. Em nosso exemplo:

Retomemos a 6/49. Teremos:

Chegaremos em, aproximadamente, uma chance em cada dez bilhões de ganhar


com um bilhete. Entretanto, existe um pequeno problema. Lembre- se da importância
da ordem dos elementos; dito de outro modo, que AC e CA são consideradas dois
arranjos diferentes. Esse não é o caso da loteria, pois se você escolheu: 1,2,3,4, 5,49,
ganharia se tirasse nessa ordem: 49,5,4,3,2,1.0 que queremos encontrar, dessa vez, são
as combinações. A fórmula, então, é:
Para a 6/49, teremos:

Vemos que a probabilidade de ganhar melhorou bastante. Contudo, o que isso


quer dizer de fato? Arredondemos para 1 em cada 14 milhões. Se os sete milhões de
habitantes de Quebec comprassem, cada um, um bilhete diferente, haveria ainda uma
chance sobre duas de que ninguém ganhasse o prêmio, Podemos ter uma ideia do
significado dessa probabilidade se exprimirmos de modo mais familiar o que
representa uma chance sobre um milhão. Veja alguns exemplos propostos por
McGervey.11 Você tem uma chance em um milhão de morrer: ao conduzir sem cinto
de segurança uma distância de 96 quilômetros; conduzir por cinco minutos uma moto
sem capacete; ficar dez minutos a bordo de um avião comercial; fumar dois cigarros.
Se partir do centro da cidade de Montreal em direção a Beloeil sem cinto de
segurança, correrá um risco 12 vezes maior de morrer de acidente de automóvel que
de ganhar na 6/49.
O quadro a seguir, que retoma os dados propostos por Paulos,12 permite
representar igualmente o significado de “a chance de ganhar na 6/49”.
Morrer em um acidente de 1 em 5.300 automóvel
Morrer afogado 1 em 20.000
Morrer sufocado 1 em 1 68.000
Morrer de acidente de bicicleta 1 em 75.000
Morrer de um atentado 1
terrorista em um país estrangeiro 1 em 1.600.000
Morrer de raio 1 em 2.000.000
Morrer de picada de abelha 1 em 6.000.000

Para concluir: você diría que o exemplo fictício proposto (1,2, 3,4, 5,49)e mais,
menos ou tão provável quanto o que ganhou esta semana?
O triângulo de Pascal
As dificuldades que encontramos nas probabilidades ainda consistem em não
conseguir definir e considerar o caso a ser examinado, e decidir se são ou não
exlusivos ou independentes. O triângulo de Pascal trata-se do mesmo Pascal poderá ser
útil cm certos cálculos.
Segue a apresentação desse famoso triângulo:
É bastante fácil construir o triângulo de Pascal. Escrevemos primeiro, na
primeira célula, o número 1. A linha seguinte é a linha 1 e possui duas células: em cada
uma escrevemos a soma dos números que se encontram, e imediatamente acima. Como
existe apenas um, então escrevemos o 1 duas vezes.
Alinha seguinte, a segunda do triângulo, comporta três células, com os números
1, 2 e 1 e assim por diante. A décima linha é aquela em que se lêem os números: 1, 10,
45 etc.
Consideremos uma linha qualquer, a qual chamaremos de N. O que ela nos
fornece é a distribuição de N experiências que comportam dois resultados. A linha 10,
por exemplo, indica-nos as probabilidades de dez lances de uma moeda (para os quais
existem dois resultados possíveis: cara ou coroa), de dez nascimentos (para os quais
existem dois resultados possíveis: homem ou mulher) etc. Consideremos essa linha. O
total de números que encontramos é:l + 10 + 45 + 120 + 210 + 252 + 210 + 120 + 45 +
10 + 1 = 1.024. Se lançarmos dez vezes uma moeda, existe uma chance (é o primeiro
número da linha) em 1.024 (o total dos números) de que todos os lances dêem coroa.
Existem dez chances sobre 1.024 de obter uma distribuição de 1 coroa e 9 caras; 45
chances sobre 1.024 de saírem 2 coroas e 8 caras. E assim por diante.
Qual a probabilidade de obter 5 coroas e 5 caras? Com o triângulo de Pascal, a
resposta salta aos olhos: 252/1.024. Observe também que a distribuição 6-4 ou 4­6 (ou
seja 6 coroas e 4 caras ou 6 caras e 4 coroas) é a mais provável (com 420 chances em
1.024) sem que tenhamos talvez pensado nisso de modo intuitivo.
Agora, é sua vez.
Em uma família com dez crianças, qual a probabilidade de que três sejam
mulheres e sete homens?
Concluiremos esta seção examinando dois outros instrumentos bastante preciosos
que nosso estudo das probabilidades nos permite colocar em nosso cofre de
pensamento crítico.
O sofisma do jogador
Esse erro de julgamento também é chamado de sofisma de Monte Cario,
exatamente porque é bastante freqüente entre os jogadores. E feito quando o apostador
está convencido de que uma série de resultados de uma dada espécie indica que um
resultado de outro tipo pode ser previsto para o próximo sorteio. Por exemplo, tendo
obtido 4 coroas seguidas, o jogador acreditará que o próximo lance da moeda será cara.
Falso, pela simples razão de que os acontecimentos (os lances da moeda) são
independentes: as moedas não possuem qualquer memória sobre que lado já saiu e os
resultados precedentes não têm influência sobre os seguintes. A probabilidade de obter
cara, a cada lance, continua 1/2 ou 50%.
Extraordinário? Não tão rápido...
Outra recaída bastante importante no domínio das probabilidades para o
pensamento crítico consiste em, graças a elas, não sermos tentados a achar
extraordinários eventos que acreditamos que devessem ser produzidos apenas pelo
jogo do azar. Não há necessidade então de fazer intervir qualquer outro fenômeno para
esclarecê-los.
Darei dois exemplos.
Exemplo 1: Os filhos primogênitos
Uma pesquisa mostrou que a maioria dos médiuns célebres é de primogênitos.
Os partidários da parapsicologia estão bastante impressionados com esse dado e
propõem as hipóteses mais ousadas para explicá-lo. Eles têm razão de ficar tão
impressionados assim? Um simples raciocínio mostra-nos que não.
Em uma dada população, sobretudo quando o número de crianças por fa­mília não
é alto (2, 3 ou 4), existem sempre mais filhos primogênitos.13 Por tanto, a maioria de
qualquer coisa é composta de filhos primogênitos. Consideremos uma população
fictícia de cem famílias de duas crianças cada uma. Teremos, em proporções iguais, as
seguintes composições (M quer dizer mulher e H, homem):

Em três casos sobre quatro, um homem é o primogênito. Verifique se o mesmo


ocorre com as famílias com três crianças: os filhos (mas também as filhas)
primogênitos são a maioria. Em resumo: não existe um mistério a esclarecer e, para
falar como Marcei Duchamp, não existe solução, pois não existe problema!
Exemplo 2: Premonição?
M. Paul estava bastante excitado. Pensava em alguém conhecido, Madame Y, e,
nos cinco minutos seguintes, o telefone tocou: seu correspondente informava a morte
de Madame Y. Ele acredita que exista uma razão para crer em premonições!
Compreendemos com freqüência raciocínios desse tipo, em particular favoráveis
ao paranormal. Também neste ponto, nosso instrumento será bastante eficaz, pois nos
mostrará que não existe mistério a ser explicado.
Suponhamos, o que é muito modesto, que M. Paul conheça mil pessoas (em
sentido amplo, como ele conhece, por exemplo, João Paulo II) de cuja morte to­mará
conhecimento nos próximos trinta anos. Suponhamos também, com bastante
sobriedade, que M. Paul não sonhe com nenhuma dessas mil pessoas a não ser uma vez
em trinta anos. A questão é a seguinte: qual a probabilidade de ele pensar em uma
dessas pessoas e, nos cinco minutos seguintes, saber de sua morte? O cálculo das
probabilidades permite determinar essa probabilidade levando em consideração tais
convenções. Essa probabilidade é pequena: pouco mais de três chances em dez mil.
Mas M. Paul mora em um país de 50 milhões de habitantes. Para essa população,
haverá 16 mil “premonições misteriosas” em trinta anos. O que representa cerca de 530
casos por ano, portanto, mais de um caso por dia. Em resumo, como escreve Henri
Broch, de quem retirei esse exemplo: “O simples acaso também permite escrever de
forma abrangente so-
hrr 'fantásticas premonições parapsíquicas na França’ em várias obras que venderão
muito bem.”
Atualmente, e antes de passar às noções de estatística que gostaria de apre sentar,
voltemos ao problema de Méré.
Como o enigma proposto por Méré foi resolvido por Pascal
Você compreendeu que os cálculos do Chevalier não valem nada. Nomeemos E o
que procuramos (obter um 6 em quatro lances). O problema de Mére resolve-se com
mais Facilidade de modo inverso, quer dizer, procurando calcular 1 - P(nâo E).
O cálculo é um pouco complexo. Os lances são independentes e, em P (não E) =
4
(5\6) para um dado lançado quatro vezes, obteremos 0,482. Ou
P(E)= 1 -P(não E) = 1-0,482 =0,518
Para dois dados lançados 24 vezes,

Esses resultados são bastante esclarecedores, como você pode observar. Com
certeza, compreendemos por que Chevalier ganhava com um dado, porém perdia com
dois. Mas as diferenças são tão pequenas que isso também indica que nosso bravo
Chevalier jogava muito e anotava minuciosamente as partidas!
2.2.2 Noções de estatística
Utilizamos a palavra estatística em dois sentidos. No plural, designa os dados
quantificados - por exemplo, as estatísticas de divórcio em Québec. No singular,
designa um ramo da matemática que utiliza e desenvolve os métodos que permitem
reunir, apresentar e analisar os dados. Trataremos então disso, mas, essencialmente,
abordaremos um ramo chamado estatística descritiva. Como o nome indica, ele permite
descrever as observações a respeito de tudo o que quiser - pessoas, objetos, eventos - e
que chamamos “população”.
Começamos nosso percurso estudando uma curva essencial ao conhecimento.

A curva de Laplace-Gauss
Se você quiser, retomaremos os lances com dois dados diferentes. Poderemos
representar os resultados teóricos de nossos lances com a ajuda de um gráfico. Sobre o
eixo Y (vertical), expressaremos em porcentagem a probabilidade de obter diferentes
somas de 2 a 12, que indicaremos no eixo X (horizontal). Desenharemos, a seguir,
retângulos chamados histogramas para representar as probabilidades de cada total. Veja
o gráfico obtido:

O histograma é uma representação aproximada da curva de Laplace- Gauss - o


mesmo Gauss do qual falamos na introdução deste capítulo. Essa curva é chamada
curva de distribuição normal e representa as distribuições de vários fenômenos
humanos ou naturais aleatórios. E importante conhecê-la e reconhecê-la.
Média, mediana e moda
Existem diversos meios de reduzir um conjunto de dados a um único valor, que
nos permitirá apreender o que é peculiar aos dados e, portanto, conservar parte de suas
características. As medidas que permitem fazer isso chamam-se medidas de tendência
central, pois indicam, precisamente, a tendência central ou típica de nossos dados. Elas
são muito úteis e difundidas; devemos então conhecê-las, em especial porque essas três
medidas de tendência central não fornecem necessariamente o mesmo valor. Portanto,
elas podem ser utilizadas para enganar, basta escolher a medida que desejamos destacar,
que pode muito bem não ser a verdade representativa dos dados.
As medidas de tendência central são a média, a mediana e a moda.
A média é apenas o valor médio de todos os dados pertencentes ao conjunto. É
obtida adicionando-se todos os dados e dividindo o resultado pelo número de dados,
cuja notação é:

Onde X é o símbolo matemático convencional do valor da média de x, x é um


valor observado;
Exi, a soma de todos os valores de X observados e w, o número de observações
que constitui o conjunto de dados.
Caso você ordene os dados do menor ao maior valor, encontrará com facilidade a
mediana: é apenas o valor acima do qual metade dos dados está, e a outra metade,
abaixo. Se o número de observações for ímpar, a mediana encontra-se exatamente no
meio; se o número de observações for par, na média das duas observações centrais.
A moda, por fim, é o valor mais freqüente de um conjunto.
Daremos um exemplo que permitirá compreender tudo isso. Tomemos os preços
dos cassetetes Bang em oito fornecedores do Service de la Police de Montréal:
$109
$129
$129
$135
$139
$149
$159
$179
Encontra-se a média com facilidade:
109+129 + 129+135 + 139+149+1594-179 = 141
8

Para encontrar a mediana, apenas classificamos ot dados:


109 + 129 + 129 + 135 + 139 + 149 + 159 + 179
Como temos um número par de dados (8), tomamos os dois do meio (S13 5 e
$139), somamos, dividimos por dois e obteremos nossa mediana: $137.
A moda, finalmente, é determinada por um simples olhar: o montante de $129
ocorre com maior frequência.
Observamos que, nesse caso, as três medidas de tendência central fornecem
valores que não apresentam diferença substancial. É o que ocorre, em geral, em uma
distribuição normal, em que a média, a mediana e a moda possuem valores quase
idênticos. Você pode verificar ao calculá-las para os 36 resultados dos lances dos dois
dados apresentados acima. Mas atenção- Esse nem sempre é o caso. E possível
acontecer que o recurso a uma das medidas de tendência central seja enganoso, e nesse
sentido a medida escolhida não fornecerá uma idéia exata daquilo que é típico em um
conjunto de dados, que é precisamente o que queremos exprimir com essas medidas.
Imagine, por exemplo, um departamento universitário de criação literário
anunciando com orgulho que a renda média anual de seus diplomados é $242.000.
Temos um resultado muito impressionante... Na verdade, bastante impressionante. Se
acenarmos com essa média, você deverá pedir para ver o*» dados. Suponhamos que
um dos diplomados também jogue hóquei e tenha sido contratado no fim dos estudos
para uma equipe profissional. Sua renda, digamos de US$4 milhões, distorce o jogo.
De fato, a média é uma medida de ten­dência central muito sensível a dados extremos.
Em casos semelhantes, é preferível escolher outra medida de tendência central. Qual e
por quê? Podemos resumir no quadro a seguir:
Recapitulação: As medidas de tendência central
Média. È a medida de tendência central mais utilizada. Ba sempre existe e leva em consideração o
valor de todos os dados. Por conseguinte, é sensível a valores extremos.
Mediana. Ela também é comumente utilizada, porém menos que a média.. Existe sempre; contudo,
ê
não considera todos os valores (senão para saber quantos existem) Ba não sensível a valores extremos.
Quando tal valor existe, pode enfio ser mais representativo que a média do que é tipico dos dados.

Moda. Utilizada mais raramente, é empregada, sobretudo, para descrever variáveis nominais
(descritas por um nome) ou discretas (que utilizam apenas um número limitado de valo res reais). Podem
existir uma ou mais modas, ou até não existir nenhuma. Não considera os valores de todos os dados.

Para se ter uma dimensão da importância de conhecer bem as medidas de


tendência central e utilizá-las com critério, veja um pequeno exemplo simples,
adaptado de Martin Gardner.14
A companhia ZZZ fabrica Schpountz. Na direção estão um patrão, seu filho e
seis parentes; entre os funcionários, constam cinco contramestres e dez operários. Os
negócios vão bem e a direção deve contratar um novo empregado. Paul é candidato ao
cargo. O patrão da ZZZ explica-lhe que o salário médio da companhia é $6.000 por
mês. Acrescenta que, no início, durante o período de experiência, Paul receberá $1.500
por mês. Depois disso, seu salário aumentará rapidamente.
Paul é contratado. Contudo, depois de alguns dias, colérico, pede para ver o
patrão.
- Você mentiu para mim! Nenhum dos operários da ZZZ ganha mais de $2.000
por mês, queixou-se.
- De modo algum — retrucou o patrão.
E entregou-lhe uma folha na qual estavam todos os salários pagos, todo mês, pela
ZZZ:
Patrão: $48.000
Seu irmão: $20.000
Cada um de seus seis parentes: $5.000
Cada um dos cinco contramestres: $4.000
Cada um dos dez empregados: $2.000
- A ZZZ paga, no total, $ 13 8.000 por mês em salários, e isso a 2 3 pessoas. 0
salário médio é, portanto, de: 138.00\23 = $6.000. Como você pode ver bem, concluí
o patrão, não menti.
Mas Paul é um pensador crítico informado. Pode então responder:
- A média que utilizou é uma medida de tendência central. Existem outras. Você
seria mais honesto se tivesse me dito a mediana: para isso, classificaríamos a lista de
salários da empresa em valores decrescentes e exatamente no meio estaria a mediana.
No caso da ZZZ, o salário mediano é $4.000: essa indicação teria sido mais precisa.
Mas a moda deveria ser o valor dado se quisesse ser perfei- tamente honesto. A moda,
em uma coleção, é o número mais freqüente. Na ZZZ, o salário modal é $2.000 por
mês. Temos então o que deveria ter-me dito.

Deve-se, portanto, prestar atenção ao utilizar medidas de tendência central, e


perguntar sempre qual foi utilizada e se a escolha se justifica.
Desvio-padrão
Além dessas medidas de tendência central, um pensador crítico desejará, de toda
forma, conhecer a dispersão de uma distribuição; em outras palavras, sua variação em
tomo da média. O desvio-padrão constitui a mais importante das medidas de dispersão.
Para lhes dar uma idéia do que se trata, imaginem o cenário a seguir.
Você pescou peixes em uma água dita poluída, que fornece certos peixes
impróprios ao consumo. Mas dizemos, ao mesmo tempo, que determinados peixes não
representam perigo. Suponhamos que a toxicidade dos peixes esteja distribuída de
acordo com uma curva normal. Dizemos também que, a partir de 7mg de Cecicela - um
produto tóxico despejado antigamente em segredo pela usina, vizinha, de Schpountz,
antes de ser transformada em cooperativa autogerenciada toma-se perigoso comer
peixe. A média das quantidades de Cecice-la encontrada nos peixes nesse rio é de 4mg.
Você comeria?
Antes de se pronunciar, você faria bem em se aconselhar sobre o desvio-padrão,
que informaria se os valores de toxicidade variam muito ou pouco em tomo dessa
média. Se a variação for enorme, você correrá um grande risco ao comer peixe; se, ao
contrário, ela for muito pequena, isso indicará que os valores de toxicidade tenderão a
se agrupar próximo à média; então você correrá um risco muito menor.
Em termos mais precisos, o desvio-padrão é uma medida da dispersão dos dados
em relação à média.
Tecnicamente, trata-se da raiz quadrada de outra medida chamada variância. Nós
a chamamos sigma (s), cuja notação é:

Temos três maneiras de calcular um desvio-padrão.


A primeira é a mais simples: basta recorrer a uma calculadora, que dará o
resultado com um simples toque.
Se você quiser calcular manualmente, veja um modo cômodo de proceder.
1. Determine o desvio de cada um dos valores em relação à média, que já terá calculado
antes;
2. Eleve ao quadrado cada uma das diferenças e obtenha o total desses quadrados;
3. Divida pelo número de valores: essa é a variância;
4. A raiz quadrada dessa variância fornece o desvio- padrão.
Verifique se é possível dominar a técnica tentando encontrar o desvio-padrão (e,
durante o cálculo, a variância) dos seguintes dados: 2, 2, 3, 5, 7, 9,14.
Você encontrará uma variância de 16,57 e um desvio- padrão de 4,07.
A terceira maneira de proceder fomece-nos apenas uma aproximação grosseira,
mas pode ser útil conhecê- la, pois o cálculo é rápido e fácil.
1. Tome o valor mais alto de sua população, depois subtraia o menor valor: você
encontrará o intervalo da variação numérica dos resultados, que se chama extensão
ou extremos;
2. Em seguida, divida o número obtido por quatro. Lembre-se, mais uma vez, de que isso
fornece uma aproximação grosseira do desvio-padrão.
3.
A utilidade dessa medida é enorme. Em especial, quando a distribuição dos
dados aproxima-se de uma curva de distribuição normal, uma preciosa regra empírica
se aplica, por meio da qual obtemos, pela média e pelo desvio-padrão, informações
importantes. Com efeito, 68,2% dos dados, em média, estarão compreendidos em um
intervalo equivalente ao desvio- padrão, seja acima, seja abaixo da média. Além disso,
algo em torno de 95,4% dos dados estarão com­preendidos em um intervalo de dois
desvios-padrão em relação à média. Enfim, 99,8% dos dados estarão compreendidos
em um intervalo de três desvios- padrão.
O que podemos representar assim:

Em outras palavras, se a média for 12 e o desvio- padrão, 3, cerca de 68,2% das


observações possuem os valores compreendidos entre 9 e 15.
Retomemos agora aos peixes. Se o desvio-padrão fosse Img, você cometia? Se
fosse 4mg, você comeria?
A estatística permite não apenas descrever, mas também analisar os dados. Dois
aspectos desse trabalho nos interessam em particular. Estudaremos agora alguns
instrumentos utilizados e indispensáveis para avaliar os dados que nos são
apresentados: primeiro, as pesquisas e avaliações das amostras; depois, a análise da
dependência estatística.
Pesquisas e amostras
Utilizando métodos apenas por ele conhecidos, nosso pesquisador relatou-nos
estatísticas bastante interessantes.
Marcelo Gotlib
A estatística permite inferir as propriedades de uma população qualquer a partir
do exame de uma pequena parcela dessa população, chamada amostra.
A constituição e a avaliação da amostra estão entre as mais difundidas e
importantes aplicações da estatística. Nós as encontramos com regularidade, em
especial, como você pode adivinhar, sob a forma de pesquisas.
O problema que essas técnicas resolvem é simples de compreender: desejamos
conhecer uma ou muitas propriedades de uma população, em geral muito grande,
mas, por todo tipo de razões - custo, tempo etc, -, sem dever examinar cada um dos
elementos da população, o que se tomaria um procedimento por recenseamento.
Por exemplo, gostaríamos de conhecer as intenções de voto dos eleitores do país,
porém sem interrogar cada um deles. Ou, ainda, adoraríamos saber quantos cassetetes
produzidos na fábrica são defeituosos, mas não queremos, e não podemos examiná-
los um a um. Nesses casos, como em todos os outros que desejarem examinar, a
estatística permite fazer um julgamento sobre a população (todos os eleitores, o
conjunto de cassetetes produzidos na fábrica) a partir do exame de apenas alguns
desses representantes. Isso constitui a amostra.
Quando julgamos a sopa pela colher, julgamos por amostra. Quando o cronista
do Bulletin de la Police de Lavai analisa alguns modelos de cassetetes, ele o faz com
base em amostra.
A constituição das amostras é um capítulo importante, mas também complexo,
da estatística. Compreendemos facilmente por quê. Para que o julgamento sobre a
população seja válido, a amostra analisada deve ser representativa dessa população.
Esse critério é crucial e, para satisfazê-lo, nossa amostra deverá ser suficientemente
grande e não tendenciosa. Se tomarmos uma gota de sopa para julgar todo o caldeirão,
poderemos pensar que a amostra é pequena demais; se tomarmos uma boa colherada de
sopa, mas exatamente onde o cozinheiro acaba de jogar bastante pimenta, sua opinião
será de que a sopa está muito apimentada, mas esse julgamento não será válido, pois
sua amostra terá sido tendenciosa.
Pode então acontecer de uma amostra ser quantitativamente muito importante,
mas os dados inferidos serem também pouco confiáveis, pois essa amostra é
qualitativamente tendenciosa. A célebre desventura do Literary Digest ilustra isso
muito bem. Essa história, aliás, é com razão contada em todos os ma­nuais de
estatística.
O Literary Digest era uma revista americana bastante lida em sua época, que
trazia, desde os anos 20, dados de pesquisas por ocasião das eleições presidenciais. Ela
havia atingido certo sucesso em suas previsões. Seu método era da “boca-de-urna”
(rtnzzp votes}’. antes das eleições, a revista enviava cédulas falsas a pessoas que, se
desejassem, preencheríam a cédula (indicando o candidato para o qual votariam) e
devolveríam. Em seguida, eles contabilizavam esses votos para fazer uma previsão.
Os resultados obtidos pela revista mostravam-se corretos (a revista sempre
anunciava o ganhador), mas também imprecisos: na eleição de 1920, a diferença entre
a previsão da revista e o resultado oficial havia sido de 6%; em 1924, de 5,1%; em
1928, de 44%; e em 1932, o melhor ano, 0,9%.
Tais resultados, medíocres afinal, eram então obtidos pelo envio de um número
muito elevado de cédulas de palha: 11 milhões em 1920,16,5 milhões em 1924,18
milhões em 1928; 20 milhões em 1932. Neste último ano, três milhões de pessoas
haviam retomado as cédulas.
Na eleição de 1936, com base nos 2,3 milhões devotos de boca-de-uma
devolvidos dos 10 milhões enviados, a revista anunciou a eleição de Alfred Mossman
Landon, adversário republicano do democrático Franklin Delano Roosevelt Um jovem
psicólogo, George Gallup, havia, por sua vez, entrevistado 4.500 pessoas e, com base
nisso, previsto a eleição de F. D. Roosevelt, que veio a ser efetivamente eleito com
60,8% dos votos contra apenas 36,6% de seu adversário, ou seja, uma das mais
importantes maiorias de todas as presidências americanas.
A razão do fracasso do Literary Digest foi logo encontrada. Extraímos uma lição
que não esqueceremos: sua amostra, embora enorme, era tendenciosa, enquanto a de
Gallup - o fundador da célebre instituto de pesquisa -, ainda que consideravelmente
menor, não era. A revista escolhia, na verdade, as pessoas a quem enviava uma cédula
de palha entre os seus assinantes e ao acaso no catálogo telefônico. Dessas duas
maneiras, ela sobre-seledonava pessoas mais ricas e mais inclinadas a votar em um
candidato republicano (pois haviam escolhido assinar essa revista conservadora ou que
tinham, em 1936, meios de pagar um telefone).
Concluímos, a partir dessa história, que uma amostra representativa de uma
população será grande o suficiente (essa é a virtude quantitativa) e não tendenciosa
(essa, a virtude qualitativa). A determinação do tamanho da amostra constitui um
assunto complexo, em que devem ser levadas em conta considerações matemáticas,
mas também econômicas, sociais e técnicas. Qual o tamanho de uma boa amostra? Não
existe uma resposta única e simples a essa questão. Tudo depende de múltiplos fatores,
como a população estudada, o nível de precisão que desejamos obter, o dinheiro
disponível, as questões sobre as quais pesquisamos e muitas outras. A grande maioria
das pesquisas de opinião é feita sobre amostras de mil a duas mil pessoas, o que, de
modo geral, é suficiente, por razões técnicas que não poderiamos explicitar aqui.
Além disso, a precisão obtida, que podemos calcular, não vale, em geral, a despesa.
Para que as amostras não sejam tendenciosas, o processo de seleção é crucial:
devemos escolher ao acaso os indivíduos que farão parte dela. O método mais seguro é
de amostragem aleatória simples. Imagine uma população com P e um procedimento
que permita selecionar w elementos de P. O procedimento que garante que todas as
amostras de w elementos sejam igualmente possíveis é um procedimento de amostra
aleatória simples. Nesse caso, cada elemento tem a mesma chance que outro de ser
usado e o fato de um elemento ser escolhido não tem qualquer incidência na escolha
dos outros. Se fizermos um levantamento de uma lista de todos os elementos da
população e selecionarmos a amostra com a ajuda de uma lista de números aleatórios,
teremos realizado uma amostragem aleatória simples. Na prática, entretanto, é difícil
proceder segundo esse ideal teórico. Esse é o motivo pelo qual diferentes métodos de
amostragem foram desenvolvidos — em especial por estratificação, por cachos, por
cotas. No entanto, o mesmo princípio de base deve sempre ser obedecido: os elementos
da amostra devem ser selecionados ao acaso. Tal princípio, quando respeitado, garante
que as análises estatísticas inferidas dessa amostra autorizam generalizações a respeito
da população. Se não forem cumpridas, interditam tais generalizações. Conhecer esse
princípio é, portanto, muito útil para o pensador crítico, para quem a arte da detecção
de vieses em julgamentos sobre as amostras deve tomar-se uma segunda natureza. Para
isso, ele precisa estar atento a tudo que, no modo de seleção, poderia fazer com que a
amostra não fosse escolhida ao acaso e, por conseqüência, não representasse a
população.
Alguns exemplos ajudarão a compreender.
Exemplo 1
Uma estação de rádio realizou uma pesquisa sobre a questão da legalização da
maconha. Um total de 3.636 ouvintes respondeu e 78% deles se pronunciaram a favor.
A rádio afirma então que chegou o momento de legalizar a maconha e pressiona o
governo a agir.
Nesse caso, existem evidências de que a amostra não tenha sido constituída ao acaso,
pois é tirada unicamente dos ouvintes dessa estação e, além disso, dos que entre eles
escolheram telefonar para emitir sua opinião (talvez porque faça diferença para esse
indivíduo). Não podemos, portanto, concluir nada dessa pesquisa para a população em
geral.
Exemplo 2
Há alguns anos, uma pesquisa do Galhip com amostra estratificada concluiu que
33 % da população americana que havia ffeqüentado a universidade não conhecia o
sistema métrico. Uma pesquisa realizada na Califórnia por um jornal diário estabeleceu
que 98% dos leitores o conheciam. Os participantes da última pesquisa haviam sido
convidados a destacar, preencher e retomar um cupom-resposta.
Temos aqui todos os motivos para pensar que a pesquisa do jornal era ten­denciosa e
que as pessoas que não conheciam o sistema métrico se auto- excluíam.
Exemplo 3
Interrogamos duas mil pessoas em Québec pedindo-lhes para responder sim ou
não a uma questão de opinião precisa e clara. A pesquisa foi realizada por telefone e os
números discados foram selecionados ao acaso pelo computador em uma lista de
telefones ativos.
Estamos diante do que se faz habitualmente de melhor em matéria de pes­quisa de
opinião. Existe ainda, no entanto, um viés, porque os mais carentes que nem mesmo
possuem telefone - e os sem-teto não estão representados de maneira correta.
Uma boa pesquisa dirá que a precisão e de tantas vezes sobre 100 (ou sobre 20).
Por exemplo, que 19 vezes em 20 (ou 95 sobre 100) tem o que chamamos de forma
corriqueira de “margem de erro” de 5%. Esses números referem-se ao erro da
amostragem e ao intervalo de confiança da pesquisa. O que isso quer dizer,
concretamente, é que os resultados de 95 % de todas as amostragens de uma
população dada à qual se foz a mesma pergunta, no mesmo momento, serão os
mesmos, próximos ao erro de amostragem. Você saberá então que 95 sobre 100 dos
resultados dessa pesquisa possuem os valores compreendidos entre os que são dados,
mais ou menos 5%.
Suponhamos que o grau de popularidade do primeiro- ministro tenha sido
estabelecido em janeiro, por uma pesquisa desse tipo, em 5 3 %, e que em março, pela
mesma pesquisa, tenha sido determinado em 56%. Poderemos então afirmar que, em
janeiro, 95 vezes sobre 100, a popularidade do primeiro-ministro estava situada entre
48% e 58% e que, em março, ainda 95 sobre 100, sua popularidade situava-se entre
51%e61%.E pensar, grosso modo, que, na próxima pesquisa, a popularidade do
primeiro-ministro estaria em alta...
Nesse caso, a margem de erro em questão depende de dois fatores: a extração da
amostra e a formulação das perguntas. Trataremos disso agora.
Uma boa pergunta não é nem ambígua nem tendenciosa; feita igualmente a
todos os entrevistados, ela é compreendida por todos da mesma maneira; todos
podem compreendê-la e consentem em respondê-la de forma sincera. No entanto,
como você constatará com facilidade ao tentar formular questões de opinião, é mais
simples enunciar tais condições do que satisfazê-las. Aliás, as boas pesquisas testam
suas perguntas em uma amostra reduzida antes de formulá-las em caso de
necessidade. Detectar as tendências possíveis de uma pergunta é | uma arte que o
pensador crítico deve dominar. Um sindicato de policiais poderá encontrar conforto
em uma pesquisa mostrando que 86% dos entrevistados são favoráveis à compra dos
novos cassetetes Bing, mas o pensador crítico pedirá para ver a pergunta, temendo que
seja formulada assim:
Levando em consideração o aumento do número de anarquistas perigosos e a eficácia demonstrada
pelos cassetetes Bing para conduzir as razões de Estado, você aprovaria a substituição dos cassetetes que não
estão mais em uso na polícia pelos econômicos e ergonômicos cassetetes Bing?

Afinal, as tendências das perguntas não são em geral tão fáceis de distinguir. Elas
podem estar em numerosos fatores: a ambiguidade da questão, os termos empregados,
a natureza da informação procurada e até mesmo a identidade do pesquisador. Daremos
alguns exemplos. “Você lê Le Devoir?” pode parecer uma pergunta clara e precisa,
mas pode ser interpretada de varias maneiras: Lê às vezes? Com freqüência? Todos os
dias? Por inteiro? Apenas alguns textos? E ainda, provavelmente, de outras maneiras.
A resposta dada à pergunta “Você consome muito álcool?” depende, evidentemente,
do que a pessoa interrogada entende por álcool e também do que deseja dizer! Essa é
uma pergunta ruim que resultará em índices assustadoramente fracos se os
compararmos com os números oficiais das vendas de álcool. Dar- rell Huff conta, por
sua vez, que uma pesquisa havia estabelecido que um número maior de saguões
americanos recebia a revista Harper S, muito séria, que outra mais leve, a True Story.
Enquanto isso, as estatísticas de vendas das duas revistas contradiziam o resultado.
Concluamos sobre as pesquisas lembrando que, depois de alguns anos, e para além
das disputas metodológicas que acabamos de esboçar, existe um debate sobre a sua
legitimidade, especialmente política. Esse debate diz respeito às pesquisas de opinião -
existem também pesquisas que tratam de comportamento, conhecimento e
características sociodemográficas - e, entre elas, em particular, as pesquisas pré-
eleitorais. O pano de fundo do debate é notadamente o lugar acordado, de agora em
diante, às pesquisas e aos “pesquisocratas” em nossa vida política. Sobre esse assunto,
Pierre Bourdieu salienta que os pressupostos das pesquisas são contestáveis, pois
partem do princípio de que todos podem ter uma opinião; de que todas as opiniões são
válidas; e de que existe “consenso sobre os problemas ou, dito de outra forma, que
existe concordância sobre as perguntas que merecem ser feitas”. Bordieu conclui que a
opinião pública que revela as pesquisas consiste de “um artefato puro e simples, cuja
função é dissimular que o estado de opinião, em determinado momento, é um sistema
de forças, de tensões, e não há nada mais inadequado que representar o estado de
opinião em porcentagem”.15
Uma vez recolhidos os dados, a estatística, dizemos, permite analisá-los e, em
especial, encontrar relações entre determinadas características. Métodos sofisticados
foram desenvolvidos para exprimir com rigor o grau de ligação entre uma
característica e outra - por exemplo, o tamanho do tórax e a altura. Essas técnicas são
extremamente úteis, mas também complexas, e não poderemos trotá-las aqui. Duas
idéias devem, porém, ser dominadas por todos: a primeira consiste em uma
importante diferença entre correlação e causalidade; a segunda é um fenômeno
estatístico surpreendente e divertido chamado regressão da média.
A dependência estatística e as correlações
“Correlação” é a palavra científica utilizada em estatística para dizer que duas
variáveis estão relacionadas, que seus valores estão associados ou, se quiser, são
dependentes um do outro. O tamanho do tórax, suponho, está relacionado à altura e,
depois de reunir dados suficientes, poderemos talvez exprimir precisa e
matematicamente essa correlação. Uma parte importante do trabalho da estatística é
dessa ordem: ajuda a estabelecer as relações, permite garantir que sejam bem reais e as
quantifica. Mas reconhecer aqui nosso Porí hoc ergoprocter hoc do capítulo
precedente, o fato de haver constatado e estabelecido uma correlação, não significa que
tenhamos encontrado uma relação de causalidade. A confusão entre os dois constitui
uma das principais fontes de delírio irracional. Repitamos, então: quando a estatística
estabelece que duas variáveis A e B estão correlacionadas, isso não significa
necessariamente que exista entre elas uma relação de causalidade.
Um momento de reflexão mostrará que, quando se verifica que A e B estão
correlacionados, isso pode significar diferentes coisas:
Que A causa B;
Que B causa A;
Que A e B estão relacionados por acaso, sem que haja entre eles relação de
causalidade;
Que A e B dependem de um terceiro fator C.
Estabelecer causalidades é uma das tarefas mais difíceis da pesquisa científica;
teremos a oportunidade de retomar a esse assunto. Por ora, observemos apenas alguns
exemplos de casos em que A e B estão correlacionados sem que haja entre eles relação
de causalidade.
Imagine que um estudo junto a universitários mostre que o consumo de Cannabis
(A) está correlacionado com os resultados escolares inferiores à média (B). E possível
que a maconha seja a causa desses resultados ruins. Mas é possível também que o fato
de ter resultados um pouco piores ajude a viver na flauta e a fumar maconha. Ou ainda
que as pessoas mais sociáveis tendem, por sua vez, a fumar maconha e a levar menos a
sério os resultados.
O preço do café em Québec talvez esteja correlacionado com a quantidade de
chuva em uma dada região do mundo: mas, provavelmente, procuraremos em vão uma
relação de causalidade nesse fato.
A presença de cegonhas no telhado das casas em certos países está fortemente
correlacionada com o número de crianças. Mas as cegonhas não são a causa das
crianças! Talvez elas ocorram porque os tetos que abrigam famílias numerosas tendem
a ser maiores e, portanto, podem acolher mais cegonhas.
Talvez exista uma correlação entre a quantidade de cabelos de um homem e a
idade de sua avó: afinal, nossa densidade capilar tende a diminuir com a idade,
enquanto, por definição, a idade de nossas avós aumentam. Mas riríamos com razão de
um grupo que batizasse esse grau de correlação de índice Pipou, acreditando na relação
causai a ponto de fundar grupos de “pipoulogos” que teimassem em evitar a calvície
para manter vivas suas avós!
Bertrand Russell conta ter visitado monges na China que estavam convencidos
de que a causa dos eclipses lunares era um gato celeste tentando engolir a lua. Para
impedi-lo, os monges deveríam entregar-se a um rito que consistia em bater em um
gongo gigantesco. Afias, isso atestava sua eficácia desde tempos imemo­riais:
pressupunham que os golpes no gongo provocavam a fuga do gato celeste e faziam
cessar o eclipse. Tudo isso nos permite compreender que a confusão entre correlação e
causalidade pode ser a fonte de muitas superstições. Da mesma forma, é o que produz
o fenômeno da regressão da média, que examinaremos agora.
A regressão da média e a superstição
Trata-se de um clássico entre os clássicos da estatística aplicada ao pensamento
crítico. A idéia é a seguinte: quando duas variáveis cujos valores respectivos dependem
de um grande número de fatores estão imperfeitamente correlacionadas, os valores
extremos de uma tenderão a estar correlacionados com os valores menos extremos da
outra. O fenômeno é normal, mas se o ignorarmos, poderemos unir um ao outro de
forma falaciosa em uma relação de causa e efeito. E isso explica muitas superstições.
Não resta senão esclarecer essa tenebrosa - mas precisa - definição.
Tudo começa nas origens da estatística, com Francis Galton (1822-1911), um de
seus ilustres pioneiros. Galton quis estudar a relação entre o tamanho dos pais e o dos
filhos. Ele a encontrou, o que não surpreende ninguém: pais altos tendem a ter filhos
altos, e pais baixos, a ter filhos baixos. Mas também encontrou algo mais admirável: os
pais particularmente grandes tendem a ter filhos menores que eles e, o inverso, pais
muito baixos, a ter descendentes maiores que eles. O que isso quer dizer?
Temos justamente uma dessas correlações imperfeitas entre duas variáveis- a
altura dos pais e dos filhos - de que fala nossa definição. Na verdade, numerosos
fatores entram em consideração para definir a altura de uma pessoa: a altura do pai,
com certeza, mas também a da mãe, os numerosos genes que comandam o tamanho de
cada um dos membros, das vértebras, do crânio e de muito mais... Ela depende, da
mesma forma, do ambiente, da nutrição, da quantidade de exercícios etc. E necessário
o feliz concurso de um grande número de fatores para que alguém seja
excepcionalmente grande (ou pequeno): esse é o valor extremo de que fala nossa
definição. Em virtude das leis do acaso, um concurso desse tipo é excepcional. O que
explica que, quando ocorre, tenderá a estar correlacionado a um evento menos
excepcional: eis os valores menos extremos de nossa definição, que são os filhos muito
grandes mas menores que os pais. Era previsível. Chamamos isso de regressão da
média.
Um exemplo ajuda a compreender com facilidade todo partido que o pensador
crítico pode tirar do conhecimento desse fenômeno, em especial para se prevenir da
superstição.
Os desportistas de alto nível, parece, têm como praga a proposta de aparecer na
capa da Sports Illustrated. Compreendemos com facilidade o porquê. Ser convidado é
conseqüência de uma série de desempenhos esportivos excepcionais que, naturalmente,
resultam da feliz combinação de uma grande variedade de fatores. Esses resultados
tenderão, portanto, a ser acompanhados de desempenhos menos excepcionais. Não é,
desse modo, senão pura superstição da parte desses desportistas atribuir essa redução
do desempenho à sua aparição na capa da célebre revista.
Você constatará logo que o campo de aplicação dessa idéia é enorme.
Chegou o momento de abordar os últimos temas de nosso sobrevoo pelas
matemáticas cidadãs: as ilustrações e os gráficos, com os quais, como você verificará,
podemos perpetrar as mentiras mais piedosas.
2.2.3 Ilustrações e gráficos: Às vezes isso vale mil males...
Estabeleça primeiro, com cuidado, os fatos.
Depois disso, você pode deformá-los como bem quiser.

MARK TWAIN
Para permitir visualizar os dados, utilizamos, com prazer, ilustrações e gráficos,
notadamente nos artigos científicos, relatórios financeiros e nas mídias. E pre­ciso estar
bastante atento à maneira como são construídos, pois essas ilustrações e gráficos,
concebidos com conhecimento de causa para transmitir com rapidez informação,
também podem ser enganadores. Portanto, darão, por sua vez, a falsa impressão de que
será muito mais difícil desfazer, por ter a convicção de haver de algum modo visto com
os próprios olhos.
Perigos das ilustrações
Comecemos pela ilustração seguinte:16
Queremos nos assegurar de que as imagens decresçam na proporção da
diminuição que ilustram. Mas esse não é o caso, de modo algum, mesmo que seja de
difícil constatação. O leitor apressado arrisca-se então a tirar uma conclusão
equivocada - principalmente no caso de se contentar em dar uma rápida olhada no
texto e em sua ilustração.
Vejamos a ilustração mais de perto.
O comprimento da nota de um dólar é utilizado para representar o valor
decrescente do dólar, de $1,00 em 1958 a $0,44 em 1978, quando eram ne­cessários
pouco mais de US$2 para comprar o que comprávamos em 1958 com US$1 apenas.
Mas o artista também reduziu a largura das notas de tal modo que a superfície da
cédula de 1958 não é duas mas... cinco vezes maior! Deveria ter levado, com cuidado,
em conta que o desenho utiliza duas dimensões.
Tufte propôs a seguinte lei: “A representação de números por grandezas físicas
mensuradas sobre a superfície da ilustração deve ser diretamente proporcional às
quantidades representadas.” Toda vez que uma ilustração se distancia desse princípio,
falseia e, quanto mais se afasta, mais o que Tufte chama de “índice de falsidade”
engana. Tufte exprimiría esse índice do exemplo precedente como sendo de 5 sobre 2.
Agora é sua vez. O que você pensa sobre a ilustração seguinte?

Adaptado de “Pouvoir d'achat du dollar canadien, 1980 a 2000”.


Fonte: Statistiques Canada, http://www.statcan.ca/francais/edu/
power/ch9/pictograph/picto_f-htm.
Teremos provavelmente adivinhado que fazer ilustrações adequadas e justas, que
transmitam com exatidão a informação que desejamos veicular, e não algo diferente,
consiste numa arte bastante exigente, que por sua vez demanda saber científico, talento
artístico e uma boa dose de discernimento.
Poderemos constatar - e descobrir outras armadilhas contra as quais devemos nos
prevenir - como o exemplo seguinte, adaptado da obra de Stephen K. Campbell.17
Imaginemos que, em 1999, uma pesquisa tenha estabelecido que o montante total
das despesas em saúde do governo de um país fictício chamado Tralala fora de US$7,2
bilhões, enquanto na mesma época, em outro país chamado Molvania, fora de US$30,4
bilhões. Deixemos de lado todas as questões legítimas que imagino virem do avesso
seu cérebro de pensador crítico em ebulição e concentremo-nos apenas nos números,
que necessitamos representar com a ajuda de uma ilustração. Como procederemos?
Admitamos que tenhamos escolhido representar a situação de Tralala desenhando
um hospital em certa escala que, por convenção, representaria US$7,2 bilhões. Temos:

Como, a partir desse ponto de referência, representar a situação da Molvania? Na


verdade, procuraremos ilustrar um montante (US$30,4 bilhões) 4,2 vezes maior que o
primeiro (US$7,2 bilhões). Poderemos então desenhar quantos hospitais forem
necessários, ou seja, um pouco mais de quatro. A solução seria nesse caso fazer um
desenho como segue:
Está satisfatório? Para julgá-lo, devemos pensar nos leitores. Eles com certeza
tirarão conclusões (equivocadas) de que existe um hospital em Tralala para cada quatro
na Molvania. Isso seria desastroso. Nesse caso, poderiamos ser tentados a desenhar um
único hospital para representar a situação da Molvania, mas fazê-lo 4,2 vezes mais alto
que o primeiro. Teríamos, então:
Nessa representação, o segundo hospital tem um ar bizarro e o leitor se
perguntará o que aconteceu com sua largura. Se a altura for multiplicada por 4,2, não é
melhor que a largura também seja? Nesse caso, poderemos sugerir a ilustração
seguinte:
Mais uma vez, teremos um problema maior. Como o novo hospital era 4,2 vezes
mais largo e 4,2 vezes mais alto, era, portanto, 17,64 vezes maior (4,2 x 4,2) que o
primeiro. Seria melhor o texto dizer que os números são bilhões e 30,4 bilhões e
explicar com cuidado que o fator de crescimento é de 4,2, a ilustração fala em alto e
bom som e descreve outra coisa: diz 17,64 vezes maior. Adivinha-se todo o partido que
os ideólogos que desejam aprovar uma tese podem tirar dessa estratégia. Para corrigir a
pontaria, seria necessário então aumentar o segundo hospital por um fator de 2,049, ou
seja, a raiz quadrada de 4,2. O que nos levaria a seguinte ilustração:
Mas isso não é tudo, infelizmente. Os leitores, de modo geral, não pensam com
facilidade em hospitais como objetos de duas dimensões e provavelmente interpretarão
a ilustração proposta como tendo três dimensões: largura, altura e profundidade.
Portanto, o prédio representado exagera também a diferença entre Tralala e Molvania.
Uma ilustração correta deveria, por conseguinte, aumentar o segundo de um fator de
1,432, ou seja, a raiz cúbica de 4,2. Nesse caso, eis o que deveríamos propor:
Uma boa ilustração toma um texto vivo e pode transmitir, com rapidez e de
maneira eficaz, uma grande quantidade de informações. Mas é também uma arma
duvidosa e o pensador crítico se perguntará sempre se a ilustração está adequada, se a
escala é justa e pertinente, se as duas ou três dimensões representadas não dão a
impressão contrária ao texto e aos dados.
No exemplo que acabamos de examinar, talvez fosse mais simples propor um
histograma:

Mas os histogramas, como os gráficos em geral, devem ser examinados com


cuidado, até mesmo com suspeição. Precisamos nos deter um pouco nessa questão.
Gráficos e tabelas
Podemos apresentar os dados de maneira precisa e sintética graças a gráficos e
tabelas, que existem em diversos tipos.
Comecemos dando um exemplo de um bom gráfico e suas características.
Despesas com escolaridade das universidades públicas, 2001
Esse gráfico possui um título, que nos diz do que se trata.
Também possui uma legenda, que expressa a que correspondem as barras
verticais. Aqui, as últimas são oportunamente com cores (ou tintas) diferentes.
O eixo dos Y compreende uma escala clara, que começa em 0; o dos X está
igualmente claro e as unidades compreendidas estão indicadas de forma nítida.
Se uma tabela ou um gráfico distancia-se dessa norma, terá propensão a ser
menos compreensível e poderá, por conseguinte, ser mal interpretado ou causar falsas
impressões.
Existem também meios de conseguir enganar os leitores com conhecimento de
causa. O pensador crítico deve conhecer as principais maneiras.
A curva normal personalizada. Quando se trata de um fenômeno representado
por uma curva normal, podemos, por escolha e de acordo com nossas necessidades,
estender ou comprimir a curva.
E preciso saber que, por convenção, a altura de uma curva normal é equivalente a
três quartos do comprimento da base. Tal curva fornece a representação justa do que é
uma distribuição normal e, em especial, de seu desvio- padrão.
Se seguirmos essa convenção, obteremos então uma curva semelhante a esta:18

Podemos, entretanto, dar a impressão, em certos casos bastante útil mas de modo
desonesto, de que o desvio-padrão é menor: conseguimos esse efeito trocando somente
as proporções e dando à curva uma altura superior a três quartos da base.
Propomos agora uma distribuição normal que se assemelhe a:19

Gostaríamos de produzir impressão inversa? Nada mais fácil, como você pode
adivinhar. A curva proposta parece com a seguinte:20
Os gráficos falseados pelo eixo Y. Veja um gráfico honesto, que representa as
despesas em educação de um dado país num período de 12 anos.21
1111111
Nesse momento, enganaremos o leitor não-advertido dando outra impressão do
ocorrido. Para isso, faremos simplesmente desaparecer toda a base dc eixo Y de nosso
gráfico. A origem do eixo Y não é mais, nesse caso, o 22 zero, o que muda tudo. Veja
melhor:
Podemos fazer ainda melhor — ou pior. Na verdade, basta multiplicar os
intervalos sobre o eixo Y amputado para produzir um efeito ainda mais significativo,
um efeito que não será desdenhado por certos ideólogos, como você pensou bem. Eis o
resultado que podemos obter:

Esse truque, um dos grandes favoritos dos estados financeiros das empresas,
pode, com muita evidência, ser realizado de diferentes maneiras e por diversas
representações gráficas. Veja outros exemplos; os dados estão aqui reduzidos à sua
simples expressão.
O crescimento da produção dessa companhia parece bem modesto e a direção
poderia ficar constrangida ao apresentar tal resultado aos acionistas:
Mas um único corte de tesoura no eixo Y pode solucionar tudo. Eis a prova:
No exemplo seguinte, a tendência da variável em questão parece constante.
Digamosquese trata dos resultados das vendas em determinado período. Esses
resultados, receamos, não agradarão o Conselho de Administração.
Mas temos exatamente os mesmos resultados, um simples corte de tesoura
depois. Dessa vez, quem recusaria um aumento de salário aos vendedores?
Observe, sobre essa última ilustração, as linhas quebradas na base do eixo Y Elas
advertem o leitor que o ponto de origem não é zero. Isso e, no mínimo, o que um
gráfico honesto deveria indicar. Essas linhas quebradas são como um sinal que diz:
atenção, há algo incomum. Quando esse sinal não é dado e o eixo Y foi falseado, dois
sinais vermelhos devem se acender. Você podería então aumentar as suspeitas diante do
que lhe é proposto e, sobretudo, ler com grande atenção o texto que acompanha o
gráfico suspeito.
Agora, resumamos, por meio de algumas regras de conduta, o que acabamos de
aprender neste capítulo.
Algumas regras de ouro A fonte de informação
Quem produziu os dados?
A pessoa que os apresenta?
Outra pessoa?
Em seu nome ou de uma organização?
Qual a reputação dessa organização?
Existem ou não interesses na questão discutida, ou ainda interesses mais ou menos ocultos? Os
dados, a interpretação, ou ambos foram fornecidos?
No último caso, nos propuseram uma interpretação dos dados distinta daquela
apresentada pela instância que os produziu?
Que vieses, conscientes ou inconscientes, poderíam afetar a apresentação dos dados? Quantos casos
foram estudados?
Como foram reunidos?
Isso é suficiente?

O contexto

Os dados estão contextualizados ou não?


Se for o caso, são pertinentes?
0 que você sabe sobre o assunto em questão?
Seria desejável ter maior conhecimento a fim de julgar os números?
Conhece outros dados relacionados ao mesmo assunto que seriam úteis ter na memória para fazer
comparações (dados sobre o mesmo assunto, mas em outro período
de tempo ou em outro país ou outra província, por exemplo)?

Os dados: aspectos qualitativos


São plausíveis?
Parecem completos ou algo potencialmente importante está ausente?
Houve omissão no fornecimento de certas informações que poderíam ser mais favoráveis a uma
interpretação que a outra? Que palavras são utilizadas para descrever o que está cifrado? Essas palavras
possuem conotação forte em um sentido ou em outro, ou favorecem mais uma interpretação que outra?
Poderiamos, com razão, chegar, com os mesmos números, a uma condusão diferente da­quela que é
afirmada?
Levamos em conta tudo que importa, de modo razoável, para chegarmos aos números que nos foram
fornecidos e à interpretação proposta (por exemplo, a inflação)?
Se compararmos os dados por um período de tempo, a definição do que é comparado é constante?
Se modificarmos, essa mudança é admissível, pertinente, justificada e considerada nos cálculos? A
definição do que é mensurado é razoável e pertinente?
Podemos concluir razoavelmente que o instrumento de medição utilizado é confiável? Válido?
Parecem iguais?
Essas conclusões parecem aceitáveis analisando os dados?
São plausíveis e estão em conformidade com o que é normalmente admitido na literatura? Caso
contrário, o raciocínio está à altura do caráterfora do comum daquilo que é proposto? Se for o caso, as
conclusões respondem à questão abordada?

Os dados: aspectos quantitativos


Dadas as porcentagens, também são dados os números absolutos em questão?
Se há aumento ou diminuição em porcentagens, definimos também, sempre, a partir de que número
elas foram calculadas?
As explicações dadas para as mudanças são as únicas possíveis?
Levamos em consideração que existem outras explicações prováveis?
Existe apenas algo a explicar ou encontrávamo-nos diante de um fenômeno que não pedia
explicação?
Como, eventualmente, a amostra foi constituída?
Que medida de tendência central foi utilizada?
Foi uma boa escolha?
Qual o desvio-padrão?
Os limites superiores e inferiores dos dados foram definidos?
Uma relação de causa e efeito foi proposta?
Como foi estabelecida?
Outros fatores deveríam ter sido considerados?
A precisão a que chegamos é plausível, levando-se em consideração o instrumento de medida
utilizado?
Os gráficos, esquemas e ilustrações
São claros?
Estão de acordo com o texto?
As ilustrações são proporcionais?
0 eixo de Y foi falseado?

Uma pesquisa
De que assunto trata essa pesquisa?
0 assunto interessa ou preocupa realmente as pessoas?
Qual o público estudado?
Que métodos de amostragem, pesquisa e análise foram mantidos?
Em que período foi realizada a pesquisa?
Qual o índice de resposta?
Quantas pessoas foram entrevistadas?
Que perguntas foram feitas?
Essas questões são claras?
Elas são tendenciosas?
Como, em que condições e em que ordem as perguntas foram feitas nas pesquisas? Como a questão
dos indecisos foi abordada?
Quem contratou essa pesquisa e quem pagou os custos?
Quantas pessoas se recusaram a responder a cada uma das questões?
Quais são os limites de interpretação dos resultados obtidos?
Segundo as respostas obtidas, você podería também ter vontade de responder às seguintes
perguntas: essas questões - ou questões parecidas - já foram objeto de pesquisa? Quais foram então os
resultados?
Parte II A justificativa
das crenças
INTRODUÇÃO
PARA EXERCER nossa autodefesa intelectual, devemos de fato conhecer e
dominar instrumentos como os que acabamos de ver (a língua, a matemática); mas
também aprender a nos servir deles para avaliar a credibilidade do que é submetido a
nosso julgamento. Um pensador crítico desejará que suas opiniões sejam racionais; ele
se esforçará para extrair as inferências válidas de fatos conhecidos ou pressupostos.
Como é possível? Isso exige conhecimentos indispensáveis sobre os assuntos
discutidos e o domínio de normas e critérios de racionalidade a eles relacionados.
Neste capítulo, desejaria examinar três “fontes” de conhecimento supostamente
legítimas e determinar o que significa, para cada uma delas, um julgamento ra­cional.
Esses três exemplos não esgotam, é evidente, tudo que se podería dizer; mas esse
panorama mostrará, no entanto, como se aborda a questão da justificativa das crenças
em setores bastante importantes da vida intelectual e cidadã, em que os julgamentos
irracionais acarretam conseqüências particularmente pesadas.
Essas três fontes de conhecimento são a experiência pessoal, a ciência e as
mídias. Sempre me colocarei no ponto de vista inaugurado por Platão, cuja análise do
conceito de saber serviu literalmente de paradigma à maioria das discussões posteriores
em epistemologia - pelo menos no Ocidente.
Platão observou que todos nós pretendemos saber uma grande quantidade de
coisas sobre uma variedade de assuntos. Por exemplo: existe lá, nesse exato momento,
um pintarroxo; a Terra gira ao redor do Sol; Paris é a capital da França; dois mais dois
são quatro; O DNA possui uma estrutura em dupla hélice etc. A questão colocada por
Platão, que desarma mas é crucial, é a seguinte: o que significa exatamente saber?
Platão não se contenta com uma pseu- do-resposta, do gênero: “Eu sei porque é
evidente” ou, ainda pior: “Eu sei porque sei bem.” Requer uma resposta clara que
defina o conceito de “saber” e ofereça as condições necessárias e suficientes para seu
uso legítimo.
Sua resposta? Três condições devem ser satisfeitas para que possamos pretender
saber P (P, sendo uma proposição qualquer, digamos: A Terra éredonda).
Em primeiro lugar, saber P supõe certa atitude intelectual no lugar de P, que
podemos exprimir assim: Eu creio que P ou Sou da opinião de que P. Seria, com
certeza, ilógico dizer: Sei que a Terra é redonda, mas não creio nisso.
Em segundo lugar, essa opinião ou crença deve ser verdadeira. Essa precisão é
importante, porque nem toda crença é um saber, e apenas uma crença verdadeira pode
ser um saber. Desse modo, não poderiamos dizer: Sei que a Terra é quadrada.
Enfim, a opinião ou a crença verdadeira deve ser justificada. De fato, uma
opinião verdadeira não é um saber se ela não se baseia em boas razões. Suponhamos
que alguém tenha estabelecido uma correspondência entre cada dia da semana e uma
figura geométrica. A forma redonda é atribuída à segunda-feira. Em contrapartida, essa
mesma pessoa pretende que a Terra seja dessa ou daquela forma segundo o dia da
semana. Se lhe perguntarmos que forma a Terra possui, será possível que afirme (nas
segundas-feiras): “A Terra é redonda”; eé possível que creia sinceramente nisso. Mas
essa opinião, mesmo verdadeira, não será um saber, pois não está fundamentada em
boas razões.
Veja então a definição de saber proposta por Platão: o saber é uma opinião
verdadeira justificada. Essa definição fundamental permite compreender que existe um
mundo entre o fato de crer em algo e o fato de sabê-lo. A diferença está nas razões e
nos argumentos que fazem com que possamos, de modo legítimo, tomar uma crença
como verdadeira. O fato de acreditar que uma proposição seja verdadeira para mim ou
para um grande número de pessoas, até para toda uma sociedade, não a toma por isso
verdadeira e justificada, nem o fito de que eu deseje crer nisso, que tenha sempre
acreditado, que tenha necessidade de acreditar ou que seja de meu interesse acreditar
nela.
Toda a dificuldade reside, na verdade, em definir o que constitui uma boa
justificativa. Não existe uma resposta simples e, em certos casos, nem mesmo uma
resposta universalmente admitida. Além disso, segundo as esferas cognitivas
consideradas, os critérios podem variar. Para dar apenas um exemplo, o pensamento
racional em matéria de moralidade é um empreendimento importante, até crucial, mas
fornece conceitos e critérios de validação de proposições diferentes daquelas que
utilizamos na física—e isso mesmo se o pensador crítico utiliza em ambos os casos a
lógica, a linguagem e, portanto, os critérios de racionalidade comuns.
As páginas seguintes ajudarão a compreender melhor como se forjam as crenças
verdadeiras e justificadas no contexto da experiência pessoal, da ciência e das mídias.
Capítulo 3 A experiência pessoal
0 verdadeiro pensador crítico admite o que pouca gente está disposta a reconhecer:
que não deveriamos confiar comumente em nossas percepções e em nossa memória.

James E. AIcock
INTRODUÇÃO
“Eu vi, com meus próprios olhos!”
Muitas vezes, invocamos desse modo nossa experiência pessoal para justificar
uma crença: tal coisa existe (ou bem aconteceu) como eu disse e a prova é que eu vi.
Em geral, diremos que algo é como relatamos porque fizemos a experiência por meio
de nossos sentidos (ver, ouvir, sentir, tocar, provar).
Não há dúvida de que a experiência pessoal (e sua lembrança) é uma das fontes
de nosso conhecimento empírico e imediato, e também integra a elaboração do saber
científico. Além disso, é razoável pensar que o fato de podermos nos orientar de forma
correta no mundo pelos sentidos, distinguindo o real do ilusório, o verdadeiro do falso,
nos dê uma enorme vantagem evolutiva. Portanto, não surpreende o fato de que os
órgãos da percepção sejam máquinas formidáveis, bastante confiáveis para nos
permitir agir com eficácia no mundo.
Muitas vezes, então, não é absurdo apriori invocar a experiência pessoal para
justificar nossas crenças. “Ele engordou. Eu sei porque eu vi.” “O vilarejo está a 50km
da cidade. Eu sei porque vim de lá.” “Eles instalaram uma fábrica de pasta e papel, se
você sentisse o cheiro!” “Os novos cassetetes Bing! são mais eficazes que os antigos.
Eu sei porque toquei em ambos!”
No entanto, o recurso à experiência pessoal para justificar nossas crenças não
deixa de ser perigoso. O conhecimento obtido dessa forma é limitado, sobretudo se
compararmos às formas de saber mais sistemáticas, em particular o conhecimento
científico. De fato, a experiência pessoal está longe de sempre conferir às nossas
crenças o grau de certeza que gostaríamos de estabelecer sobre elas. Todos nós
sabemos, aliás, bastante bem, que nossos sentidos podem nos enganar, nossa memória
pode não corresponder ao que aconteceu na verdade e nosso julgamento pode mostrar-
se equivocado. Portanto, é importante conhecer e compreender os limites do recurso à
experiência pessoal para justificaras crenças.
Existe até mesmo a possibilidade de pensar que a proliferação de tantas crenças
irracionais encontra no desconhecimento desses limites um solo fértil privilegiado.
Examinaremos agora alguns, apresentados sob três rubricas: perceber, lembrar, julgar.
Observamos, contudo, que essas distinções são, antes de tudo, arbitrárias, na medida
em que, como constataremos, perceber ou lembrar também envolvem julgar.
3.1 PERCEBER
A percepção é uma construção. Esse é um dos ensinamentos mais preciosos que
os pensadores críticos aprenderam com a psicologia.
Depois de algum tempo, com efeito, os psicólogos evidenciaram o caráter
construído de nossas percepções ao nos permitir apreender de maneira mais satisfatória
como e em que medida nosso saber, nossas expectativas e desejos, em especial, agem
em nossas percepções. Por conseguinte, é necessário compreender melhor essas
percepções como modelos do mundo exterior, altamente abstratos e construídos, de
preferência cópias sempre confiáveis desse mundo.
Para comprovar isso, detenhamo-nos um pouco na percepção visual.1
Temos um primeiro exemplo, retirado de Terence Hines, que está relacio­nado à
percepção de uma maçã vermelha.2
Em condições normais, os comprimentos de onda que correspondem ao
vermelho são reenviados da maçã ao olho e a maçã é percebida como vermelha. Mas,
com a variação das condições, por exemplo, mudando a luminosidade, podemos
modificar as condições da luz que é enviada da maçã ao olho. O que acontece, então, é
surpreendente: continuamos a perceber a maçã como vermelha, pelo fato de sabermos
que ela é (habitualmente) dessa cor, e esse saber empresta cor — é o caso de dizê-lo! -
ao que percebemos.
Hines relata outra experiência que confirma esse papel do saber na percepção da
cor. Colocamos uma maçã em uma caixa. Abrimos um buraco nessa caixa, por meio do
qual as pessoas podem observar a maçã, mas sem saber que se trata de uma maçã, pois
não vêem senão uma amostra da cor. Se mudarmos a luz dentro da caixa, a percepção
da cor da amostra também é alterada. A ignorância do fato de que se trata de uma maçã
permite perceber de forma correta as novas cores. Com efeito, privado desse saber,
nosso cérebro não pode introduzir em nossa percepção o que sabemos sobre a cor
normal da maçã.
Da mesma maneira, o fato de percebermos como constante o tamanho dos
objetos que se aproximam ou se distanciam resulta de uma construção elaborada. N
osso cérebro julga que esses objetos permanecem de tamanho constante, mesmo que as
imagens recebidas pela retina não sejam. Bruno Dubuc resume:
Chamamos constante de percepção essa tendência que temos de ver os objetos familiares como
possuindo uma forma, tamanho ou cor constante, in­dependentemente das mudanças de perspectiva, de
distância ou de luminosidade incidentes nesses objetos. Nossa percepção do objeto aproxima-se nesse caso
bem mais da imagem geral memorizada do objeto que do estímulo real que atinge nossa retina. A constante
de percepção é, portanto, o que nos permite reconhecer, por exemplo, um prato de legumes visto do alto
sobre uma mesa, diante de nós em um restaurante escuro ou então em plena luz do dia de perfil sobre um
imenso anúncio situado a dezenas de metros de nós.3

Ilusões numerosas e às vezes muito espetaculares são explicadas por esse


fenômeno - o que não escapou aos ilusionistas, com certeza.
Olhar de canto de olho uma porta cor-de-laranja
A pesquisa evidenciou de maneira bastante convincente o fato de que o saber representa um papel
crucial na percepção da constância não apenas das cores e das grandezas, mas também das posições e das
formas. "0 cérebro leva em consideração o que sabe sobre o objeto e constrói, por sua vez, uma percepção
baseada no input sensorial e no saber", escreve Terence Hines, que dá o seguinte exemplo da constância das
cores.
"Enquanto estou sentado aqui escrevendo, existe uma porta cor-de-laranja aberta à minha esquerda.
Eu não vejo essa porta a não ser pelo canto de olho e percebo-a de modo distinto, como colorida, e isso
ocorre mesmo que a luz refletida da porta em minha retina atinja uma parte dela em que não existem
receptores de cores. Como conheço a cor dessa porta, que me é bastante familiar, meu cérebro constrói uma
percepção da cor. [...] esse fenômeno mostra a grande importância do saber mesmo na percepção mais
simples."
Fonte: T. Hines, Pseudoscience and the Paranormal:A Criticai Examinatíon ofEvidence, p. 170
As ilusões de ótica, conhecidas há muito tempo e estudadas de forma sistemática
pelos pintores desde a Renascença, fornecem outros exemplos, divertidos e
esclarecedores, do caráter construído da percepção.
Sabemos bem, atualmente, em particular graças à psicologia da forma, que temos
tendência a colocar em ordem nossas percepções e a organizá-las, por exemplo, como
fundo e forma. Quando o conteúdo e a forma são instáveis, percebemos alternadamente
duas coisas em uma mesma imagem - o conteúdo torna-se a forma e vice-versa.
Vejamos a imagem, bem conhecida, que oferece uma amostra muito boa.
Perceberemos, de maneira alternada, uma jovem e uma senhora.

É ainda ao caráter construído das percepções que deveremos compreender como

aparece o triângulo na imagem que segue (nosso cérebro o constrói):4


Sabendo de tudo isso, admitimos que nossas percepções, embora dignas de
confiança, em geral, podem também nos induzir a erro. Os exemplos são abundantes.
Veja alguns deles.
Um disco que produz cores subjetivas
0 fenômeno das cores subjetivas é conhecido desde o século XIX; Fechner começou a es­tudá-lo em
1838. Ele ainda não está totalmente elucidado, que eu saiba, mas podemos facilmente realizar a experiência.
Faça uma fotocópia desse disco, cole-a sobre um cartaz e prenda-a pelo centro, por exemplo, com uma
tachinha. Depois, faça-o girar rapidamente. Não tardará para que você perceba cores variadas, pálidas e em
tons pastéis, mas bem presentes.

3.1.1 Pareídolia: A visão sobre Marte


Gregg e Diana Duyser (um casal da Flórida) venderam pelo E-bay, no fim de
2004, um sanduíche de queijo grelhado com dez anos de idade. O valor da venda?
US$28 mil, com certeza.5 Contudo, aos olhos do casal - e dos que arremataram, sem
dúvida não se tratava de um queijo grelhado comum; nele, havia a imagem de um rosto
que se supunha ser da... Virgem Maria.
O caso faz rir (ou chorar). Entretanto, ele nos lembra também o poder dessa
capacidade humana de reconhecer imagens em formas aleatórias e em estímulos
imprecisos. Nós a batizamos de pareidolia. Não há necessidade de ir mais longe para
reconhecê-la: cada um de nós já experimentou perceber, divertindo-se, na infância,
formas nas nuvens.
Temos outro exemplo célebre. Em 1977, uma fotografia feita no ano anterior pela
sonda Vilting, que acabara de fazer a órbita em tomo de Marte, chama a atenção de um
engenheiro: Vincent Dipietro. Ele teria observado a forma de um rosto. A NASA
explica que esse fenômeno ocorreu em decorrência da erosão natural e dos efeitos de
luz e de sombra. Mas Dipietro ainda não está convencido disso. Outros sustentam que
as declarações da NASA provam que se está tentando esconder do público uma
importante descoberta (você reconhece esse paralogismo?).
Logo algumas pessoas elaboram hipóteses ainda mais audaciosas: elas vêem no
rosto sobre Marte uma prova de que aí se desenvolveu vida inteligente. Eis que o
monte de rochas situado próximo ao famoso rosto é tomado como pirâmides, avenidas
e até vestígios de uma cidade. Dessa forma, uma autêntica indústria de publicações,
conferências e “pesquisas” constituiu-se em tomo do rosto sobre Marte. A própria
Bíblia é por vezes chamada a ajudar.
Digamos com sobriedade que, se nos ativermos ao caráter construído de nossas
percepções, nos precipitaremos menos em ver no “rosto sobre Marte” o indício de uma
civilização marciana. Resumindo: em toda massa de dados caóticos, é muito fácil
observar fenômenos que nos parecem extraordinários por um motivo ou por outro, sem
que necessariamente o sejam: isso nos oferece uma explicação bastante plausível para
o misterioso rosto sobre marte, assim como um precioso instrumento de pensamento
crítico.
3.1.2 Os raios N do Dr. Blondlot
Não creio nisso — disse Alice.
Não crês! — respondeu a rainha, com um tom que denotava bem que sentia pena dela. Tente mais
uma vez, respire findo e feche os olhos.
Lewis Carroll
“Os cientistas não cairíam em uma interpretação tão medíocre”, é o que você
diz? Efetivamente, a ciência oferece, como veremos, garantias importantes e
necessárias contra as ilusões da percepção. No entanto, quando os cientistas abusam da
validação pelas percepções subjetivas, podem ser, da mesma forma, vítimas dessas
percepções. Considere o caso do Dr. Blondlot.
O fim do século XIX e o início do século XX marcam um período especialmente
fecundo na história da física. Físicos eminentes da época — como Henri Becquerel
(1852-1908) ou Wilhelm Conrad Rõntgen (1845­1923) - descobriram e estudaram
vários tipos de radiações: os raios X e os raios catódicos, bastante conhecidos hoje, são
alguns desses exemplos.
René Prosper Blondlot, um físico de grande reputação, professor da Universidade
de Nancy, anunciou em 1903 a descoberta dos raios N, assim batizados em
homenagem à cidade de sua universidade. Todavia, se você jamais ouviu falar do Dr.
Blondlot e de seus raios, acalme-se: os raios N simplesmente não existiram!
Esse episódio da história das ciências é rico de ensinamentos para o assunto que
estamos discutindo, pois mostra até que ponto a experiência pessoal pode ser uma
fonte pouco confiável de justificativas de nossas crenças.
Eis as linhas principais.6
Blondlot pensava ter descoberto esses raios N, emitidos por certos metais; ele os
via a olho nu; havia colocado em um ponto um dispositivo bastante simples, pelo qual
os raios eram enviados a objetos recobertos por uma pintura de alumínio que os
tomava mais luminosos. Mas a dificuldade dos outros físicos em reproduzir esses
efeitos e, portanto, observar os raios logo fez surgir uma onda de ceticismo. Então,
entrou em ação um jovem americano chamado Ro- bert Wood, que foi ao laboratório
de Blondlot, o qual, por sua vez, o havia convidado a participar de suas experiências.
Tentemos imaginar a cena.
Um dispositivo permite a emissão dos supostos raios N. Eles são refletidos sobre
a pintura, cuja luminosidade aumenta com os raios. Blondlot constata, por intermédio
da percepção, o aumento ou não de luminosidade e, a partir dessa observação, conclui
pela ausência ou presença de raios N.
A experiência também inclui a utilização de uma folha de chumbo que podia ser
manualmente inserida no dispositivo. Blondlot acredita que essa folha tem a
capacidade de bloquear os raios N.
Blondlot confia a Wood a tarefa de colocar ou retirar essa folha de chumbo.
Você, com certeza, já conseguiu adivinhar o que aconteceu.
Quando Wood lhe diz que a folha de chumbo está presente, Blondlot não observa
a presença dos raios N - mesmo quando Wood não fala a verdade! Pois ele declara
colocar a folha quando não o faz, e inversamente. Mas Blondlot, ele próprio, observa
seus raios ou diz não vê-los quando acredita ou não estarem visíveis!
A carta que Robert Wood publica na Nature - que, na época, já era uma das mais
prestigiadas revistas científicas do mundo -, em 29 de setembro de 1904, continua a ser
um texto clássico do pensamento crítico. Ele narra a experiência que acabo de explicar,
assim como outras experiências que ele mesmo fez no laboratório de Blondlot: todas
apontam para a mesma conclusão. A saber: ele fora vítima de “extorsão perceptiva”.
Da utilidade de aprender um pouco de magia
Esclareçam os tolos, não haverá mais malandros
Robert-Houdin (mágico)

O erro mais simples de corrigir, mas talvez o mais difundido entre todos os
cometidos por cientistas que testaram pessoas que afirmam ter poderes paranormais,
reside justamente no excesso de confiança nas próprias percepções senso- riais. Dito de
outro modo: os cientistas não consideraram a possibilidade de o seu julgamento ser
sempre colorido por suas expectativas, desejos, saberes e crenças. Acrescente a isso o
fato de que a natureza, por possuir uma complexidade infinita, não engana
intencionalmente aqueles que a estudam, enquanto os seres humanos podem
perfeitamente infringir as regras do jogo; assim, você terá uma explicação plausível
para a desconcertante facilidade com que pesquisadores, às vezes eminentes, se
deixaram enganar por charlatões. Estudar um pouco de magia toma-se, portanto, um
gesto de autodefesa intelectual; e, se você for um pesquisador que examina pessoas que
garantem possuir poderes paranormais, certificar-se da cooperação de um mágico
constitui uma preo­cupação metodológica absolutamente indispensável.
Alguns exemplos mostram com clareza que estamos errados em nos orientar
apenas por nossas observações para tirar conclusões.
O médium distribui a cada um dos participantes um pedaço de papel no qual
pede para escrever algo que apenas a pessoa conheça. Os papéis são recolhidos por um
participante, que os dobra com cuidado para que não possamos ver o que está escrito.
O médium senta-se então diante dos espectadores. Sem desdobrar, nem mesmo olhar,
coloca na testa o primeiro bilhete, que pretende ser capaz de ler por meio da força do
pensamento. Concentra-se.
Ao fim de algum tempo, após um esforço visível, anuncia:
- Existe entre nós uma pessoa que tinha na infância um cachorro chamado Popy.
O médium pergunta se procede a afirmação. Uma pessoa levanta a mão,
surpresa: ela havia escrito isso em seu papel. O médium desdobra o papel e confirma
sua predição, depositando-o sobre a mesa e apanhando outro papel, também dobrado
com cuidado. A mesma cena se repete e ele lê da mesma forma todos os bilhetes.
Essa mágica bem executada poderá parecer bastante convincente. Existe, no
entanto, um truque, que se baseia em um dos mais eficazes e preciosos princípios dos
médiuns. Nós o chamamos de “uma prévia”. O médium sabe de fato antes o que existe
em um dos bilhetes — poderá ter fido de forma sub-reptícia, possuir um cúmplice na
sala, pouco importa. Digamos que nesse caso existe um cúmplice. E necessário
também que esse bilhete seja reconhecível. A partir daí, tudo se toma simples. Quando
se apropria do primeiro bilhete, o médium toma o cuidado de não escolher o bilhete de
seu cúmplice. Ele leva o bilhete à sua testa e depois declara ler o que seu cúmplice
escreveu em outro bilhete - em nosso exem­plo, seria: “Eu possuía, quando criança, um
cachorro chamado Popy.” Enquanto seu cúmplice fala com ar surpreso e toda a atenção
é dirigida para ele, o telepata deposita o bilhete sobre a mesa e lê o que está escrito -
digamos: “Possuo ações de uma fábrica de cassetetes.” Em seguida, recoloca o bilhete.
Apanha um novo bilhete, coloca-o sobre a testa e simula lê-lo: “Alguém entre nós
possui ações de uma fábrica de... qualquer coisa... isso ainda não está claro. Ah! é isso:
de cassetetes.” E assim por diante, até o último bilhete, que será o de seu cúmplice. Se
alguém pedir para ver os bilhetes depois da experiência, eles confirmarão que o
adivinho leu bem cada um deles. Se fizer essa mágica, pode ser inteligente enganar-se
uma ou duas vezes: isso dá credibilidade...
Vamos para a França, com nosso exemplo seguinte. Estamos na sexta- feira, 27
de janeiro de 1989, e esta é a manchete do jornal francês Nice- Matin: “Incrível: um
misterioso adivinho prevê os números ganhadores da loto. Em uma carta enviada terça-
feira e aberta no Nice-Matin por um repórter, o desconhecido anuncia os resultados do
sorteio do dia seguinte.” Pressentimos a perturbação que pode causar, em um curto
espaço de tempo, essa extraordinária notícia. Pressionado por perguntas, o jornal
explica o que houve. Na véspera, um jornalista havia recebido um envelope com a
seguinte frase: “Experiência de clarividência. Só deve ser aberta na presença de um
funcionários dos Correios.” Convocado, ele constatou que o carimbo do correio tinha a
seguinte inscrição: “16h30,24-01-1989.” O envelope então foi aberto; a carta explicava
que se tratava de uma experiência destinada a provar o dom de clarividência do
remetente, dons que ele não queria, de forma alguma, utilizar com finalidade financeira
indigna. Em seguida, estavam os números da loto: eram efetivamente aqueles que
viriam a ser sorteados no dia seguinte.
No entanto, apesar do crescente interesse público nesse caso, o misterioso
adivinho não se manifestou. Até o dia em que Henri Broch, professor de física da
Universidade de Nice, apresentou-se declarando ser o autor do que seria apenas uma
maliciosa—e pedagógica—farsa destinada a mostrar como poderiamos sucumbir com
facilidade às sereias do irracional.
Veja como foi feito.
Sobre um envelope não-fechado, você cola uma dessas etiquetas adesivas que
podem ser retiradas sem deixar vestígios; sobre essa etiqueta, você escreve seu nome e
endereço. Em seguida, envia para si mesmo o envelope.
Nós estamos no dia 25 e você possui um envelope timbrado com o carimbo
oficial que garante que foi enviado no dia anterior. Você espera para conhecer os
resultados da Loto sorteados à noite, depois redige uma carta explicando seus dons de
clarividência, seus escrúpulos, a experiência que possui e sua “previsão”, a partir de
então bastante fácil de fazer. Depois disso, você retira a etiqueta adesiva e escreve o
endereço de seu jornalista preferido sobre o envelope, acrescentando a frase:
“Experiência de clarividência. Só deve ser aberta na presença de um funcionário dos
Correios.” Por fim, você insere a carta no envelope, fecha-o e vai colocá-la na caixa do
correio de seu correspondente.
O que Broch quis salientar foi aquilo que ele chama, com graça, de “efeito
capacho”, que age toda vez que utilizamos uma palavra, seja por hábito ou por outra
razão, para designar algo diferente daquilo ao qual remete. “Limpe os pés no capacho”,
mas ninguém limpa literalmente os pés, apenas os sapatos! Nossa autoridade dos
Correios foi vítima de um duplo efeito capacho: pôde constatar a data na qual o
envelope (e não a carta - primeiro efeito capacho) havia sido fechado (e não remetido -
segundo efeito capacho).
Como último exemplo, passemos a um pouco de telepatia. Você anuncia ao
auditório que se comunica por telepatia com seu amigo Pierre, que mora a quilômetros
daqui. Para provar isso, propõe transmitir-lhe o nome de uma carta. O baralho é
fornecido pelo auditório, e a carta é escolhida por alguém acima de qualquer suspeita.
As pessoas são convidadas a exercer todos os controles que desejarem sobre a seleção
da carta. Digamos que o três de paus tenha sido a carta selecionada. Concentre-se e
“comunique-se de forma telepática”; chega o momento de telefonar ao receptor.
Alguém do auditório será encarregado de fazê-lo. Você lhe pede para chamar Pierre
Auger, que logo responde: “Três de paus.” Fantástico? Com certeza, não.
O receptor não havia sido identificado a não ser pelo nome; você deu o nome de
família somente após a escolha da carta. Esse é o código. Você e o receptor de fato
decoraram 52 nomes de família que correspondem às 52 cartas. Pierre Auger? Três de
paus. Pierre Lafleur? Três de copas etc.
Veja uma surpreendente variante desse truque, em que o suposto telepata
telefona, ele próprio, para o receptor. Os espectadores assistem à seguinte cena:
O telefone é retirado do gancho e o número, discado. O adivinho diz:
- Pierre? Um momento.
Em seguida, ele entrega o telefone a alguém no auditório a quem a pessoa do
outro lado da linha revela a carta escolhida.
Você tem alguma idéia de como o adivinho acertou? Vejamos.
Assim que acabou de discar o número, o telefone toca na casa de Pierre, que logo
atende (prevenido da experiência em questão, ele atende o telefonema).
Tão logo responde, começa a falar nomes das cartas na ordem usual, fazendo
uma breve pausa entre cada um: um, dois, três etc., até o rei. Quando o nome da carta
correta é pronunciado, a pessoa que telefona diz:
Pierre?
Pierre, então, começa a recitar os naipes das cartas sempre fazendo uma breve
pausa entre cada um: copas, espadas, ouros, paus. Quando o naipe correto é
pronunciado a pessoa que telefona diz:
Um instante.
Muitas pessoas serão convencidas de terem visto com os próprios olhos al­guém
fazer telepatia.
Os mágicos desempenharam um papel importante no exame das pretensões dos
paranormais, dos pseudocientistas e similares. De início, esse foi o caso de Robert-
Houdin, depois do próprio Houdini. Atualmente, James Randi e Penn & Teller, entre
outros, deram continuidade a essa rica tradição. Os três primeiros publicaram várias
obras sobre as suas pesquisas. Quanto aos últimos, podemos assistir à divertida e
instrutiva série de televisão Bullshit, disponível em DVD.
A surpreendente arte de coldreading
A arte da leitura a frio, ou coldreading, consiste em um conjunto de técnicas que parece conferir àqueles que
a utilizam com eficácia capacidades surpreendentes, ou até mesmo espetaculares, por exemplo: conhecer intimamente
pessoas jamais encontradas antes; adivinhar alguns de seus pensamentos mais íntimos; predizer com admirável
exatidão seus projetos e intenções; descrever com acuidade sua personalidade; comunicar-se com pessoas mortas
próximas àquelas para quem se faz a leitura a frio etc.
Você poderá encontrar esses artistas extraordinários na sala de espetáculos, onde trabalham sob o nome de
mágicos ou médiuns. Certamente sem desvendar seus truques, eles admitirão facilmente fazer uma simples
apresentação e recorrer a técnicas para criar a ilusão de que realizam as proezas surpreendentes que lhes conferimos.
Encontrará também pessoas que produzem os mesmos efeitos garantindo-lhe que não há truques. Dirão, por
exemplo, invocando um dom que continua a ser misterioso até mesmo a seus olhos, que podem realmente falar com os
mortos ou conhecer seus pensamentos mais íntimos. Esses estão entre os leitores da sorte, astrólogos, quiromantes e
cartomantes: em uma palavra, todos aqueles que comercializam a credulidade - e, com frequência, a miséria - humana.
Mas, de fato, eles possuem esse misterioso poder? Observe que nos pedem aqui para provar uma proposição negativa
essencial (não existe X ou X não existe) e isso é bastante difícil e mesmo, no senso estrito, logicamente impossível. No
entanto, é possível mostrar que os mesmos efeitos podem ser produzidos sem invocar "poderes" especiais e de forma
ordinária. Além disso, é possível testar outras pessoas colocando-as em condições em que não mais possam recorrer
aos meios usuais que conhecemos para produzir seus efeitos. Se, mesmo assim, produzirem, será uma indicação de
que elas não têm recorrido a esses meios... o que ainda não provará que possuem poderes sobrenaturais, com certeza,
mas poderá convidar a investigações mais profundas.
Justamente! Todas as pessoas que pretendem realizar de fato os efeitos que os mágicos conseguem
produzir com o coldreading e que pretendem então, por exemplo, comunicar-se verdadeiramente com os
mortos, deveríam prová-lo logo para se tornarem milionários de forma instantânea! O que estão esperando?
De fato, há anos, o mágico Randi, por intermédio da James Randi Foundation, oferece a soma de US$1
milhão (dólares americanos, por favor) a quem puder provar, em condições de observação adequadas,
possuir poderes paranormais, ocultos ou sobrenaturais - inclusive o de se comuni car com os mortos e outros
efeitos similares produzidos habitualmente pelas técnicas de leitura a frio. Os testes são elaborados com a
participação de candidatos e aprovados por eles. No site, Randi explica:
Na maioria dos casos, pedimos aos candidatos para realizarem uma prova preliminar simples que
mostre, de modo concreto, sua afirmação: caso obtenha êxito, na sequência será realizado o teste propriamente
dito. Em geral, essas provas preliminares são conduzidas por associados da Fundação, onde residem os candidatos. [...]
Até hoje, ninguém jamais ultrapassou a etapa da prova preliminar.
[O endereço na internet da James Randi Foundation é: http://www.randi.org/. Um equivalente
francófono do trabalho de Randi pode ser consultado em: http://www.zeteti- que.ldh.org.]
Voltemos à leitura a frio.
Seu princípio é o seguinte: primeiro, o leitor enuncia proposições vagas, até contraditórias. Ele, então,
lança a isca e colhe os dados é, com isso, faz importantes estoques de fatos (ele conhece, por exemplo, os
nomes masculinos e femininos mais em voga nesse ou naquele ano, listas de objetos que encontramos geral
em cada domicílio etc.), temas caros às pessoas que se consultam (dinheiro, amor, saúde, morte etc.) e que
manifestam diversos indícios, como a aparência do sujeito, suas maneiras, sua linguagem e assim por diante.
Depois disso, graças a uma percepção sagaz das reações do sujeitoA ele refina seus enunciados. No conjunto,
o cliente, que se lembra de qualquer maneira das previsões que se realizam e esquece os fracassos, terá
fornecido, ele próprio, as respostas corretas pelas quais o charlatão terá "demonstrado" seus dons.
Observemos que pode ocorrer que o "leitor" tenha obtido informações que pretendaA, seja circulando entre
os sujeitos antes da sessão, seja com a ajuda de um assistente que tenha escutado suas conversas ou por
diversos outros meios. Nesse caso, falaremos de leitura a frio.
Randi, analisando uma leitura a frio da comunicação com os mortos, propõe os seguintes exemplos -
parafraseio aqui as explicações do célebre mágico.
0 leitor lança:
Tenho um homem mais velho.
Observe primeiro que se trata de uma (pseudo) questão, de uma sugestão, e de lançar a linha de
pesca, que busca suscitar alguma reação por parte do sujeito. Este poderá opinar, dar um nome ou
sobrenome, ou identificar uma pessoa (é meu pai, meu irmão etc.), mas ele mesmo fornecerá essas
informações.
0 leitor:
Dizem-me Bob ou Robert. Isso lhe diz alguma coisa?
Ainda aqui, trata-se de uma isca. Se existir um Robert, o sujeito vai melhorar a informação. Se não
existir, o leitor continua seu lance, garantindo ao sujeito que acabará por identificá-lo.
0 leitor:
-Seu marido morreu após uma longa internação no hospital ou de uma hora para outra? 0 sujeito:
Morreu quase de repente.
0 leitor:

- Sim, pois ele me diz nesse momento: "Eu não sofri. A dor me foi poupada."
Hábil e eficaz, não? Sobretudo quando nos dirigimos a pessoas fragilizadas pela perda de um ente
querido.
Fontes: J. Randi, "The art of Cold Reading", http://www.randi.org/library/coldreading/.

kcold reading remete em especial ao efeito Forer (ver p. 147) como uma forma de pensamento
seletiva que retém apenas o que confirma a hipótese privilegiada na qual o sujeito deseja crer ardentemente.
Essa técnica parece bem simples, fácil de descrever, mas árdua de praticar de maneira convincente.
Entretanto, sua eficácia é tão grande que podemos pensar que numerosos praticantes estão de fato
convencidos de possuir esse dom.
Existem boas publicações para quem desejar conhecer mais. Por exemplo, The FullFacts Book ofCold
Reading, do médium lan Rowland, disponível no seguinte endereço: hppt://www.ianrowling.com. 0 autor, um
especialista nessa técnica, revela alguns de seus segredos. Mas você pode também falar diretamente com
alguém que produz esses extraordinários efeitos. Basta telefonar para um ou outro dos serviços telefônicos
de "videntes": a demonstração poderá lhe custar algo como $120 por hora (o livro de Rowland é bem mais
barato..:).
3.2 LEMBRAR
A memória é inimiga quase irreconciliável do julgamento.
Bernard Fontenelle
O mais duro, para os homens políticos, é ter a memória necessária para lembrar o que
não se deve dizer.

Coluche

Nossos resultados mostram que mudar as crenças ou as lembranças pode ter pesadas
consequências sobre os comportamentos ou pensamentos futuros. Quando mudar de
lembranças, isso o mudará.

E.F. Loftus
A memória do passado não serve para lembrar o passado; ela serve para prevenir o
futuro. A memória é um instrumento de previsão.

Alain Berthoz

Estudamos muito a memória pedindo às pessoas que memorizem, por exemplo,


listas de palavras. No entanto, mais recentemente - nas últimas décadas do século XX
sob influência da psicologia cognitiva, desenvolvemos novos métodos e novas
abordagens do assunto. Graças a eles, fizemos importantes descobertas a respeito da
memória e de seu funcionamento. Esses trabalhos, como veremos, têm conseqüências
práticas cruciais. Quem quiser garantir sua independência intelectual não pode se dar
ao luxo de ignorá-los. Digamos logo: o que está em evidência é o caráter construído de
nossas lembranças e a influência que nossas expectativas, desejos, crenças e saberes
podem ter sobre elas.
Elizabeth Loftus figura aqui como pioneira e os resultados de suas pesquisas são
extraordinários. Vamos tomá-los como ponto de partida.7
Loftus interessou-se primeiro pelos testemunhos: os testemunhos de um crime ou
de um acidente, por exemplo. Ela mostrou às pessoas filmes de acidentes em estrada,
depois os questionou de diferentes maneiras sobre o que haviam visto. A formulação
das perguntas influiu de modo estranho sobre as respostas dadas pelos sujeitos
chamados a testemunhar.
Por exemplo, à pergunta: “Em que velocidade estavam os carros quando se
chocaram (pmashedft” As pessoas dão, em média, uma velocidade estimada mais
rápida do que quando a questão é formulada de maneira mais neutra, como no seguinte
caso: “Em que velocidade estavam os carros quando foram atingidos (bit)?” Ou
melhor: após a primeira pergunta, muitos garantiam ter visto vidro quebrado quando
não havia!
Outros trabalhos mostram, por sua vez, que a memória pode ser falseada de modo
significativo, e de forma previsível, por diversas técnicas que servem para dar
informações aos sujeitos sem que percebam. Os efeitos dessa exposição a falsas
informações foram depois confirmados por centenas de pesquisas que evidenciam o
que chamamos hoje de efeito de mal da desinformação. Sem entrar em detalhes,
daremos um exemplo simples, extraído do artigo de Elizabeth Loftus.

Os sujeitos vêem um acidente de carro. Fornecemos depois à metade deles uma


informação falsa sobre o acontecimento: o sinal Stop que haviam visto era um sinal
Verde, ou seja, um sinal para dar passagem. A outra metade, não demos essa
informação falsa. No final das contas, quando pedimos aos sujeitos para recordar o que
haviam visto, a lembrança dos participantes do primeiro grupo será, significativamente,
que havia um sinal Verde, enquanto a lembrança dos participantes do segundo grupo
tenderá, sempre de maneira expressiva, a ser mais exata. Os pesquisadores mostram
que esses resultados se transferem do laboratório para a vida real: tendem mesmo a
demonstrar que o efeito de desinformação poderá ser acentuado fora do laboratório.
Tão logo tenhamos conhecimento desses resultados, uma questão bastante
aterradora se coloca de maneira infalível: é possível implantar falsas lembranças? Sim,
com certeza. Por exemplo, com a cumplicidade de suas famílias, pudemos implantar
em determinados sujeitos a lembrança de um evento que jamais aconteceu. Em alguns
casos, até 25% dos participantes acreditaram em uma lembrança da infância: estar
perdido por um bom período de tempo em um centro comercial. A maioria dos
pesquisadores, segundo Loftus, prova que uma minoria significativa de pessoas
desenvolve lembranças total ou parcialmente falsas. Mais perturbador ainda:
conseguimos implantar o que os pesquisadores chamam de falsas lembranças
substanciais, ou seja, lembranças de acontecimentos recentes ou particularmente fora
do comum, até excepcionais. Podemos assim, com falsas publicidades para Disney
World, implantar a falsa mas vibrante lembrança de um encontro com o Pemalonga
(que não é um personagem da Disney). Outro exemplo de lembrança implantada: haver
observado uma pessoa possuída pelo diabo.
As implicações práticas de todos esses resultados são tão numerosas quanto
importantes. No plano legal, por exemplo, a principal causa da condenação de
inocentes (comprovadas mais tarde como injustificadas pela análise do DNA) é o falso
testemunho. O que chamamos de síndrome da falsa lembrança provém do mesmo
mecanismo; os psicoterapeutas poderão, desse modo, levar seus pacientes a reencontrar
lembranças de traumas (em especial sexuais) vividos na infância. Essas lembranças,
portanto, em um número importante de casos, eram falsas e implantadas.
Disso decorre, mais uma vez, a importância crucial de distinguir o verdadeiro do
falso, o plausível do improvável, e de não confiar exclusiva e cegamente em nossa
memória para realizar essa tarefa.
Uma experiência de pensamento
Se você deseja um exemplo do caráter construtivo da memória, experimente o seguinte. Lembre-se
de um momento, hoje, em que tenha estado sentado. Lembre-se de onde se encontrava, como estava vestido
e em que posição se encontravam seus braços e pernas. Existem boas chances de que você veja a cena sob a
perspectiva de um espectador, como se você observasse a si mesmo na televisão. Mas tal lembrança não
pode ser totalmente exata, pois, durante essa experiência, você jamais observou a si mesmo a partir dessa
perspectiva. Você lembrará algumas coisas e seu cérebro construirá o resto, a perspectiva da televisão etc."
T. Schíck e L. Vaughn, /7oi/iz to Think about Weird Things - Critica! Thinking for a New Age, p. 44.

Os prazeres da mnemotécnica e como ter na mente o calendário universal

A mnemotécnica - a palavra provém do grego Mnêmê (memória), assim como o nome de


Mnemosina, filha de Urano, deusa da Memória e mãe das Musas - designa o
conjunto de técnicas e procedimentos que permitem o uso ótimo da memória. Para
reter os primeiros decimais da constante (k),
por exemplo, recorreremos a um
poema cujo número de letras de cada palavra coincide, na mesma ordem, com uma de
suas decimais. Eis os primeiros versos:
Amo (3) o (1) belo (4) e (1) útil (5) exercício do número achar. Dos sábios,
Arquimedes, famoso matemático,
cujo julgamento pôde apreciar o valor?5
Todos os truques mnemotécnicos baseiam-se nos mesmos princípios: indexar, passar para uma tarefa
de memória mais simples, decompor, elaborar. Veja algumas técnicas entre as mais comuns.

Acrônimos
Estabelecemos a correspondência entre cada uma das letras de uma palavra conhecida (isso é o que
chamamos acrônimo) em que as primeiras letras das palavras de uma frase contêm uma lista de palavras a
ser memorizada.
Exemplos:
homes (casas, em inglês) e o acrônimo para o qual memorizo o nome dos Grandes Lagos: Huron,
Ontário, Michigan, Erie e Superior.
Minha velha, traga meu jantar: sopa, uva, nozes, pão. As primeiras letras das palavras dessa frase
permitem memorizar na ordem os nomes dos planetas de nosso sistema solar: Mercúrio, Vênus, Terra,
Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão.
Encontraremos notas úteis sobre a mnemotécnica em: http://www.lecerveau.mcgill.ca/.

Os cômodos da casa
Na Antiguidade, os retóricos, recorriam a esse truque para memorizar uma lista de elementos.
Tratava-se apenas de associar cada um dos elementos a um local preciso de um ou mais cômodos bem
conhecidos, percorridos na imaginação segundo um plano preciso e predeterminado, sempre o mesmo. Esse
procedimento foi atribuído ao poeta Simonide de Céos (554-467). Segundo a lenda, ele recitou versos em um
banquete ocorrido em uma casa na qual o telhado depois desabou, matando todos os habitantes e deixando
os corpos irreconhecíveis. Simonide pôde, de memória, dizer quem estava lá lembrando o lugar que cada um
ocupava.
O calendário universal
As calculadoras prodigiosas fazem uso constante de truques mnemotécnicos. Veja um exemplo divertido
do que podemos fazer.
Veja a lista a seguir:

Podemos imaginar diversos procedimentos para ajudar a memorizá-los. Divirta- se inventando um e


decore essa lista.
Decorou? Agora você possui, na cabeça, um calendário universal. Se lhe dermos uma data, você dirá
também em que dia cairá - tanto faz ser uma data situada do passado ou do futuro!
Tomemos, por exemplo, o dia do nascimento de meu amigo Pierre, 6 de setembro de 1951.0
procedimento é:
Tomemos os dois últimos números do ano e dividamos por quatro, excluindo o resto.
1. O que nos dá o resultado seguinte: 51 / 4 = 12, o resto 3 é esquecido.
2. Acrescentemos o resultado (12) ao número do qual partimos 12 + 51 = 63.
3. A esse número, adicionamos aquele que corresponde ao mês do nascimento de Pierre
na tabela memorizada - 6 -, pois se trata do mês de setembro. O que nos dá: 63+6 = 69
4. Em seguida, acrescentamos a data de nascimento, 6 (setembro): 69 + 6 = 75.
5. Esse número é finalmente divido por 7: obtemos como resultado 10, e 5 como resto.

Este último resultado (5) indica o dia encontrado, segundo a seguinte lista.
Domingo 1
Segunda-Feira 2
Terça-Feira 3
Quarta-Feira 4
Quinta-Feira 5
Sexta-Feira 6
Sábado 0
0 dia 6 de setembro de 1951 era então uma quinta-feira.
0 truque é válido para todas as datas do século XX, com a condição de nos lembrarmos de subtrair 1
ao valor do mês de janeiro e de fevereiro, quando se tratar de ano bissexto - aqueles cujos dois últimos
números são múltiplos de 4. Lembre-se, entretanto, de que 1800 e 1900 não são anos bissextos, mas 2000
sim.
O procedimento lança mão das propriedades de números-módulo.
Com um pouco de treinamento, você chegará com muita rapidez à resposta.
Sigo o método exposto por A. Benjamin e M. B. Shermer em Mathemagics: How to Look Like a
Genius Without Really Trying, pp. 172-175.

3.3 JULGAR
Quatro homens visitam a Austrália pela primeira vez. Ao viajar de trem, veem o perfil de
um carneiro negro que pasta. O primeiro homem conclui que os carneiros australianos
são negros. O segundo acha que tudo que podemos concluir é que certos carneiros
australianos são negros. O terceiro contesta que a única conclusão possível é que, na
Austrália, pelo menos um carneiro é negro! O quarto homem, um cético, conclui: existe
na Austrália pelo menos um carneiro que possui pelo menos um dos lados negros!

RayMOND CHEVALIER (Quebec Sceptique, 1993)

A pequena história contada por Chevalier nos lembra até que ponto pode ser
difícil julgar de acordo com as evidências—na verdade, muito mais difícil do que
parece. Nas páginas seguintes, gostaria justamente de mostrar algumas provas, às vezes
inesperadas, dessa dificuldade. Cada uma constitui uma advertência contra a tendência
a se remeter muito rápido, e de modo exclusivo demais, à experiência imediata para
formar nosso julgamento.
Construiremos “teorias”, “esquemas explicativos”, caso você prefira, para
compreender e interpretar o mundo que nos circunda. Sua utilidade é enorme:
permitem colocar em ordem nosso ambiente e avaliá-lo de maneira eficaz. Pode
acontecer, entretanto, que os fatos imponham a revisão desses esquemas.
Portanto, diversos fenômenos mostram que, por vezes, somos muito pouco
hábeis, até recalcitrantes, em fazê-lo, o que nos conduz algumas vezes a negar as
evidências. Em parte, isso se explica por determinados erros de raciocínio que já
conhecemos e sobre os quais não voltaremos no momento - por exemplo, nossa
dificuldade de avaliar as probabilidades, ou ainda de tirar conclusões da observação de
um número reduzido demais de casos ou de casos não-representativos. Isso se traduzirá
por uma tendência em reter à vontade fatos que estão imediatamente disponíveis, e
considerar apenas alguns entre eles, particularmente espe taculares ou chocantes por
todo tipo de razões, em detrimento de dados com maior credibilidade e dignos de
confiança, mas também mais distantes e menos extraordinários. Se um canadense tem
o hábito de ler apenas alguns jornais, por exemplo, crê que o número de crimes contra
a pessoa está em alta fulgurante - ainda que, depois de algumas décadas, tenha
diminuído.
Dois exemplos de nossa dificuldade em avaliar as probabilidades
Feliz aniversário... a ambos!
Você provavelmente tem em torno de 23 pessoas próximas o suficiente para convidá-lo para o seu
aniversário. Como você avaliaria a probabilidade de recusar ir à festa de aniversário de uma dessas 23
pessoas porque precisaria ir à de outra dentre essas mesmas pessoas, que teria nascido no mesmo dia e
festejaria, portanto, o aniversário no mesmo dia? A maioria das pessoas pensa que essa probabilidade é
muito pequena. Mas vejamos mais de perto.
A primeira pessoa pode ter nascido em qualquer dia ou ano. Existe, assim, uma chance em 365 de
que a segunda pessoa tenha nascido no mesmo dia, ou seja 364 chances sobre 365 de que ela tenha nascido
em outro dia. Continuemos com a terceira pessoa. Existem agora duas chances sobre 365 de que ela tenha
nascido no mesmo dia que uma das duas primeiras e 363 chances sobre 365 de que tenha nascido em outro
dia. Realizemos o mesmo procedimento para as 23 pessoas e depois efetuemos as multiplicações: 364/365 x
363/365... 342/365. 0 resultado é 0,46 ou 46°/o, ou seja, a probabilidade de que nenhum aniversário
coincida com outro. Existe, então, mais de uma chance sobre duas (54°/o) de que dois aniversários ocorram
no mesmo dia em um grupo de 23 pessoas. Esse resultado é inesperado para o bom senso, que avalia mal e
de modo intuitivo esse tipo de probabilidade.
Se acreditarmos no físico G. Gamow, que se divertia em propor esse pequeno problema a seus amigos
matemáticos, a maioria que confiava na intuição se enganava. Conhecer esses instrumentos matemáticos
não serve de grande coisa quando negligenciamos seu uso!
Os falsos positivos
Temos outro exemplo, realmente espetacular, de nossa dificuldade em avaliar de modo intuitivo as
probabilidades. É conhecido sob o nome de paradoxo dos falsos positivos.
Suponhamos uma grave doença mortal que afete uma pessoa em mil em uma população.
Felizmente, existem testes para detectar essa doença. Tais testes, entretanto, são um pouco imperfeitos:
detectam a doença, quando está presente, em 99% dos casos - e, portanto, não reconhecem uma pessoa
acometida pela doença em 1 % dos casos; em contrapartida, não reconhecem a doença, quando não está
presente, em 98% dos casos - e declaram então doentes, duas vezes sobre cem, pessoas que não estão: é o
que chamamos de falsos positivos.
O médico anuncia ao paciente que o resultado do teste é positivo. A questão reside em saber até que
ponto essa pessoa deve ficar preocupada. A maioria pensará que é quase certo que o paciente tenha a
doença. No entanto, ele tem apenas uma chance sobre 23 de estar realmente doente... o que não é com
certeza uma novidade maravilhosa, mas admita que é menos terrível do que nossa intuição nos deixou
entrever.
Esse paradoxo deveria ser conhecido e pensado por aqueles que preconizam a pesquisa obrigatória
de certas doenças.
Para aqueles a quem isso interessa, eis a demonstração dessa surpreendente conclusão.
Veja:
A: o paciente tem a doença
B: o paciente tem um resultado positivo no teste
Podemos escrever:
P0) = 0,001
P (8) = 0,99
P(B|A) = 0,99
P (8|nãoA) = 0,02
O que procuramos é: P
A resposta é dada pela fórmula de Bayes:

Essa negação da evidência pode tomar formas ainda mais surpreendentes, com a
conseqüência de nos levar a não considerar o que enfraquece nossas convicções mais
caras ou, ao contrário, não considerar senão o que as afirma.
Veremos agora alguns exemplos.
3.3.1 Dissonância Cognitiva
- Fiz isso, diz minha memória.
- E impossível, diz minha consciência. E é minha memória que cede.
F. Nietzsche
O conceito de dissonância cognitiva foi proposto por Leon Festinger em 1957.
Sem dúvida, essa teoria é a simplificação de um fenômeno bem mais complexo, mas
permite discernir bem os aspectos antes estranhos do comportamento humano e dar-
lhes sentido. Além disso, é de grande utilidade para explicar como acontece de
podermos nos iludir, o que nos interessa em especial neste item. Em termos simples,
vejamos do que se trata.
Imagine uma situação em que você sustente duas idéias, crenças ou opiniões
incompatíveis. Por exemplo, você está muito ligado à opinião X, mas, ao mesmo
tempo, constata que X é falsa em virtude dos fatos observáveis. Ou ainda, imagine uma
situação em que suas convicções estejam em contradição com seu comportamento. Por
conseguinte, é inevitável uma tensão, um mal-estar. Segundo a teoria da dissonância
cognitiva, você procurará fazer desaparecer, ou pelo menos minimizar, essa tensão, da
maneira mais simples e eficaz possível.
Isso pode ser feito de diversas maneiras. Por exemplo, se considerarmos um de
nossos comportamentos imoral ou estúpido, poderemos mudar de ponto de vista para
achá-lo justo e sensato. Diante de um novo dado, duas pessoas que aderem a duas
crenças opostas terão cada uma de verificar o que confirma sua própria posição e
ignorar o que a desmente. Nossa capacidade de inventar razões que justifiquem
comportamentos antes inaceitáveis a nossos olhos está em primeiro plano na
dissonância cognitiva. Aquele que se percebe como doce e humano encontrará em sua
vítima faltas para justificar a violência que utilizou em seu encontro.
Compreendemos que certos comportamentos antes incompreensíveis podem ser
esclarecidos de maneira bastante instrutiva com a ajuda dessas idéias. Detenhamo-nos
em um exemplo célebre, extraído justamente da obra de Festinger.8
No início dos anos 50, uma senhora de certa idade, srta. Keech, afirma receber
mensagens de extraterrestres do planeta Clarion. Um dia, uma dessas mensagens
informa que, em 21 de dezembro daquele ano, a Terra seria destruída por um dilúvio
aterrador, mas que um esquadrão de discos voadores viria salvá-la, assim como todas
as pessoas próximas a ela nesse momento.
Um grupo de fiéis vinculou-se a essa senhora e esperou o fim do mundo em sua
companhia, levando, desde então, uma existência conforme sua crença: eles
renunciaram a todos os seus bens, deixaram seus empregos, cortaram relações com
seus amigos e conhecidos etc. Entre os seus discípulos, encontravam-se também,
incógnitos, psicólogos, que desejavam observar o comportamento dos membros do
grupo, em particular no dia 22 de dezembro. Esses psicólogos observaram que os
membros do grupo eram inofensivos, doces, recusavam qualquer publicidade e
entrevistas à mídia, não faziam qualquer proselitismo, vivendo com serenidade, nas
sombras, segundo suas convicções.
Em 20 de dezembro, a senhora em questão recebeu uma nova mensagem dos
habitantes de Clarion, transmitida a seus adeptos: o fim se aproximava, eles
precisavam estar preparados, pois seriam procurados exatamente à meia-noite. Além
disso, não deveríam usar nenhum metal. Era necessário retirar, portanto, botões e
zíperes de todas as vestimentas.
Meia-noite chegou e passou. Durante as horas seguintes, o desespero e a
confusão do grupo eram palpáveis. Mas às 4h45, a srta. Keech recebeu dos
“clarionenses” a mensagem de que sua ação e sua fé haviam salvado o mundo de uma
calamidade. Por isso, sua transferência por disco voador não se fizera necessária. O
grupo não podería ter ficado mais feliz.
O que se passou depois dessa noite não surpreende se nos lembrarmos do
conceito de dissonância cognitiva.
O grupo, até então discreto, lançou-se em inumeráveis e apaixonadas campanhas
para propagar e defender suas idéias. Seu proselitismo era desmedido. Os membros do
grupo contatavam as mídias, davam conferências, pronunciavam discursos na rua. A fé
na srta. Keech estava reforçada pelo que havia ocorrido.
3.3.2 O efeito Forer
Esse efeito bem especial deve seu nome a B. R. Forer, um professor de
psicologia que, nos anos 40, entregou-se a uma pequena experiência fascinante.
Forer aplicou primeiro um teste de personalidade em seus alunos. Em seguida,
enviou a cada um a descrição, por escrito, de sua personalidade, como o teste permitira
inferir. Os alunos deveríam avaliar esse teste e dizer se parecia descrever de forma
adequada sua personalidade, atribuindo-lhe uma nota de 1 (pior) a 5 (melhor). Eles
deram, em média, 4,2 sobre 5, resultado confirmado por centenas de repetições da
experiência. Que teste de personalidade admirável, não?
Não. Na verdade, Forer havia apenas reescrito o início de frases de previsões
astrológicas retiradas de jornais, agrupadas em um texto remetido a todo mundo. Em
outras palavras, enviara a cada um a mesma descrição de personalidade!
Eis a passagem:
Você tem necessidade de ser amado e admirado pelos outros, mas tam­bém demonstra uma
tendência a ser crítico em relação a si próprio. Ainda que possua algumas fraquezas de personalidade, você,
em geral, é capaz de compensá-las. Possui habilidades consideráveis, que ainda não conseguiu fazer
frutificar. Extemamente, parece disciplinado e controlado, mas in- temamente tende à inquietude e à
ansiedade. Chega a ter sérias dúvidas quanto à conveniência de uma decisão tomada ou de um gesto que
tenha feito. Prefere certa dose de mudanças e variedades. Você ficaria insatisfeito se lhe impusessem limites
e restrições. Vangloria-se de ser um pensador independente e não aceita as afirmações dos outros sem
solicitar provas satisfatórias. Enquanto isso, sabe também que é pouco sábio ser franco demais revelando-se
aos outros. Você, em alguns momentos, é extrovertido, afável e sociável, e em outros introvertido, reservado
e circunspecto. Algumas de suas ambições tendem a não se realizar.9

Desse modo, o efeito Forer é a tendência a aceitar como relacionadas a nós e a


tomar como precisas descrições ou análises vagas e gerais que se aplicariam a qualquer
pessoa.
Temos outro exemplo:
Você reconhecería com facilidade que algumas de suas aspirações são, melhor dizendo, irreais. Você
algumas vezes é extrovertido, afável, sociável, mas em outros momentos mais introvertido, circunspecto e
reservado. Acha pouco prudente revelar-se aos outros. Você é fiel à sua independência de espírito e não
admite como verdadeira a opinião alheia se não tiver provas satisfatórias. Pode perguntar-se se tomou ou
não uma boa decisão ou fez um gesto bom; tanto parece extremamente disciplinado e controlado quanto,
intimamente, inquieto e ansioso. Sua vida sexual não deixou de apresentar problemas de adaptação. Você
consegue em geral compensar com certos traços fortes de sua personalidade algumas fraquezas também
presentes. Dispõe, além disso, de grandes talentos, que ainda não pôde demonstrar em toda a sua extensão.
Possui uma forte tendência a ser muito crítico em relação a si próprio, e tem também um imenso desejo de
ser amado e admirado pelas pessoas que o circundam.10

Penso que é inútil insistir nos imensos benefícios, inclusive materiais, que podem
ser obtidos a partir desse efeito. As pessoas dariam, graças a ele, a impressão de poder
ler montes de coisas, digamos, nas linhas das mãos, nas taças de chá, nos astros, nas
cartas, no taro, nos cassetetes etc... se essas pessoas existissem, certamente.
3.3.3 A prova de seleção de Wason
Nossa tendência a procurar exemplos que confirmem e a negligenciar os que
desmentem uma hipótese é particularmente evidenciada nessa prova.
Mostraremos, colocadas sobre uma mesa, quatro cartas cujas faces visíveis
indicam:
D - F-3-7
Cada carta possui uma letra sobre uma face e um número sobre a outra. Em
seguida, perguntamos que cartas você deveria virar para verificar se a seguinte regra
foi respeitada: se uma carta possuir um D em uma face, então deve ter um 3 na outra.
A experiência, realizada com freqüência e com um grande número de pessoas,
mostra que se não tiver estudado uma matemática um pouco avançada, lógica ou
programação, a maioria das pessoas responde D e 3, ou seja, a primeira e a terceira
cartas. Isso não é assim: deve-se virar a primeira e a última carta.
A primeira, pois ela podería conter algo diferente de um 3 na outra face, o que
desmente a hipótese. Teríamos, com certeza, pensado, pois buscamos confirmar nossa
hipótese. Da mesma forma, é para confirmar a hipótese que viramos a terceira carta (o
3): procuravamos um D do outro lado. Mas pense: isso não mudará nada,
independentemente do que estiver do outro lado. A hipótese diz que, se existe um D,
então existe um 3; ela não diz que, se existir um 3, deve haver um D!
A quarta carta, por sua vez, é crucial. Se houvesse um D do outro lado, nossa
hipótese seria refutada. O problema reside justamente no fato de que procuramos
confirmar mais que refutar; portanto, nós a negligenciamos.
Esse pequeno teste divertido foi retomado por pesquisadores em psicologia
evolutiva para mostrar que, se raciocinarmos sobre um exemplo colocando em jogo a
detecção de trapaceiros, o raciocínio se tomará mais fácil.
Vejamos ao que ele recorre para concluir sobre esse assunto.
Explicamos a você que trabalha como responsável pela segurança em um bar.
Esse bar é acessível a jovens menores de 18 anos e a adultos. Entretanto, os jovens não
devem, de modo algum, consumir álcool. Se um jovem de menos de 18 anos fosse
surpreendido consumindo álcool no bar, este perdería no mesmo instante sua licença.
Sua tarefa, como responsável pela segurança do bar, é garantir que nenhum jovem
consuma álcool. Felizmente, cada cliente circula usando, de modo bem visível, uma
carta: em um dos lados, encontramos um número que indica sua idade; no outro, as
bebidas que consome.
Você está no bar e observa as quatro cartas seguintes:

Que cartas você viraria para garantir que a pessoa não está consumindo álcool
ilegalmente?
Observe que, ainda que seja fácil e resolvido por todo mundo, no plano formal,
esse problema é exatamente o mesmo que o precedente. O que isso significa
exatamente continua a ser contestado...11
3.3.4 O efeito Pigmaleão
Na mitologia grega, o rei Pigmaleão, infeliz por não encontrar nenhuma mulher à
altura de suas expectativas, mandou construir uma estátua de mármore representando, a
seus olhos, a mulher ideal (segundo outra versão, ele mesmo a esculpiu). Mas
apaixonou-se perdidamente e sua infelicidade era então, nesse caso, ainda maior. Ao
ver isso, Afrodite, a deusa do amor, veio em seu socorro dando vida à estátua e
fazendo-a apaixonar-se por Pigmaleão.
Podemos ler essa história como uma metáfora das relações do criador com a
criatura, mas também como uma lembrança do papel que podem desempenhar nossas
expectativas na definição do outro.
Bernard Shaw fez desse tema o assunto de uma de suas peças mais conhecidas,
intitulada justamente Pigmaleão. A personagem principal, uma jovem florista,
declara:
Veja, para falar com franqueza, e colocando de lado aquilo que todos podem fazer - como vestir-se e
falar corretamente que a diferença que existe entre uma verdadeira dama e uma florista não é a maneira
como ela se comporta, mas como é tratada. Para o professor Higgins, serei sempre uma florista, pois ele me
trata assim e o fará sempre. Mas, para você, sei que posso ser uma mulher digna, porque você me trata
como uma dama e sempre o fará.12

Devemos dar razão ao mito e ao dramaturgo? É verdade que nossas expectativas


têm esse poder e, se for o caso, em que medida? Os argumentos propostos pelas
ciências sociais incitam a responder sim à primeira dessas questões e a pensar que esse
poder pode às vezes ser imenso. Vejamos dois exemplos, um tirado da sociologia,
outro da psicologia; o último diz respeito, em particular, ao mundo da educação.
O sociólogo Robert K. Merton (1910) publicou em 1948 um ruidoso artigo no
qual sugeria batizar de previsões auto-realizáveis (selffulfillingprophecies) as predições
que se tomam verdadeiras pelo simples fato de serem propostas, nelas acreditarmos e
de as tomarmos como verdadeiras. A Bolsa de Valores pode, sem dúvida, ser tomada
como arquétipo das instituições em que se realizam tais previsões auto-realizáveis.
Tomemos X, que compra, como tantos outros, ações porque pensa que vão
subir; elas sobem efetivamente, pelo fato de as terem comprado - e o inverso.
O psicólogo Robert Rosenthal, por sua vez, trabalhando com ratos em laboratório
aos quais ensina a se orientar em um labirinto, indagou a si mesmo se as crenças e
expectativas dos pesquisadores em relação a seus animais teriam influência sobre o
desempenho desses últimos. Para ter uma resposta, confiou, de modo aleatório,
sessenta animais a 12 pesquisadores, dizendo à metade deles que seus animais eram
bem-dotados e, aos outros, que eram estúpidos. Os resultados obtidos confirmaram de
modo magistral a hipótese de um “efeito Pigmaleão”: os ratos que acreditávamos
dotados progrediram duas vezes mais rápido que os ratos que acreditávamos ser
estúpidos.
Tal efeito podería desempenhar algum papel na educação de seres humanos?
Essa foi a pergunta que Rosenthal se fez em seguida. Para obter a resposta, concebeu
um dos mais célebres estudos de psicologia da educação, tratando justamente das
expectativas dos professores e do desenvolvimento intelectual dos alunos. Os
resultados apareceram em 1968 sob o título Pygmalion en classe.13
O estudo, realizado por Robert Rosenthal e Leonore Jacobson, foi realizado na
Oak School, uma escola do ensino fundamental. A todas as crianças da escola - com
exceção dos formandos assim como às crianças de uma escola maternal que deveríam
ir para a Oak School no ano seguinte, aplicamos um teste banal e pouco conhecido de
inteligência (O TOGA), afirmando que se tratava de um novo teste desenvolvido na
Universidade de Harvard e permitia reconhecer as crianças sob o ponto de vista de um
“grande desempenho escolar”. Depois disso, designamos, ao acaso, um aluno em cada
cinco afirmando que o teste o havia indicado como passível de “grande desempenho”.
A hipótese era evidentemente que fizessem progressos maiores pelo fato de os
professores esperarem mais deles. Essa previsão, então, parece ter sido confirmada no
novo teste efetuado de­pois de transcorrido o ano escolar, em especial para as crianças
mais jovens. De fato, no primeiro ano e segundo a escala de medida utilizada, os
alunos passíveis de se desenvolver mais haviam progredido 2 7,4 pontos; os outros,
apenas 12 pontos; no terceiro ano, os números eram respectivamente 16,5 e 7;
nenhuma diferença significativa foi, entretanto, constatada para as crianças do último
ano.
Em resumo, escreveram Rosenthal e Jacobson, podemos afirmar que, como disse, pela forma como
disse, pelo momento em que disse, por suas expressões faciais, por suas posturas e gestos, o professor pode
ter comunicado às crianças do grupo experimental que esperavam uma melhora de seus desempenhos
intelectuais.14
3.3.5 A experiência de Milgram ou os possíveis resultados perniciosos da submissão cega
à autoridade

Estamos em meados de 1960, na Universidade de Yale. Você respondeu a um


pequeno anúncio de jornal e apresentou-se no laboratório de psicologia para participar
de uma experiência sobre os efeitos da punição na aprendizagem. Outro voluntário
também está presente e um pesquisador de avental branco acolhe-os e explica que um
vai ensinar ao outro séries de pares de palavras e ele deverá punir o que se enganar,
administrando choques elétricos de intensidade crescente. Por um sorteio, você é
designado professor e conduzido para uma sala onde estará o aluno e mostram-lhe a
cadeira na qual ele se sentará; você recebe uma descarga elétrica fraca para saber do
que se trata e está presente quando o aluno se senta na cadeira e lhe colocam um
eletrodo.
Você volta então para a sala vizinha com o pesquisador que o acolheu. Ele o
instala diante do console que operará. Os choques que você dará estarão entre 15 e 450
volts, aumentando a cada 15 volts. As indicações estão escritas ao lado dos níveis:
“Choque leve”, “Choque bastante forte: perigo”. A partir de 435 volts, uma única
inscrição: XXX. Começa a experiência. Toda vez que o aluno se engana, você
administra um choque 15 volts mais forte que o precedente. O aluno queixa-se de dores
aos 120 volts; aos 150 volts, ele pede que parem a experiência; aos 270 volts, ele urra
de dor; e toma-se incapaz de falar aos 330 volts. Você hesita em continuar? Ao longo
da experiência, o pesquisador utilizará apenas quatro injunções para incitá-lo a
continuar: “Queira prosseguir”; “A experiência exige que você continue”; “E
absolutamente essencial que você persista”; “Você não tem escolha, deve prosseguir”.
Você adivinhou: o sorteio estava falsificado, o aluno era cúmplice, um
comediante que fingia sentir dor. Em resumo, era você o sujeito dessa experiência.
Antes de realizá-la, Milgram perguntou a adultos da classe média, a psiquiatras e
estudantes até quanto pensariam que iriam. Perguntou-lhes também até quanto
achavam que os outros o fariam. Ninguém acreditava prosseguir, ou que os outros
continuariam, até 300 volts. Mas, quando a experiência foi realizada com quarenta
homens, com idades entre 20 e 55 anos, 63% foram até o fim, administrando as
descargas de 450 volts.
Os detalhes da experiência, sobre os quais não nos estenderemos aqui, são
assustadores. A experiência de Milgram foi bastante comentada, retomada e discutida.
Mas esse estudo da submissão à autoridade continua a ser uma contribuição
incontestável a nosso conhecimento sobre a natureza da autoridade e seu poder em nos
fazer agir de maneira irracional. A lição que o pensador crítico deve reter é a seguinte:
não aceitar jamais, jamais tomar parte em uma experiência de psicologia na
Universidade de Yale. Não, não é isso. Bem... continuo: é preciso pensar antes de
obedecer, sempre se perguntar se o que nos pedem se justifica, mesmo quando nos
pedem investidos de autoridade prestigiosa.
3.3.6 A experiência de Asch ou os possíveis efeitos perniciosos do conformismo
Você também é voluntário em uma experiência, sendo conduzido a uma sala na
qual se encontram nove cadeiras dispostas em semicírculo. Instalam-no na penúltima e,
pouco a pouco, todos os lugares são ocupados por outros participantes. Lançam-lhe
então duas cartas ao mesmo tempo. Na primeira, está uma linha apenas, de 15
centímetros; a segunda, com três linhas, de 15,20 e 25 centímetros, respectivamente.
Pedem-lhe para indicar que linha da segunda carta corresponde à linha da primeira.
Fácil como tudo! Os participantes situados na outra ponta do semicírculo se
pronunciam antes de você. Perplexidade: eles não respondem de maneira correta.
Todos optam pela linha errada. Na verdade, são cúmplices, mais uma vez. A questão é:
o que você fará quando chegar sua vez de falar?
Também nesse ponto, os resultados da experiência, de modo recorrente, foram
perturbadores. Mais de um terço dos sujeitos uniu-se à opinião do grupo; 75%
reuniram-se pelo menos uma vez.
Moral da história? O conformismo é perigoso e devemos sempre pensar por nós
mesmos. E difícil, às vezes desconfortável, mas indispensável.
Tão logo um ser humano obtém um Ph.D., produz-se um fenômeno estranho em seu cérebro que o
torna incapaz de pronunciar as duas frases seguintes: “Eu não sei” e “Eu me enganei”.
James Randi
Golpes
Os golpes são gestos, documentos ou artefatos destinados a enganar o público. Eles podem ser
inconseqüentes e cometidos com a única intenção de agradar; mas também podem ser mal-intencionados e
destinados a extorquir alguma coisa da vítima, em geral dinheiro: o golpe, nesse caso, é apenas uma
escroqueria. Infelizmente, com freqüência, é o que acontece.
Os golpistas proclamam querer seu bem... e eles inventaram meios bastante numerosos de obtê-lo. É
preciso reconhecer que já demonstraram possuir para isso muita engenhosida- de. Além disso, a primeira
característica de um golpe bem-sucedido é o fato de ser bem elaborado. Com freqüência, os golpistas
investem, com razão, na desonestidade do bobo que eles se dispõem a enganar: é a segunda característica
de um bom golpista. Temos um cenário típico do golpe que permitirá ver em ação esses dois aspectos.
Dois golpistas vão a um bairro onde roubam um cachorro. Um deles apresenta-se no bar com o
animal na coleira. Pede uma bebida e começa uma conversa com o barman. Ele deixa escapar então que esse
cachorro lhe foi deixado como única herança de uma tia rica e velha. Acrescenta que o animal é um fardo do
qual gostaria de se livrar. Explica ainda que veio a esse bairro - o qual não freqüenta - para um encontro de
negócios, no qual deve concluir um contrato lucrativo: mas não pode levar o cachorro. Será que o barman
podería ficar com ele apenas por meia hora? O golpista sai em seguida, deixando o cachorro com o barman.
Seu cúmplice, então, entra. Muito rápido, finge prestar atenção no cachorro, interessa-se e aproxima-se por
fim do barman: que animal magnífico, garante, e de uma raça que, ele mesmo, por acaso, cria. O barman
aceitaria vendê-lo? Pagaria um bom preço por esse animal. Mas o barman garante que não pode vendê-lo: o
animal pertence a um cliente, que deve voltar em pouco tempo. "Eu não tenho tempo", diz o cliente, "mas,
por esse animal, posso aguardar meia hora".
0 tempo passa e o proprietário do cachorro não volta. Passa-se meia hora, depois uma hora: para a
sua tristeza, o cliente que levaria o cachorro deve partir. Ele deixa seu cartão com o barman, encarregando-o
de entregá-lo ao proprietário do animal: ele deverá telefonar para o número que está escrito no cartão se
tiver interesse na transação. Ele sai.
Pouco tempo depois, o proprietário do cachorro retorna. Está triste e abatido. Seu negócio lucrativo
não foi concluído. Garante que terá sérios problemas financeiros e não tem nem mesmo como pagar sua
bebida.
Os golpistas apostam que os acontecimentos se desenrolarão como segue.
O barman sugere ao cliente pagar a bebida e até mesmo ajudá-lo comprando o cachorro. 0 animal
lhe agrada muito: foi-lhe possível constatar pelo período que ficou com ele. Propõe, então, certo valor.
Primeiro, o outro recusa, finge estar indignado: o animal, afinal, é uma herança de família. Depois, negocia.
O negócio é concluído e o cliente parte com o dinheiro da venda. Assim que ele sai, o barman telefona para o
número escrito no cartão do criador: na verdade, esse número não existe.
A Internet forneceu aos golpistas novas possibilidades e abriu à sua engenhosidade as portas de
novos territórios. Quem não recebeu pelo correio uma carta insistente de uma pessoa digna de qualquer país
do terceiro mundo solicitando nosso auxílio para aceder uma conta no banco fabulosamente recheada e
prometendo uma parte da grana alta em troca de nossa ajuda? Mas, para isso, era preciso primeiro adiantar
uma pequena soma, para pagar os falsos encargos. Em casos assim, dar mostras de pensamento crítico pode
economizar muito dinheiro e aborrecimento - quando não a vida.
Veja algumas questões que ajudarão a identificar os golpes enviados pelo correio:
- O texto parece ser redigido pelo autor? Está assinado? Caso contrário, desconfie.
- Encontramos declarações de autenticidade, como: isso não é uma piada, uma lenda urbana ou uma
brincadeira? Se for o caso, desconfie.
- Utiliza letras maiúsculas em excesso? Desconfie...
- Utiliza uma linguagem muito emotiva? Desconfie...
- As informações contidas na correspondência são extraordinárias? Tidas como segredos e
desconhecidas pela maioria das pessoas? São muito belas para serem verdadeiras?
Faz promessas de enriquecimento rápido e sem perigo? De uma cura milagrosa? Desconfie...
- Fornece as fontes? São fidedignas? Caso contrário, desconfie...
- Existe um endereço real para resposta? Em caso negativo, desconfie...
- Fornece o endereço na Internet? Está coerente com o resto da mensagem? Se, por exemplo, a
mensagem for originária de uma instituição e solicitar informações (diga­mos, a senha: não o faça jamais!)
em um site cujo endereço não seja o da instituição em questão: desconfie...
- Verifique na Internet se a mensagem ainda não foi vista e denunciada como golpe.
- Preste atenção em particular à aparência geral da mensagem. Os golpistas esforçam-se para que
seus documentos pareçam autênticos, mas nem sempre conseguem. Por exemplo, a carta do banco pode
conter erros ortográficos estranhos e pouco comuns; a logomarca utilizada pode ser uma simples cópia e isso
se percebe com facilidade etc.
Um site com um repertório de golpes (hoaxes, em inglês): http://hoaxbusters.ciac.org/.

Ao final dessas análises e reflexões, após todas as informações e resultados de


pesquisa examinados, o que pensar do recurso à experiência pessoal na justificativa de
crenças? Penso que passaremos a suspeitar mais dos limites a partir de então e submeto
à sua aprovação a seguinte conclusão, proposta por Schick e Vaughn:
Os limites de nossa experiência pessoal — o caráter construtivo da percepção, da memória, os efeitos
do estresse, o impacto das expectativas e das crenças, a atenção seletiva, nossa dificuldade em avaliar as
probabilidades, a validação subjetiva, os estados alterados de consciência e muitos outros ainda...
conduzem-nos [ao seguinte princípio]:
E razoável aceitar a experiência pessoal como fonte confiável de dados, apenas se não houver razão
para duvidar de sua fidedignidade. Entre as razões para duvidar, estão, além desta que ressaltamos, as más
condições de observação (má visibilidade, falta de luminosidade, estímulos fracos, circunstâncias pouco
comuns etc.) e tudo que limita
fisicamente o observador (álcool, drogas, cansaço, vista ruim, audição etc.) ou que entra em conflito com
outras proposições que temos boas razões para considerar como verdadeiras.15

Esta ultima frase leva evidentemente à seguinte questão: quais são as proposições
com boas razões para considerarmos verdadeiras e, por conseguinte, que saberes são
adequados o suficiente para que possamos ultrapassar os limites do recurso à
experiência pessoal? A ciência empírica e experimental trará uma resposta a essas
questões. Vamos nos debruçar sobre ela neste momento.
Mas, antes, gostaria de concluir esta seção propondo um instrumento de
pensamento crítico bastante útil quando uma proposição “fantástica” é submetida à
nossa aprovação com base em um testemunho: trata-se da célebre máxima de Hume.
3.3.7 Um instrumento precioso: a máxima de Hume

A hipocrisia e a estupidez humanas são fenômenos tão corriqueiros que acredito que
os acontecimentos mais extraordinários nasçam mais com seu concurso do que da
admissão da violação inverossímil das leis da natureza.

Daved Hume
Em um texto intitulado “Milagres”, o filósofo David Hume interveio nos debates
teológicos que agitavam sua época. Ele propôs um argumento admirável para ajudar a
avaliar os pretensos milagres. Esse argumento talvez possa ser aplicado a todas as
afirmações extraordinárias, por ser um dos mais eficazes instrumentos à disposição do
pensador crítico.
As diversas religiões, observa Hume, propõem, todas, milagres como provas de
sua verdade. No entanto, deve-se acreditar nos milagres com base em simples
testemunhos, pois a maioria das pessoas não foi nem testemunha nem “beneficiária”.
Ora, o que é um milagre?
Por definição, explica Hume, trata-se de uma violação, atribuída à vontade
divina, das leis da natureza. Nossa confiança nessas leis da natureza está fundada na
experiência - e, portanto, falível. Mas a testemunha que relata o milagre está, ela
própria, fundamentada na experiência. O que devemos comparar são as respectivas
probabilidades dos dois eventos: primeiro, a probabilidade de que tenha havido
violação das leis da natureza; e segundo, a probabilidade de que o testemunho (ou
outro transmissor da informação) tenha se enganado ou tentado nos enganar. Tão logo
pensemos no problema dessa maneira, que é boa, concluímos que a segunda hipótese é
a mais plausível. Na verdade, podemos invocar em seu favor muitos fatos apreendidos
por intermédio da experiência, como a fragilidade do testemunho de nossos sentidos, a
contradição das testemunhas, a incoerência entre as alegações de milagres das diversas
religiões (que não podem ser todas simultaneamente verdadeiras), o desejo de se
maravilhar e acreditar, o prazer de se crer escolhido como testemunha de um milagre, o
desejo de enganar e assim por diante.
Passemos a palavra a Hume:
Um milagre é uma violação das leis da natureza e, como uma experiência sólida e inalterável
estabeleceu suas leis, a prova que opomos ao milagre, pela própria natureza do fato, é tão completa quanto
todos os argumentos empíricos possíveis de imaginar. Porque é mais provável que todos os homens devam
morrer, que o chumbo não possa permanecer sus­penso no ar, que o fogo consuma a madeira e seja apagado
pela água, senão porque os eventos se revelam de acordo com as leis da natureza e que seja necessária a
violação das leis da natureza, ou em outras palavras um milagre, para impedi-los? Para que um
acontecimento seja considerado milagroso, é preciso que jamais aconteça no curso habitual da natureza.
Não é milagre que um homem, aparentemente com boa saúde, morra de repente, porque esse tipo de morte,
ainda que bem mais rara que outras, tem, no entanto, sido vista com freqüência. Todavia, é um milagre que
um homem morto volte à vida, pois esse evento jamais foi observado, em nenhuma época, em nenhum país.
E preciso, porém, que exista uma experiência uniforme contra todo o evento miraculoso, ou o evento não
merece ser chamado de milagre. E, como uma experiência uniforme equivale a uma prova, existe nesse caso
umaprova direta e completa, proveniente da natureza dos fatos, contra a existência de um milagre qualquer.
Apenas uma prova contrária, superior ao milagre, pode fazer acreditar no milagre e tomar indestrutível a
prova de sua existência.

A conseqüência evidente (e uma máxima geral que merece nossa atenção)


consiste em: “Nenhum testemunho é suficiente para estabelecer uni milagre, a menos
que o testemunho seja de tal forma que sua falsidade seja mais milagrosa que o fato
que desejamos estabelecer; e, mesmo assim, existe uma destruição recíproca de
argumentos, e apenas o argumento superior que nos dá uma garantia adaptada a esse
grau de força que permanece, dado o desconto da força do argumento inferior.”
Quando alguém me diz que viu um morto voltar à vida, considero imediatamente, para
mim mesmo, que é mais provável que essa pessoa esteja me enganando, ou esteja
enganada, ou que o fato que ela relata tenha realmente acontecido.
Eu avalio os dois milagres e, de acordo com a superioridade que descubro, tomo minha decisão e
rejeito sempre o maior milagre. Se a falsidade de seu testemunho fosse mais milagrosa que o evento
relatado, nesse caso, e apenas nessa circunstância, essa pessoa podería pretender comandar minha crença e
minha opinião.16

Esse argumento pode e deve ser generalizado, pois existe um campo de aplicação
bem maior que apenas os milagres confrontados com as leis da natureza. Jean
Bricmont assim reformula o que poderiamos chamar de “Máxima de Hume ampliada”:
Deve-se [...] fazer a seguinte pergunta aos cientistas, assim como aos adivinhos, astrólogos e
homeopatas: que razões me dão para acreditar que a veracidade de sua proposição é mais possível que o
fato de estarem enganados ou me enganarem? Os cientistas podem responder invocando experiências
precisas como — o que é mais evidente para o profano — as aplicações tecnológicas que suas teorias fazem
surgir. Mas, para os outros, a resposta não existe.

Além disso, a questão também é levantada por Hume: como confrontar o problema colocado pela
multiplicidade das doutrinas fundadas em ar­gumentos de tipo miraculoso? Se devo acreditar na homeopatia,
por que não acreditar nas curas pela fé que possuem a mesma eficácia do outro lado do Atlântico que a
homeopatia entre nós? Por que aderir de prefe­rência à nossa astrologia que à do Tibet ou da índia? Todas as
crenças estão fundadas em testemunhos que são igualmente válidos e, por conse­guinte, igualmente
inválidos. Ou, dito de outro modo, todos os que nos parecem crédulos em nossas sociedades são muitas vezes
bastante céticos quando lhes falamos de crenças provenientes de além-mar. Sua posição é inconsistente, pois
as razões que justificam o ceticismo contra crenças exóticas, eles não aplicam às que lhe foram inculcadas na
infância ou são difundidas em seu ambiente imediato.17

Carl Sagan, por sua vez, propôs o corolário seguinte, e trata-se ainda de uma
máxima de ouro: “As afirmações extraordinárias exigem provas que são, elas mesmas,
extraordinárias.”18
Capítulo 4 A ciência empírica
e experimental
Não é tanto o que o cientista crê que o distingue senão como e por que ele crê.

Bertrand Russell
Se aprendi alguma coisa ao longo de minha vida, é que toda a nossa ciência,
confrontada com a realidade, parece primitiva e infantil — no entanto, é o que
possuímos de mais precioso.

Albert Einstein

A substituição da noção de que os fatos e os argumentos possuem importância pela


idéia de que tudo não é senão uma questão de interesses pessoais e de perspectiva é -
depois da política externa americana — a mais característica e perigosa manifestação
de antiintelectualismo de nosso tempo.

Larry Laudan
INTRODUÇÃO
A ciência ocupa um lugar importante, mas singular em nossa cultura. Por um
lado, não existe aspecto de nossa vida que não tenha sido influenciado por ela — mais
exatamente pelas tecnologias advindas da ciência. Por outro lado, seus resultados,
conceitos e métodos parecem ter penetrado muito pouco nas consciências e ainda
permanecem bastante estranhos ao grande público.
Isso explica, talvez em parte, o fato de que sempre existem crenças pseudoci-
entíficas e mesmo anticientíficas em abundância, cuja persistência e propaga ção
continuam, sob muitos aspectos, ainda bastante enigmáticas. Paradoxalmente, não é
raro ver partidários dessas pseudociências invocarem a seu favor ciência e
racionalidade logo depois de desacreditá-las. A ciência é redutora e opressiva, dirá o
astrólogo; mas a astrologia, pelo menos a sua, é uma ciência.
Finalmente, a própria racionalidade, essa que a ciência se esforça precisa­mente
por implementar, é hoje objeto de ataques em certos meios... intelec­tuais e acadêmicos.
Em geral, a ciência e a razão são, nesse caso, tidas como máscaras ideológicas sórdidas
que abrangem diversos domínios - ocidental, machista, capitalista etc. Uma
"construção social” e política simples, sem nenhum acesso privilegiado à verdade,
decorre às vezes de tais análises sobre a formação de um relativismo que auxilia
doutrinas paranormais e esotéricas segundo as quais a ciência não é senão um discurso
entre outros. Tal conclusão justifica-se, de bom grado, pela enorme dificuldade (que se
faz passar por impossibilidade) de enunciar com precisão e de maneira filosoficamente
satisfatória o que é a ciência, como funciona e como seus resultados são obtidos e
verificados - todas as tarefas a que se propõe cumprir, mas sem conseguir totalmente,
uma disciplina chamada epistemologia (do grego episteme, saber e logos, discurso,
estudo; a epistemologia é o estudo crítico da ciência, de seus princípios, métodos e
conclusões).
As terríveis dificuldades da epistemologia
No infêio do século XX, refletindo, com razão, que a ciência era um empreendimento racional, os
pensadores acreditaram também, por vezes de forma equivocada, que a (nova) lógica formal associada a
uma teoria empirista da origem e da justificação do conhecimento seria suficiente para descrever e explicar
plenamente a racionalidade. Eles deviam saber que não era esse o caso. Para lhe mostrar o tipo de terríveis
dificuldades que podemos encontrar na epistemologia, considere o seguinte exemplo, chamado paradoxo de
Hempel.
Como os cientistas concluem que uma proposição é (provavelmente) verdadeira?
Pergunte a respeito desse assunto a cientistas pouco versados em epistemologia e eles, de modo
geral, lhe responderão que os dados reunidos conferem probabilidade crescente a uma proposição: "Para
começar, uma proposição é afirmada (nesse caso, pouco importa como) a título de hipótese. Os dados então
são reunidos (mais uma vez, não faz diferença como). Se confirmarem a hipótese, sua probabilidade
aumenta. Caso contrário, diminui."
O senso comum encontra-se com facilidade nessa descrição, que um exemplo célebre, envolvendo
corvos, permite apreender melhor.
Nossa hipótese será que todos corvos são negros. Suponhamos a observação de um corvo que
tenhamos constatado ser negro; essa observação confirma a hipótese. Devemos tomá-la como verdadeira?
Com certeza não, é evidente, pois um só corvo não permitiría uma generalização sobre todos os corvos.
Pressentimos, sem dúvida, a dificuldade: um número finito de observações, mesmo que enorme, não
podería jamais, em toda lógica, permitir, de modo algum, uma generalização sobre todos os corvos. Mas
deixemos isso de lado no momento. 0 importante é que essa ob- seivação de um corvo negro parece mesmo
conferir certa plausibilidade à hipótese de que todos os corvos são negros, plausibilidade essa que
aumentará com as observações de outros corvos que também apresentarem a característica de ser negros.
Um paradoxo surpreendente esboça-se - e ele foi estudado pelo lógico e filósofo Carí Hempel. Esse
paradoxo coloca em questão a concepção intuitiva da confirmação que acabo de descrever.
Hempel utiliza uma lei lógica do cálculo das proposições, chamada contraposição. Essa lei é bastante
fácil de compreender: diz, simplesmente, que a proposição "Se isso, então aquilo" é logicamente idêntica à
proposição "Se não isso, então não aquilo". Não é claro o bastante? Vejamos mais de perto. Partamos da
proposição condicional, como dizem os lógicos: "Se P, então Q"; para um exemplo mais concreto, digamos:
"Se chove, então a calçada está molhada." Sua contraposição seria "Se não Q, então hão P"; portanto: "Se a
calçada não está molhada, então não está chovendo."
Voltemos a nosso corvo. Nossa hipótese diz: "Se algo é um corvo, então é negro." Sua contraposição
é: "Se algo não é negro, então não é um corvo." Ora, como essa contraposição é logicamente idêntica à
proposição de partida, toda observação qiiê confirma uma deve necessariamente confirmar a outra. Para
compreender rnelhõr, imaginemos uma caixa contendo meias. Essa caixa está situada no alto de seu guarda-
roupa e não é possível ver o interior: você deve contentar-se em retirar as meias uma a uma para observá-
las. Então, procura verificara hipótese de que toda meia negra possui tamanho 9. E retira, nesse momento,
uma meia da caixa: ela é negra e o tamanho é 9. A hipótese está confirmada. Retira uma nova meia: ela é
azul e o tamanho é 7.0 que você concluiu?
0 paradoxo de Hempel surge neste ponto. Como a proposição: "Todos os corvos são ne­gros" é
equivalente a "Todo objeto não-negro é um não-corvo", parece que devemos chegar à conclusão de que a
observação de uma rã verde confirma que todos os corvos são negros! De fato, precisamos concluir que toda
observação de um objeto qualquer, desde que não seja negro, confirma que todos os corvos são negros!!!

Mas não é estranho poder concluir, ao final do que parece uma lógica inatacável, que possamos
praticar ornitologia diretamente da cozinha ao observar, digamos, utensílios multicoloridos? Se for verdade
que acabamos de simplificar de modo considerável o trabalho dos ornitólogos, que não mais necessitam se
deslocar para praticar sua ciência, que preço devemos pagar por essa simplificação! Porque nossas
preocupações não param aí. Como meus astutos leitores terão identificado, a observação de uma rã verde
confirma não apenas que todos os corvos são negros, mas também, com a mesma lógica implacável, que
todos os corvos são brancos.
O drama de certa epistemologia atual, francamente irracional, é que, ao constatar que suas
tentativas de reconstrução da racionalidade da ciência fracassaram, os "teóricos", às vezes pouco
aparelhados para refletir acerca da ciência, têm concluído de modo equivocado que ela não é um
empreendimento racional.
Expus minha posição sobre essas epistemologias irracionais em: "Contre le charlatanisme
universitaire", Possibles, v. 26, n2 2, verão de 2002, pp. 49-72.

Adivinhamos: as questões que a ciência (e a pseudociência) levanta são


numerosas e complexas, e será impossível abordar todas neste livro ou mesmo tratar de
algumas delas a fundo. Esta obra, mais modesta, gostaria de proporcionar àqueles que
desejarem adotar um ponto de vista crítico em relação à ascendência das
pseudociências algumas balizas para começar a enfrentá-las, assim como alguns
instrumentos de autodefesa intelectual. Você terá, desse modo, meios de exercer um
julgamento crítico diante das pesquisas científicas, das extravagantes teorias
epistemológicas que não deixará de encontrar caso se aventure por essas águas e, por
fim, diante de bizarras ou extraordinárias “teorias” que lhe serão propostas.
Farei um procedimento em quatro tempos.
Para começar, gostaria de dar uma pequena idéia, simples, mas muito concreta,
do que fazem os cientistas quando tentam provar hipóteses. Com efeito, a ciência é,
entre outras, uma maneira de colocar os problemas e interrogar o real para encontrar
nele as respostas. Com esse propósito, apresentarei três conceitos que deveriam
dominar: a experimentação com controle de variáveis, a experimentação com grupo de
controle e a experimentação com duplo-cego.
Continuemos com alguns esclarecimentos conceituais sobre a idéia de ciência.
Procurei uma definição de ciência empírica ou experimental, assim como definições de
outros conceitos necessários ao aprendizado da epistemologia.
Ao lhe propor uma série de perguntas a serem feitas, darei em seguida as balizas
que serão úteis para analisar a validade dos resultados da pesquisa apresentados.
Enfim, a última parte deste capítulo apresenta um modelo que ajudará a avaliar
as teorias bizarras que os adeptos da paranormalidade ou do esoterismo nos pedem
para aceitar, e isso com uma freqüência que parece não indicar nenhuma redução.
4.1 A CIÊNCIA E A EXPERIMENTAÇÃO
Imagine que você seja o chefe de uma organização como a de Randi, da qual
falei anteriormente. A Fundação Cassetete promete um prêmio de $50.000 a quem quer
que demonstre ter poderes paranormais ou ocultos. Estabeleçamos outra convenção:
você mesmo, do próprio bolso, pagará todo eventual ganho.
Justamente esta manhã, você recebeu a carta de um candidato. Esse homem
pratica a rabdomancia: ele é um pesquisador de nascentes.
A carta menciona que, com a ajuda de um pedaço de madeira comum
(tradicionalmente de aveleira), é possível localizar água sob a terra. Com efeito,
explica, quando passeia tendo na mão sua vareta, esta começa a se mexer de repente,
de maneira perceptível. Esse é o sinal de que a água encontra-se sob os seus pés; se
cavarmos nesse local, encontraremos água com certeza.
Seu correspondente espanta-se com o prêmio - e espera que isso não seja uma
farsa-, mas alegra-se de poder ganhá-lo. Ele compreende que você precisa de provas
antes de fazer o cheque, mas, no caso da radiestesia, uma arte muito antiga, elas não
faltam. Todas as sociedades a praticaram e a reconhecem desde a noite dos tempos: é
assim que funciona!
No que lhe diz respeito, durante a sua longa carreira, isso possibilitou a
instalação de quase 15 poços. Ele acrescenta na carta a relação dos proprietários de
terras que possuem poços graças a ele e às suas varetas, e poderão, todos, testemunhar
a seu favor. O correspondente lhe lembra, aliás, que é bastante conhecido entre os
habitantes das redondezas e que todos sabem que ele é um pesquisador de nascentes, e
lhe chamam todas as vezes que devem escavar poços, além de sempre obter êxito por
meio de sua arte. Segue o endereço, para o qual pede que o cheque seja enviado o mais
rápido possível.
Você pagará?
Você lhe exigirá, com certeza, provas e com razão.
Prossigamos de forma ordenada.
Seu correspondente apresenta argumentos para sustentar uma conclusão. A fim
de refletir com clareza, você deve primeiro determinar com precisão qual é essa
conclusão, porque nisso reside a tese que ele
mantém e em favor da qual argumenta. Você deve verificá-los em seguida e determinar
se são válidos.
O candidato parece afirmar que o poder de detectar água com a ajuda de uma
vara de madeira existe, e que ele mesmo possui esse poder. Invoca em favor dessa
conclusão que essa arte é praticada há muito tempo e que ele a exerce com sucesso.
Você deve contentar-se com isso e pagar-lhe? Claro que não. Primeiro, a tese que o
homem sustenta não é clara: Onde? Quando? Como? Em que condições? Assim que
lemos, surgem muitas questões. Você sabe perfeitamente que, ao contrário, fatos
conhecidos e considerados verdadeiros por indivíduos, grupos ou sociedades
revelaram-se falsos. Sabe também com que facilidade as pessoas podem se iludir,
enganar, ver mal, lembrar mal, julgar mal etc. E ainda que falsos testemunhos são
sempre possíveis.
Refletindo sobre tudo isso, você decide perguntar. Encontra dez testemu­nhas
entre as nomeadas pelo candidato. Elas parecem fidedignas e todas indicam que ele
encontrou o lugar dos poços. Nesse caso, você pagaria?
Não deveria. Se for prudente, você diria que, mesmo sendo verdade que ele
tivesse indicado de forma correta onde se encontrava a água em todos esses casos,
outros fatores poderíam estar em jogo. Você não pode excluir, por exemplo, que ele
tenha encontrado água apenas por acaso. Ou ainda que havia água por toda parte no
terreno em que procurava, em diversas profundidades. Além disso, que ele é bastante
hábil, conscientemente ou não, para perceber os indícios que permitem pensar de
forma razoável que exista água em determinado local.
Como você não pode excluir tais explicações, e todas elas dão conta daquilo que
observamos além das razões expostas pelo pesquisador de nascentes, você desejaria
então, antes de entregar o pagamento ao candidato, certificar-se de que esses fatores,
além de outros, não explicam seu aparente sucesso. Conforme o raciocínio de Ockham,
você desejaria buscar a explicação mais econômica, a que o faz postular o mínimo de
entidades possível: por que fazer intervir um poder estranho, e até desconhecido,
quando fatores simples e bastante conhecidos são suficientes para explicar aquilo que
observamos?

Um raciocínio poderoso

Pluralitas numquam est ponenda sine neccesitate. Isso significa: "A pluralidade não deve ser
postulada sem necessidade" ou ainda "Não devemos multiplicar os seres sem necessidade". Essa máxima foi
atribuída a Guillaume d'Ockham (por volta de 1285-1349), monge fran- ciscano que foi o mais importante
filósofo de seu tempo. Excomungado pelo papa João XXII, Ockham respondeu com um tratado demonstrando
que o papa era herege.
Conhecido sob o nome de "raciocínio de Ockham", esse princípio tornou-se um dos principais aportes
do pensamento medieval ao pensamento crítico. Enquanto isso, há dúvida de que o monge tenha aderido ao
uso que o pensamento moderno faria de seu célebre raciocínio. No ponto de partida, o princípio da
parcimônia é utilizado no contexto da Querela dos Universais; Ockham (assim como outros) a colocou a
serviço da tese nominalista. Mas, no pensamento moderno, o raciocínio de Ockham toma-se um princípio de
parcimônia ou de economia. Esse princípio, metodológico e ontológico, recomenda encontrar a explicação
mais simples, sustentar a tese em que postulamos o mínimo possível de entidades. Bastante útil nas ciências,
esse princípio também está presente no exame das pretensões de certos pa- racientistas. Não podemos
provar a inexistência de visitas de extraterrestres, e digamos, que tenham construído as pirâmides do Egito
ou erigido as estátuas da ilha de Páscoa; mas, se conseguirmos dar conta desses fenômenos sem a
interferência de marcianos, essa explicação, mais simples, deve ser privilegiada.

Ao refletir sobre tudo isso, talvez você sinta necessidade de definir que
afirmação deve testar, e quais as condições exatas do teste, além dos resultados que
possam confirmar a validade da afirmação de partida. Acompanhou? Você começa a
perceber as dificuldades que se colocam quando procuramos elaborar um método? E,
nesse caso, pensa o problema como fazemos nas ciências. Observe que podemos dizer
— e é bastante verdadeiro - que essa forma de raciocinar e de procurar como testar
uma idéia, que é a da ciência, é essencialmente o modo de pensar do mais comum dos
mortais diante de problemas corriqueiros. A única diferença agora é fazer com rigor
raro e de maneira obstinada.
Vemos que essa noção de experimentação abriga um princípio bastante simples.
Em resumo, deve-se procurar verificar se o que foi alegado é real, está presente,
verifica-se etc. Mas, com os fatos, o procedimento pode ser bastante complexo,
basicamente porque é difícil observar e porque é preciso certificar-se de que o que está
em ação é aquilo que supomos estar presente no que observamos. Isso às vezes é
surpreendentemente complexo.
Examinemos três modalidades de verificação experimental, que nos permitirão
conhecer determinadas dificuldades e nos mostrarão também as formas de tentar
ultrapassá-las. Trata-se da experimentação com controle de variáveis, da
experimentação com grupo de controle e da experimentação em duplo-cego. Acredito
que isso dará uma idéia bem exata do que fazem os cientistas. Depois disso, tentaremos
definir o próprio conceito de ciência de maneira mais precisa.
4.1.1 Experimentação com controle de variáveis

Voltemos à nossa radiestesia.


Desejamos limitar ao máximo possível as outras explicações plausíveis sobre os
resultados e constatar se foram sempre produzidos nessas condições. Para isso,
poderemos realizar uma experimentação com controle sistemático de variáveis.
Randi, como muitos outros antes e depois dele, testou justamente os
pesquisadores de nascentes. O protocolo escolhido, e aceito pelos pesquisadores de
nascentes testados, foi o adiante explicado. No campo e em um terreno aparentemente
sem indícios da presença de água medindo 10 metros por 10 metros, enterramos, a 50
centímetros sob a terra, três canos de plástico partindo de um ponto A até um ponto B
por trajetos diferentes. A água circulava em um único cano por vez. E a corrente fluvial
foi acordada com os pesquisadores. Eles deve­ríam, com a ajuda de suas varinhas,
determinar o trajeto da água e indicá-lo com a ajuda de estacas. O protocolo previa o
que seria considerado sucesso ou fracasso - por exemplo, medir a que distância do cano
deveria estar a marca a ser considerada, Entregamos trinta estacas a cada candidato.
Cada pesquisador de nascentes tinha direito a três tentativas. Passemos aos outros
detalhes do protocolo, mas observemos que, dessa maneira, é possível fazer análises
estatísticas. Apenas ao acaso, não importa quem deixará certo número de boas marcas.
Os pesquisadores de nascentes devem então acertar mais do que fariam ao acaso, para
que possamos pensar que existe algo em seus desempenhos. Antes do teste, esses
pesquisadores declararam por escrito sua concordância com as condições e sua
confiança em passar na prova com êxito total - afirmando mesmo estar convencidos de
poder localizar de forma correta (quase) todas as estacas.
Enquanto isso, não se fizeram análises estatísticas quando Randi testou quatro
pesquisadores de nascentes na Itália, entre 22 e 31 de março de 1979.10 primeiro
localizou de modo correto uma em trinta estacas, depois duas em trinta; em seguida,
abandonou e escolheu retomar seu primeiro percurso como terceira tentativa, o que lhe
permitiu localizar seis dos trinta pontos. Foi, portanto, um fracasso.
O segundo situou corretamente duas estacas das 58 indicadas por ele. O terceiro
desistiu antes de começar.
O último acabou ele mesmo com o teste.
Randi não fez nenhum cheque nesse dia.
Provas similares efetuadas com pesquisadores de nascentes quase sempre
chegam ao mesmo resultado. O que isso significa? Primeiro, que é necessário
desconfiar de simples testemunhos; em seguida, que o poder pretendido não se
manifestou - o que não quer dizer que tenhamos demonstrado que ele não exista;
enfim, seria interessante procurar explicar o que acontece quando os pesquisadores de
nascentes praticam sua arte. Eles talvez encontrem água porque existe, de qualquer
maneira, mas como explicar o movimento da varinha?
Para dizer-lhe tudo, a explicação mais plausível desse fenômeno consiste no fato
de estarmos na presença de um efeito ideomotor. Grosso modo, por (auto) sugestão, o
sujeito realiza minúsculos movimentos involuntários e inconscientes. 0 mesmo tipo de
instrumento que os pesquisadores de nascentes utilizam (um ramo em Y que seguram
pelas extremidades do Y, a haste inferior, que “reage” quando apontada diante deles)
convida a pensar: esse tipo de comportamento decorre do fato de a varinha ser bastante
instável e reagir fortemente, porque amplifica os mais insignificantes e pequenos
movimentos dos punhos.
Mas você tem outro candidato. Vejamos do que se trata agora.

4.1.2 Experimentação com grupo de controle


A pessoa que reivindica o prêmio inventou iima. pirâmide eletromagnética
rústica. Ela anexa uma fotografia. Vemos algumas pontas de metal que compõem de
fato a forma de uma pirâmide. O candidato explica que essa pirâmide recolhe energia
cósmica dos grandes mestres egípcios e é capaz de realizar grandes feitos. No
momento, ele descobriu em especial que ela prolonga a vida de seu bar beador, a
energia em questão preserva e restaura de modo miraculoso as lâminas. Ele garante que
uma lâmina que antes durava dez dias pode agora ser utilizada por vinte dias.
Você pagaria?
Tem razão em pedir provas. Afinal, de acordo com as evidências, se esse
inventor tem razões para crer em seu produto, você não tem nenhum motivo para
pensar que essa possível energia exista. E pode então refletir, de modo racional, que é
bem provável que o homem se barbeie por mais tempo com uma lâmina que também
esteja tão usada quanto estaria antes, mas que imagine estar em melhores condições.
Você possui, além disso, um amigo cético que obteve, para se divertir, a mesma
pirâmide. Ele não constatou nenhuma diferença. Nesse ponto, mais uma vez, suas
convicções talvez tenham agido contra a detecção do efeito presumido da pirâmide.
Seria necessário um meio de comparar o estado no qual se encontram duas
lâminas idênticas após o uso, em todos os pontos semelhantes, com uma exceção: a
primeira lâmina seria conservada na pirâmide, enquanto a outra não. De modo que
poderemos pensar que, se fosse observada uma diferença substancial, então a pirâmide
teria agido. Observe que seria necessário esse tipo de teste em mais de duas lâminas.
Na verdade, você não desejaria que tivéssemos por acaso mantido melhor ou pior uma
lâmina que as outras. Para eliminar esses efeitos do acaso, consideraremos então um
grande número de lâminas.
Numerosos e difíceis problemas técnicos e metodológicos não tardarão.
Deveremos, por exemplo, garantir que os dois grupos (as lâminas sob a pirâmide e as
que não estiverem sob ela) são idênticos, que se tratam de amostras tomadas ao acaso e
em número suficiente. Com lâminas, é bastante fácil, mas suponhamos que se trate de
um estudo com seres humanos. Constituir tais amostras não é tarefa fácil. Deve-se
também poder garantir que os tratamentos dispensados aos dois conjuntos sejam
idênticos em todos os pontos — com exceção da exposição à pirâmide, com certeza.
Devemos, enfim, dispor de uma medida objetiva do desgaste das lâminas.
Admitamos que você consiga atender a todas essas condições. Terá, então, o que
chamamos de experimento com grupo de controle. Esse é um dos mais elevados
padrões da ciência e uma de suas glórias. Você logo compreenderá um pouco o
princípio, creio, que é simples: constituímos dois grupos - um experimental, outro de
controle. Eles são idênticos, com exceção do tratamento fornecido (o grupo
experimental) que o outro não recebe (grupo de controle, ou testemunha). Em seguida,
comparamos os resultados e analisamos as diferenças com a ajuda de técnicas
estatísticas, que permitem determinar se a diferença observada é real e significativa e
em que medida.
Nesse tipo de estudos, insisto, deve-se dispensar grande atenção à constituição
dos grupos. Se não forem idênticos, poderemos suspeitar que outro fator além do
tratamento tenha influído nas diferenças observadas. Considere, por exemplo, a
seguinte pesquisa em educação, publicada em uma revista renoma- da, bastante citada
na literatura e uma das fontes da reforma da educação atualmente em curso em
Québec. Ative o detector de tolices (ver Carl Sagan) na descrição das razões para ver
por que talvez ela não seja válida:
Dez classes do segundo ano participaram de um projeto com um ano de duração. A instrução dada
era, de modo geral, compatível com uma teoria socioconstrutivista do saber e com recomendações recentes
do National Council ofTeachers of Mathematics (NCTM). Ao final do ano escolar, comparamos os resultados
dessas dez classes com o de oito classes que não haviam participado do projeto; a comparação foi feita com
a ajuda de um teste padronizado e de instrumentos concebidos para avaliar a habilidade em cálculo, o
desenvolvimento conceituai em aritmética, os objetivos pessoais dos alunos, assim como suas opiniões
quanto ao que explica o sucesso na matemática.
Os alunos desse estudo freqüentavam três escolas, que compreendiam cada uma classes que
participavam do projeto e outras que não participavam. A razão classes-projeto em relação às classes não-
projeto nessas escolas eram respectivamente 5/2, 3/2 e 2/4. A direção de cada uma das escolas determinou
de maneira heterogênea os alunos para as classes do segundo ano, com base nos resultados obtidos na
leitura. Essas escolas atendiam uma população quase exclusivamente branca proveniente de um grande
leque do meio socioeconômico. Dez professores do segundo ano apresentaram-se como voluntários para
fazer parte do projeto e utilizar as atividades previstas para o ensino. Os professores dos grupos que não
participaram do projeto utilizaram o manual do segundo ano de Addis- son-Wesley (1987) para o ensino.
Todos ensinaram matemática cerca de 45 minutos por dia.2

Encontrou? Bravo! De fato, ao confiar as classes do grupo experimental a


voluntários, você garante que os grupos não serão comparáveis. A razão é evidente:
não controlamos as possíveis tendências e as pessoas que se apresentaram como
voluntários para essa pesquisa estão, por definição, particularmente interessadas e
motivadas. Portanto, obterão, com certeza, resultados provavelmente melhores que
seus colegas menos motivados, não importa o método de ensino utilizado. Como não
podemos excluir a ação desse fator, a pesquisa então não possui valor científico.
A experimentação com grupo de controle é utilizada sempre que podemos — por
exemplo, para avaliar tratamentos médicos. Para controlar tendências, nesse caso,
todas as pessoas recebem um tratamento (por exemplo, uma pílula idêntica), mas sem
saber se fazem parte do grupo de controle ou do grupo experimental. Os que estão no
segundo grupo recebem o medicamento; os outros não recebem — tomam, por
exemplo, uma pílula de açúcar, ou placebo (do latim, que significa eu agradarei).
Mas outro correspondente acaba de entrar em contato com você. Dessa vez
parece sério. Isso se passa na Europa e trata-se de um cavalo chamado Hans.
Mantenha-se firme: o cavalo sabe contar, fornecer datas e realizar um monte de outras
tarefas realmente fabulosas! Isso não é um bom presságio para a sua conta no banco...
Seu correspondente diz que pesquisadores sérios testaramHans e não conseguiram
compreender o que se passa com a ajuda de explicações comuns: nenhum truque,
nenhum engano, nada. Hans responde 12 batendo 12 vezes o casco quando seu dono
pede para somar seis e seis! Portanto, é preciso crer que Hans é um cavalo sábio. Com
certeza, você deveria tirar seu dinheiro! Mas, antes de pagar ao proprietário do cavalo,
decide ver por si próprio.
A história desse cavalo chamado Hans, o Astuto (Clever Hans) é real, fascinante
e rica em ensinamentos metodológicos?
4.0.3 Experimentação em duplo-cego
Você reflete sobre um teste que fez no ano passado. Tratava-se de um grupo de
policiais convencidos de poder conversar com os mortos por intermédio de um jogo
chamado Oui Ja.
Você lembra que se tratava de um simples tabuleiro de jogo, liso, sobre o qual
figuravam letras e números. Um participante repousava as mãos em uma pequena
prancheta colocada em cima de três pequenos pés e, então, deslizava com facilidade na
superfície do jogo. Ele fazia uma pergunta a um morto e a placa deslocava-se sozinha,
como diz o jogador: ela vai assim, na ordem correta, em cada uma das letras que
compõem a resposta do morto 1
- Caporal Leclerc, seu maior arrependimento? — pergunta o policial.
- Os cassetetes. Ainda mais que das capas de prego para pneus, meu tenente'.
Você pensou então que o efeito ideomotor poderia explicar o que havia
observado e teve uma boa idéia a fim de verificá-lo. Se o interlocutor desloca a
prancheta como afirma o jogador, como pensou, ele ainda responderá de maneira
correta mesmo se o participante não souber a resposta ou não enxergar jogo.
Suponhamos, por exemplo, que coloquemos uma venda em seus olhos. Segundo sua
afirmação, isso não deveria alterar o resultado e o “morto” continuaria a dar uma boa
resposta com a ajuda da prancheta. Suponhamos ainda que o policial que interroga não
fale grego antigo e pretenda dirigir-se a Platão: poderiamos pedir a alguém que fizesse
as perguntas a Platão em grego antigo, língua que falava muito bem, e pedir-lhe para
responder nessa língua. (Você terá então observado que seria preciso pedir a todos que
se comunicam com extraterrestres ou todos os tipos de espíritos dotados e poderosos
para voltar de tempos em tempos com declarações precisas, verificáveis e
surpreendentes, e não apenas com as pomposas e vagas generalidades que proferem
sempre.) Testados dessa maneira, para a sua grande surpresa, os policiais haviam
lamentavelmente fracassado: eles responderam com seqüências de letras sem
significado e produzidas ao acaso.
No mês seguinte, você foi convidado a testemunhar em um processo que
envolvia os pais de uma criança autista. Eles acusavam uma terapeuta de prática
fraudulenta de medicina e de lhes haver tomado dinheiro dando-lhes falsas esperanças.
A terapeuta pretendia poder comunicar-se com a criança autista por intermédio de um
teclado de computador. A criança, que ela segurava pela mão, teclava as respostas às
perguntas. Ela dizia, por exemplo, amar muito seus pais, lamentar estar encerrada em
seu corpo daquela maneira etc. Imagine a emoção... Algo semelhante seria realmente
fantástico. Mas os pais começaram a duvidar. Chamado a testemunhar, você se
lembrou de sua experiência com a brincadeira do copo Oui Ja e a convidou a fazer o
teste com maior rigor. Também nesse caso, quando se faziam perguntas à criança cuja
resposta apenas ela pudesse conhecer, o efeito extraordinário não mais se produzia.
Você imagina então que, para testar Hans, talvez fosse necessário um método
desse tipo. Afinal, o cavalo observava movimentos, hesitações e mordidas de lábios de
seu mestre e os interpretava corretamente, assim como tantos outros sinais de que
deveria parar de bater o casco. Você idealiza um teste com base nessa idéia. Acertou
em cheio! Hans é um cavalo extraordinário, mas pelas razões que imaginávamos. De
fato, não é necessário supor que ele conheça álgebra para explicar seu comportamento.
Você concebeu o que chamamos de experimentação em duplo-cego. Supo­nhamos
que se trata de testar um medicamento: não apenas as pessoas ignoram que fazem parte do
grupo experimental ou do grupo testemunha (no caso de simples-cego), mas aquele que
realizar o teste (administrar os medicamentos ou o placebo às pessoas) ou que avaliar
os resultados também ignorará para que, mesmo que de forma involuntária, não forneça
aos participantes indícios que possam influenciar os resultados.
As indicações precedentes apenas tocam em um assunto bastante vasto. Espero
que tenha dado uma pequena idéia do que significa adotar uma atitude e uma
metodologia científicas. Na verdade, a ciência caracteriza- se em particular por esse
esforço de procurar pública e sistematicamente conhecer o mundo que tentei fazer-lhe
compreender.
Todavia, entendemos como ciência muitas outras coisas além de uma simples
orientação metodológica. Tentemos no momento esclarecer um pouco tudo isso.
4.1 CIÊNCIA E EPISTEMOLOGIA

A ciência permite responder bem, com rigor e objetividade a certas questões. Mas
essas não são as únicas perguntas que merecem ser feitas, nem as únicas indagações
importantes que a humanidade se coloca, menos ainda aquelas às quais ela tem
profunda necessidade de responder.

Manon Boner-Gaillard
Estou bastante consciente ao abordar neste tópico problemas técnicos e difíceis,
dentre os quais um bom número, aliás, é sempre debatido de forma acalorada pelos
especialistas. Entretanto, parece necessário em um trabalho como este fornecer no
mínimo algumas balizas sobre essas questões. As pessoas que desejarem aprofundar
seus estudos encontrarão na bibliografia proposta ao final deste livro orientação de
abundante literatura epistemológica.
Seria bom lembrar primeiro que a palavra “ciência” é polissêmica e que muitas
confusões e polissemias seriam evitadas se fôssemos mais prudentes ao utilizá-la. E
desse modo que falamos às vezes das ciências para, na verdade, designar aplicações
práticas e técnicas. Deveriamos de preferência falar, nesse caso, de técnicas,
tecnologias ou de ciências aplicadas.
Então, o que é ciência?

4.1.1 A ciência e as ciências


A ciência é, antes de tudo, um modo de conhecimento que busca a objetividade,
tentando atingi-la de diversas maneiras. Entre elas, figuram os métodos lógicos e
empíricos que tentei mostrar acima, mas também a sistematização dessas observações,
a matematicidade e a univocidade dos conceitos, o caráter público e a possibilidade de
repetição dos experimentos. A ciência é, contudo, um empreendimento humano e
falível. Mesmo que determinadas proposições científicas nos pareçam na prática, e
com excelentes razões, certas, todas as proposições científicas são por direito
revisáveis. Dito de outro modo, a verdade científica é falível, porque não existem na
ciência, como na religião ou na pseudociência, certezas absolutas: encontramos
proposições que poderíam finalmente precisar ser revistas.
A ciência estuda fenômenos, ou seja, objetos construídos e por ela colocados em
evidência. Com freqüência, a simples observação de fenômenos exige um esforço
intelectual considerável para adquirir os conhecimentos necessários. Ela pressupõe
também uma aparelhagem complexa e, psicologicamente, uma ruptura com nosso
conhecimento e modos de pensar comuns quando se trata de objetos que nos são dados
pela experiência corriqueira. Tomemos um exemplo simples: a mecânica clássica
afirma que todo corpo cai segundo a mesma lei; a lei da inércia afirma que os corpos
em movimento retilíneo uniforme continuam nesse mesmo movimento se nenhuma
outra força agir sobre eles etc. Tudo isso é elementar, mas já é profundamente contra a
intuição em relação ao saber comum, concebido em nossa experiência imediata.
A ciência busca conhecer os fenômenos. Para isso, ela estabelece entre eles
relações constantes expressas por leis. Esses fenômenos e leis, por sua vez, são
explicados e compreendidos em vastas redes de conceitos interligados chamados
teorias. Se pudermos dizer, de forma razoável, que o método científico é um
prolongamento particularmente obstinado e decidido do senso comum, teremos
compreendido que os conhecimentos obtidos por meio dele não são em nada banais.
Além disso, os fatos, as leis e as teorias científicas são muitas vezes contra-intuitivos,
às vezes até mesmo chocantes e difíceis de admitir por intermédio do nosso bom senso
comum. Por fim, por essas leis e teorias, a ciência é por vezes capaz de predizer e até
mesmo de controlar os fenômenos que estuda, ao manipular suas causas e efeitos.
Contudo, essa primeira caracterização da ciência como conhecimento não nos diz
nada acerca da diversidade das ciências. E preciso recorrer a uma palavra.4
Poderemos, comodamente, distinguir ciências formais e ciências factuais. As
primeiras são a lógica e as matemáticas, não dizem nada do mundo empírico,
interessam-se, se podemos dizê-lo, apenas pela forma das proposições. O fato de saber
que a proposição lógica de P ou não-P, que pode ser traduzida como “chove” ou “não
chove”, é válida nada diz sobre o tempo.
As ciências factuais, em contrapartida, tratam dos fatos do mundo: zoologia,
antropologia, biologia, micologia e química são ciências naturais. Entre elas, é comum
distinguir ciências humanas ou sociais e ciências da natureza. Certas disciplinas não
podem ser classificadas de maneira adequada em uma ou outra categoria - a
antropologia física ou a psicobiologia humana, por exemplo.
Distinguimos ainda as ciências segundo seus métodos. Desse modo, as ciências
formais utilizam um método particular, que consiste em propor sistemas de axiomas a
título de hipóteses e em deduzir teoremas afirmando que os sistemas obtidos estão em
conformidade com determinados critérios formais (coerência, completu- de etc.).
Diremos que as ciências formais utilizam um método hipotético-dedutivo.
Determinadas ciências factuais devem às vezes se contentar em observar; a astronomia
clássica, por exemplo, é uma ciência da observação. Mas elas aspiram experimentar e
poder controlar seus experimentos, o que muitas conseguem fazer.
Poderemos ainda distinguir as ciências segundo seu estatuto ou, se preferirmos,
seu grau de desenvolvimento. Este último cresce no tempo, em direção a uma
abstração cada vez maior. Certas ciências são apenas taxinômicas, ou seja, contentam-
se em classificar as observações. A micologia (o estudo dos cogumelos) é uma ciência
taxinômica. No grau seguinte, as ciências são indutivas e começam a estabelecer leis e
a fazer generalizações. Com o aparecimento de teorias que permitem subsumir os
fenômenos e as leis e explicá-los, certas ciências tomam-se depois dedutivas. Por fim,
quando os conceitos, as leis e as teorias de uma ciência factual estão de tal forma
desenvolvidos e assegurados que podemos fazer uma apresentação hipotético-dedutiva,
então isso significa que essa ciência tomou-se axiomática.
4.2.2 Três fundamentos importantes da ciência empírica e experimental

A ciência empírica e experimental baseia-se, no mínimo, em três pressupostos de


raciocínio, mas não- demonstráveis no senso estrito do termo.
Poderemos formular essas idéias da seguinte maneira:5
1. Existe um mundo real, independente de nós, de nossas crenças, representações,
sentimentos, opiniões, panoramas conceituais etc.
2. Algumas de nossas proposições descrevem (estados de) o mundo real; elas são, em
tese, verdadeiras ou falsas, se a afirmação feita estiver ou não em conformidade com
aquilo que realmente observamos no mundo real.

3. Podemos comunicar a outros o que pensamos ter descoberto do mundo, e esses outros
podem, por sua vez, verificá-lo.
A primeira idéia é a do realismo exterior. Trata-se da atitude metafísica adotada
pela maioria das pessoas e por quase todos os filósofos e cientistas. Essa idéia não é
uma tese acerca do mundo ou sobre a melhor maneira de conhecê-lo, mas a condição
preliminar de todo conhecimento. E, além disso, a hipótese mais simples e a mais bem
confirmada que permite explicar a regularidade do mundo exterior. Martin Gardner a
apresenta da seguinte forma:
Se perguntar por que todos os cientistas, todos os filósofos e todas as pessoas comuns, com raras
exceções, são ou foram sempre realistas e im- penitentes, deixe-me dizer-lhe. Nenhuma circunstância
científica foi confirmada de maneira tão espetacular. Nenhuma outra hipótese oferece explicação tão simples
do motivo pelo qual a galáxia de Andrômeda possui a forma espiral em todos os negativos, todos os elétrons
são idênticos, as leis da física são as mesmas em Tóquio, em Londres ou em Marte, que elas existissem antes
do aparecimento da vida e que estarão sempre lá se a vida acabar, da razão pela qual não importa quem
possa apanhar um cubo e, ao fechar os olhos, seja possível contar oito cantos, seis faces e 12 arestas, e por
que seu quarto parece o mesmo que aquele no qual acordou ontem pela manhã.6

A segunda tese, a da verdade-correspondência, afirma que as nossas proposições


que se relacionam com o mundo são verdadeiras ou falsas se correspondem ou não
àquilo que é realmente observado no mundo. A idéia de verdade- correspondência
também é partilhada pelo senso comum, pelos filósofos e cientistas, em sua imensa
maioria. Ela recebeu inúmeras formulações. Para Aristóteles, por exemplo, falar a
verdade é “dizer disso
que é que isso é, e disso que não é que isso não é”.7 Para a escolástica, o verdadeiro é
adaequatio rerum et intellectus, ou seja, a conformidade ou a adequação de nosso
pensamento às coisas.
Deve-se, no entanto, distinguir entre o significado do conceito de verdade, por
um lado, e os critérios e procedimentos de determinação da verdade, por outro.
Expliquemos o que isso quer dizer.
Defender o conceito de verdade-correspondência implica defender a idéia de que
a verdade é um predicado cuja significação é dada pela correspondência entre uma
proposição e um estado de fato. O lógico Tarski forneceu a formulação técnica
canônica dessas idéias; por exemplo, a proposição a neve e branca” é verdadeira se a
neve é branca - a verdade define-se aqui pela retirada das aspas. Mas não é suficiente
saber o que significa ser verdadeiro para determinar os critérios e procedimentos que
nos permitirão decidir se existe correspondência e, portanto, verdade. Em certos casos,
é bastante simples; noutros, difícil; e, em outros ainda, impossível. Todavia, o
significado do conceito de verdade continua a ser sempre o mesmo. Para ilustrar tudo
isso, retomarei um exemplo de Martin Gardner, a quem se deve mais uma vez louvar o
talento de expor idéias difíceis de forma simples.
Mostro-lhe um baralho novo com 52 cartas. Embaralho as cartas viradas para a
mesa e retiro uma ao acaso. Sem olhá-la, deposito-a no canto da mesa, sempre voltada
para baixo. Agora, escrevo em uma folha, designando essa carta isolada: “Esta carta é a
dama de copas.” O que significa “ser verdadeiro” para essa proposição? Atenção, não
lhe pergunto como saberemos se é verdadeira... se fizer a experiência com cientistas,
filósofos e pessoas comuns, constatará que todo mundo concorda que essa proposição é
verdadeira se e somente se essa carta for a dama de copas. Como decidiremos se esse é
o caso? Cada um responderá a essa pergunta dizendo que basta desvirar a carta e
saberemos se se trata da dama de copas.
A diferença entre o significado da verdade como correspondência e os critérios e
procedimentos que permitem decidir sobre a verdade é esclarecida nesse exemplo. Ela
é crucial. De fato, pode acontecer que seja difícil determinar os critérios e
procedimentos e de formular um julgamento. No entanto, o significado do conceito de
verdade continua o mesmo.
Suponhamos agora que eu apanhe a carta separada - que ninguém viu - e que a
recoloque no baralho e misture em seguida as cartas. Em minha folha, mudo a palavra
“é” por “era”. Lê-se agora: “Essa carta era a dama de copas.” O significado da
proposição para o conceito de verdade não mudou. Mas observe como é difícil
determinar depois se a proposição é verdadeira. Talvez possamos encontrar na carta
partículas de madeira em grande quantidade, que teriam sido deixadas pela fricção da
carta sobre a mesa; podemos imaginar que essa carta seja a única a possuir a impressão
digital, do polegar de um lado e do dedo indicador do outro, da pessoa que a
manipulou. Se encontrarmos esses sinais distintivos sobre a dama de copas, e apenas
sobre ela, seremos tentados a dizer que a proposição “Essa carta era a dama de copas”
é verdadeira. Em que grau? Que consta­tações seria possível fazer? Com que grau de
certeza? Essas questões são pertinentes aos pesquisadores em ciência; seu
esclarecimento é para os epistemólogos um nó de problemas difíceis e que permanece
insolúvel.
Podemos imaginar, para finalizar, que eu ordene a carta no baralho, e jo­gue-o no
fogo e ele queime. Nesse caso, a significação da verdade da proposição “Essa carta era
a dama de copas” permanece inalterada, mas não existe mais um meio, penso, de saber
se ela é verdadeira.
O terceiro postulado coloca simplesmente a possibilidade de comunicar por
intermédio da linguagem as proposições que descrevem o mundo e a possibilidade para
cada um de verificar os resultados alegados, repetindo, em geral, as experiências que
tenham sido conduzidas.
Observe que esses postulados científicos são também os que adotamos es‐­
pontânea e necessariamente tão logo possamos falar ou agir. Se eu planejar uma
viagem ao México e consultar um livro para saber o clima desse país, presumo que,
sem dúvida, os autores do livro tenham adotado o realismo exterior, a idéia de verdade-
correspondência e a idéia de comunicação e de verificação pública. Desse modo,
suponho que exista, além de mim, de outros e de nossas representações, um lugar físico
em que presumo estar, dotado de propriedades, também independentes de mim e dos
outros, e que o trabalho que consulto diz a verdade sobre a temperatura nesse local, ou
seja, se corresponde à temperatura real. Eu podería, contudo, verificar por mim mesmo.
Voltemos às últimas distinções conceituais que nos serão úteis. Elas se
relacionam, antes de tudo, com a ciência, compreendida agora como prática e como
realidade social e política; depois, ao que poderemos chamar de avesso da ciência, ou
pseudociência.
4.2.3 A ciência como prática

E um truísmo dizer: a ciência é uma prática social, feita por seres humanos em
um determinado contexto social, político e econômico. Esse é um fato importante que
pode pesar muito na decisão de investir neste ou naquele setor de pesquisa, nas
orientações da pesquisa e até mesmo nos resultados. O pensador crítico deve estar bem
consciente e perguntar-se, a todo instante, se esses fatores tiveram alguma influência.
Observemos que não é o caso nem de negar a racionalidade da ciência nem de
pesquisar tudo com assiduidade, a ponto de inventar interesses econômicos dando uma
idéia errada apriori de toda pesquisa; simplesmente deve-se permanecer lúcido e
crítico diante da possibilidade de que interesses, em geral econômicos, possam ter
influenciado a pesquisa realizada ou os resultados anunciados.
Todos conhecemos, nesse caso, a história escandalosa do financiamento de
trabalhos que minoram ou negam os riscos do cigarro, pesquisas essas financiadas
pelas companhias de tabaco. Eu daria aqui, no entanto, outro exemplo que provocou
muitas maledicências e inquietações, nos últimos anos, às companhias farmacêuticas.
Essas últimas também estiveram no centro de numerosas controvérsias sobre as suas
pesquisas. Isso mostra perfeitamente a que os pensadores críticos devem dedicar
grande atenção.

Quando os cientistas trapaceiam


0 número de fraudes científicas cresceu nos últímos vinte anos; as ciências biológicas e médicas são
as disciplinas nas quais mais floresceram, afirma Yves Gingras, sociólogo das ciências na UQAM, e Serge
Larivée, professor da École de Psychoéducatíon da Universidade de Montreal.
As ciências médicas levam o prêmio, com 52% de casos de fraude que atíngem a fabri­cação de dados
denunciados em todo o mundo após os primeiros balbucios da ciência, esclarece Serge Larivée. As ciências
duras calculam 26% de mentíras, que "consistíam em inventar toda espécie de resultados de experiências
não-realizadas"; e, nas ciências humanas e sociais, 22%,
No que concerne à manipulação de dados, uma falta média, porém imperdoável, as ciências da
saúde também ocupam o primeiro lugar, com 81% das fraudes conhecidas. Em contrapartída, apenas 19%
dos casos de falsificação de dados foram observados nas ciências duras e 10% nas ciências humanas. "Um
indicador da amplificação do fenômeno da fraude nas ciências é o crescimento do número de retratações nas
revistas científicas, sublinha Yves Gingras. O aumento das erratas em função da pressão para a publicação é
outro indício que esconde, se não as fraudes, pelo menos os dados duvidosos. Os biólogos afirmam que a
metade dos artígos científicos conteria dados duvidosos."
Por que as ciências da vida são as mais atíngidas? A competíção é maior, o número de pesquisadores
que a elas se dedicam é gigantesco. A batalha é, portanto, feroz para conseguir melhores condições, que não
prosperaram realmente nos últímos anos. "Os recursos concedidos à pesquisa universitária eram enormes
até a crise do petróleo em 1973", indica Yves Gingras. "Hoje, temos menos dinheiro e muito mais
pesquisadores", completa.
P. Gravei, "De Ptolémée à Newton et Poisson. Des scientif iq ues moins rigoureux que leur discipline", retirado do
Devoir, 16 de novembro de 2002, p. B3.
Há quatro anos, o Neiv England Journal of Medicine, no entanto, impulsionou
na arena pública esse debate - que, até então, estava limitado aos meios informados -
publicando alguns editoriais chamando a atenção para o fenômeno perturbador dos
laços entre a indústria farmacêutica e a pesquisa universitária, os conflitos de interesse
decorrentes e sua incidência na própria pesquisa. A prestigiosa revista garantia mesmo
quase não ter conseguido encontrar, para avaliar os artigos submetidos à publicação,
pares sem nenhuma ligação com a indústria. Hoje, ninguém mais duvida da realidade
desse fato nem de sua importância. O procedimento é muito simples: as companhias
farmacêuticas se dão ao luxo de contratar os universitários, que têm grande
necessidade de fundos para efetuar pesquisas. Armados dessa dependência, as
companhias farmacêuticas estão em uma posição que lhes permite tentar (e algumas
vezes conseguir) ditar os assuntos de pesquisa, até mesmo influir nos resultados e em
sua di­vulgação. Imaginamos até que ponto isso pode ter conseqüências drásticas, como
ilustra bem o conhecido caso da Dra. Olivieri, que chamou a atenção da comunidade
universitária internacional.
Nancy Olivieri, hematologista, trabalhava em um hospital em Toronto e era
professora e pesquisadora na universidade dessa mesma cidade, fazendo pesquisas
sobre um novo medicamento chamado Deferiprone. Ela descobriu que havia perigosos
efeitos secundários e queria publicar e divulgar esses importantes resultados. O
problema? Seus trabalhos haviam sido encomendados pela companhia Apotex, que
produzia o medicamento. Esta última, então, empreendeu uma importante campanha
jurídica e de difamação a fim de interditar a publicação do artigo e a difusão dos
resultados aos respectivos envolvidos. Infelizmen- te, Nancy Olivieri não foi defendida
nem pelo hospital nem pela universidade, ambos mais preocupados com o aporte
financeiro das companhias farmacêuticas que com a verdade e a independência dos
pesquisadores. Depois de dois anos de inquérito, uma comissão entregou recentemente
seu relatório. Lemos então nele, com todas as letras, que tudo isso havia acontecido
“porque as insti tuições públicas dependiam do financiamento das empresas privadas”.
O caso Olivieri não é, provavelmente, nem a ponta do iceberg. Na mesma
Universidade de Toronto, David Healy, um eminente psiquiatra, teve seu contrato cancelado
em virtude do que dizia sobre antidepressivos em geral e do Prozac em particular. O
diretor da Association Cannadienne des Professeurs d’Université (ACPPU), James
Turk, declarou à imprensa canadense que existiam “dezenas de casos similares em todo
o país” e que, diante da abrangência da situação, sua entidade havia colocado em
funcionamento um grupo de trabalho para estudar a questão. Também na Fédération
Québécoise des Professeures et Professeurs d’Université, segundo seu presidente, Jean
Roy, “as incursões do privado suscitam grande mal-estar. Os pesquisadores
negligenciados pelo Estado têm necessidade de fundos e de sustento material das
companhias farmacêuticas”.
Eis, no momento, as últimas distinções conceituais que gostaria de estabelecer.
4.2.4 Ciência, protociência e pseudociência
“Diga-me quepseudociência admite e lhe direi o que vale sua epistemologia.n

Mario Bunge
A compreensão do que é ciência é muito importante para o pensador crítico. Uma
das conseqüências cruciais é permitir distinguir a ciência da pseudociência. Na
verdade, saber o que é a verdadeira moeda dará uma melhor medida para reconhecer a
falsa... A pesquisa de uma linha de demarcação revelou-se, porém, mais difícil do que
se podería crer, como mostram os trabalhos de um dos mais eminentes e influentes
epistemólogos do século XX, Karl Popper (1902-1994).
Popper, na época morando em Viena, apaixonou-se por todas as idéias
revolucionárias que agitavam a cidade - e também toda a Europa. Primeiro, o
marxismo, que propunha uma interpretação materialista dialética da história baseada
no desenvolvimento das forças produtivas e na luta de classes; os marxistas tiram disso
leis com as quais analisam o
passado e o presente da humanidade e predizem o que, segundo eles, não pode deixar
de acontecer, a saber: o advento do comunismo. Em seguida, a psicanálise, que propõe
o conceito de inconsciente, assim como um modelo do psiquismo humano (o tópico),
fazendo intervir as pulsões, o recalque, um Id, um Ego e um Superego, e que explica,
graças a essas categorias, os sonhos, os lapsos, bem como os comportamentos - e até
certas doenças que a psicanálise pretende tratar. Na física, a teoria geral da relatividade
proposta por Einstein acaba de ser anunciada. Nesse caso, igualmente, é o que torna à
primeira vista esses três sistemas similares, categorias abstratas e gerais são invocadas
no contexto de uma teoria e servem para explicar e predizer determinados fenômenos.
Para Popper, o que sustentará a distinção entre essas três teorias e faz com que as
duas primeiras não sejam científicas, mas a última sim, é o risco de que essa última
seja incompatível com certos resultados passíveis de observação.
Popper, em outros termos, propôs a capacidade de falsificação como critério de
distinção da ciência, ou seja, sua capacidade de fazer previsões passíveis de teste pela
experiência e por ela desmentidos. Em resumo, uma teoria científica pode ser falsa
porque seria possível descobrir sua falsidade. Quanto aos marxistas e aos freudianos,
eles descobrem apenas confirmações de suas idéias em toda experiência; nada, jamais,
contradiz suas teorias. Precisamente nisso reside a marca da pseudociência, estima
Popper. Essa idéia é bastante interessante, mas, infelizmente, tem seus limites.
Para compreendê-la, considere o seguinte exemplo, que é histórico.
A órbita de Urano, como observaram os astrônomos, era sistematicamente
diferente daquela prevista pelos cálculos efetuados a partir da mecânica newtoniana, na
época o modelo exemplar de uma teoria científica. Encontrávamo-nos, portanto, diante
de uma teoria falsificada pela experiência. Mas os físicos e os astrônomos não
renunciaram por isso à mecânica newtoniana. Ao contrário, procuraram na experiência
o que sabiam na teoria. Uma das possibilidades era a existência de outro planeta,
desconhecido, que os cálculos não consideravam. Adams e Leverrier propuseram então
a hipótese de que a força gravitacional desse planeta ainda não descoberto explicava a
diferença entre as observações da órbita de Urano e as previsões da teoria. Essa
diferença seria eliminada se considerássemos a atração desse novo planeta nos
cálculos. O planeta foi efetivamente descoberto: tratava-se de Netuno.
Penso, da minha parte, que, à maneira de Mario Bunge, a distinção entre ciência
e pseudociência deve ser feita em graus contínuos, as pseudociências irremediável e
realmente fajutas às ciências reais mais sólidas e críveis, passando pelas protociências
(as ciências em via de se tomar científicas) e pelas ciências menos garantidas. Os
critérios que permitiríam fazer essas distinções seriam, por necessidade, múltiplos.
Vejamos as características de uma pseudociência segundo Bunge:8
- Um campo de pesquisa pseudocientífica é composto por uma pseudo- comunidade de
pesquisadores, da qual faz parte um grupo de fiéis mais do que uma associação de pesquisadores criativos e
críticos.
— A sociedade que a abriga a apoia por razões comerciais ou simplesmente a tolera,
marginalizando-a.
O domínio da pesquisa compreende entidades, propriedades ou acontecimentos irreais ou, no
mínimo, não é possível demonstrar serem reais.
— A perspectiva geral adotada compreende uma ontologia e admite entidades ou processos
imateriais (como espíritos) ou espíritos desencarnados; uma epistemologia que admite possibilidades
cognitivas para- normais, argumentos de autoridade e produção arbitrária de dados; um ethos que bloqueia
a pesquisa livre da verdade a fim de proteger um dogma.
- O pano de fundo formal é muito pobre, fraudulento (admite pseudo- quantidades) ou puramente
ornamental.
- O pano de fundo específico (disciplinar) é inexistente ou minúsculo: as pseudodêndas não aprendem
nada ou muito pouco sobre os fatos da ciência e não trazem nada em troca para a ciência.
- Os problemas que aborda são essencialmente imaginários ou práticos: não encontramos nela
problemas importantes de pesquisa fundamental.
- O capital de saber contém um bom número de conjeturas falsas ou inverificáveis, que se opõem às
hipóteses científicas bem confirmadas, mas não propõe nenhuma hipótese universal bem confirmada.
- Entre seus objetivos, não encontraremos a descoberta de leis e sua utilização para explicar ou
predizer fatos.
- Entre os seus métodos, encontram-se procedimentos que não podem ser duplamente verificados
nem são defensáveis por teorias científicas estabelecidas. Em particular, a crítica e os testes empíricos não
são bem-vindos. Não encontraremos um campo de pesquisa contínuo e, se for uma pseudociênda, poderá,
no máximo, desembocar em outra pseudociênda.
- Por fim, uma pseudodênda é, em geral, estagnante e não muda a não ser por meio de discussões
internas ou por pressões externas, mais que em conseqüênda de resultados de pesquisa: em outras palavras,
ela é isolada e fechada na tradição.

Esse pode ser um exercido divertido e bastante instrutivo: tomar algumas


pseudodências hoje famosas para examiná-las à luz desses critérios (por exemplo:
iridologia, reflexologia, astrologia, dianética, grafologia etc). O exame critico das
hipóteses e “teorias” das pseudodências poderá também beneficiar a adoção do modelo
de PESQUISA apresentado a seguir.
O pensador crítico avaliará suas crenças em diversas asserções científicas (ou que
se fizerem passar por elas) de acordo com o grau de desenvolvimento da ciência
considerada e a seriedade dos argumentos e dos fatos invocados (em especial, a
seriedade das pesquisas). Sabendo muito bem que toda assertiva científica pode, por
direito, ser colocada em causa, ele enunciará seus argumentos céticos na medida da
credibilidade das teses contestadas. Quando todos (quase) os especialistas de um
campo de pesquisa realmente científico estiverem de acordo entre si, você
considerará irracional pensar que a verdade se encontra em outro lugar, e não no
que pensam; quando os próprios especialistas discordam, você achará razoável
suspender o julgamento.
Para avaliar as hipóteses, assertivas ou teorias, o pensador crítico se lembrará de
que elas não podem pretender ser científicas se não forem claras e precisas, testáveis
de forma intersubjetiva, e se os testes efetuados não demonstrarem que são
verdadeiras ou permitirem, no mínimo, de modo razoável, considerá-las
parcialmente verdadeiras.
Vaughn e Schick propuseram cinco critérios que permitem sistematizar tal
avaliação:9
A possibilidade de ser testada, primeiro. Em outras palavras, a hipótese, a assertiva ou a teoria pode
ser testada? Existe um meio, pelo menos em princípio, de determinar se ela é verdadeira ou falsa? Se esse
não for o caso, ela provavelmente será trivial e sem valor.
Fecundidade, em seguida. Uma hipótese, assertiva ou teoria que permite fazer previsões
observáveis, precisas, surpreendentes ou inesperadas é, igualmente, mais interessante que outras.
Extensão. Em uma palavra: em contrapartida, da mesma forma, quanto mais uma hipótese,
assertiva ou teoria explica os fatos, mais extenso o campo de fenômenos a que se aplica, e melhor é.
Simplicidade. Em regra geral, é preferível uma hipótese, assertiva ou teoria que nos obrigue a
presumir menos elementos duvidosos, que nos faça postular menos entidades.

Conservadorismo, enfim. Uma hipótese, assertiva ou teoria coerente com nossos saberes mais bem
fundamentados deves, em geral, ser preferível a uma teoria que não o seja.

Pseudociência, verdadeira cilada para burros


"A Life Technology Research International apresenta seu novo conceito talismã, a cápsula psiônica
cabalística.
A cápsula psiônica cabalística contém quatro elementos que a tornam o mais poderoso talismã
jamais concebido.
A cápsula psiônica cabalística contém, em um minúsculo rolo, uma cópia impressa da mais sagrada
das fórmulas mágicas da cabala, a fórmula dos 72 nomes de Deus.
A cápsula contém também o pó branco de ouro Ormus 'Aurum Solís', uma substância com
indiscutíveis poderes de cura e reveladora da espiritualidade que age como antena sutil para captar a
energia que melhora a transmissão e a recepção de nossa intencionalidade no centro criativo do universo.

Para trazer proteção imediata a seu proprietário, a cápsula contém também um fragmento de fio
vermelho proveniente do túmulo de Raquel em Jerusalém.
O aparelho compreende, enfim, uma bobina especial Ethero-Magnética geradora de Orgone
Caduceus, que utiliza a medida 'cubale perdido', uma fórmula mágica e sagrada tão profunda que seu valor
exato não pode ser encontrado em nenhum lugar na literatura antiga ou moderna. Na verdade, apenas
alguns raros indivíduos e cientistas conhecem seu valor preciso.
(Jau! Tudo isso por apenas US$90! Além do frete e da manutenção...
Traduzido - no mínimo, com muita dificuldade - de http://www.lifetechnology.org/kabbalahcapsu- le.htm.

4.3 ALGUMAS DICAS PARA UMA LEITURA CRÍTICA DOS RESULTADOS DE


PESQUISA

Diante dos resultados da pesquisa que você deseja examinar com mais atenção,
deveria tentar encontrar respostas a todas as questões, ou para a maioria delas.
Questões gerais e preliminares

Quem fez a pesquisa? Trata-se de pesquisadores sérios, capacitados a realizar


esse tipo de pesquisa? Quem a financiou? O financiamento da
pesquisa pode ter influenciado os resultados ou a apresentação dos resultados?
Quais são os graus de desenvolvimento do domínio da pesquisa e da ciência em
questão? De que saberes estabelecidos admitidos em geral pela comunidade de
pesquisadores dispomos nesse domínio? Onde essa pesquisa foi publicada? Trata-se de
uma publicação confiável? Os artigos são avaliados por seus pares? Que assunto ou
problema é abordado? Qual a conclusão defendida?
O objeto ou a questão da pesquisa

Como está formulada a questão da pesquisa? Está clara? E, no mínimo, possível


responder às suas questões? O vocabulário empregado para formulá-la é tendencioso?
Que definições são dadas aos conceitos utilizados? São definições correntes?
Plausíveis? Se for o caso, que valores parecem ser adotados ou talvez apenas
admitidos, pelo menos de forma implícita, na formulação do problema ou do assunto?
Isso pode ter impacto sobre a pesquisa? Omitimos a menção de informações
pertinentes? O inventário bibliográfico parece completo? Os pes­quisadores explicam
em que sua problemática se aproxima ou se distingue daquilo que é descrito no
inventário?
A metodologia

As amostras são suficientes? Representativas? Como foram constituídas? Se uma


experiência com grupo de controle foi realizada, que medidas foram adotadas para se
precaver contra eventuais tendências? Se uma experiência com um grupo de controle
era necessária, mas não foi realizada, como explicar isso? Nesse caso, o duplo-cego foi
utilizado? Realizado de maneira correta?
A análise dos dados

Que instrumentos de medida foram mantidos? Que definições são dadas do que é
mensurado? São fornecidas especificações quanto à confiabilidade e à validade dos
instrumentos?
As conclusões

Um resumo honesto foi proposto? A pesquisa responde à questão proposta? A


interpretação dos dados poderia ser diferente? Evoca-se nesse caso outras
interpretações possíveis e explica-se por que foram postas de lado? Utilize, igualmente,
os cinco critérios de avaliação - possibilidade de ser testada, fecundidade, extensão,
simplicidade, conservadorismo.
4.4 O MODELO ENQUETE

Proponho, para concluir esta seção sobre ciência, um modelo que ajudará a
refletir de maneira mais coerente e mais rigorosa sobre essas “teorias”, assertivas ou
hipóteses que poderiamos qualificar de bizarras ou extraordinárias e que, com
frequência, são submetidas à nossa aprovação. Esse modelo foi concebido e
desenvolvido por Theodore Schick Jr. e Lewis Vaughn, exatamente para nos ajudar a
pensar em iveird things (coisas estranhas). Acho-o bastante útil e pertinente; espero que
você também concorde com essas qualidades.
Em inglês, o modelo chama-se S-E-A-RCH (um acrônimo), o que proponho
traduzir em francês para EN-QU-E-TE (outro acrônimo).6 Eu o apresentarei primeiro,
depois o convidarei a aplicá-lo em um objeto, a homeopatia. Minha apresentação desse
modelo e o exemplo que o segue parafraseiam o discurso de seus criadores.10
O modelo ENQUETE compreende quatro etapas:
1. Enunciar a proposição.
2. determinar o QUe é invocado para sustentá-la.
3. Examinar outras hipóteses.
4. Testar todas as hipóteses.
5.
Vejamos mais de perto.
A primeira etapa consiste em proferir da maneira mais clara possível a
proposição. A idéia é bastante simples: não deveriamos avaliar de maneira crítica uma
proposição que não compreendamos com clareza e sobre a qual não tenhamos uma
idéia precisa do que significa. Com muita freqüência, as proposições que nos pedem
para admitir não são nem precisas nem claras. A primeira etapa consistirá, portanto, em
formulá-las nitidamente. Em suma: o que é proposto exata e precisamente?
A segunda etapa consiste em especificar e determinar que argumentos e dados
serão apresentados para sustentar a proposição. Os argumentos são válidos? Os dados
são confiáveis, fidedignos? Com certeza, nada substituirá jamais o fato de ser
informado para fazer o julgamento adequado sobre tudo isso.
A terceira etapa se resume a questionar e examinar outras hipóteses possíveis.
Pergunte-se se outras hipóteses além da proposta não poderiam, também, ser pensadas
em favor da proposição. E sempre sábio não concluir rápido, considerar outras
explicações possíveis ou dizer que, mesmo que não consigamos logo encontrá-la, será
possível encontrar uma.
A quarta e última etapa consiste em saber e testar cada hipótese segundo os
critérios de adequação que vocês já conhecem: possibilidade de ser testada,
fecundidade, extensão, simplicidade, conservadorismo.
Sem dúvida, você entendeu que tudo isso deve ser aplicado de maneira razoável,
e não mecanicamente, aberta ou de forma dogmática.
Apliquemos agora esse modelo a um objeto; com os autores do modelo, de-
bnicemo-nos sobre a homeopatia.
Fundada por S. Hahnemann (1755-1843), a homeopatia11 consiste em uma
prática médica hoje ainda bastante difundida, inclusive em Québec. Seus partidários
dirão que “funciona”. Mas, como você é adepto do pensamento crítico, para convencê-
lo serão necessários mais do que simples casos.
Os produtos homeopáticos são fabricados da seguinte maneira. Tomamos uma
parte da substância ativa (uma planta, por exemplo) e diluímos em dez partes de água.
Em seguida, diluímos uma parte da poção resultante em dez novas partes de água. A
razão agora é de 1/100. Continuamos dessa forma, agitando a cada vez a mistura. Em
geral, um medicamento homeopático possui uma dose dita 3 0X, o que quer dizer que a
operação foi repetida trinta vezes. Portanto, no total, a razão, de uma parte da
substância ativa por 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 partes de água.
Outros medicamentos possuem uma preparação dita de 30C: nesse caso, a diluição é
feita a cada etapa em cem partes de água. Obtemos, dessa maneira, uma parte da substância
ativa por 1 seguido de noventa zeros partes de água. A poção resultante não tem então, até o
momento, uma única molécula da substância de partida.
Para explicar que “isso funciona”, no entanto, os homeopatas invocam efeitos
desconhecidos (e mesmo considerados impossíveis) pela biologia e pela química — a
“memória da água”, por exemplo — ou entidades e processos misteriosos como a força
vital, a harmonia etc.
Estranha maneira de se cuidar? Com certeza. Explorando um pouco, você
descobrirá que a homeopatia baseia-se em dois princípios.
O primeiro está na cura do semelhante pelo semelhante. Os homeopatas dizem:
similia similibus curantur. O segundo afirma que, quanto menor a dose, maior a
eficácia do medicamento. No total, o homeopata pensa que doses infi- nitesimais de
substâncias que causam os sintomas de uma dada doença em um indivíduo com saúde
têm propriedades de tratar um indivíduo que sofre dessa doença.
Que devemos pensar? Agora é sua vez de agir aplicando o modelo ENQUETE.
Eis algumas pistas para nos ajudar.
Proferida a questão, você deve especificar de maneira satisfatória o que propõem
os partidários da homeopatia.
Em seguida, deve questionar o que é invocado para sustentar essa idéia.
Encontrará muitos casos, mas também estudos evocados pelos defensores da
homeopatia, que são, quase todos, sistematicamente recusados, por razões
metodológicas, por seus adversários e por observadores mais neutros.
Outras hipóteses podem ser examinadas para explicar as melhoras relatadas pelas
pessoas que se tratam com homeopatia? Você podería com certeza formulá-las. Saiba,
em especial, que a maioria das doenças que contraímos em nossa vida - em particular
as tratadas pela homeopatia — desaparece por si mesmas com o tempo. Saiba também
que a avaliação de medicamento deve considerar o efeito placebo, pelo qual uma
substancia possui efeitos curativos pelo simples fato de ser deglutida e de se acreditar
em seus efeitos.
Por fim, resta saber e testar as hipóteses concorrentes mantidas segundo os
critérios de adequação... e concluir.
Capítulo 5 As mídias
Nada pode ser mais irracional do que dar poder ao povo, privando-o, porém, de
informação sem a qual são cometidos os abusos de poder.
Um povo que quer governar a si mesmo deve armar-se do poder que proporciona a
informação. Um governo do povo, quando o povo não é informado ou não tem meios
de adquirir informação, saberia ser apenas prelúdio àfarsa e à tragédia - e talvez até
mesmo a ambos.

James Madison

Se o hábito de pensar de maneira crítica se difundisse no seio da sociedade, ele


prevalecería, sobretudo, porque é uma maneira de enfrentar os problemas da vida. O
discurso ditirâmbico de qualquer orador não causaria pânico em pessoas educadas
dessa forma. Elas custam a crer e são capazes, sem dificuldade e sem necessidade de
ter certeza, de acreditar serem os eventos possíveis em diferentes graus. Podem
esperar fatos, depois ponderar sem jamais se deixar influenciar pela ênfase ou pela
confiança com a qual as proposições são feitas por uma parte ou por outra.
Essaspessoas sabem resistir àqueles que apelam a seus preconceitos ancorados com
mais firmeza ou que praticam a bajulação. A educação nessa capacidade crítica é a
única educação que podemos dizer que produz bons cidadãos.

WlLLIAM GRAI IAM SUMNER

Não podemos dizer a verdade na televisão: há muita gente olhando.

COLUCHE
INTRODUÇÃO
Com certeza, o povo não quer a guerra. Isso é natural e compreendemos. Mas, afinal, são os
dirigentes do país que decidem a política. Quer se trate de uma democracia, de uma ditadura fascista, de um
parlamento ou de uma ditadura comunista, será sempre fácil levar o povo a segui-los. Tenha ele ou não o
direito àpalavra, o povo pode sempre ser levado a pensar como seus dirigentes. E fácil. Basta dizer-lhe que é
atacado, denunciar a falta de patriotismo dos pacifistas e garantir que colocam o país em risco. As técnicas
continuam as mesmas, não importa opaís.
Hermann Goering (durante o seu processo em Nuremberg)
O universo das mídias é de direito, com a escola, o lugar privilegiado de
aprendizagem do pensamento crítico cidadão. Um bom número de pessoas pensa que
elas escrevem ou refletem tudo o que se passa no mundo, ou, pelo menos, tudo o que
acontece de importante; e o que nos transmitem é fruto do trabalho de pesquisas
independentes realizadas por jornalistas, de tal modo que estabelecem por si próprias, e
de maneira autônoma, o conteúdo daquilo que veiculam; que a descrição do mundo
que aí encontramos é essencialmente neutra e completa e que os fatos e opiniões são
sempre - e de modo reconhecível - distintos uns dos outros.
Contudo, as recriminações acumulam-se nas grandes mídias ocidentais. Nós as
criticamos, entre outras questões, pelo fato de se entregarem aos índices de audiência,
que as colocam cada vez mais na perigosa vertente da demagogia e do
sensacionalismo. Acrescentou-se também, após alguns anos, a esses motivos de
apreensão, a concentração crescente dos meios de comunicação de massa. Mas existe
outra razão, talvez mais fundamental, para se preocupar com o desempenho das mídias
e com sua contribuição para a vida democrática. Trata-se da concepção bastante
particular de democracia sobre a qual tendem a se apoiar determinadas instituições
contemporâneas muito influentes. Convém, de acordo com essas fontes, não apenas
informar, mas marginalizar o público, que deveria se tomar, de preferência, espectador,
e não ator da vida política. Tudo isso toma imperativo o exercício do pensamento
crítico diante desses meios, como você compreenderá com o exemplo seguinte.
Em 2 de agosto de 1990, o Iraque foi invadido pelo Kuwait. No mesmo instante,
e com uma rapidez e vigor pouco comuns, a brutal agressão foi condenada pelas
Nações Unidas, que, em 6 de agosto, impuseram sanções contra o Iraque.1
Estamos no outono de 1990 e ocorrem acirrados debates sobre a oportunidade de
uma intervenção militar dos Estados Unidos - de quem Saddam Hussein fora, por
muito tempo, um amigo bastante querido, um aliado precioso e parceiro comercial
exemplar.
Nesse exato momento, ocorre algo que permanece na memória de todos - do qual
você se lembrará, com certeza, mesmo que tenha acompanhado apenas
superficialmente. Recordemos os fatos.
Uma pequena jovem chamada Nayirah apresenta-se em Washington diante do
Comitê dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Os membros do Congresso,
assim como o público americano, ficaram completamente atônitos com o testemunho
dessa jovem kuwaitiana de 15 anos, que conta, em lágrimas, horrores inominados.
Ela descreve como os soldados iraquianos tomaram de assalto um hospital no
Kuwait onde ela trabalhava como voluntária, roubaram as incubadoras e mataram, ou
deixaram morrer, 312 bebês, que agonizaram no chão da maternidade.
As mídias divulgaram a notícia em todo o mundo. Saddam Hussein, ainda um
amigo muito querido, tomou-se, depois de 2 de agosto, o “açougueiro de Bagdá”, após
o testemunho de Nayirah, e seria um tirano “pior que Hitler”.
Os partidários de uma guerra contra o Iraque fariam um bom uso desse precioso
testemunho, em particular contra os defensores das sanções e da busca por uma
solução política e negociada para o conflito — o que o Iraque havia, aliás, proposto em
meados de agosto às Nações Unidas.
Nas semanas seguintes ao testemunho de Nayirah, o presidente Bush (pai), em
seu discurso, evocou, no mínimo cinco vezes, o episódio contado pela pequena jovem,
lembrando toda vez que esses “horrores assustadores” nos “levam a Hitler”.2 Com a
ocorrência, logo depois, dos debates acerca da possibilidade da guerra, mais de sete
senadores americanos também se referiram ao depoimento de Nayirah.
A moção que decidiría sobre a entrada na guerra passou, finalmente, por cinco votos.
A campanha de bombardeamento, que não poderiamos de maneira razoável chamar de
guerra, teria, então, início — aprovada, maciçamente, pelo público americano. O
panorama internacional, bastante modificado após a queda do muro de Berlim, acabara
de se transformar de modo considerável, e o presidente Bush tinha bastante consciência
disso. Na transmissão do NBC NightlyNews, em 2 de fevereiro de 1991, ele garantia
com confiança: “Os Estados Unidos possuem nova credibilidade. Somos nós que
decidimos o que vai acontecer U.S. has a neiv credibility. What ive say goes).”

Nesse momento, porém, falsos rumores e dúvidas começaram circular a


propósito do testemunho de Nayirah e de sua terrível história.
É possível, hoje, da mesma forma, com a certeza relativa que podemos ter acerca
dessas pessoas, reconstruir o que aconteceu.3
Nayirah era, na verdade, Nayirah al Sabah, filha do embaixador do Kuwait em
Washington. Ela nunca teve qualquer relação com o citado hospital, no qual nada do
que disse aconteceu. Seu testemunho era falso e ela fora preparada com cuidado e
colocada em cena nos mínimos detalhes pelos dirigentes da empresa Hill and
Knowlton, de Washington. Eles instruíram a pequena jovem com zelo - assim como
algumas pessoas que deveríam corroborar sua história - pela simples e boa razão de
que essa empresa acabara de assinar um lucrativo contrato de US$ 10 milhões com os
kuwaitianos para defender a entrada em guerra com os Estados Unidos. Hill and
Knowlton, saiba, fazia apenas seu trabalho: trata-se, na verdade, de uma empresa
(muito grande) de relações públicas.
Observemos que, ao contrário do que foi dito muitas vezes aos críticos das
mídias, o que é proposto não faz parte, de maneira alguma, de qualquer teoria de
conspiração. Uma vez esclarecidas as manobras da empresa de relações públicas, que
correspondem bastante bem ao que entendemos habitualmente por conspiração, nada,
aqui, é secreto. Tudo o que falamos é de domínio público, e pode ser descoberto,
desvendado e verificado por todos. No entanto, para isso, é necessário dedicar tempo e
perseverança; deve-se também saber informar-se em fontes diversas das grandes
mídias; é preciso aprender a se manter crítico diante de toda e qualquer informação;
devem-se, por fim, conhecer as instituições em questão e a dinâmica estrutural dos
processos em que atuam. Vemos que estamos bem distantes de qualquer complô. Tudo
o que será dito nas páginas seguintes sobre as mídias explica-se na essência pela livre
atividade das instituições envolvidas, por seu papel, sua motivação e seus atores.
Sustentar a teoria do conluio dos meios de comunicação de massa seria algo tão idiota
e indefen­sável quanto propor que todos os jornalistas são vendidos ou todos os
dirigentes da imprensa têm controle sobre a caneta de cada um deles.
No entanto, é verdade que existem condições estruturais e institucionais de
difusão de informação e funcionamento das mídias e que elas exercem pressão - que
pode ser enorme - sobre o que é dito e a maneira como é dito. Esse é o motivo pelo
qual se toma útil lembrar essas circunstâncias e seu impacto, reconhecendo que
poderemos encontrar nas grandes mídias informações surpreendeutes em relação a
assuntos com grande freqüência ocultados. Essas informações podem ser justas e
preciosas — e é verdade que é necessário procurar para percebê-las, e saber o que
buscar. Dessa forma, por exemplo, a verdadeira história de Nayirah foi bem contada
em Quebec, onde dela tomei conhecimento.4 O jornalista, Jooneed Khan, escreveu: “A
jovem ‘Nayirah’, cujo testemunho abalou uma comissão do Congresso às vésperas da
votação, era a filha do embaixador do Kuwait em Washington, usada, portanto, com a
finalidade de propaganda pela empresa de relações públicas Hill and Knowlton, cujos
serviços haviam sido contratados pelo lobby kuwaitiano.”
Escolhi abrir este capítulo com essa história porque os temas que analisarei nas
páginas seguintes estarão comodamente relacionados. Vamos discuti-los na ordem de
sua abordagem.
A informação é um truísmo, é o jogo político maior de toda sociedade que se
pretenda democrática. Contudo, poucas pessoas sabem o que são empresas de relações
públicas, de onde vêm e que papel desempenham. Constataremos que nasceram de
concepções da vida democrática e do papel da informação profundamente oposto ao
uso corrente desses termos. A partir de então, seremos capazes de mensurar a
amplitude do fosso que separa a democracia real daquilo que poderiamos chamar de
democracia teórica. A primeira seção deste capítulo será consagrada a essas
considerações.
As mídias modernas participam desse mesmo pano de fundo histórico.
Atualmente, elas são vastas corporações, cuja natureza se deve examinar com atenção
se desejarmos conhecer e compreender seu funcionamento. Quando nos dedicamos
minuciosamente a esse trabalho, devemos com razão concluir que um modelo
propagandista dos meios de comunicação de massa permite lançar um esclarecimento
crucial sobre a operação dessas instituições e seu papel na formação de opiniões no
seio das democracias reais e vividas — e não as ideais e proclamadas. O modelo
propagandista das mídias de Chomsky e Her- man sistematiza, de forma útil, todas
essas idéias. Nós os veremos em detalhes mais adiante neste capítulo.
Sabendo de tudo isso, um observador crítico prestará muita atenção às tendências
e ocultações que não deixarão de se manifestar na representação do real feita por elas.
Depois de compreender sua natureza e seu funcionamento, terá início uma grande
variedade de meios a fim de desenvolver e manter, de maneira rigorosa e sistemática,
uma atitude crítica referente a essas instituições, em particular em relação a todas as
fontes de informação. O final deste capítulo propõe instrumentos que poderão ajudar os
pensadores críticos nessa difícil mas indispensável tarefa, pois pretendemos contribuir
para a redução da distância entre a democracia real e a democracia teórica.
5.1 OUTRA IDÉIA DE DEMOCRACIA
A maioria das pessoas tem dificuldade de conceber e admitir - quando toma
conhecimento pela primeira vez - a existência do poderoso terreno fértil propa-
gandista sobre o qual repousam e são desenvolvidas numerosas instituições e conceitos
de comunicação de massa no seio das democracias.
Nos Estados Unidos, a grande experiência fundadora da propaganda ocorreu na
Primeira Guerra Mundial, por ocasião da Commission on Public Information - ou
Commission Creel, assim nomeada por seu presidente criada para convencer a
população americana, de maioria pacifista, a entrar na guerra. O sucesso dessa
comissão foi total. A partir de então, nasceram diversas técnicas e instrumentos de
propaganda das democracias atuais: distribuição maciça de comunicados, apelo à
emoção em campanhas-alvo de publicidade, recurso ao cinema, recrutamento
direcionado de líderes locais de opinião, implantação de falsos grupos (por exemplo,
de grupos de cidadãos), entre outros.5
Walter Lippmann, um dos membros influentes, muitas vezes considerado o
jornalista americano mais lido no mundo depois de 1930, descreveu o trabalho dessa
comissão como “uma revolução na prática democrática”, em que uma “minoria
inteligente”, encarregada do domínio político, é responsável por “fabricar o
consentimento” do povo, quando a minoria dos “homens responsáveis” não o fazia
oficialmente.
Essa “formação de uma opinião pública saudável” serviría para se proteger do
“pisotear e dos urros do rebanho derrotado” (em outras palavras: o povo), esse “intruso
e ignorante que se mistura por toda parte”, cujo papel é ser “espectador”, e não
“participante”. A idéia que presidiu o nascimento da indústria de relações públicas era
explícita: a opinião pública deveria ser “cientificamente” fabricada e controlada do
alto, de maneira a garantir o controle do perigoso populacho.6

Edward Bemays,7 sobrinho de Sigmund Freud, desempenhara também um papel


importante8 no desenvolvimento dessa indústria e do ethos político que a caracteriza.
Nenhuma dúvida no que diz respeito a isso. As lições da Commission Creel haviam
sido aprendidas. Em vários livros importantes (Crystallizing Public Opinion, The
Engeneering of Consent, Propaganda e uma quinzena de ou tros), Bemays explica
que, com o que foi concebido e desenvolvido nesse laboratório da nova democracia,
seria possível, desde então, “disciplinar os espíritos do povo como uma tropa disciplina
seus membros”.9 Bemays conhecería, nas relações públicas, uma carreira cujos altos
feitos são lendários. Em 1929, domingo de Páscoa, em Nova York, ele organizou uma
marcha memorável de mulheres na Quinta Avenida, colocando a causa feminista a
serviço do direito das mulheres de fumar cigarros. Simultaneamente para a Lucky
Strike e a American Tabacco, ele ajudou a dissimular as provas que já se acumulavam
nessa época e mostravam que o tabaco era uma substância mortal.
Nos anos 50, ele se pôs a serviço da United Fruit para persuadir o grande público
do perigo do comunismo na América Latina. Ele levou a crer que o país confiscaria
suas terras e a companhia ao “injetar” notícias falsas nas mídias americanas e implantar
falsos grupos populares, mascarando suas verdadeiras intenções sob a aparência nobre
ou anódina. O sucesso ia além das expectativas: em junho de 1954, um golpe militar de
Estado “auxiliado” pela CIA derrubava o governo da Guatemala, democraticamente
eleito.10
E preciso salientar como foram postas em jogo nessas práticas concepções bastante
particulares de democracia e de informação. Nesse momento, para a maioria das
pessoas, trata-se de uma democracia de espectadores, e não de participantes. A
informação à qual as pessoas têm direito é a que lhes preparam os verdadeiros autores
da cena democrática. Essa informação deveria diverti-las; ela simplifica os dados na
medida daquilo que acreditamos ser o nível fraco de compreensão do mundo -
condição que desejamos muito bem manter. De acordo com esse ponto de vista, a
democracia entendida de forma saudável é, portanto, bem diferente daquela à qual a
maioria das pessoas está acostumada e tem, de modo ingênuo, em mente.
Em uma das primeiras edições da Encyclopedia of Social Sciences, publicada
nos anos 30, um dos mais eminentes especialistas em mídias, Harold Laswell, explicou
que importava, sobretudo, não sucumbir ao que chamava de “dogmatismo
democrático”, ou seja, à idéia de que as pessoas comuns seriam capazes de determinar,
por si mesmas, suas necessidades e interesses, e que estariam, assim, em condições de
escolher o que lhes conviesse. Essa idéia é completamente falsa, garantia Laswell. A
verdade é, antes de tudo, que uma elite deve decidir por eles. Isso pode, com certeza,
parecer problemático, pelo menos no seio de uma democracia compreendida de forma
inocente. Mas Laswell propôs uma solução bem cômoda: na falta de recurso à força
para controlar a plebe, podemos perfeitamente controlá-la pela opinião.
Atualmente, as empresas de relações públicas são atores poderosos do jogo
político e econômico. Elas estão a serviço de empresas, do governo e de quem quer que
disponha de meios. Alex Carey escreveu, em um resumo tão exato quanto
surpreendente, que o século XX “caracterizou-se por três desenvolvimentos de grande
importância política: as democracias, o poder das empresas e a propaganda das
empresas como meio de preservar seu poder democrático”.11 Não saberiamos dizer
melhor...
Sem insistir mais na história das empresas de relações públicas e em seu papel,12
penso que podemos concluir o seguinte: em face da informação em geral e dos meios
de comunicação de massa em particular, quem quer que deseje exercer sua autodefesa
intelectual deveria dar provas de maior vigilância.
5.2 O MODELO PROPAGANDISTA DAS MÍDIAS
O direito à informação supõe que uma informação digna desse nome esteja disponível
e que ele tenha, em contrapartida, o dever da lucidez crítica dos cidadãos.
Manon Boner-Gaillard
Presente em seus mais diversos graus em todas as democracias liberais em que a
informação seja fornecida com muito pouco freio - o mecanismo do mercado o
fenômeno da concentração dos meios de comunicação de massa é, desde então,
inegável; aliás, quase todos os observadores o admitem. Todavia, ainda estamos muito
longe, infelizmente, de haver mensurado o alcance político, sobre o qual gostaria de
chamar atenção.
Por concentração das mídias, designamos, a partir de agora, dois movimentos
distintos, porém próximos entre si. O primeiro esta na concentração dos meios de
comunicação de massa 0omais, rádio, televisão, revistas, editoras) em um número cada
vez mais restrito de proprietários; o segundo é a convergência desses mesmos meios
que, sob o guarda-chuva de uma propriedade única, circulam justamente conteúdos que
podem ser reutilizados e alimentar-se uns dos outros.
A tabela a seguir foi elaborada pelo centro de estudo das mídias da Universidade
Lavai. E mostra que, em Québec, essencialmente com Gesca, Québécor, o Groupe
Transcontinental e a Rogers Communications, chegamos a uma trágica situação em
que um punhado de proprietários controla grande parte da difusão midiática da
imprensa escrita.
É bastante freqüente o aspecto demagógico e aliciador dos conteúdos das grandes
mídias comerciais depreciado a princípio pelos observadores críticos. Tais acusações
parecem-me amplamente estabelecidas; com certeza, será inútil insistirmos nos efeitos
dessas armas de diversão em massa que são a telerealidade, a telelixeira e todas as
novas fórmulas com as quais os meios de comunicação de massa têm nos afligido ao
longo dos últimos anos.
Ao admitir isso, não dissemos ainda nada de essencial. Porque o mais grave não
é que nossas grandes mídias comerciais façam cada vez mais parte da grande
encenação da sociedade do espetáculo — o que era previsível -, assumindo as funções
de divertimento que conhecemos bastante bem. Eis a mais séria: apesar de serem, por
direito, instrumentos políticos fundamentais de elaboração de um espaço público de
discussão, estão em posição de renunciar a essa tarefa por exercer apenas uma função
de propaganda e de ocultação do real. Em outras palavras, mesmo se não fosse nada
satisfatório que a televisão tratasse cada vez mais de reality slwws e outras
imbecilidades espetaculares, a verdadeira tragédia ocorre toda noite, no telejomal, pelo
retrocesso e pelo esquecimento da missão política e cidadã de informação.
Que eu saiba, Edward Herman e Noam Chomsky fizeram trabalhos bastante
conclusivos e importantes sobre esses temas. Apresentaremos um resumo das linhas
principais, que sistematizam precisamente a hipótese intuitiva do que acabo de
lembrar.13
De acordo com esses autores, as mídias estão de alguma forma
sobredeterminadas por certo número de elementos estruturais e institucionais que
condicionam - com certeza não totalmente, embora de forma ampla - o tipo de
representação do real proposto, assim como os valores, as normas e as percepções que
nelas são promovidas. De maneira mais concreta, esses pesquisadores propuseram um
modelo segundo o qual os meios de comunicação preenchem, em grande parte, uma
função propagandista no seio das sociedades. Segundo eles, “servem para mobilizar o
suporte em favor de interesses particulares que dominam as atividades do Estado e do
setor privado; suas escolhas, insistências e omissões podem obter melhor compreensão
- e às vezes até mesmo ser entendidas de forma exemplar e com clareza surpreendente
- quando são analisadas nesses termos”.14
Vinte e cinco assuntos ocultados pelas mídias em 2004, nos Estados Unidos
O Project Censored propõe, todo ano, nos Estados Unidos, uma lista estabelecida com cuidado e
duplamente verificada de assuntos e histórias que foram ocultados pelos grandes meios de comunicação de
massa. Em geral, falamos um pouco em lugares bastante raros, depois mais nada; ou bem são tratados pela
imprensa alternativa, ou ainda nos relatórios publicados por instituições, ou nos serviços de notícias
transmitidos via Internet. A leitura dessas listas anuais produz em determinadas pessoas uma profunda
surpresa e certo mal-estar. Na verdade, trata-se de assuntos que parecem (e que são, de fato) muito
importantes, mas sobre os quais, se não nos informarmos em outro lugar além das grandes mídias, teremos,
de modo geral, muito poucas informações. Vejamos os de 2004:
1.As desigualdades econômicas representam uma ameaça para a economia e a democracia no
século XXI.
2.Ashcroft e os direitos do homem, acerca da responsabilidade das corporações.
3.O governo Bush censura a pesquisa científica.
4.Taxas relevantes de urânio são encontradas em soldados e civis.
5.Queima de nossos recursos.
6.A comercialização das eleições.
7.Organizações conservadoras comandam as nomeações jurídicas.
8.A força-tarefa de Cheney e a política energética.
9.Uma viúva ataca o governo sobre os eventos de 11 de setembro.
10.As novas usinas nucleares: os contribuintes pagam, as empresas embolsam.
11.Tanto faz para as mídias mentir.
12.A desestabilização do Haiti.
13.B.Schwarzenegger encontra Ken Lay, da Enron, muito antes da destituição do governador da
Califórnia.
14.Uma lei ameaça a liberdade intelectual.
15.Os Estados Unidos produzem um novo vírus mortal.
16. Agências de segurança espionam cidadãos inocentes.
17.0 governo americano serve-se dos sindicatos no Iraque a fim de promover a privatização.
18. As mídias e o governo não consideram a diminuição das fontes petrolíferas.
19.0 cartel do abastecimento torna-se com rapidez o supermercado mundial da alimentação.
20.As temperaturas extremas levam as Nações Unidas a formular um novo alerta.
21.Impor um mercado mundial de OGM.
22.Exportar a censura no Iraque.
23.0 Brasil faz reservas às negociações da ALCA, mas fornece pouco incentivo aos pobres na América
do Sul.
24. Restabelecer o recrutamento.
25. Wal-Mart, fornecedor de desigualdades e de preço baixo no mundo.
Uma descrição de cada uma das entradas disponíveis desta lista está em: http://www.projectcenso- red.org/index.html.

Em resumo, esse modelo propagandista coloca, portanto, certo número de filtros,


como tantos outros elementos, sobredeterminando a produção da mídia. Ele sugere
uma dicotomização sistemática e altamente política da cobertura dos meios de
comunicação, em função dos interesses dos principais poderes nacionais. Tudo isso,
pensam os autores, se verifica na escolha dos assuntos que serão abordados, assim
como na amplitude da qualidade da cobertura. Partindo dessa premissa, esse modelo
autoriza previsões; trata-se, por conseguinte, de determinar se essas observações serão
ou não confirmadas.
Os filtros mantidos são cinco.
O primeiro é o que constitui o tamanho, a propriedade e a orientação em direção
ao lucro das mídias, que pertencem a corporações e a pessoas muito ricas que as
controlam. Devemos presumir que isso constituirá uma tendência. No Media

MonopolyA em um trabalho publicado em 1983, Ben Badgikian já se preocupava com


o controle monopolista que se exercia sobre os meios de comunicação de massa nos
Estados Unidos. Sublinhava, então, que cinqüenta empresas controlavam a maioria das
mídias americanas. Ele tinha efetivamente com que se preocupar. Com o passar dos
anos e as reedições, Badgikian continuou a expressar inquietação, com base nos
mesmos motivos, com uma única variação: o número de empresas proprietárias
diminuía de uma edição para outra. Havia 28, depois 23, 14 e, em seguida, 10. A
última edição do Media Monopoly indica que cinco corporações controlam a maioria
das mídias nos Estados Unidos – esse termo inclui aqui a televisão, os jornais, as
revistas, os filmes de Hollywood, os periódicos e os livros.
Omissões singulares

1. Mídias canadenses, 1993-1995


2. As políticas ambientais propostas pelos Estados Unidos serão prejudiciais ao ar e à
água no Canadá (1995).
3. As forças armadas americanas gostariam de modificar a ionosfera (1995).
4. Os atentados aos direitos humanos no México (1995).
5. Venda de armas no Abbotsford International Airshow (1995).
6. Qual a participação da busca por petróleo na intervenção humanitária na Somália?
(1993).
7. Os conservadores reescrevem uma antiga regra de 21 anos e permitem aos mais ricos
não pagar milhões em impostos (1993).
8. A afável relação do Canadá com a ditadura da Indonésia.
9. Asempresas de meios de comunicação de massa e suas relações com o poder (1993).
10. 0 Terceiro Mundo discute com o GATT sobre as patentes (1994).
11. A criminalidade dos colarinhos-brancos e das empresas.
Fonte: R. A Hackett, Richard Gruneau etal., TheMissing News: Filters and Blind Spots in Canada's Press, Canadian Center
for Policy Alternatives/Garamond Press, Ottawa, 2000.
O segundo filtro é a dependência em relação à publicidade. As mídias vendem
menos informações para um público que do público para os anunciantes. I Não duvide,
quando você compra o jornal, você mesmo é o produto, em grande I parte, do que
pensa não ser mais que uma transação na qual você compra informação. Estima-se em
cerca de 70% a participação das receitas publicitárias em I um jornal, e mais de 90%
em uma estação de televisão. Os pagantes desejam | que os programas ou as páginas
em que aparecem suas propagandas sejam ambientes favoráveis à venda. Os
anunciantes não intervém diretamente junto às I mídias para influenciá-las: a dinâmica
instalada garante-lhe apenas uma convergência de pontos de vista. Dito isto, os
anunciantes também exigem expressamente características especiais dos programas em
que consideram anunciar. I Badgikian cita, por exemplo, os textos em que a Proctor
and Gamble determina | que não anunciará em todos os programas que insultarem os
militares ou derem | a entender que o ambiente dos negócios não constitui uma
comunidade boa e I religiosa (sic!). Compreendemos, sem que haja necessidade de
explicitar, o efeito desse filtro sobre todas os meios de comunicação de massa
alternativos ou I críticos.
Ajudar a Coca-Cola a vender seu produto disponibilizando os cérebros para a publicidade
"Existem muitas maneiras de falar da televisão. Mas, na perspectiva dos negócios, sejamos realistas:
na base, o trabalho da TF1 é ajudara Coca-Cola, por exemplo, a vender seu produto.
Ora, para que uma mensagem publicitária seja percebida, é preciso que o cérebro do telespectador
esteja disponível. Nossos programas têm por vocação disponibilizá-lo, quer dizer: diverti-lo, relaxá-lo para
prepará-lo entre duas mensagens. 0 que vendemos à Coca-Cola é tempo de cérebro humano disponível.
Nada mais difícil, prossegue, que obter essa disponibilidade. Nesse ponto, encontra-se a mudança
permanente. Devem-se procurar, de forma duradoura, os programas que funcionam, seguir os modos,
navegar pelas tendências, em um contexto em que a informação se acelere, se multiplique e se banalize.
A televisão é uma atividade sem memória. Se compararmos essa indústria à do automóvel, por
exemplo, para um construtor de veículos, o processo de criação é bem mais lento; e, se o carro for um
sucesso, terá ao menos o prazer de saboreá-lo. Nós não teremos nem mesmo tempo!
Tudo ocorre todo dia nos índices de audiência. Somos o único produto no mundo que 'conhece' os
clientes no mesmo instante, com um atraso de 24h."
Comentários de Patrick Le Lay em Les dirigeants face au changement. Éditions du huitième jour, Paris, 2004.

O bastão no auge
Fazer publicidade é agitar o bastão no chiqueiro.
GeorgeOrwell
"Existem, na essência, dois tipos de publicidade. O primeiro tipo é o que faz promessas - a de
satisfazer desejos e de aliviar os medos: essa espécie nos dá, em geral, mais 'razões' para crer que o produto
cumprirá suas promessas. O segundo tipo é a propaganda de identificação, que vende seu produto levando-
nos a nos identificar com ele (ou com uma companhia). Entende-se que a maioria dos anúncios recorre a
uma combinação dos dois procedimentos.
[...] Devemos desconfiar quando:

1. A propaganda não nos fala dos defeitos dos produtos, levando-nos, assim, a cometer o
paralogismo da supressão de dados. Por exemplo, uma publicidade para um
medicamento sem receita não falará de seus efeitos colaterais.
2. A propaganda utiliza diversos truques psicológicos, em vez de apelar diretamente à
razão. Por exemplo, [...] a identificação, o humor e a repetição.
3. A propaganda é, com frequência, enganosa, em especial quando leva a acreditar em
falsas implicações, mesmo quando diz a verdade [...], além de utilizar palavras fuinhas
e qualificações.
4. A propaganda recorre a diversas formas enganosas, por exemplo: ‘O melhor jornal do
mundo'.
5. A propaganda utiliza com frequência jargões ou faz algo que nos confunde. Por
exemplo: 'Mais branco que o branco'.
6. A propaganda nos leva a raciocinar de maneira falaciosa. Por exemplo, os
testemunhos nos convidam a cometer o paralogismo do apelo à autoridade.
7. A propaganda tende a transformar nossos valores e nos fazer adotar valores que os
produtos anunciados poderíam com facilidade satisfazer.
É importante compreender bem que os candidatos dos partidos políticos, assim como as políticas
públicas, são essencialmente anunciados e vendidos da mesma maneira que outros produtos. Dessa forma, a
identificação e a fabricação de imagens são procedimentos bastante corriqueiros,"
Fonte: H. Kahane, Logic and ContemporaryRhetoric- The Use ofReason in EverydayLife, pp. 228-229.
O terceiro filtro é constituído pela dependência das mídias em relação a certas
fontes de informação: o governo, as próprias empresas - em particular, por intermédio de
empresas de relações públicas -, os grupos de pressão, as agências de imprensa. Tudo
isso cria, finalmente, por simbiose, se podemos assim dizer, uma espécie de afinidade
tanto burocrática quanto econômica e ideológica entre os meios de comunicação de
massa e aqueles que os alimentam, relação proveniente da coincidência de interesses entre
uns e outros.
O quarto filtro são os flaks, ou seja, as críticas que os poderosos dirigem às mídias
e que servem para discipliná-las. No final das contas, tendemos a reconhecer que existem
fontes confiáveis, comumente admitidas, e poupamos trabalho e eventuais críticas
referindo-nos a elas quase de forma exclusiva e acreditando em sua imagem de
competência. O que dizem essas fontes e esses especialistas é da ordem dos fatos; o resto
é da ordem da opinião, do documentário subjetivo e, por definição, de menor valor.
Com certeza, o conjunto desses comentários ainda é bastante circunscrito por tudo que
o precede.
O quinto e último filtro foi batizado por Herman e Chomsky de anticomunismo;
essa denominação está marcada de forma evidente pela conjuntura americana. Ela
reenvia de modo mais amplo, na verdade, à hostilidade das mídias em relação a toda a
perspectiva de esquerda, socialista, progressista etc.
Alguns dos interesses não-desprezíveis de tal modelo é que podemos submetê-lo
à prova dos fatos. Com freqüência admirável, as observações estão, em grande parte,
em conformidade com as previsões. Se nos colocarmos na perspectiva da democracia
participativa, isso significa em especial, por um lado, que os fatos que deveríam ser
absolutamente conhecidos por todos não o são ou são muito pouco e, de outro, que as
interpretações dos acontecimentos, que teriam de ser compreendidas e discutidas, não o
são ou são muito pouco.
A feira de Abbotsford? Não conhece...
As mídias procedem quase sempre a uma dicotomização dos fatos e de suas interpretações,
acentuando um acontecimento e minimizando outro. Mas isso nem sempre se verifica: em certos casos,
percebemos mais a ocultação total de determinados eventos - que cada um deve compreender que não seria
educado evocá-los.
0 envolvimento canadense nas vendas de armamentos militares constitui um bom exemplo do que
quero dizer.
Com certeza, a imagem comumente projetada sobre os canadenses é de um Canadá gentil e
guardião da paz. Mas essa percepção não resiste à análise e à observação. É assim que a porção do
orçamento militar nacional consagrado às missões de paz representa apenas uma fração ínfima, que está
muito longe de se aproximar do montante das vendas de armas, sendo o Canadá um dos principais
vendedores de armamentos do mundo.
O Abbotsford InternationalAirshow é um caso concreto e particularmente interes­sante para se
examinar. Essa feira de armas ocorre em Vancouver desde 1961, e é conhecida em todo o mundo, pelo menos
por aqueles que vendem e compram armamento militar. Mais de setenta países, milhares de delegados e de
homens de negócios a frequentam para encontrar um monte de empresas que vendem brinquedinhos de
matar, entre elas a socialmente assistida Bombardier, mas também outras canadenses, a Marconi e a
Bristoal Aerospatiale.
Como é feita a cobertura dessa feira de armas pelas grandes mídias? A resposta é inequívoca, mas
previsível: não há. Diferenciemos o caso de Québec e o do Canadá inglês.
Em Québec, procurei muito e de diversas maneiras em um banco de dados, e recenseamos, desde
1985, apenas alguns artigos mencionando a feira de Abbotsford. Nenhum deles é crítico nem explica que se
trata de venda de armas. Menciona-se, de modo geral, uma simples feira aeronáutica, lembrando que o
escritório de Québec em Vancouver participa desse evento, que é de "âmbito internacional" (LesAffaires, 9 de
set. de 1995, p. 9), que o "Canadá está de olho no mercado asiático em expansão" e "pretende atrair
compradores" (Le Devoir, 6 de set de 1996, p. A-8) ou ainda que as empresas canadenses (Bombardier) estão
lá impelidas a tomar parte "no lucrativo mercado canadense de peças de motor de avião" (La Presse, 6 de
agosto de 1997, p. B7).
Em outras palavras: isso cria empregos e é tudo o que o público poderá saber.
No Canadá inglês, a situação difere um pouco, sobretudo na Colômbia Britânica. Nessa provínda, o público está
próximo. Resultado? Não falamos mais da venda de armas e as dimensões militares do assunto estão totalmente
atenuadas; mas, de acordo com os dossiês preparados pelas empresas de relações públicas, a feira, como constata
o "politicólogo" Ron Dart, que estudou sua apresentação nas mídias, é descrita como "um divertimento familiar
benigno".
Não é pequeno o sucesso do sistema de doutrinação.

Veja um exemplo do que quero dizer, extraído da atualidade recente, mas


recolhido nos meios de comunicação alternativos — em particular na Z Net, uma das
mais ricas e confiáveis fontes de informações alternativas. As forças armadas
americanas utilizam — e usarão nos próximos anos — um número tão grande de
munições que seus fornecedores habituais, nos Estados Unidos, não poderão produzi-
las em quantidade suficiente. Elas, então, apelaram a companhias estrangeiras para a
sua provisão. Entre os felizardos eleitos, estão a SNC Technologies e sua fábrica
situada em Le Gardeur, que pertence a Lavalin. Esse fato importante diz respeito a
todos os canadenses; acredito que deveria ser conhecido e discutido. No entanto, não é
e temo que não será.
Se devesse concluir com poucas palavras as pesquisas realizadas com a ajuda do
modelo propagandista das mídias, eu o faria da seguinte maneira:
Que se trata de comércio, de livre-troca, de acordos internacionais, de
globalização da economia, da decisão de entrar ou não em guerra, de política
internacional e nacional, de questões relevantes do bem comum, da saúde, da ecologia
ou da educação e, ao longo dos anos, com uma constância tão previsível quanto
admirável, as grandes mídias corporativistas possuem, sobre cada um dos assuntos e mil
outros também cruciais, tendência a expor, defender e propagar o ponto de vista das
elites que possuem essas mesmas mídias e das elites políticas, que são quase sempre as
mesmas. Quem se surpreendería? Tudo isso não pode deixar de limitar seriamente a
dimensão do debate democrático, até adulterá-lo de maneira profunda. Uma
democracia de participantes, ao mesmo tempo governados e governantes, é substituída
por uma democracia de espectadores intimados a observar de outro lugar ou aquiescer.
Que podemos reter, na prática, dessas análises?
Se elas são justas, os meios de comunicação de massa, que tratam apenas de
alguns temas entre todos os assuntos possíveis, que o fazem a partir de certas
perspectivas particulares, de determinados valores e concepções de mundo, tenderão a
ocultar alguns fatos, análises e dados ou falsear de forma sistemática a apresentação. O
pensador crítico deve aprender a perceber essas omissões e tendências. Como ele deve
se comportar?
A seção seguinte propõe alguns elementos em resposta a essa questão.
5.1 TRINTA E UMA ESTRATÉGIAS PARA MANTER UMA ATITUDE CRÍTICA EM
RELAÇÃO AOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA

Todo dia, dezenas de pessoas morrem assassinadas por armas de fogo em Springfield;
mas, até hoje, nenhuma delas era importante. Meu nome é Ken Brockman. Sexta-feira,
às 3h da tarde, o autocrata local C. Montgomery Bums foi atingido por uma bala após
intenso confronto na Prefeitura e enviado, no mesmo instante, para o hospital local,
onde o declararam morto. Em seguida, foi transferido para um hospital melhor, onde os
médicos o ajudaram a se recuperar, de forma progressiva, até “viver”.
OS Simpsons (Episódio 2F20,17 de maio de 1995)

1.Seja advogado do diabo. Diante de uma afirmação ou uma tese, procure o que poderia ser
alegado contra ela indagando se existem outros pontos de vista e razões para sustentá-la.

2.Substitua palavras. Divirta-se substituindo certas palavras utilizadas por outras com conotações,
até denotações diferentes e questione a si mesmo se os novos significados não poderíam também ser
defendidos: anuncia-se o livre-comércio? Substitua por “comércio administrado”. Com freqüência, isso
corresponde muito bem à realidade. Fala-se em educação? Use “doutrinação”. Discutem-se ecologia e
proteção do ambiente? substitua... é sua vez!

3.Escreva ou telefone para as mídias. Você leu ou ouviu algo inaceitável? Re clame. Os jornalistas e
seus patrões são sensíveis às críticas do público.

4.Seja rigoroso. Seu cérebro é um território que o inimigo quer ocupar


persuadindo-o de certos fatos. Não menospreze a organização da resistência. Pratique uma leitura e
uma escuta ativas. Tome nota, registre, recorte. Tenha o hábito saudável de anotar com cuidado todas as
informações relativas a um acontecimento sobre o qual quer falar: Quem? O quê? Quando? Em que
contexto?

5.Seja dançarino ou dançarina. Praticar a arte de dançar com as idéias que evocava Nietzsche é
crucial para você. Analise um dado acontecimento tal como está descrito nos grandes meios de comunicação.
Divirta-se examinando-o em diferentes contextos conceituais e multiplique as perspectivas. Como seria
descrito no Terceiro Mundo? E nos bairros desfavorecidos ou nos bairros mais ricos de sua cidade?
6. Observe as conivências e as trocas. As pessoas das mídias fazem parte de certa elite e têm
relações entre elas e com a elite cuja observação é importante. X convida Y para o seu programa, que, por
sua vez, fala de seu livro em sua crônica, Z convida-o para uma conferência na França, e assim por diante...

7.Desconfie da simetria enganosa. Em 1996, nos Estados Unidos, a Society ofProfessionalJoumalists


retirou o conceito de objetividade de seu Código de Ética e substituiu-o por diversos outros conceitos como
“eqüidade”, “equilíbrio”, “precisão”, “completude”, “precisão”. Justifica-se essa decisão afirmando que, desde
então, grande parte dos jornalistas considera que a palavra objetividade não traduz nem o que os jornalistas
são capazes de realizar nem o que se espera deles. A mu­tação que traduz essa variação de terminologia é
importante: ela faz passar de uma pesquisa de objetividade, desde então considerada ilusória, para uma
vontade de equilíbrio na apresentação de pontos de vista divergentes sobre uma dada questão. Mostrar- se
sensível a uma grande variedade de posições é, com certeza, algo louvável. Mas o abandono do conceito de
objetividade que a precede e a conduz fàz tremer a pior deriva relativista, por uma razão filosófica que
Platão já havia denunciado com perfeição. O caso do aquecimento global, por exemplo, é interessante
porque tem mais de uma conotação.

Sobre esse assunto, existe, de fato, uma grande convergência de opiniões. O fato de colocá-los uns
diante dos outros - como se fossem comparáveis e pudessem se equilibrar, as opiniões dos especialistas e as
dos grupos de pressão - dá uma ilusão profundamente enganosa de simetria. Um estudo recente da Fairness
and Accuracy In Reporting (FAIR) demonstra isso de maneira admirável.16

Misérias do relativismo epistemológico


Examinemos, deforma sucinta, á idéia de relativismo epistemológico, tão difundido atualmente
quanto antes, e segundo o qual o verdadeiro é relativo. Um pensador crítico deve ter refletido sobre a
questão è resistido a essa tentação.
Comecemos por questionar o que pode significar a idéia de que a verdade seja relativa. Em primeiro
lugar, relativa a quê? Protágoras, um sofista de quem Platão fez uma crítica exemplar e um dos primeiros a
Sustentar o relativismo epistemológico, considerava que a verdade é relativa ao "homem, medida detodas
astcoisas" - mas sem dizer com clareza se por homem deveriamos entender o indivíduo (esse ou aquele ser
humano), a espécie (a humanidade), até esse ou aquele grupo de seres humanos reunidos em sociedade
(atenienses, espartanos). Mas, qualquer que seja a versãoA© relativismo a ser adotado, ela leva a
consequências insustentáveis e deve, portanto, ser rejeitada.
No primeiro caso - a verdade é relativa aos indivíduos -, esse subjetivismo conduz a estranhas
conclusões. Se acreditar que uma proposição é verdadeira a tornasse verdadeira, seríamos infalíveis a partir
do momento em que admitíssemos o que quer que fosse como verdadeiro; as desavenças entre indivíduos
seriam impossíveis, pois, sem objeto, todo mundo teria razão.
Da mesma forma, no segundo caso - em que se considera a verdade relativa à sociedade -, esse
relativismo social conduz também a conclusões muito estranhas. Ainda aqui, a sociedade seria infalível;
proposições como "Aterra é plana" deveríam ser admitidas como verdadeiras porque um grupo social crê
nisso.
Mas o principal argumento contra o relativismo é, com certeza, esse "petardo relativista", como o
chama Harvey Siegel. Na verdade, a defesa do relativismo é ou impossível ou contraditória, pois bem o
defendemos com a ajuda de argumentos não-relativos e, nesse caso, admitimos o que o defensor quer negar;
ou bem o fazemos com o auxílio de alegações relativis- tas e, nesse caso, não o apoiamos e nosso
interlocutor pode sempre afirmar pensar o contrário. Como escreve Siegel: "O relativismo é de maneira auto-
referencial incoerente ou au- to-irrefutável porque, para defender essa doutrina, é preciso abandoná-la." (H.
Siegel, Relati- vism Refuted, D. Reidel, Dordrecht, Países Baixos, 1987, p. 9.)
A lição a ser aprendida com essas análises, que remonta a Platão, é bastante importante. Nós somos
falíveis, nosso saber é limitado e produzido por seres humanos que vivem em sociedade: tudo isso é
compreendido. Mas a própria idéia de verdade, entendida como algo que existe independente de nós, é um
conceito regulador rigorosamente indispensável de toda atividade cognitiva.

8.Compare, por exemplo, com a ajuda da Internet, os tratamentos pro postos aos mesmos
acontecimentos em dois países diferentes.
9.Conheça com perfeição, de maneira a poder reconhecer os pratican tes, os dez mandamentos da
Igreja da ideologia.

Os dez mandamentos da ideologia


1. Você passará o singular para o universal.
2. Ocultará o trabalho realizado, fazendo passar, desse modo, por naturais as
mercadorias e os textos culturais.
3. Utilizará falsas analogias.
4. Dará a impressão de objetividade, a fim de ocultar seus preconceitos particulares.
5. Sob todo assunto ou debate, traçará com cuidado os limites do que é aceitável - em
outras palavras, controlará a ordem do dia.
6. Fornecerá a explicação mais simples como necessariamente a melhor - o que é um
sofisma.
7. Tornará comum o que é extraordinário - dizendo, por exemplo, que nossos dirigentes
são pessoas comuns, semelhantes a nós.
8. Confundir-se-á e fará com que fiquemos na superfície dos fatos mais que no fenômeno
todo.
9. Acreditará e alimentará a ilusão de que a história conduz com exatidão ao momento
presente e à situação atual.
10. Tornar-se-á um especialista na arte e na prática de "NPFOF": "Não Podemos Fazer de
Outra Forma".
Adaptado de P. Steven, The No-Nonsense Guide to Global Media, p. 113.

10.Saiba reconhecer o que o Observatoire des médias, na França, chama de figuras impostas.

O observador crítico dos meios de comunicação em massa prestará atenção especial aos gêneros e
práticas que têm como efeito:

A dominação: o relato da situação dos trabalhadores e empregados, e em particular das mulheres; o


paternalismo elitista e masculino, que deixa transparecer as reportagens so­bre a vida privada e profissional;
o "racismo de classe" e o "racismo da inteligência", que conduz os jornalistas a lembrar com
condescendência e desprezo o mundo das classes populares que eles não conhecem. Os dirigentes dos
editoriais pertencem quase sempre à classe dominante; saem, com freqüência, das escolas de jornalismo e,
às vezes, de gran­des escolas, onde interiorizam uma sociabilidade burguesa; seus ganhos os reaproxi- mam
dos escalões superiores ou dos profissionais liberais. Tudo isso enraiza interesses particulares, assim como
uma maneira especial de ver o mundo.
A despolitização: a coluna policial "que diverte"7 e a transformação de toda a questão (social ou
internacional) em artigo policial; a personalização exagerada (e a multiplicação de retratos, incluída às vezes
com o consentimento dos responsáveis por movimentos coletivos que afirmam combater o individualismo); a
apresentação politiqueira de todas as questões políticas e a exposição tecnológica de todas as questões
econômicas. promoção: as trocas, complacências e conivências que permitem constituir uma pretensa "elite"
para a qual o "povo" justificaria sua "irracionalidade" e seu "populismo". despossessão: a arte de privar da
palavra aqueles a quem a concedemos. Quem analisar, por exemplo, de maneira concreta, as rápidas
entrevistas, os testemunhos, os debates diante de "painéis", as perguntas por Minitel ou correio eletrônico,
as pesquisas...
Fonte: PLPL e Acrimed, Informer sur 1'information. Petitmanuel de 1'observateur critique des médias, pp. 14-15.
11.Compare as primeiras páginas de seu jornal preferido durante um mês e analise-as. Para isso,
estabeleça os critérios que utilizará; defina-os da melhor maneira possível; construa sua grade de leitura;
aplique-a. Mostre os resultados a um amigo que, de forma ideal, não compartilhe de suas idéias sociais e
políticas e discutam juntos. Se possível, compare os resultados dele com os seus, caso ele tenha aceitado
fazer o mesmo percurso.

12.Reúna os cinqüenta últimos editoriais ou as cinqüenta últimas crônicas de um mesmo jornalista e


analise sob diferentes ângulos. Quais são os assuntos tratados? Que fontes são citadas? Qual o vocabulário
utilizado? E daí em diante.

13.Considere o título dado a um artigo ou notícia. Está em conformida de com o que leu? Que outro
título seria possível? Desejável? Existem razões que possam explicar por que esse título, e não outro, foi
utilizado? Lembre-se de que, se os cronistas e editorialistas colocam os títulos nos próprios textos, em geral,
esse não é o caso das notícias e de outros tipos de textos.
14.Identifique as fontes que alimentam as mídias que você não conhece e procure saber mais sobre
elas. Se praticar uma escuta e uma leitura ativas, você não tardará a perceber fontes citadas de maneira
recorrente: o Institut Fraser, o FMI, o Conseil canadien des chefe d'entreprise, 1'Institut Economique de
Montréal (IEDM), por exemplo. Do que se trata? A Internet será, com certeza, útil para determinar isso. Visite
os sites dessas instituições. Leia suas publicações. Observe seus vestígios nas mídias. Quando, por quem, com
que freqüência, como e com que finalidade esses estudos são utilizados?

Amigos da floresta, boa-noite...


A B.C Forest Alliance quer promover uma aproximação equilibrada da gestão das florestas na
Colômbia Britânica. "Houve época em que levamos isso a sério" é o que você diz? A fibra ecológica se agita
em você? Desconfie!

Trata-se de fato de um organismo implantado por Burson-Marstellar, a gigantesca empresa de


relações públicas, para avisar que é contra a "falta de confiança" [s/c] e a inquietude da população em
relação ao desmatamento e à poluição engendrada pelas serrarias. Essa fachada virtuosa esconde empresas
e seus objetivos de lucro privado a todo preço. Relações-públicas: ter relações, zombar do público.
Leia no The Greenpeace Guide to Anti-Environ mental Organizations, Odonian Press, Berkeley, 1998, para conhecer
diversas organizações semelhantes à Burson-Marstellar.

15. Aprenda o que são as lendas urbanas e não caia mais nessa mentira grosseira.

Lendas urbanas
Histórias belas demais para serem verdadeiras...
Você conhece a história dessa jovem a quem os pais pediram para tomar conta do bebê e colocar o
frango no forno enquanto iam ao restaurante? Ao voltar para casa, algumas horas depois, os pais
constataram com horror que a jovem, que estava completamente drogada, havia colocado o bebê no forno.
Ou ainda, a história do estudante que chegou atrasado no exame universitário de mate­mática? Havia
três problemas escritos no quadro. O estudante, bem-dotado, resolveu com facilidade os dois primeiros, mas
parou no terceiro. Ele trabalhou sem parar e terminou in extremis, logo antes de entregar sua prova, e
encontrar o que pensava ser uma solução possível. No dia seguinte, recebeu um chamado do professor. O
aluno estava convencido de que errara o terceiro problema. Mas o professor anunciou-lhe que os dois
primeiros problemas faziam parte do exame; o terceiro, que estava escrito no quadro a titulo de exemplo,
não. Era, explica o professor, um problema insolúvel há um século, e que o próprio Einstein fora incapaz de
resolver. Ora, o estudante acabara de solucionar e, assim, entrar para a história da matemática.
Você sabia que uma cadeia defast-food, cujo nome não diremos, usa minhocas em lugar de carne de
boi para fabricar seus hambúrgueres? O amigo de um amigo soube disso da maneira mais estranha...
Essas histórias são o que chamamos de lendas urbanas, pois é assim que nomeamos o interessante e
complexo fenômeno social dessas mitologias contemporâneas.
Tais narrativas circulam na cultura popular e são repetidas apenas com algumas variações. Com
freqüência, a isca é que o narrador contará algo que soube por um amigo de um amigo: essas histórias vêm
quase sempre de outro lugar e os norte-americanos que colecionam e estudam lendas urbanas criaram um
acrônimo para designá-las: FOAF - Friend OfA Friend.
Essas histórias não são todas necessariamente falsas; aliás, não podemos, é evidente, provar que o
que foi dito não aconteceu - porque não podemos provar uma proposição factual negativa. Mas não
dispomos, de modo geral, de nenhuma prova confirmando que tenha realmente acontecido. Quem quer que
siga a pista dessas histórias encontrará sempre impasses: o amigo do amigo não existe, ou sabia ele mesmo
a história de um amigo que dizia conhecer um amigo etc.
Procuremos uma definição que reúna as características comuns das lendas urbanas.
Essas lendas são histórias apócrifas (ou seja, duvidosas e suspeitas) pouco plausíveis, que circulam
quase sempre oralmente entre indivíduos (mesmo que as encontremos na Internet e em compêndios) e são
contadas como se fossem verdadeiras. Muitas vezes, a pessoa que narra reivindica uma fonte próxima e
confiável com quem a história aconteceu. Contudo, o narrador não fornece, comumente, nenhum nome ou
dado verificável.

As lendas urbanas são também boas histórias, capazes de despertar o interesse dos ouvintes,
permitindo ao narrador desenvolver seu talento. Em geral, apresentam um resultado bizarro, surpreendente
ou inesperado. As pessoas comuns são descritas em situações em que vivenciam algo terrível, irônico ou
incômodo. Enfim, elas contêm, muitas vezes, uma moral ou advertência implícita relativa a certos medos ou
fobias difundidos.
Para conhecer mais sobre as lendas urbanas, consultaremos prioritariamente os trabalhos de Jan
Harold Brunvand, o pesquisador que, nos anos 80, lhes nomeou em seu livro The Vanishing Hitchhiker. Depois
disso, não parou de inventariá-las e estudá-las. Citemos, por exemplo, Too Goodto be True. The Colossal Book
of Urban Legends, cuja referência completa está na bibliografia.

16. Registre em videocassete algumas apresentações de seu noticiário fa


vorito da televisão. Veja, em seguida, seus cassetes depois de estar munido de um relógio. Escreva
em uma folha de papel os assuntos tratados, a ordem na qual foram apresentados e o tempo consagra­do a
cada um. Consulte a seguir várias outras mídias para saber o que pode ter sido tratado nesses diferentes
dias. Conclua.

17. Consulte com regularidade, mas sobretudo em tempos de crise, os sites da Anistia Internacional e
dos Direitos Humanos, por exem­plo. Você encontrará informações preciosas pouco ou não men­cionadas nos
grandes meios de comunicação.

18. Siga de forma sistemática os temas e os assuntos de longa duração, por exemplo, na mesma
mídia.

19. Compare o tratamento proposto por uma mesma mídia para dois assuntos que possamos
considerar compatíveis em todos os aspectos, menos um. Por exemplo, compare o tratamento reservado a
atos criminosos cometidos por inimigos e aquele dedicado a atos simi­lares, porém cometidos por nossos
amigos. Compare acontecimentos incomparáveis. Um sindicalista é acusado de ter quebrado uma porta?
Compare o tratamento dispensado a esse evento com o de um patrão que comete um crime muito mais
grave, envolvendo morte, por exemplo.
20. Transcreva, se tiver paciência, tudo o que se diz durante o telejomal.
Analise depois o texto de maneira quantitativa: quantas palavras foram pronunciadas sobre esse ou
aquele assunto? Por quem? A quantas páginas de seu jornal preferido isso corresponde? Compare os
resultados com os diferentes textos escritos. Não me queira mal se você concluir, com razão, que jamais
escutará informações na televisão.

Um instrumento precioso de pesquisa


Podemos utilizar bases de dados para fazer pesquisa (por palavra-chave, autores etc) ao mesmo
tempo em vários jornais e periódicos, reconstituindo um longo período de tempo. É um instrumento muito
útil, acessível em casa pela Internet Eu utilizo o sitewww.eureka.ee.
É preciso pagar uma assinatura, mas a instituição onde você trabalha ou estuda talvez já seja
assinante.
21. Pergunte a si mesmo, diante de cada informação: Quem fala? A pessoa possui interesse no que
está em questão? Quais são seus valores e pressupostos? Os outros pontos de vista possíveis estão
presentes? O assunto é tratado de maneira superficial ou em profundidade? Que contramanifestações
históricas e sociais (se for o caso) são propostas para compreender as causas e a complexidade do
fenômeno?

22. As fontes utilizadas são determinadas? São múltiplas? Fidedignas? Há como suspeitar se lhe
falam em “fontes autorizadas” ou “observadores”.

23. O espetáculo e o vivido. Há preocupação manifesta e quase exclusiva de suscitar o interesse no


que é relatado, em especial mantendo-se o sensacionalismo, o divertimento, o espetáculo e o “interesse
humano”? Nesse caso, desconfie. Melhor ainda: desligue a televisão ou feche o jornal - você não perderá
nada.

24. Os especialistas. E preciso aprender a reconhecer não apenas quem fala e de onde fala, mas
também que ponto de vista deixou de ser representado, quem não é convidado ou nem tem o direito à
palavra. Portanto, preste muita atenção ao pertencimento institucional dos especialistas, em particular
daqueles que retomam sem parar às mídias para se expressar sobre certos assuntos, ou em tempos de crise.

25. Estude filosofia política. Cada um de nós vê o mundo pelo prisma de convicções adotadas de
forma mais ou menos consciente. Essas convicções podem ser ventiladas de maneira cômoda em duas cate‐­
gorias: valores e concepções de mundo. Um bom número de debates são fundamentalmente conflitos entre
valores e visões de mundo diferentes às quais os protagonistas aderem com firmeza. Para conhecê-los, tome
a resolução de estudar os grandes sistemas que os organizam de maneira sistemática. Você não pode adotar
uma atitude crítica em relação às mídias se não sabe o que são o liberta- rismo, o liberalismo, a social-
democracia, o keynesianismo, o utili- tarismo, o monetarismo, o socialismo, o anarquismo, o feminismo, o
comunitarismo etc.

26. O vocabulário. Lembre-se de tudo que vimos no primeiro capítulo deste livro: eis o momento
sonhado de utilizá-lo.

27. Os números. Lembre-se de tudo que vimos no segundo capítulo deste livro: eis o momento
sonhado de utilizá-los.

28.Leia Chomsky. Seus livros, evidentemente, mas também seus artigos. Ele escreve com
regularidade na Z Net, onde mantém um blog no qual você pode lhe fazer perguntas.

Chomsky in extenso
Se você deseja aprender algo sobre o sistema de propaganda, um preceito cômodo a seguir é
procurar identificar os postulados de maneira tácita portodos os críticos: em geral, aí residem as doutrinas
que constituem a religião do Estado.
Se afirmo que a General Motors quer maximizar seu lucro e sua participação no mercado, não
proponho uma teoria de conspiração: essa é uma análise institucional.
Se as mídias no Canadá e na Bélgica são mais abertas, em parte é porque o que as pessoas pensam
não tem grande importância.
De tudo aquilo que conhecemos, as operações mais importantes de terrorismo interna­cional são
aquelas dirigidas de Washington.
Se as leis de Nuremberg fossem aplicadas, todos os presidentes americanos depois do fim da
Segunda Guerra Mundial teriam sido enforcados.
A educação é um sistema de imposição de ignorância.
[Se] você se conformar, começará a obter os privilégios conferidos ao conformismo. Logo, porque é
útil crer nisso, acreditará no que lhe dizem e interiorizará o sistema de doutrinação, de distorções e de
mentiras. Será também um membro que consente que a elite privilegiada exerça controle sobre o
pensamento e o doutrinamento: tudo isso se produz de maneira bastante corriqueira, até os mais altos
escalões. É de fato muito raro - se existe - que alguém possa suportar o que chamamos de "dissonância
cognitiva" - dizer uma coisa e crer em outra. Portanto, você começará a falar de certos assuntos porque é
necessário comentá-los e, em breve, acreditará no que diz.
Seja conciso - falas entre dois anúncios ou com seiscentas palavras. Também é muito importante,
porque a beleza da concisão é não permitir nada mais que a repetição de idéias convencionais.
Um especialista é alguém que articula o consenso daqueles que estão no poder.
O modelo propagandista não diz que as mídias repetem as posições daqueles que dirigem o país,
como é o caso de um regime totalitário; diz que as mídias refletem em geral o consenso das elites
dominantes da dupla Estado-empresas, compreendidas as posições daqueles que se opõem, com maior
frequência por razões táticas, a determinados aspectos das políticas governamentais. Pelos próprios
fundamentos, o modelo sustenta que os meios de comunicação em massa protegerão os interesses dos
poderosos, não que vão deixar escapar de suas críticas os administradores do Estado: a persistente
incapacidade de aprender essa distinção poderia refletir bem as tenazes ilusões quanto a nosso sistema
democrático.
Talvez seja um truísmo, mas o postulado democrático é que as mídias são independentes, que se
dedicam a descobrir e a proclamar a verdade e que não refletem apenas o mundo como os grupos
dominantes queriam que fosse visto. Os líderes desses meios de comunicação garantem que suas escolhas de
noticias estão fundamentadas em critérios profissionais e objetivos e não-tendenciosos, e possuem sobre
essa questão o apoio da comunidade intelectual. Enquanto isso, se as elites estão em posição de determinar
as premissas do discurso, de decidir o que a população em geral pode ver, ouvir e aquilo em que pode pensar
e "gerar" a opinião pública pelas constantes campanhas de propaganda, então nossa descrição habitual do
funcionamento do sistema é desmentida de maneira considerável pela realidade.
A maioria das tendências das mídias explica-se pela pré-seleção de pessoas que pensam como lhes
convém, pela interiorização de preconceitos e pela adaptação do pessoal às limitações da propriedade, da
organização, do mercado e do poder político. A censura é, em grande parte, autocensura.
As massas ignorantes devem ser marginalizadas, divertidas e controladas - para o seu bem, não é
preciso dizer.
Eles escolhem, decidem, preparam, controlam, restringem - e atendem, assim, aos interesses dos
grupos dominantes e das elites da sociedade.
Muitos jornalistas não compreendem as forças das quais dependem. Alguns são maleáveis, outros
tentam agir com integridade e são surpreendidos por resistências que encontram A suposta complexidade
dessas questões [em relação à política], a pretensa profundidade e obscuridade, tudo isso faz parte da ilusão
veiculada pelo sistema de controle ideológico, que busca mantê-los muito distantes da massa da população e
persuadir as pessoas de sua incapacidade de organizar os próprios negócios e compreender o mundo social
no qual vivem sem a ajuda de um intermediário.
Extraído de Manufacturing Consent, o filme e a obra.

29. Leia com regularidade outras fontes de informação. O quadro a se guir poderá ajudá-lo a
escolher. Leia e freqüente não apenas a im­prensa e as mídias independentes e alternativas, mas também a
imprensa e as mídias especializadas.

30. Suspeite da influência dos próprios valores e pressupostos sobre o


que percebe. Lembre-se de que você não está imune à percepção seletiva, à dissonância cognitiva
etc.

31. Recorde-se de que todo mundo tem valores e pressupostos. Desconfie, portanto, dos autores de
Petit cours d'autodéfense intellectuelle. Este livro, em todo caso, não esconde que suas convicções são
libertárias e o convidam a levar isso em conta a fim de avaliar seus propósitos.

Percebo aqui, com tristeza, que este capítulo está quase terminado sem que eu
tenha utilizado uma única vez a palavra cassetete. Ah! Eis o que é acontece...
As mídias independentes
O fato de as mencionarmos aqui não significa que compartilhemos necessariamente os valores de
cada uma: com certeza, cabe a você escolher suas leituras saudáveis.
Mídias impressas
4 bâbord!
http://www.ababord.org/
"a bâbord\ é uma revista que se pretende aberta a todos os componentes da esquerda que-
bequense e ser eco de seus debates e preocupações. Com um engajamento central: a inter­venção social e
política. Para refletir não apenas a militância social e política, mas também uma visão da ação social e
política."
CQFD http://www.cequilfautdetruire.org/ Jornal mensal de contra-informação e de crítica social.
CourantAlternatif http://oclibertaire.free.fr/ca.html
0 Courantalternatif editado há mais de vinte anos, é um jornal mensal de contra- informação aberto
às dinâmicas e às lutas sociais.
Dautfoumal http://www.lautjournal.info/
“OLauCjournalé um jornal independente, aberto e popular. Publicado em Québec, todos os meses,
pelo grupo do jornal, desde 1984, e editado pela Éditions du renouveau québécois. L'aut'journalé de
propriedade registrada e todos os direitos são reservados. No entanto, encoraja a reprodução de artigos e
A
fotos indicando a proveniência e enviando uma cópia da publicação ao L uFjournal."
La Décroissance
http://www.casseursdepub.org/journal/index.html
0 projeto do La Décroissance é a única solução possível para o desenvolvimento da miséria e a
destruição do planeta. La Décroissance é um movimento de idéias e um conjunto de práticas que não
pertencem a ninguém. Está a serviço dessa causa, mas não pretende ser o depositário exclusivo. Quer, ao
contrário, ser um vetor de debates e de mobilizações para convencer os partidários do "desenvolvimento
sustentável" de seu impasse. 0 jornal dirige-se, por seu conteúdo, ao grande público com o princípio de que
as escolhas políticas consistem numa tarefa de todos.
Le Couac
http://lecouac.org
Le Couac é um jornal mensal satírico quebequense que ridiculariza a tolice humana. Exemplo de
imprensa livre, crítica e jovial, aborda assuntos da atualidade desprezados pelos jornalistas convencionais.
Esse "pato com dentes" morde todos aqueles que zombam de nós: tecnocra- tas, absconsos, políticos
inconseqüentes, jornalistas complacentes, patrões e homens e mulheres de negócios sem escrúpulos.
Le Mouton NOIR
http://www.moutonnoir.com/
"0 Le Mouton NOIR é um jornal de opinião e de informação publicado oito vezes por ano. 0 Le
Mouton NOIR, na versão 'em papel', está disponível em quiosques por toda Québec."
MotherJones
http://www.motherjones.com/index.html
MotherJones é uma revista independente sem fins lucrativos cujas bases estão em seu
comprometimento com a justiça social implementada por intermédio de uma cobertura investi- gativa de
ponta. A Mother Jones é publicada a cada dois meses.
New Intemationalist
http://www.newint.org/
"A cooperativa dos trabalhadores do New Intemationalist existe a fim de escrever sobre as questões
acerca da miséria e da desigualdade no planeta; chama a atenção para a relação injusta entre os poderosos
e os excluídos em todo o mundo; tem o intuito de debater e fazer campanha pelas mudanças radicais
necessárias, com o objetivo de atender às necessidades básicas de todos; e visa trazer à vida o povo, as idéias
e a ação na luta pela justiça global. A New Intemationalist é uma revista mensal."
PLPL
http://plpl.org
0 jornal de crítica das mídias. "Um bimestral sarcástico contra os órgãos do espetáculo da ordem
mundial capitalista."
Politis
http://www.politis.fr/
Revista francesa publicada semanalmente. Principais temas: ação cidadã e alternativa, atualidade da
economia social e solidária, política, novas formas de engajamento, jogo internacional, cultura, idéias,
protestos.
Silence
http://www.revuesilence.net/
"A revista Silence é publicada desde 1982. Ela pretende ter uma relação com todos que acreditam ser
possível viver hoje de outra forma, sem aceitar o que as mídias e o poder nos apresentam como uma
fatalidade."
Mídias eletrônicas
A-Infos
http://www.ainfos.ca/

"A-Infos é uma agência de imprensa especializada a serviço (fazemos o melhor que pode­mos) do
movimento dos ativistas revolucionários anticapitalistas que estão engajados em diferentes lutas sociais
contra a classe capitalista e seu sistema social."
Acrímed
http://www.acrimed.org

"A Action-CRItique-MEDias [Acrimed] se propõe a ser um Observatoire des médias e intervir


publicamente, por todos os meios à sua disposição, para questionar a inserção de propaganda na
informação, na cultura e no divertimento, como os desvios do jornalismo quando está dominado pelos
poderes políticos e financeiros e quando veicula a informação de pronta entrega da sociedade de mercado."
Adbusters
http://www.adbusters.org/home/
Site anglófono de contra-informação, anticapitalista.
Alternative Press Center (APQ
http://www.altpress.org/
"0 Alternative Press Center (APQ é um grupo não-lucrativo dedicado a fornecer acesso e aumentar a
consciência do público para a imprensa alternativa. Fundado em 1969, continua a ser uma das mais antigas
instituições de mídia alternativa auto-sustentada dos Estados Unidos. Por mais de 25 anos, o Alternative
Press Index é reconhecido como o principal guia da imprensa alternativa nos Estados Unidos e em todo o
mundo."
CMAQ
http://www.cmaq.net
"0 Centre de médias aIternatifs du Québec (CMAQ) é um ponto de encontro físico e uma plataforma
virtual de informação independente e alternativa. Ele visa ao real exercício da democracia, incentivando o
engajamento cidadão por, e para, uma reapropriação da informação. 0 CMAQ pertence à rede Indymedia."
Casseurs de pub
http://www.casseursdepub.org/
"Criada em 1999, a Casseurs de pub é uma associação cujo objetivo é promover a criação gráfica e
artística com base na crítica da sociedade de consumo e na promoção de alternativas."
Counterpunch
http://www.counterpunch.org/
"A CounterPunch é uma publicação quinzenal de investigação e denúncia políti- co-admistrativa
editada por Alexander Cockburn e Jeffrey St Clair. Duas vezes por mês, trazemos para os leitores histórias que
a imprensa corporativa jamais publica. Não somos jornalistas alternativos na CounterPunch. Nossas histórias
são de denúncia com uma atitude radical e nada nos faz mais felizes do que quando os leitores de
CounterPunch escrevem para dizer o quão útil acharam nossa publicação em sua luta contra a máquina de
guerra, os grandes negócios e os detratores da natureza."

Cybersolidaires
http://www.cybersolidaires.org/
"0 Cybersolidaires é uma mina de informações atualizadas com regularidade acerca das fi­lhas e mulheres
das Américas e do mundo, em especial sobre a violência contra as mulheres, osfundamentalismos, as mulheres
afegãs, a prostituição e a exploração sexual, assim como a luta pela paz, por uma globalização solidária e para que
as mulheres assumam seu lugar na sociedade da informação e da comunicação."
Ecorev'
http://ecorev.org/
"Revista ecológica de reflexão e de debate, a EcoRev é um instrumento a serviço dos atores e atrizes
na luta pela transformação social e ecológica em escala planetária, provenientes dos movimentos da
esquerda crítica e dos movimentos cidadãos não- partidários emergentes em face da globalização liberal."
Fair
http://www.fair.org/
"0 FAIR, grupo de vigilância da mídia nacional, vem oferecendo críticas bem documentadas das
tendências e da censura da mídia desde 1986. Trabalhamos para fortalecer a Primeira Emenda, ao defender
maior diversidade na imprensa e ao examinar em detalhes as práticas da mídia que marginalizam o interesse
público, os pontos de vista minoritários e divergentes. Como organização contrária à censura, expomos
histórias de noticias negligenciadas e defendemos jornalistas que trabalham quando são silenciados. Como
grupo progressista, o FAIR acredita que a reforma estrutural é basicamente necessária para fragmentar os
conglomerados de mídia dominantes, estabelecer transmissão pública independente e promover vigorosas
fontes de informação não- lucrativas."
Guerrilla News NetWork
http://www.guerrillanews.com/
"A Guerilla News NetWork é uma organização de noticias underground com escritório em Nova York
e instalações de produção em Berkeley, Califórnia. Nossa missão é expor ao povo questões globais
importantes por meio da programação na Internet e na televisão."
Hacktivist news Service
http://www.hns-info.net/
"Se a comunicação está no coração do processo de acumulação do controle imperialista, a
comunicação alternativa que utiliza a Internet é uma das novidades e assume múltiplas formas de
intervenção política, tanto no plano local quanto mundial, fora do contexto ultrapassado dos Estados-nação,
que se opõem à lógica da guerra mundial permanente e difusa, a geometrias, intensidades e conseqüências
variáveis e experimentam novos percursos
de luta, liberação, emancipação de cooperações, troca de saberes, de criação, de prazeres, de afetos
etc."
IndyMédias
http://www.indymedia.org/fr/
"0 Independent Media Center é uma rede de distribuição de mídia operando em grupo para a criação
de relatos de verdades radicais, precisos e apaixonados. Trabalhamos por amor e inspiração pelas pessoas
que continuam a contribuir para um mundo melhor, apesar das distorções das mídias corporativas e da má
vontade em cobrir os esforços a fim de libertara humanidade."
Infoshop.org - Online Anarchist Community http://www.infoshop.org/
"A lnfoshop.org está engajada na promoção e representação de todos os aspectos do anarquismo e
do antiterrorismo contemporâneo."
L'lris
http://www.iris-recherche.qc.ca/
"Possui uma dupla missão. Por um lado, o instituto produz pesquisas, brochuras e folhetos de
propaganda sobre o grande jogo socioeconômico do momento (sistema fiscal, pobreza, globalização,
privatização etc.) a fim de oferecer um discurso diferente daquele da perspectiva neoliberal. Por outro, os
pesquisadores oferecem seus serviços a grupos comunitários, grupos de ecologistas e sindicatos para
projetos de pesquisa específicos ou redação de memórias."
L'ltinérant électronique
http://www.itinerant.qc.ca/index.html
"0 principal objetivo do 1'ltinérant électronique é fornecer aos intervenientes e às interve- nientes do
grande universo das relações de trabalho conteúdos dinâmicos e pontuais sobre acontecimentos locais,
nacionais e internacionais em relação aos grandes processos da atualidade."
L'Observatoire des inégalités http://www.inegalites.fr/
"0 Observatoire des inégalités não é um movimento político. Seu papel não é apoiar esse ou aquele
partido ou associação, mas contribuir para esclarecer ou criticar as escolhas públicas. Por isso, temos a
convicção de que é necessário, de maneira sempre renovada, comprometer-se a elaborar um inventário que
seja o mais completo possível e permaneça acessível ao grande público. Essa posição de observação não
impede - muito pelo contrário - de se pronunciar sobre as políticas públicas, de formular pistas para avançar
em direção à igualdade, ou assinalar essa ou aquela ação extraordinária. Em contrapartida, o Observatoire
recusa uma posição militante de defesa de um único programa: seu objetivo é alimentar o debate aberto, no
limite dos valores compartilhados por seus membros. Ele se maculará ao dar a palavra a todos aqueles que
lhe parecem abrir as vias da igualdade. Nenhum sindicato ou partido poderá tirar proveito de seu apoio
direto."
L'Observatoire français des médias http://www.observatoire-medias.info
"0 Observatoire français [des médias], criado em 24 de setembro de 2003, pretende proteger a
sociedade contra abuso, manipulação, falsidades, mentiras e campanhas de intoxicação dos grandes meios
de comunicação em massa - que acumulam poder econômico e hegemonia ideológica-, defendem a
informação como bem público e reivindicam o direito de saber dos cidadãos."
La Haine - Proyecto de Desobediencia informativa http://www.lahaine.org/
"Estendemos a ação direta e os espaços de poder alternativo. La Haine é um conjunto de pessoas
que, em diferentes lugares da Espanha, difundem lutas que estão acontecendo sobretudo na Europa e na
América Latina."
La Tribu du verbe
http://www.latribuduverbe.com/
Atualidade política, seguida de ações militantes, crítica das mídias. Le portail des copains
http://rezo.net
Um portal de informação alternativa. Seleção de um número muito grande de fontes eletrônicas,
tanto políticas e militantes quanto literárias e artísticas.
Les Pénélopes
http://www.penelopes.org/
"0 Les Pénélopes tem por objetivo promover, editar e difundir informações, utilizando todos os tipos
de mídias, do ponto de vista das mulheres, e favorecendo todas as atividades que garantem a troca, o
tratamento, a atualização, a centralização e a difusão das informações em favor de todas as mulheres do
mundo."
Multitudes
http://multitudes.samizdat.net
"[0] Objetivo [de multitudes] é experimentar as novas condições de enunciação e de agencia- mento
da política, esboçando os problemas que atravessam os campos da economia política, da filosofia, das
práticas artísticas ou de culturas emergentes da liberdade da tecnologia e da informática."
One World.net news
http://www.oneworld.net/section/current
"A OneWorld net abrange cinco continentes e produz conteúdo em 11 línguas diferentes, publicada
em seu site internacional, edições regionais e canais temáticos. Muitos são produzidos no Sul para ampliar a
participação no debate global dos povos mais pobres e marginalizados do mundo."
PRWatch
http://www.prwatch.org/
"A PR Watch, uma publicação quadrimestral do Center for Media & Democracy, dedica-se à
cobertura investigativa do setor de relações públicas. Atende cidadãos, jornalistas e pesquisadores, buscando
reconhecer e combater práticas enganosas e manipuladoras de RR"
Rebelión
http://www.rebelion.org/
"0 Rebelión pretende ser um meio de informação alternativo que publica notícias que não são
consideradas importantes pelos meios de comunicação tradicionais. Também visa dar às notícias um
tratamento diferente, mas objetivo, buscando mostrar os interesses que os poderes econômicos e políticos do
mundo capitalista ocultam para manter seus privilégios e condições atuais."
The Alternative Information Center
http://www.alternativenews.org/
"0 AIC é uma organização palestino-israelense que divulga a informação, pesquisa e análise política
sobre as sociedades palestina e israelense, assim como o conflito entre eles, enquanto promove a cooperação
entre esses povos com base nos valores de justiça social, solidariedade e envolvimento comunitário."
Transnationale.org
http://fr.transnationale.org/
Site de informação sobre as empresas "transnacionais". Uma mina de informação extremamente
rica, precisa e atual.
Z Communications
http://zmag.org
"ZNeté um site atualizado diariamente para transmitir informação e prestar serviço comunitário.
Cerca de trezentas mil pessoas por semana utilizam os artigos da ZNet, em áreas de vigilância, subsites,
traduções, arquivos, links para outros sites, programa diário de comentários e muito mais."
Rádio
CIBL 101,5 FM
http://www.dbl.cam.org/new/index.php
"A CIBL é uma estação radiofônica de Montreal livre, independente e comunitária."
CKIA 88,3 FM Radio Basse-Ville http://www.meduse.org/ckiafm/index2.html

"A CKIA é uma rádio comunitária proveniente, em sua totalidade, de iniciativas populares Desde
1894, seu micro está aberto às causas sociais e às paixões mais diversas. Cerca de membros produtores
criam os sessenta programas que povoam suas ondas."
150
CKUT90.3 FM
http://www.ckut.ca/
"ACKUT é apenas uma estação de rádio comunitária não-lucrativa do campus que fornece música,
notícias e programas alternativos à cidade de Montreal e às áreas vizinhas. Cerca de duzentos voluntários
trabalham intimamente com os coordenadores, não apenas para fazer uma programação de rádio criativa e
perspicaz, mas também para administrar a estação."
CINQ102,3 FM Radio Centre-Ville
http://www.radiocentreville.com/
"A Radio Centre-Ville é a rádio comunitária e multílíngüe de Montreal, desde 1975. Ela faz
transmissões em sete línguas [francês, inglês, espanhol, grego, português, crioulo e chinês (mandarim e
camponês)].”
Vídeos
Big Noise Films
http://www.bignoisefilms.com/
"Big Noise é um grupo de indivíduos, todos voluntários, que produzem mídia não- . lucrativa em todo
o mundo, dedicada a fazer circular imagens bonitas, apaixonantes e revolucionárias."
Les Lucioles
http://www.leslucioles.org/
"Desde setembro de 2002, Les Lucioles divulga seus filmes de caráter sociopolítico. Os filmes têm por
objetivo fazer entender e ver, muitas vezes, realidade diversa da veiculada pelas mídias tradicionais. 0 grupo
não pretende uma objetividade absoluta; ele se engaja mesmo com orgulho em denunciar, propor e suscitar
debates na sociedade. Os cur- tas-metragens engajados combinam diversidade de gêneros e de falas. Por
meio de notas, documentários, ficções, ou ainda filmes de animação, os videastas abordam diferentes
assuntos da atualidade."
Whispered Media
http://www.whisperedmedia.org/
"A Whispered Media utiliza vídeo e outras ferramentas de mídia para dar suporte a campanhas de
justiça social, econômica e ambiental."

Terminemos este capítulo sugerindo algumas regras de conduta inspiradas


naquilo que aprendeu.
Algumas regras de ouro
Considerações gerais sobre a mídia
A quem pertence essa mídia?
Quais as possíveis tendências que esse tipo de propriedade pode ter?
Que lugar é reservado à publicidade?
Quais são as fontes utilizadas - agências de notícias, pesquisas, especialistas, governos, empresas de
relações públicas etc.?

Considerações gerais sobre um documento


Quem assina o artigo que leio, a reportagem que vejo ou escuto?
É uma pessoa fidedigna? Tendenciosa?
0 que me faz crer nela?
A que público se dirige?
Quais os pressupostos e valores adotados?
De que ponto de vista estamos falando?
De que gênero de texto se trata:
-Uma notícia?
-Uma opinião?
-Uma reportagem?
-Uma crônica?
-Um editorial?
-Uma publicidade?
-Outra coisa?

Dicas para analisar um documento


Onde esse documento aparece no conjunto da mídia?
-Na primeira ou na última página?
-Na abertura ou no fechamento da publicação?
É pertinente?
Qual o assunto ou problema abordado?
A mídia tem interesse na notícia, história, assunto, problema tratado ou abordado?
0 quanto existe de sensacionalismo?
Joga-se em excesso com o novo, o pouco comum, o sensacional, o dramático?
Qual o lugar para imagens ou ilustrações? Que fontes são utilizadas?
Sào pertinentes, fidedignas, facciosas?
Quais os fatos invocados?
São pertinentes e dignos de confiança, sua apresentação é tendenciosa?
Que argumentos são invocados?
São válidos?
Existem contradições?
0 vocabulário utilizado é neutro?
Podemos tirar outras conclusões a partir dos mesmos fatos?
-Com a ajuda de outros pressupostos?
-De outros valores?
Como julgaríamos esses fatos segundo outras perspectivas - por exemplo, em outro lugar do mundo,
em outras classes sociais, em relação ao sexo ou idade?
Podemos tirar alguma conclusão dessas multiplicações dos pontos de vista?
Conclusão
Até o momento, vimos tudo que esta obra queria fazê-lo descobrir. Nosso
percurso, então, termina aqui.
Resta-nos, no entanto, duas coisas a fazer: eu, uma, e você, outra.
De minha parte, gostaria de dar-lhe meios para ir mais longe e convidá-lo a
consultar a bibliografia a seguir, que contém os trabalhos que me parecem capazes de
acompanhá-lo no aprofundamento do pensamento crítico.
De sua parte, lembre-se: você deve voltar a ler o detector de tolices de Sagan.
Espero que tudo que aí se encontra seja, para você, de agora em diante, totalmente
familiar...
E, contudo, para Sagan que proponho dar a última palavra, ele que evocava com
classe o que chamava de “o delicado equilíbrio” do pensamento crítico que devemos
procurar:
Parece-me ser necessário um delicado equilíbrio entre duas tendências: a que nos impulsiona a
examinar com atenção de maneira incansavelmente cética todas as hipóteses que nos são submetidas e a
que nos convida a guardar uma grande abertura a novas idéias. Se você é apenas cético, nenhuma idéia nova
chegará a você; e não aprenderá jamais o que quer que seja de novo; você se tomará uma pessoa detestável,
convencida de que a estupidez reina no mundo — e, com certeza, muitos fatos existem para lhe dar razão.
Em contrapartida, se está aberto para a credulidade e não tem nem mesmo um pouco de ceticismo, então
não é nem mais capaz de distinguir entre as idéias úteis e as que não possuem nenhum interesse. Se todas as
idéias têm a mesma validade, você está perdido: porque, então, nenhuma idéia tem mais valor.
Bibliografia
LIVROS E ARTIGOS
Generalidades
ALLEN, Steve. “Durnbth”. The LostArt of Thinking With 101 Ways to Reason
Better & Improve YourMind, Prometheus Books, Amherst, Nova York, 1998.
BARON, Jonathan. Thinking and Deciding, Cambridge University Press, Nova
York, 1988.
BÉLANGER, Marco. Sceptique ascendant sceptique — Le doute et Phumour:
pour bien aborder les années 2000, Editions intemationales Alain Stanké, Montreal,
1999.
Blackburn, Pierre. Logique de Vargumentation, 2- edição, Editions du Renouveau
Pédagogique inc., Sa- int-Laurent, Quebec, 1994.
Cannavo, S. Think to Win — The Power of Logic in Everyday Life, Prometheus
Books, Amherst, Nova York, 1998.
CAPALDI, Nicholas, TheArtofDeception —An Introduction to Criticai
Thinking, Prometheus Books, Bufía- lo, Nova York, 1987.
CARROLL, RobertTodd. The SkeptiPs Dictionary —A Collection
ofStrangeBeliefi, AmusingDeceptions, and Dangerous Delusions, John Wiley & Sons,
Inc., Hoboken, Newjersey, 2003.
CEDERBLOM, Jerry e David W. PAULSEN. Criticai Reasoning —
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Para entrar em contato com Normand Baillargeon
baillargeon. normand@uqam. ca
Notas
Introdução
Leia com interesse o artigo de S. Larivée, “L’Influence socioculturelle sur la
vogue des pseu- do-sciences”, disponível na Internet no site
http://www.sceptiques.qc.ca.
C. Sagan, O Mundo Assombrado pelos Demônios. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
Capítulo 1
John Searle apresenta assim, com o intuito de assinalar bem o que ela tem de
fantástico, nossa capacidade de falar. Ver J. Searle, Mind, Language and Society.
Philosophy in the Real World, pp. 135-136.
Górgias, Eloge d'Hélène, passim.
S. Ramptom e J. Stauber, Trust Usj We're Experts, Gap. 3.
Adaptado de H. Kahane, Logic and Contemporary Rhetoric — The Use ofReason
in Everyday Life, p. 137.
http://www.ofa.gov.on.ca/francais/ajt/contents .html.
D. Ravitch, The Language Police. How Pressure GroupsRestrict What
StudentsLeam, pp. 10 e 13.
Heródoto, HistoiresI, 91.
Um antigo termo da filosofia, hoje bem pouco utilizado, que designa a ação pela
qual uma causa eficiente, agindo sobre uma “matéria”, faz aparecer determinada
forma.
Os documentos relacionados à questão podem ser consultados no site da
Association Française pour 1’Information Scientifique:
http://site.afis.free.fi-/phpteissier/frames.php3.
E. Tessier, Situation épistémologique de Pastrologie à travers
1'ambivalencefascination/rejet dans lesso- ciétés postmodemes, Tese de Doutorado em
Sociologia, La Sorbonne, Paris. Resumo.
N. Baillargeon e D. Barsamian, Entretiensavec Chomsky, Editions Écosociété,
Montreal, 2002, pp. 45-46.
J. Scott Armstrong, “Unintelligible Management Research and Academic
Prestige”, Interfaces, v. 10, n 2,1980, pp. 80-86.
A literatura sobre a célebre questão Sokal é farta. Para dizer, de modo sucinto, do
que se trata: esse físico, Alan Sokal, conseguiu publicar em um periódico de cultural
studies um texto fazendo coro aos críticos da ciência e da racionalidade comuns em
certos meios acadêmicos. Contudo, seu artigo estava recheado de tolices consideráveis
e falsidades sobre a ciência, que escaparam aos editores da revista. Com isso, Sokal
queria sugerir que, nesses meios, algumas pessoas conhecem pouco a ciência cuja
crítica fazem de maneira tão despreocupada. Pode-se ler a esse respeito em: A. Sokal e
A Bricmont, Impostures intelleduelles. Paris: Odilejacob, 1999.
Sigo aqui a apresentação de Paul Lazarsfeld no artigo clássico e muitas vezes
reproduzido “Des
concepts aux indices empiriques”. Encontrado em: R. Bourdon e R.
Lazarsfeld, Vocabulaire des Sciences sociales. Paris: Mouton, 1965.
A expressão (ífo art ofmental trickery andmanipulation) éde Richard
Paul e Linda Elder, em Foundation for Criticai Thinking.
“É impossível que o mesmo atributo pertença e não pertença ao mesmo sujeito
na mesma relação” (Aristóteles, Metafísica).
H. Kahane, Logic andContemporary Rethoric — The Use ofReason in Everyday
Life.
Retomo esse exemplo de M. S. Engel, FallaciesandPitfallsofLanguage-
TheLanguage Trap, p. 150.
Capitulo 2
Pelo doutor Arithmétix, especialista em matematofobia crônica.
J. Best, Damned Lies and Statistics. Untangling Numbersfrom the Medias,
Politicians, andActivists. University of Califórnia Press,
2001.
S. Andreski, Les Sciences sociales, sorcellerie des temps modemes, p. 143.
Observe que em 2 de abril de 2005, esse montante chegou a 160 bilhões. Fonte:
Cost of war, http://costofwar.com/
J.A. Paulos, Innumeracy. Mathematical Illiteracy and Its Consequences, Vintage
Paper, 1990.
Sobre Geller, lemos com interesse e proveito acerca do mágico que o
desmascarou em J. Randi, The Magic ofUri Geller. Nova York: Ballantine Books,
1975.
Citado por R. T. Carroll, The SkeptiPs Dictionary —A Collection ofStrange
Beliefs, Amusing Decep- tions, and Dangerous Delusions, p. 197. A lista seguinte
provém da mesma fonte.
D. Duíf, Hoiv to Lie ivith Statistics. Nova York: Norton, 1954.
S. Rubenstein, “Millions suddenly became fat without gaining any weight”, San
Francisco Chro- nicle, 11 de outubro de 1996, p. A6. Citado por S. Diestler,
Becominga Criticai Thinker.A User Friendly Manual, p. 73.
Este exemplo foi retirado do site http://members.cox.net/mathmistakes/glossaryl
.htm\#Multiple
J.D. McGervey, Probabilities in everyday life, p. 229.
J. A. Paulos, Innumeracy. Mathematical Illiteracy andIts Consequences, pp. 7 e
97.
Entendemos por primogênito “o primeiro filho da família”.,.
M. Gardner, Gotcha. Paradoxes to Puzzle andDelight, pp. 114-115.
Citado por J. Rose, Le Hasard au quotidien: Coincidencesjeux de hasard,
sondages, pp. 87-88.
Essa ilustração é uma adaptação retirada da obra clássica de Edward Tufte sobre
a apresentação visual da informação quantitativa, The Visual Display of Quantitative
Information. 2 ed. Cheshire: Graphics Press, 2001.
S. K. Campbell, Flaws andFallacies in Statistical Thinking, pp. 60-65.
D. Huff Horw to Figure it, p. 404.
Ibid., p. 405.
Ibid.
Adaptado de Huff, Hoiv to Lie, p. 61.
Ibid., p. 62.
Capítulo 3
O site de Bruno Dubuc sobre o cérebro contém vários exemplos. Ver:
http://www.lecer- veau.mcgill.ca.
T. Hines, Pseudoscience and the Paranormal: A Criticai Examination ofthe
Evidence, p. 168.
http://www.lecerveau.mcgill.ca/
Exemplos retirados do site Le Cerveau d tous les niveaux, ver a relação mais
adiante. Encontraremos, também, uma exposição bastante clara sobre as ilusões de
ótica e poderemos observar, em especial, uma das mais extraordinárias: O Echiquier
dlAdelson, que não posso reproduzir aqui porque exige a presença de cor.
J. Nickel, “Holy Grilled Cheese?” no SkepticalInquirer, v. 29, n 2, março-abril de
2005, p. 9.
Podemos ler sobre o assunto em P. Thuillier, “La triste histoire des rayons N” em
Lepetitsavant il- lustré, pp. 58-67.
Elizabeth Loftus propõe uma síntese bastante interessante e acessível de seus
trabalhos em “Ma- ke-Believe Memories”, American Psychologist, novembro de 2003,
pp. 867-873.
L. Festinger, H. W. Riecken et S. Schachter, When Prophecy Fails, Harper &
Row, Nova York, 1956.
B. R. Forer, “The Fallacy or Personnal Validation: A. Classroom Demonstration
of Gullibility”, JournalofAbnormalPsychology, 44, pp. 118-121. Citado por R. T.
Carroll, 7 'Ae SkeptíPs Dictionary - A Collection ofStrange Beliejs, Amusing
Deceptions, and Dangerous Delusions, pp. 146-147.
C. Snyder etal. “The P. T. Barnum Effect”, Psychology Today, março de 1975,
pp. 52-54. Citado por T Schick e L. Vaughn, How to Think about Weird Things —
Criticai Thinkingfor a New Age, pp. 56-57. Tradução francesa de Normand
Baillargeon.
Os pesquisadores em psicologia evolutiva estimam que isso se explique pelo fato
de, quando o problema é colocado da segunda maneira, um módulo de detecção de
trapaceiros c ativado. A idéia dessespesquisadores é no mínimo plausível. Grosso
modo, é a seguinte: nossa espécie evoluiu milhares de anos no seio de pequenos grupos
nos quais era muito útil saber em quem confiar, enquanto as capacidades e a utilidade
de formalizar esse tipo de problema em termos lógicos abstratos não ocorreram senão
muito mais tarde. Nosso cérebro está assim menos adaptado a esse último gênero de
operação.
B. Shaw, Pygmalion, ato V.
R. Rosenthal e L. Jacobson, Pygmalion in the Classroom, Holt, Rinehart and
Winston, Nova York, 1968.
Pnd., p. 180.
T. Schick eL. Vaughn, How to Think about Weird Things— Criticai Thinkingfor a
New Age, p. 61.
DavidHume, EnquêtesurPentendementhumain (1748), seção 10: “Desmiracles”,
primeira parte.
http://pseudo-sciences.org/editos/251.htm.
Sagan propôs, pela primeira vez, essa formulação na série de televisão Cosmos.
Capítulo 4
Essa experiência foi descrita em J. Randi, Flim-Flam! Psychies, ESP, Unicoms,
andotherDelusions, Cap. 13.
P Cobb etal., “Assessment ofa Problem-Centered Second- GradeMathematics
Proyect”, Journal for Research in Mathematics Education, n22, 1991, pp. 2-29.
Sobre o fenômeno que esse caso célebre permite esclarecer, podemos ler em: T.
Sebeok e R. Rosenthal (dir.), The Clever Hans Phenomenon: Communication with
Horses, Whales, Apes, and People, Annals of the New York Academy of Sciences, v.
364, Nova York, 1981.
Retomarei aqui, por comodidade, os critérios de classificação propostos por
Robert Blanché em LÉpistémologie. Paris: PUF, 1981.
Essa apresentação foi inspirada em John Searle, Mind, Language, and Society.
Philosophy in the Real World, pp. 1-37. Uma exposição mais sistemática pode ser
encontrada em The Construction of Social Reality, passim, Caps. 7-9.
M. Gardner, “Is Realism a Dirty Word” em The Night is Large. CollectedEssays
1938-1995, p. 423.
Aristóteles, Metafísica, Livro IV.
M. Bunge, Finding Philosophy in Social Science, pp. 207-208.
T. Schick e L. Vaughn, How to Think about Weird Things — Criticai Thinkingfor
a New Age, pp. 235-240.
Ibid.,pp. 235-243.
A palavra homeopatia é composta por duas palavras gregas: homeo (semelhante)
e patbos (sofrimento).
Capítulo 5
Elas causariam a morte de quinhentas mil crianças. Interrogada alguns anos mais
tarde sobre os efeitos dessas sanções, a secretária de Estado Madelaine Albright
respondeu com franqueza: “Nós achamos que valeu a pena” (We think theprice isworth
it). Fonte: Programa de televisão 60 Minutes, 5 de dezembro de 1996.
Citado por S. Peterson, 77a Christian Science Monitor, 6 de setembro de 2002.
Isso foi explicado principalmente por John R. MacArthur em Second Front.
Censorship and Propaganda in the GulfWar, University of Califórnia Press, (1993)
2004.
La Presse, em 11 de janeiro de 1992, p. B4.
A história das empresas de relações públicas após a Commission Creel até os
anos 50 está maravilhosamente narrada no livro de S. Ewen, PR! A Social History of
SPIN, Basic Books, Nova York, 1996.
Citado por Noam Chomsky, “Media Control”,
http://www.zmag.org/chomsky/talks/ 9103- me- dia-control.html.
Bernays, nascido em 1892, morreu em 1995 com 103 anos. Em seu livro acima
citado, Stuart Ewen conta seu encontro com Bernays.
Podemos ler sobre o assunto: L. Tye, The Father ofSpin: Edivard L. Bernays and
the Birth of Public Relations, Owl Books, Nova York, 2002.
E. L. Bernays, Crystallizing Public Opinion, p. 26.
Todas essas histórias são relatadas e examinadas no trabalho de L. Tye, The
Father ofSpin: Edivard L. Bernays and the Birth of Public Relations e no de S. Ewen,
PR! A Social History of SPIN.
A. Carey, TakingtheRisk OutofDemocracy-Corporate Propaganda versus
Freedom and Liberty, p. 18.
Para nos atualizarmos acerca das empresas de relações públicas, poderemos
consultar http://www.prwatch.org/.
Sobre a análise e a crítica ao funcionamento das mídias, poderemos ler, entre
outros, em francês, os trabalhos de Pierre Bourdieu
(http://www.acrimed.org/articlel920.html), Alain Accardo (Joumalistes au quotidien;
Socioanalyse des pratiques joumalistiques, LeMascaret, 1995; Journalistes précaires,
Le Mascaret, 1998) e Serge Halimi (Les Nouveaux chiens de garde, Liber-Raisons
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