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GOTAS DO CORAÇÃO DO DHARMAKAYA

Prática Dzogchen da Tradição Bön


(Kuntuzangpo’i Nyingthig)
de Shardza Tashi Gyaltsen

Traduzido do tibetano para o inglês e comentado por Löpon Tenzin


Namdak.

LIVRO QUATRO – Práticas de Phowa e Bardo


Traduzido do inglês para o português por Rafael Roldan.

A Terceira Categoria de Ensinamentos Essenciais para a Prática

O Viajante Que Cruza as Montanhas e Tendo Errado Seu Caminho é


Ajudado a Encontrar o Caminho Correto

Esses são ensinamentos para liberação durante o bardo voltados ao


praticante de capacidade média. Esse ensinamento tem três
subdivisões, nomeadas como: os ensinamentos para o estado
intermediário da vida, as instruções para o momento logo antes da
morte e as instruções da vacuidade [1].

[1 – Löpon comenta que esta seção é para


aqueles que não tenham praticado durante
suas vidas e que, portanto, têm de depender
de ensinamentos do bardo].
Os Ensinamentos para o Estado Intermediário

Todos os seres dentro do que espontaneamente existe possuem dois


tipos de alaya [2]. Por exemplo, um espelho automaticamente acumula
sujidade, embora não seja ninguém que coloque sujeira nele. Do
mesmo modo, se você não tiver purificado todas as causas grosseiras
e sutis, então esses traços kármicos prévios que você acumulou se
tornam sementes de futuras ações kármicas. Você coletou muitas
causas e, assim, sem ser capaz de escolher, você renasce nos seis
reinos de seres sencientes e experimenta sensações de felicidade,
sofrimento e emoções neutras. Esses traços têm o poder de fazer
isso. Quando os traços kármicos estão misturados com a consciência,
isso é chamado de “consciência deludida”.

Os seres humanos, especificamente, estão atados pelos cinco


agregados [3]. Estes limitam a experiência humana de modo que
ficamos completamente restringidos; deste modo, não vemos as
visões dos cinco Corpos Búdicos [4].

Assim, essa limitação dos cinco agregados e as cinco consciências


restringem nossa experiência e encobrem a visão das cinco luzes
puras. Também estamos cingidos pelas emoções e causas kármicas.
Por isso, a visão da unificação, sabedoria e vacuidade é encoberta.
Estão sempre tomando e acumulando visões deludidas e sendo
enredados por elas. Por essa causa nós circulamos por incontáveis
vidas no samsara.
[2] Lopon comenta que isso se refere ao
alaya básico, que é a consciência, e
aqueles traços kármicos dependentes da
consciência.
[3] Estes são o corpo, a mente, as
percepções, as emoções e os órgãos dos
sentidos; outros reinos têm menos
skandhas. Por exemplo, os semideuses e
os deuses não estão limitados pelo corpo.
[4] Dharmakaya, Sambhogakaya,
Nirmanakaya, Corpo Natural e Corpo
Perfeito.

Por sempre termos esses sofrimentos e misérias, começamos a


buscar pelo nirvana, querendo ser liberados destes grilhões. Alguém
que faça surgir essa intenção deve desde o começo escutar e
aprender os ensinamentos corretos. Em segundo lugar, o que for
aprendido deve ser praticado com contemplação. Finalmente, o que
foi praticado deve dar fruto. Durante sua vida você deve fazer isso
ou sem qualquer sombra de dúvida você permanecerá preso no
samsara. Este é o propósito de uma vida valorosa.

Citação do Texto do Ouro Derretido: “Durante o bardo da vida


normal você deve aprender e praticar” [5]

Os Ensinamentos para o Período Um Pouco Antes da Morte

Há três capacidades de praticante. O primeiro morre como uma


criança morrendo, o segundo como um velho cão morrendo e o
terceiro como um rei moribundo.

Para o primeiro, não há preocupação sobre estar vivo ou morto, pois


uma criança pequena não sabe se quer estar viva ou morta.

Para o segundo, há duas subdivisões. Na primeira, ele é como um


cachorro que não se preparou para a morte, mas que quando percebe
que está morrendo, foge da multidão de gente e se deita na estrada
fora da cidade. Na segunda, ele é como é cão que, ao perceber que
está prestes a morrer, arruma tempo para fugir a uma grande
distância para encontrar uma caverna ou um vale vazio onde ele
certamente não será perturbado.

[5] Aqui o Lopon comenta que não é para ir


diretamente para a meditação após ter ouvido
apenas uns poucos ensinamentos – você deve
aprender e entender primeiro. Isso é como quando o
Quinto Dalai Lama refutou a ordem Kagyupa do
Budismo Tibetano com base em que não havia
nenhum aprendizado, apenas práticas para os
Siddhas [NT: realizados], em sua grade curricular
monástica. Decerto, dizia-se sobre aqueles dias que
metade do Tibete era de mendigos e a maior parte
deles eram Siddhas!

O terceiro tipo é como um rei morrendo. Quando ele está doente,


todo mundo está tentando curá-lo com remédios e pújas [NT:
oferendas rituais] e, após sua morte, todos os parentes o rodeiam e
vertem lágrimas por ele e ouvem seu testamento. Então, o povo faz
preces por quarenta e nove dias e há um elaborado funeral com uma
grande assembléia. Esse tipo de morte é para uma pessoa que
mostra o sinal de não ser um praticante real de Dzogpachenpo.

Esse é a maneira de morrer para seres ordinários [NT: no sentido de


comuns].

O praticante real, que tem visões e experiências com sabedoria e


clara luz, escolhe a postura correta para a morte. Esta é a do leão
deitado [6]. A mente é transferida através dos olhos e se mistura à
unificação sem qualquer prolongamento e conclusão. A pessoa apenas
permanece ali no estado natural e aceita a morte sem quaisquer
distrações.

Citação do Texto do Ouro Fundido: “É importante lembrar de não


estar deludido mas estar no estado natural antes da morte, o que irá
parar todos os elementos [7]. A melhor maneira é permanecer na
unificação da clara luz. Se o praticante faz isso, então ambas,
prática e experiência, ajudarão a pessoa a ir para as visões do estado
intermediário. A prática enviará e as visões do estado intermediário
receberão, de modo que a pessoa é capaz de ser liberada em um
instante".

[6]O Lopon comenta que essa postura é como a


postura do parinirvana de Shakyamuni vista nas
estátuas.
[7]O Lopon comenta que isso se refere ao fato de
que nosso corpo está conectado aos cinco
elementos, cada um servindo de suporte à mente.
Quando os elementos se desconectam, a mente
começa a perder o seu apoio, então o corpo, não
tendo mais conexão com a mente, não mais funciona.
Ele se torna um cadáver ou uma rocha.

O Ensinamento Essencial

Para esse propósito, de agora em diante, você deve sempre praticar


a contemplação do espaço vazio e permanecer unido com a sua
natureza sem distração. Às vezes, você deve pensar que quando
morrer se misturará apenas com a unificação. Isto você deve
praticar durante toda a vida. De tempos em tempos, pense dessa
forma enquanto mantém a visão no espaço vazio, então expire
fortemente e sustente sua contemplação nessa unificação. Esse é
meu ensinamento essencial.

Nesse caso, sem depender dos ensinamentos, a pessoa pode manter a


fé em seu mestre e amigos [NT: sangha]; eles devem lembrá-lo de se
manter na natureza. Se a pessoa percebe que está preparada para
interromper a conexão com os elementos, a pessoa pode ejetar sua
mente dizendo HIK vinte e uma vezes. Esta prática é parte de Phowa
[8], assim há duas coisas que as pessoas podem fazer. A melhor de
todas é não distrair a pessoa que parte de sua meditação ou fazer
qualquer coisa. Apenas se a pessoa for incapaz de permanecer
continuamente no estado natural é que isso deve ser feito. Nesse
caso, deve-se visualizar a mente como a letra AH dentro do canal
central na altura do coração. Cada vez que se diz HIK, a letra AH se
ergue na altura de um dedão até que ela deixa a coroa da cabeça,
ponto no qual ela é liberada no espaço.

No Magyu (ma rgyud) [9] há um ensinamento de Phowa em três


estágios – Phowa para o Dharmakaya, para o Sambhogakaya e para o
Nirmanakaya. Nesse caso, a pessoa deve ter experiência com a
transferência Sambhogakaya. Muito frequentemente, no
ensinamento tântrico há a descrição da desconexão dos elementos
um do outro. Se a pessoa não depender de uma desconexão gradual
da mente quanto aos elementos, ela pode se transferir ao nirvana.

[8] Essaé a prática da transferência da consciência,


que é descrita no texto seguinte.
[9] O Magyu ou Tantra-Mãe é o ensinamento do mais
elevado tantra dentro da tradição Bönpo sendo,
portanto, um texto muito importante.

Outro tipo de praticante é aquele que recebeu ensinamentos


detalhados sobre o Dzogchen mas não os praticou muito bem.
Nesse caso, a pessoa deve depender de várias formas de morrer,
de acordo com a desconexão dos elementos da mente. Há quatro
elementos externos e cinco descrições internas do céu e cinco
diferentes energias secretas. No total, há vinte ventos elevantes
que são gradualmente dissolvidos. O processo de sua dissolução foi
comentado por Shardza em detalhe no texto completo em dois
volumes, do qual esse é um resumo condensado.
A Desconexão dos Elementos

Aqui está a explicação simples de como a mente é desconectada [NT:


do corpo] no momento da morte.

Primeiro, uma citação do Texto do Ouro Derretido: “Quando o


elemento terra se dissolve na terra e é desconectado da mente, o
sinal será o de que o corpo se sente muito pesado e embora a pessoa
possa estar faminta, será incapaz de comer, ficar de pé ou se mover.
Quando o elemento água se dissolve na água e é desconectado da
mente, o sinal é de que a pessoa não pode reter líquidos e eles
começam a fluir da boca, nariz e olhos. Quando o elemento fogo é
desconectado da mente e se dissolve no fogo, o corpo começa a
esfriar a partir dos pés e se movendo ao centro. E quando o elemento
vento se dissolve no vento e é desconectado da mente, a pessoa faz
um som automaticamente e os membros começam a se mover
involuntariamente. Durante esse momento, os olhos rolam para trás
e esse é o sinal de que a morte chegou. Se a pessoa recebeu
ensinamentos previamente, então alguém deve relembrá-los para ela”.

Assim, em todos os ramos dos canais e veias, o sangue retorna ao


coração. Esse sangue gera três gotas dentro do coração onde há
um espaço oco e três exalações ocorrem. Essa é a expiração final.
Neste momento, a gota de sêmen recebida do pai desce da coroa
ao coração pelo canal central e a gota de sangue recebida da mãe
sobe do plexo solar ao coração da mesma maneira. A pessoa
moribunda vê primeiro uma brilhante luz branca e, então, uma
brilhante luz vermelha. Quando as duas gotas se encontram no
centro do coração, tudo se escurece e a inconsciência ocorre por um
período incerto de tempo. O bom praticante que permanece no
estado natural, se for bastante realizado, pode se lembrar do estado
natural durante este momento, mas é muito difícil.

A duração de tempo da inconsciência depende de muitas condições,


mas depois a pessoa desperta com uma consciência muito lúcida. Se
a pessoa recebeu esses ensinamentos e realizou o estado natural,
então ela estará no estado natural, como uma clara luz num céu sem
nuvens, sem visões tsel aparecendo. É muito importante perceber
que isso ocorre para todos os seres após a morte. Todos ficam ali
por um período longo ou curto, embora seja incerto quão longo será
para qualquer indivíduo específico. Mas a realização disso depende
deles.

Se a pessoa percebe sua própria presença nesse momento e realiza o


estado natural, então a pessoa com certeza obterá a Buditude, a
qualidade de Buda.

Citação de Colher Dourada (gsergyi thur ma): “Este é o momento


da separação da sabedoria e da mente. Se a pessoa que praticou
perceber isso aqui, então ela certamente se tornará um Buda e uma
vez que a pessoa tenha entrado nesse estado, jamais retornará ao
samsara. E MA HO – maravilhoso!"

As Visões do Bardo

O momento da visão clara é chamado de bardo bonyi (bon nyid) da


vacuidade. Se a pessoa não for liberada nesse momento, quando o
estado natural aparece claramente, então ela começa a ter visões
básicas da clara luz. Aparecem cinco cores muito brilhantes. Se você
perceber que essa é a sua própria visão, nesse momento também é
possível ser liberado.

Citação do Yangtse (yang tse): “A consciência sai pelos olhos e


desaparece no espaço e a visão da clara luz vem. Esse é o momento
para a pessoa que recebeu os ensinamentos e os praticou de ser
liberada”.

Se a pessoa não for liberada nesse momento, então outro estado


ocorre, chamado de “União com a Clara Luz”. Previamente, a pessoa
teve visões; agora elas se desenvolvem muito mais e a pessoa vê os
corpos dos Budas e ouve sons e vê luzes e raios. Se a pessoa tiver
praticado, pode haver muitas visões de divindades e formas.

Citação da quarta seção do Zhang Zhung Nyengyu (o Zerbu; gzer bu):


“A luz se transforma em reinos de ilimitadas divindades – claros
como arcos-íris brilhando no céu. E sons muito altos ressoam como se
estivessem num espaço vazio (como ecos). Eles vêm de dentro de si
mesmos sem interrupção, como dragões rugindo. Os formatos dos
raios são variados, como um brocado aberto. O praticante que
experimentou esses previamente verá os reinos dos Budas e todos
os Budas ali”.

Nesse momento, a pessoa vê raios saindo do seu peito e se conectando


com os Budas.

Citação do Texto do Ouro Fundido: “Dentro do coração a clara luz


brilha (num tigle [NT: pequena esfera atômica de sabedoria não-dual)
do tamanho de um dedão; as visões são conectadas aos Budas a
partir disso. Você tem de manter a natureza sem delusão. Para o
praticante que percebe que essas visões são todas suas próprias
visões, então essas visões são chamadas de 'a Consciência Entrou na
Luz’ ”.

Automaticamente, a pessoa pode entrar no estado natural sem


pensamento. Então, todas essas visões se dissolvem em raios que
chegam ao seu peito; isso é chamado de “a Luz se Dissolvendo na
Consciência”. Se a pessoa percebe que as visões são todas sua
própria natureza, a pessoa será liberada no estado natural.

Se a pessoa não mantém essa visão e não pode ser liberada na


natureza, então o próximo estágio é chamado de “Unificação se
Dissolve na Sabedoria”. Nesse momento, a visão vem do peito da
pessoa e finos raios de luz se erguem até o céu. O praticante olha
pelos raios e eles se tornam mais extensos com as cinco cores e
visões.
Citação do Texto do Ouro Fundido: “Quando a pessoa tem visões de
que seu corpo é luz, as cinco sabedorias pode ser vistas como cinco
cores e é importante perceber o estado natural. As cinco luzes são
azul, branca, amarela e vermelha. Essas quatro não estão separadas,
mas são finas e claras. Cada uma dessas cores e raios têm um tigle
no final de acordo com a cor dos raios; seu tamanho é como espelhos
e eles estão rodeados com as cinco cores. No topo desses tigle há
muitas luzes coloridas ao redor como a pena de um pavão. Isso é
chamado de ‘Visões das Quatro Sabedorias Unidas’ “.

O texto citado acima diz quatro, mas deveria dizer cinco cores; as
cinco sabedorias são todas coloridas e completas.

Se nesse ponto o praticante não perceber que essas visões são todas
visões criadas por si mesmo, então as sabedorias se dissolvem no que
espontaneamente existe. Elas se dissolvem ao redor das luzes e
estas se estendem e se tornam como o céu límpido. Sob ele aparecem
deidades iradas, completas com seus séquitos. Todas as divindades
pacíficas com seus séquitos estão completas e todos os seis reinos
de seres com os seis Budas emanados por Tonpa Shenrab pode ser
vistos. Eles não estão distantes do estado natural e, portanto, isso é
chamado de “a Visão da Base". [10]

[10] Lopon comenta que isso é chamado de


Dzogchen Zhitro, mas é uma visão que aparece
naturalmente, não uma visualização. Na prática de
zhitro (zhi khro), oitenta e seis Budas irados e
quarenta e cinco Budas pacíficos são vistos com os
seis reinos de seres emanados pelos seis Budas. No
bardo, a pessoa deixou o corpo físico, mas ainda
tem um yilu (yid lus), o corpo de visão (yid,
consciência; lus, corpo). É o mesmo que o corpo dos
sonhos, o corpo mental. Mesmo estando o corpo
físico morto, há tanto apego que a pessoa tem a
visão de seu corpo. Esse corpo pode ser sentido
como o corpo ordinário. Por exemplo, se você ficar
no bardo por duas semanas, então na primeira
semana você estará no seu corpo antigo e, na
segunda semana, você se sentirá no novo corpo no
qual renascerá. O tempo que você ficará no bardo
depende de sua condição – sete semanas, em média.
Mas a situação é a mesma do sonho. Há a história de
um homem que morreu e vagou pelo bardo. Ele
voltou até sua família e ninguém lhe respondia. Ele
estava muito chateado, pois pensava que todos o
estavam evitando por alguma razão. Foi apenas
quando ele viu seu corpo sendo cremado que ele
percebeu que estava morto

As Oito Visões

Após as visões das deidades pacíficas e iradas conectadas ao peito


da pessoa, há três estágios. Primeiro, oito visões surgem. A primeira
é chamada de visão da compaixão; a segunda é a visão da luz. A
terceira é a visão dos kayas [NT: corpos]; a quarta é a visão da
sabedoria. A quinta é a visão da unificação e a sexta é a visão da
liberação sem fim. A sétima é a visão do impuro e, finalmente, vem a
visão pura [11].

A Visão da Compaixão. Isso significa que a pessoa repentinamente


tem compaixão pelo samsara e nirvana igualmente – não há
preferência.

A Visão da Luz. A pessoa vê que as visões são todas de dentro da sua


natureza – elas existem espontaneamente [12].

A Visão dos Kayas. A pessoa vê que as visões não podem mudá-la;


sejam elas iradas ou pacíficas, não importa.

A Visão da Sabedoria. Isso significa que as visões não podem ser


interrompidas porque elas são reconhecidas como imateriais.
[11] Lopon comenta que a extensão dessas
visões depende do praticante. Para a pessoa
que não praticou, apenas a visão impura é
vista.
[12]Lopon comenta que é como a imagem
dentro do vaso de oferenda usado antes para
explicar o corpo de luz.

A Visão da Unificação. Isso significa que na consciência da pessoa,


ela controla onde quer que seja que deseja focar sem qualquer
delusão.

A Visão da Liberação Sem Fim. Todas as visões são liberadas no


estado natural.

A Visão do Impuro. Todo os seis reinos de seres são vistos.

As Visões Puras. Agora a pessoa pode alcançar o estado puro. As


oito visões são chamadas de visões puras; a sabedoria está
conectada com a mãe e o filho [13].

[13] Aqui o Lopon explica que as visões normais


são impuras e as visões Togel são puras. Nesse
texto é dito que as visões impuras são visões dos
seis reinos de seres; visões puras são como as
visões das divindades, mandalas, etc. Mas nessas
visões de Togel, a qualidade é a mesma, qualquer que
seja a visão que surja – não faz a menor diferença.
Todas vêm do estado natural e assim chegam ao
praticante. Geralmente, visões normais do dia-a-dia
são impuras, enquanto as visões Togel são puras.
Mas o ponto importante sobre visões Togel não é se
elas são puras ou não, mas que elas possam ser
claramente vistas como não tendo existência
inerente.

Se a pessoa praticou o suficiente para l iberar


seus obscurecimentos, ela terá visões puras, de
outro modo, não. As visões vêm das quatro
lâmpadas, mas até que a pessoa alcance o corpo de
arco- í r is, elas ainda estão misturadas com
obscurecimentos. Tanto a visão Togel quanto a
consciência cotidiana vêm do estado natural. De
acordo com o Zhang Zhung Nyengyu, na base do
estado natural há tsel e unificação. O tsel é
temporário e é a visão que aprendemos e
entendemos nesse texto; é chamada de filho. Às
vezes se diz que a consciência é o filho e a
vacuidade é a mãe.

Se a pessoa perseverar na prática, um dia a


unificação será estável e por um momento estará
próxima da natureza básica. Mas isso é apenas
temporário e limitado. É como velejar no Canal da
Mancha. Entretanto, se a pessoa praticar até o fim,
é inseparável e retorna à natureza real; isso é como
velejar pelo mar aberto. O que quer que a pessoa
pratique se desenvolverá e, em última instância,
retornará à natureza imutável.
Isso deve ser entendido ou pode se tornar fonte de
confusão. A natureza real não se desenvolve nem
diminui, mas a prática deve se desenvolver.
Simplesmente ouvir que o estado natural existe não
é o suficiente, pois ainda que algumas pessoas o
percebam, elas ainda circulam pelo samsara. Não há
contradição aqui. Você pode realizar a Buditude
num momento, mas ainda assim se diz que pode
levar muito tempo. Depende do ponto de vista.
Se a pessoa entende que todas as visões são originadas por si,
então ela será liberada no Dharmakaya.

Citação do Texto do Ouro Derretido: “Todas as visões dos trêsii


kayas existem espontaneamente e quaisquer visões que surjam
devem ser entendidas como sonhos, ilusões. Quando você percebe
isso, você realiza que elas não são inerentes; por conseguinte, você
deve deixar todo desejo por elas. Apenas deixe tudo como é, seja
o que for que vier, bom ou mau. Permaneça estável na unificação
natural, tão estável quanto possível. Isso é muito importante.
Qualquer que seja a visão que vier, não a note, mas permaneça
estável na unificação. Então, não há dúvida que você será liberado no
Dharmakaya”.

Agora, todas as visões se dissolvem na natureza de novo. Todas as


visões se dissolvem de oito maneiras diferentes, mas não uma após a
outra – todas são dissolvidas de uma vez só.

Citação do Texto do Ouro Derretido: “A primeira, visão da


compaixão, é dissolvida na compaixão, assim como quando o sol se põe
e todos os raios se vão juntos. Não há diferença entre quem está
conduzindo ou sendo conduzido. As visões da luz se dissolvem na luz
da mesma forma que o arco-íris é claro, mas não tem nenhum
material substancial em si. Na terceira, as visões dos kayas, todas as
visões de formas são dissolvidas nas formas. Elas são dissolvidas
externamente, na natureza. Assim, haverá claridade dentro, como
uma imagem que está dentro do recipiente. A quarta traz as visões
de sabedoria são todas dissolvidas na sabedoria e o filho vai para o
colo da mãe. Dessa maneira, a consciência é liberada na natureza
básica”. [14]

A visão da unificação dissolve-se na unificação, significando que


todas as visões se dissolvem na natureza como água sendo vertida
sobre água.

A sexta é a visão da liberação sem fim. Ela se dissolve assim como o


céu é dissolvido no céu e tudo está no Yungdrung Bön (o estado
natural).

A sétima traz as visões impuras. Elas são dissolvidas nas visões puras
como barracas colapsando quando você corta as cordas que as
sustentam. Tudo desmorona e você não pode ver a barraca – da
mesma maneira, tudo entra na luz sem qualquer delusão.

As visões puras se dissolvem na pureza, na porta da sabedoria. É


como o leão-das-neves que corre para a montanha alta – ele está a
salvo porque não há nenhuma dúvida de que ele não voltará.

Após todas as oito visões se dissolverem, tudo que resta é a


unificação, estável e clara para sempre. Alguém que percebe a
natureza da mente e pratica até esse ponto atingirá o lugar do
Dharmakaya e nunca retornará para o samsara de modo algum. É
importante ver que a prática durante a vida é a preparação para a
realização no bardo quando esses tipos de visões surgem. Se você
tiver experimentado todas essas visões, você pode percebê-las e
permanecer no estado natural.

[14] Lopon comenta que a unificação


significa que duas coisas estão unidas –
consciência e vacuidade. A consciência (o
filho) se dissolve na vacuidade (a mãe);
entretanto, eles sempre foram
inseparáveis. Mas como você pode dizer
que a consciência se dissolve na
natureza, se eles sempre estiveram
juntos? O que significa que a consciência
se dissolve na natureza? Você deve
entender que eles sempre estiveram
unidos; esta é a visão Dzogchen. Assim,
isso se refere apenas ao praticante que
começou a se realizar.
Quando uma pessoa entra no estado
intermediário, no começo não há visões.
Então, a pessoa sai daquele estado e as
visões começam. Elas são sons, raios e
luzes – e quando as visões começam, a
percepção se inicia ao mesmo tempo. Os
sons, raios e luzes são todos vistos como
objetos com a percepção como sujeito.

A primeira percepção é chamada de


yid (consciência). Naquele momento, a
pessoa tanto pode perceber que esses
objetos provêm da sua própria natureza
e as visões são ilusões ou a pessoa está
deludida e as vê como inerentemente
existentes. Nesse segundo caso, a
ignorância muito sutil, chamada de
“ignorância nascida junto” surge e esse é
o começo de um novo ciclo de
nascimento. Mas, se a pessoa perceber
que as visões são autogeradas, então
esse é o começo de Rigpa e a pessoa não
é levada para o samsara. Em um pequeno
instante, a pessoa se dissolve no estado
natural. Assim, a unificação da mãe e do
filho é a realização de que as visões são
criadas por si.

Os Três Ensinamentos

Essas visões vêm durante o período do bardo. Todas as suas


conclusões são sons, raios e luzes e isso é como um receptor. Se você
tiver praticado visões Togel, então isso é como um transmissor, de
modo que nesse momento em que você tem essas visões, você deve
lembrar os três ensinamentos seguintes.
Primeiro, qualquer que seja a visão que surja, tudo é a sua própria
autovisão. Lembre disso sem qualquer dúvida, como quando o filho vê
sua mãe.

Segundo, uma vez que você percebe que as visões todas autovisão, a
partir daí você nunca mais será deludido ou perturbado. Como uma
colher dourada, você nunca mudará [NT: não enferrujará como
ocorria com as colheres antigas de ferro e outros metais oxidáveis,
antes da invenção do aço inoxidável].

Terceiro, uma vez que você mantenha a unificação final estável, sua
consciência nunca retorna ao samsara. É como uma flecha atirada por
um Herói; ela sempre segue reta e nunca retorna.

Esses são os três ensinamentos.

Os três importantes ensinamentos foram extraídos do Dzogchen


Yang Tse (rdzgos chen yang rtse).

Citação do Dzogchen Yang Tse: “Quando ele [Lishu Daring] estava


ensinando isso a sua consorte, ele disse que a pessoa à qual foi
mostrada diretamente, dessa forma, durante a vida, não passará
mais do que pelo próximo bardo. As três matérias estarão recebendo
e as três matérias estarão enviando. A pessoa percebe os três
ensinamentos importantes e finalmente será liberada”. [15]

[15] Loponcomenta que esse é um importante


texto escrito por Lishu Taring (li shu stag ring), um
mestre do começo do século oito.

As Causas Secundárias Que Preparam para a Liberação

Há seis tipos de causas secundárias para lembrá-lo no bardo. São elas:


1. Quando as visões começam, você imediatamente percebe que
isso é uma visão.
2. Uma vez que você se lembre que essas são visões do
bardo, isso faz você lembrar de seu yidam e você pode ver o yidam.
3. Você percebe que você está no bardo você é lembrado do
seu lama. Então ele surge na sua frente e te ensina de novo sobre as
visões do bardo.
4. Você de repente se lembra dos ensinamentos que recebeu.
5. Você se lembra da sua perspectiva.
6. Você se lembra de praticar o estado natural e permanecer
nele.

Citação do Texto do Ouro Derretido: “Lembre-se do lama, lembre-se


do ensinamento, lembre-se do yidam, lembre-se da visão, lembre-se
da vacuidade e lembre-se da prática”.

Nesse momento, o praticante recebe as seis faculdades


clarividentes: (1) O seis órgãos dos sentidos se purificam e (2) a
inteligência é purificada. Portanto, todos os pensamentos e dúvidas
são purificados. (3) A sabedoria é purificada e, assim, sabe-se
quando todos os seres nascem e onde eles renascerão e (4) a
contemplação é purificada, de modo que fica fácil e estável. (5)
Todos os obscurecimentos são purificados, de modo que o praticante
atingiu seu propósito. A pessoa pode ver todos os seis reinos
claramente e emanar a eles e ensiná-los de acordo com seu
entendimento. (6) Todo conhecimento é purificado e a pessoa pode
ver todo o conhecimento dos Budas.

Citação do Texto do Ouro Fundido: “Todos os órgãos dos sentidos e


todo o conhecimento são puros, a sabedoria e a contemplação são
puros, todos os obscurecimentos são terminados e todo o
conhecimento é perfeito”.

Para alcançar esse estágio leva três momentos, o segundo estágio


leva cinco momentos e o terceiro, vinte e um momentos.

Esse é o fim dos ensinamentos do bardo.


Antes, dissemos que se você não perceber as visões no primeiro,
segundo ou terceiro estágios, mas você finalmente as perceberá no
quarto estágio, você renascerá nos reinos magicamente emanados e
você aprenderá e praticará o Dzogchen lá. Antes, todas as visões
vieram e você não percebeu os vinte e um níveis; você os percebeu
apenas no bardo da existência (o quarto estágio).

É como num sonho. Se você se lembrar agora que todas as visões


devem ser o bardo, você perceberá que você está no bardo da
existência. Se você se lembrar nesse momento e desejar renascer
nos reinos magicamente emanados, então você tomará um
renascimento mágico lá (i.e., um nascimento não dependente de pai e
mãe).

Citação da Colher Dourada: “Se você perceber o sipai bardo (sridpa’i


bar do) e você praticar nee, você será liberado de todos os traços
kármicos que resultaram no seu nascimento nos reinos dos seres
sencientes e você renascerá numa forma Nirmanakaya. O reino no
qual você nascerá está conectado a você pela prece e dedicação e, ao
final desta vida, você atingirá a Buditude”.

Portanto, se durante essa vida você julgar que não tenha praticado o
suficiente para fazer isso, você deveria praticar Phowa.

A Prática de Phowa

Imagine o canal central atravessando o seu coração e um buraco


na coroa de sua cabeça. Imagine sua mente saltando através deste
buraco como uma estrela cadente. Lembre-se dos reinos
magicamente emanados e lembre-se de sua intenção de renascer ali.
Sua mente é visualizada como a letra AH. Lembre-se que o Buda
principal desse reino e imagine que sua mente é ejetada como uma
estrela cadentes e se dissolve no coração dele. Se você deseja
renascer no leste (branco), o principal é o “Tonpa Claro Auto-
originado” (Buddha) e o reino é o “Mais Feliz Límpido”; ao norte
(verde), o reino é chamado de “Perfeição de Boas Ações” e o Tonpa
é chamado de Gelha Garchug (dgel lha gar phyug); ao oeste
(vermelho) o reino é chamado de “Flores Amontoadas" e o Tonpa é
chamado de Jedrag Ngome (bye brag dngos tried); ao sul (azul) o
reino é chamado “Lugar Excelente e Brilhante” e o Tonpa é chamado
Gawa Dondrub (dga’ ba don grub). Finalmente, o reino central é
chamado “Perfeição Existe” e o Tonpa é chamado Okar Nedzin
(Wdkar gna ‘dzin).

Rodeando cada Buda estão os Bodhisattvas e atendentes a quem ele


está ensinando. Todos os reinos são feitos de jóias preciosas e há
pássaros e animais. Árvores e águas límpidas e todos os tipos de
frutas e roupas drapeadas com jóias estão ali. Acima desses reinos
estão os reinos das deidades iradas. Se você nascer ali, você
viverá ali por quinhentos anos e, após isso, você não terá visões do
bardo, mas atingirá a Buditude sem dúvida. Os reinos foram
conectados originalmente com a própria natureza de cada pessoa.
Eles são os reinos autoemanados.

Os seres que não tenham recebido Dzogchen, mas tenham praticado


os ensinamentos do Yungdrung Bön, podem renascer ali sem qualquer
prática além de prece, refúgio e dedicações para renascerem ali.

O resto dos seres são levados por causas kármicas e têm


sentimentos pacíficos, felizes, tristes e neutros. Eles tomam vários
nascimentos e nada escutam e em nada acreditam.

Eles estão sempre circulando rumo à opção da miséria e

nada pode ajudá-los. O que se segue é a dedicação para o

benefício de todos os seres:

"Meu lugar [16] é onde todas as Dakinís e Siddhas visitam e é


chamado de Montanha Suástica. Ela está embalada com arcos-íris
como barracas no verão, com formatos redondas, retas e
semicirculares. Flores de neve caem durante o inverno. Há árvores
que recebem calor do alto e umidade das raízes e o centro do tronco
é branco; a casca é vermelha e suas folhas, verdes como turquesa,
e elas têm frutos dourados. Quando chove, elas exalam um aroma
maravilhoso e há muitas delas, ajuntadas. Dentro está meu
eremitério. Quando o sol brilha, elas parecem como damas olhando
para mim e estou muito feliz e aquecido. Elas parecem dançar e
cantar e olhar umas para as outras. E dezenas e duplas de dezenas
de praticantes sérios estão ao nosso lado”.

Esse ensinamento foi escrito num papel dado a mim pelos meus alunos
e copiado do manuscrito original pelo meu primeiro aluno, Sherab.

Essa é a essência de todos os métodos Dzogchen. Se você praticá-la,


não haverá dúvidas nem erros e você não perderá sua vida.

[16]Lopon comenta que Shardza conclui com uma


descrição poética de seu eremitério num arvoredo
de juníperos nas montanhas onde ele foi após ter
abandonado a vida de um monge.

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