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A Libertação na Palma da Tua Mão

Dedicatória
Este livro é dedicado à longa vida de Sua Santidade Dalai Lama, de Lama Zopa Rimpoche, de
Lama Tenzin Osel Rimpoche, de Gueshe Ciampa Ghyatso e de todos os Lamas das quatro tradições
do budismo no Tibet. Que todas as suas aspirações possam ser cumpridas.
Também é dedicado à memória de Lama Thubten Yeshe Rimpoche, fonte e sustento de ilimitadas
atividades iluminadas, inspirador e fundador da Clara Luz Editora e de outros 90 centros e
atividades para o estudo e a prática da psicologia e filosofia budista, em toda parte do planeta.
Possam todos os seres sencientes gozar da paz interior e exterior e de um autêntico bem estar, e
possa cada coisa ser de bom auspício.

Nota do Editor
Este trabalho teve origem no pedido de Lama Zopa Rimpoche de oferecer ao público italiano a
tradução da mais completa apresentação dos ensinamentos do “Caminho Gradual para a
Iluminação”, segundo a tradição do budismo do Tibet, como se apresenta no texto tibetano “A
Libertação na Palma da Tua Mão”, publicado em inglês com o título de “Liberation in the Palm of
Your Hand” da Wisdom Publications de Boston.
Este guia clássico para o estudo, a prática e a realização dos ensinamentos budistas revelou-se como
um dos mais recentes e importantes textos do budismo tibetano, enquanto síntese completa de todos
os ensinamentos fundamentais comunicados no passado pelo próprio Buda desta era, Shakyamuni.
Como os ensinamentos aqui ilustrados eram dirigidos a um público formado principalmente por
monges e monjas – pessoas que se dedicam 24 horas por dia ao estudo e à meditação, observando
inúmeros votos – a vastidão e a profundidade dos temas expostos, resguarda cada aspecto da prática
budista. Desde a essencial formação ética ao treino mental para favorecer o desenvolvimento do
altruísmo, aos vários estágios para obter a concentraçao mental perfeita até as profundas meditações
sobre a natureza real dos fenômenos.
O texto permanece escorregadio e gostoso porque ilustra uma vasta seleção das famosas “novelas
didáticas” próprias do budismo tibetano.
Este vastíssimo campo de estudo, onde se deparam temas de interesse universal para o ser humano
– na realidade sem limitações de barreiras sociais, culturais ou geográficas – não é cheio de
dogmas, mas ao contrário, fundamenta-se na experiência da verificação obtida mediante a prática
pessoal, que permite o aparecimento de uma fé não cega, mas baseada na própria compreensão.
Libertação constitui de fato o mais completo volume sobre o Caminho Gradual jamais publicado
no Ocidente, e contém a essência de toda a doutrina Mahayana.
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Introdução
Introdução
Em 1921, cerca de 700 pessoas entre monges, monjas e leigos tibetanos reuniram-se no Retiro de
Chusang, próximo à Lhasa, para escutar um discurso de LAMRIM proferido pelo famoso mestre
Kyabje Pabonka Rimpoche. No decurso de 24 dias, eles escutaram aquele que se tornou um dos
ensinamentos mais célebres jamais conferidos no Tibet.
O termo LAMRIM, isto é, O Caminho Gradual para a Iluminação – refere-se a um grupo de
ensinamentos desenvolvidos no Tibet, durante o milênio passado, tendo como base um texto breve
original intitulado “A Luz no Caminho para a Iluminação” do grande mestre indiano Atisha
(Dipamkara Shrijnana 982-1054 DC).
“A Libertação na Palma da tua Mão” representa, em muitos aspectos, o ápice da tradição do
LAMRIM no Tibet.
Para os ocidentais, este livro tornou-se seguramente um dos textos mais completos e significativos
do LAMRIM já ensinados.
Há 2.500 anos, Buda Shakyamuni passou 45 anos de sua vida dando ensinamentos a uma imensa
variedade de pessoas.
Ele não ensinava baseando-se num programa pré-determinado, mas adaptando-se às exigências
espirituais de seus discípulos. Por este motivo, quem se aventurasse a estudar a obra completa de
Buda, encontraria sérias dificuldades para distinguir claramente um caminho para colocá-lo em
prática.
O LAMRIM de Atisha foi de fundamental importância, porque deu uma ordem lógica aos
ensinamentos de Buda, delineando um esquema gradual de fácil compreensão e praticável por
quem queira seguir o caminho budista independente do grau de desenvolvimento mental adquirido.
Atisha não só se fundamentou no que Buda mesmo havia ensinado, mas trouxe consigo ao Tibet, a
tradição ainda viva e fecunda daqueles ensinamentos – seja da linhagem do método, seja da
sabedoria preservados na íntegra – transmitidos por Buda a Maitreya e a Manjushri
respectivamente e destes a Assanga, Nagarjuna e inúmeros outros sábios e iogues indianos, aos
mesmos mestres espirituais de Atisha.
Escrevendo o primeiro texto do LAMRIM, Atisha transmitiu também importantes tradições orais,
que existem ainda hoje e que são ensinadas aos ocidentais por grandes Lamas contemporâneos
como S.S., o XIV Dalai Lama. Os discípulos de Atisha formaram uma escola conhecida como
Kadam, cujas tradições foram absorvidas pela escola GUELUPA do Budismo Tibetano, fundada pelo
Sumo Tsong Khapa (1357 - 1419). Numerosos lamas Kadam e Guelupas escreveram comentários
do LAMRIM, entre eles o mais famoso é o grande trabalho de Tsong Khapa, a Grande Exposição dos
Estágios do Caminho (em tib. LAMRIM CHENMO). Pabonka Rimpoche, no seu discurso em 1921,
mostrou que “A Libertação na Palma da Tua Mão”, seguiu o próprio esquema original do supradito
texto.
Enquanto o texto de Tsong Khapa dá toda ênfase à obra erudita, aquele de Kyabje Pabonka
concentra-se na exigência dos praticantes, ilustrando em detalhes argumentos como a preparação à
meditação, ao guru yoga e ao desenvolvimento da bodhichitta, a mente que aspira à iluminação
para beneficiar todos os seres sencientes neste universo infinito.
“A Libertação” é então um texto extremamente prático e adaptado tanto aos atuais praticantes
ocidentais quanto aos tibetanos que naquele tempo ouviram o discurso.
Entre o público presente em 1921 estava Kyabje Trijang Dordje Chang (1901 - 1981), um dos
discípulos mais próximos a Pabonka Rimpoche e depois segundo tutor do XIV Dalai Lama e
principal mestre de muitos lamas guelupas que fugiram do Tibet em 1959. Trijang Rimpoche
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Introdução
tomou nota e cuidou destes apontamentos por 37 anos, até ficarem prontos para a publicação em
língua tibetana com o título de “A Libertação na Palma de tua Mão”.
Pabonka Rimpoche foi provavelmente o lama mais influente da Tradição Guelupa deste século e
detentor de todas as mais importantes linhagens de Sutra e Tantra, e que transmitiu à maior parte
dos lamas guelupas de certa relevância nas duas sucessivas gerações. O número dos ensinamentos
orais a ele conferidos, notáveis pela profundidade e amplitude dos temas, é extremamente vasto.
Ele foi também o principal mestre de Kyabje Ling Rimpoche (1903 - 1983), primeiro tutor do
Dalai Lama, e de muitos outros veneráveis mestres. A sua obra reunida compreende 15 grossos
volumes e tocam cada aspecto do budismo. Se alguém recebeu algum ensinamento de um lama
guelupa, certamente foi influenciado por Pabonka Rimpoche. Um texto de LAMRIM como “A
Libertação” não poderá nunca mais ser escrito, e é por isso que sustento que este livro representa o
ápice da tradição do LAMRIM.
Existem quatro principais escolas do budismo tibetano, Nyingma, Shakyas, Kagyu e Guelupas e
todas possuem e praticam a fundo os ensinamentos de LAMRIM que são considerados o autêntico e
indispensável fundamento do caminho budista.
No currículo monástico da tradição Guelupa, o LAMRIM é ensinado aos monges quando já estão
num nível avançado de seu currículo de estudo, e isso habitualmente constitui o primeiro
ensinamento conferido aos estudantes ocidentais.
“A Libertação” é o próprio LAMRIM que os mestres Guelupas ensinam com mais freqüência. Foi, e
é ainda hoje, o ensinamento preferido de mestres como S.S. Dalai Lama e seus dois tutores, de
Lama Thubten Yeshe e Lama Thubten Zopa Rimpoche, de Serkong Rimpoche, Song Rimpoche,
Gueshe Nawang Dharghye, Gueshe Rabten e Gueshe Sopa.
Em sua breve introdução, Kyabje Trijang Rimpoche nos comunica toda a profunda emoção
experimentada por quem assistiu o discurso. Na verdade o texto é insólito entre as obras tibetanas,
porque é a transcrição comentada de um discurso oral, e não uma composição literária. Por esse
motivo, não somente recebemos ensinamentos preciosos - a essência do LAMRIM das oito chaves –
mas podemos intuir que no Tibet eram dados esses discursos particulares. Os pontos que fornecem
em detalhes as características específicas do ensinamento estão contidas na introdução de Trijang
Rimpoche e no final do capítulo “Primeiro Dia”. Cada capítulo corresponde ao ensinamento de um
dia e inicia habitualmente com um breve discurso dirigido a confirmar a motivação dos ouvintes.
No livro, as motivações foram abreviadas a favor do novo material, todavia o apreciado 1º capítulo
consiste numa elaborada motivação e uma excelente e rápida meditação sobre todo o LAMRIM.
Num certo sentido, o resto do livro é estruturado como um comentário deste 1º capítulo. Como
Pabonka Rimpoche esclarece amplamente, dedicar-se ao desabrochar da bodhichitta - a motivação
de obter a iluminação para o benefício de todos os seres – é o caminho mais significativo para
basear nossa existência, e as realizações graduais no capítulo dedicado ao 1º dia nos dão condições
de conduzir esse desabrochar.
Ao final do livro Pabonka Rimpoche afirma: “Pratiquem tudo o que for possível, para que meus
ensinamentos não tenham sido em vão. Mas sobretudo, façam com que a bodhichitta consista na
sua principal prática”.
Estes ensinamentos contêm muitos aspectos novos e pouco conhecidos, principalmente pelos
ocidentais, contudo como acontece a cada busca espiritual rica de significado, estudo e reflexão,
eles nos guiam à clareza e compreensão.

Michael Richards
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Introdução
Pabonka Rimpoche
Uma lembrança de Ribur Rimpoche

O meu mestre, gentil nas três maneiras, que se encontrou face a face com Heruka, cujo nome acho
difícil pronunciar, o nobre Pabonka Vajradhara Decen Gnimpo Pel Sangpo, nasceu ao norte de
Lhasa em 1878. Seu pai era um funcionário de condição inferior e sua família não era rica. Apesar
de ter nascido numa noite escura sem luar, viu-se uma luz resplandescente no quarto e as pessoas
do lado de fora da casa tiveram a visão de uma divindade protetora no telhado de sua casa.
Pabonka Rimpoche era uma emanação do grande estudioso Jankya Rolpe Dordje (1717-1786),
ainda que inicialmente se acreditasse tratar da reencarnação de um sábio Gueshe Khampa do
monastério de Sera-me.
Rimpoche entrou no monastério aos 7 anos de idade, completou os estudos monásticos, obteve o
título de Gueshe e em seguida estudou por um período de dois anos no colégio tântrico de Ghyuto.
O seu principal mestre era Dagpo Lama Rimpoche Jampel Lundrup Ghyatso, de Loka, que com
certeza era um Bodhisattva, e Pabonka Rimpoche tornou-se seu principal discípulo. Vivia em uma
gruta em Pasang e a sua prática essencial era a bodhichitta. Recitava a cada noite 50.000 mantras
(OM MANI PADME HUM) da sua divindade principal, Avalokiteshvara.
Quando Kyabje Pabonka encontrou Dagpo Rimpoche pela primeira vez, por ocasião de uma
cerimônia de oferenda do Tsog em Lhasa, chorou de veneração do começo ao fim.
Quando terminaram os estudos, Pabonka Rimpoche visitou Dagpo Lama na sua gruta e o mestre o
mandou meditar sobre o caminho gradual na vizinhança.
Dagpo Lama Rimpoche lhe ensinava os argumentos sobre os quais Pabonka Rimpoche meditava.
Em seguida retornava ao mestre para explicar-lhe o que havia entendido do ensinamento, e, se bem
entendido, Dagpo Lama prosseguia a explicação e Pabonka Rimpoche tornava a meditar sobre o
novo projeto.
Prosseguiram desta forma por 10 anos. Não é incrível tudo isto?
Os quatro discípulos principais de Pabonka Rimpoche foram Kyabje Ling Rimpoche, Kyabje
Trijang Rimpoche, Khansar Rimpoche e Tathag Rimpoche, que em seguida virou regente do Tibet.
Tathag Rimpoche era o mestre principal do atual Dalai Lama quando era menino, e ele mesmo lhe
conferiu a ordenação de monge noviço.
Eu nasci em Kham, uma região do Tibet oriental, onde dois de meus primeiros mestres foram
discípulos de Pabonka Rimpoche, fui educado numa atmosfera de fé completa: de fato, Rimpoche
foi comparado ao próprio Buda. Um destes mestres tinha um quadro de Pabonka Rimpoche, que
emitia pequenas gotas de néctar de um ponto entre as sobrancelhas. Vi tudo isto com meus
próprios olhos, e assim podem imaginar quanta devoção senti ao me confrontar pessoalmemte com
Rimpoche. Tinha uma razão pessoal para experimentar uma fé intensa por ele. Eu era o filho
único de uma importante família, e mesmo após o XIII Dalai Lama ter me reconhecido como lama
reencarnado e o próprio Pabonka Rimpoche ter aconselhado mandar-me para o monásterio de Sera
em Lhasa, os meus pais não ficaram muito contentes com essa solução. Pouco tempo depois, meu
pai morreu, por isso pude partir para o Tibet Central. Vocês podem imaginar a minha emoção no
momento de montar a cavalo para uma viagem de dois meses. Tinha só 14 anos, e nesta idade, a
melhor coisa era virar monge. Sentia que esta oportunidade de ir à Lhasa para pegar os votos e
viver como um Rimpoche, como Sua Santidade havia dito era tudo virtude do interesse positivo de
Pabonka Rimpoche.
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Na época que cheguei à Lhasa, Pabonka Rimpoche vivia em Tashi Choling, uma gruta acima do
monastério de Sera. Depois de alguns dias, minha mãe, meu atendente e eu chegamos à cavalo na
caverna.
Estávamos sendo esperados por aqueles dias, para a nossa chegada não foi estabelecida uma hora
precisa, todavia Rimpoche tinha mandado preparar pelo seu chang-tze (atendente particular), um
chá e um arroz doce que parecia mesmo feito para nós. Assim me convenci que Rimpoche era
clarividente, uma manifestação autêntica de Vajradhara. Depois do almoço, chegou a hora de visitá-
lo. Lembro de tudo como se fosse hoje. Uma escada bem estreita levava ao minúsculo quarto de
Rimpoche, que estava sentado na cama e parecia muito com seu quadro: baixo e gordo. Ele me
disse: “Sabia que você viria, e agora nos encontramos”, enquanto me acariciava o rosto. Enquanto
estava sentado ali, entrou um novo Gueshe de Sera para oferecer a Rimpoche, um prato especial de
tsampa, preparado somente em ocasião de recebimento do título de Gueshe. Rimpoche observou
que era de grande auspício o fato desse novo gueshe ter entrado enquanto eu me encontrava ali, e
ter enchido minha xícara como se fosse sua.
Podem imaginar o efeito de tudo isto em minha mente! O quarto era quase vazio. A coisa mais
extraordinária era uma estátua de ouro de Dagpo Lama Rimpoche, o principal mestre de Pabonka
Rimpoche, toda cercada de minúsculas oferendas. Atrás de Rimpoche, tinha cinco tankas
representando as visões de Lama Tsong Khapa que Kedrubje recebeu após a morte de Je Rimpoche.
A única coisa no quarto era um canto onde se podia tomar uma xícara de chá.
Podia ainda ver um pequeno quarto de meditação e dei uma olhadinha (tinha 14 anos e era
extremamente curioso). Rimpoche me disse para entrar e observar. Tudo que continha porém era
um assento de meditar e um pequeno altar. Rimpoche declamou em voz alta o nome das estátuas
do altar da esquerda para a direita: Lama Tsong Khapa, Heruka, Yamantaka, Vajrayoguini e Pelgon
Dranze, uma emanação de Mahakala; em baixo havia oferendas dispostas de um lado a outro do
altar.
Eu não era ainda um monge, assim Jamyang, que há muito tempo Dagpo Lama havia confiado a
Rimpoche como atendente e que estava sempre em seu quarto, foi mandado buscar um calendário
para fixar a data da minha ordenação, se bem que eu ainda não havia pedido. Rimpoche me deu
tudo que eu precisava e pensei mesmo que era extremamente gentil. Quando o deixei, me senti
como que suspenso numa nuvem, em um estado de completa beatitude!
O atendente de Rimpoche era um homem de aspecto muito irado e se dizia que era a emanação de
um certo protetor. Em uma ocasião, enquanto Rimpoche viajava, o atendente movido pela devoção
demoliu o pequeno e velho edifício no qual Rimpoche vivia e construiu uma grande moradia,
ricamente decorada, para rivalizar, de tão bonita com o alojamento privativo do Dalai Lama.
Quando Rimpoche voltou, não ficou muito satisfeito e disse: - “Eu sou um humilde Lama eremita,
e não deveria ter construído uma coisa assim para mim. Não sou famoso, e a essência de tudo que
ensino é a renúncia à vida mundana, por isso me sinto embaraçado numa residência como esta”.
Recebi muitos ensinamentos do Caminho Gradual de Pabonka Rimpoche. Os chineses confiscaram-
me todos os apontamentos, mas como resultado de seus ensinamentos, interiormente conservo algo
de muito especial. Cada vez que me ensinava, sentia-me inspirado a praticar como um verdadeiro
iogue e assim fazia os retiros numa gruta e cobria-me de cinzas e meditava. Envelhecendo, esta
sensação diminuiu e agora parei de pensar. Naquele tempo, queria mesmo ser como ele, um
verdadeiro iogue. Rimpoche deu numerosas iniciações de Yamantaka, Heruka e Guhyasamaja e eu
as recebi dele. Íamos à sua casa por ocasião de iniciações importantes e secretas, enquanto que para
dar ensinamentos gerais, Rimpoche descia até o monastério.
Às vezes, partia e ia a outros monastérios. Visitar Pabonka Rimpoche era como encontrar Lama
Tsong Khapa quando em vida. Quando ensinava, era comum ficar sentado mais de oito horas sem
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se mexer. Às suas iniciações e discursos habitualmente assistiam cerca de 2.000 pessoas, e um
número menor participava de ensinamentos particulares; todavia quando conferia votos de
Bodhisattva, apresentavam-se mais de 10.000 pessoas.
Quando dava iniciação de Heruka assumia um aspecto muito particular. Os seus olhos pareciam
aumentar e ficavam mais penetrantes e parecia o próprio Heruka, com uma perna estendida e a
outra dobrada.
Era uma sensação tão intensa que me fazia chorar, como se o próprio Heruka tivesse estado ali,
naquele lugar. Tratava-se de uma sensação muito potente e especial. A meu parecer, Rimpoche era
o mais importante Lama do Tibet. Todos conhecem a grandeza de seus quatro discípulos.
Rimpoche era seu mestre.
Passou muito tempo procurando o significado essencial dos ensinamentos, juntando à sua
realização interior e praticou e completou tudo que havia estudado. Não se limitava a explicar os
termos dos ensinamentos, porque já havia experimentado tudo na primeira pessoa.
Além de tudo não se aborrecia nunca, e tinha assim pacificado todo tipo de cólera por meio de sua
bodhichitta. Várias vezes, formaram-se longas filas de pessoas esperando por sua benção, e
Rimpoche perguntava a cada uma como estava, e lhe fazia um carinho na cabeça. Às vezes,
distribuía pílulas medicinais e era sempre extremamente gentil. Por tudo isto era considerado um
ser muito especial. Posso afirmar que as suas principais qualidades eram duas: do ponto de vista do
tantra, a perfeita realização e habilidade para manifestar Heruka, e do ponto de vista do sutra,
habilidade para ensinar o LAMRIM.
Pouco antes de sua partida foi convidado a dar uma breve explicação do LAMRIM no monastério de
seu principal mestre Dagpo Shidag Ling, em Loka. Escolheu um texto chamado “O caminho veloz”
do Segundo Panchen Lama.
Este foi o texto de LAMRIM que Dagpo Rimpoche lhe havia ensinado e Pabonka Rimpoche afirmou
que seria o último texto que ele ensinaria. Cada vez que visitava o monastério de seu lama,
Rimpoche descia do cavalo logo que o avistava, e se prostrava por todo o caminho até a porta, o
que não lhe era muito fácil devido à sua pesada e robusta constituição.
Quando partia, andava às avessas até que o monastério sumisse de sua vista.
Nesta última ocasião, na hora que não mais enxergava o monastério, fez uma prostração e se
recolheu em uma casa da vizinhança. Lá manifestou um ligeiro mal estar de estômago e retirou-se
para a noite. Pediu a seus atendentes para deixá-lo sozinho enquanto fazia suas preces, e cantou
mais alto que de costume, como se estivesse dando um ensinamento de LAMRIM.
Quando acabou, os atendentes entraram no quarto, e viram que ele havia deixado o corpo.
Embora Tathag Rimpoche tenha ficado muito perturbado, disse-nos o que devíamos fazer.
Estávamos todos agitados. O corpo de Pabonka Rimpoche foi vestido com preciosos brocados, e
cremado segundo a tradição. Foi construído um relicário maravilhoso, que em seguida foi destruído
pelos chineses. Todavia, consegui recuperar algumas relíquias da estupa, e depois dei ao monastério
de Sera-me, onde agora se podem ver.
Como estudioso, tive certo sucesso e como lama sou alguém, mas estes fatos são de mínima
importância. A única coisa que conta é ter sido um discípulo de Pabonka Rimpoche.

O Venerável Ribur Rimpoche nasceu no Tibet oriental em 1923. Com a idade de 5 anos foi reconhecido
pelo XIII Dalai Lama como a sexta reencarnação de Ribur Rimpoche de Sera-Me.
Entrou na universidade monástica de Sera em Lhasa, com a idade de 14 anos, e obteve o título de Gueshe,
com 24 anos. Meditou e ensinou o Dharma até 1959. Em seguida, teve que agüentar a intensa repressão
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chinesa, durante 21 anos. Em 1980, teve permissão para cumprir atividades religiosas, e assim contribuiu
com a construção de uma nova estupa para Pabonka Rimpoche em Sera, porque a original fora destruída
pelos chineses. Em seguida, retirou-se para a Índia, onde vive no monastério de Nnamghyel, em
Dharamsala.

Muito se discutiu para saber se o budismo é uma religião ou uma filosofia, mas esta questão nunca
ficou bem definida. Colocada nestes termos, essa questão só tem sentido para os ocidentais.
Somente no Ocidente, a filosofia é um simples ramo do saber, como a matemática ou a botânica;
somente aqui, o filósofo é um senhor, em geral um professor, que durante seu curso ensina uma
certa doutrina, mas que voltando para casa, vive exatamente como seu tabelião ou seu dentista, sem
que a doutrina que ele ensina tenha a mínima influência no seu modo de viver. Só no Ocidente a
religião é, para a maior parte dos fiéis, um compartimento que é aberto somente alguns dias, em
algumas horas, em determinadas circunstâncias, mas que é cuidadosamente fechado antes de agir.
Mas, se considerarmos o rol dos professores de filosofia no Oriente, lá o filósofo é um mestre
espiritual que vive sua doutrina, rodeado por discípulos que querem vivenciar essa doutrina
seguindo seu exemplo. A sua doutrina não é pura curiosidade intelectual, mas somente tem valor
através da sua realização na prática. Para que se perguntar então se o budismo é uma filosofia ou
uma religião ?
É um caminho, uma via de salvação, aquela que conduz o Buda presente em cada ser vivente à
iluminação; é um método para atingir a libertação atraves de um intenso trabalho mental e
espiritual.

André Migot, Le Bouddha


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Introdução
O Texto
Uma instrução profunda e completamente infalível para outorgar a Libertação na Palma de Tua
Mão, a essência do pensamento do inigualável Rei do Dharma, Tsong Khapa, a transcrição de um
discurso conciso sobre o caminho gradual para a iluminação, síntese de todas as escrituras e
essência do néctar das instruções.

Introdução de Trijang Rimpoche

Ó Lama Losang Drapa


Inseparável de Shakyamuni e Vajradhara
Ó síntese de cada refúgio perfeito,
Ó forma de mandala unificado
Com os três mistérios da iluminação
Fazei chover sobre nós dez milhões de qualidades positivas.

Ó meu guru, meu protetor


Que, mediante o veículo supremo do amor e da compaixão,
Venceste o extremo da paz egoísta e privado de apego aos prazeres do samsara,
Deténs os três adestramentos sublimes
Ensinados pelo Vitorioso,
Cuja nobre atividade ficou
Incontaminada pelos oito Dharmas mundanos.
Prosto-me a este guia que faz surgir o oceano da felicidade suprema.

Cada palavra pronunciada por ti era um néctar


Que curava centenas de doenças;
Nossas mentes infantis se revelavam recipientes inadequados
Para um oceano tão vasto de ensinamentos,
Para uma fonte de qualidades tão preciosas.
Como seria triste se estes ensinamentos fossem esquecidos!
Aqui, trouxe de volta somente alguns.

No passado, manifestaram-se inúmeros Budas, mas seres desafortunados como eu, e todos os outros
que se reuniram no monastério conhecido como Chusang Ritro, não foram dignos de ser discípulos
de Buda Shakyamuni, o melhor dos protetores, que aparece como um lótus branco entre os mil
grandes Budas, o libertador deste éon afortunado.
Todavia, apesar de nossa natureza selvagem e indisciplinada, naquele lugar tivemos oportunidade
de regojizar pelas instruções do supremo veículo.
O ensinamento começou no dia da lua nova do 7º mês do ano do Pássaro de Metal (1921) e
continuou por 24 dias. O meu santo mestre, cuja compaixão é incomparável, o glorioso e venerável
Champa Tenzin Trinley Ghyatso, cujo nome ouso pronunciar somente com bom auspício, ajudou-
nos a desenvolver os primeiros rudimentos de uma mente virtuosa. Depois de transformar-nos em
receptáculos, expôs o caminho completo e infalível.
Definitivamente, tudo isso nos deu a possibilidade de realizar a obtenção suprema da onisciência, e
depois nos ajudou a evitar cometer ações negativas, inspirando-nos à prática de ações excelentes.
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Introdução
As pessoas que participaram enfrentaram muitas dificuldades para chegar ao lugar dos três
principais monastérios de Lhasa, da Província Central, do Tsang, Amdo e Kham, de maneira a
poder degustar do néctar dos ensinamentos orais de Rimpoche, tanto quanto um sedento deseja
intensamente a água.
Havia cerca de 30 Lamas reencarnados e muitos detentores dos “Três Cestos dos Ensinamentos”,
em uma assembléia formada por mais de 700 pessoas. O ensinamento informal combinava com a
explicação dos três textos do LAMRIM, “O Caminho Gradual à Iluminação”. Um texto era “As
autênticas palavras de Manjushri”, um ensinamento explícito sobre “O Caminho Gradual à
Iluminação”.
Foram ensinados simultaneamente, os sistemas de ensinamentos ligados à essa obra: a linhagem
vasta da Província Central e a linhagem Meridional, mais concisa.
O segundo texto era a instrução explícita denominada “O Caminho Veloz” e o terceiro texto, “O
Adestramento Mental em 7 pontos”. Rimpoche o ensinou no tópico do objetivo superior que trata
de trocar você mesmo com os outros. Cada parte desses ensinamentos veio enriquecida de
instruções vindas da linhagem oral. Cada capítulo, ilustrado de analogias, provas lógicas
conclusivas, contos surpreendentes e citações bem fundamentadas. O ensinamento podia ser muito
bem compreendido pelos principiantes, todavia, adaptava-se a cada nível de inteligência. Era de
benefício para a mente porque provinha da própria experiência e era muito estimulante.
Às vezes, levava-nos ao riso e sentíamos-nos completamente acordados e espertos, às vezes,
comovia-nos até as lágrimas, e chorávamos desesperados. Às vezes, sentíamos-nos aterrorizados e
pensávamos: Como queria renunciar a esta vida e dedicar-me completamente à minha prática!
Estávamos subjugados por este intenso sentimento de renúncia.
Estes são somente alguns aspectos que mostram o quanto seus discursos foram extraordinários.
Como poderei comunicar tudo isto através da palavra escrita?
De qualquer forma, seria um pecado se todos os fundamentos contidos nestes ensinamentos,
dotados de tão grande inspiração, ficassem perdidos.
Esta reflexão deu-me força para escrever este livro. Como meu precioso mestre em seguida me
aconselhou: “Algumas das pessoas presentes não conseguiram seguir completamente os
ensinamentos, não confio nas notas dos participantes durante o ensinamento, por isso te peço para
publicar um livro. Exponha tudo aquilo que você está bem certo”.
Por isso neste livro transcrevi os ensinamentos de meu Lama, com a esperança que este sub-rogado
da sua palavra, será de benefício a outros amigos e estudantes que quiserem ter sucesso na prática.
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Introdução

Parte Um
As Preliminares

Primeiro Dia
Kyabje Pabonka Rimpoche, o incomparável Rei do Dharma, iniciou explicando como desenvolver
a correta motivação para seguir com os ensinamentos que estava prestes a conferir.

O grande Tsong Khapa, Rei do Dharma dos Três Reinos, escreveu:

Esta forma humana assim favorável,


É mais preciosa que a jóia que concede os desejos.
Na prática, é como se a obtivéssemos somente uma vez.
Tão difícil de conquistar, e tão fácil de perder,
É semelhante a um relâmpago no céu.

Contemplando tudo isto, vocês devem compreender


Que todas as atividades mundanas são como refugo
Do grão disperso ao vento, pelo que vocês devem se esforçar dia e noite
Para colher qualquer significado desta vida.
Eu, um iogue, pratiquei desta forma;
Você, que deseja a libertação, faça o mesmo!

Desde um tempo sem início até hoje tivemos uma infinidade de corpos, mas nunca soubemos lhes
colher a essência. Não houve sofrimento ou felicidade que não tenhamos experimentado. Todavia,
não obstante todos os corpos que tivemos, não soubemos colher esta preciosa oportunidade ofertada
pela existência humana. Agora que conseguimos obter esta forma humana ideal, devemos fazer
algo para torná-la significativa.
Até quando permanecermos privados de um discernimento justo, não atribuiremos o justo valor a
esta existência, não provaremos a jóia por tê-la obtido e não experimentaremos o mínimo pesar por
ter desperdiçado esta preciosa existência.
Provavelmente nos sentiríamos muito mais desgostosos se perdêssemos dinheiro. Esta forma física
que obtivemos é cem mil vezes mais preciosa que qualquer jóia que concede os desejos. Se
limpássemos tal jóia, lavando-a e lustrando-a três vezes e depois colocando-a no cume do
estandarte da vitória, obteríamos sem esforço coisas muito úteis nesta vida, alimentos, vestidos e
similares.
Com centenas e centenas de milhares de pedras preciosas, não se obterá nem uma pequena parte de
coisas que podemos realizar com este renascimento. Nem todas as gemas preciosas do mundo nos
livrarão de renascer em reinos inferiores. Somente com este nosso corpo atual, podemos evitar de
cair nos reinos inferiores. Por outro lado, se desejamos renascer como Brahma, Indra e assim por
diante, poderemos conseguir por meio desse renascimento. Se vocês desejam renascer em Terras
Puras como Abhirati, Sukhavati ou Tushita, poderão fazê-lo por meio dessa forma física atual. E
não é tudo: por meio desta vida, poderemos até atingir o estado de libertação ou de onisciência.
Tudo que temos que fazer é colher esta oportunidade. A coisa mais importante é que através desse
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Introdução
precioso renascimento é possível obter o estado de Vajradhara (a unificação do corpo ilusório e
grande beatitude) em uma só vida breve dessa era degenerada; de outra forma, usando como
veículo o sutra, seriam necessários três incalculáveis éons para obter tal resultado. Por isso, esta
prática tem muito mais valor que mil bilhões de jóias preciosas. Desperdiçar este renascimento que
vocês tiveram a chance de obter seria uma perda muito mais grave do que haver desperdiçado mil
bilhões de jóias preciosas. Não existe desperdício maior, nada poderia ser mais obscurecido, nem
mais enganável para nós mesmos. O protetor Shantideva já disse:

Tendo obtido essa preciosa oportunidade,


Não praticar a virtude seria a maior ignorância
E o maior engano no confronto de si mesmo.

Por isso, agora deveriam procurar colher a essência de vossa vida. Seguramente deveremos morrer
e não sabemos quando isto vai acontecer. Nenhum de nós presente a este ensinamento de Dharma
estará ainda vivo daqui a 100 anos. No passado Buda, nosso mestre acumulou duas colheitas (de
virtude e sabedoria) por muitos éons, obtendo assim o corpo Vajra. Todavia também ele, segundo a
aparência ordinária ultrapassou o Nirvana (para além do sofrimento). Depois dele, vieram
estudiosos, adeptos, tradutores e panditas, seja da Índia ou do Tibet, mas todos tiveram que
abandonar o próprio corpo. Tudo o que resta é seu nome e o que as pessoas transmitiram a respeito
de sua existência. Em breve, não haverá alguém que se poderá mostrar como exemplo de pessoa
que foi poupado pela morte. Como se poderia viver para sempre? Não tenham nenhuma esperança
de ser poupados.
Enfim, não somente vocês estão seguros da morte, como também não podem nem saber quando isto
vai ocorrer. Não está nem certo que no próximo ano vocês ainda estarão vivos neste atual corpo
humano e que vestirão estas três vestes monásticas. O próximo ano, neste período, vocês poderão já
ter renascido como um animal coberto de pêlos e com chifres na cabeça. Ou ainda poderão renascer
como espíritos famintos, a viver sem qualquer possibilidade de encontrar alimento ou uma gota
d’água. Ou então renascer nos infernos, onde se experimentam os tormentos do calor, do frio, e de
ser fervidos ou queimados.
A nossa mente continua após a morte e deve obter um renascimento. Existem dois tipos de
possibilidade de renascimentos: nos reinos superiores ou nos reinos inferiores. Se renascerem no
Inferno dito Sem Trégua, vocês deverão permanecer ali, e o seu corpo será indestrutível pelas
chamas. Nos infernos intermediários como o Inferno da Ressureição Contínua, serão assassinados e
reviverão centenas de vezes a cada dia, sofrendo continuamente. Como poderão tolerar isto tudo, se
não aguentam uma queimadura na mão?
Nestes infernos, experimentarão a mesma dor que provam com o corpo atual em contacto com um
calor imenso.
Podem pensar: Pode ser que lá o calor se suporte mais facilmente e que o sofrimento não seja tão
intenso, mas não é assim. Se vocês renascerem como espíritos famintos, não encontrarão durante
anos nem uma gota d’água. Se acham difícil um retiro de jejum, como poderão suportar tal
renascimento?
No renascimento como animal, observem a vida de um cão; verifique os lugares em que vivem,
como devem procurar alimento, e a espécie de alimento que eventualmente encontram. Como
acreditam poder suportar uma vida assim? Vocês podem pensar: “Os reinos inferiores estão longe”,
mas entre vocês e os reinos inferiores existe somente o fato de que ainda vocês podem respirar. Até
quando estivermos privados de um justo discernimento, consideraremos a possibilidade de acabar
nos reinos inferiores. Provavelmente pensamos que, bem ou mal, manteremos nossos votos,
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Introdução
recitando nossas preces ou versos todos os dias e não cometendo nenhuma ação negativa, como
matar uma pessoa e fugir com seu cavalo. O problema é que não analisamos bem as situações; por
isso, devemos compreender que não somos livres para escolher não ir para os reinos inferiores.
Tudo isto é determinado pelo nosso carma.
No nosso continuum mental, há uma combinação de positivo e negativo. Quando morrermos o
mais potente desses dois será ativado pela cobiça e pelo apego.
Examinando nosso fluxo mental, veremos que o Carma negativo é sempre o mais potente: a sua
potência é determinada pela força da motivação, do ato e do completamento do ato.
Assim, mesmo pensando que cometemos somente pequenas ações negativas, a sua energia é
enorme. Por exemplo, vamos supor que vocês reprovaram seus alunos. Foram motivados por uma
grande hostilidade, e utilizaram palavras tão duras, para que pudesse realmente feri-los. Para
completar a ação, vocês sentem-se orgulhosos e conseguem ter uma opinião exagerada a respeito de
vocês mesmos. Estas três partes - motivação, ato e completamento - não poderiam ter sido melhor
cumpridas. Suponham que matam um piolho: foram motivados pela aversão, torturam durante um
certo tempo o piolho, girando-o entre os dedos e enfim o matam. Na fase conclusiva, vocês se
comprazem daquilo que fizeram e se tornam arrogantes. A ação negativa tomou um aspecto
verdadeiramente potente.
Vocês podem acreditar haver desenvolvido virtudes muito fortes, mas na realidade são fracas. Para
que uma ação positiva possa trazer grandes virtudes, todos seus componentes - a motivação, a parte
principal do ato e o seu completamento – devem ser cumpridos de modo puro. Confrontem isto
com a virtude que normalmente acreditamos desenvolver.
A primeira coisa é a nossa motivação. Para nós, é raro estarmos motivados só pelo escopo inferior,
isto é, o desejo de um renascimento melhor, e não é nem o caso de mencionar os escopos
superiores, como a bodhichitta ou a renúncia. No início da ação, normalmente procuramos
satisfazer desejos de pouca importância, mas na realidade cada prece cumprida com este escopo é
negativa. Porque, na parte principal da ação, tudo que fazemos nos parece um trabalho pesado; até
quando recitamos um mala do mantra OM MANI PADME HUM, por exemplo, a nossa mente não se
concentra o tempo todo.
Estamos sempre entorpecidos ou distraídos! É difícil manter um estado mental apropriado, mesmo
durante uma só prática das Cem Divindades de Tushita.
Quando chega o momento das preces finais e a dedicação, a nossa mente volta-se aos escopos desta
vida. Assim podemos achar que cumprimos grandes ações virtuosas, mas na realidade essas são
muito fracas.
Às vezes não cumprimos o ato corretamente, outras descuidamos da motivação ou do
completamento da ação, e há ocasiões em que nada é feito da maneira oportuna.
Por isso, no nosso continuum mental, unicamente o carma negativo é muito potente, e é este que
será ativado no momento de nossa morte; então se assim mesmo acontece, o lugar onde
renasceremos será unicamente nos reinos inferiores. Ora, afirmamos que os Lamas têm o poder da
clarividência e sempre perguntamos a eles onde será nosso próximo renascimento. Vocês sentem-se
confortados, se eles dizem: Obterás um bom renascimento, e sentem-se amendrontados, se a
resposta é : Será negativa. Mas como confiar em tais predições? Vocês não precisam de previsões
feitas com dados, profecias ou horóscopos para saber para onde irão na próxima vida. O nosso
Mestre da Compaixão já explicou este ponto nos sutras e estes ensinamentos foram ilustrados por
muitos panditas e sábios da India e do Tibet.
Por exemplo, Arya Nagarjuna disse na sua “Preciosa Guirlanda”:

Das ações negativas provém cada sofrimento


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Introdução
E igualmente todas as más migrações,
E das ações positivas derivam todos os reinos superiores
E todos os renascimentos felizes.

Por isso, mesmo por meio de uma direta cognição válida, não podemos estar certos do local de
nossos renascimentos futuros.
Todavia o nosso Mestre percebeu corretamente este objeto de cognição válida, que é extremamente
obscuro, e nos deu ensinamentos impecáveis. Então é possível acertar tudo por meio da dedução, e
assim acreditar nas autênticas asserções de Buda.
Como é seguro que renasceremos nos reinos inferiores, devemos procurar imediatamente qualquer
meio de impedir que isto aconteça. Se desejamos verdadeiramente nos libertar dos reinos inferiores
devemos procurar um refúgio que nos proteja. Por exemplo, um criminoso condenado à pena de
morte procurará a proteção de um oficial influente para fugir dessa pena. Estando contaminados por
ações particularmente negativas, há o perigo de sermos condenados pela lei do Carma e acabar nos
reinos inferiores. Precisamos tomar refúgio nas Três Jóias (Buda, Dharma e Sangha), porque só elas
podem nos proteger deste destino. Mas vocês não devem só procurar refúgio, mas mudar o
comportamento segundo os ensinamentos. Se os Budas pudessem de qualquer modo nos libertar de
nossos obscurecimentos, como se nos lavassem com água, ou conduzindo-nos pela mão, eles já o
teriam feito, e não sofreríamos mais. Todavia, isto eles não podem fazer por nós. O Excelente
ensinou o Dharma; somos nós que devemos nos comportar de acordo com a lei de causa e efeito,
praticando de modo correto.
Afirma-se em um sutra:

Os Excelentes não lavam os obscurecimentos com água


Não libertam os seres do sofrimento
Com o toque de suas mãos,
Não transmitem aos outros a sua realização da verdade absoluta;
Eles libertam ensinando a verdade da realidade absoluta.

Assim vocês poderiam pensar: “Tomarei refúgio nas Três Jóias para libertar-me dos reinos
inferiores, e seguirei os métodos que permitirão que eu me liberte deles. Modificarei meu
comportamento segundo a lei de causa e efeito”.
Isto significa desenvolver a motivação segundo o caminho do LAMRIM que coincide com o escopo
inferior. Todavia, é suficiente obter a mera libertação dos reinos inferiores? Não, não é. Obterão
simplesmente um ou dois renascimentos felizes antes de decair nos reinos inferiores, quando o
vosso carma negativo tomará fôlego. Não é a solução definitiva , não é algo com o que possamos
contar. De fato, no passado, obtivemos muitos renascimentos nos reinos superiores e depois
decaímos nos reinos inferiores. Seguramente decairemos do mesmo modo. Em vidas passadas,
assumimos aspectos de poderosos seres divinos como Brahma e Indra e vivemos em palácios
celestiais. Isto ocorreu muitas vezes, todavia tivemos que abandonar estes renascimentos e, de
novo, tivemos que sofrer por causa das superfícies incandescentes dos infernos. Tudo se repetiu
muitas vezes. Nos reinos celestiais, provamos o néctar dos deuses, em seguida, deixando aquelas
vidas, tivemos que beber cobre fundido nos reinos inferiores. Experimentamos incríveis prazeres na
companhia de seres divinos e, em seguida, tivemos que viver cercados de terríveis guardiões do
inferno. Renascemos e governamos como imperadores universais de centenas de milhares de
súditos; em seguida, nascemos como humildes servos e escravos, tendo que executar os trabalhos
mais ingratos, como guardadores de asnos ou animais.
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Introdução
Às vezes, nascemos como divindades do sol e da lua, e nossos corpos irradiavam uma luz tal que
iluminava os quatro continentes. Em seguida, renascemos nas profundezas do oceano entre os
continentes, com um obscurecimento tal que não se percebia o movimento de nossos membros.
Qualquer obtenção deste tipo de felicidade mundana, é privado de fundamento e não tem nenhum
significado verdadeiro.
Já experimentamos infinitos sofrimentos, mas até que nos libertemos da existência cíclica
(Samsara) teremos que ainda experimentar.
Se toda a imundície e sujeira que comemos em nossos passados renascimentos animais como cães
ou porcos fossem amontoados num só lugar, o acúmulo daria para ultrapassar o Monte Meru, o rei
das montanhas.
Assim, até nos libertarmos do Samsara, deveremos ainda comer. Se se fizesse uma pilha com todas
as cabeças que nos foram cortadas por inimigos do passado, a soma deste acúmulo seria mais alta
do que o reino de Brahma.
Todavia, se não colocarmos um fim à existência cíclica, cabeças ainda vamos perder. Nos
renascimentos infernais passados, tivemos que engolir muito metal fundido, em quantidade maior
que a água dos oceanos, mas se não nos libertarmos do Samsara, teremos que beber muito ainda.
Por tudo isto, vocês deveriam se sentir aviltados em saber que teriam que vagar sem rumo, por não
conseguir colocar um final à esta existência cíclica. Também os renascimentos como deuses ou
seres humanos não transcenderam a natureza do sofrimento. O renascimento humano comporta o
sofrimento do nascimento, da velhice, da doença e da morte; comporta o sofrimento da separação
das coisas que nos atemos, o sofrimento de ter que encontrar coisas desagradáveis e não ter o que se
deseja, apesar de todo o esforço. Também os semideuses sofrem, porque combatendo, ficam feridos
ou mutilados; também são atormentados pelo ciúme. Renascendo como divindade no reino dos
Desejos, prova-se a grande angústia de experimentar os presságios da morte. As divindades dos
reinos superiores não provam nenhum sofrimento manifestado, todavia ainda estão sujeitas ao
sofrimento do Samsara, enquanto nesse estado de absorção estão privados de poder renunciar
definitivamente ao sofrimento.
Em breve, até quando não estaremos de verdade libertos do Samsara, não teremos transcendido a
natureza do sofrimento. Então temos que nos esforçar para obter a libertação definitiva, e teremos
que fazê-lo agora por meio de nosso renascimento atual.
Normalmente vocês pensariam: “Não podemos fazê-lo neste renascimento” e fazem preces para a
próxima vida. Mas é possivel fazê-lo nesta vida. Vocês tiveram uma vida humana perfeita e esta
forma física é a mais apropriada para a prática do Dharma. Encontramos as condições mais
favoráveis, por meio dos ensinamentos de Buda, temos as qualificações ideais, por isso se vocês
não conseguirem a libertação agora quando estarão aptos a consegui-la?
Assim poderão pensar: “Devo obter a libertação definitiva da existência cíclica a todo custo. A
libertação vem unicamente por meio dos três preciosos adestramentos superiores, então devo me
adestrar de acordo com os mesmos e obterei a libertação deste grande oceano de sofrimento”. Esta
é a motivação do nível do caminho gradual definido como Escopo Intermediário.
Mas este também é suficiente? Não, não é ainda. Se vocês obtiveram o estado de Arhat Shravaka
(Ouvinte) ou Pratyekabudha (Realizador Solitário) por vocês mesmos, não cumpriram os próprios
escopos nem fizeram nada pelo bem dos outros, porque ainda não eliminaram o obscurecimento da
onisciência e os quatro tipos de ignorância.
Seria como ter que olhar o mesmo rio por duas vezes: mesmo conseguindo obter todos os estados
do caminho Hinayana, até o estado de Arhat, temos que desenvolver a bodhicitta e adestrar-nos nas
atividades de um Filho dos Vitoriosos começando do início, no caminho da acumulação Mahayana.
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Introdução
Seria como se uma pessoa entrasse num monastério e iniciasse o trabalho como lavador de pratos e
acabasse como abade, e entrando em outro monastério, recomeça-se a trabalhar na cozinha.
Chandra Gomin afirmou na sua “Carta a um Discípulo”:

São como nossos parentes à deriva no oceano do Samsara,


Parecem ter caído no poder das correntes do oceano;
Vocês não os reconhecem, os ignoram,
E isto se deve ao nascimento, à morte e renascimentos passados.
Serão objeto de desprezo se libertarem unicamente vocês mesmos.

Em outras palavras, se bem que não estamos aptos a reconhecer, não existe um só ser senciente que
não tenha sido nossa mãe. E mesmo como é inumerável o número de renascimentos que tivemos,
do mesmo modo é inumerável é número de nossas mães. E cada uma nos criou com gentileza como
nossa mãe atual. Não há a menor diferença entre nossa mãe e os seres sencientes porque todos
foram nossa mãe. Todavia alguns poderiam pensar:
“Nem todos os seres sencientes foram minha mãe. Se assim fosse os reconheceria como tal! Mas
não é assim.” A incapacidade de reconhecer alguém não prova que esta pessoa não tenha sido
minha mãe; de fato, existem pessoas que não conseguem reconhecer nem mesmo sua mãe atual.
Outras poderiam pensar: “As mães das vidas passadas pertencem ao passado, é absurdo pensar que
sejam agora nossas bondosas mães”.
Mas a gentileza de nossas mães do passado e de nossa mãe atual não difere em nada. O ato da
bondade é o mesmo, se vocês receberam uma jóia de alguém no ano que passou, ou se a receberam
neste ano.
Da mesma forma, o período em que a ação vem a ser cumprida não modifica seu grau de gentileza.
Por isto, todos os seres sencientes são unicamente fonte de benevolência em nossos confrontos.
Como podem ignorar essas bondosas mães que estão à deriva no oceano do Samsara, e aspirar
unicamente a sua libertação pessoal?
Seria como se alguns filhos continuassem a dançar e cantar na praia, enquanto suas mães estão se
afogando nas ondas do oceano, pedindo socorro aterrorrizadas, e ninguém se preocupando com a
sua sorte.
Quem poderia ser mais insensível e desprezível?
As correntes do oceano são extremamente impetuosas, por isso quando um barco se encontra em
meio à uma tempestade é uma situação terrível, porque seguramente será pego pelo redemoinho e
afundará. Mesmo que agora não pareça ter alguma relação com todos os seres viventes que por
analogia acabaram nas correntes do oceano do Samsara, não é assim. Todos os seres são vossas
bondosas mães, por quem deveríamos retribuir a bondade.
Doando alimento aos famintos, água aos sedentos, presenteando aos pobres com coisas materiais,
assim estaríamos pagando em parte a bondade de alguns deles, mas isso não seria de grande
benefício. O melhor modo de retribuir a bondade deles é fazer com que eles possam gozar de
felicidade e se libertem de todo tipo de sofrimento. Não há maneira melhor de retribuir a bondade
deles.
Cultivando esses pensamentos, conseguirão provar este sentimento: “Possam esses seres sencientes
obter qualquer tipo de felicidade”, isto é, desenvolver o amor. Ou “possam estar livres de cada
sofrimento”, e desse modo desenvolver a compaixão. Podem desenvolver o altruísmo, refletindo
assim: “É de minha responsabilidade fazer de modo que obtenham tal resultado, eu mesmo me
empenharei com tal fim”.
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Introdução
Todavia, por ora vocês estão em condição de fazer tudo isto? Vocês não podem fazer o bem a um
só ser, como fazer a todos os seres sencientes? Então quem estará em condição de fazê-lo? Os
Bodhisattvas que realizaram os níveis elevados do Caminho, e os Shravaka ou os Pratyekabhuda
podem em parte beneficiar os seres, mas não da maneira completa que é própria dos Budas.
Qualquer raio luminoso emanado do corpo de um Buda tem condição de levar ao amadurecimento
ou até à libertação inumeráveis seres. Os Budas tem condição de emanar corpos que se manifestam
a cada ser vivente. Estas manifestações se adequam às disposições, à capacidade mental, aos
desejos e atitudes de cada um deles, ensinando o Dharma em sua linguagem particular. Estas são
algumas das capacidades dos Budas, por quem o próprio modo de operar para o benefício dos seres
é incomparável.
De todo modo, estão em condições de obter a budeidade?
Seguramente, enquanto possuem a mais apropriada constituição física, nascidos no seio de uma
mãe do Continente Sul, possuindo de modo completo a liberdade.
Isto é tudo o que precisamos para obter o estado de Vajradhara em uma só vida. Ter uma forma
física oportuna. O meio para obter a budeidade é o Dharma do Mahayana e os ensinamentos deste
veículo do Vitorioso Je Tsong Khapa são completamente infalíveis, uma combinação seja de Sutra
seja de Tantra. E vocês encontraram tais ensinamentos.
Em resumo, vocês encontraram todas as condições certas e estão livres das desfavoráveis. Poderão
se extraviar somente se não fizerem nenhum esforço para atingir a budeidade. A possibilidade de
obter novamente uma ocasião similar é extremamente rara, como é a de encontrar este particular
Dharma. Alguns poderiam pensar: “Agora vivemos numa época degenerada e as circunstâncias são
negativas”. Todavia desde um tempo sem início, na existência cíclica não encontramos
circunstâncias potencialmente mais favoráveis que as atuais. As nossas oportunidades não poderiam
ser melhores, por causa disso devemos nos empenhar de modo intenso para obter a budeidade.
Tudo isso deveria fazer vocês refletirem: “Farei todo o possível para obter esta meta: a
incomparável e completa iluminação para o benefício de todos os seres sencientes”. Esta reflexão
permitir-lhe-á fazer surgir a bodhicitta, a motivação do escopo superior, segundo o LAMRIM.
Quando este pensamento surgir de modo espontâneo, terão desenvolvido bodhicitta.
Vocês devem praticar para obter a budeidade, e para ter sucesso devem conhecer o que praticar.
Alguns querem praticar o Dharma, todavia, não sabendo como fazê-lo simplesmente vão a um
lugar isolado e recitam alguns mantras ou alguma prece, ou mesmo procuram realizar um dos nove
caminhos que conduzem à calma mental, não sabendo fazer de outra forma. Para poder obter estes
resultados, vocês devem estudar as instruções corretas, que não omitem nenhum ponto da prática do
Dharma. Entre estas, o ensinamento soberano é aquele do LAMRIM, o caminho em busca da
iluminação. Deveis então desenvolver esta motivação: “Escutarei atentamente o LAMRIM e em
seguida o colocarei em prática”.
Em geral, ao início de cada prática é fundamental desenvolver uma dessas três motivações, todavia
quando vocês escutam um discurso sobre o caminho gradual, qualquer uma dessas motivações não
é suficiente. Vocês devem pelo menos escutar com uma motivação de bodhicitta. Para as pessoas
que já experimentaram o desenvolver da bodhicitta é suficiente meditar sobre uma breve prece
como aquela que diz assim: “para o benefício de todos os seres...”
Só que isso não é suficiente para transformar a mente de um principiante. Se vocês refletem sobre
o caminho gradual, iniciando pela imensa dificuldade de obter um renascimento humano perfeito, a
vossa mente se dirigirá em busca da bodhicitta. Isso não se refere somente ao LAMRIM. Quando
nós, Ghelupas, assistimos a qualquer tipo de ensinamento, como uma iniciação, uma transmissão
oral, um discurso ou a qualquer outra atividade do Dharma, para confirmar a nossa correta
motivação, temos sempre que rever todos os pontos do LAMRIM. Mesmo as preces mais breves
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Introdução
deveriam incluir sempre os três escopos do LAMRIM. Qualquer um de vocês que queira assumir a
responsabilidade de preservar estes ensinamentos, deveria adestrar-se desse modo. (Todavia, na
ocasião de iniciação de longa vida, normalmente não se fala da impermanência, da morte etc,
porque seria de mau auspício: comenta-se unicamente o valor deste renascimento humano perfeito,
coisa difícil de se obter.)
Algumas pessoas escutando os ensinamentos de Dharma poderiam pensar: “Sou verdadeiramente
afortunado de poder escutar tal ensinamento, porém não posso colocá-lo em prática”. Outras então
assistem os ensinamentos só porque seguem as demais: “se você vai, eu também vou”. Ninguém
quer seguir este ensinamento para ganhar o viver, cumprindo, em seguida, rituais em nossa casa;
todavia isto se verifica com outros ensinamentos, como as iniciações. Quando você recebe as
iniciações, você pode pensar que está obtendo o poder de subjugar os espíritos malignos, recitando
mantras e outras coisas; ou mesmo poderiam pensar de poder eliminar doenças e interferências,
obter riquezas e vários poderes. Outros ainda, malgrado tantos ensinamentos, consideram o
Dharma como se fosse o meio de fazer negócios. Parecem pessoas prestes a sair numa viagem de
negócios a lugares como a Mongólia, por exemplo. Tais pessoas acumulam enorme negatividade
através do Dharma. O Buda, nosso Mestre, explicou os métodos para obter a libertação e a
onisciência. Utilizar tais ensinamentos com fins mundanos, equivale a privar um rei de seu trono
para fazê-lo varrer o chão. Então se vocês parecem ter uma dessas péssimas motivações
mencionadas, libertem-se: procurem desenvolver a bodhicitta da aspiração e depois escutem.
Tudo isso conclui a explicação de como desenvolver a motivação.
Agora seguirá a parte principal do ensinamento.

Em primeiro lugar, o Dharma que vocês querem se preparar para praticar deveria ter sido ensinado
por Buda e comentado por panditas indianos. Entretanto, estes grandes mestres espirituais
deveriam ter realizado pleno significado dos ensinamentos mediante a meditação; como então se
poderia definir um ensinamento como profundo, se o mesmo não tivesse sido enunciado pelo
próprio Buda e fosse desconhecido de outros estudiosos e adeptos. Meditando sobre estes
ensinamentos você pode arriscar obter resultados que ninguém jamais conseguiu antes – nem
mesmo os Budas! Por isto devem examinar bem o Dharma que desejam praticar. Como afirmou
Sakya Pandita:

Quando vocês comercializam


Cavalos, jóias e assim por diante,
Examinam cada detalhe e controlam tudo.
Tenho observado como vocês são diligentes
Nas fúteis ações desta vida!

O positivo e o negativo de todas as vossas vidas futuras


Derivará do santo Dharma,
Todavia, nos confrontos desse Dharma vocês se comportam
Como um cão que engole avidamente o seu alimento:
Vocês confiam em qualquer coisa que se apresenta
Sem antes analisar se é positiva ou negativa.

Quando, por exemplo, compramos um cavalo, verificamos numerosos detalhes, utilizamos as


adivinhações e ouvimos o parecer de muitas pessoas. Tomamos o exemplo de um monge qualquer:
quando compra uma taça, ele examina repetidamente o peso, a cor e a forma, assegura-se que não
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Introdução
está danificada e pede conselhos a outras pessoas. Entretanto, se é desafortunado, a pior coisa que
lhe poderá acontecer é perder o dinheiro gasto com a compra do cavalo. Quando temos somente
um valor limitado, verificamos ao máximo o valor de tal objeto. Todavia não parece que vocês
analisam o Dharma que querem praticar, se bem que isso deveria ser o verdadeiro fundamento da
vossa esperança para vidas futuras. Este modo de fazer é igual ao modo que um cachorro engole
avidamente o seu alimento.
Que erro terrível! Errar nos confrontos do Dharma significa não compreender o escopo final de
todas as nossas vidas. Então, antes de empenhar-se no Dharma que querem praticar, vocês devem
verificá-lo atentamente. Se analisarem o Dharma que nos foi transmitido, o LAMRIM, poderão
constatar que como esse não há igual.
Também os profundos aspectos dos segredos Mantrayana dependem do LAMRIM, enquanto que se
não desenvolverem no vosso continuum mental os três aspectos fundamentais do caminho
(renúncia, bodhicitta e correta visão da vacuidade), não estarão aptos a obter a iluminação em uma
só vida por meio do caminho do Tantra. Já ouvi falar de numerosos ensinamentos ditos profundos,
derivados de visões ou das Termas (ensinamentos secretos), considerados todos como fonte de
poderes miraculosos; comparando o ensinamento dos três aspectos principais do caminho poderia
parecer insignificante, ou não particularmente especial.

Ora, o caminho gradual para a iluminação não foi inventado por Je Rimpoche (Lama Je Tsong
Khapa) ou por Atisha e assim por diante. Derivam unicamente de Buda Shakyamuni mesmo e de
nenhum outro. Uma vez compreendido este ensinamento, vocês reconhecerão todas as outras
escrituras como ensinamentos dos estados do caminho, mesmo que não tenho como título “ O
Caminho Gradual”.
O precioso ensinamento do “Sutra da Perfeição da Sabedoria”, foi considerada a mais elevada
escritura de todos os Budas. Neste sutra, foi ensinado de modo manifesto a parte profunda dos
estados do caminho “a sabedoria da vacuidade” que é a essência das 84.000 reflexões do Dharma;
além disso, elas contêm implicitamente a explicação da ação extensa contida no LAMRIM (o aspecto
do método dos Budas). Estes dois aspectos do ensinamento de LAMRIM foram transmitidos
mediante duas linhagens. A linhagem das Ações Extensas, transmitida ao discípulo principal de
Buda, Maitreya, que por sua vez o transmitiu a Assanga. A linhagem da Visão Profunda do
LAMRIM, foi transmitida de Manjushri a Nagarjuna. Desse modo, a linhagem do LAMRIM dividiu-se
em dois ramos, o Extenso e o Profundo. Para esclarecer o significado do “Caminho Gradual”,
Maitreya compôs os seus “Cinco Tratados”, Assanga escreveu os “Cinco Textos sobre os Níveis”,
Nagarjuna os seus “Seis Tratados de Lógica”, e assim por diante. Desse modo, a linhagem extensa e
profunda , chegaram separadamente ao grande e incomparável Atisha, que recebeu a linhagem
extensa de Suvarnadvipi e a profunda de Vidyakokila, unificando-as em uma única linhagem, e
recebeu além da vasta linhagem da “ação potente”, que Shantideva recebeu de Manjushri, assim
também numerosas linhagens do Tantra secreto. Desse modo, ele chegou a possuir as linhagens de
todos os ensinamentos de Sutra e Tantra.
No Tibet, Atisha compôs “A Luz no Caminho para a Iluminação”. Esta obra resume os pontos
essenciais de todos os ensinamentos de Buda. Em seguida, estes ensinamentos tomaram o nome de
LAMRIM ou “Caminho Gradual”. No tempo de Atisha as linhagens da Visão Profunda e da Ação
Extensa foram unificados em uma única, que por sua vez durante o período Kadampa se dividiu
novamente em três: a Clássica, os Estágios do Caminho e a linhagem das Instruções, cada uma das
quais ilustrava um aspecto diverso do caminho. Em seguida, Je Tsong Khapa recebeu estas três
linhagens de Namkha Ghyaltsen de Lodrag, um grande adepto, e de Chokyab Sangpo, o abade de
Dragor. Daquele tempo em diante estas três linhagens foram novamente reunidas em uma só.
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Introdução
O grande Je Rimpoche compôs aos pés da Rocha dos Leões, nos arredores do monastério de
Reting, na parte setentrional de Lhasa, a oração de pedidos (aos detentores da linhagem desta
tradição) intitulada “Desfecho ao Acesso do Caminho Supremo”, e naquele lugar iniciou a escrever
um texto sobre o caminho.
Je Rimpoche tinha em seu poder uma estátua de Atisha identificada pela cabeça reclinada de um
lado. Cada vez que Je Rimpoche fazia pedidos em frente a esta estátua, obtinha as visões de todos
os mestres da linhagem do LAMRIM, que lhe falavam de Dharma. Durante um mês teve visões de
Atisha, Dromtompa, Potowa e Sharawa. No final, estas últimas três figuras dissolveram-se em
Atisha, que, por sua vez, pôs a própria mão na cabeça de Je Rimpoche dizendo: “Difunda este
ensinamento e eu te ajudarei”. Isto significa que o próprio Atisha pediu a Lama Tsong Khapa para
escrever “A Grande Exposição dos Estágios do Caminho”. Je Rimpoche compôs este texto até a
exposição da calma mental (samatha), mas o venerável Manjushri lhe pediu para completá-la.
Como resultado, Je Rimpoche escreveu também a parte resguardando a profunda visão interior
(vipassana). Como vocês estão cientes que “A Grande Exposição dos Estágios do Caminho” é
realmente um autêntico tesouro de energia inspiradora, carregado de bençãos pelo virtude de quem
o incentivou a compor, para não citar as suas últimas e ilimitadas qualidades. Isto é implicitamente
confirmado no verso que inicia com: “Por meio da extraordinária obra dos Vitoriosos e de seus
Filhos...”
Em seguida escreveu a “Média Exposição dos Estágios do Caminho”, para resumir a essência dos
argumentos tratados na “Grande Exposição”. Esta obra trata principalmente de ensinamentos da
tradição oral direta, enquanto que a precedente se fundamenta nas linhagens precedentes. Por isso,
cada um desses textos contem objetos que se completam reciprocamente.
Lama Tsong Khapa em seguida afirmou:

Dado que as pessoas provavelmente terão dificuldades


Para colocar em prática estes ensinamentos,
Deveriam se referir a textos muito mais concisos
Que explicam como fazer tudo.

De acordo com suas palavras, o Terceiro Dalai Lama, Sonam Ghyatso, escreveu “A Essência do
Ouro Refinado”; o grande Quinto Dalai Lama compôs “As Autênticas Palavras de Manjushri”
como comentário ao texto precedente; o Panchen Lama Losang Chokyi Ghyaltsen escreveu “O
Caminho Fácil”, e Losang Yeshe (outra reencarnação de Panchen Lama) compôs “O Caminho
Veloz”, que amplia a obra de seu predecessor.
Por isso três textos de LAMRIM de Je Rimpoche – “A Grande Exposição”, “A Média Exposição” e
seu “Hino à Experiência Espiritual” (Versão Breve) - os quatro breves textos supracitados e “A
Quintessência da Eloquência Excelente” de Dagpo Nawang Dragpa juntos constituem os assim
falados “oito grandes ensinamentos de LAMRIM”. Deveriam vocês receber separadamente as
linhagens dos textos “raízes” e dos comentários, porque nenhuma destas obras é um comentário
direto de cada uma delas. Além disso, existem duas linhagens de comentários ao texto “As
Autênticas Palavras de Manjushri”, um dos quais é mais detalhado que o outro. Um desses textos
foi preservado na Província Central, enquanto o outro foi transmitido na região meridional, por isso
vocês deveriam receber explicações distintas sobre ambas as tradições. Em seguida, Drugpa
Tagpugpa e seus partidários realçaram a importância das linhagens deste texto, afirmando que se o
tivessem conhecido antes, não teriam tido tantas dificuldades para praticar a meditação do caminho
gradual. E como ele disse : “O ensinamento conciso do Caminho Veloz e as duas linhas de sucessão
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Introdução
das Autênticas Palavras de Manjushri juntas se combinam em alguma coisa de particularmente
profundo”.

No tempo de Buda Shakyamuni não existia a tradição de transmitir duas linhagens, uma para a
transmissão oral e uma para as explicações. Somente depois, quando seus ensinamentos começaram
a se tornar incompreensíveis, surgiram as tradições de conferir explicações separadas. A explicação
detalhada palavra por palavra, foi denominada “explicação escritural ou formal”. A explicação
“direta ou informal” refere-se a ensinamentos orais que não elabora muito as palavras do texto, mas
expõe a essência das instruções, de modo similar àquele em que um médico hábil secciona um
cadáver na frente de seus estudantes: a maneira como ele ilustra os cinco órgãos plenos, os seis
órgãos ocos etc, transmite uma experiência vívida. Numa explicação informal, o lama fala da
própria experiência e o ensinamento tem um grande efeito na mente do discípulo.
A explicação prática, ao invés disso, é a seguinte: os discípulos vivem juntos em retiro e lhes é
ensinado um argumento sobre o qual começam a meditar. Até que consigam uma compreensão
profunda ou uma realização desse ensinamento, não lhes é ensinado o argumento seguinte. Este tipo
de explicação foi transmitida mediante linhagens abençoadas de realizações, e é a mais eficaz para
domar a mente.

O ensinamento que darei agora será uma explicação informal. Algumas das pessoas aqui presentes,
infelizmente, terão tempo para assistir a este tipo de explicação somente uma ou duas vezes.
Interessam-se pelos ensinamentos, mesmo que em seguida devam seguir seu caminho.
Para seu benefício, darei uma explicação do “Caminho Veloz” junto com as duas linhagens das
“Autênticas Palavras de Manjushri”. Mais adiante, quando tivermos chegado ao argumento, darei
uma explicação do adestramento mental em sete pontos sobre trocar você mesmo com os outros.

Não hesito em dar este ensinamento. Será uma nascente de grandes virtudes para dois nobres seres,
a cuja memória é dedicado. Quando ensino o LAMRIM não devo pesar os benefícios e os perigos
para o mestre os discípulos, como às vezes acontece por ocasião de outros ensinamentos, como por
exemplo as iniciações. Um ensinamento de LAMRIM pode ser somente de grande benefício. Vocês
coloquem em prática aquilo que podem e rezem por estes dois benfeitores já desaparecidos.

Kyabje Pabonka Rimpoche deu uma breve transmissão oral dos versos iniciais dos textos de
LAMRIM mencionados e assim o discurso do dia terminou.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 21
Introdução
Segundo Dia
Lama Pabonka Rimpoche começou os ensinamentos dizendo:

O grande Tsong Khapa, na introdução sobre os “Três Aspectos Principais do Caminho” escreveu:

Vou expor o melhor que possa


a essência de todos os ensinamentos dos Vitoriosos,
O caminho louvado pelos excelentes Vitoriosos
e por seus Filhos, a porta de acesso a todos os afortunados
que desejam a libertação.

Este ensinamento é a quintessência de todas as escrituras do Vitorioso. Na parte que fala do Escopo
inferior, vocês são estimulados a renunciar aos reinos inferiores, na do Escopo Médio são induzidos
a renunciar a toda existência condicionada, e assim por diante. Todavia ninguém conseguirá estes
resultados se não se empenhar na prática do LAMRIM. A preciosa bodhichitta é o caminho louvado
pelo excelente Vitorioso e de seus Filhos (os Bodhisattvas). A porta de entrada para quem deseja a
libertação é a correta visão da vacuidade, livres dos extremos do eternalismo e do niilismo. Todavia
vocês não estarão prontos para obtê-la, se não confiarem no método ensinado pelo LAMRIM.
Enfim, para se conseguir a budeidade, vocês devem desenvolver os três aspectos fundamentais do
caminho no vosso continuum mental.
Vocês dependem do LAMRIM para desenvolver esses três aspectos na vossa mente. Por isso desde o
início procurem desenvolver esta motivação: “Obterei o estado de Buda para o benefício de todos
os seres sencientes, e por esta razão me dedico a escutar esta apresentação informal dos três
diferentes estágios do caminho gradual”. Tentem fazer com que a vossa motivação ou as vossas
ações se afinem com estas reflexões, e somente então preparem-se para ouvir. No que consiste o
Dharma que vocês querem ouvir? É o Dharma do veículo supremo, o método que conduz o
afortunado à iluminação. É o caminho que foi transmitido por dois grandes precursores: Nagarjuna
e Assanga. É a essência do pensamento do incomparável Atisha e do grande Tsong Khapa, o rei do
Dharma dos Três Reinos. Nisso consiste a profundidade deste ensinamento. Ele contém cada
essência das 84.000 escrituras, por meio do qual se pode praticar de uma maneira gradual, um
caminho correto para a iluminação. As explicações diretas dos estágios do caminho para a
iluminação poderiam ser condensadas com um único título: “Ensinamentos Efetivos”. Todavia
surgiram diversas seções ou pontos essenciais para determinar a natureza do LAMRIM, as várias
classificações e a sequência correta dos ensinamentos. Vocês deveriam familiarizar-se com esses
pontos essenciais de modo a poder reconhecer aqueles que reentram em um argumento particular de
meditação, a maneira como são explicados, as citações, a sua linhagem de ensinamentos orais e as
instruções que contém.
Se vocês recebem um ensinamento improvisado, ou que não segue alguma classificação, fica difícil
meditar de modo eficaz sobre estas instruções. Seria como utilizar diversos ingredientes como
manteiga, o sal e a soda misturados juntos no mesmo recipiente. Existem diversos grupos de
classificação, alguns resguardando versões breves e outros versões extensas do LAMRIM. Vocês
devem seguir o grupo essencial dos ensinamentos particulares que vocês receberam.
Para explicar o “Caminho Veloz”, eu seguirei principalmente o método utilizado pelo meu precioso
mestre. Este método particular é enriquecido de muitas instruções orais. No passado, nunca foi
transcrito, todavia ele o expunha com muito apreço, e eu o recebi privativamente. Juntei estes
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Introdução
ensinamentos com muito cuidado e os transcrevi. Não são nem muito curtos, nem muito extensos, e
tem características tão particulares, o que os torna extremamente eficazes.
Antes de dar ensinamentos, os estudiosos do monastério de Nalanda costumavam falar das três
purezas: a pureza dos ensinamentos orais do mestre, a pureza da mente do discípulo e a pureza do
Dharma que era ensinado. Os estudiosos de Vikramashila, nas suas introduções, em suas
introduções, era comum ilustrar a qualidade do autor, o texto, as grandes qualidades do Dharma e o
modo correto de dar e receber ensinamentos. Eu seguirei esta última tradição.
A explicação do caminho gradual à iluminação é dividida em quatro partes principais:
1) As qualidades dos autores do texto, ilustradas de modo a mostrar que os ensinamentos
tem uma origem pura.
2) As qualidades excelentes do Dharma, explicadas de maneira a desenvolver o respeito
pelos ensinamentos
3) O modo correto de escutar e de ensinar o Dharma que possui as duas qualidades
excelentes
4) O método para guiar os discípulos para o ensinamento efetivo.
Estes quatro objetos se encontram na “Grande Exposição do Caminho Gradual” de Lama Tsong
Khapa. Não tem importancia o tipo de texto que está exposto - o “Caminho Fácil”, o “Caminho
Veloz” e assim vai - ou o fato que venha explicado de modo detalhado ou não: na tradição oral se
afirma que ocorre iniciar com estes objetivos principais, de outro modo os discípulos não
desenvolverão a confiança necessária nos ensinamentos.

AS QUALIDADES DOS AUTORES, ILUSTRADA PARA MOSTRAR QUE OS


ENSINAMENTOS TÊM UMA ORIGEM PURA (1)

Como já havia dito, segundo as tradições dos estudiosos indianos, o Dharma que vocês devem
praticar deve ter sido ensinado por Buda, comentado por panditas e colocado em prática nas
meditações dos grandes e poderosos adeptos que tiveram profundas intuições e realizações.
De nossa parte, é necessário desenvolver algo mais do que a fé, a sabedoria ou a perseverança: se
praticamos um Dharma que parece aparentemente válido, não obteremos nenhum resultado.
Tenho visto pessoalmente muitas pessoas, dotadas de sabedoria e de perseverança, desperdiçarem
todo seu tempo desse modo. Entretanto um ensinamento derivado de visões ou coisa igual possa se
considerar profundo, como já disse “Os Três Aspectos Principais do Caminho” contém o sumo
valor derivado da experiência, numa medida muito maior do que as Sadhanas ou nos ensinamentos
sobre como obter poderes miraculosos, de maneira que estes últimos não seriam superiores nem à
simples introdução do refúgio.
Para redesenhar o curso de um rio, é necessário remontar até a montanha onde ele nasce. Do
mesmo modo, devemos nos referir ao Dharma que deriva de Buda Shakyamuni, o nosso Mestre.
Tendo tempo e conhecimento necessários para explicar este ponto em detalhes, ocorreria iniciar
contando a vida de Buda e de todos os mestres da linhagem, e o modo como utilizaram este
caminho para realizar este estágio tão elevado. Não há tempo suficiente para uma explicação vasta,
porisso darei somente alguma noção.

Pabonka Dordje Chang (Vajradhara) nos expos então de modo breve como surgiram as duas
linhagens de Buda a Atisha, e como Atisha as unificou em uma única linhagem. Depois continuou:

Atisha escreveu “A Luz no Caminho” no Tibet; o termo LAMRIM foi cunhado em seguida. O texto,
base de todos os ensinamentos de LAMRIM, o caminho supremo, o ensinamento gradual e assim
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Introdução
surgiu seu texto maior: “A Luz no Caminho para a Iluminação”. Então pode se dizer que Atisha foi
efetivamente o maior inspirador de todos os textos do LAMRIM. Também o grande Tsong Khapa
escreveu: “Na verdade, o autor deste texto é Atisha”.
Assim deveria contar em detalhes a vida de Atisha, mas agora ilustrarei somente uma versão
abreviada que contem três partes:
1) As circunstâncias de seu nascimento em uma família nobre;
2) O modo como adquiriu qualidades excelentes nesse renascimento;
3) Como ele trabalhou para propagar a doutrina, após haver conquistado tantas qualidades.

AS CIRCUNSTÂNCIAS DE SEU NASCIMENTO EM UMA FAMÍLIA NOBRE (2)

Atisha nasceu em Bengala, na India oriental, em uma grande cidade no distrito de Zahor, que tinha
uma população de 35.000 habitantes, enquanto a área que a circundava, tinha 100.000 famílias.
O palácio de seu pai chamava O Palácio dos Estandartes Dourados da Vitória. Tinha 13 pagodes
dourados e 25.000 estandartes dourados da vitória. A família era extremamente rica e poderosa.
Seu pai era o rei Kalyanashri, e a mãe se chamava Prabhavati. No seu nascimento se manifestaram
inúmeros feitos miraculosos.

MODO NO QUAL ADQUIRIU QUALIDADES EXCELENTES NAQUELE RENASCIMENTO


(3)

Quando o jovem príncipe tinha apenas dezoito meses, seus pais visitaram um templo nos arredores
de Vikramapuri. Todos os habitantes se colocaram ao lado da estrada para ver o jovem príncipe.
Este viu a multidão e perguntou aos pais: “Quem são estas pessoas?”,
e eles lhe responderam: “São teus súditos”. O menino ficou comovido pela compaixão por estas
pessoas e disse:

Como seria bonito se fossem todos como eu


rico, resplandecente de virtudes,
um príncipe poderoso, herdeiro de um rei.
Possam todos os seres praticar o santo Dharma!

Todos ficaram admirados. Todos os presentes no templo, inclusive seus pais, rezaram para obter
longa vida, para ficar livre de doenças, para obter grandes riquezas, renascimentos afortunados, não
renascer nos reinos inferiores e assim por diante. O jovem príncipe ao invés disso, rezou desta
forma:

Eu obtive um renascimento humano pefeito


e uma vida repleta de privilégios,
os meus órgãos dos sentidos são íntegros
e encontrei as Três Jóias.
Possa eu sempre demonstrar respeito às Três Jóias
tendo-as sempre à sumidade de meu mestre,
e desde hoje possam ser meu refúgio,
Possa eu nunca estar amarrado aos deveres mundanos,
possa eu conseguir a compreensão plena
do Dharma, vivendo na Sangha.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 24
Introdução
Livre de qualquer tipo de orgulho,
possa eu fazer oferendas às Três Jóias,
e possa provar compaixão por todos os seres.

Já na idade de 18 meses o Príncipe falava do Refúgio e do desenvolvimento da bodhichitta. Este


ponto de sua vida já representa um objeto de nossa fé.
No livro dos Kadampas, se fala de seu desenvolvimento precoce:

Na idade de três anos, o Príncipe já se mostrava


bem versado em literatura, poesia e desenho.
Quando tinha seis anos, já conseguia distinguir
entre doutrinas budistas e não-budistas.

Distinguir entre o que é budismo e o que não é, é extremamente difícil. O que agora segue poderá
fornecer uma idéia. Atisha disse uma vez:

Na Índia havia somente três pessoas que sabiam distinguir


entre doutrinas budistas e não-budistas
Naropa, Shantipa e eu mesmo. Naropa morreu
E eu fui ao Tibet. Por isso na Índia a situação
nunca foi tão precária.

O fato que Atisha tivesse habilidade de fazer uma distinção, já com a idade de seis anos, demonstra
o elevado grau de instrução que possuía com uma idade tão jovem. Quando tinha onze anos, muitas
princesas arranjadas para serem suas mulheres procuraram seduzi-lo por meio de várias artes como
canto e a dança; tudo isso provocou nele somente renúncia e aversão ao Samsara. Uma garota de
cor escura que era uma emanação de Tara o exortou:

Ó ser virtuoso e divino! Não tenha apego!


Ó corajoso! Não tenha apego!
Se um herói como você ficasse preso
nas grades do desejo, seria como um elefante mobilizado
entre as areias de um pântano.
Não emporcalharia as suas vestes de ética?

Analisemos em detalhes o que disse:


Antes de tudo, o exortava a não apegar-se às coisas da vida e secundariamente ao Samsara. A
analogia do elefante imobilizado tem o seguinte significado: respeito aos outros elefantes que
possuindo um corpo muito pesado, encontravam dificuldade para se livrar do pântano; aqui Tara
estava comparando essa imagem com a afirmação: “Se um herói como você ficasse preso...”
Se uma pessoa qualquer comete ações negativas, danifica a sua mente assim mesmo e não pode
danificar a de fusão dos ensinamentos. Mas se os grandes Lamas ou as reencarnações dos Lamas
agem de um modo não-correto, tudo enfraquece os ensinamentos naquela área. Se tais pessoas se
comportam de maneira correta, os ensinamentos se difundem. Isso significa que para pessoas
excelentes, é de máxima importância se comportarem de modo sábio, ético e bondoso, transmitindo
as puras tradições do Dharma.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 25
Introdução
O Príncipe replicou de haver gostado muito de sua exortação. Logo depois o Rei reuniu em volta do
Príncipe, 130 cavaleiros armados. O Príncipe habilmente fingiu querer explorar as montanhas
rochosas em volta, mas seu verdadeiro escopo era a procura de um mestre. Encontrou o brâmane
Jitari que vivia em uma daquelas montanhas. Jitare deu ao príncipe Refúgio e votos de Bodhisattva.
Ele falou de Bodhibhadra do Monastério de Nalanda, um sábio com o qual Atisha tinha uma
precedente conexão cármica. O Príncipe então foi encontrá-lo e lhe ofereceu jóias. Bodhibhadra foi
embora satisfeito, entrou em retiro meditativo e encheu de energia inspiradora o corpo, a fala e a
mente do Príncipe (suas três portas).
Deu-lhe numerosos ensinamentos sobre o desenvolvimento da bodhichitta e depois o mandou ao
Guru Vidyakokila, que lhe deu posteriormente instruções sobre o desenvolvimento da mente
desperta. Vidyakokila enviou Atisha para um mestre de sua vida anterior, Avadhutipa (Vidyakokila
segundo). Avadhutipa lhe disse: “Retorna hoje mesmo para teu pai e observa bem as desvantagens
do modo de viver de um leigo!” Assim Atisha voltou para casa, para o grande prazer dos genitores
que lhe perguntaram: “Onde você esteve Chandragharba? Está cansado? Está triste? Como é
auspiciosa a tua volta!”. Ele lhes respondeu:

Fui a procura de um mestre,


que é Buda, a jóia do Refúgio.
Estive em cavernas de montanha e em lugares desertos
no caminho da minha busca,
e em cada lugar percebi continuamente
as desvantagens do Samsara.
Todos aqueles que conheci, me revelaram os defeitos da existência condicionada.
Tendo feito tudo isso, ainda estou insatisfeito.
Deixem-me livre de modo que possa
dedicar-me completamente ao Dharma.

Os seus pais lhe disseram que, se o Samsara o deixava tão infeliz, deveria ter assumido seus
compromissos reais: fazer oferendas às Três Jóias, doações aos pobres, construir monastérios,
convidar a Sangha e assim por diante. Deste modo poderia encontrar a verdadeira felicidade. E ele
lhes disse: “Já tenho muito do Samsara, não sou atraído nem um pouco pelos compromissos da vida
real. Um palácio dourado não é diferente de uma prisão e as rainhas não são diferentes das filhas de
Mara, das forças negativas. As três substâncias doces - açúcar, mel e melado - não são diferentes da
carne do cão, do pus e do sangue. Não tem a mínima diferença entre vestir elegantes roupas de festa
e jóias e um imundo cobertor. Irei a uma floresta, de modo a poder meditar continuamente. Agora
por favor, dêem-me um pouco de carne, de leite, de mel e de açúcar, porque irei ao Venerável
Avadhutipa”.
Esta era a essência das orações feita a seus genitores. O pai e a mãe lhe permitiram fazer o que
desejava, então ele partiu para a floresta com um séquito de mil cavaleiros. Tornou-se um discípulo
de Avadhutipa, que o introduziu ao desabrochar da bodhichitta. “Vá ao templo de Krishnagiri, o
Monte Negro”, disse Avadhutipa, “Onde vive Shri Rahulagupta. Também ele foi teu Guru em uma
vida anterior”.
Guru Rahula estava dando um ensinamento tântrico quando viu chegar o príncipe, e embora
soubesse que Atisha estava à procura do Dharma, para colocá-lo à prova atirou um relâmpago na
vizinhança, mas este caiu no cume de um outro monte, onde havia uma estupa negra que
homenageava um sábio hindu.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 26
Introdução
Os iogues de seu séquito lhe perguntaram quem era esse Atisha e Rahula respondeu: “Por
quinhentas e cinqüenta e duas vidas foi um grande pandita. Agora é o herdeiro do rei do Dharma de
Bengala, Kalyanashri. Não tem apego pela vida da realeza e deseja empenho nas práticas ascéticas”.
Todos ficaram maravilhados, se levantaram e o convidaram a unir-se a eles. Encontrando este
mestre Atisha disse:

Santo Mestre, escuta-me !


Deixei minha casa.
Desejo obter a libertação
mas, nasci em uma família famosa, corro o perigo de ter que permanecer em Bengala.

Encontrei Jitari, Bodhibadra, Vidyakokila


e Avadhutipa, todos mestres com poderes psíquicos,
e todavia ainda não estou livre dos meus compromissos reais.
Agora me enviaram atras de você, ó mestre.
Introduza-me ao Mahayana
e ensina-me a desabrochar a bodhichitta.
Possa eu me libertar o vínculo de meu reino!

Por treze dias o mestre conferiu ao príncipe iniciações e os ensinamentos de Hevajra e lhe conferriu
o nome secreto de Jnana Guhyavajra. Depois Rahula se virou para oito iogues e ioguines nus, de
aspecto selvagem e horroroso, dizendo a eles: “Segui-o até Bengala, e persuadam o rei a libertá-lo
de cada compromisso real. Quando estará livre dos compromissos de seu reino, acompanhem-no a
seu mestre, Avadhutipa”.
O príncipe se vestiu como um praticante de Hevajra e voltou para as terras de seu reino. Todos
aqueles que o encontraram e o reconheceram ficaram espantados e desconcertados com o que
viam. Vagabundeou sem meta por três meses, e junto aos iogues e ioguines, praticou a loucura
sábia, comportando-se de modo selvagem, sem freio algum. As pessoas tiveram que reconhecer que
ele não era muito apto a governar, e ninguém pode conter as lágrimas.
O mais aflito era o pai que disse:
Ó filho meu ! No tempo de teu nascimento tão auspicioso,
Vendo aqueles prodigios maravilhosos estava certo que você teria governado
teu reino;
Quem teria desejado uma felicidade maior?
É este o resultado de teu retiro na floresta?

E o príncipe replicou:

Se reinasse, poderia estar com você, pai,


somente enquanto durasse esta vida,
mas pai e filho não saberiam se reconhecer
em todas as vidas futuras.
Que erro, concluir uma coisa que não traga algum benefício,
mas somente danos! Se abandono as obrigações reais
e pratico o caminho seguro que conduz à libertação e
à iluminação, seremos felizes juntos em todas as nossas vidas
futuras, então por favor, concede-me a permissão de partir!
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 27
Introdução

A mãe disse:
Não há escopo em tentar te convencer
O carma é a principal força que nos move
através de todos os nossos renascimentos
Ó santo ser, pratica o Dharma que
você julgar o melhor, e eu rezarei para que não sejamos
nunca separados em nossas vidas futuras.

E assim lhe deram a permissão para ir. O príncipe, os iogues e as ioguines partiram ao amanhecer
para a floresta, chegando ao eremitário de Avadhutipa. Ali, ele estudou o Dharma da escola
Madhyamika e lhe ensinaram as mesmas implicações da lei de causa e efeito. Depois, com a idade
de 21 anos até os 29 anos serviu Avadhutipa e se empenhou nas práticas de ouvir, da reflexão e da
meditação. No livro Azul dos Encantamentos se afirma que ele seguiu Avadhutipa por sete anos.
Atisha poderia ter sido um rei cujo esplendor teria igualado o do imperador chinês Li Shih Min.
Cem mil famílias habitavam o reino governado pelo Palácio dos Estandartes Dourados, com suas
25.000 piscinas, os 720 jardins de delicias e suas 56.000 palmeiras. A capital habitada por 35.000
súditos era circundada por sete fileiras de muros, interligados por 360 pontes. Era adornada por
25.000 estandartes dourados da vitória e o palácio central era adornado por treze pagodes dourados.
Mas o grande Atisha se dedicou somente ao Dharma, e se libertou dessas incomparáveis riquezas e
poderes principescos como se fossem uma cuspida sobre o pó. O nosso Mestre, o Buda, fez o
mesmo: se bem que ele detivesse o poder de um imperador universal, o abandonou para se tornar
um monge. Do mesmo modo, vocês devem estudar essas biografias e tratar de copiá-los. Se alguém
dissesse a vocês: “Abandonem os votos e serão nomeados governadores de um distrito”, não
haveria hesitação; isto demonstra a fraqueza de nossa determinação. Para nós, é difícil renunciar às
pequenas coisas que temos em nossos minúsculos quartos, quanto mais, os poderes de um príncipe.
Faça uma comparação com o grande Atisha, que renunciou à sua posição real, considerando-a
como uma cuspida no pó, e que por sete anos confiou-se a Avadhutipa. Estudou também o
Vajrayana com muitos mestres realizados e tornou-se erudito em todos os textos clássicos e em
cada gênero de ensinamentos.
Um dia pensou: “Sou um erudito em tantras secretos”, mas seu orgulho desapareceu quando
algumas dakinis, em sonho, lhe mostraram muitos volumes de tantra que ele nem sabia existir. E
quando pensou: “Obterei os sublimes poderes psíquicos de Mahamudra (o grande selo) nesta vida,
mediante a prática da consorte”, guru Rahulagupta, atravessou os muros com seus poderes
miraculosos, apareceu de improviso em frente à Atisha, e lhe disse:
“O que você espera realizar esquecendo de todos os seres sencientes? Você deve tomar votos de
monge; deste modo poderás beneficiar seja os ensinamentos, seja os infinitos seres”.
Em seguida Shri Heruka apareceu em frente à Atisha e o exortou do mesmo jeito. O nosso Mestre
Shakyamuni e o protetor Maitreya apareceram juntos em sonho à Atisha, pedindo-lhe para se
ordenar, que em seguida lhe foi conferida por Shilaraksha, um abade da escola dos Mahasamgika
que tinha realizado o estágio da paciência do caminho da preparação.
Atisha tomou a ordenação monástica com a idade de 29 anos e teve cento e cinqüenta e sete
mestres; estudou completamente todas as várias ciências, como também os textos escriturais tanto
do tantra como do sutra, junto aos relativos comentários. Em modo particular, com
Dharmarakshita, estudou os pontos essenciais das quatro divisões da transmissão do Vinaya e um
volumoso texto, chamado “A Grande Exposição dos Particulares, que trata das sete divisões do
Abhidharma (compêndio de metafísica) em 108 cantos. Escutou e estudou a fundo estes
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 28
Introdução
ensinamentos por 12 anos. Conhecia de modo completo as diversas práticas das dezoito escolas da
tradição Vaibhashika, resguardando argumentos como o modo de fazer oferendas aos monges da
parte da Sangha, ou o tipo de água que se deve beber; assim apareceu o sublime ornamento dessas
dezoito tradições indianas. Se bem que tivesse recebido e praticado todos os ensinamentos de Sutra
e Tantra presentes naquele tempo na Índia, continuava a se perguntar qual era o caminho mais
veloz para a iluminação. Rahulagupta, que vivia em uma caverna no monte Krishnagiri, por meio
de sua clarividência percebeu os pensamentos de Atisha.
Foi até ele e disse: “Para que serve somente ter visões de divindades tutelares, manifestar as várias
divindades de seu mandala, obter muitos poderes psíquicos ordinários ou mesmo ter uma
concentração unívoca estável como uma montanha? Transforma tua mente com amor e com
bodhichitta! Adota como tua divindade tutelar Avalokiteshvara dos mil braços, a manifestação da
compaixão, e toma os votos de trabalhar em benefício dos seres até o fim do Samsara”.
Um dia, Atisha em Bodhgaya estava circundando o assento do vajra da iluminação. Enquanto
caminhava ouviu uma conversa entre duas estátuas. Depois viu duas mulheres que haviam
transcendido as limitações do corpo físico, dialogar no céu ao sul de Bodhgaya. “Que tipo de
Dharma deve praticar um individuo que deseja obter rapidamente a completa iluminação?”
Perguntou uma das mulheres, e a outra respondeu: “Deve desenvolver a bodhichitta!”
Com efeito é assim mesmo, adestrar-se na bodhichitta é o método mais nobre”. Atisha parou para
escutar, e atingido por aquelas palavras, as tomou no coração como um recipiente recebe o
conteúdo inteiro de outro. Em outra ocasião sucessiva, ao redor de um muro que foi edificado por
Nagarjuna, escutou uma velha que dizia à uma garota: “Se você deseja obter velozmente a
iluminação, você tem que desenvolver a bodhichitta”.
Em seguida uma estátua de Buda colocada num nicho do templo principal de Bodhgaya lhe falou
deste modo: “ Ó mendicante, se desejas obter velozmente a iluminação, deves desenvolver a
bodhichitta que surge do amor e da compaixão”.
De novo, enquanto circundava uma pequena construção em pedra, uma estátua de Buda
Shakyamuni em marfim lhe falou: “ Ó iogue! Se você quiser rapidamente atingir a iluminação,
pratique a bodhichitta”.
Assim Atisha se empenhou no desabrochar da bodhichitta como nunca havia feito antes, e para
poder crescer ao grau máximo, se perguntou : Quem detém o ensinamento completo sobre o
desabrochar da bodhichitta? Procurou saber e descobriu que o grande guru Suvarnadvipi era um
famoso mestre de bodhichitta. Atisha decidiu então ir para a Indonésia, onde vivia o mestre, para
receber ensinamentos completos da bodhichitta. Por treze meses atravessou o oceano em um navio
de mercadores que se dirigiam à ilha para comerciar. Kamadeva, o potente demônio da luxúria, não
podendo suportar o fato de que os ensinamentos de Buda estariam se propagando, para criar
obstáculos ao desenvolvimento da bodhichitta de Atisha desviou a rota do navio, fazendo surgir
ventos contrários. Bloqueou o percurso fazendo aparecer uma monstruosa e enorme baleia,
atirando dardos incandescentes do céu e assim por diante. Tudo isto provocou um terrível pânico,
por isso, o pandita Kshitagarbha implorou a Atisha de utilizar seus poderes irados.
Atisha praticou a meditação de Yamantaka vermelho e desse modo venceu as ordas de demônios.
Por fim chegaram à Indonésia. Atisha com o tempo se tornou um grande estudioso e erudito. Como
foi dito, com a idade de dezoito meses já tinha dado prova do próprio desabrochar da bodhichitta,
por isso suportou todas as dificuldades para chegar à Indonésia, e isto nos demonstra que no
caminho Mahayana não existe nada mais fundamental do que a preciosa bodhichitta.
Atisha passou treze meses viajando, e nesse tempo nunca tirou suas vestes monásticas, símbolo da
ordenação. Não viajou como hoje fazem muitos monges. Atualmente quando os monges saem em
peregrinação, no momento que saem do monastério, endossam vestes de leigo. Alguns deles levam
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 29
Introdução
consigo pesadas facas. Seguramente as pessoas que os vêem ficariam com medo e perguntariam:
“Quem são estes cortadores de garganta?”. No futuro deveremos dar o exemplo, não tirando nunca
as vestes de monge, o símbolo de nossa ordenação.
Tudo isso será de benefício para os ensinamentos. O onisciente Kedrub Rimpoche disse:

Os corpos dos monges


São embelezados pelas duas vestes cor de açafrão.
Quando os monges adotam as vestes de leigos
Este comportamento leva os ensinamentos à ruína.

Alguns afirmam que o desenvolvimento espiritual é um processo interior, e por isso não cuidam do
comportamento exterior; todavia esta idéia geralmente danifica os ensinamentos. Cada ação da
Sangha deveria ser cumprida de modo calmo e bem disciplinado. Por exemplo, Shariputra foi
conduzido à compreensão da verdade do sentido da visão observando o comportamento do Arya
Ashvajit. Voltando à estória, depois que desembarcaram na ilha, Atisha e seus companheiros
encontraram alguns meditadores, discípulos do grande Suvarnadvipi. Em seu lugar, nós iríamos
logo encontrá-lo, mas Atisha quis primeiro indagar ssobre a vida do mestre. Desse modo nos
forneceu um grande exemplo: em primeiro lugar devemos verificar as qualidades do mestre que
queremos seguir.
Alguns meditadores se precipitaram e foram ao guru Suvarnadvipi dizendo-lhe: “O grande erudito
Dipamkara Shrijinana, o mais brilhante estudioso de toda a Índia, acompanhado por cento e vinte
cinco discípulos, viajou por treze meses pelo oceano, encontrando muitas dificuldades. Vieram a ti,
ó mestre, para receber a mãe essencial (O Sutra da Perfeição da Sabedoria) que deu origem a todos
os vitoriosos dos três tempos. Vieram inclusive para aprender a prática Mahayana do adestramento
mental nas duas formas de bodhichitta, a da aspiração e a do empenho”. “É excelente que tal
estudioso esteja em nossa terra”, disse Suvarnadvipi, devemos ir recebê-lo.
Enquanto se aproximava do Pálacio do guru Suvarnadvipi, o grande Atisha e seu séquito viram de
longe uma procissão que vinha a seu encontro. Era dirigida pelo próprio Suvarnadvipi
acompanhado por quinhentos e trinta e cinco monges. Tinham aspecto de Arhats, endossavam as
três vestes monacais da cor tradicional, traziam oferendas de água e magnificos bastões de metal.
Eram seguidos por sessenta e dois noviços. Ao todo, estavam presentes quinhentos e noventa e sete
monges. Ao ver aquela procissão de monges tão solene, tal qual Arhats da época de Buda, Atisha e
seu séquito regozijaram do fundo do coração.
Em seguida, panditas eruditos nas cinco ciências, como Atisha e o pandita Kshitagarbha, e os
monges instruidos nas três colheitas, se dirigiram à habitação do guru Suvarnadvipi. Calçavam as
tradicionais sandálias de monge, e cada um endossava as três vestes de esplendida cor de açafrão
da escola Mahasamgika, Todos eles portavam taças de metal em boas condições, de modo que as
pessoas pudessem cumprir o gesto de bons auspícios das oferendas.
Tinham todos os símbolos, como o vaso de cobre da região de Magadha, e o bastão de ferro, cujo
uso foi recomendado pelo Soberano dos Ensinamentos, Buda Shakyamuni. Todos endossavam seus
chapéus de pandita da ponta desfiada, sem qualquer sentimento de orgulho, e nas mãos seguravam
o chicote ritual branco. Os 125 discípulos de Atisha o seguiam em fila, mantendo a mesma
distância entre um e outro, formando uma linha perfeita como aquela das cinco cores do arco-íris.
Tudo era magnífico; as divindades foram satisfeitas e deixaram cair uma chuva de flores. Também
os habitantes da ilha foram acometidos de estupor e fé, frente às ações desses dois mestres. Atisha
doou ao mestre um vaso de cristal, que continha em seu interior, ouro, prata, pérolas, corais e lápis
lázuli.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 30
Introdução
Este ato predizia que Atisha havia recebido as completas instruções sobre o adestramento em
bodhicitta, ficando igual a um receptáculo cheio até a borda. Retiraram-se enfim para o quarto do
mestre, no Palácio do Parasol de Prata. Ali, com um gesto de auspício ainda maior, guru
Suvarnadvipi deu seu primeiro ensinamento, um discurso sobre o “Ornamento das Realizações de
Maitreya”, que incluía posteriormente instruções orais, e o completou em quinze seções.
O mestre logo se afeiçoou a Atisha e viveram um ao lado do outro. Iniciou-se assim um período de
doze anos nos quais Atisha e seus discípulos receberam os ensinamentos completos sobre todos os
significados mais profundos do “Sutra da Perfeição da Sabedoria” – a santa mãe – derivado da
linhagem que Maitreya transmitiu à Assanga. Também receberam ensinamentos particulares sobre
o desenvolvimento da bodhicitta através da prática de “trocar você mesmo pelos outros “, cuja
linhagem foi transmitida por Manjushri a Shantideva. Aos pés desse mestre estudaram,
contemplaram e meditaram a fundo estes ensinamentos, e mediante a prática de trocar você mesmo
pelos outros, desenvolveram na sua mente a autêntica bodhicitta. Um dia, dirigindo-se a Atisha, já
um detentor da doutrina, o mestre lhe predisse que se fosse para o Tibet, teria muitos discípulos:

Ser Divino, não fique aqui,


vai ao norte. Vá para o Norte, na Terra das Neves.

COMO ELE TRABALHOU PARA PROPAGAR A DOUTRINA, DEPOIS DE TER OBTIDO


ESTAS QUALIDADES (4)

Este capítulo se divide em dois:


1) Atividades cumpridas na Índia
2) Atividades cumpridas no Tibet

AS ATIVIDADES CUMPRIDAS NA ÍNDIA (5)

De volta à região de Magadha, Atisha foi a Bodhigaya e por três vezes, em debates, derrotou os que
sustentavam a doutrina hindu ou Tirthika, convertendo-os ao budismo. Propagou os ensinamentos
também de outra forma. O rei Mahabala lhe confiou a biblioteca do Monastério de Vikramashila.
Se bem que Atisha seguisse principalmente a tradição da escola Mahasamgika, era perito também
nas tradições de todas as outras escolas; como era isento de sectarismo, ele se tornou como uma
gema que ornamentava o cabo de toda a Sangha de Magadha e da Índia inteira.
Tinha se tornado assim, um mestre de todos os ensinamentos das “Três Cestas” e das quatro classes
de tantra. Era como se Buda mesmo tivesse voltado novamente a ensinar.

AS ATIVIDADES CUMPRIDAS NO TIBET (6)

Naquela época, a assim falada “primeira difusão” dos ensinamentos budistas no Tibet, já estava
terminando e se iniciava a “segunda difusão”. Em geral, alguns se concentravam na prática do
Vinaya e se descuidavam do tantra, enquanto outros faziam o contrário. Sutra e Tantra haviam se
tornado opostos, como o quente e o frio. Presumíveis panditas vinham ao Tibet da Índia, atraídos
pelo ouro que poderiam receber. Assim, enganavam os tibetanos com práticas de magia negra e
sexualidade pseudo-tântrica, e por isso ficou muito difícil propagar o puro ensinamento do
Vitorioso. O rei tibetano Lhalama Yeshe Od estava muito entristecido com esta situação, por isso,
com a motivação de difundir os puros ensinamentos, enviou à Índia, vinte e um estudantes tibetanos
particularmente brilhantes, à procura de panditas que fossem de maior benefício para o Tibet.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 31
Introdução
Exceto dois, todos morreram devido ao clima tórrido; somente o grande Rinchen Sangpo e Lekbey
Sherab sobreviveram, tornando-se ambos eruditos em Dharma, todavia não conseguiram conduzir
Atisha ao Tibet. Quando voltaram explicaram ao rei como harmonizar as práticas de Sutra e Tantra
de acordo com o pensamento dos estudiosos indianos.
“Estes presumíveis panditas não estão beneficiando o Tibet” disseram ao rei. “No monastério de
Vikramashila vive um monge de ascendência real que obteve a libertação. Seu nome é Dipamkara
Shrijinana. Se o convidar, seguramente trará muito benefício ao Tibet, e também todos os outros
panditas estão aguardando com respeito.”
Estas palavras dissiparam todas as dúvidas do soberano o qual, apenas ouviu seu nome, gerou uma
fé inabalável em Atisha, e enviou Ghya Tsondru Senghe e outras oito pessoas para convidá-lo.
Levaram grande quantidade de ouro, mas não tiveram sucesso em sua tentativa. O mesmo Rei do
Dharma se pôs a procurar uma quantidade maior de ouro para tentar convidar o pandita e foi ele
mesmo ao reino de Garlog. Quando o Khan de Garlog soube que Yeshe Od estava trabalhando para
difundir a doutrina, o prendeu e o ameaçou de morte caso não abandonasse a intenção de difundir o
Dharma. O rei foi jogado na prisão. Seu sobrinho, Chanchub Od, tentou libertar o tio, mas o Khan
de Garlog lhe disse: “Vocês podem ou renunciar ao projeto de convidar o pandita e tornarem-se
meus vassalos, ou então trazer-me uma quantidade de ouro equivalente ao peso do rei. Somente
deste modo, o deixarei livre.”
Chanchub Od aceitou estas condições e lhe ofereceu as duzentas onças de ouro que tinha com ele,
mas o Khan não quis saber, porque aquela quantidade era equivalente ao peso do corpo do rei,
menos a cabeça, e disse: “Deves trazer-me tambem em ouro, o peso da cabeça”.
Chanchub Od não tendo meios de procurar mais ouro, foi visitar o tio na prisão dizendo-lhe: “Tio,
você foi muito gentil, todavia você está experimentando o resultado do carma criado no passado. Se
declaro guerra a este homem, para derrotá-lo morrerão muitas pessoas, e por isto temo renascer nos
reinos inferiores. Ests indivíduo me pediu para não convidar o pandita e para tornar-me seu súdito,
mas se abandonarmos o Dharma teremos cedido a este rei tão malvado. Penso que seja melhor que
você permaneça fiel no Dharma. Ele me pediu ouro em quantidade equivalente ao seu peso, mas eu
consegui ouro somente em quantidade igual ao peso de seu corpo, sem a cabeça. Isto não o
satisfez e agora vou procurar o restante. Voltarei com o resgate. Até este momento deverias pensar
no carma criado no passado, fazer pedidos às Três Jóias, e acima de tudo ter coragem e fazer
desabrochar os virtudes”.
O tio sorriu e disse: “Pensei que você fosse dócil e muito mimado para afrontar qualquer
adversidade e demonstrar coragem. Agora sinto que quando morrerei você estará pronto a preservar
as tradições de nossos avós, porque você se comportou bem. Isto me deixa feliz. Pensei que não
seria justo morrer sem conseguir difundir no Tibet a imaculada doutrina do Dharma.
Estou velho e mesmo que não fosse morrer agora, restariam-me somente outros dez anos de vida.
Se esbanjasse assim tanto ouro com este propósito, isto provocaria o desprazer das Três Jóias! Em
todas as minhas existências passadas no Samsara sem início, nunca dei minha vida pelo Dharma.
Então não dê ao Khan nem um grãozinho de ouro. Que coisa maravilhosa seria para mim morrer
pelo Dharma! Onde você iria encontrar mais ouro? Leva todo o ouro para a Índia e procure fazer de
tudo para convidar o pandita Atisha. Se ele te receber, leve minha mensagem: “Sacrifiquei a minha
vida ao Khan de Garlog para preservar teus ensinamentos e aqueles de Buda. Em vidas futuras,
pense em mim com compaixão. O meu único desejo era que você viesse ao Tibet, para que pudesse
fazer florescer o Dharma em nosso país. Peço-te para fazer assim. Abençoe-me até que possamos
nos encontrar em vidas futuras. Sobrinho, esqueça-se de mim e pensa nos ensinamentos de Buda”.
O tio estava extremamente debilitado e o som de sua voz era dilacerante, porém sua fé e entrega
aos seres sencientes do Tibet, aos ensinamentos de Buda e a Atisha se revelaram indestrutíveis.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 32
Introdução
Chanchub Od prometeu a si mesmo satisfazer completamente os desejos do tio, eliminando assim
numerosas práticas distorcidas do Tantra pseudo-budista promulgada pela Acharya das Vestes
Vermelhas, do pandita conhecido como Veste Azul e pelos dezoito mendicantes de Artzo. Para
subjugar essas pessoas de modo pacífico, o rei Chanchub Od fez pedidos às Três Jóias, para ter uma
indicação da pessoa mais apropriada para convidar Atisha. Todas as adivinhações e cálculos
astrológicos indicavam Nagtso, o Tradutor.
Nagtso vivia no Monastério de Ghilded, em Gungtang, e convocando-o a Ngari, o rei temia que o
Tradutor não aceitaria ir a Índia. O rei Chanchub Od então fez Nagtso sentar no trono real e lhe
ofereceu presentes.
“Deve suplicar a Atisha” disse o rei, dizendo-lhe: “Você foi louvado pelo teu conhecimento, pela
tua ética e pela tua compaixão. Os nossos antepassados difundiram os ensinamentos de Buda, que
se estabilizaram, floriram e se propagaram. Agora os ensinamentos de Buda estão em decadência.
Uma estirpe de demônios tomou vantagem. Os sábios do passado devem estar angustiados. Meu tio
e eu enviamos muito ouro à Índia, mas mesmo com esse dispêndio de riquezas e de homens não
conseguimos ainda te convidar ao Tibet. O nosso rei, não podendo suportar essa situação, foi á
procura de mais ouro. O outro rei malvado o aprisionou. Sua Majestade ofereceu sua vida. Se
deludires a nós, ignorantes seres sencientes desta remota terra do Tibet, depois que mostramos tanta
coragem, como poderias ser ainda considerado um compassivo objeto de refúgio para os seres
sencientes? Tenho mil e quatrocentas onças de ouro. Pegue-as e ofereça, e doando-as ao Mestre
diga-lhe: “O Tibet é como Pretapuri, a cidade dos espíritos famintos. No nosso país é difícil achar
até uma quantidade de ouro do tamanho de um piolho. O ouro que você vê aqui representa a inteira
riqueza do povo tibetano. Mas, se tu, ó Protetor, não fôres ao Tibet, demonstrarias ter pouca
compaixão. Neste caso, não teríamos nunca a possibilidade de melhorarmos.”
“Nagtso, você é um sustentáculo do Vinaya, conte nossa história a Atisha, pessoalmente. Se ainda
recusar, explica a situação até que a tenha compreendido perfeitamente.”
O rei estava tão comovido que as lágrimas banhavam suas vestes e a mesa a sua frente. Nagsto, o
Tradutor cujo verdadeiro nome era Tsultrim Ghyalwa, nunca havia viajado muito e não era
entusiasta para ir a lugares tão longínquos, mas não teve coragem de recusar.
No Tibet existe um provérbio que diz: “Quem vê uma pessoa chorando, começará a fazer o
mesmo”. Nagtso compreendia bem que o que o rei dizia era a pura verdade, embora nunca tivesse
encontrado Yeshe Od, lembrava-se dele. Estava ciente também que o tio havia doado toda a sua
riqueza e que ambos haviam renunciado a própria felicidade para o benfício do povo tibetano. O
rei, homem de elevada condição, tinha comovido profundamente Nagsto que ficou sem palavras: o
seu corpo tremia enquanto o rosto se cobria de lágrimas, e não conseguia nem olhar para o rei. O
rei lhe pedia para arriscar sua vida, mas Nagtso que não tinha apego a felicidade mundana,
consentiu em seu pedido.
Pegou as onças de ouro do rei e de seus sete ministros e se pôs a caminho para a Índia. O rei o
acompanhou por um longo trajeto. “Ó monge, você faz isto por mim”, disse o rei, “você está
arriscando sua vida e afronta com perseverança esta viagem perigosa. Quando voltares, pagarei
novamente a sua gentileza. Durante a viagem, faça seus pedidos ao Grande Compassivo
Avalokiteshvara!”
Quando Nagtso e seu séquito alcançaram o Reino do Nepal, encontraram um homem muito alto que
lhes disse: “Acho que vocês estão indo a lugares distantes para cumprir uma grande missão. Vocês
terão sucesso nessa tentativa se viajarem repetindo essas palavras: Homenagem às Três Jóias! Possa
o Santo Dharma, a nascente de todos os Budas dos três tempos, difundir-se na Terra das Neves! Se
repetirem essa prece enquanto caminharem, sua viagem não terá dificuldades”. Perguntaram-lhe
quem era, e ele respondeu: “Vocês virão a saber”. Esta foi uma das numerosas ocasiões em que
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 33
Introdução
Dromtompa, que em seguida se tornou o principal discípulo de Atisha, manifestou-se para proteger
dos perigos Nagtso e seu séquito.
Por fim, chegaram à porta de entrada do Monastério de Vikramashila. Acima da porta tinha uma
pequena abertura, e Ghya Tsondro Senghe, o tibetano que tinha ficado no monastério lhes disse:
“Veneráveis tibetanos, de onde vens?”.
“Viemos do norte de Ngari” lhe responderam.
“Tem um guardião. Deixem a sua bagagem e encontrem abrigo para passar a noite. O portão será
aberto nas primeiras luzes do amanhecer.”
Deixaram o ouro com o filho do guardião que o escondeu em um quarto interno. “Confia em mim
como se fosse seu melhor amigo – ele lhes disse – não se preocupem e durmam tranqüilos”.
Pensaram que aquele garoto, exprimindo-se daquela maneira, seria uma pessoa especial e não se
preocuparam.
Na manhã seguinte, logo que abriram os portões, foram recebidos por um garoto que vestia roupas
de Lama, um chapéu com ponta e tinha nas mãos uma pequena taça de madeira. Falando no dialeto
dos nômades tibetanos, lhes disse: “De onde vocês vêem? Apesar da viagem vocês têm um bom
aspecto”. Nagtso e seu séquito acharam de bom auspício encontrar alguém que falava o dialeto dos
nômades. “Nós viemos do norte de Ngari. A viagem foi tranquila. Por que razão você está aqui?
Onde está indo?”.
“Também sou tibetano - respondeu o rapaz - estamos retornando ao Tibet. Nós tibetanos somos
muito faladores e ingênuos. Não sabemos manter segredo. As coisas importantes devem ser feitas
de modo discreto. Ghya Tsondro Senghe alojará vocês na ala dos tibetanos. Perguntem por ele e o
acharão”. E dizendo isto, se foi.
Entraram em um longo atalho, prosseguiram e encontraram um velho religioso com uma bengala
de bambu, que lhes perguntou: “De onde vocês vêem? Que motivo importante vos trouxe aqui?”.
“Estamos vindo de Ngari - responderam - viemos para convidar o ilustre Atisha para ir ao Tibet.
Onde reside Ghya Tsondro Senghe?”.
O velho asceta se apoiou na bengala, adotou uma expressão muito séria e disse: “O rapaz que vocês
encontraram de manhã cedo falou a verdade: os tibetanos não sabem ficar com a boca fechada!
Contam todos os seus segredos também, a quem encontram casualmente na estrada. Como vocês
querem atingir seu objetivo desse modo? Por sorte esta vez encontraram a mim, mas não falem a
ninguém, exceto a Atisha. Mostrarei a porta de Ghya Tsondro Senghe”.
Nagtso seguia o velho, que caminhava lentamente, sem pressa. O velho, chegando a entrada
reservada aos quartos dos tibetanos, parou e disse: “As grande empreitadas devem ser afrontadas
com calma. Não tenham pressa. O que você deseja é difícil de obter, mas uma montanha deve ser
escalada por degraus. Aqui é a habitação que vocês procuram”. Nagsto entrou e fez uma oferta de
ouro a Ghya Tsondro Senghe, o Tradutor, que lhe perguntou: “De onde você veio?” e Nagtso
contou-lhe em detalhes sua história. “Acho que em algum tempo você foi meu discípulo - disse
Ghya Tsondro - mesmo que não tenha te reconhecido logo. Não diga a ninguém que você veio
convidar Atisha. Diga que veio estudar. Tem um Abade chamado Ratnakarashanti que tem muito
poder e é o mestre de Atisha. Ele não deve suspeitar de suas intenções. Então lhe ofereceremos uma
onça de ouro dizendo-lhe: Não viemos aqui para levar conosco Atisha ao Tibet. Por cortesia, faça-
nos conhecer um estudioso que seja como ele”.
“Depois, não tenham pressa e não se preocupem. Quando chegar o momento, achararemos um jeito
de apresentar nosso pedido diretamente a Atisha”.
Nagtso e Ghya Tsondro Senghe foram visitar o Abade Ratnakarashanti, e lhe ofereceram a onça de
ouro. Nagsto lhe falou do modo combinado. O Abade disse:
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 34
Introdução
“É maravilhoso! Os outros panditas não têm condições de domar a mente dos seres sencientes. Não
é exagero. Os ensinamentos de Buda tiveram origem na Índia, mas sem a presença de Atisha neste
lugar, os virtudes dos seres serão exauridos”. Discutiram também muitas outras coisas.
Por um certo período, os tibetanos encontraram muitas dificuldade para marcar um encontro com
Atisha, mas uma emanação de Avalokiteshvara deu um jeito para que Atisha pudesse ser convidado
para ir ao Tibet. Chegou o dia que não havia nos arredores outros reis ou panditas indianos que
pudessem suspeitar o que estava acontecendo. Ghya Tsondro Senghe chamou Nagtso e o conduziu
ao quarto de Atisha. Ofereceram-lhe um mandala alto, montado sobre um grande pedaço de ouro,
circundado por outras pequenas pepitas.
O tradutor Ghya Tsondro Senghe falou por ambos. Disse que o rei do Tibet era um Bodhisattva, e
falou da difusão do Dharma por obra dos três reis do Dharma, Songtsen Gampo, Trisong Detsen e
Ralpa Chen. Contou como o rei Langdarma havia perseguido os ensinamentos, e de como o grande
Lama Gompa Rabsel agiu para preservar a Sangha e aumentar seu número. Falou do sacrifício
realizado pelo tio do rei para conduzir Atisha ao Tibet. Deu-lhe a mensagem de Chanchub Od e
descreveu o tipo de Dharma degenerado que prevalecia no Tibet. “O rei do Tibet, o Bodhisattva -
disse Ghya Tsondro - enviou este homem para convidá-lo, Venerável Protetor. Não recuse dizendo
que irá no próximo ano. Demonstre compaixão pelo Tibet”. “O rei tibetano é um autêntico
Bodhisattva”, disse Atisha. “Os três reis do Dharma e Gompa Rabsel também eram emanações de
Bodhisattvas, de que outro modo poderiam ter reavivado o que sobrou dos ensinamentos? Os reis
tibetanos são Bodhisattvas, não seria justo desobedecer seu pedido! Sinto-me embaraçado frente a
este rei, que sacrificou assim tantas riquezas. Sinto muita compaixão por vós, e por todo o povo do
Tibet, mas neste lugar tenho numerosas responsabilidades, sou ancião e não me parece possível ir
ao Tibet. De qualquer modo, examinarei esta possibilidade. Entretanto peguem vosso ouro”. E
depois se despediu.
Em seguida Atisha verificou se esta viagem ao Tibet seria de benefício aos ensinamentos de Buda,
e se pela compaixão que nutria pelo povo do Tibet,deveria ir àquele país. Examinou também
eventuais interferências na duração de sua vida. Avalokiteshvara, Tara e outros previram que se
fosse ao Tibet, a sua obra ajudaria muito os seres sencientes e os ensinamentos, mas sua vida seria
abreviada: indo para o Tibet, viveria 73 anos, e desse modo sua vida seria abreviada em quase 20
anos. Neste ponto Atisha pensou em todos os benefícios que se derivariam de sua viagem ao Tibet,
por isso, mesmo que isto implicasse em uma vida mais curta, não teria nenhuma importância. A sua
determinação era assim tão forte que não se importava em nada com a sua vida.
Todavia Atisha não tinha intenção de ir imediatamente ao Tibet, porque a Sangha indiana e seus
benfeitores afirmariam que na Índia, o Dharma, a nascente dos ensinamentos de Buda, se
degenerariam. Para prevenir este discurso, Atisha empregou toda a sua habilidade: ao invés de
revelar a todo o mundo que iria ao Tibet, disse que tinha intenção de fazer uma longa
peregrinação, para fazer oferendas a Bodhgaya e outos locais sagrados, viajando continuamente.
Em segredo, Atisha preparou o transporte de numerosas imagens sagradas, inclusive aquela
conhecida como Arya Manjuvajra, um aspecto de Guhyasamaja - e de vários textos utilizando
uma emanação de Dromtompa, que lhe apareceu no aspecto de um mercador.
Por fim, Atisha pediu ao abade a permissão para retirar-se por um tempo breve ao Nepal e Tibet
para fazer uma peregrinação aos locais sagrados desses paises.
O abade, sabendo que Atisha tinha muita vontade de ir e que os tibetanos estavam muito
determinados em seu pedido, deu-lhe permissão de partir por um breve período. Todavia, fez
Nagtso, o Tradutor prometer que voltaria à India com Atisha em 3 anos.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 35
Introdução
Enfim Atisha e seus discípulos deixaram a India e chegaram ao distrito de Balpo, no Tibet. O
soberano tibetano veio com 300 cavaleiros e fez uma acolhida rica e honrosa. A população local
logo que o viu, desenvolveu uma fé tão grande em Atisha que logo suas mentes se pacificaram.

Pabonka Dordje Chang ainda contou os particulares do encontro entre Atisha e o grande tradutor
Rinchen Sangpo.

O rei Chanchub Od declarou sua submissão à Atisha. Falou das inúmeras dificuldades encontradas
pelos três reis do Dharma do passado para difundir os ensinamentos de Buda, na Terra das Neves.
Depois a perseguição de Langdarma os progenitores de Chanchub Od, o rei do Dharma de Ngari,
conseguiram restabelecer os ensinamentos de Buda no Tibet, sem cuidar de sua própria vida.
Todavia tinham pessoas que praticavam o Tantra e ignoravam o Vinaya, enquanto outras seguiam o
Vianaya e se opunham ao Tantra.
Desse modo os veículos do Sutra e do Tantra eram considerados opostos e divergentes, como o
calor e o frio.
Os praticantes não seguiam nenhuma ordem em sua prática. Particularmente, dois mestres
afamados como Acharya da Veste Vermelha e Acharya da Veste Azul, tinham propagado entre os
praticantes do Tantra práticas sexuais perversas e assassinatos rituais, provocando assim uma
extrema degeneração do Budismo. O rei prosseguiu explicando a situação com todos os detalhes e
seus olhos se encheram de lágrimas.
“Compassivo Atisha” disse, “por hora não ensine aos teus incivilizados discípulos do Tibet o mais
profundo e excelso Dharma. Te peço de ensinar então, o Dharma da lei de causa e efeito. Além
disso, ó Protetor, te peço que ensine com compaixão um Dharma imaculado e fácil de praticar, um
Dharma que você mesmo pratica, um Dharma que seja de benefício a todos os tibetanos e que
inclua o inteiro caminho e todas as escrituras do Vitorioso, os sutras, os tantras e os comentários.
Além do mais, se deve tomar os votos de Pratimoksha (da liberação individual) para poder votos da
Bodhichita do empenho? É possível atingir a iluminação sem realizar a união do método e da
sabedoria? É permitido escutar um discurso de tantra sem ter obtido a iniciação? É permitido
conferir a iniciação de sabedoria (onde vem dada ao discípulo uma consorte real) a quem tomou um
voto de castidade? É permitido praticar o caminho tântrico secreto sem ter obtido a iniciação do
mestre vajra?”
Estas foram algumas das perguntas que lhe fez. Atisha se sentiu extremamente complacente e
assim compôs A Luz no Caminho para a Iluminação (Bodhipathapradipam) que somente em três
páginas veio inteiramente condensado o sutra e o tantra. O texto inicia assim:

Com grande devoção rendo homenagem


a todos os santos Vitoriosos dos três tempos,
ao seu Dharma e Sangha.
Sob pedido do meu nobre discípulo
Chanchub Od, me apresso a acender
a Luz no Caminho para a Iluminação.

Atisha não afirmou isso ao nobre discípulo Chanchub Od porque dele recebeu muitas ofertas, mas
sim por que sentiu compaixão pelo modo com que ele pediu os ensinamentos do Dharma. O meu
precioso mestre me disse: Atisha não teria ficado de fato contente se ele lhe tivesse pedido uma
iniciação ou um jenang.
A Luz no Caminho contém todas as respostas de Chanchub Od.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 36
Introdução
Logo após a divulgação deste texto os ensinamentos perversos e distorcidos desapareceram
completamente do Tibet. Atisha propagou a doutrina na região de Ngare, mas quando os três anos
estavam para terminar, conforme o prometido ao abade Nagtso, o Tradutor disse: “agora devemos
voltar à India”.
Atisha aparentemente aprovou e assim foram à Puhreng. Antes, Tara havia declarado
repetidamente à Atisha: “Se você tiver no Tibet um grande discípulo leigo, este trará muita ajuda
com os ensinamentos. E este leigo chegará depressa”. Atisha estava atento à sua chegada, então
disse: “O meu Upasika (leigo) ainda não está comigo, mas é impossível que Tara tenha me dito
uma mentira!.
Um dia, enquanto Atisha visitava um benfeitor, Dromtompa chegou. Entrou no quarto de Atisha,
onde lhe disseram que Atisha havia ido visitar um benfeitor, mas que já estaria de volta. “Não
posso ficar nem um minuto parado aqui,” disse Dom Rimpoche, “porque ainda não encontrei meu
guia espiritual Mahayana, quero ir à sua procura”, e foi procurá-lo, e vendo-o ao longo da estrada,
fez uma prostração completa e se aproximou à Atisha que lhe pôs a mão na cabeça, recitando
muitos versos de bom auspício em sânscrito.
Atisha tinha dito a seu benfeitor: “Preciso de uma porção de alimento para oferecer a meu
afortunado upasika”, e trazendo-a consigo, a ofereceu a Dromtompa. Atisha seguia uma perfeita
dieta vegetariana e o alimento que lhe foi dado consistia em bolinhas de farinha de cevada fritas na
manteiga.
Dromtompa comeu a cevada, mas guardou a manteiga e a colocou numa lâmpada alimentando sua
chama por toda a noite. Pôs a lâmpada ao lado do travesseiro de Atisha, e se diz que fez a mesma
coisa, por toda o restante da vida de seu mestre.

Naquela mesma noite, Atisha deu a Dromtompa uma grande iniciação e naquele momento o
considerou como o próprio filho espiritual.
Deixaram Puhreng e se dirigiram a Kyirong, na região de Manghyul, com a intenção de atravessar
o Nepal e alcançar a India, mas a estrada se revelou impraticável, porque havia estourado uma
guerra. Não podendo prosseguir, Dromtompa exortou Atisha a voltar ao Tibet central, enquanto
Nagtso lhe suplicava de continuar a viagem para a Ïndia e assim manter sua promessa, mas Atisha
lhe disse: “Você não deveria se preocupar tanto. Não terás feito mal nenhum, se não cumprires a
tua promessa”. Isto deu alento ao Tradutor que disse : “Muito bem, então voltemos ao Tibet”.
Assim Atisha decidiu retornar à Terra das Neves. Pareceu que a estrada estava impraticável, devido
ao complexo resultado cármico do povo tibetano. Mandaram uma mensagem para a Índia, que dizia
assim:
“Atisha não pode voltar através do Nepal, como foi prometido ao abade, devido a combates ao
longo da estrada, por isso, temos que permanecer no Tibet por mais algum tempo.
Poderemos transportar Atisha, quando cessar a desordem? Ou melhor, considerando que é de
grande ajuda aos seres sencientes, poderia conceder à Atisha, a permissão de ficar para sempre no
Tibet? Aqui, ele poderia compor tratados atuais, como este que estamos mandando!”. Expediram
uma cópia de “Luz no Caminho”, escrita pessoalmente por Atisha, junto à grande quantidade de
ouro.
Naquele tempo na Índia existiam tradições diversas das nossas atuais. Cada ano uma assembléia de
panditas examinava novas obras de modo bem detalhado. Os textos que não tinham erros, fosse na
forma ou no conteúdo, eram oferecidos ao rei, eram publicados e o autor recebia uma recompensa.
Os textos julgados insatisfatórios, mesmo sendo compostos em versos impecáveis, eram amarrados
ao rabo de um cão que era posto para correr pelas ruas da cidade, ridicularizando assim tanto o
autor, quanto o texto. Muitas vezes era pedido ao rei não publicar estes textos. Se bem que não
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 37
Introdução
houvesse nenhuma necessidade de verificar a composição do grande Atisha, ela foi igualmente
colocada sob juízo da assembléia de panditas. Todos ficaram maravilhados enquanto obra, se bem
que extremamente concisa, explicava claramente a inteira estrutura dos Sutras e dos Tantras,
enquanto permitia aprender todas as escrituras como um ensinamento a ser colocado em prática.
Plenos de jóia, proclamaram:”A viagem de Atisha ao Tibet se revelou um acontecimento
extraordinário, não só para os tibetanos, mas também para nós, indianos. Atisha não teria jamais
escrito um tratado como esse, se tivesse permanecido na Índia, já que nós indianos temos mais
sabedoria e maior perseverança que os tibetanos. Atisha compôs este tratado extremamente conciso,
mas de grande significado, compreendendo que os tibetanos no momento são pouco inteligentes e
não tem perseverança.”
Todos louvaram muito os efeitos da permanência de Atisha no Tibet, e depois de ouvir suas
louvações, o abade Ratnakarashanti enviou esta mensagem: “A tua obra foi louvada por todos os
panditas, então te concedo permanecer no Tibet para continuar a beneficiar os seres. Em troca te
peço compor um comentário a este teu tratado.”

Pabonka Rimpoche explicou que o Tenghyur contém um comentário sobre “A Luz do Caminho
para a Iluminação”, atribuído a Atisha. Todavia julgou-se que ele contenha alguns erros.

Nagtso ficou extremamente feliz. “Assumi grande responsabilidade perante o abade, mas agora
estou aliviado”.
Pouco antes que Atisha partisse para a Província Central, Drom Rimpoche escreveu aos notáveis do
lugar, dizendo: “Foi muito trabalhoso conseguir convidar Atisha na Província Central, por isso
quando receberem minha próxima carta, preparem-se imediatamente para acolhê-lo”. Em seguida
escreveu pedindo que os mestres da Província Central, como Kawa Sakya Wanchug, partissem logo
para dar as boas vindas à Atisha. Dromtompa tinha indicado Kawa como o mais importante mestre
do Tibet.
No início da viagem, o mestre Kutompa lamentou que seu nome não tivesse sido mencionado na
carta e disse que ele não era um mestre qualquer, por isso apressou-se para para estar entre os
primeiros a dar as boas vindas a Atisha. Em seguida todos se puseram imediatamente a caminho.
Naquele tempo os mestres tibetanos endossavam mantos de brocado e chapéus de aba larga, sinal
característico de lamas elevados.
Logo que Atisha viu de longe esta gente que vinha a seu encontro disse: “Estão chegando um
grande número de espíritos malvados “e cobriu a cabeça com suas vestes. Os grandes lamas então,
desceram de seus cavalos, vestiram as três vestes de monge e se aproximaram. Atisha sentiu
compaixão e os acolheu.
Em seguida alcançou a Província Central, onde fez girar de modo extenso a roda do Dharma.
Naquele lugar cumpriu numerosas atividades que beneficiaram muito, tanto os ensinamentos
quanto o povo tibetano. Passou três anos na região de Ngari, nove anos em Nyetang e cinco em
diferentes zonas do U-Tsang; ao todo ficou no Tibet durante dezessete anos. Obras como a história
dos Kadampas sustentam que Atisha ficou no Tibet somente treze anos, mas o grande Lama Tsong
Khapa sustenta que ele ficou por dezessete, afirmando:

Nagtso lhe foi devoto por dois anos na Índia,


e por dezessete anos no Tibet. Então o
serviu devotamente por dezenove anos.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 38
Introdução
O grande Chanchub Od fez esforços enormes para conduzir Atisha ao Tibet, a fim de que desse
ensinamentos de Dharma, e o mais importante desses ensinamentos se revelou “A Luz no Caminho
da Iluminação”.
A sua viagem ao Tibet foi prevista por Tara. O seu mestre Halakrishna disse:

Se fores ao Tibet, os filhos serão mais gloriosos que seus pais.


Os netos , mais gloriosos que os filhos, os bisnetos serão
mais gloriosos que os netos, e os tataranetos serão mais gloriosos
que os bisnetos. Em seguida a linhagem perderá suas características
particulares.

Neste contexto, o pai é Atisha, e os filhos são Dromtompa, Lekbey Sherab e assim por diante; os
netos são os três irmãos Kadampa: Potowa, Puchungwa e Chen Ngawa; os bisnetos são Langri
Tangpa, Gueshe Sharawa e asim por diante. Os tataranetos são Sanghye Bonton, Sanghye Gompa e
outros daquela geração. O significado de “serão mais Gloriosos”, é que os ensinamentos se
difundirão sempre mais com o passar das gerações. Em seguida, a este ensinamento sobre os
“Estágios do Caminho” foram arbitrariamente ajuntando vários ensinamentos e ritos de Tantra,
corrompendo-os levemente.
Atisha transferiu em vida tradições de ensinamentos que haviam sumido e difundiu outras raras
linhagens, eliminando qualquer idéia errônea que os contaminava; desse modo tornou imaculados
os preciosos ensinamentos. O ensinamento sobre os “Estágios do Caminho para a Iluminação” foi
conferido a Dromtompa, o qual pediu: “Porque destes aos outros ensinamentos de Tantra e o
LAMRIM só a mim?”
“O motivo é que você é o único receptáculo digno que encontrei”, retrucou Atisha, que deu este
ensinamento a Dromtompa particularmente. Drom Rimpoche o ensinou publicamente e assim se
originaram as três linhagens. A tradição Kadampa Clássica se revelou a linhagem transmitida de
Potowa a Sharawa, que ensina os “Estágios do Caminho para a Iluminação”, baseando-se em
grandes textos clássicos.
A tradição do Kadampa LAMRIM era uma linhagem transmitida de Gombawa a Nuzurpa, e
compreendia uma exposição mais concisa dos “Estágios do Caminho”, que eram ensinados na sua
respectiva ordem. A tradição Kadampa da Instrução Oral foi transmitida por Gueshe Chen Ngawa
a Shonu Od, fundamentando-se nas intruções dos mestres resguardando a essência dos doze anéis
da origem dependente.
Estes ensinamentos foram preservados com uma denominação diferente. Segundo a interpretação
tradicional, proveniente de Nawang Norbu, um detentor do trono de Ganden, as pessoas que
manifestaram inclinações ao estudo deveriam praticar o LAMRIM com base nos cinco maiores
objetos de estudo. Talvez não estejam aptos a praticar deste modo, mas são dotados de grande
perseverança e de aguda inteligência e deveriam estudar e contemplar a “Grande e Média
Exposição dos Estágios do Caminho” de Lama Tsong Khapa. Esta prática se encontra na tradição
do LAMRIM Kadampa. Como não podem seguir as tradições precedentes deveriam se basear em
instruções mais concisas, como o “Caminho Fácil” ou o “Caminho Veloz”. Desse modo poderiam
colocar em prática todos os pontos essenciais dos Estágios do Caminho. Esta constitui a tradição
Kadampa das Instruções Orais.
O meu precioso mestre, o meu supremo refúgio me transmitiu esta última tradição. Como já
expliquei, Je Tsong Khapa recebeu estas três linhagens e as unificou em uma só, ilustrando-as em
suas obras: nas versões Grande, Média e Breve do LAMRIM. Manjushri se manifestou
continuamente a Lama Tsong Khapa e entre eles se instalou uma troca entre mestre e discípulo.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 39
Introdução
Na biografia de Je Rimpoche está escrito que desta divindade recebeu inúmeros ensinamentos de
Sutra e Tantra, então qualquer um poderia sustentar que ele recebia o LAMRIM do próprio
Manjushri; todavia Je Rimpoche afirmou que esta linhagem remontava ao nosso Mestre
Shakyamuni. Nunca afirmou que isso tinha origem em visões ou em tradições mais recentes, e este
é um dos fatos mais notáveis de sua vida.
Enquanto compunha a “Grande Exposição”, Je Rimpoche, quando chegou ao capítulo sobre a
profunda visão interior, viu Manjushri, que brincando lhe disse: “Aquilo que você escreveu inclui
algo que não te ensinei nos três Aspectos Fundamentais do Caminho? Lama Tsong Khapa lhe
respondeu dizendo que, prosseguindo na composição do texto, se ateve ao método seguinte:
considerou os três Aspectos como a linfa vital do Caminho; referiu-se aos argumentos expostos na
Luz do Caminho e teria integrado o texto com numerosas instruções da tradição Kadampa.
Todavia Je Rimpoche não acreditava que, inserindo este capítulo numa profunda visão interior,
teria conseguido beneficiar os seres, pelo que Manjushri o exortou desse modo: “A tua exposição
da visão profunda interior, resultará em discreto benefício para os seres sencientes”.
A sua biografia é rica de experiências místicas extraordinárias. Neste ponto deveria expor com
detalhes a biografia de Je Rimpoche, mas agora não temos tempo. Vocês devem estudar algumas
versões de sua biografia.
Estes ensinamentos de Je Rimpoche compreendem todos os ensinamentos de LAMRIM de Atisha e
ainda contém instruções incomparáveis de extraordinária profundidade, que permitem obter o
estado de união do “não conhecimento” no decurso de uma só vida.
Os ensinamentos de LAMRIM de Je Rimpoche ilustram também numerosos objetos particulares
profundos, não encontrados no LAMRIM dos antigos mestres Kadampas.
Se bem que desde o tempo de Je Rimpoche, desenvolveram-se numerosas linhagens de LAMRIM, as
mais famosas e mais importantes são as oito linhagens de LAMRIM citadas anteriormente. Duas
destas obras, “A Essência do Ouro Refinado” e as “Autênticas Palavras de Manjushri”, contém
unicamente ensinamentos de Sutra. Outras duas, “O Caminho Fácil” e “O Caminho Veloz” contêm
também ensinamentos de Tantra.
Agora explicarei brevemente como foi transmitida a linhagem meridional das “Autênticas Palavras
de Manjushri”; e esta é a versão mais breve e mais concisa dos dois modos de ensinar este texto. O
Quinto Dalai Lama expôs um modo ainda mais conciso, evidenciando alguns passos do texto e
dando ainda ensinamentos particulares resguardando a visualização do Refúgio, do Campo de
Virtudes e da sala das Abluções. Estas instruções diferem daquelas transmitidas das linhagens da
Província Central.
O Dalai Lama transmitiu a linhagem meridional à Lama Champa Rinchen de Epa, que por sua vez
a transmitiu a Lobsang Ketsun, uma autoridade monástica que tinha a responsabilidade da gestão
dos alojamentos do Dalai Lama. Na biografia de Lobsang Ketsun há um episódio extraordinário.
Dotado de grande inteligência, idealizou numerosas modificações que foram acrescentadas a este
ensinamento, condensando-o depois. Assim, para dissipar as próprias dúvidas, pensou em dirigir-se
ao autor, o próprio Quinto Dalai Lama.
Obtendo uma audiência, recebeu o ensinamento inteiro em uma só hora. Foi nomeado abade do
Potala do Dalai Lama, e passou a última parte de sua vida praticando em um lugar solitário
chamado LAMRIM Choding, onde obteve elevadas realizações.
Lobsang Ketsun transmitiu o ensinamento inteiro a Puntsog Ghyatso, um grande adepto de Yerpa,
no decurso de três meses. Puntsog Ghyatso obteve uma extraordinária realização da união da calma
com a profunda visão interior, e transmitiu esta prática a numerosos discípulos de Yerpa.
Desenvolveu os poderes psíquicos mediante a prática do mandala do corpo de Heruka e diz-se que
a maior parte dos lamas da linhagem meridional tenha seguido seu exemplo.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 40
Introdução
Puntsog Ghyatso transmitiu a linhagem desse ensinamento a Lama Kacho Tendar de Epa, que por
sua vez o passou ao abade Ghedum Jamyang. Este abade compôs um texto posteriormente,
resguardando a linhagem meridional porque temia que fossem perpetuadas algumas interpretações
erradas, resguardando certas passagens de “Autênticas Palavras de Manjushri”. O texto de Ghedum
Jamyang foi difundido inicialmente através de algumas cópias escritas à mão, até que Kyabje
Drubkang Gheleg Ghyatso o fez entalhar alguns blocos de madeira para estampa. Ghedum
Jamyang transmitiu a linhagem a Je Nawang Tutob, que por sua vez o passou à Tempa Ghyatso,
abade do colégio de Dagpo. Tempa Ghyatso enquanto completava os próprios estudos, se
empenhava em várias atividades manuais, e se afirma que ele obteve a compreensão intuitiva do
Caminho do Meio (Madhyamika), enquanto cortava lenha. Este por sua vez transmitiu a linhagem
à Seto Lama Kelden, cuja biografia narra um episódio singular: mesmo sendo completamente
isento de apego por qualquer oferta que recebia – dinheiro, roupas de lã, echarpes cerimoniais e
assim por diante, nunca distribuía estas ofertas, mas as jogava em uma caverna nos arredores. Após
várias gerações, as moedas e tecidos comidos pelas traças foram achados. Nunca deu a ninguém,
pensando que corria o risco de se tornar soberbo.
Seto Lama transmitiu ensinamento à Je Losang Tchompel, que o passou à Gueshe Thubten
Rabghye. Cada vez que meditava Thubten Rabghye recitava orações de pedido do LAMRIM e
depois permanecia em silêncio. As pessoas que iam visitá-lo pensavam que ele estivesse
adormecido; na realidade eram testemunhas de sua concentração unívoca. Ele transmitiu a linhagem
a um monge chamado Chanchub Togme.
Este homem, que não era nem lama nem gueshe, mas sim um simples monge que vivia eremitário
Dragri – todo dia, após ter feito as oferendas rituais, era comum meditar no Caminho Gradual em
um prado próximo ao eremitário. Na própria mente desenvolveu tanto amor e compaixão, que
chorava continuamente. Um jovem pastor via o velho que chorava e assim observava escondido.
Naquele tempo, a linhagem meridional das “Autênticas Palavras de Manjushri” estava se
extingüindo, posto que a linhagem deste ensinamento fora entregue somente a este monge.
Losang Jimpa um abade antecessor do colégio de Dagpo que, entre outras coisas concedeu a
ordenação ao meu precioso mestre, após ter pesquisado muito, descobriu que este monge era a
única pessoa que detinha a transmissão da linhagem. Losang Jimpa duvidava que Chanchub Togme
fosse capaz de dar este ensinamento e temia que se não tivesse ao menos recebido a transmissão
oral esta linhagem estaria interrompida.
Por isso um dia foi procurar o velho monge e lhe disse: “além de você, não há nenhum outro
detentor das explicações da linhagem meridional; se esta tradição se extingüisse, seria uma perda
gravíssima! Para salvaguardar a propagação, você deve transmiti-la a mim. Em seguida, poderei te
dar uma explicação integrada por provas lógicas e referências escriturais”. O monge disse: “alguém
como eu, como poderia estar tão apto?”, continuou a declarar a própria incompetência, mas quando
finalmente se decidiu a conferir a transmissão, a enriqueceu com numerosas e profundas
observações que eram unicamente o resultado de suas experiências interiores, e Je Losang Jimpa
ficou assombrado. Em seguida Losang Jimpa louvou este monge dizendo: “senti vergonha
explicando-lhe o ensinamento porque ele é um grande gueshe da Tradição das Instruções Orais dos
Kadampas”.
Losang Jimpa também havia conseguido um extraordinário nível de concentração unívoca na mente
inquieta e na visão profunda. Ele também havia desenvolvido estas realizações através da prática do
mandala do corpo de Heruka. Ele vivia no monastério de Bangrim Chode, no Dagpo inferior. Tinha
um jovem irmão chamado Je Kelsang Tenzin, que em seguida se estabeleceu no eremitário de
Lhading, no Dagpo superior. Dizia sempre que Je Losang iria visitar Lhading, mas nunca tinha
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 41
Introdução
tempo para fazê-lo. Um dia, enquanto estava em absorvimento meditativo, Losang viu cada canto
do eremitário.
“Dei uma olhada em teu eremitário e vi tudo”, disse à Kelsang, quando um dia se encontraram, fez
um descrição acurada da construção e da plantação de zimbro ao lado da habitação. Tinha também
um grande objeto branco que se movia continuamente no terraço da casa. O que era?” perguntou.
Tratava-se de uma cortina agitada pelo vento. Losang Jimpa tinha visto tudo isso no seu
absorvimento meditativo. Ele transmitiu a linhagem ao irmão Kelsang Tenzin, o qual em seguida
obteve elevadas realizações por meio da prática tanto do Sutra quanto do Tantra.
Quando ensinava, de seus olhos emanavam raios de luz branca que envolviam a roda de discípulos.
Ao final dos ensinamentos os raios se reabsorviam em seus olhos, e isso se verificou numerosas
vezes. As pessoas ficavam pasmas ao vê-lo dar ensinamentos. Teve a visão do inteiro Campo de
Virtudes descritos no Guru Puja. Quando morreu, em seu crânio estava impressa uma imagem
miraculosa do Campo de Virtudes que ainda hoje se pode observar no eremitário de Lhading. Ele
transmitiu o ensinamento à Kelsang Kedrub, o qual também obteve o poder da clarividência
mediante a prática de Heruka, e dele a linhagem chegou ao meu precioso mestre, meu refúgio e
meu protetor.
Esta foi uma breve exposição do modo no qual a Linhagem Meridional das “Autênticas Palavras de
Manjushri” veio a ser transmitida, todavia precisamos aprofundar o conhecimento, estudando a
biografia dos lamas da linhagem.

A linhagem das “Autênticas Palavras de Manjushri” da província central foi transmitida pelo
grande Quinto Dalai Lama a Jimpa Gyatso um detentor do trono de Ganden. Chegou enfim a
Losang Lundrub, outro sucessor ao trono de Ganden, que o transmitiu a Je Losang Jimpa. A
explicação direta ou informal do “Caminho Veloz” foi transmitida da seguinte maneira: o
onisciente Panchen Lama Losang Yeshe escreveu o texto, mas ninguém nunca lhe pediu a
transmissão oral. O Panchen Lama envelhecendo estava quase cego e quando alguém desejava a
transmissão oral de algumas partes importantes do texto, as páginas deviam ser reescritas com letras
muito grandes. Naquele tempo, o grande sábio Losang Namghyel vivia no eremitário de Jadrel.
Tendo lido o caminho veloz, pensou que se não conseguisse receber a linhagem das explicações,
seria uma grande perda para a posteridade. Recolheu seus pertences, foi à Tashi Lumpo e disse ao
assistente do Panchen Lama que desejava receber a transmissão de toda a sua obra mas em
particular desejava receber a transmissão oral do “Caminho Veloz”.
Losang Namghyel era um simples monge e estava pedindo demais dado que a vista de Panchen
Lama estava extremamente fraca. O assistente foi pego de surpresa e reprovou severamente Losang
Namghyel, que voltou para casa mas não se conformou. Desesperado, Losang lhe disse: “escute,
não peço a você dar-me os ensinamentos! Leve o meu pedido à Panchen Lama”. O assistente foi
com raiva e enfurecido entregar o pedido à Panchen Lama que se mostrou muito feliz de poder dar
a transmissão à Losang Nanghyel e durante o ensinamento não teve nenhum problema com a
própria vista. Essa história me foi contada diversas vezes pelo meu precioso mestre. Todavia
Losang Namghyel não foi incluído oficialmente entre os mestres de nossa linhagem.
Supõe-se que o ensinamento tenha sido transmitido por Purchog Nawang Champa, como está
indicado na prece de pedidos denominada “Um Ornamento para a Garganta dos Afortunados”.

Dei uma explicação concisa das grandes qualidades dos autores, se bem que não tenha mencionado
todos os lamas da linhagem e seus discípulos. Se tivesse que fazê-lo de modo detalhado, seguiria
os dois volumes de biografias dos mestres da linhagem compostos por Yeshe Ghyaltsen, um tutor
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 42
Introdução
do Oitavo Dalai Lama. Com efeito, isto me foi sugerido pelo meu mestre, mas não temos tempo
para fazê-lo agora. Vocês podem procurar uma cópia desses volumes e ler sempre que puderem.
Após o término dos ensinamentos que tratam da vida dos mestres é necessário rezar desta forma:

Ó mestre glorioso, possa eu e todos os outros obter um corpo,


uma duração de vida, um séquito, uma terra de Buda e
supremas marcas físicas como as tuas.

Devemos então meditar alegrando-nos por tudo isso.


Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 43
Introdução
Terceiro Dia

Como disse Shantideva:

Obtive o precioso renascimento humano,


Extremamente difícil de encontrar, mediante o qual
Se obtém o que é significativo para nós mesmos.
Se não tiro proveito de qualquer benefício, como poderei esperar
Que ocasião igual se apresente?

Em outras palavras, agora que obtivemos esse renascimento plenamente dotado, não devemos
desperdiçá-lo, procurando somente a felicidade dessa vida. Não devemos nem mesmo nos
empenhar em combater nossos inimigos, ou cuidar de nossos entes queridos, e assim por diante:
também os animais cumprem ações similares. Se no tempo que nos resta não praticarmos o Dharma
– uma ação que certamente nos trará felicidade em vidas futuras e que nos distingue dos animais –
no futuro dificilmente conseguiremos ainda obter um renascimento igual.
Agora que tivemos esta oportunidade única, devemos utilizá-la de modo significativo. A felicidade
das vidas futuras depende do modo em que se pratica este Dharma autêntico, “O Caminho Gradual
para a Iluminação”.
Por tudo isso, devemos desenvolver uma motivação de bodhicitta, pensando: “Obterei a iluminação
para o benefício de todos os seres, então ouvirei estas instruções profundas sobre o Caminho
Gradual e as colocarei em prática de modo apropriado”.
Somente assim poderemos escutar de modo correto. Que tipo de Dharma vocês estão para escutar?
É o Dharma Mahayana, o Dharma que conduz o afortunado à budeidade...

Kyabje Pabonka Rimpoche prosseguiu com observações do mesmo teor, depois recapitulou as
quatro divisões principais mencionadas ontem, que juntas constituem o “Discurso sobre os
Estágios do Caminho para a Iluminação “. Mesmo que a primeira dessas divisões já tivesse sido
explicada no dia anterior, ele nos lembrou o modo pelo qual o ensinamento foi originado por
Buda, nosso Mestre. Resumiu brevemente como o ensinamento se propagou em diversas tradições,
em que todas faziam referência ao texto A Luz no Caminho. Isto é explicado detalhadamente nas
biografias dos mestres da linhagem do LAMRIM. Depois desse breve resumo prosseguiu:

Hoje ensinarei o seguinte objeto, o segundo argumento citado:

AS QUALIDADES EXCELENTES DO DHARMA, EXPLICADAS DE MODO A


DESENVOLVER O RESPEITO POR ESTE ENSINAMENTO (7).

Os ensinamentos de LAMRIM possuem quatro qualidades excelentes e posteriormente três


características que o distinguem de outros ensinamentos. As quatro qualidades excelentes permitem
ao praticante: 1) reconhecer que os ensinamentos são isentos de contradições; 2) reconhecer que
todas as escrituras são ensinamentos a serem colocados em prática; 3) compreender facilmente o
verdadeiro pensamento do Vitorioso; 4) eliminar imediatamente as piores ações negativas.

AS QUALIDADES EXCELENTES QUE PERMITEM RECONHECER QUE TODOS OS


ENSINAMENTOS SÃO ISENTOS DE CONTRADIÇÕES (8).
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 44
Introdução

O termo ensinamentos se refere as excelentes palavras do Vitorioso. O comentário de Bhavaviveka


“A Luz da Sabedoria” afirma:

Os “ensinamentos” consistem no que os seres divinos


e humanos desejam para obter o estado de budeidade
deveriam conhecer, deveriam abandonar, deveriam
manifestar e deveriam meditar.

“Realizar que todos os ensinamentos são livres de contradições” significa compreender que os
ensinamentos mostram as práticas que cada pessoa deve fazer para criar interdependência para
poder obter a budeidade.
“Livres de contradições” significa ser dotado de coerência lógica. Com efeito, o Mahayana, o
Hinayana, o Vinaya, o Tantra, etc, etc, de um ponto de vista literal, parecem contrastar entre eles.
Todavia todos estes ensinamentos de fato são isentos de contradições, porque em cada caso estes
constituem o método principal através do qual uma pessoa pode obter a iluminação, ou mesmo um
elemento secundário dessa procura.
Tomemos como exemplo uma pessoa que tenha febre alta. Inicialmente o médico poderia
prescrever a evitar o álcool e carne, avisando-a que caso contrário tudo isto pode ameaçar sua vida;
em seguida, quando sumir a febre, se se manifestar um desequilíbrio dos humores, o médico
poderia modificar a cura, aconselhando-a a injerir álcool e carne. Neste caso as duas diferentes
prescrições foram dadas pelo mesmo médico ao mesmo paciente, então poderiam parecer
contraditórias, mas não é assim, porque as duas têm o escopo de curar o paciente.
Comparativamente se poderia pensar: “O Hinayana, o Mahayana, o Sutra, o Tantra e etc, forma
destinados a discípulos particulares, e uma pessoa não deve necessariamente praticar todos esses
ensinamentos para obter a iluminação”. Novamente, não é assim. Na verdade, todos esses
ensinamentos foram revelados pelo único e mesmo mestre como prática necessária para obter a
iluminação. Quando uma pessoa encontrava-se no nível do escopo inferior ou intermediário, o
Buda explicava as práticas do caminho Hinayana e as meditações sobre impermanência e
sofrimento.
Chegando ao nível do escopo superior, ilustrava o caminho Mahayana, com explicações sobre
desenvolvimento da bodhicitta e as seis perfeições. Uma vez transformado em receptáculo pronto a
receber os ensinamentos do Tantra, o Buda explicava o caminho Vajrayana, os dois caminhos do
supremo ioga tantra e as práticas com consorte. Por isso, quando são praticados de maneira gradual,
todos esses ensinamentos constituem os meios pelos quais cada tipo de pessoa pode atingir a
iluminação. Nem ao menos um simples ensinamento do Conquistador é algo supérfluo, e todos
ajudam a obter a iluminação, enfim todos contém as práticas que constituem os elementos
principais e secundários do caminho. A tarefa principal de um Bodhisattva é trabalhar para o bem
dos seres viventes; para fazer isso, deve estar pronto para ensinar os vários caminhos que conduzem
os três tipos de discípulos (Shravaka, Pratyeka e Mahayana) à respectiva libertação.
Mas, se os Bodhisattvas não conhecem estes caminhos, como poderiam ensiná-lo aos outros?
Dharmakirti afirma no seu comentário da Cognição Válida: “Quando a meta e sua causa
permanecem obscuras, fica difícil explicar”. Os Bodhisattvas deveriam estar prontos para
compreender profundamente o caminho dos três veículos, de modo a saber utilizar cada método
que permite beneficiar os outros. Em um Sutra se afirma:

Ó Subhuti, os Bodhisattvas se adestram em todos os caminhos,


Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 45
Introdução
seja naquele dos Shravadas, seja naquele dos PratyekaBudas,
seja naquele dos Bodhisattvas. Obtêm a compreensão de todos os caminhos.

No “Ornamento das Realizações de Maitreya” encontramos: “Aqueles que desejam trabalhar para o
bem dos seres, deveriam beneficiar o mundo através do conhecimento dos caminhos”. A meta é o
estado de Buda, que possui todas as qualidades positivas e está livre de qualquer defeito. Para obter
tal estado, o caminho Mahayana torna-se a causa da eliminação das concessões erradas e do
incremento das qualidades positivas. Por isto o caminho através do qual se obtém esta meta, o
Mahayana deve eliminar todo tipo de defeito e causar o desenvolvimento de cada qualidade
positiva.
Dizemos que se uma simples escritura elimina qualquer defeito ou produz algumas boas qualidades,
sem dúvida se pode afirmar que todas as escrituras são parte do caminho Mahayana. Examinemos
de modo mais detalhado como as escrituras não são contraditórias. Existem dois aspectos: a
compreensão de que todas as doutrinas escriturais, os textos e a apresentação dos vários objetos não
são contraditórias e – a compreensão que as doutrinas de realização e os próprios objetos que são
expostos, não são contraditórios. A trilogia (o Tripitaka), as quatro classes de Tantra, etc,
constituem as escrituras e comentários. Como já expliquei, representam juntas um conjunto
harmonioso que permite atingir a iluminação e por este motivo as doutrinas escriturais são
consideradas isentas de contradições. Os argumentos expostos nestes ensinamentos podem se
incluir nos vários caminhos dos três escopos. No escopo inferior são ensinadas as causas que
produzem renascimentos como seres humanos ou divinos, como por exemplo, a prática ética da
eliminação das dez ações negativas.
No escopo intermediário, são expostas as práticas que conduzem à libertação definitiva, como a
realização das quatro Nobres Verdades, e em particular como compreender a natureza do samsara e
os métodos para obter a libertação, como também a prática dos três adestramentos superiores. As
práticas ensinadas no escopo superior, como desenvolver a bodhichitta e as seis perfeições,
conduzem à perfeição da onnisciência.
Todos estes objetos formam um conjunto harmonioso e livre de contradições, que permite aos seres
obter a iluminação.
Dromtompa, um rei do Dharma, afirmou: “O meu Lama conhece a maneira de considerar todos os
ensinamentos como os quatro ângulos de um quadrilátero”. Estas foram suas palavras textuais, que
em seguida tiveram diversas interpretações. Alguns sustentam que os quatro ângulos representam
os três escopos e o tantra. Outros afirmam que, como quando se joga um dado a superfície superior
está sempre acompanhada pelos quatro lados, cada objeto de meditação deveria ser como um
elemento do caminho inteiro. Todas essas interpretações são válidas, porém meu precioso mestre,
meu refúgio e protetor me disse:

Como um tapete contém sempre quatro lados, Atisha


expôs todas as escrituras e seus comentários de modo a revelar
as práticas que se devem seguir para obter a iluminação.

Este é um ponto muito importante para compreender.

AS QUALIDADES EXCELENTES QUE PERMITEM RECONHECER TODAS AS


ESCRITURAS COMO UM ENSINAMENTO PARA SER COLOCADO EM PRÁTICA (9)
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Introdução
Sem um conhecimento adequado dos estágios do caminho para a iluminação, não poderemos
compreender que cada escritura é um ensinamento a ser colocado em prática. Os discursos do
Vitorioso e os grandes tratados que os comentam constituem o ensinamento supremo. Neste mundo
nunca existiu um mestre superior a Buda Shakyamuni, o Bhagawan, o Excelente, o hábil destruidor
de toda negatividade. Os seus ensinamentos são excelsos. “O Sublime Continuum do Grande
Veiculo de Maitreya” afirma:

Qual erudito deste mundo


é superior ao Vitorioso!
A sua onisciência compreende
a realidade definitiva e cada coisa.
Outros não estão prontos a compreender
Por isso, não tentemos alterar
o significado dos sutras expostos pelo Sábio
porque destruiríamos o método de Shakyamuni,
danificando o Santo Dharma.

Nos dias de hoje, ninguém considera os discursos do Vitorioso, como por exemplo “A Palavra
Traduzida do Buda” (Kanghyur), como instruções a serem colocadas em prática, mas somente
como textos para recitar durante as cerimônias. Entretanto muitos acreditam que os tratados que
explicam estas instruções canônicas e que ilustram em detalhes os sistemas filosóficos dos grandes
inovadores como Nagarjuna e Assanga, sejam somente úteis para o estudo e debate. Também
numerosos e sábios estudiosos quando se empenham na meditação, não sabem como integrar estes
ensinamentos à prática, mesmo tendo estudado e refletido por toda a vida; consultam pessoas que
tem fama de grandes meditadores, mas que na verdade nada sabem. Em seguida, depois de ter
escutado qualquer ensinamento incorreto, como o texto de uma sadhana para realizar uma
divindade, ou um ensinamento que deveria lhes permitir reconhecer a natureza da mente, procuram
colocá-los em prática. O grande lama Je Tsong Khapa afirmou:

Ter um grande conhecimento das escrituras e assim mesmo praticar


de modo distorcido, é a consequência de não ter compreendido que
as escrituras são ensinamentos para colocar em prática.

Por exemplo, no nosso monastério tinha um geshe que retornou ao Khan, seu país natal. Pediu a um
lama Nyingma um ensinamento para colocar em prática e depois meditou sobre as instruções
concisas que recebera. Como consequência, as pessoas do lugar concluíram que o Dharma dos
Guelupas era útil somente para debates, e inábil para ser colocado em prática. Este geshe deu um
mau exemplo.
É este mesmo ensinamento que estudamos e contemplamos que deveria ser colocado em prática
iniciando com o estudo e a reflexão. Se pratica-se uma outra coisa, seria como indicar a alguém um
hipódromo e depois utilizar uma outra pista para o páreo. “A Grande Exposição dos Estágios do
Caminho”, transfere estas palavras textuais que requerem uma explicação. Alguém organiza uma
corrida de cavalos e indica o lugar dizendo: “amanhã a corrida se dará em tal lugar”. Depois no dia
seguinte, o páreo é realizado em outro local.
Do mesmo modo, se vocês não estão aptos a considerar as escrituras como ensinamentos a serem
colocados em prática, significa que não terão compreendido o caminho gradual para a iluminação.
Todavia, tendo esta compreensão poderá surgir o reconhecimento de que todos os textos clássicos,
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Introdução
por exemplo, os Discursos do Vitorioso se podem incluir no contexto do LAMRIM, considerando-os
assim como ensinamentos a serem colocados totalmente em prática.
Nawang Choden foi um detentor do trono de Ganden. Depois de ter completado o adestramento
monástico recebeu muitos ensinamentos de Jamyang Shepa, como os “Três Aspectos Principais do
Caminho” de Je Tsong Khapa. Desse modo, chegou a compreender como todos os sutras e os
tantras derivados da palavra de Buda podiam ser colocados em prática, e então afirmou haver
compreendido que, estudando os tratados clássicos de fato havia estudado “A Grande Exposição
dos Estágios do Caminho”. Isto demonstra que considerava as escrituras como ensinamentos para
colocar em prática. Quando o grande sábio Losang Namghyel dava transmissão oral do “Sutra em
Oito Mil Versos da Perfeição da Sabedoria”, de vez em quando fazia esta observação: “ah se eu não
fosse tão velho este seria um argumento sobre o qual deveria meditar!”. Tendo compreendido o
LAMRIM, a prática do debate que se desenvolvia nos jardins dos monastérios, deveria ser entendida
como uma forma de meditação. Supondo que houvesse discussão sobre o desenvolvimento da
bodhicitta, fariam imediatamente referência ao capítulo do escopo superior que trata da geração da
bodhicitta.
Ou mesmo em um debate sobre os doze anéis da origem independente, achariam a relação com o
capítulo do escopo intermediário. Igualmente discutindo sobre os níveis de concentração obtidos
nos reinos da Forma e do Sem Forma, vocês encontrariam uma conexão com o capítulo do LAMRIM
que expõe a prática da quietude mental. Também durante a recitação dos textos rituais, vocês
devem estar prontos para meditar sobre o Caminho Gradual independente do tipo de escritura que
retrata tal recitação. Vocês devem conseguir fazê-lo mesmo quando acontece de encontrar uma
página de um livro pela estrada.
Em um tempo, quando era muito jovem, encontrei uma página entre os refugos, na beira do
caminho em torno do monastério: era uma página dos Cantos do Sétimo Dalai Lama, Kelsang
Ghyatso:

A jovem abelha no rododendro


voa entre as flores vivamente coloridas.
Observa como se move velozmente
de uma flor a outra. Este canto
tem o seguinte significado:
muitas pessoas nesta época degenerada,
tem a mente impura e levam
uma vida dissoluta. Observa como
por um instante são amigos, e no momento seguinte
tornam-se inimigos. De fato nunca encontrei
um amigo que tenha sido sempre fiel.

Em outras palavras, lendo estes versos pensei espontaneamente no capítulo do escopo intermediário
que trata do sofrimento que provem da incerteza da existência condicionada.
Je Rimpoche perguntou a Rinchen Pel, um grande estudioso o significado da palavra “Kadam”. A
resposta de Rinchen Pel foi : “mesmo uma simples sílaba das escrituras do Vitorioso aparece como
uma instrução válida e como um ensinamento a ser colocado em prática”. Je Rimpoche gostou
tanto da resposta, que enquanto dava um ensinamento público o elogiou desta forma: “hoje um
estudioso ampliou o meu pensamento. É assim mesmo”. Então cada escritura, mesmo aquela
página jogada no lixo, contém ensinamentos que conduzem uma pessoa à iluminação. É como se
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Introdução
Buda e os outros mestres tivessem dado estes ensinamentos unicamente para o benefício de vocês,
isto fará nascer em vocês uma grande fé.
Como Chanchub Rinchen, um iogue afirmou: “compreender o ensinamento não significa
compreender só o significado de qualquer manual, mas significa compreender que todas as
escrituras devam ser consideradas como um ensinamento a ser colocado em prática”. Esta
afirmação deve ser entendida de acordo com as explicações precedentes. De fato, é a fonte que as
inspirou.
Então, de que modo é possível reconhecer que todas as escrituras são ensinamentos a ser postos em
prática?
Se vocês pensarem que tudo isto se pode conseguir simplesmente ouvindo o LAMRIM, não é assim.
Temos que compreender que a essência das escrituras e seus comentários se encontram no caminho
gradual que inicia com o modo apropriado de seguir um mestre espiritual e termina com a calma
mental e a visão profunda. Um pequeno texto do LAMRIM pode expor um elaborado sistema de
pontos essenciais, enquanto outros podem ser mais concisos. Alguns destes pontos essenciais
requerem a aplicação da meditação analítica, para outros é necessária a meditação concentrativa.
Obtido esse nível de compreensão da estrutura inteira dos pontos essenciais, poderemos aplicar o
tipo de meditação apropriado à cada argumento, e desse modo cada estrutura será imediatamente
associada à prática de uma meditação particular do LAMRIM. Neste ponto, pode-se efetivamente
afirmar que as escrituras são ensinamentos a ser colocados em prática.
O meu precioso mestre sempre fazia uma simples analogia. Suponhamos que uma pessoa sem
provisão de arroz ou de grãos, recebesse uma porção de arroz. Não sabendo como utilizá-la,
provavelmente a jogaria fora. Do mesmo modo, quando alguém lê uma escritura sem haver
compreendido todos os argumentos do LAMRIM, não saberá como integrá-la na estrutura geral do
caminho, e assim nunca estará pronta para colocá-la em prática. Pelo contrário, se ele possui uma
só libra de arroz, e lhe dão outra, poderá facilmente juntá-la à sua provisão.
De modo similar, com a consciência aprofundada dos vários objetos de meditação e da relação
existente entre eles, vocês poderão rapidamente coligar qualquer escritura a um argumento
particular de LAMRIM.

Pabonka Rimpoche continuou explicando em detalhes a maneira que um texto que expõe a
estrutura completa do LAMRIM, independente de seu tamanho, pode guiar uma pessoa no caminho,
fazendo a comparação entre dois quartos, o primeiro, de um ministro e o segundo, de um simples
monge: ambos contém móveis úteis a muitos escopos.

Existem diferenças entre a compreensão de que todas as escrituras são isentas de contradição e a
compreensão que as escrituras são ensinamentos para praticar.
Tendo a primeira, não necessariamente se possui a segunda, mas tendo a segunda, necessariamente
se possui também a primeira.

AS QUALIDADES EXCELENTES QUE PERMITEM COMPREENDER FACILMENTE O


VERDADEIRO PENSAMENTO DO VITORIOSO (10)

Como já afirmei, as escrituras do Vitorioso e os relativos comentários são instruções excelentes.


Todavia, como não é possível descobrir o significado definitivo do pensamento do Vitorioso,
referindo-se simplesmente a grandes tratados sem receber do próprio mestre alguma explicação
sobre os estágios do Caminho Gradual, mesmo que tais tratados contenham o pensamento do
Vitorioso. Para poder descobrir este pensamento através desses tratados, vocês deveriam estudar
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 49
Introdução
por um período extremamente longo. Ao contrário, se vocês se basearem no LAMRIM poderão
compreender facilmente sem esforço excessivo.
Talvez vocês estejam perguntando: “Qual será o significado definitivo expresso pelo Vitorioso?”. O
meu precioso mestre, meu refúgio e meu protetor me disse que isso consiste nos três escopos, que
se podem condensar nos “Três Aspectos Fundamentais do Caminho”.
O grande Lama Tsong Khapa obteve claramente tudo isso declarando no seu texto “Os Três
Aspectos Principais do Caminho”, que a visão correta representa o pensamento definitivo do
Vitorioso.

Não realizarão nunca o significado autêntico expresso pelo Vitorioso, até


quando estes dois fatores aparecerem separados: a aparência dos fenômenos
como mutuamente interdependentes e a vacuidade ou ausência de cada
existência intrínseca.

Este verso afirma que não se poderá compreender o pensamento do Vitorioso até que não se realize
a visão correta; vale dizer então que só a vossa realização desta visão correta permitirá compreender
o seu pensamento. No entanto, no mesmo texto Lama Tsong Khapa afirma que é preciso
desenvolver também os dois aspectos fundamentais do caminho, renúncia e bodhichitta,
identificando a renúncia como a “essência de todos os discursos do Conquistador”, e o
desenvolvimento da bodhichitta como o “caminho louvado pelos Vitoriosos e seus Filhos”,
definindo assim a visão correta como a porta de entrada para os afortunados que desejam a
libertação.
Por isso, confiando no LAMRIM reconhecerão facilmente que o exposto nos tratados favorece o
desenvolvimento dos “Três Aspectos Fundamentais do Caminho” no nosso continuum mental e
assim poderão facilmente interpretar o pensamento do Vitorioso.
Podemos comparar os grandes textos clássicos a um oceano. Os pensamentos do Vitorioso, por
exemplo, os “Três Aspectos Fundamentais do Caminho”, podem ser comparados à jóias imersas no
oceano; o LAMRIM é o navio e o mestre que o ensina é o capitão. Mesmo sabendo que o oceano
contém estas jóias, se vocês partirem para procurá-las sem uma embarcação, poderão perder a vida.
Do mesmo modo, sem a ajuda do LAMRIM, dificilmente conseguirão realizar o pensamento do
Vitorioso, tirando-o unicamente das escrituras. Vocês devem confiar em um mestre, o hábil
capitão; subir a bordo do navio, o LAMRIM, e descobrir facilmente as jóias dos grandes tratados que
expõe o pensamento do Conquistador.

AS QUALIDADES EXCELENTES QUE PERMITEM ELIMINAR IMEDIATAMENTE


MESMO AS PIORES AÇÕES NEGATIVAS (11)

“A Grande Exposição dos Estágios do Caminho” e outros textos ensinam explicitamente como
evitar de criar um carma e os obscurecimentos resultantes, que advém de abandonar o Dharma.
Todavia, sem uma autêntica compreensão das primeiras três qualidades excelentes, vocês seriam
levados a fazer distinções fúteis que induzem a respeitar alguns aspectos mais do que outros, como
por exemplo, elogiar o caminho Mahayana e criticar o caminho Hinayana, ou mesmo distinção
entre Dharma escritural e Dharma prático.
Desprezar alguns aspectos do Dharma produz um tipo de carma particularmente negativo, e os
obscurecimentos resultantes são muito graves. “O Sutra que Tudo Compreende” afirma:

Manjushri, os obscurecimentos causados pelo carma de


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Introdução
abandonar o Dharma são sutis.
Manjushri, quem considera algumas escrituras do Tathagata
excelentes e outras desprezíveis abandona o Dharma.
Quem abandona o Dharma,
despreza os Tathagatas e a Sangha.
Então se abandona o Dharma quando se afirma:
“Este texto é correto e este não é;
“Este é um ensinamento para os Bodhisattvas,
este é para os ouvintes e este para os realizadores solitários”.
Abandona-se o Dharma afirmando também:
“Esta não é uma prática para os Bodhisattvas.

Abandonar o Dharma é uma ação extremamente negativa, como está explicado no Sutra
denominado “O Rei da Concentração Focalizada”:

Abandonar a cesta de Sutras é uma culpa pior


que destruir todas as estupas do continente meridional.
Abandonar a cesta de Sutras é uma ação pior
que assassinar tantos Arhats quantos são os grãos de areia
no fundo do Ganges.

Se temos uma autêntica compreensão destas três primeiras qualidades excelentes, não
descuidaremos de uma letra sequer dos ensinamentos do Vitorioso. Experimentarão o mesmo
respeito por cada escritura, pois cada uma dessas pode ser colocada em prática. Evitarão de
discriminar entre Dharma positivo e negativo, o fator principal que determina o abandono do
Dharma. Se ao invés disso, refletirem sobre o modo apropriado de confiar em seu guia espiritual,
vocês eliminarão cada obscurecimento cármico ou atitude negativa que vos pertença.
Compreendendo a verdade da impermanência e do precioso renascimento humano,
automaticamente eliminarão ações negativas que surgem do apego a esta vida; compreendendo o
modo de gerar a bodhicitta, eliminarão as ações negativas que surgem do pensamento egoísta.
Então, se vocês se aplicarem nas meditações que resguardam a ausência da existência real intrínseca
em si, eliminarão as ações negativas que surgem da convicção da existência concreta em si, como
inerentemente existente.
Automaticamente, como consequência da profunda compreensão desses objetos de meditação do
LAMRIM, vocês eliminarão todo comportamento negativo e contrário ao Dharma. Este é um
exemplo que esclarece a maneira pela qual estas excelentes qualidades favorecem nosso
desenvolvimento. Para pintar uma Tanka é preciso procurar todos os instrumentos e materiais
apropriados como tintas, telas, pincéis, etc.
A compreensão de que todos esses instrumentos e materiais são necessários e que nenhum deles é
como um obstáculo, é comparável à realização de que todos os ensinamentos são isentos de
contradições. Em seguida, vocês deverão saber como usar estes intrumentos, ou mesmo como se
pinta, assim também devemos considerar cada escritura como uma prática essencial. Ter um padrão
para as várias fases da pintura e concluir um bom trabalho equivale à compreender fàcilmente o
significado dos ensinamentos do Vitorioso.
Convencionalmente, as quatro qualidades excelentes podem resguardar ou a literatura escritural, ou
os argumentos contidos nela. No primeiro caso são definidas as quatro qualidades excelentes da
palavra, que representam o valor das escrituras em si, e no segundo caso, as qualidades excelentes
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 51
Introdução
do significado, que são mais importantes porque devem se realizar na mente de uma pessoa.
Juntamente com as quatro qualidades excelentes, o LAMRIM possui três características posteriores
também excelentes: 1) O completamento dos argumentos expostos que contém de forma concisa a
essência dos sutras e dos tantras; 2) a simplicidade da prática, porque enfatiza o desenvolvimento
gradual da mente; 3) Respeito às outras tradições, particularmente excelente, porque contém
ensinamentos transmitidos por dois mestres eruditos nos sistemas filosóficos dos dois grandes
precursores.

O LAMRIM É COMPLETO PORQUE CONTEM TODOS OS PONTOS ESSENCIAIS DOS


SUTRAS E DO TANTRAS (12)

Se bem que o LAMRIM não contenha o texto inteiro das escrituras e dos comentários, inclui de
modo conciso todos os significados essenciais. O significado essencial das escrituras e dos
comentários é condensado nos estágios do caminho segundo os três escopos de um praticante. Até
os textos mais concisos do LAMRIM expõe este ponto, por isso pode-se afirmar que os ensinamentos
que estamos dando aqui contém todos os objetos das escrituras. Em uma carta à Lama Umapa, o
grande Lama Tsong Khapa escreveu:

Este ensinamento de Dipamkara Shrijinana, os estágios do caminho à


iluminação, condensa todas as instruções contidas nas escrituras e nos
comentários. Se uma pessoa sabe como estudá-los e ensiná-los, se revelará
não só um compêndio de instruções para praticar, mas também uma síntese
de todas as escrituras. Desse modo, não é necessário que eu ensine outros
textos.

Outras tradições transmitem vários grupos de ensinamentos: os quatro ensinamentos maiores sobre
as práticas preliminares, o ensinamento do refúgio, e assim por diante, os ensinamentos sobre as
práticas principais, etc. Assim, a tradição Kadampa precedente e a atual, não utiliza textos
numerosos, mas se refere unicamente ao LAMRIM para cada argumento ensinado. “A Luz no
Caminho” é um texto com três páginas somente que exprime o significado essencial de todos as
escrituras. Da mesma forma, todos os outros textos do LAMRIM revelam a essência do Dharma
porque tem como origem “A Luz no Caminho”. Por tudo isto o grande Lama Tsong Khapa
afirmou:

Contemplem o significado deste sistema que contém


a essência de todas as escrituras.
Até mesmo somente escutá-lo e ensiná-lo por
um breve período seguramente trará o grande benefício
de ensinar e ouvir todo o Santo Dharma.

Em outras palavras, o estudo, a reflexão, o ensinamento e o ouvir um discurso do LAMRIM equivale


à contemplação e ao aprendizado do pleno significado de todas as escrituras e comentários.
Também uma meditação breve sobre a sequência dos Estágios do Caminho pode fazer surgir a
compreensão do significado de todas as escrituras. Uma grande figura da Tradição Kadampa,
Gueshe Tolungpa, disse:

Quando ensino o caminho gradual, vocês obterão


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Introdução
a compreensão conceitual de todos os textos escritos
nesta terra. Estes textos são como se tremessem
e dissessem: “Este velho monge dos cabelos brancos
colheu toda a nossa essência!”

É assim mesmo. Se uma explicação de LAMRIM é dada de modo apropriado e é ouvida atentamente,
isto equivalerá a ter explicado a essência de todas as escrituras. Se por um lado, o LAMRIM encerra
em si o significado das escrituras, por outro revela a essência. Não poderia ser um compêndio
superior do Dharma; enfim Gueshe Tolungpa afirmou, referindo-se ao ensinamento de LAMRIM:
“Eu abati o grande iaque do Dharma”.
Quem não está pronto para compreender os textos do LAMRIM mais elaborados, pode progredir no
caminho confiando em textos mais concisos, mas que contenham a inteira estrutura do LAMRIM.
Tais textos concisos são perfeitos para guiar os estudantes do caminho, mas se o texto descuida de
um simples argumento de meditação, não poderá ser eficaz.
Existe um determinado remédio tibetano para a febre chamada “Canfora 25”. Não é preciso
procurar uma grande quantidade de cada um de seus 25 ingredientes, para depois assumir um de
cada vez. Se o remédio foi preparado cuidadosamente, manifestará rapidamente seu efeito, mas se
foi privado de um simples ingrediente não terá nenhum efeito, mesmo se tomado em grande
quantidade. Agora que vocês tiveram a sorte de receber estas excelentes instruções deverão praticar
de modo assíduo.

O LAMRIM É SIMPLES PARA COLOCAR EM PRÁTICA, PORQUE ENFATIZA O


DESENVOLVIMENTO GRADUAL DA MENTE. (13)

Tudo que vocês experimentarem, dos numerosos tipos de sofrimento do samsara, à felicidade da
libertação, é um produto de nossa mente e estes ensinamentos de LAMRIM contém instruções
insuperáveis para obter o controle. De fato, como o LAMRIM descreve de modo detalhado como
obter o controle da mente, as suas instruções são facilmente praticáveis.

RESPEITO ÀS OUTRAS TRADIÇÕES É PARTICULARMENTE EXCELENTE ENQUANTO


CONTÉM ENSINAMENTOS TRANSMITIDOS POR DOIS MESTRES ERUDITOS NOS
SISTEMAS FILOSÓFICOS DOS DOIS GRANDES PRECURSORES (14)

O mestre instruído na tradição de Nagarjuna foi Vidyakokila; guru Suvarnadvipi foi o mestre que
herdou a tradição de Assanga. Este ensinamento foi enriquecido por suas explicações então é um
método especialmente excelente.
Como afirmou o grande Lama Tsong Khapa:

O caminho gradual para a iluminação


deriva de Nagarjuna e Assanga,
as jóias que ornamentam a cabeça de todos os sábios,
cuja fama entre os seres se destaca como um estandarte da vitória.

Nem mesmo o “Ornamento das Realizações de Maitreya” possui estas três características, e nem
mesmo o rei do Tantra, o “Guhyasamaja”. Estes dois textos não expõe todos os argumentos dos
Sutras e dos Tantras e não sublinham como domar a mente. Agora que vocês tem a possibilidade
de estudar, refletir e meditar sobre o LAMRIM, que possui as qualidades excelentes e as três
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 53
Introdução
características, não deveriam se contentar com explicações parciais ou incompletas. O nível de
nosso empenho no seguir e praticar este caminho é de importância decisiva. Isto conclui a segunda
seção principal, de verdade, as “qualidades excelentes do Dharma”.

O MODO CORRETO DE ESCUTAR E ENSINAR O DHARMA, QUE POSSUI ESTAS DUAS


QUALIDADES EXCELENTES (DOS AUTORES E DO DHARMA) (15).

Este é um objeto extremamente importante. Nawang Dragpa, o grande meditador de Dagpo,


afirmou:

A melhor instrução preliminar


resguarda o modo apropriado de ouvir e de ensinar
Tome-a no coração.

Em outras palavras, depende desse argumento, se todos os objetivos sucessivos que serão ouvidos e
ensinados, poderão se integrar à vossa mente, tornando-se assim uma autêntica prática do caminho.
Se vocês descuidarem das instruções deste capítulo, será difícil conseguir refletir e meditar sobre os
ensinamentos sucessivos mesmo como se entendendo a data do início do mês lunar (o dia da lua
nova) não compreenderem todas as datas sucessivas até o 15º dia (o dia da lua cheia).
Este capítulo tem três divisões:
1) O modo de ouvir o Dharma
2) O modo de ensinar o Dharma
3) Tudo que mestre e discípulo deveriam cumprir até o fim.

O MODO DE OUVIR O DHARMA (16)

Tem três subdivisões: 1) Como refletir sobre os benefícios que derivam de ouvir o Dharma; 2)
Como gerar respeito nos confrontos do Dharma e de quem o expõe; 3) O modo efetivo de ouvir os
ensinamentos.

COMO REFLETIR SOBRE OS BENEFÍCIOS QUE PROVEM DE OUVIR O DHARMA (17)

É essencial refletir sobre os benefícios que derivam de ouvir os ensinamentos, porque só assim
surgirá um forte desejo de estudar o Dharma. Contemplando de maneira adequada, vocês ficarão
extremamente felizes de empreender tal estudo. Em “Os Pronunciamentos de Buda” está afirmado:

Por meio do ouvir, você compreende o Dharma;


Por meio do ouvir, você elimina as ações negativas;
Por meio do ouvir, você abandona as coisas sem significado;
Por meio do ouvir, você alcanca o nirvana.

Ouvindo o Dharma pode-se aprender o que eliminar e o que cultivar. Compreender o significado da
colheita do Vinaya e, como resultado, evitar as ações negativas, praticando o elevado adestramento
da moralidade. Compreender o significado da coleção de sutras e, como resultado, seguindo o
elevado adestramento da concentração unívoca, eliminar todas as ações sem significado. Enfim,
como resultado poderão eliminar as ilusões mediante o elevado adestramento da sabedoria. Desse
modo, o estudo dará o consentimento para atingir o nirvana.
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Introdução
Nos “Contos de Jataka” de Ashvagosha está dito:

O ouvir é a lâmpada que dissolve


o obscurecimento das trevas. É a melhor
das posses - os ladrões não podem roubar.
É a arma que derrota o inimigo da ignorância,
e é vosso melhor conselheiro que vos ensina
o modo correto de agir.
É um amigo seguro que não vos abandonará
na miséria, é um salutar remédio que vos liberta
da angústia. É o melhor exército que destrói vosso
comportamento negativo; é a fonte suprema
da fama e da glória.
Encontrando pessoas nobres, o ouvir é um excelente dom,
que compraz aos sábios.

O ouvir é comparado à lâmpada que dissolve as trevas da ignorância. O meu precioso mestre dizia
que aprender uma só letra do alfabeto, elimina o obscurecimento. Em seguida aprendendo as outras
letras, a ignorância diminui e o conhecimento aumenta. Sem ter estudado vocês não teriam nem
como conhecer a letra A. Pensem por exemplo nas pessoas de nossa família que não receberam
nenhuma instrução e poderão compreender o que quero dizer.
Quanto mais vocês se empenham em ouvir e estudar, mais ignorância vocês eliminarão, e mais
sabedoria vocês terão adquirido.
Em “Os Pronunciamentos de Buda” encontramos:

Quando na escuridão uma pessoa entra num quarto,


não vê os objetos mesmo que eles estejam presentes.
Do mesmo modo, mesmo que uma pessoa seja por natureza inteligente,
sem o estudo não saberá distinguir entre o bem e o mal.

Assim como uma pessoa com uma


lâmpada pode ver os objetos,
do mesmo modo através do estudo se poderá dintinguir
entre o bem e o mal.

Em outras palavras, em um quarto completamente escuro, mesmo que tenha numerosos objetos,
não se pode distinguir nenhum. Da mesma forma, mesmo tendo o olhar de sabedoria, sem a luz de
ouvir o Dharma, não poderão distinguir entre o bem e o mal. Acendendo uma lâmpada no quarto
escuro, poderão ver claramente todos os objetos, de modo análogo, a luz do ouvir permite ao olhar
da sabedoria compreender todos os fenômenos.
No texto “Os Níveis do Bodhisattva” de Assanga é exposto em detalhes as cinco atitudes
necessárias para ouvir os ensinamentos e seus relativos benefícios. A primeira é a atitude que
considera o ensinamento como um olho mediante o qual se desenvolve a sabedoria. Depois, se
deveria considerar o ensinamento como uma luz mediante a qual o olho da sabedoria permite
compreender a verdade relativa e a verdade absoluta. Devemos considerar o ensinamento como
algo muito precioso, porque raramente se encontra no mundo e cosiderá-lo como algo
extremamente benéfico, porque permite obter a fruta degustada pelos grandes Bodhisattvas. Enfim,
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 55
Introdução
devemos perceber a perfeição, porque permite conseguir a quietude mental e a profunda visão
interior.
Ouvir é o mais elevado tipo de riqueza, que ninguém poderá roubar. Os ladrões podem se apropriar
de nossos bens materiais, mas não podem privar ninguém de ouvir, que dá origem às sete supremas
gemas dos Aryas, e às três qualidades positivas como a erudição, a ética e a bondade do coração.
Uma pessoa quando retorna a seu país para uma visita, dificilmente poderá levar consigo todos seus
bens, mas isto não vale para as supramencionadas riquezas, que vocês podem carregar co vocês
quando morrerem. Então para simples monges como vocês, é muito importante não desejar
avidamente preciosas chaleiras decoradas em latão, xícaras de cobre, etc, mas sim, desejar as sete
supremas gemas dos Aryas. O ouvir é como a arma que derrota o inmigo da ignorância, enquanto
nos permite erradicar cada defeito mental. Ouvir o Dharma é também nosso melhor conselheiro,
porque não nos enganará jamais e nos permitirá compreender a melhor conduta para se ter em
qualquer situação, indicando o modo apropriado de agir, os benefícios, as desvantagens, etc. O meu
precioso mestre me disse: “A força de caráter mostrada pelo rei Lhalama Yeshe Od na prisão
provinha de seus estudos precedentes”. O ouvir o Dharma é como um amigo que não nos abandona
na desventura. Os amigos ordinários, quando vocês são ricos, demonstram a sua amizade, mas na
desventura fingem não conhecer. Ouvir o Dharma enfim, é o melhor amigo em tempos difíceis
quando vocês sofrem, estão doentes ou na hora da morte, e isso virá em seu auxílio. O grande
Tsechog Ling Rimpoche antes de se tornar tutor do Oitavo Dalai Lama vivia como asceta e era
muito pobre. Um dia encontrou na estrada seu tio, que era um rico comerciante. Tsechog Ling
Rimpoche o saudou, mas este tio fez de conta que não o reconhecia. Em seguida, quando Rimpoche
foi nomeado tutor do Dalai Lama e se tornou uma pessoa das mais respeitáveis, o tio lhe fez uma
visita e lembrou a Rimpoche, o seu estreito grau de parentesco.
Houve uma vez um homem muito pobre e ninguém se declarava seu parente. Em seguida,
comerciando, ganhou um pouco de dinheiro e muitas pessoas começaram a visitá-lo, dizendo ser
seu parente.
Um dia, convidou-os para almoçar e na cabeceira da mesa colocou uma pilha de moedas, às quais
se prostou recitando os seguintes versos: “Ó adorável pilha de moedas, rendo homenagem à ti, que
criaste parentes para alguém que não tinha nenhum!”
Esta estória mostra como não se pode confiar nos ditos parentes deste mundo. Se vocês vão à
procura de um verdadeiro amigo, deverão colocar fé em ouvir, na contemplação e na meditação.
A propósito, no LAMRIM de Ketsang, o último verso da estrofe recita: “Ó, meu pouquinho de chá, a
ti presto homenagem”, mas a versão que dei está de acordo com aquela de meu precioso mestre.
Ouvir o Dharma torna-se ou o remédio para as ilusões, ou o exército que derrota cada negatividade:
procura fama e glória e é o melhor presente que podemos receber de seres realizados, o melhor
modo de obter o respeito dos estudiosos. Nos “Contos de Jataka” encontraremos:

Quando se ouve o Dharma


a própria mente torna-se pura,
e se deseja firmemente o bem,
eliminando a ignorância mediante o desenvolvimento da sabedoria.
Não vale vender até
a própria carne para obter tudo isto?

Em outras palavras, através do ouvir o Dharma se desenvolvem infinitas qualidades positivas, fé


nas qualidades excelentes das Três Jóias e o empenho contínuo de venerar o Buda. Entretanto,
compreendendo a infalibilidade da lei do Carma, vocês desenvolverão o desejo de adotar um
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Introdução
comportamento justo, evitando ações negativas. Compreender as desvantagens expostas nas
primeiras duas Nobres Verdades, o sofrimento e a origem do sofrimento, e as qualidades excelentes
das duas últimas, a cessação e o caminho, servirá para reforçar a vossa determinação de obter estas
metas. Enfim, vocês agirão sempre de acordo com o caminho que conduz à meta final, a budeidade.
Afirmou-se que para poder ouvir o Dharma é oportuno cortar até um pedaço da própria carne para
vendê-la. Agora que vocês podem ouvir tranquilamente, sem precisar mutilar o próprio corpo,
vocês devem se empenhar a fundo. A estrofe anterior foi pronunciada pelo príncipe Bodhisattva
Sutasoma (Vylingalita , uma das vidas anteriores de Shakyamuni), depois de oferecer mil sang de
ouro por cada um dos quatro versos que tinha aprendido de um brâmane. A profundidade do vosso
aprendizado determinará quantos objetos vocês estarão prontos para contemplar, e dessa forma
poder realizar de modo mais rápido, a experiência da meditação.
Os jovens admitidos nos grandes monastérios deveriam estudar os cinco tratados principais. Há
uma diferença notável entre quem estudou estes tratados e quem não estudou, e portanto resguarda
o reconhecimento do objeto de refúgio, as Três Jóias.
Um tutor que não estudou de modo extenso não deveria permitir que os próprios estudantes sigam
seu exemplo; deveria sim, encorajá-los a seguir o programa de estudos do monastério. Desse modo
na próxima vida este tutor desenvolverá uma sabedoria equivalente àquela dos próprios estudantes.
Por outro lado, existem anciãos ou pessoas de intelecto fraco que desejam estudar os tratados, mas
provavelmente a morte interromperá os seus estudos e não conseguirão libertar-se de suas próprias
concepções erradas. Pessoas que não estão prontas para cumprir estudos profundos, poderiam
chegar igualmente à compreensão do inteiro caminho ouvindo e contemplando um só ensinamento
de LAMRIM. Em um sonho, Lama Tsong Khapa expressou ao Panchen Lama Chokyi Ghyaltsen
como deveríamos empenhar-nos no Dharma:

Para beneficiar você mesmo e os outros,


não fique nunca satisfeito com os estudos completados.
Observa como mesmo o Bodhisattva do terceiro nível
não se contenta com seu aprendizado.

Vocês deveriam fazer o mesmo. Não tem importância o nível intelectual de uma pessoa, porque
seguramente pode dedicar um pouco de tempo para ouvir, por exemplo uma explicação concisa do
LAMRIM. Como vocês poderiam sustentar que não estão aptos para cumprir tal estudo, privando-se
da oportunidade de experimentar o Dharma, afirmando “não sou um estudioso!” Até os cavalos, as
cabras e os bois podem suportar determinado peso de acordo com a respectiva força, também vocês
deveriam ouvir o Dharma de acordo com a vossa capacidade intelectual.
Qualquer coisa que estudem, seja um texto breve ou extenso, deveria conter a estrutura inteira dos
objetos de meditação, iniciando pela devoção ao próprio guia espiritual, até a obtenção do estágio
de unificação. Se um texto é incompleto, não conterá a seqüência inteira dos pontos essenciais de
meditação e se bem que possa explicar alguns objetos de modo detalhado, isto não compensará esta
falta. Seria como ter centenas de tapetes no próprio quarto mas nenhum vestido, ou mesmo o
contrário.
Se o texto é completo nos guiará ao longo do caminho, independentemente do modo mais ou menos
detalhado de como os argumentos são expostos e como servem ao seu escopo, ou seja o quarto
suntuoso de um ministro ou seja uma humilde cela de um monge.

COMO GERAR RESPEITO NAS COMPARAÇÕES DO DHARMA E DE QUEM O EXPÕE (18)


Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 57
Introdução
“O Sutra de Kshitagarbha” afirma:

Escuta o Dharma com fé e respeito,


não o diminua e nem o denigra.
Façam oferendas aos mestres do Dharma,
e desenvolvam a atitude de considerá-los como Budas.

Quando ouvirem um ensinamento vocês devem manifestar com quem ensina, o mesmo respeito que
demonstrariam com o próprio Buda. O texto “Os Níveis do Bodhisattva” de Assanga afirma que se
deveria ouvir com uma atitude isenta de orgulho e livre dos preconceitos, tendo atenção para não
desenvolver os cinco pensamentos incorretos (que serão explicados em seguida).
São mencionados seis comportamentos posteriores para seguir e aplicar quando se ouve: 1) o
momento oportuno; 2) a cortesia; 3) o respeito; 4) estar livre da raiva; 5) a motivação de praticar o
que se aprendeu; 6) escutar o ensinamento sem presunção.
Consideremos o primeiro item: o momento oportuno. O mestre deve dar o ensinamento quando se
sente feliz em fazê-lo, se não tem compromissos mais urgentes, etc. Por isso não deveriam pedir ou
pretender ouvir seu ensinamento cada vez que o desejassem, porque seria uma atitude presunçosa e
egoísta. Uma vez, Gueshe Potowa se encontrava no monastério Kakang, no altiplano da província
central e estava muito ocupado, corrigindo muitas escrituras. Uma pessoa pediu-lhe ensinamentos.
Gueshe Potowa se levantou e chateado mandou embora o indivíduo que rapidamente se retirou. Isto
demonstra que é necessário escolher o momento oportuno.
Demonstra-se respeito levantando-se quando da chegada do mestre e prostrando-se.
Mostrar cortesia significa por exemplo, fazer-lhe oferendas de água para as suas abluções.
Estar livre da raiva significa não se enraivecer quando que tiver que desenvolver qualquer tarefa
por conta do mestre.
Ouvir o ensinamento sem presunção significa não assumir uma atitude que procura constantemente
defeitos nos ensinamentos, então significa não desprezar o Dharma nem o mestre que o expõe.
Porém não precisamos considerar como defeitos estas eventuais cinco características do mestre: a
ética degenerada, a classe social inferior, o aspecto não atraente, a eloqüência modesto e o tom de
voz desagradável. Estas considerações se devem evitar porque nos farão repudiar um mestre
espiritual.

O MODO EFETIVO DE OUVIR OS ENSINAMENTOS (19)

É dividido em 2 partes: 1) eliminar os três defeitos que impedem tornar-se um receptáculo indigno
dos ensinamentos; e 2) cultivar os seis reconhecimentos que favorecem o ouvir.

ELIMINAR OS TRÊS DEFEITOS QUE IMPEDEM DE TORNAR-SE UM DIGNO


RECEPTÁCULO DOS ENSINAMENTOS (20)

1) Ser como um recipiente emborcado; 2) Ser como um recipiente sujo; e 3) Ser como um
recipiente furado.

SER COMO UM RECIPIENTE EMBORCADO (21)

Se um recipiente está emborcado, por mais que se queira derramar o líquido em seu interior, não
entrará nada. Quando vocês assistem a um ensinamento sentados em público, se vocês se distraem e
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 58
Introdução
não prestam a atenção ao que é dito não entenderam nada, e isto é como não assistir os
ensinamentos.
Vocês devem ouvir com a máxima atenção, com a mente dirigida exclusivamente ao ensinamento e
não se distrair de jeito nenhum; se não seria como o cervo que quando ouve tocar uma flauta é de
tal forma atraído pelo som que um caçador pode facilmente acertá-lo com sua flecha.

SER COMO UM RECIPIENTE SUJO (22)

Mesmo que o recepiente não esteja emborcado, se contém veneno, qualquer coisa colocada em seu
interior ficará inutilizada. Alguns, mesmo que ouçam com atenção, podem estar motivados pelo
pensamento de progredir nos estudos, ou mesmo querer ensinar aos outros para obter fama e
fortuna. Então vocês deveriam ouvir pelo menos com uma motivação ditada pela bodhichitta da
aspiração.

SER COMO UM RECIPIENTE FURADO (23)

Se o recipiente não está emborcado, nem sujo, mas o seu fundo está furado não conseguirá conter
nenhum líquido. Mesmo tendo ouvido o ensinamento com uma motivação impecável, se não
prestaram uma atenção suficiente, vocês esquecerão tudo.
É muito fácil esquecer um ensinamento, então vocês deveriam adotar um método que ajude a
recordar, por exemplo utilizando um texto dividido em capítulos. É necessário reler continuamente
o que foi ouvido, refletindo: “como foi ensinado este argumento particular?” Durante os intervalos
entre as sessões de ensinamentos é muito importante reunir-se com os companheiros para
reexaminar brevemente tudo o que foi ouvido.
Com respeito ao abandono desse modo errado de ouvir, em um Sutra o Bhagawan recomendou:
“Ouçam bem, ouçam da melhor maneira possível e trarão na mente o que vocês ouviram”. Ouvir
bem, se refere a eliminação de obstáculos do recipiente sujo, ouvir da melhor maneira se refere à
eliminação de obstáculos do recipiente emborcado; e ter na mente significa eliminar obstáculos do
recipiente furado. Este é o modo pelo qual se deveria ouvir o Dharma.

CULTIVAR OS SEIS RECONHECIMENTOS QUE FAVORECEM O OUVIR (24)

1) Reconhecer você mesmo como um doente; 2) considerar o Dharma como um remédio; 3)


reconhecer que o mestre é como um médico especialista; 4) reconhecer que praticar intensamente
o Dharma curará a nossa doença; 5) reconhecer que o mestre é um ser puro como os Tathagatas; 6)
desejar que o Dharma seja preservado ao longo do tempo.

RECONHECER VOCÊ MESMO COMO UM DOENTE (25)

É essencial desenvolver esta atitude, porque fará surgir naturalmente os sucessivos


reconhecimentos. Pode parecer estranho nos considerarmos doentes quando não temos doenças
físicas, mas na realidade estamos gravemente aflitos pelos defeitos mentais. Como afirmou Gueshe
Kamaba, para uma pessoa sã refletir desse modo poderá parecer antinatural, mas na realidade
contraiu-se a grave doença dos três venenos (aversão, apego e ignorância) mesmo que não
estejamos cientes.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 59
Introdução
Poderiam perguntar: “como é possível que esteja doente e não perceba?” Às vezes, uma pessoa com
febre alta pode começar delirar, sem perceber o quanto está doente. Também se vocês estão aflitos
pelos defeitos mentais, vocês não estariam cientes.
Poderiam ainda perguntar: “Se eu estivesse doente não deveria sentir dor? Porque não me sinto
mal.”
De verdade, há muito tempo vocês experimentam o sofrimento causado pelos três venenos.
Suponham de ir ao mercado e de ver algum objeto que nos atrai muito, mas que vocês não podem
comprar. Quando voltam para casa, vocês começam a refletir e perguntar como fazer para comprá-
lo. Este é o sofrimento provocado pelo apego. Quando vocês vêem, escutam ou se recordam de algo
que lhes desgosta, como por exemplo, uma observação irritante ou uma ofensa recebida, vocês
sentir-se-ão muito ansiosos. Este é só um exemplo do sofrimento provocado pela aversão. É bom
examinar também o orgulho, o ciúme, etc. Os defeitos mentais são doenças sérias, dolorosas,
crônicas e insuportáveis e vocês as contraíram. Vocês se preocupam muito por causa das doenças
ordinárias, mas o sofrimento causado pelos vários defeitos mentais vocês nem as consideram.
Shantideva afirma no “Bodhisattvacharyavatara”:

Se deves recorrer ao médico pelas doenças ordinárias,


o que dizer da doença do apego,
cem vezes mais perigosa e que desde sempre te aflige?

Quando vocês adoecem, e depois de um ou dois meses, vocês ainda não sararam, comecem a se
preocupar seriamente. Todavia, no samsara, vocês estão aflitos pelos defeitos mentais desde um
tempo sem início.
Sarar desta doença é impossível, se vocês não procuram obter a libertação da existência cíclica.
Como afirmou Gueshe Potowa: “Um doente que não vai sarar jamais, um viajante que não alcança
nunca sua meta...” Esta é a descrição perfeita de vocês mesmos.

CONSIDERAR O DHARMA COMO UM REMÉDIO (26)

Quando um doente está ciente da própria condição, procura o remédio mais eficaz. O único
remédio que pode pacificar a doença dos defeitos mentais é o puro Dharma: este é o remédio que
vocês devem procurar.

RECONHECER QUE O MESTRE É COMO UM MÉDICO ESPECIALISTA (27)

Se vocês estão doentes e, sem consultar um médico, tomam qualquer remédio, talvez interpretem
de maneira errada os sintomas ou o estágio que a doença alcançou. Os remédios que vocês tomam
poderiam não fazer efeito ou até piorar a sua condição. Vocês deveriam sem dúvida consultar um
bom médico. Poderiam pensar: “É suficiente praticar o Dharma lendo os textos”, sem confiar em
um guia espiritual. Mas da leitura não surgirá nenhuma intuição ou realização, e assim a sua mente
não se transformará jamais.
Por isto, quando vocês decidem praticar o Dharma deveriam seriamente confiar em um guia
espiritual, assim como confiariam num bom médico. Quando um doente encontra um bom médico
escuta tudo o que ele lhe fala, e o trata com respeito. Vocês deveriam fazer o mesmo quando
encontram um guia espiritual. Como foi dito na “Coleção das Qualidades Similares à Jóias”:

De tal modo, o sábio que deseja intensamente


Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 60
Introdução
obter a suprema iluminação,
deverá eliminar completamente o orgulho.
Assim como o doente se entrega aos médicos
para ser curado,assim o sábio deveria confiar
constantemente em um guia espiritual.

RECONHECER QUE PRATICAR INTENSAMENTE O DHARMA VAI CURAR A SUA


DOENÇA (28)

O remédio é aquilo que ajuda o doente, mas se não seguirmos os conselhos do médico e não
tomarmos os remédios que ele prescreveu não nos curaremos, e não poderemos culpar o médico,
porque não seguimos seus conselhos, e nem o remédio porque não o tomamos. O guia espiritual é
semelhante a um médico especialista, mas se vocês recebem muitas explicações orais, os remédios
que curam a doença dos defeitos mentais, e não as colocam em prática, não trarão benefício algum
à vossa mente, mesmo que sejam instruções completas e profundas. Por isto, neste caso vocês não
podem culpar nem o mestre, nem o Dharma. A culpa é somente de vocês. Como está escrito no
“Sutra soberano dos Samadhis”:

Após ter procurado muito, o paciente encontra


um médico especialista, inteligente e compassivo que
o aconselha: “Tome este remédio”.
Se o paciente não toma tal remédio
precioso e eficaz, uma cura em potencial,
a culpa não é do médico nem do remédio,
mas unicamente do doente.
Do mesmo modo, se os seguidores desta doutrina
aprendem de modo correto as dez forças,
os níveis de concentração e os dez poderes,
mas não se empenham na meditação,
como poderiam obter o nirvana?
Ensinei a vocês o Dharma de modo apropriado
por isso, se depois de tê-lo ouvido não o praticarem,
serão como o paciente que não tomando o remédio
não poderá curar a sua doença.

Shantideva afirma no “Bodhisattvacharyavatara”:

Vocês devem efetivamente colocar em prática o Dharma,


porque só com palavras não obterão nenhum resultado:
o doente poderia se curar somente lendo a receita?

Enfim, não é suficiente ter o remédio. Para se curar precisa assumi-lo apropriadamente, seguindo os
conselhos do médico. Igualmente para eliminar a doença dos defeitos mentais, vocês devem colocar
em prática os ensinamentos que estão ouvindo.
Em “A Grande Exposição dos Estágios do Caminho” de Lama Tsong Khapa se afirma:

Mediante o estudo chega-se à comprensão,


Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 61
Introdução
que todavia deve ser aplicada. Por isso é essencial
colocar em prática tudo que foi estudado.

Como sustenta “O Sutra que Promove um Comportamento Elevado”, no que diz respeito às pessoas
que colecionam ensinamentos e iniciações sem nunca colocá-los em prática:

A casca da cana de açúcar não tem sabor,


e a parte gostosa está no interior.
Aqueles que mastigam a casca
não degustam o excelente néctar da cana de açúcar.
Ora, a casca é igual a meras palavras, enquanto
degustar o néctar equivale a compreender o significado.

O mesmo Sutra compara estas pessoas a um ator que simplesmente imita as ações dos outros:

Exatamente como um ator que em um teatro se limita


a recitar os grandes feitos de outros heróis,
do mesmo modo, confiando somente nas palavras,
sem colocá-las em prática,
não se obterá nada.

Vocês não devem somente ouvir, mas procurar colocar em prática aquilo que vocês estudaram; caso
contrário, seus esforços entrarão em contraste com o Dharma. Um provérbio diz: “Ouvir muitos
ensinamentos sem meditar cria uma atitude superficial e vã frente ao Dharma”. Inicialmente
ouvindo e estudando os ensinamentos surge um certo benefício para a nossa mente, mas se em
seguida não nos empenharmos em uma contínua reflexão e na prática meditativa, este inicial efeito
positivo se desvanecerá.
Os ensinamentos terminarão por tornar-se enfadonhos, mesmo quando ouvirem instruções
particularmente profundas. Dessa forma, o estudo não trará nenhum benefício e assim vocês ficarão
insensíveis aos interesses do Dharma.
Os antigos Kadampas tinham o hábito de afirmar:

Se bem que o Dharma possa domar as pessoas que


praticaram ações negativas,
não pode transformar aqueles que ficam indiferentes a isso.
Se bem que o azeite possa amolecer o couro,
não poderá amolecer o recipiente de pele que contém a manteiga.

Mesmo que alguém tenha interpretado mal outros ensinamentos de Dharma, poderá transformar sua
mente através dos ensinamentos de LAMRIM. Mas se demonstra ser insensível ao LAMRIM, não
poderá de nenhum modo melhorar sua mente.Vocês devem estar cientes desse perigo. Qualquer
ensinamento que vocês escolham praticar, deverão estudá-lo corretamente. Procurem integrar à
mente o significado daquilo que vocês estudaram. Dromtompa, um rei do Dharma, afirmou que as
três atividades de ouvir, contemplar e meditar deveriam ser praticadas conjuntamente:
Quando ouço o Dharma, desenvolvo a contemplação e a meditação.
Quando contemplo o Dharma, desenvolvo o ouvir e a meditação.
Quando medito no Dharma, desenvolvo o ouvir e a meditação.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 62
Introdução
Aplicando estas três práticas a cada objeto de
estudo, e conhecendo como integrar o Dharma no caminho,
sou um Kadampa que não deixa as coisas pela metade.
O método Kadampa consiste em realizar o completo significado dos
ensinamentos,
exatamente como faz uma pessoa esperta no jogo de dados.

Se um leproso, com os pés e mãos deformados toma um remédio somente uma ou duas vezes, com
certeza não vai sarar, porque precisa tomá-lo por um longo tempo. Do mesmo modo, que desde um
tempo sem início estamos aflitos pela grave doença dos venenos mentais, não é suficiente praticar o
ensinamento temporariamente. Devemos nos empenhar seriamente e de maneira constante, como a
corrente de um rio. O Acharya Chandragomin disse:

A mente foi constantemente obscurecida


por esta perene doença crônica;
como poderia sarar um leproso
com pés e mãos mutilados,
tomando o remédio só algumas vezes?

Cada ensinamento deveria ser colocado logo em prática, como fazia Gueshe Chen Ngawa.
Enquanto lia um capítulo do Vinaya sobre o uso do couro, aprendeu que que era proibido aos
monges utilizar peles de animais. Quando viu que estava sentado sobre uma almofada de couro,
imediatamente a jogou fora.
Depois prosseguindo a leitura, descobriu que esta regra não se aplicava a monges que moravam em
locais remotos, por isso pegou a almofada de volta e de novo se sentou nela.

RECONHECER QUE O PRÓPRIO GUIA ESPIRITUAL É UM SER PURO COMO OS


TATHAGATAS (29)

Antes de tudo se deve reconhecer que o Tathagata é um ser santo. A primeira pessoa que ensinou o
Dharma foi Buda Shakyamuni, que expôs o caminho e as relativas realizações que ele mesmo
obteve. Então para ensinar os princípios que dirigem o comportamento correto, detém uma
autoridade infalível, isenta do menor erro. Estas reflexões constituem a prática da lembrança de
Buda. Podemos então estender estas considerações ao ser santo que nos ensina o Dharma, isto é o
nosso mestre, refletindo desse modo:
“Este ser santo, o meu mestre, é uma emanação do Tathagata Shakyamuni”.

DESEJAR QUE O DHARMA SE PRESERVE LONGAMENTE (30)

Este propósito que provém de ouvir o Dharma, consiste em pensar: “Como seria maravilhoso se
estes ensinamentos do Vitorioso se preservassem por longo tempo no mundo!”
Os cinco primeiros reconhecimentos são exemplos de como lembrar-se da bondade dos Tathagatas.
Escutando o Dharma é essencial integrar completamente os ensinamentos na própria mente. Se
escutando o Dharma, permanecermos insensíveis, nenhum ensinamento poderá transformar
positivamente a nossa mente. Por exemplo, se o seu rosto está sujo, para poder limpá-lo, você
deveria se olhar no espelho. Igualmente ouvir o Dharma pode servir como um espelho que nos
permite examinar o nosso continuum mental e a nossa conduta. Desse modo, em primeiro lugar
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 63
Introdução
deveremos procurar eliminar cada defeito que tenhamos percebido, fazendo surgir um profundo
sentimento de desgosto e assim, empenhar-no-emos nas práticas que nos permitem eliminá-lo.
Nos “Contos de Jataka”, Sudasaputra, conhecido também como príncipe Kalmashapada, disse estas
palavras ao prríncipe Chandra Sutasoma:

Quando percebo claramente minhas ações negativas


no espelho do Dharma, a minha mente está aflita:
por isso agora me empenharei na prática do Dharma.

Esta sua estória pode nos servir de exemplo. No tempo em que o Santo Buda estava ainda no
caminho do aprendizado, renasceu como o príncipe (Bodhisattva) Chandra. Um homem chamado
Sudasaputra, era um assassino que se alimentava de suas próprias vítimas. Um dia o príncipe foi à
um bosque, e um brâmane dotado de grande eloquência se aproximou dele. Enquanto o príncipe
escutava um ensinamento deste sapiente brâmane, improvisadamente ouviram um grande estrondo
e enviaram algumas pessoas para saber o que estava acontecendo. Viram que estava chegando
Sudasaputra.
Os guardas do corpo do príncipe disseram: “Sudasaputra Kalmashapada devora as pessoas, é um
homem que precisamos temer; o nosso exército, mesmo tendo muitos cavalos, elefantes e carros,
retirou-se. O que podemos fazer? Chegou o momento de lidar com ele”. O príncipe consentiu e
não dando ouvidos às súplicas das mulheres e de todo seu séquito, dirigiu-se ao local de onde vinha
o estrondo. O príncipe viu Sudasaputra que, brandindo com fúria a espada e o escudo, perseguia os
soldados do rei. O príncipe corajosamente e sem nenhuma hesitação, disse-lhe: “Sou o príncipe
Chandra, venha à mim”.
Sudasaputra então correu de encontro ao príncipe dizendo: “É você mesmo que eu quero”. Colocou
o príncipe em seus ombros e fugiu para o seu refúgio, um lugar terrível cheio de esqueletos
humanos. A terra era avermelhada devido ao sangue, e o lugar ressoava de espantosos rugidos de
animais ferozes e carnívoros, como chacais, corvos e abutres. A caverna estava enegrecida pela
fumaça dos corpos queimados. Sudasaputra pôs de lado o príncipe e descansou, sem entretanto
desviar o olhar do aspecto atraente do príncipe.
O príncipe recordando que não havia dado nenhuma oferenda ao sapiente brâmane que havia
deixado no bosque, começou a chorar.
“Pare!”, disse Sudasaputra: “Você, príncipe Chandra é famoso pela firmeza de sua mente. É
estranho que chore agora que te capturei. Então é verdadeiro o provérbio que diz: Mesmo uma
mente estável, torna-se inútil na desgraça. A erudição não ajuda no desconforto, porque não existe
ninguém que não trema e experimente um grande medo quando é atingido por tamanha má sorte.
Diga-me a verdade: Choras porque temes que eu te mate, ou porque deverá separar-se de seus
parentes, mulheres, filhos e outros entes queridos? Diga-me sinceramente qual o motivo? ”
“Tinha pedido a um brâmane um ensinamento de Dharma”, replicou o príncipe, “mas não pude dar-
lhe uma oferenda. Permita-me ir até ele e fazer-lhe a oferta, e te prometo sinceramente que voltarei.

“Não pode ser verdade isto que você me diz”, disse Sudasaputra. “Depois de te livrar do Soberano
da Morte, quem retornaria espontaneamente?”
“Por acaso não te dei minha palavra? Sou o príncipe Chandra e para mim dizer a verdade, vale
tanto quanto a minha vida.”
“Não acredito no que você diz, porém fico curioso de te colocar à prova. Vá e veremos se
realmente você honra a verdade; vá até o brâmane, mas volte rapidamente para mim. Eu prepararei
o fogo para te assar.”
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 64
Introdução
O príncipe voltou ao palácio e deu ao brâmane 4.000 onças de ouro como oferecimento pelas
estrofes que lhe tinha ensinado. O pai do príncipe fez o possível para segurá-lo, mas não teve
sucesso, e o príncipe voltou ao covil de Sudasaputra.
“Você parece maravilhado de me ver”, disse o príncipe, “agora pode me comer”.
“Sei que chegou a hora de comer-te” replicou Sudasaputra, “mas o fogo está fazendo muita fumaça.
Se te asso agora, a tua carne se impregnará de fumaça e estragará o sabor. Enquanto isso, diga-me o
que te disse o brâmane de tão importante”.
“As sábias palavras do brâmane ensinaram-me como distinguir entre o que é Dharma e o que não é.
As tuas ações são mais perversas do que aquelas dos canibais raksha. Com que escopo te ensinar
então alguma coisa “?
Sudasaputra não pode suportar tais palavras e disse:
“Pare com isso ! Vocês nobres matam os cervos com os arcos, e tudo isto é seguramente contrário
ao Dharma!”
“Os reis que matam os cervos transgridem o Dharma”, replicou o príncipe Chandra, “todavia comer
carne humana é uma ação extremamente pior. Os seres humanos tem mais valor do que os cervos,
e se é imoral comer a carne de alguém morto por causas naturais, como justificar o assassinato de
uma pessoa para alimentar-se?”
Sudasaputra então respondeu: “Voltando para mim, você provou que não é nem um pouco
esperto!”
“Pelo contrário, voltei para manter a palavra dada exatamente porque sou inteligente.”
“Os outros homens que cairam nas minhas garras ficaram aterrorrizados, mas você demonstrou ser
um herói, não perdeu a calma e não tem medo nenhum de morrer”.
“Aqueles homens estavam cheios de remorso porque se sentiam culpados”, disse o príncipe. “Mas
eu não cometi nenhuma ação negativa, por isso não tenho medo. Te ofereço a mim mesmo. Pode
comer-me!”
Imediatamente, Sudasaputra desenvolveu uma grande fé pelo príncipe. Seus olhos estavam cheios
de lágrimas e com respeito respondeu assim: “Fazer o mal deliberadamente a uma pessoa como
você equivaleria a tomar um poderoso veneno. Por favor, explica-me o que o brâmane te ensinou.”
O Príncipe, nesse momento, sentindo que Sudasaputra tornara-se um receptáculo para o Dharma,
recitou os seguintes versos:

Quando percebo claramente as minhas ações negativas


no espelho do Dharma, a minha mente fica aflita;
por isso me empenharei na prática do Dharma.

O príncipe Chandra também disse:

Sentado em um acento baixo,


desenvolve a dignidade do alto controle
e com os olhos cintilantes de regozijo
beba o néctar destas instruções.
Ouça com respeito e a mente concentrada,
como um paciente que presta atenção em seu médico,
e colhe uma inspiração impecável
ouvindo o Dharma.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 65
Introdução
Sudasaputra estendeu a sua indumentária sobre uma pedra plana e convidou o príncipe Chandra a
sentar-se nela, e assim sentando-se de frente para o príncipe e fitando-o nos olhos, disse: “Oh nobre
ser, agora doa-me os ensinamentos.” O príncipe então iniciou:

Não impora que desejos você possa ter


Encontrar-se por acaso ou mesmo somente uma vez com um ser santo
conduz à estabilidade mental;
Não é preciso encontrá-lo mais vezes.

Desse modo o príncipe pode transformar a mente de Sudasaputra mediante o ensinamento do


Dharma. Sudasaputra para recompensá-lo desta gentileza, libertou os 91 príncipes que mantinha
prisioneiros para depois comê-los. Prometeu-lhe também parar de matar as pessoas e de comer
carne humana.
Por tudo isto, quando ouvirem o Dharma devem examinar continuamente a própria mente. Quando
o fizerem conseguirão obter o controle mesmo que sejam selvagens e incontroláveis como
Sudasaputra. Se, ouvindo o Dharma, vocês ficam indiferentes, não terão nenhum bebefício, mesmo
que o lama seja excelente e as instruções profundas.
Alguns ouvem o Dharma somente para constatar se já conhecem o que é ensinado. Esta atitude não
trás nenhum benefício. Outros prestam atenção somente nas anedotas interessantes e não levam em
consideração os pontos mais profundos do ensinamento.
Uma vez Kelsang Gyatso, o sétimo Dalai Lama, enquanto dava o ensinamento de LAMRIM, ouviu
uma pessoa que fazia o seguinte comentário: “Hoje aprendi algo interessante. O Dalai Lama nos
disse que a fortaleza de Lundrub, na província de Penyul é também chamada fortaleza de May
Cha”.
Outros controlam se os ensinamentos do lama está de acordo com os textos. Lama Tsechod Ling
Rimpoche, um tutor de um dos Dalai Lama disse: “Ouvir um ensinamento deste modo não trará
nunca benefício. Quando se ouve o Dharma é importante integrá-lo à própria mente.”
Quando os lamas ensinam o LAMRIM, o seu principal escopo não é de não cometer nenhum erro,
mas de oferecer aos seus discípulos os instrumentos para obter o controle de sua mente. Os
discípulos não deveriam ter as atitudes acima mencionadas. Tudo que vocês ouvirem de um lama
deve ser colocado em prova permitindo assim e controlar a mente. Deste modo, vocês terão obtido
a primeira grande realização do Dharma.
O ensinamento de um mestre conferido de um trono será muito mais eficaz do que quando vocês o
convidam em casa e oferecem chá e lhe pedem para ensinar.
Do mesmo modo, o esforço do discípulo em corrigir a própria mente em público, é mais eficaz do
que o esforço análogo no adestramento particular da mente. Qualquer coisa que Gueshe Potowa
ensinasse beneficiava a mente das pessoas, mesmo suas anedotas sobre pássaros. Havia um outro
grande estudioso chamado Gueshe Chokyi Oser, cujos ensinamentos não eram tão eficazes, se bem
que suas instruções fossem vastas e profundas.
Alguns disseram a Potawa, que comentou: “Todos esses ensinamentos são excelentes, a diferença é
no modo como são ensinados”. Pediram-lhe para se explicar melhor, e ele respondeu:
“Ele ensina para comunicar os fatos, enquanto eu tenho o escopo de fazer surgir experiências
interiores. Esta é a diferença”.
Gueshe Chokyi Oser, tendo conhecimento disso, foi receber ensinamentos de Gueshe Potowa. Estes
ensinamentos, apesar de não serem novos para ele, revelaram-se de extremo benefício para a
própria mente, e em seguida ele comentou: “Compreendi agora aquilo que não havia nunca
entendido”.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 66
Introdução
Então devemos nos comportar como afirmou Gueshe Tompa:

Os ensinamentos dos mestres do Mahayana


deveriam fazer desabrochar uma compreensão infinita.
Quando são praticados, deveriam ser de benefício
imediato e definitivo.

De acordo com a tradição oral de meu precioso mestre, isto significa que se em uma ocasião são
dadas numerosas instruções de Dharma, o assunto final deveria ser o elemento que aporta ao maior
benefício na mente dos estudantes. Os ensinamentos dessa parte do texto tem o escopo de endereçar
as atividades de ouvir e do ensinamento do Dharma através do caminho autêntico.
Cometer alguns erros no resguardo, poderia se tornar desastroso, assim como quando se calcula mal
a data do 1º dia do mês lunar, calcular-se-á com erro, todos os dias seguintes. Mesmo que o
Dharma que vocês recebam seja profundo e vasto, poderia se transformar em algo negativo que
acresce unicamente vossos defeitos mentais. Seria como transformar um deus em um demônio.
Como isto acontece com freqüência, vocês deveriam ter muita atenção para evitar este
comportamento.

O MODO CORRETO DE ENSINAR O DHARMA (31)

Este capítulo se divide em quatro partes:


1) refletir sobre os benefícios do ensinamento de Dharma;
2) mostrar respeito pelo Dharma e por quem o expõe;
3) como pensar e agir enquanto se ensina, e
4) distinguir entre quem pode receber os ensinamentos e quem não pode.

REFLETIR SOBRE OS BENEFÍCIOS DO ENSINAMENTO DE DHARMA (32)

É essencial que a pessoa que ensina o Dharma não esteja motivada por defeitos mentais.
Vasubandhu afirma no “Tesouro da Metafísica”:

O ato de doar o Dharma


não deveria estar contaminado por defeitos mentais.

É necessário ensinar de modo apropriado o sutra e as outras escrituras. Ensinar com a esperança de
obter oferendas, o respeito dos discípulos ou a fama de grande estudioso tornará seus ensinamentos
nocivos ao invés de benéficos, e os virtudes se esvairão.
Vocês devem ensinar para o benefício dos discípulos de modo compassivo, não considerando os
eventuais benefícios materiais de ensinar. Como disse Lama Yeshe Ghyatso Rimpoche:

Ouvi-o dar ensinamentos


e iniciações de modo apropriado.
Todavia feriu-me profundamente no coração
ver como estava ansioso para receber doações.

Um ensinamento é de benefício quando o professor não se preocupa em obter oferendas materiais.


O “Sutra que Promove um Comportamento Elevado” menciona vinte benefícios:
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 67
Introdução

Maitreya, o ato de doar o Dharma, cumprido


sem nenhum desejo de receber ofertas materiais
ou respeito, possui vinte benefícios. Quais são?
Uma pessoa obterá boa memória, discernimento
maior inteligência, estabilidade, sabedoria e sabedoria transcendente;
e assim diminuirá o apego, a aversão e a ignorância
obscurecida; não será subjugada por forças negativas;
será respeitada por Bhagavans, Budas e estará protegida pelos espíritos,
conquistará o esplendor dos seres divinos;
não será nunca destruído por inimigos, e não será separada
de seus entes queridos, será respeitável, corajosa,
obterá a paz mental e será louvada pelos estudiosos.
Seu ato de doar o Dharma será digno de lembrança.

O primeiro destes benefícios “obter uma boa memória”, significa que não se esquecerá o Dharma.
Ter “discernimento” indica a compreensão da verdade convencional, que surgir através da
sabedoria da contemplação. Ter “maior inteligência” indica a compreensão da verdade absoluta,
obtida através da sabedoria que surgir da meditação.
“Estabilidade” significa que este conhecimento não se perderá; “sabedoria” indica a sabedoria
ordinária adquirida dos caminhos da acumulação e da preparação; “sabedoria transcendente” é a
sabedoria adquirida dos caminhos da visão e da meditação.
Seis destes vinte benefícios têm resultados correspondentes à causa inicial, quatro são resultado da
separação, nove benefícios tem resultados ambientais e um resultado é aquele do amadurecimento
cármico (ver 13º dia).

Pabonka Dordje Chang explicou este argumento de modo mais detalhado do que está aqui
relatado.

Outros benefícios são mencionados no “Sutra Pedidos por Ugra”, onde se afirma que um monge,
mediante o ato de doar mesmo que um só verso de Dharma, conquista virtudes maiores do que um
leigo que cumpre inumeráveis atos de generosidade material. Desse modo, vocês terão desejo de
ensinar e conhecer a felicidade que isto proporciona. Não somente quem ensina o Dharma de um
trono elevado, mas também professores que se ocupam dos alunos recebem estes benefícios.
Quando vocês memorizam ou recitam um texto de Dharma, deveriam visualizar que o lêem para
uma assembléia de seres divinos, nagas e outros seres que nos circundam. Podemos receber
extraordinários benefícios simplesmente citando o modo justo de comportar-se em uma simples
conversação.
Todavia, em todas estas várias situações dever-se-ia distinguir entre os momentos em que o
professor adquire a função de mestre e aquela em que ele não age como tal.

MOSTRAR RESPEITO NOS CONFRONTOS DO DHARMA E POR QUEM O EXPÕE (33)

Nawang Dragpa di Dagpo afirmou: “Buda, o nosso Mestre, quando ensinou a Mãe dos Vitoriosos,
o ‘Sutra da Perfeição da Sabedoria’, preparou com suas próprias mãos, que eram adornadas pelos
sinais próprios de um Buda e maravilhosas como ramos dourados, um trono para os ensinamentos.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 68
Introdução
Preparar o assento no qual será ensinado o Dharma e outras ações similares mostram o grande
respeito que se deve manifestar quando se ensina o Dharma. Quando houve a primeira assembléia
budista, Ananda e outros discípulos que declamavam os discursos de Buda, sentaram sobre uma
pilha de 500 vestes cor de açafrão cedidas pelos outros Arhats para demonstrar respeito à grandeza
do Dharma. (Aqui, acrescentaria que as três vestes dos monges representam as vestes utilizadas por
Buda, todavia nos dias de hoje muitos monges usam seus xales para limpar objetos ou mesmo como
travesseiro, o que é totalmente incorreto.) O professor deveria enfim, demonstrar respeito pelo
Mestre, Buda Shakyamuni, relembrando suas qualidades excelentes e sua bondade.

COMO PENSAR E AGIR ENQUANTO SE ENSINA (34)

COMO PENSAR (35)

Nawang Dragpa di Dagpo disse:

Liberte-se da avareza, de louvar você mesmo


e do torpor durante o ensinamento;
não discuta defeitos dos outros,
não adie o ensinamento, e não seja invejoso.
Medita no amor por teus discípulos e, desenvolvendo as
cinco qualidades positivas, reflita que ensinar de modo
correto constitui o fundamento da felicidade de quem ensina.

Não renuncie ensinar qualquer ponto essencial do ensinamento, porque seria uma forma de avareza
nos confrontos do Dharma. Quando vocês forem ensinar, não deverão se louvar dizendo: “No
passado, fiz isto e aquilo”. Não deverão se sentir enevoados enquanto ensinam, e não deverão
discutir erros dos outros, com uma motivação de apego ou de aversão. Não deverão ser
preguiçosos, e adiar um ensinamento porque na realidade não estão com vontade de dá-lo. Deverão,
sim, abandonar a inveja, quando outros obtém reconhecimento. Deverão sentir grande compaixão e
amor por vossos discípulos e manter os cinco reconhecimentos, que são idênticos a cinco dos seis
reconhecimentos que favorecem ouvir explicados com antecedência, porque o reconhecimento que
a prática constante do Dharma é a cura dos defeitos mentais, e que isto tudo resguarda unicamente
os discípulos. Em outras palavras, estes cinco reconhecimentos são: os ouvintes são como os
pacientes, o Dharma é o remédio, quem ensina é o médico, e assim por diante. Além destes cinco
reconhecimentos, vocês deverão também refletir que a virtude que resulta em ensinar de modo
correto é a própria felicidade.

COMO AGIR (36)

Antes de iniciar o ensinamento, o professor deve lavar-se e colocar roupas limpas. Depois, sentado
em um trono elevado, deverá utilizar brilhantemente analogias, citações e provas lógicas, de modo
a esclarecer o significado do ensinamento.
Todavia, eu sinto embaraço ao me sentar em um trono elevado, frente a numerosos lamas
reencarnados sentados abaixo de mim. Apesar deste embaraço, sento aqui somente por respeito à
grandeza do Dharma. Com efeito, é maravilhoso que este hábito não tenha desaparecido na
Província Central e no U- Tsang.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 69
Introdução
Quando vocês estão ensinando devem sempre ter um aspecto sorridente para com os discípulos.
Longdol Lama Rimpoche, sempre reprovava seus discípulos e, quando ensinava, ameaçava-os
com uma vara.
Se vocês se confundirem na sequência dos pontos essenciais, o seu ensinamento resultará
desordenado como o ninho de um corvo.
Vocês não deverão se descuidar dos pontos difíceis, para ensinar só o que é fácil explicar, tal como
os anciões lambiscam seu alimento.
Não deverão por causa da escassa compreensão do real significado das instruções, ensinar de
modo ilógico, como um cego que avança com dificuldade com sua bengala. O meu precioso
mestre, meu refúgio supremo, deu-me as seguintes instruções: Quando vocês se preparam para
ensinar o Dharma, deverão desenvolver a motivação correta, enquanto vocês se deslocam do quarto
até o local dos ensinamentos. Imaginem que os mestres da linhagem daqueles ensinamentos que
estão para dar, sentem no seu trono, um acima do outro, então façam a eles três prostrações.
Depois os mestres se dissolvem uns nos outros, até absorverem-se no seu principal mestre, e
quando vocês sentarem no trono, eles se absorvem dentro de vocês. Depois de ter sentado, vocês
devem estalar os dedos para lembrar da impermanência recitando versos como esse:

Como uma chama de uma lâmpada de manteiga ondula


e ilumina por pouco tempo,
a felicidade é uma ilusão,
e tem a duração de uma bolha de sabão,
de um sonho, de um lampejo de luz
ou de somente um dia.
Todos os fenômenos condicionados
possuem esta natureza.

Vocês deveriam pensar: “Eu sou impermanente desse mesmo modo”.


Deveriam eliminar cada opinião exagerada que têm de si próprios, ou então como disse o meu
lama, poderão se tornar orgulhosos quando sentarem em um trono elevado, pensando: “Agora me
tornei uma pessoa importante”. Se bem que tradições anteriores aconselhassem a recitar alguns
mantras para derrotar forças negativas, nós agora recitamos o “Sutra do Coração” e batemos uma
mão na outra por 3 vezes. Je Drubkang Gueleg Gyatso habitualmente seguia a tradição de recitar
lentamente a melodia das práticas preliminares. Algumas pessoas lhe recomendaram abreviá-las,
porque subtraíam tempo para a explicação dos ensinamentos. “O que vocês estão dizendo?”,
replicou Je Drubkang: “O sucesso da explicação depende inteiramente das práticas preliminares”, e
não as abreviou. Como já expliquei, vocês poderão obter o primeiro tipo de realização do caminho
gradual durante o ensinamento, todavia deverão criar condições para que isto aconteça. O
desenvolvimento dessas realizações depende da acumulação de virtude e sabedoria, que se obtém
purificando os próprios obscurecimentos, fazendo pedidos através de rezas e assim por diante.
Precisa refletir desse modo durante a recitação das práticas preliminares. Não deverão se distrair
durante toda a recitação, pronunciando sem estar ciente das palavras. Considerar com seriedade a
acumulação de virtudes, a purificação e a prece de pedidos dirigidas ao Campo de Virtudes, por que
são essenciais para desenvolver a profunda compreensão intuitiva dos vários objetos que ouvirão
durante os ensinamentos.
Depois da oferenda do mandala, em sinal de respeito e bênçãos, apóiem com devoção o texto na
sua fronte e reconfirmem a sua motivação. Rezem até que os seus ensinamentos resultem em
benefício para as mentes dos que ouvem. Esta prática surgiu com o grande Je Drubkang que
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 70
Introdução
encostava o texto na sua fronte ou seu chapéu e recitava uma prece. Os versos de refúgio que são
recitados antes dos ensinamentos são levemente diferentes dos habituais e são os seguintes:

Até a iluminação, tomo refúgio em Buda,


em Dharma e na Suprema Assembléia.
Pelas virtudes de ouvir, da generosidade e das outras perfeições,
possa realizar o estado de Buda para o benefício de todos os seres.

O lama recita: “a causa dos virtudes que derivam de doar o Dharma...”, enquanto os discípulos
recitam: “a causa do virtude surgido por ouvir o Dharma...”
Uma outra tradição consiste em ler em voz alta a parte do texto do LAMRIM que será ensinada. A
melhor coisa é que a leitura seja feita pelo mestre a cada dia, ou pelo menos nos dois primeiros
dias, e em seguida, o discípulo principal continua a leitura.
Quando estiverem ensinando, deverão imaginar que seres divinos como Indra, os Nagas e os outros
espíritos terão corrido para escutar e então deverão cumprir o mudra do ensinamento do Dharma
recitando os seguintes versos: “divindades e espíritos...”
O mestre também deverá imaginar que enquanto os seres divinos não suportam sentar no terreno,
deveria ser concedido a eles a permissão para permanecer ouvindo suspensos no ar. Quem quer que
tenha a responsabilidade de preservar o Dharma deveria se lembrar dessas tradições.

DISTINGUIR ENTRE QUEM PODE RECEBER OS ENSINAMENTOS E QUEM NÃO PODE


(37)

Em geral como esta dito na Transmissão do Vinaya: “não ensinem se não for pedido”, vocês
também não devem aceitar dar o ensinamento na hora que foi pedido. Em sinal de humildade,
deverão dizer: “não compreendo de modo apropriado este argumento, por isso não posso dá-lo”, ou
mesmo: “como poderei ensinar este objeto a pessoas eruditas como vocês?” Deverão verificar a
sinceridade deste pedido e dar ensinamentos somente quando vocês tem certeza de quem está
pedindo é um receptáculo adaptado para recebê-los. O “Sutra Soberano dos Samadhis” afirma:

Prakasha, antes de tudo pronuncia estas palavras:


“não estudei o suficiente”. Ou mesmo poderia dizer:
“como poderia ensinar a pessoas como vocês tão sábias e instruídas?”

Existem situações especiais em que se deve ensinar mesmo que não tenha sido pedido. Como
afirmou Je Tsong Khapa: “se uma pessoa é um receptáculo certo, de-lhe o ensinamento mesmo que
não tenha pedido”.
É necessário seguir também as 26 regras expostas no Vinaya: enquanto vocês estão de pé não
devem ensinar a quem está sentado, a quem se deita no chão ou mesmo a pessoas que sentam num
assento mais alto do que de vocês, etc.
Agora passemos a terceira divisão principal:

O MODO DE CONCLUIR O ENSINAMENTO POR PARTE DO MESTRE E DISCÍPULO (38)

Após a oferenda do mandala de agradecimento, o mestre e os discípulos deverão dedicar os virtudes


acumulados no decurso dos ensinamentos à obtenção da completa iluminação e à preservação do
Dharma, recitando a prece do LAMRIM. No final dos ensinamentos, os presentes não devem sair
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 71
Introdução
correndo. A prática correta consiste em sair de modo comum com um sentimento de desprazer por
ter que se separar do mestre e do seu ensinamento.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 72
Introdução

Parte Dois
Os Ritos Preparatórios

Quarto Dia
Pabonka Dordje Chang começou o ensinamento com estas palavras:

Como disse o glorioso Chandrakirti:

Tendo conseguido a liberdade de agir


e uma condição favorável,
se uma pessoa não aproveita e perde esta oportunidade,
caindo no abismo dos reinos inferiores,
quem poderá novamente libertá-la?

Neste momento, tendo obtido o precioso renascimento humano, evitamos as condições


desfavoráveis e conquistamos uma existência dotada de liberdade e conquistas. Mas, se não
aproveitarmos a situação atual e não praticarmos o Dharma, não poderemos realizar o nosso escopo
definitivo e decairemos no abismo dos estágios inferiores, onde não teremos nenhuma oportunidade
de ouvir a palavra Dharma. Uma vez estando ali, quem poderá libertar-nos? Por isso, como
possuimos ainda esta liberdade, deveremos fazer todo o possível para obter a nossa meta definitiva,
e assim os ensinamentos do caminho gradual nos fornecerão o método apropriado.
Por isso, deveremos pensar assim: “Obterei o estado de Buda para o benefício de todos os seres
sencientes, por este motivo ouvirei e colocarei em prática as instruções dos estágios do caminho
para a iluminação”. Ouçam o ensinamento somente após ter desenvolvido esta motivação.
Qual é o ensinamento que vocês ouvirão? Trata-se do Dharma da tradição do Supremo Veículo, o
Mahayana, e é o Dharma que conduz os afortunados ao estado de Buda.

Após esta introdução, Pabonka Rimpoche elencou as divisões principais do texto exposto até este
dia, resumiu brevemente o argumento do dia anterior e assim deu início ao ensinamento

O MÉTODO PARA GUIAR OS DISCÍPULOS ATRAVÉS DO ENSINAMENTO EFETIVO (39)

Este capítulo tem duas divisões: 1) o fundamento do caminho: a devoção a um guia espiritual e 2)
o adestramento correto gradual necessário, depois de confiar em um guia espiritual.
Até os títulos das várias seções das obras do grande Je Tsong Khapa revelam os pontos essenciais a
respeito da prática. As palavras “fundamento do caminho” tem o seguinte significado; do mesmo
modo que as folhas e os frutos de uma árvore dependem de suas raízes, assim as profundas
intuições e as realizações espirituais – desde a obtenção do precioso renascimento humano até
alcançar o “estado de unificação” – derivam da devoção correta a um guia espiritual. A terminação
“após” no título “Adestramento gradual empreendido após ter confiado em um guia espiritual”
indica que experimentar a devoção e servir ao próprio guia espiritual torna-se a fonte e origem de
todo conhecimento que se conseguirá no caminho.
É então fundamental dedicar-se desde o início a um guia espiritual.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 73
Introdução
O que tratamos até agora está contido na “Grande Exposição do Caminho”; de agora em diante as
subdivisões seguirão a estrutura do “Caminho Veloz”, que difere levemente da “Grande
Exposição”.

O FUNDAMENTO DO CAMINHO: A DEVOÇÃO A UM GUIA ESPIRITUAL (40)

Este capítulo tem duas divisões principais: 1) o que é necessário fazer durante as seções de
meditação; 2) o que fazer nos intervalos entre as seções de meditação.
Esta dupla subdivisão, uma para as seções de meditação, outra para os intervalos entre as seções, é
importante porque a prática cotidiana se divide entre períodos de meditação e períodos de intervalo.
Cada ação de corpo, palavra e mente se cumpre de fato durante uma seção de meditação ou mesmo
em um intervalo entre uma seção e outra. Tornando proveitosos ambos os períodos, toda a jornada
tornar-se-á significativa. Se vocês conseguirem seguir constantemente este comportamento, cada
mês, cada ano, enfim, a vossa vida inteira vai se tornar plenamente significativa.

O QUE É PRECISO FAZER DURANTE AS SEÇÕES DE MEDITAÇÃO (41)

Este capítulo tem três divisões: 1) as práticas preliminares; 2) a parte principal da seção; e 3) a parte
conclusiva.
É um erro descuidar da importância das partes preliminares; se, por exemplo, vocês querem tomar
uma boa xícara de chá, em primeiro lugar vocês deverão adquirir uma boa qualidade de chá; do
mesmo modo, para desenvolver na nossa mente as autênticas experiências durante a parte principal
da sessão de meditação, em primeiro lugar deverão executar de modo correto as práticas
preliminares.

AS PRÁTICAS PRELIMINARES (42)

São seis: 1) limpar o local de meditação e preparar os símbolos do corpo, da palavra e da mente
iluminados. 2) cuidar das oferendas de modo correto e prepará-las com cuidado; 3) sentados em
posição confortável, adotar a postura de Vairochana das oito características, tomar refúgio,
desenvolver a bodhicitta, etc, com uma atitude particularmente positiva; 4) visualizar o campo de
virtudes e fazer pedidos; 5) cumprir a prática dos “Sete Ramos” e a oferenda do mandala – estas são
práticas que contém os elementos principais para a acumulação de virtudes e a purificação dos
defeitos mentais; e 6) pedidos posteriores de acordo com as instruções orais.

LIMPAR O PRÓPRIO QUARTO E PREPARAR OS SÍMBOLOS DO CORPO, FALA E MENTE


ILUMINADOS (43)

A biografia de Guru Suvarnadvipi nos oferece um exemplo de como se deveria limpar o próprio
quarto de meditação. A fonte desta prática é um Sutra que afirma:

Os Bodhisattvas sentam de pernas cruzadas em um ambiente limpo...

Vocês devem limpar o quarto. Para demonstrar respeito ao vosso mestre, aos Vitoriosos e a seus
filhos que vocês convidaram para o lugar em que meditam. Se o vosso mestre ou qualquer pessoa
importante viesse visitá-los, com certeza vocês limpariam o quarto, não é assim?
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 74
Introdução
Se vocês o fizerem com a mesma motivação dos servidores leigos do Potala, de Sera ou de
Drepung, que abrem suas mansões só por interesse ou para causar uma boa impressão às pessoas,
não conseguirão grande benefício. Pelo contrário, deverão fazê-lo por respeito ao Campo de
Virtudes que vocês convidaram ao vosso quarto, como prática preliminar a uma meditação
particular do LAMRIM, com o escopo definitivo de obter o estado de Buda para o benefício de todos
os seres sencientes.
Pensar desse modo é muito útil. Um Sutra descreve cinco vantagens que derivam desta prática : a
própria mente e a dos outros tornar-se-á clara, as divindades ficarão satisfeitas, criar-se-á um carma
para obter um belo aspecto físico e enfim, deixando o próprio corpo, renascer-se-á nos reinos
superiores. O meu precioso mestre me disse que os deuses que detém a virtude visitam
constantemente o reino humano e protegem as pessoas que praticam o Dharma corretamente.
Mas o fato de não limpar o próprio quarto os desencoraja, por isso, não podem oferecer proteção,
porque evitam lugares sujos.
Entretanto, limpando o seu quarto, satisfaz também o vosso mestre, os Budas e outras divindades.
Desenvolver o carma para obter um aspecto belo, não se refere somente à beleza exterior, mas
também à obtenção de uma ética pura. Mesmo que uma pessoa possa não ser fisicamente atraente,
se possui uma moralidade, aparecerá maravilhosa aos olhos dos Budas e de seus filhos. Como disse
o Grande Je Tsong Khapa:

Para as pessoas inteligentes, a elegância consiste em vestir-se


de moralidade e de humildade, não de sedas refinadas.
A eloquência e não os colares adornam seu pescoço.
E a jóia que adorna suas cabeças é um mestre,
não uma gema preciosa.

Quando se fala do benefício de renascer nos reinos superiores, aqui se entende sobretudo como as
terras puras dos Budas.
Arya Chudapanthaka obteve o estado de Arhat, somente limpando a própria moradia.
Contarei brevemente a sua história:
Na cidade de Shravasti havia um brâmane. Todos seus filhos haviam morrido logo após o
nascimento, e uma das velhas mulheres da vizinhança lhe disse : “Se você tiver um outro filho,
chama-me”.
O brâmane teve um outro filho e então mandou chamar a mulher. Ela lhe disse para lavar o menino,
enfaixá-lo, passar manteiga em seus lábios e entregá-lo aos cuidados de uma garota. Depois, disse à
garota para levar o menino à um cruzamento, onde se encontravam quatro estradas preferenciais. A
garota deveria homenagear qualquer asceta ou brâmane que passasse por lá, dizendo-lhes: “Este
menino te rende homenagem, bondoso homem”. Se o menino sobrevivesse, deveria voltar com ele
ao pôr do sol; se ao invés disso, ele morresse, deveria abandoná-lo.
A menina foi muito conscienciosa e passou o dia no grande cruzamento. Primeiramente, passaram
alguns hindus e a menina prosseguiu com as ordens da velha. Os sacerdotes disseram: “Possa esta
criança sobreviver, possa ter longa vida e possa outorgar os desejos de seus pais”. Em seguida,
passaram alguns monjes budistas, que disseram palavras parecidas. Depois, a jovem levou o menino
para a estrada que conduzia ao bosque de Jetavana, e lá encontrou Buda mendigando. Fez aquilo
que havia feito antes e também Buda disse o que lhe haviam dito os outros, mas acrescentou:
“Possam seus pais outorgar cada aspiração de Dharma”. Chegou o pôr do sol e a garota, vendo que
a criança ainda estava viva, a levou para casa. Lá foi-lhe dado o nome de Mahapanthaka (Grande
Caminho) por causa que ele tinha sido levado pela estrada.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 75
Introdução
Mahapanthaka, crescido, tornou-se um erudito em conhecimento védico e dividiu os ensinamentos
com uma centena de jovens brâmanes.
Seu pai, o brâmane teve outro filho homem e novamente mandou chamar a velha mulher. Mas
desta vez confiaram o menino a uma menina indolente, que o levou a uma estrada secundária, onde
não passavam nem ascetas, nem brâmanes. O Buda, que noite e dia zela por todos os seres, sabendo
que ninguém iria percorrer aquela estrada foi até o menino. A garota pediu e ele proferiu as
mesmas palavras que havia pronunciado anteriormente. Mais tarde, a garota vendo que a criança
ainda vivia, a levou para casa. Este filho recebeu o nome de Chudapanthaka (Pequena Estrada).
Crescendo tentou aprender a ler. Estudando palavras como “siddham”, quando conseguia ler a
palavra “sid”, esquecia o “dham”, quando aprendia “dham”, esquecia “sid’. O professor de
Chudapanthaka disse ao pai, o brâmane : “Devo ensinar muitos outros jovens brâmanes a ler. Não
posso ensinar somente a ele”.
Chudapanthaka foi convidado por um erudito dos Vedas para que o ensinasse a ler. Em primeiro
lugar, deveria aprender “Om Bhu”. Quando conseguia compreender “Om”, já havia esquecido o
“Bhu”, e vice versa. Ao final, levou ao desespero até este professor. O mestre disse ao pai do
garoto: “Mahapanthaka, o teu outro filho compreende bem, mesmo com poucas explicações, mas a
Chudapanthaka não consigo ensinar, e tenho outros garotos para seguir.
Assim o nome Chudapanthaka tornou-se sinônimo de obtuso, “de obtuso entre os obtusos”e de
“inferior entre os inferiores”.
Os pais morreram. Mahapanthaka tornou-se um monge budista que após ter estudado as “Três
Cestas”da doutrina budista, tornou-se um Arhat. A herança de Chudapanthaka logo terminou e
então ele foi morar com o irmão mais velho. Mahapanthaka examinou o irmão para ver se tinha
potencial para aprender o Dharma, e assim, descobrindo que poderia ajudá-lo a desenvolver a
compreensão dos ensinamentos, conferiu-lhe a ordenação monástica. Chuda passou três meses
seguidos tentando aprender estes versos:

Não cumprir qualquer ação negativa com o corpo, com a palavra e a mente.
Liberte-se do apego a tudo que você percebe, seja ciente e vigilante:
evita tudo que possa te causar dano e seja fonte de sofrimento.

Até os pastores do lugar, que ouviram os versos por acaso aprenderam, mas Chuda não conseguia.
Arya Mahapanthaka pensou que se para adestrar Chuda, deveria encorajá-lo ou criticá-lo.
Compreendendo que as críticas seriam mais eficazes, pegou-o pelo pescoço e enxotou-o do bosque
de Jetavana dizendo-lhe:
“Você é o mais tolo dos tolos, o que mais você poderá obter sendo monge? Vá embora!”
Chuda pensou consigo mesmo: “Ora, não sou mais nem um asceta, nem um brâmane” e começou a
chorar copiosamente. O Buda movido por grande compaixão foi à ele e perguntou-lhe:
“Chuda, porque choras? “, “O meu mestre me reprovou”. E o Buda disse:

As coisas louvadas pelos estúpidos


são desprezadas pelos sábios.
Melhor ser desprezado por um sábio,
que louvados por um estúpido.

“Filho, o teu mestre não revelou este ensinamento depois de ter superado numerosas dificuldades
por três inumeráveis éons, de modo a completar as seis perfeições. Eu cumpri isto tudo. Estaria
você pronto para estudar com o Tathagata?”
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 76
Introdução
“Ó Venerável”, disse Chudapanthaka. “Eu sou o mais tolo dos tolos, sou extremamente obtuso.
Como poderia estudar? “ e o Buda respondeu:

“O estúpido que sabe que é assim,


é na realidade um sábio.
O estúpido que crê ser um sábio
é o mais estúpido de todos.

O Buda deu a Panthaka estas simples frases para ele decorar: “Estou eliminando o pó, estou
eliminando a sujeira”. Mesmo assim, mais uma vez Chudapanthaka não conseguiu aprender. O
Bhagawan Buda pensou então: “Farei de um jeito que purifique o próprio carma negativo” e lhe
pediu:
“Você saberia limpar as sandálias de um monge? e Chuda respondeu: “Sim, Venerável, posso fazê-
lo?”
“Então limpe as sandálias e os sapatos dos monges”, disse Buda. “E vocês monges deverão permitir
que ele o faça, de modo que possa purificar o próprio carma negativo. Recitem estas palavras até
que ele aprenda.”
Depois, quando Chuda havia conseguido aprender estas duas frases, o Buda disse: “Não precisa
mais limpar as sandálias, repita estas frases, enquanto você limpa o templo.”
Com o encargo de varrer o templo, Chuda cumpriu este compromisso com grande perseverança.
Todavia, enquanto terminava de varrer o lado direito do templo, o lado esquerdo já estava sujo, e
enquanto limpava o lado esquerdo, o direito já estava novamente cheio de sujeira. Tudo isto
acontecia por intervenção de Buda. Dessa forma, Panthaka continuou a limpar com grande
perseverança e seus obscurecimentos cármicos foram purificados. Ele pensou: “Quando o Mestre
me ensinou estas frases: Estou eliminando o pó, estou eliminando a sujeira, entendia como sujeira
interna ou externa?” E assim vinham à mente estas três estrofes, que nunca havia ouvido antes:

“Sujeira” indica apego, e não o sujo.


Os sábios removem este tipo de sujeira e
seguem escrupulosamente os ensinamentos dos Sugatas.

A segunda e a terceira estrofes são iguais à primeira , exceto pelo fato de que ódio e ignorância
substituem a palavra apego (agarramento).
Meditando sobre estas estrofes, no final Panthaka atingiu o estado de Arhat.
Os versos citados se encontram nos Sutras. Os textos sobre as práticas preliminares e a tradição oral
dos mestres reportam à esta versão:

A “sujeira” não é a sujeira que se encontra na terra


é a sujeira do agarramento.

Deste modo, pode-se compreender mais facilmente como aplicar tudo isto à própria prática. O
Buda, querendo render louvor às qualidades de Panthaka, disse à Ananda: “Ananda, diga à
Panthaka para ensinar o Dharma às monjas e diga a elas: Agora o vosso mestre é Panthaka”.
Panthaka compreendeu que Buda queria expor suas boas qualidades e prometeu seguir este
conselho. As monjas se maravilharam e disseram: “Olhem de que forma nós mulheres fomos
humilhadas! Se ele não conseguiu aprender um simples verso em três meses, como poderia ensinar
a nós, que detemos as Três Cestas?”
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 77
Introdução
Algumas disseram: “Faremos qualquer coisa para não ter nada a ver com este ignorante”. Doze
monjas se reuniram, algumas construíram um trono muito elevado para os ensinamentos, sem
degraus para ele subir. Outras foram para a grande cidade de Shravasti e anunciaram aos habitantes:
“Amanhã chegará um grande e extraordinário discípulo de Buda. Todos que já ouviram os
ensinamentos, mas ainda não perceberam a Verdade (ou seja, atingir o estágio da visão) deveriam
vir escutá-lo; caso contrário, deverão vagar ao longo no Samsara”.
Milhares de pessoas chegaram para ouvir os ensinamentos. Algumas foram por curiosidade, outras
para desenvolver virtudes positivas.
Naquele dia, Panthaka saiu para a coleta. Em seguida, saindo de um profundo absorvimento
meditativo, acompanhado por outros monges foi para um local de retiro da estação das chuvas,
onde residiam as monjas e onde deveria ensinar à elas o Dharma. Enquanto se aproximava do
trono, vendo que era muito alto pensou: “Ou elas têm muita fé em mim, ou então estão me
colocando à prova”. Após ter refletido um instante, entendeu que tentavam escarnecê-lo. Esticou o
braço como um elefante faz com sua tromba e abaixou o trono. Alguns perceberam, outros não.
Sentou-se no trono e entrou em absorvimento e em cada um dos quatro pontos cardeais manifestou
quatro tipos de emanações miraculosas, que depois se reabsorveram nele. Depois retornou ao trono,
que agora era sustentado por leões.
“Irmãs”, disse ele, “demorei três meses para aprender uma só estrofe. Agora, pelos próximos sete
dias vou explicar o significado. Quando o Bhagawan disse: “Não ajam de modo negativo com o
corpo, com a palavra e com a mente”, queria nos ensinar como abandonar as 10 ações negativas.
Quando disse: “Tudo aquilo que percebemos” se referia aos cinco agregados. A palavra “aflige” se
refere ao apego, aversão e ignorância que condicionam os agregados...”
Depois de ter ensinado em detalhes somente o significado da primeira metade desta estrofe, 12.000
pessoas entre as presentes chegaram à realização da verdade absoluta e realizaram um ou mais de
um dos quatro resultados do caminho.
Alguns geraram a aspiração para obter a iluminação segundo o caminho dos Ouvintes, outros
segundo o caminho dos Realizadores Solitários, e outros ainda pela Completa Iluminação do
Caminho Mahayana. Substancialmente todos geraram grande fé nas Três Jóias.
Quando Panthaka voltou a Jetavana, o Buda declarou: “Entre os meus discípulos, Panthaka é o mais
hábil ao provocar mudanças positivas na mente dos seres”.
Por isso, é um erro pensar que só a meditação é importante, enquanto ações como limpar não o
seja. Até o leigo Anathapindika (o homem que doou à Sangha o bosque de Jetavana) se
apresentava todos os dias para limpar o bosque.
Um dia, como estava muito ocupado para fazê-lo e não havia ninguém para limpar o local o Buda
mesmo - como nos contam os Sutras - limpou o bosque com suas próprias mãos, que pareciam
ramos dourados.
O meu precioso mestre sempre me contava que as várias reencarnações do onnisciente Dalai Lama
daria um autêntico exemplo de vida espiritual, quando faziam as práticas preliminares.
Os vários Dalai Lama usavam tão energicamente suas vassouras que elas perdiam toda a crina e
ficavam parecendo rabos de asno. Muitas destas vassouras foram conservadas em xales amarelos
que foram enrolados em seus cabos (para indicar que pertenceram ao Dalai Lama).
Trata-se de um importante detalhe histórico, que demonstra que principiantes como vocês deveriam
considerar seriamente estas práticas.
A coisa melhor a fazer é limpar o vosso quarto, quer esteja sujo ou não, antes de cada sessão de
meditação, ou pelo menos uma vez ao dia. O método é o seguinte: após ter desenvolvido a
motivação como expliquei anteriormente, imaginem varrer a sujeira que obscurece o vosso
continuum mental e aquele de outros seres. Imaginem que entre as atividades que são cumpridas (a
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 78
Introdução
habilidade de cumprir o benefício dos seres espontaneamente e sem esforço), da maturação (a
habilidade de manifestar emanações em um milhão de mundos, fazendo amadurecer os seres até
com um pequeno verso de Dharma) e da purificação (as práticas que consentem criar uma terra
pura dos Budas), a ação de limpar torna-se a causa de uma purificação que nos permite alcançar a
terra pura dos Budas. Enquanto vocês estiverem varrendo, recitem versos como aqueles da estória
de Chudapanthaka.
Recitem: “Estou eliminando a sujeira, estou eliminando a poeira “ou mesmo a seguinte estrofe:

“Sujeira” indica apego, e não o sujo.


Os sábios removem este tipo de sujeira e
seguem escrupulosamente os ensinamentos dos Sugatas.

Continuando a limpeza, poderão repetir o primeiro verso substituindo apego por aversão e depois
por ignorância. Quando a sua prática principal é a devoção a um guia espiritual, os versos são
modificados desse modo: “Sujeira é a falta de devoção, não o sujo...”
Poderão aplicar o mesmo sistema a todos os objetos de meditação. Praticando a consciência
discriminativa poderão recitar: “A sujeira não é o pó, mas o apego à uma realidade intrinseca dos
fenomenos”.
Vocês deveriam saber como modificar a recitação para adaptá-la à cada tipo de prática particular
que estão cumprindo.
Se vocês estão muito velhos ou doentes, façam um de seus estudantes limpar, enquanto vocês
recitam versos e fazem as visualizações. Cada vassourada produzirá um benefício proporcional à
pureza da sua motivação. Fora do quarto coloquem quatro montes de pedras, visualizando-as como
as quatro divindades Maharajas, ou mesmo uma só, visualizando-a como a divindade Vaishravana.
Tudo isto tem um grande significado e traz muitos benefícios como a eliminação das interferências
e a obtenção de uma moralidade pura. Se vocês vivem em um grande monastério, não é preciso
colocar as pedras para fora de seus quartos. Neste caso, poderão visualizar os muros externos como
as divindades Maharajas; esta tradição particular vem de Je Jamgon Rimpoche.
O argumento seguinte resguarda a preparação do altar com as representações do corpo, palavra e da
mente iluminados. O mestre Buda e as divindades deverão ser colocadas na mesma ordem em que
aparecem no Campo de Virtudes (ver o 5º dia). Todavia vocês poderão variar levemente esta
ordem, quando a diferença das dimensões das representações complicam a disposição no altar.
Alguns, pensando que têm maior poder, dispõe as figuras dos Protetores do Dharma ou dos
Protetores terrenos em posição proeminente em relação às representações de Buda.
Este é um sinal claro que estas pessoas desenvolveram um puro refúgio nas Três Jóias. Outros
colocam as estátuas de ouro, de prata ou de bronze em posição mais elevada do que aquelas feitas
de terracota.
Isto indica que eles consideram estas figuras somente como objeto de valor material. Com relação
às Tankas, não é correto dispô-las segundo sua antiguidade ou segundo seu estado de conservação.
Algumas pessoas penduram estas pinturas como cortinas nas portas. Tudo isto é incorreto. Amiúde
estas pessoas dormem com os pés dirugidos às figuras dos Budas e Bodhisattvas, sinal grave da
falta de respeito e sinal claro que não tomaram refúgio nas Três Jóias de modo correto. Outros
tratam estátuas e pinturas gastas como refugo, e as acabam abandonando ao longo da estrada. Isto
equivale a jogar fora os próprios virtudes: vocês devem considerar estas estátuas e representações
como se fossem verdadeiramente o Buda ou o Bodhisattva que representam.
Mesmo que vocês não possuam muitos símbolos do corpo, palavra e mente iluminados, deveriam
possuir ao menos uma imagem de nosso mestre Shakyamuni, para poderem se lembrar de Buda, e
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 79
Introdução
uma imagem de Tsong Khapa, para poderem se lembrar do Mestre. Uma cópia dos “Contos das
Qualidades similares à Jóias”, ou uma cópia de um texto de LAMRIM pode servir como símbolo da
palavra iluminada. Como representação da mente, vocês devem ter ao menos uma tsatsa de argila;
se vocês possuem um Vajra e um Sino, deverão colocá-los como símbolo da mente iluminada.
Algumas pessoas consideram o vajra e o sino como objetos ordinários; todavia como representam a
mente iluminada, tratá-los com pouco respeito é um erro grave.
Embora seja necessário preparar o altar somente uma vez com estas representações, o cumprimento
correto desta prática implica desenvolver a devoção a cada dia, cientes que esses são realmente o
objeto que representam.
Tendo observado uma infinidade de vezes as imagens das estátuas e os objetos rituais que vocês
tem no quarto, poderão pensar: “Estas imagens me são familiares, porque deveria prestar atenção
nelas todos os dias? Mas isto é um erro, porque cada vez que vocês as observam, vocês depositam
extraordinária “impressão” no vosso continuum mental. Fala-se que observar imagens de seres
divinos é dezesseis vezes maior o benefício do que observar as próprias divindades verdadeiras.
Como está dito no “Sutra do Lótus Branco”:

Observando a forma do Sugata pintada em um muro,


mesmo encontrando-se em um estado mental agitado,
no final, podem se encontrar dez milhões de Budas.

Na realidade o Sutra afirma: “Também aqueles que veneram a forma do Sugata...”, todavia a
tradição oral cita a versão que mencionei. Se olhar a figura de Buda com a mente perturbada traz
muito benefício, vocês podem imaginar os efeitos positivos de uma mente plena de devoção!
Arya Shariputra era um dos dois principais discípulos de Buda, e estava constantemente a seu lado.
Diz-se que tal condição seria o resultado de uma ação cumprida por ele em uma vida anterior: teria
observado a imagem de um Buda, e na sua mente surgiu uma grande devoção. Arya Shariputra
naquela vida anterior era um mensageiro. Uma noite entrou num templo abandonado procurando
abrigo. Acendeu uma lâmpada a óleo muito luminosa e enquanto descansava, começou a reparar
nas próprias botas. Vendo a pintura de um Tathagata no muro à sua frente pensou: “Que ser
maravilhoso! Gostaria de encontrá-lo pessoalmente”.
Este desejo expresso por ele repetido tornou-se a causa que lhe permitiu ser um dos principais
discípulos de Buda.
As representações de Buda feitas de argila, latão e outros materiais, uma vez obtida a realização
denominada “fluxo do Dharma” (obtida sobre o caminho Mahayana da acumulação) se poderão
perceber realmente como supremos Nirmanakaya ou Corpos de Emanação. Quando se atinge o
primeiro dos dez estágios dos Arya Bodhisattvas se poderá perceber o Sambogakaya. Este é o
motivo pelo qual é essencial considerar as representações como verdadeiros Budas.

CUIDAR DAS OFERENDAS DE MODO CORRETO E DISPÔ-LAS COM CUIDADO (44)

“De modo correto” significa obter a oferenda sem fazer ações negativas, e sem uma motivação
incorreta.
Por exemplo, ação negativa para um monge significa cuidar de um objeto de oferenda mediante
uma das cinco maneiras incorretas; para um leigo significa cuidar do objeto, cometendo ações
negativas como matar seres vivos, ou utilizar métodos fraudulentos como por exemplo enganar nos
pratos de uma balança, etc.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 80
Introdução
Vocês não devem oferecer objetos conseguidos deste modo. Em sânscrito, oferenda se traduz com a
terminação Puja, que significa “comprazer”.
Por isto o escopo de fazer oferendas é aquele de comprazer o Vitorioso e seus Filhos. Como
poderiam se comprazer com tais objetos? Em todo caso, se vocês já possuem objetos comprados de
maneira ilícita poderão oferecê-los com o escopo de eliminar o carma negativo de vocês e dos
outros.
Os cinco meios de subsistência incorretos são: a adulação, o engano, ser generosos só para obter
ganhos, a coerção e a simulação.
“Adulação” significa sorrir e cumprimentar os vossos benfeitores na esperança de receber qualquer
coisa de valor em troca. Todavia, se livre de motivações desonestas, cumprimentam sinceramente
alguém que fez uma doação, isto não se torna um modo incorreto de subsistência.
“Engano” consiste em dizer a vosso benfeitor por exemplo: neste momento tenho chá e manteiga,
mas não tenho muitos grãos, na esperança de receber um donativo. Ou mesmo dizer: “Aquela
farinha de cevada que você me doou ano passado, foi de grande ajuda”. Em outras palavras vocês
estarão aludindo que querem de novo fermento ou farinha de cevada. Todavia, se vocês falam
honestamente sem querer receber um presente, nesse caso não há engano.
“Ser generosos só para obter ganhos” significa doar alguma coisa de pouco valor para receber um
objeto melhor. Por exemplo, se vocês oferecem uma kata ou uma xícara de chá à vosso benfeitor ou
a qualquer outro esperando que ele os recompensem ou façam uma oferenda.
Em outras palavras, vocês usaram a oferenda como meio para obter algo melhor em troca. Isto
significa lançar a isca e atualmente as pessoas ficam ansiosas por utilizar este modo incorreto de
subsistência. Mas se vocês fazem uma oferta ao seu benfeitor, com sinceridade, sem esta
motivação, isto não constitui o modo errado de ganhar a vida, mesmo se são recompensados.
“Coerção” significa obrigar alguém a fazer alguma coisa, como por exemplo, fazer com que uma
pessoa doe a nós aquilo que iria doar aos outros, ou mesmo pedir um presente de modo indireto
dizendo:
“O outro benfeitor me presenteou com chá e manteiga muito bons”. Todavia, se o dizem com
sinceridade e não para receber as ofertas, isto tudo não constitui ato de coerção.
“Simulação” significa ter um comportamento negligente na privacidade do próprio quarto, agindo
como um bom monge que observa todas as regras na frente de seu benfeitor, esperando que por
causa de seu comportamento disciplinado, ele lhe faça doações. Todavia, meu precioso lama, meu
refúgio e protetor confirmou que se vocês, para não minar a fé de um leigo, se comportam melhor
em público do que na sua privacidade, esta ação não constitui simulação.
Além disso, se os monges rompem com os três tipos de votos e fazem oferendas com os bens
adquiridos através de atividades comerciais, as consequências desfavoráveis seriam maiores do que
os possíveis benefícios.
“Motivação negativa” significa fazer oferendas unicamente para obter fama, para impressionar os
outros ou simplesmente para ter mais oferendas no altar. Como disse Drogon Rimpoche: “Façam
oferendas às Três Jóias unicamente para se fazer notar pelos outros”. Se as oferendas são feitas pelo
desejo de notoriedade, ganhos, etc, tornam-se ações que reentram nos oito Dharmas mundanos (ver
10º dia). Alguém que faz oferendas para obter longa vida ou para libertar-se de doenças estão
motivados por uma motivação um pouco melhor. Vocês devem verificar atentamente a sua
autêntica motivação quando por exemplo, distribuem oferendas a uma assembléia de monges e o
vosso verdadeiro escopo não é gerar virtudes, mas se fazer notar.
A mesma verificação se deveria fazer quando por exemplo, esperando visitas, limpa-se a casa,
dispõe-se no altar mais oferendas do que o normal, ou mesmo acende-se as lâmpadas e queima-se
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 81
Introdução
um incenso muito perfumado. Todavia será dificil que tais oferendas resultem benefícios para
vocês.
Um dia, Gueshe Ben Kunghyel soube que seu benfeitor iria lhe fazer uma visita. Gueshe Ben após
ter colocado excelentes oferendas às Três Jóias, sentou sobre uma almofada de meditação para
examinar a própria motivação. Deu-se conta que havia colocado as oferendas só para impressionar
seu benfeitor, e então levantou-se de repente da almofada e jogou cinzas sobre as oferendas
dizendo: “Monge, não engane a você mesmo!”, deixando as oferendas cobertas por uma camada de
cinzas.
Padampa Sanghye soube desta estória, enquanto se encontrava em Langkor, no Dingri Superior, e
para louvar o gesto disse que, entre todas as oferendas feitas no Tibet, aquela de Ben Kunghyel era
a mais nobre. As pessoas pediram a Padampa Sanghye o motivo e ele respondeu que este Gueshe
havia conseguido jogar cinzas na boca dos oito dharmas mundanos. A vossa motivação não deveria
estar corrompida pelos oito dharmas mundanos, nem dirigida unicamente para a obtenção de
renascimentos afortunados, ou da libertação pessoal; deveriam fazer todo o esforço para gerar a
bodhicitta em vosso continuum mental.
Algumas pessoas, achando que não é necessário apresentar as oferendas de modo atraente, dispõe-
nas de qualquer jeito no altar, mas isso é um erro. A forma e a disposição das oferendas deveria ser
muito bem cuidada, porque a ação de dispor de modo atraente as oferendas é uma das causas para
obter as marcas maiores e menores do corpo de Buda. Vocês mesmos deveriam dispor as oferendas;
se deixarem que vossos discíplulos ou criados o façam, não gerarão os virtudes que se obtém
fazendo pessoalmente as ofertas. Quando Atisha estava muito velho, fazia as oferendas de água,
com suas próprias pernas que estavam muito fracas. Alguns discípulos lhe disseram: “Atisha você
está muito cansado. Faremos as oferendas em seu lugar”.
Mas sua resposta foi: “Então quando terei que comer, vocês dirão: Atisha, você está muito cansado,
e comerão o alimento no meu lugar”.
Quando os grandes reis do Dharma faziam ingentes oferendas, não delegavam ministros ou outros
funcionários para que as distribuíssem. Estes reis faziam erguer uma construção e sentavam em seu
interior, circundados pelos bens que eles mesmos haviam doado. Esta prática foi definida como a
prática extraordinária da generosidade. É então muito importante fazer uma oferenda com as
próprias mãos.
Vocês deverim também ofertar a porção melhor de seu alimento; não ofereçam verdura murcha, ou
se são ricos, a parte mofada de seu “tue” (um doce tibetano).
Muitas pessoas guardam a melhor parte da manteiga e da farinha de cevada para elas mesmas e
colocam de lado as partes excedentes, dizendo: “Estas são para as oferendas!” Este comportamento
não equivaleria por acaso a jogar fora os vossos virtudes? Todavia as lâmpadas de manteiga são
uma oferenda de luz, mas não as de manteiga derretida, mas pode se usar as de manteiga levemente
rançosa.
Não é preciso sentir-se desencorajado pela própria pobreza. Tendo renunciado à vida mundana,
vocês poderiam pensar que não tem nada a oferecer. Mas, se a fé é suficiente, poderão igualmente
fazer muitas oferendas. Como disse o grande Atisha:

No Tibet, em cada lugar, a água possui as oito boas


qualidades, por isso aqui é suficiente oferecer os
recipientes de água. Se na Índia crescessem estas flores
maravilhosas, eu as teria pago em ouro.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 82
Introdução
Por isso, se vocês não tiverem nada a oferecer, a simples oferenda de água fará vocês acumularem
muitos virtudes.
Agora examinarei as oito qualidades da água, de acordo com a explicação do meu precioso mestre
sobre os benefícios que se obtém graças a cada uma dessas qualidades. No texto de Chim Jampel
Yang “O Comentário ao Tesouro da Metafísica” de Vasubandhu, diz:

Fresca, deliciosa, leve e delicada,


clara, inodora, prazeirosa para a garganta
não nociva à garganta e ao estômago:
estas são as oito qualidades da água.

Os oito benefícios que derivam do oferecimento deste tipo de água são os seguintes: a vossa moral
torna-se pura porque a água que oferecem é fresca; e também deliciosa, conduz à realização do
gosto supremo (cada coisa que vocês comem tem um gosto excelente), a leveza da água ofertada
produz a flexibilidade do corpo e da mente; a delicadeza produz um caráter bondoso; da clareza da
água surge uma mente clara; a ausência de odores impuros purificará os vossos obscurecimentos
cármicos; então, como a água não causa danos ao estômago, o vosso corpo se livrará de toda
doença. O fato de que ela é prazerosa à garganta significa que vocês obterão uma voz agradável.
A primeira vez que Drubkang Gheleg Ghyatso entrou em retiro em uma cela de meditação no
colégio de Sera não possuía quase nada. Não tinha nem os recipientes para as oferendas de água.
Para fazer estas oferendas devia lavar cuidadosamente a tigela que usava para comer e então punha
a água para a oferenda. Se queria tomar um chá, devia pedir às Três Jóias que lhe emprestassem o
recipiente. Então o utilizava, e quando terminava o chá, lavava novamente a tigela e fazia outra
oferta de água.
Mediante a visualização, vocês podem oferecer mentalmente qualquer coisa. Pode ser flores, frutas,
água clara e fresca, etc. Meu precioso mestre me disse: “Pode abençoar as oferendas também
recitando o mantra das “nuvens de oferendas” e depois dediquem ao virtude. Para detalhes, faço
referência à biografia de Tridagpo Tsepel”.
Então achar que não temos nada a oferecer deriva da falta de fé e não de objetos materiais. Vocês
podem , se julgarem necessário, oferecer mentalmente água, flores, etc, e reservar para o seu uso
pessoal os referidos objetos. Mas este comportamento poderá causar um renascimento como
espíritos famintos. Por isto, vocês devem oferecer o que têm de melhor.
Os monges e todos que abandonaram todas as ocupações mundanas poderão pensar: “Não ocorre
fazer ofertas materiais, porque para um asceta a oferenda principal é aquela da própria prática
espiritual. É suficiente que eu faça este tipo de oferenda”. Mas, se este pensamento os induz a não
fazer nunca oferendas materiais, renascimento após renascimento nunca terão nada para oferecer.
Por outro lado, até a simples oferenda de um pouco de alimento, ou de um bastãozinho de incenso
lhes permitirá acumular virtudes que lhes permitirão cumprir com vastas oferendas. Este ponto está
bem explicado na biografia de Gueshe Puchungwa, que disse:

No início somente ofereci ervas aromáticas. Em seguida,


ofertei incenso de aroma perfumado, composto de
quatro ingredientes. Hoje posso oferecer a fragrância do
mirabolano, do duraka ou qualquer outro.

Em uma ocasião, ele pôde oferecer um incenso que pagou com 22 moedas de ouro. Todavia alguém
poderia objetar: “Gueshe Puchungwa era um ser realizado que tinha se dedicado inteiramente à
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 83
Introdução
meditação. Não esperem obter a libertação cumprindo estas ações exteriores”. Esta objeção
demonstra que as pessoas que assim raciocinam tem pouca familiaridade com o Dharma. Reflitam
sobre o fato que os Bodhisattvas que obtiveram um dos dez estágios manifestam centenas de
milhares de corpos, cada um dos quais tem centenas ou milhares de braços, e desse modo podem
fazer oferendas aos Vitoriosos por muitos éons. Também vocês, com um único corpo, devem fazer
o maior número de oferendas possível.
Agora explicarei brevemente como fazer as oferendas de água. Limpem cuidadosamente as tigelas
e disponha-as sobre o altar em linha reta, evitando erros como aquele de deixar muito espaço entre
uma e outra, porque isto favoreceria a separação de seu mestre.
Se, ao invés disso, as bordas das tigelas se tocarem, vocês poderão se tornar obtusos, e se enquanto
pousam as tigelas, baterem umas contra as outras, este ato poderia ser a causa de uma perda de
razão no futuro, e assim por diante. Evitem tudo isto. Se colocarem as tigelas enquanto ainda
estiverem vazias, os seus virtudes diminuirão. Tenham então nas mãos a pilha de recipientes, e
coloquem um pouco de água no recipiente superior. Benza-o recitando as sílabas OM, AH, HUM.
Vire quase toda a água deste recipiente para o sucessivo, deixando um pouco no primeiro. Pousem
o primeiro recipiente sobre o altar e continuem o procedimento. Desse modo vocês não colocarão
sobre o altar recipientes vazios.
Quando encherem as tigelas no altar, evitem segurar a jarra de água com uma só mão, porque isto é
desrespeitoso. Vocês deverão agir como se versassem o chá para um grande rei. Uma pitada de
cevada é espesso no centro e sutil nas extremidades. Vocês deverão verter a água do mesmo modo
(ou seja, começar vertendo-a lentamente, gradualmente aumentar o fluxo e enfim diminuir) . Se
vocês deixarem transbordar a água por sobre a borda do recipiente, a vossa moral poderá se
corromper, mas se os recipientes não estiverem bem cheios, a vossa riqueza poderá diminuir. A
água deve chegar até a borda da tigela, até a distância de um grão de cevada.
As lâmpadas de manteiga que representam uma oferenda de luz deverão ser muito luminosas, e
queimar o maior tempo possível, porque é de bom auspício para obter uma longa vida. Do mesmo
modo, poderão ofertar outros objetos, como por exemplo, flores. Nos Sutras, está explicado que
cada oferenda cumprida gera dez benefícios diferentes.

SENTADOS CONFORTAVELMENTE, ADOTEM A POSIÇÃO DE VAIROCHANA DAS OITO


CARACTERÍSTICAS, DEPOIS TOMEM REFÚGIO, GEREM A BODHICHITTA E ASSIM
POR DIANTE (45)

A parte posterior do assento de meditação deverá estar levemente levantada: isto tem um escopo
particular na prática do Tantra, e evita o adormecimento dos glúteos quando sentarem em
meditação por um longo período.
Em baixo do assento, vocês devem desenhar uma suástica, com pó de gesso, orientada em sentido
horário.
A suástica representa o Vajra Duplo e seu escopo é o de lembrar que Buda obteve a iluminação no
assento de vajra, ou “assento adamantino” em Bodhgaya. Simboliza o fato de que sua prática se
tornará estável. Não é correto sentar-se sobre um vajra duplo verdadeiro, que é um dos objetos
simbólicos das divindades tutelares.
Sobre a suástica, coloquem erva durva (uma erva longa muito segmentada) e erva “kusha”,
procurando não retorcer as hastes entre elas e colocando-as com as pontas viradas para a frente.
Também esta prática segue o exemplo de Buda, que obteve a iluminação sentado sobre estas ervas.
A erva durva aumenta a duração de sua vida e nas escrituras está escrito: “A erva durva prolonga a
vida e a erva kusha é benéfica e salutar...” Em outras palavras, sentar sobre a erva “kusha” elimina
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 84
Introdução
as contaminações e as impurezas. A erva “kusha” colocada embaixo do seu travesseiro, serve a este
escopo.
Quase sempre na Índia, os Acharyas quando adoeciam, queriam deitar sobre um leito de erva
“kusha”.
A “posição sentada das oito características” mencionada no título se refere à postura de Vairochana
das sete características , mais a contagem da sua respiração. Ghyalwa Ensapa disse:

Pernas, mãos e costas são três,


dentes, lábios e língua juntas são a quarta,
testa, olhos, ombros e respiração são outros quatro:
estas são as oito características de Vairochana.

A posição ideal das pernas é a posição do vajra (ou do lótus completo). Todavia, a postura vajra é
essencial só para as meditações do estágio do completamento do tantra. É permitido sentar também
na posição de semi-lótus.
Disponham os braços na posição de lotus meditativo, com a mão direita apoiada na esquerda, e com
as pontas do polegar na altura do umbigo.
As costas devem estar eretas, com as vértebras alinhadas como uma pilha de moedas. Quando o
corpo está ereto, os canais psíquicos se distendem e os ventos ou energias psicofísicas podem fluir
mais livremente, favorecendo a concentração da mente.
Dentes e lábios não devem estar muito fechados, nem muito abertos, então é melhor deixá-los em
sua posição natural. Coloquem a ponta da língua no palato, de modo que sua boca não seque.
Assim, quando vocês entrarem em profundo absorção meditativa, isto evita que a saliva escorra
pela boca. A testa deve ficar levemente dobrada para a frente, exercendo uma ligeira pressão na
laringe. Afirma-se que os olhos devem olhar para a direção da ponta do nariz, focando de modo a
enxergar ambos os lados do nariz; isto nos permite eliminar mais facilmente o torpor ou a
excitação.
Alguns mestres aconselham ficar com os olhos completamente fechados enquanto se medita, mas
não é correto. Em outras tradições, dirigem-se os olhos para o céu, cumprindo o “olhar do
dharmakaya”, mas na nossa tradição isto não é praticado. Enfim, os ombros devem estar no mesmo
nível, de maneira que um não esteja mais alto do que o outro.
Estas são as sete características da postura de Vairochana que, sobretudo no estágio de
completamento do tantra, tem um significado profundo, todavia não é este o momento de falar
sobre isso. A postura de meditação é de importância fundamental.
O grande Marpa de Lhodrag disse uma vez: “Todas as meditações cumpridas no Tibet não podem
se igualar ao modo pelo qual eu, Marpa, o Tradutor, me sento”. A postura das sete características se
refere a Buda Vairochana, cuja natureza representa a purificação do agregado da forma, que se
manifesta no aspecto de uma divindade. A oitava característica consiste em contar a própria
respiração. Quando a consciência primária está associada a um estado mental negativo, ou quando
seus fatores mentais secundários estão negativos, é dificil desenvolver uma atitude mental positiva.
Por exemplo, se em um momento em que vocês estão com muita raiva, vocês procuram gerar a
bodhichitta simplesmente recitando as palavras: “Para o benefício de todos os seres sencientes, que
foram minhas mães, obterei a iluminação”, não poderão desenvolver a mente nem de modo parcial.
Por isto, quando a consciência se encontra num estado negativo, em primeiro lugar vocês deverão
transformá-la em um estado neutro, e assim em seguida poderão facilmente desenvolver uma
atitude positiva.
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Introdução
Imaginem que um pedaço de algodão branco, esteja manchado. Desse jeito ficará muito difícil
tingi-lo de outra cor, mas se o lavarem bem com água, ele tornará a ser completamente branco e
poderão facilmente tingi-lo de vermelho, de amarelo, ou de qualquer outra cor.
Um estado mental neutro, não é positivo, nem negativo. É como um tecido branco sem manchas.
Poderiam perguntar: Qual é a técnica que permite transformar a mente em um estado neutro?
Antes de tudo, dirijam interiormente a vossa atenção e examinem a vossa motivação. Se
descobrirem estar sob o poder do agarramento (apego), da aversão ou de qualquer outro
pensamento perturbado, comecem a expirar lentamente. A expiração não deve ser nem forçada,
nem barulhenta: vocês devem estar cientes de seu fluxo. Assim pensem: “Agora o ar saiu”, depois
inspirem lentamente e pensem: “Agora, o ar entrou”, e ao mesmo tempo “Completei uma
respiração”.
Repitam então o processo uma segunda vez e continuem assim, contando até sete, onze, quinze ou
vinte e um ciclos de respiração, sem usar o mala para a contagem, mas utilizando somente a vossa
mente sem distração. Como a mente de uma pessoa ordinária não consegue perceber dois
pensamentos ao mesmo tempo, por este motivo a sua mente por meio da ciência da respiração,
passará de um estado de aversão ou de apego, para um estado neutro.
Vocês podem também fazer a seguinte visualização: quando expirarem, imaginem que seus defeitos
mentais saiam na forma de luz negra, e quando inspirarem, a energia inspiradora dos Vitoriosos e
de seus Filhos, entra dentro de vocês na forma de raios de luz branca.
Uma vez alcançado na mente o estado neutro, torna-se mais fácil desenvolver um estado mental
virtuoso.
O meu precioso mestre deu-me este exemplo: suponham estar no maior inverno e que tenha uma só
almofada no chão, a sua, mas que alguém já esteja sentado nela; se vocês falarem bruscamente para
esta pessoa se levantar, ela provavelmente rejeitará; por isso cheguem perto dela e digam: “Está
acontecendo algo extraordinário no outro quarto!”, finjam sair para dar uma olhada. A pessoa por
sua vez levantará e se vocês forem bem rápidos, poderão sentar na sua almofada. Do mesmo modo,
se a mente se encontra em um estado negativo, como por exemplo, o desejo, é difícil eliminar este
defeito mental com a força, todavia dando atenção ao processo respiratório, a mente ficará ocupada
por esta atividade, e desse modo, o defeito mental desaparecerá.
Nesse ponto, torna-se mais fácil gerar um estado mental positivo. Se a consciência não se encontra
no estado mental negativo, é possivel desenvolver uma atitude positiva sem dificuldade. Nesse caso
não é necessário cumprir esta prática de contar a respiração. Vejam porque se afirma que deveriam
praticar as sete ou oito características.

COMO CORRIGIR A PRÓPRIA MOTIVAÇÃO

De qualquer forma, no início da sessão de meditação vocês deverão desenvolver um estado mental
“extraordinariamente positivo”. Quando vocês se empenharem em qualquer prática virtuosa, no
início é importante examinar e eventualmente corrigir a própria motivação.
No texto “Quesitos sobre a Pureza da Mente”, o grande Je Tsong Khapa pediu a eminentes
meditadores do Tibet: “Assim como os antigos textos em sânscrito iniciam sempre assim: Na
linguagem da Índia, qual é a primeira coisa a fazer quando se medita?” O Panchen Lama Losang
Chokyi Ghyatsen respondeu a esta e outras perguntas na sua obra “O maravilhoso Sorriso de
Losang Dragpa - uma Resposta aos Quesitos sobre a Pureza da Mente”, afirmando:

Antes de cada meditação se deveria


examinar a fundo a própria mente,
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 86
Introdução
assim como a frase inicial “na linguagem da Índia”.
Este é o teu entendimento, ó supremo e incomparável mestre.

Antes de cumprir qualquer ativadade de ouvir, de refletir e de meditar, é fundamental examinar a


própria motivação. Como está escrito num Sutra: No Dharma, as vossas aspirações constituem o
fator mais importante.
O grande Acharya Nagarjuna afirmou:

Apego, ódio, ignorância e o carma


criado pelos mesmos são negativos.
A ausência de apego, de ódio e de ignorância,
e o carma criado por eles são positivos.

Atisha disse:

Se a raiz é venenosa, ramos e folhas também o serão.


Se a raiz é medicinal, ramos e folhas também o serão.
Da mesma forma, se o fundamento é o apego, o ódio ou a ignorância
cada atividade resultará negativa.

Se vocês estiverem motivados por defeitos mentais, qualquer estudo, reflexão ou meditação
produzirá somente carma negativo. Ao contrário, mesmo ações negativas como matar, se motivadas
por um estado mental nobre e positivo, são passíveis de produzir um grande acúmulo de virtudes.
Por exemplo, o nosso Mestre, o Buda, em um de seus renascimentos anteriores estava se
adestrando no caminho e, com o nome de Mahassatva, era o capitão de um navio. Em uma viagem
levava 500 mercadores que estavam à procura de jóias para comprar.
A bordo encontrava-se também um homem chamado Shakti, que havia programado matar os 500
mercadores. O capitão com grande compaixão, para salvar a vida dos 500 homens, o matou.
Todavia, além deste escopo imediato, havia um outro posterior: motivado por uma grande
compaixão por aquele homem malvado, o matou para que ele não renascesse nos reinos inferiores.
Diz-se que esta ação fez o capitão acumular mais virtudes do que os criados normalmente em
40.000 grandes éons. Não é possível que a ação de matar tenha como resultado uma acumulação de
virtudes, mas naquele contexto, a motivação de grande compaixão teve este efeito. De fato, a
motivação determina todos os fatores que rendem uma ação positiva ou negativa, e também o fator
que determina um resultado favorável ou desfavorável.
Em um tempo na Índia havia dois mendigos, um era um kshatriya (pertencente à casta militar) e o
outro era um brâmane. O brâmane decidiu pedir alimento a uns membros da Sangha, mas escolheu
um momento inoportuno, porque quando chegou à casa deles, estes ainda não haviam feito a
oferenda da primeira porção do alimento, ação que cumpriam antes de começar a comer. Então o
brâmane não obteve nada. O kshatriya foi mais astuto ao procurar o momento oportuno, e foi
mendigar quando os monges já haviam terminado de comer e estavam para se desfazer das sobras.
Como consequência obteve uma grande porção de alimento. Em seguida, perguntou ao brâmane:
“Você não recebeu nada”?
O brâmane tomado pela cólera, disse:
“Se tivesse a possibilidade, cortaria as cabeças de todos os ascetas de Shakyamuni e os deixaria
apodrecer na terra”.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 87
Introdução
O kshatriya, como tinha recebido muito alimento, estava pleno de devoção pela Sangha. “Quando
eu for rico, disse, gostaria muito de doar à Buda e à Sangha tanto alimento que tenha a cada dia,
cem sabores diferentes”. Discutindo assim, alcançaram a cidade de Shravasti. Depois adormeceram
cada um aos pés de uma árvore diferente.
Um carro passou velozmente por eles e suas rodas cortaram a cabeça do brâmane.
Nesse meio tempo, em Shravasti tinha morrido um grande mercador que não tinha filhos, e os
habitantes se reuniram para decidir quem teria os maiores virtudes, porque esta pessoa tornar-se-ia
a herdeira do mercador.
Começaram a busca e viram que enquanto a sombra de todas as outras árvores estava deslocada
pelo sol, a sombra da árvore sob a qual estava dormindo o kshatriya continuava a cobri-lo. Por
causa disso, o nomearam o cabeça dos mercantes. O kshatriya, sendo muito virtuoso, manteve a
sua palavra e fez numerosas doações à Buda e à Sangha. Ouviu o Dharma e alcançou a
compreensão da verdade. Diversos Sutras aludem a esta estória:

A mente condiciona todos os fenômenos;


a mente é o fator principal.
Se a mente é negativa, qualquer coisa que se diga ou faça
provocará só sofrimento – como o homem
cuja cabeça foi cortada pelas rodas do carro.
Se a mente é pura, qualquer coisa que se diga ou faça
trará só felicidade – como o homem
que era perseguido pela sombra da árvore.

Como indica esta estrofe, estes são os resultados que se obtém no decurso de uma só vida, como
efeito das motivações positivas ou negativas. Então é importante desenvolver uma motivação
positiva ao início de cada atividade, não somente antes da prática espiritual.
Ao invés de pedir às pessoas notícias de sua saúde, como é usual nos dias de hoje, Atisha tinha o
hábito de perguntar: “Desenvolveu um bom coração”?
E assim disse o grande Lama Tsong Khapa:

O carma positivo ou negativo


deriva da motivação positiva ou negativa.
Se a motivação é positiva
até a própria situação resultará positiva,
se a motivação é negativa,
até a própria situação resultará negativa.
Tudo depende enfim, da própria motivação.

O tipo de motivação que precede um ato positivo, influenciará consideravelmente a natureza e a


amplitude do relativo resultado.
Suponham que quatro pessoas recitem juntas os Louvores a Tara. Uma pessoa completa a ação com
a motivação de bodhicitta, outra motivada pela renúncia, a terceira pelo desejo ardente de um
renascimento melhor e a última simplesmente aspira a benefícios terrenos: uma longa vida, boa
saúde, etc.
Se bem que todos recitem a mesma oração, os resultados cármicos serão bem diferentes. A
recitação da primeira pessoa torna-se a causa para obter a iluminação, porque é uma autêntica ação
do Bodhisattva e uma prática genuína do Dharma Mahayana. Para as outras três pessoas não é
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 88
Introdução
assim: a recitação da segunda pessoa, motivada pela renúncia, torna-se uma causa de libertação e
um antídoto contra o samsara, e isto constitui uma ação de Dharma de escopo intermediário. Ao
contrário, a recitação das outras duas pessoas não pode tornar-se a causa de sua libertação, enquanto
tais motivações tem unicamente o escopo de perpetuar a existência condicionada, então não são
outra coisa que aspectos ordinários da nobre verdade da origem do sofrimento.
Se bem que a ação da terceira pessoa não conduza nem à onisciência, nem à libertação, torna-se
assim um meio para evitar o renascimento nos reinos inferiores; e isto constitui uma prática de
Dharma do escopo inferior. A ação da quarta pessoa é uma ação completada unicamente para obter
benefícios nesta vida, não é considerada uma prática de Dharma, mesmo assim o resultado
resguarda unicamente sua vida atual.
Perguntaram a Atisha: “Quais são nesta vida, os resultados de ações completadas unicamente para
obter benefícios como riqueza, honras e felicidade?” e ele respondeu: “São resultados limitados à
somente esta vida”. Depois lhe perguntaram: “Que resultados terão em suas vidas futuras?” e ele
respondeu: “O renascimento nos infernos, como espíritos famintos ou como animais”.
Por isso, nós monges quando nos encaminhamos para a sala onde assistiremos à cerimônias ou
debates, deveremos fazê-lo com a motivação da bodhichitta, desse modo, cada passo para chegar ao
local, tornar-se-á uma ação de um Bodhisattva, e terá mais valor que 100.000 moedas de ouro.
Mas, se o nosso único escopo é aquele de receber uma oferenda como o chá, etc, ou de agradar os
abades do monastério, nesse caso o efeito desta ação será aquele descrito por Atisha.
Também o sucesso de um praticante de meditação é determinado pela motivação. Atisha disse:
“Um praticante poderia afirmar que a sua prática consiste em meditar sobre o próprio e precioso
mestre. Todavia, se medita com a esperança que a sua prática lhe permitirá receber muitos
presentes, roupas ou chá, cumprirá somente uma ação negativa. Ao contrário, se pratica com o
escopo de por um fim ao oceano de renascimentos, depositando na própria mente a potencialidade
da suprema iluminação, os virtudes desenvolvidos por estes pensamentos superarão os confins do
espaço.”
Por isto, se cumprirmos qualquer tipo de prática positiva - ouvir e refletir sobre os ensinamentos,
meditar fazer oferendas à Sangha ou praticar a generosidade – e não o fazemos gerando uma
motivação correta, tudo se revelará inútil. Porque este é um ensinamento Mahayana, não é
suficiente desenvolver uma ordinária mente positiva: a nossa prática deve ser inspirada por uma
atitude extraordinária, realmente de bodhichitta.
Se a nossa bodhichitta é espontânea, a nossa prática se desenvolverá naturalmente e sem esforço, e
não precisaremos corrigi-la. Em todo caso, se uma pessoa deve se esforçar para ativar a bodhichitta
da aspiração, não deixará surgir este sincero e autêntico sentimento unicamente através da recitação
destas palavras: “Para o benefício de todos os seres sencientes obterei a iluminação”.
Deveríamos sim, refletir sobre cada um dos vários argumentos do LAMRIM, como expliquei no 1º
dia, começando pelo valor do precioso renascimento humano, pela dificuldade em obtê-lo, etc, até
as instruções resguardantes ao desenvolvimento da bodhichitta. Por isso, quando recitarem as
palavras: “Obtive este precioso renascimento humano dotado de liberdade e obtenções, assim então
obterei a completa iluminação para o benefício de todos os seres sencientes” poderão desenvolver
uma autêntica experiência interior. Os grandes mestres do passado conferiram numerosos
ensinamentos – concisos e extensos – sobre como desenvolver a própria motivação.
Algumas pessoas simplesmente memorizam estes textos e os recitam, sem fazer nenhum esforço
para surgir uma consciência interior. A motivação se deve cultivar na mente, não na boca. Por isto
enquanto recitam em voz alta estas orações, deverão se esforçar para imprimir na vossa mente a
consciência plena de seu significado.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 89
Introdução
COMO VISUALIZAR O OBJETO DE REFÚGIO

Após ter desenvolvido uma atitude extremamente positiva, vocês deverão mantê-la também quando
tomam refúgio e desenvolvem a motivação de bodhichitta. Como o ensinamento que estou dando é
a combinação de três diferentes textos de LAMRIM, vocês deverão compreender que mesmo no que
se refere às práticas preliminares, cada uma dessas tradições orais relativas a estes textos concebe
diferentes visualizações dos objetos de refúgio e do Campo de Virtudes. Então devemos ter atenção
e não confundir as instruções das diversas linhagens. Por exemplo, como se faz habitualmente no
decurso das assembléias, recitamos o ritual das práticas preliminares segundo a tradição da
linhagem meridional; todavia, em vossas práticas cotidianas vocês devem recitar o ritual segundo a
tradição do “Caminho Veloz”. Tomando refúgio, façam a seguinte visualização através das
instruções da tradição do “Caminho Veloz”: no espaço em frente a vocês, visualizem um trono
enorme incrustrado de jóias e sustentado por oito grandes leões. Visualizar o trono muito alto ou
muito baixo, pode fazer surgir respectivamente agitação ou torpor. O trono se visualiza em frente
aos olhos, na altura do ponto entre as sobrancelhas. Sobre este grande trono se encontram cinco
tronos menores: um no centro, e os outros nos quatro pontos cardeais.
Sobre o trono central, que é levemente mais alto em relação aos outros quatro, visualizem uma
figura que em essência representa o seu bondoso guru-raiz – aquele que lhes ensina o Caminho
Gradual - no aspecto de Buda Shakyamuni como está descrito no texto. Deverão refletir que todo
conhecimento relativo ao caminho e os seus resultados derivam de seu mestre, que aparece no
aspecto de Buda Shakyamuni, porque o mestre é a fonte de todos estes ensinamentos. A sua mão
direita faz o mudra que toca a terra, indicando a derrota do demônio da cobiça e do apego
(devaputra-mara). A mão esquerda de Shakyamuni segura uma taça de mendicante contendo três
tipos de néctar. Um deles é o néctar do remédio, símbolo da derrota do demônio dos agregados
(skanda-mara).
Tem também o néctar da imortalidade - símbolo da derrota do demônio da morte (marana-mara) -
e o néctar da sabedoria incontaminada que indica a derrota do demônio das aflições mentais
(klesha-mara).
Estes símbolos indicam de fato que Buda derrotou estes quatro demônios que o atacavam e que
vocês também podem fazer o mesmo com os seus quatro demônios.
No coração de Buda visualizem Vajradhara, “o Ser de Sabedoria” (jnana-sattva).
No coração de Vajradhara encontra-se a sílaba semente azul HUM, “o Ser de Concentração”
(samadhi-sattva). Este tipo de visualização é conhecido como “tríplice ser” e resguarda a prática do
Tantra.
Vocês poderão perguntar: “Numerosos mestres me ensinaram o LAMRIM. Quem devo visualizar
como a figura principal?” Vocês devem considerar como seu mestre principal quem trouxe mais
benefícios ao seu desenvolvimento mental.
No trono à direita de Buda Shakyamuni, visualizem Maitreya, circundado pelos mestres da
Linhagem das Ações Extensas. À esquerda de Buda, senta no trono Manjushri, circundado pelos
mestres da Linhagem da Visão Profunda. Vajradhara senta-se no trono às costas de Buda e é
circundado pelos mestres da Linhagem do Tantra.
No trono em frente à Buda, senta-se o seu mestre principal, em seu aspecto ordinário. Qualquer
defeito físico que ele possa ter, não se deve visualizar. A sua mão direita cumpre o gesto de ensinar
o Dharma, e a sua mão esquerda cumpre o mudra da absorção meditativa e segura um vaso cheio
do néctar da imortalidade. Os dois gestos indicam que ele é um Buda, enquanto pode ensinar o
Dharma, permanecendo em um estado meditativo, no qual percebe de modo direto a profunda
vacuidade. O mudra de ensinar o Dharma tem o escopo de encorajar os discípulos para ouvir os
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 90
Introdução
ensinamentos, enquanto o gesto da absorção meditativa os encoraja a colocar em prática tudo que
ouviram. O grande Lama Tsong Khapa afirmou:

Os principais obstáculos dos afortunados que perseguem


a prática do caminho para a libertação são
a ignorância, que leva a mente à ruína,
e o Soberano da Morte, que leva o corpo à ruína.

Em outros termos, os obstáculos à prática do Dharma são os defeitos mentais que contaminam a
mente e o Soberano da Morte que destrói o corpo. Os antídotos contra estes obstáculos são
representados pelo gesto de ensinar o Dharma e pelo vaso da longevidade. Existem outras razões
profundas que permitem conquistar, dedicando-se ao seu mestre, a capacidade de desenvolver os
quatro tipos de atividades tântricas – o poder da pacificação (do carma negativo, das doenças e dos
espíritos nocivos); o poder do incremento (da virtude, do conhecimento e da riqueza); o poder do
domínio (sobre deuses, espíritos e seres humanos) e o poder irado do aniquilamento (direto para
eliminar os inimigos do Dharma).
O mestre principal é circundado pelos mestres que conferiram os ensinamentos de Dharma,
começando pela pessoa que ensinou vocês a ler. Se alguém nos perguntasse quantos mestres temos,
talvez não soubessemos responder.
Mas poderemos dizer quanto dinheiro temos em nossa carteira! Isto demonstra que não
consideramos seriamente o mestre como autêntico fundamento do caminho.
Nesta visualização, seus mestres que ainda vivem, sentam sobre almofadas, enquanto aqueles que já
se foram sentam sobre flores de lótus e discos de lua.
Utiliza-se a expressão “as cinco séries de guru “ (lama de-nga), porque nesta visualização os
mestres sentam em cinco grupos diferentes. O resto das figuras do Campo de Virtudes, das
divindades tutelares aos protetores do Dharma – se visualizam ao redor do mestre, sentados no
trono maior.
O meu precioso mestre seguia a tradição de Tsechog Ling Rimpoche, segundo o qual as divindades
de meditação eram colocadas em volta das cinco séries de mestres em quatro círculos concêntricos.
As divindades do anel mais interno são aquelas do Anuttarayoga Tantra, o segundo anel está
ocupado pelas divindades do Yoga Tantra, e o terceiro por aquelas do Charya Tantra e o quarto
pelas divindades do Kriya Tantra. Segundo a tradição de Chusang Lama Yeshe Ghyatso, as quatro
classes de divindades estão situadas sobre um simples anel e cada uma dessas classes se coloca em
cada um dos pontos cardeais: o Anuttarayoga Tantra de frente, o Yoga Tantra à direita do trono
central e assim por diante. Por esta razão, as pinturas que representam a visualização do campo de
virtudes, segundo a versão de Chusang pode-se observar unicamente as divindades do Anuttarayoga
Tantra.
As divindades do tantra por sua vez estão rodeadas pelos Budas na sua suprema forma
Nirmanakaya: os mil Budas deste éon afortunado, os oito Budas da Medicina (Sunaman, Ratna, etc)
e os trinta e cinco Budas da Confissão. Se bem que hajam infinitos Budas, nós temos uma conexão
maior com aqueles que apareceram neste éon afortunado. Entretanto, afirma-se que as preces
cumpridas pelos sete dos oito Budas da Medicina serão outorgadas neste mundo imediatamente
após o período final dos ensinamentos de Buda Shakyamuni. Os trinta e cinco Budas da Confissão
são muito importantes, porque mediante esta prática se obtém um grande poder de purificação das
ações negativas e transgressões dos votos.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 91
Introdução
Os Budas por sua vez estão circundados por Bodhisattvas, os assim chamados “filhos mais caros”
de Shakyamuni: Manjushri, Vajrapani, Avalokiteshvara e outros, que aparecem sob o aspecto de
jovens deidades.
Os Bodhisattvas estão circundados pelos Arhats, Pratyekabudas, com o aspecto dos monges que
praticam as doze austeridades e com tijelas de mendicantes, bastões khakhara ou textos. Os
Pratyekabudas se distinguem dos Shravakas através de uma pequena protuberância em cima de suas
cabeças, que indica ser uma característica similar àquela dos Budas.
Os Shravakas estão circundados pelos dakas e dakinis, como Khandakapala e Prachandali, que se
manifestam segundo a forma descrita no tantra de Heruka.
Dakas e dakinis estão por sua vez circundadas pelos protetores iluminados do Dharma dos três
escopos (Mahakala de seis braços, Vaishravana e Yamadharmaraja).
Existem duas tradições orais resguardando os quatro protetores dos quatro pontos cardeais, como
Maharajas. Uma tradição os coloca no trono principal, enquanto em outras tradições eles são
colocados em cima de nuvens sob este trono.
O motivo é o seguinte: a primeira tradição considera os quatro Maharajas como seres iluminados,
enquanto a segunda os considera como simples protetores terrenos. É incorreto incluir espíritos ou
seres mundanos entre as figuras do refúgio. Uma vez, Tsechog Ling Rimpoche, tutor de um dos
Dalai Lamas, viu uma pintura da assembléia de refúgio com um espírito terreno entre os protetores.
Rimpoche apontou um dedo para a figura e exclamou: “Seria melhor pintar em seu lugar, uma jóia
que realiza todos os desejos”.
Virados para vocês, na frente de cada figura do Campo de Virtudes deverão visualizar textos de
Dharma, com seu título estampado sobre um brocado de seda de cores brilhantes. Deverão refletir
que na essência estas escrituras representam a jóia do Dharma realizado, enquanto que em seu
aspecto exterior representam a jóia do Dharma escritural. Existem muitas versões da visualizaçào
do objeto de refúgio, como na tradição na qual uma figura (o mestre) representa as Três Jóias, ou
outras versões que representam várias figuras colocadas sobre diversos níveis horizontais. Todavia
a descrição anterior contém todos os três aspectos da Tríplice Gema. Os seres visualizados não são
bidimensionais como nas pinturas, nem sólidos como estátuas de argila. Devemos visualizá-los
como corpos de arco-íris – cuja natureza é a radiante clara luz – extremamente luminosos, e pensar
que eles realmente estão na nossa frente.
Na Transmissão do Vinaya, encontramos três comparações por meio das quais é louvado o corpo de
Buda: é como o fogo que assume a forma de um corpo; é como a chama aspergida de manteiga; e é
como uma lâmpada colocada em um vaso de ouro.
Devemos visualizar que os seres de refúgio discutem entre eles o Dharma. Assim como na entrada
de um palácio real algumas figuras estão chegando, enquanto outras se vão para cumprir várias
atividades, do mesmo modo devemos imaginar que de cada figura do Campo de Virtudes – de Buda
Shakyamuni até os quatro protetores Maharajas – emanam-se e são reabsorvidas numerosas
manifestações que cumprem o benefício dos seres sencientes. Se vocês conseguirem visualizar até
este nível de precisão, imaginem que até os poros do corpo destes seres são plenos da terra dos
Budas.
Depois deverão refletir que as figuras do Campo de Virtudes são muito compassivas, e observam
vocês com grande regozijo. Como disse Drubkang Gheleg Ghyatso, normalmente vocês não fazem
as coisas que o Vitorioso e seus Filhos recomendam praticar e, pelo contrário, fazem o que eles
pedem para não fazer. Por isso, eles não tem muitos motivos para sentir compaixão por vocês.
Todavia, seguindo uma prática de visualização das figuras de refúgio, vocês conseguirão deixá-los
compassivos. Imaginem que uma mãe tenha um filho muito desobediente. Se uma vez ele faz algo
de bom, sua mãe ficará particularmente compassiva. Da mesma forma, nós continuamos a nos
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 92
Introdução
comportar de modo negativo, mas neste caso estamos procurando meditar no LAMRIM, uma ação
que compraz os Vitoriosos e os Bodhisattvas mais do que qualquer outra ação.

A MEDITAÇÃO NO REFÚGIO

Neste ponto é necessário refletir sobre as razões pelas quais se toma refúgio.
Façam isso através da seguinte recitação (trata de “Um Ornamento para a Garganta dos
Afortunados” de Jampel Lundrub):

“Desde um tempo sem início, eu e todos os seres sencientes minhas mães


renascemos no samsara e experimentamos os seus inumeráveis sofrimentos
em geral e aqueles dos três reinos inferiores em particular. Todavia, é dificil
compreender a profundidade e a vastidão deste sofrimento. Mas agora,
obtive um precioso renascimento humano, dificil de obter, que pode ser
utilizado para um grande escopo. É árduo encontrar os preciosos
ensinamentos de Buda, mas agora que os encontrei, se não realizar o puro e
completo estado de Buda – a forma mais elevada de libertação do
sofrimento do samsara – terei que suportar de novo este sofrimento e
sobretudo o sofrimento dos três reinos inferiores. Então, como o Mestre e as
Três Jóias tem o poder de proteger-me de tudo isso, me empenharei para
obter a completa iluminação, para o benefício de todos os seres sencientes
minhas mães. Assim, com este escopo, tomo refúgio no Mestre e nas Três
Preciosas Jóias”.

Tendo refletido adequadamente sobre os motivos que nos levam a tomar refúgio, poderemos fazê-
lo de modo correto. Existem duas causas para tomar refúgio: o medo e a fé. O medo é aquela do
sofrimento generalizado e específico do samsara. A fé é a certeza de que as Três Jóias possam nos
proteger desse sofrimento. Para tomar um refúgio não comum, na prática Mahayana ocorre uma
causa posterior: o amor e a compaixão pelos outros seres atormentados pelo sofrimento. Este tema
será tratado de modo mais extenso em seguida, durante a explicação detalhada de como tomar
refúgio.
Visualizar que todos os seres sencientes os circundam, incluindo particularmente seus pais desta
vida. Todos estes seres devem estar abaixo dos sofrimentos de seus renascimentos particulares,
porém vocês deverão visualizá-los no aspecto de seres humanos, dotados da palavra e de
inteligência.
Enquanto recitam a fórmula do refúgio vocês devem pensar que todos estes seres também estão
tomando refúgio junto com vocês. Quando vocês recitam a quádrupla fórmula do refúgio junto com
outros, deverão repeti-la na ordem correta, assim:

“Tomo refúgio no guru. Tomo refúgio no Buda. Tomo refúgio no Dharma.


Tomo refúgio na Sangha”, por três vezes.

Todavia quando se toma refúgio antes da meditação sobre o caminho gradual, repete-se
seguidamente cada fórmula um determinado número de vezes; desse modo se desenvolve uma
grande concentração sobre a relativa visualização.
Por exemplo, quando repetirem: “Tomo refúgio no guru”, concentrem a atenção nos cinco grupos
de mestres e, enquanto tomarem o refúgio, pratiquem a visualização denominada “o néctar que flui
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 93
Introdução
e purifica”. Se recitarem um mala desta fórmula, durante as primeiras cinqüenta repetições, vocês
deverão visualizar que o néctar os purifica das negatividades e durante as últimas cinqüenta
repetições visualizem que suas qualidades positivas aumentam. Durante a primeira metade da
recitação, visualizem néctar e raios de luz das cinco cores (branco, vermelho, azul, amarelo e verde,
entre os quais predomina o branco), que flui dos mestres e entram em vós e em todos os outros
seres sencientes. Preenchendo o corpo e a mente de cada um, o néctar purifica todas as ações
negativas e os obscurecimentos mentais, que estão acumulados desde um tempo sem início. Entre
todas as negatividades, de modo particular são purificadas as ações negativas cometidas contra o
Mestre, como por exemplo, colocar a sua vida em perigo, não seguir seus conselhos, perturbar a sua
paz, desprezá-lo e não ter confiança nele. Vocês devem visualizar que este carma negativo sai do
vosso corpo sob a forma de um líquido negro, e que desse modo vocês serão completamente
purificados.
Durante a segunda metade da recitação, na qual advém o incremento das qualidades positivas,
visualizem que as qualidades do corpo, da palavra e da mente do mestre, em forma de néctar e luz
das cinco cores (entre as quais predomina o amarelo), fluem dele e entram em vocês e em todos os
seres. Pensem que vocês e todos os outros seres sencientes obterão uma vida mais longa, um
incremento dos virtudes, o conhecimento e as realizações do caminho gradual. Particularmente
vocês recebem energia transformadora do corpo, da voz, e da mente do seu Mestre.
Quando repetirem: “tomo refúgio em Buda”, concentrem-se nas divindades das quatro classes do
Tantra e das supremas emanações de Buda do Sutrayana, e como anteriormente, visualizem o
néctar que flui e purifica vocês e todos os seres. O carma negativo cumprido em relação aos Budas
compreende ações como fazer sangrar o corpo de um Tathagata com maldade, exprimir opiniões
negativas sobre a qualidade das imagens dos Budas – considerando-as como bens de compra e
venda – destruir os símbolos da mente iluminado (como as estupas), etc. Um exemplo do primeiro
tipo de ação negativa – causar feridas ao corpo de um Buda é ilustrado pela estória de Devadatta,
que atirou uma grande pedra contra Buda Shakyamuni, fazendo-o sangrar.
Nós não podemos cometer esta ação, porque o Buda não está mais entre nós, mas podemos cometer
as outras. “Exprimir opiniões negativas” significa observar as imagens dos Budas para procurar
defeitos na execução. Uma vez Mahayoghin mostrou a Atisha uma estátua de Manjushri e
perguntou-lhe se ela era bonita e digna de ser comprada com 4 sho (uma moeda) de ouro doada por
Rongpa Garghewa. Atisha respondeu: “o corpo do venerável Manjushri náo possui nenhum
defeito, mas neste caso, o escultor é medíocre”. Em outras palavras, devemos somente julgar a
qualidade do artista, pois é inoportuno sublinhar os defeitos da imagem de um Buda.
A venda de imagens para arrecadar dinheiro é uma atividade muito comum. Evitem a todo custo se
comportarem desse modo.
Na segunda metade da recitação, praticando o incremento das qualidades positivas imaginem que se
absorvem em vocês também os dez poderes, os quatro tipos de coragem, as dezoito qualidades
exclusivas e assim por diante.
Depois recitem “tomo refúgio em Dharma”. Na visualização o néctar purificador flui dos textos,
cuja essência é o conhecimento obtido pela prática das instruções que contém.
As ações negativas cumpridas em relação ao Dharma são: abandonar o Dharma; vender os textos
com escopo de lucro ou usá-los em proveito próprio e tratar os textos com pouco respeito. Tais
ações se podem cumprir com facilidade, mas tem consequências muito graves.
“Abandonar o Dharma” se refere a ações como, desprezar o Mahayana com o pretexto de que se é
um seguidor do Hinayana; desprezar o Hinayana com o pretexto de seguir o Mahayana; ou agir do
mesmo modo com relação ao Sutra e ao Tantra ou às diversas escolas tibetanas, Shakya, Guelupa,
Kargyu ou Nyingma sustentando uma e desprezando as outras. Cada vez que exaltamos a nossa
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 94
Introdução
religião desprezando as outras, abandonamos o Dharma. Abandonamos o Dharma também quando
tratamos de modo desrespeitoso os textos de Dharma, caminhando ou sentando em cima, jogando
fora, etc. Comportando-nos assim, acumulamos grande carma negativo. Abandonar o Dharma é um
ato muito grave, como está afirmado no “Sutra Soberano dos Samadhis”. Mas já tratei deste
argumento com mais detalhes anteriormente.
Também vender as escrituras, comercializando-as como se fossem bens ordinários é também uma
ação muito grave.
Não tratar os textos com respeito, quando vocês os abandonam no chão, sem o pano que os
envolvem, quando vocês o sujam, quando vocês umedecem os dedos com a saliva para virar as
páginas ou quando colocam objetos em cima dos textos. Também essas são ações negativas.
Certa vez, quando Atisha se encontrava em Ngari, um praticante do Tantra no início não tinha
intenção de ouvir os seus ensinamentos. Porém, quando Atisha viu um escriba usar a saliva para
marcar um texto de Dharma, não se conteve e exclamou: “Que erro grosseiro!”. O iogue
desenvolveu fé em Atisha e decidiu ouvir seus ensinamentos. Todos que manejam os textos correm
constantemente o perigo de cumprir tais ações negativas, porisso ocorre ter muita atenção.
Se vocês utilizarem para um escopo pessoal, os proventos recebidos pela venda de um livro, vocês
tirarão proveito da venda de um texto. Mesmo essa ação tem graves consequências. O quinto dos
sete Champa Rimpoche, Denton Kyergangpa era um grande erudito no Tantra de Avalokiteshvara.
O seu benfeitor, um leigo se viu com pouco dinheiro e vendeu uma série do “Sutra da Perfeição da
Sabedoria em 100.000 versos”. Em seguida, convidou Kyergangpa e outros três monges para irem a
sua casa pensando desse modo, purificar aquela ação negativa e ofereceu a eles o alimento que ele
tinha comprado com o dinheiro recebido pela venda dos textos. Naquela noite Kyergangpa adoeceu
gravemente. Num estado de absorção meditativa, compreendeu que a grande dor que
experimentava era provocada por uma letra AH branca, que se mexia dentro do seu corpo. Fazendo
as orações para Avalokiteshvara, sua divindade tutelar, esta lhe apareceu e disse:
“Você e os outros tiraram proveito da venda de um texto e isto é gravíssimo. Você,
particularmente tem pouco carma negativo e assim o efeito desta ação amadureceu em você nesta
mesma vida. Aos outros, não resta senão renascer nos infernos. Para purificar essa ação copie o
‘Sutra da Perfeição da Sabedoria em 100.000 versos’, com um tinteiro de ouro e ofereça muitas
Tormas”. Kyergangpa fez o que lhe foi mandado e a sarou da sua doença.
Quando praticarem a visualização do incremento das qualidades positivas, devem imaginar que o
Dharma, representado pelo conhecimento da Verdade da Cessação e pela Verdade do Caminho,
flua em vós na forma de néctar.
Depois repitam: “Tomo refúgio na Sangha”. Segundo os Sutras a Sangha é formada por Shravakas,
Pratyekabudas e Bodhisattvas e segundo o Tantra é constituído pelos dakas, dakinis e protetores do
Dharma. O néctar purificador, flui em vocês e nos outros seres, proveniente dessas figuras. As
ações negativas e os obscurecimentos que se acumulam em relação à Sangha são: criar cismas em
seu interior, apoderar-se de suas propriedades, desacreditar os seus membros e esquecer de ofertar
as tormas aos protetores do Dharma. O carma negativo cometido com relação à Sangha pode-se
purificar através dos quatro poderes oponentes, todavia se poderá inevitavelmente experimentar
consequências indesejáveis. Lembrem-se da história de Supushpachandra.
Estas ações negativas são ainda mais graves do que aquelas cometidas nos confrontos do Buda e do
Dharma, enquanto são cumpridas nos confrontos de um número maior de pessoas. Como no nosso
país, existem numerosas comunidades monásticas, vocês devem ficar muito atentos para não
cometer tais ações.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 95
Introdução
Em geral, pode-se provocar uma cisma na Sangha unicamente durante a vida de um Buda, mas isto
não pode acontecer na época atual. Todavia, criar discórdia no interior de uma comunidade
religiosa é uma ação equivalente, que pode acontecer com frequência.
A Arya Sangha é constituída por quem realizou diretamente a vacuidade, por isso é possivel que
também um leigo, um monge ou uma monja possam representar a Sangha. No caso de seres
ordinários (que não realizaram diretamente a vacuidade), a Sangha é representada por um grupo de
pelo menos quatro monges de moralidade pura.
A ação de criar discórdia no meio de uma comunidade religiosa verifica-se quando alguém provoca
um dissídio entre um grupo de monges, dissídio que em seguida faz surgir uma divisão em facções
opostas, compostas pelo menos por quatro indivíduos. A consequência desta divisão é que cada
pessoa envolvida no cisma, e não somente quem provocou, acabará nos reinos inferiores.
Um Gueshe Kadampa de nome Selsche morreu após ter provocado uma grave cisão entre as
comunidades monásticas. Após sua morte, Gueshe Tompa, seu mestre, disse que se seu discípulo
tivesse morrido três anos antes, seria lembrado como um mestre do Tripitaka; porém morreu muito
tarde. “O monastério de Topur onde vivia, disse Tompa, foi sua ruína”. Segundo a tradição oral dos
mestres do LAMRIM, Selsche encontra-se ainda nos infernos. Diz-se que este monastério, onde
aconteceu esta cisma, foi tão pesadamente influenciado por este ato negativo que naquele lugar,
mesmo praticando e meditando durante doze anos, um praticante não obteve nenhuma realização.
Hostilidade e agarramento podem dividir a Sangha em facções cujos membros raciocinam em “nós”
e “eles”, ou mesmo assim: “se tivesse mais pessoas do nosso lado!”
Quando entre os membros da Sangha surge a discórdia, o estudo e a meditação não podem mais
prosperar. Não existe causa mais grave que determina a degeneração do Dharma. Por isso, é
extremamente importante preservar a harmonia na Sangha. Um sutra afirma:

A harmonia na Sangha é felicidade,


a austeridade de quem vive em harmonia é felicidade.

A citação sustenta que para os membros da Sangha a coisa mais importante é viver em harmonia.
Apropriar-se de propriedades da Sangha comporta ações como não fazer oferendas de modo regular
à assembléia de monges, não entregar à Sangha, bens que lhe foram prometidos ou mesmo utilizar
objetos pertencentes à Sangha sem permissão. Os administradores dos monastérios são as pessoas
mais expostas a esses riscos. Alguns monges encarregados de lidar com os benfeitores do
monastério, poderiam talvez induzi-los a reduzir suas contribuições, dizendo que não são
necessárias. Mesmo que isto equivalesse a somente uma pequena quantidade de manteiga, tal ação
equivaleria a roubar a comunidade, um motivo para renascer nos infernos chamados de Sem
Trégua. Outras formas de apropriação de bens da Sangha levam ao renascimento nos infernos
temporâneos.
Tudo isto está ilustrado na estória do Arya Sangharakshita. Enquanto retornava de uma visita ao
reino dos nagas, apareceu-lhe na praia do oceano alguns seres de um inferno temporâneo; tinham
assumido várias formas: alguns pareciam com uma corda, outros pareciam vasos de argila, outros
pareciam vassouras, pilões, colunas, muros, e um destes tinha a vida destroçada por uma corda.
Todos gemiam, emitindo lamentos angustiantes. Sangharakshita em seguida perguntou a Buda:
“Que tipo de carma provocou este resultado?”
Buda explicou que as criaturas infernais com aspecto de cordas e de vassouras eram pessoas que, no
tempo de Buda Kashyapa, se apoderaram de cordas e vassouras que pertenciam à Sangha. A
criatura que parecia um vaso de argila tinha sido um leigo ajudante da Sangha. Enquanto estava
fervendo um remédio num vaso de argila, um monge o repreendeu injustamente: isto provocou uma
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 96
Introdução
ira tão grande que ele quebrou o vaso. A criatura em forma de pilão tinha sido um monge que havia
ordenado a um noviço para ir à seu quarto para moer cereais em um almofariz, usando o pilão. O
noviço estava ocupado naquele momento e respondeu-lhe que iria depois. O monge ficou
enraivecido e gritou: “Se tivesse em mãos o teu pilão, te moeria juntamente com o grão”. Como
resultado destes insultos, ele renasceu na forma de um pilão. Os seres que pareciam muros e
colunas eram pessoas que tinham cuspido nos templos da Sangha. Alguns tinham assoado o nariz
com as mãos, e depois limparam as mãos nos muros e colunas dos templos. A criatura com a vida
completamente amarrada por uma corda experienciava o efeito do seguinte carma: era um monge
que havia reduzido as provisões da Sangha, subtraindo uma porção de alimento recolhido no verão,
para restituí-lo no inverno seguinte. Enfim, se vocês se apropriarem sem permissão de algo
pertencente à Sangha, mesmo que se trate de um simples pedaço de lenha, renascerão seguramente
em um inferno ocasional.
“Desacreditar ou criticar a Sangha” significa utilizar qualquer tipo de palavra despeitosa ou
invejosa aos seus membros, atribuindo-lhe nomes vulgares diretamente ou pelas costas. Um
brâmane chamado Manavagaura insultou e escarneceu os membros da Sangha de Buda Kashyapa e
renasceu no aspecto de um monstro marinho. A seguinte é uma breve versão de sua vicissitude.
Num tempo, na Índia haviam quinhentos pescadores que jogavam suas redes no rio Gandaka para
pescar peixes, tartarugas, etc. Um dia, um grande monstro marinho ficou preso em suas redes. Era
enorme e os quinhentos pescadores não conseguiam trazê-lo à tona. Pediram ajuda aos pastores,
lenhadores, ceifeiros e passantes. Enfim, com a ajuda de centenas de pessoas, conseguiram trazê-lo
à tona. O monstro que tinha dezoito cabeças e trinta e seis olhos, atraiu a atenção de uma grande
massa de curiosos, entre os quais haviam seis mestres não budistas. O Buda que pode perceber
qualquer coisa em qualquer momento, foi ao lugar acompanhado por um grande número de
monges, e decidiu aproveitar aquele evento para explicar como opera a lei de causa e efeito.
Quando chegou, aqueles que não tinham fé em Buda, disseram:
“Gautama afirma ter renunciado a estes espetáculos ordinários. No entanto, ele está aqui”.
As pessoas que acreditavam nele disseram: “Buda não tem nenhum interesse por esses espetáculos e
aproveitará a ocasião para ensinar às pessoas algum aspecto maravilhoso do Dharma”.
Foi preparado um assento, no qual Buda sentou, ladeado por seu séquito. Depois abençoou o
monstro para que ele se lembrasse de suas vidas passadas e compreendesse a linguagem humana, e
lhe disse: “Você é Manavagaura?”
“Sim” respondeu o monstro, “sou Gaura”.
“Você está experienciando o efeito das tuas ações negativas de corpo, fala e mente?”
“Sim.”
“Quem te levou a cumpri-las?”
“Minha mãe.”
“E ela, onde renasceu?”
“Nos infernos.”
“E você, como renasceu?”
“Com o semblante de um animal.”
“Após a tua morte, onde renascerás?”
“Renascerei nos infernos” respondeu e começou a chorar.
Os discípulos de Buda ficaram atônitos. Para responder a suas perguntas, Ananda perguntou quem
era aquela criatura que podia falar e lembrar de suas vidas passadas. Então o Buda contou a
seguinte estória:
“Um tempo, no período de Buda Kashyapa, durante o reinado do rei Krikin, vieram de um outro
país, alguns brâmanes peritos em debates. Um brâmane chamado Gaurashanti derrotou em um
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 97
Introdução
debate outros filósofos e recebeu como recompensa do rei a concessão das terras nas quais tinha se
realizado o debate. Deste brâmane, nasceu um filho com longos cabelos loiros e por isto foi
chamado Manavagaura (brâmane dos cabelos loiros) . O jovem estudou a gramática e as outras
disciplinas e logo tornou-se um erudito capaz de derrotar os adversários nos debates. Quando o pai
morreu, a mãe ficou com medo que a propriedade pudesse ser reclamada por alguém, então pediu
ao filho: “No debate você tem capacidade para derrotar todos os filósofos?”
“Posso derrotar qualquer um, exceto os discípulos de Kashyapa”, respondeu. Mas a mãe replicou:
“Você tem que ser capaz de derrotar eles também”. Por respeito pela mãe, decidiu debater com
eles. Encontrou um monge que lhe perguntou o significado de um verso em particular. Ele não
soube responder; este fato provocou nele uma grande fé na Sangha. Em seguida voltou para casa.
“Derrotaste aqueles ascetas?” perguntou a mãe.
“Mãe, eu na verdade, hoje fui derrotado.”
“Filho meu, neste caso você deveria estudar as escrituras de Buda.”
“Não são ensinadas aos leigos.”
“Então torna-te um monge. Depois de ter obtido um conhecimento suficiente, você poderá largar a
ordenação.”
Assim ele tomou a ordenação monástica e obteve o conhecimento das Três Cestas das escrituras.
Sua mãe lhe perguntou novamente: “Você está pronto para debater com os discípulos de Buda?”
“Mãe, eu possuo simplesmente o conhecimento de meras palavras das escrituras. Eles, pelo
contrário, além do conhecimento das meras palavras, possuem a realização de seu autêntico
significado, por isso não posso derrotá-los.”
“Filho, nos debates use palavras ofensivas. Os teus adversários sentirão temor em quebrar os
próprios votos, por isso, não poderão replicar. Todo mundo pensará que você venceu o debate.”
Gaura fez o que lhe foi sugerido. Quando debatia com os monges perdia a calma e dizia: “Cabeça
de elefante! Como você pode saber o que é Dharma e o que não é?” E os chamava também de
cabeça de leão, cabeça de tigre, de cavalo, de camelo, de asno, de touro, e assim por diante. Contra
eles usava dezoito diversos tipos de insultos. Como consequência destas ações renasceu como um
monstro marinho com dezoito cabeças.
É inoportuno desprezar e escarnecer os monges, mesmo que sejam pessoas comuns. Às vezes, a
gente exclama : “Estes monges incompetentes”, mas como já disse, não há diferença entre quatro
monges ordinários e a Arya Sangha, por isto seria como insultar Maitreya ou Manjushri. Desprezar
os monges é uma contradição com a recitação das palavras “Tomo refúgio em Sangha”. O meu
precioso mestre disse que quando os monges sentam entre eles, cada um deveria considerar o outro
como um objeto de refúgio. Caso contrário, pensando: “Aquele velho monge no centro da fila é
muito avarento. O outro, o monge que está atrás dele, tem um carater horrível”, etc, poder-se-ia
julgar todos os membros da Sangha do mesmo modo, julgando-se superiores.
Quando recitarem “Tomo refúgio em Sangha” esta fórmula inclui toda a Sangha das dez direções e
não somente uma parte delas. Pelo contrário, comportar-se no modo apenas descrito significaria:
“Tomo refúgio em Sangha, mas não nesta pessoa, ou naquela pessoa”...
Lama Konchog Yenlag afirmou:

Quando encontro meus nobres amigos da Arya Sangha, os


considero como sinceros companheiros que me guiam através do caminho.

Isto significa que quando encontramos um membro da Sangha, seja uma pessoa ordinária ou um
Arya, deveremos pensar que encontramos um protetor que nos conduz através de uma região cheia
de perigos.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 98
Introdução
Na segunda parte da visualização, praticando o incremento das qualidades positivas, vocês deverão
visualizar que o néctar que emana dos Bodhisattvas é, em essência, bodhichitta e as seis perfeiçoes;
o néctar que provem dos Arhats, Shravakas e Pratyekabudas é a essência das doze austeridades e
dos três adestramentos superiores; o néctar que provém dos dakas e das dakinis é a sabedoria da
indivisibilidade de beatitude e vacuidade; o néctar dos protetores do Dharma é a essência dos quatro
tipos de atividades tântricas.
Quando efetuarem a prática do refúgio de modo extenso, a visualização do néctar deveria ser
cumprida em três estágios: antes uma visualização abreviada, depois uma extensa e enfim uma
conclusiva.
Quando repetirem: “Tomo refúgio no Guru” visualizem primeiro que o néctar desce
simultaneamente dos cinco grupos de mestres. Depois, durante a visualização extensa, o néctar
desce de cada um dos cinco grupos de mestres por turno. Enfim, na parte final, o néctar desce
novamente de todos os grupos de mestres simultaneamente. Se recitarem um mala completo para
cada uma destas visualizações, chega-se a um total de sete malas.
Deve-se utilizar o mesmo procedimento para as outras figuras da árvore de refúgio. Por exemplo,
os Budas dividem-se nos seguintes cinco grupos: as divindades das quatro classes de tantra e os
Budas do Sutrayana. Os cinco grupos do Dharma são o Dharma dos Shravakas, o Dharma dos
Pratyekabudas, o Dharma Mahayana em geral, o Dharma das três classes inferiores de Kriya,
Charya e Yoga Tantra e o Dharma do Anuttarayoga Tantra. Os cinco grupos que formam a Sangha
são os Bodhisattvas, os Shravakas, os Pratyekabudas, os dakas e as dakinis e os protetores do
Dharma.
Por outro lado, mesmo que não seja mencionado nos textos rituais, no final usa-se recitar: “Tomo
refúgio no Guru, na Divindade de meditação e nas Três Jóias”, visualizando que o néctar
purificador desce do objeto inteiro de refúgio.
A purificação mediante a visualização do néctar é uma prática da tradição tântrica, enquanto a
purificação mediante os raios de luz é uma prática de acordo com os sutras.
A visualização do néctar pode ser cumprida de três modos diversos: no primeiro, o néctar flui
através de um tubo de luz; no segundo, o néctar escorre descendo sobre a superfície externa de raios
de luz; e no terceiro modo, o néctar desce como uma forte chuva.

A GERAÇÃO DA BODHICHITTA
Recitem estes versos tirados do “Ornamento para as Gargantas dos Afortunados” de Jampel
Lundrub:

Até a iluminação tomo refúgio


em Buda, em Dharma e na Suprema Assembléia.
A causa da energia positiva que deriva de ações como a generosidade
e assim por diante, possa eu obter o estado de Buda
para o benefício de todos os seres.

Quando recitarem a primeira metade destes versos, desenvolvam a atitude de tomar refúgio como
anteriormente. Durante a recitação da segunda metade desses mesmos versos, desenvolvam a
bodhichitta, pensando: “mediante o poder da virtude conquistada através da prática da
generosidade, da ética, da paciência, etc, possa eu obter a iluminação para o benefício de todos os
seres viventes”. Como o método para desenvolver a bodhichitta será explicado extensamente em
seguida, por ora não é necessário entrar em detalhes.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 99
Introdução
Tomar refúgio pode ser comparado a colocar-se à disposição de um rei, e desenvolver bodhichitta
equivale a lhe render homenagens.
Neste ponto, para desenvolver a bodhichitta vocês deverão cumprir uma visualização particular
denominada “tomar o resultado como caminho”. Imaginem que da figura central, Buda
Shakyamuni, emana-se um duplicado que se dissolve em vocês. Desse modo obtenham a
iluminação e assumam o seu próprio aspecto. Em seguida, vocês mesmos emanem inumeráveis
Budas que se dissolvem nos seres sencientes, e cada um deles na sua vez obtém o estado de Buda
Shakyamuni.
Regozigem e sejam felizes refletindo: “desenvolvi bodhichitta para conduzir todos os seres
sencientes ao estado de Buda. Agora atingi meu escopo”.
Este tipo de geração de bodhichitta, no qual utilizamos o resultado do caminho como o próprio
caminho, é como a visualização tântrica denominada “mandala da vitória”, e causa benefícios
incomparáveis. É uma prática excepcionalmente profunda que contém todos os itens ensinados
pelas instruções, como aqueles definidos “eliminar o samsara” e “purificar os seres dos seis reinos”.
O passo sucessivo consiste nas quatro meditações incomensuráveis.
Antes vocês deverão refletir que na prática apenas completada , vocês terão unicamente imaginado
ter conduzido todos os seres sencientes ao estado de Buda. A razão pela qual não conseguiram obter
este estado é devido ao apego pelos entes queridos e à aversão pelas pessoas adversárias. Por isso
vocês devem prometer novamente conduzi-los às realizações representadas pelas quatro
meditações incomensuráveis, refletindo sobre estes versos tirados do “Ornamento para as Gargantas
dos Afortunados” de Jampel lundrub:

Como seria maravilhoso se todos os seres sencientes ficassem em um estado


de equanimidade: livres do apego e da aversão, do sentir-se perto de uns e
longe de outros. Possam eles obter este estado. Eu os conduzirei a esse
estado. Possa eu estar acumulado de energia inspiradora dos mestres e das
divindades, de modo que obtenha o poder de levar ao cumprimento este
escopo!

Depois se medita no amor incomensurável:

Como seria maravilhoso se todos os seres sencientes tivessem a felicidade e


suas causas. Possam eles obtê-la. Eu farei com que a obtenham. Possa eu
estar acumulado da energia inspiradora dos mestres e das divindades, de
modo que obtenha o poder de levar ao cumprimento este escopo!

Também sobre “compaixão incomensurável”:

Como seria maravilhoso se todos os seres sencientes fossem livres do


sofrimento e de suas causas. Possam eles ser livres. Eu farei com que o
sejam. Possa eu estar acumulado da energia inspiradora dos mestres e das
divindades, de modo que obtenha o poder de levar ao cumprimento este
escopo!

E enfim sobre a “jóia incomensurável”:

Como seria maravilhoso se todos os seres sencientes não fossem


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Introdução
nunca separados da pura beatitude dos renascimentos elevados e da
libertação. Possam eles obter tudo isso. Eu farei com que eles
a obtenham. Possa eu estar acumulado da energia inspiradora dos
mestres e das divindades, de modo que obtenha o poder de levar ao
cumprimento este escopo!

Cada uma dessas”quatro incomensuráveis”, por sua vez, compreende outros quatro particulares
aspectos ilimitados; por exemplo, a atitude expressa pela frase, “como seria maravilhoso se todos os
seres...”, representa a aspiração ilimitada; da mesma forma a frase, “possam eles...” representa a
prece ilimitada; a frase “eu farei de modo que...”, indica a atitude extraordinária; e enfim a frase
“possa eu estar acumulado da energia inspiradora...”, representa a prece ilimitada de pedidos ao
mestre. Esta explicação deriva da tradição oral.
Em seguida, desenvolverão bodhichitta extraordinária enquanto recitam as palavras “Para o
benefício de todos os seres...”
Esta meditação e aquela sobre as quatro incomensuráveis não são meros exercícios para ativar um
estado mental diferente. Porém, constituem as instruções suplementares que tem o escopo de
reforçar a mente da iluminação (desenvolvida anteriormente).
No caso da equanimidade, como se fossem filhos de pais briguentos, pensem: “Obterei a
iluminação para levar todos os seres sencientes a um estado de grande eqüanimidade, aonde eles
estarão livres do apego e do ódio”. No caso do amor pensem: “Obterei a iluminação para fazer com
que todos os seres obtenham a felicidade, da brisa que refresca os infernos incandescentes à
beatitude da perfeita iluminação”. No que se refere à compaixão pensem: “Obterei a iluminação
para libertar todos os seres de cada forma de sofrimento, dos tormentos infernais até aos sutis
obscurecimentos à perfeita consciência”. Desta forma reforçarão sua bodhichitta.
Ainda, mediante cada uma destas meditações, é possivel explicar o inteiro caminho em relação aos
indivíduos que seguem os três escopos.
Vocês perguntarão: “Porque desenvolver bodhichitta antes de ter adestrado a mente nas práticas do
escopo inferior do caminho?
Vocês tem que compreender que nos ensinamentos de LAMRIM, vocês não se adestram na realidade
unicamente nos caminhos para as pessoas de escopo inferior ou intermediário. Porém, as práticas de
ambos estes escopos servem como fundamento para o desenvolvimento da bodhichitta, a mente da
iluminação Mahayana. Então, desde o início vocês devem se familiarizar com esta atitude
iluminada. Por exemplo, se vocês querem atingir o topo de um monte deverão antes de tudo desejar
atingi-lo. Ou mesmo, quando desenharem a figura de uma divindade, deverão antes de tudo
assegurar-se que as proporções de figura estão corretas, traçando um esquema.
Na frase que afirma “rapidamente, mais rapidamente ainda”, o primeiro se refere a obtenção da
iluminação de um modo muito mais rápido com relação àquele do veículo das perfeições, o
Paramitayana, no tempo de uma só vida.
O segundo “rapidamente” refere-se à obtenção da iluminação em um período ainda mais breve –
um período compreendido pela vida breve de uma pessoa que vive nesta era degenerada. O
primeiro tipo de obtenção pode-se atingir mediante a prática das três classes inferiores do tantra, e o
segundo por meio das práticas do Anuttarayoga Tantra.
Segundo uma outra interpretação, o primeiro “rapidamente” se refere geralmente à obtenção
realizada através das práticas do Anuttarayoga Tantra – segundo todas as quatro escolas tibetanas,
Shakya, Nyingma, Kagyu e Guelupa – que consiste na realização da iluminação no arco de uma
singular e breve vida desta era degenerada.
Centro Budista Djampel Pawo A Libertação na Palma da Tua Mão: 101
Introdução
O segundo “rapidamente” se refere à rapidez ainda maior obtida mediante as práticas da linhagem
da transmissão oral de Ganden. Esta tradição afirma que se pode obter a iluminação em um
período de somente doze anos, considerando o guru yoga como parte essencial do caminho e
praticando contemporaneamente três divindades: Guhyasamaja, Chakrasamvara e Yamantaka. Os
mestres da linhagem Drugpa Tagpupa afirmam: “O insucesso na prática é devido unicamente ao
praticante. Nesta linhagem da transmissão oral do vitorioso Tsong Khapa, se se pratica como
fizeram Milarepa e Ghyalwa Gotzapa, não precisarão de mais de três anos para atingir a
iluminação”.
Isto é comprovado por numerosos iogues da linhagem de Ganden (Guelupa), como o grande
Ensapa e seus filhos espirituais, que atingiram a iluminação somente em uma vida, sem ter que
praticar intensa e austeramente. As instruções anteriores sobre tomar refúgio e a geração da
bodhichitta provém da tradição do “Caminho Veloz”.
Com respeito a isto, a linhagem da província central das “Autênticas Palavras de Manjushri”
apresenta uma só visualização do Campo de Virtudes, e não fornece uma visualização separada dos
objetos de refúgio. A linhagem meridional daquela tradição, todavia apresenta um objeto de
refúgio diferente de seu Campo de Virtudes. Este objeto de refúgio é diverso daquele descrito
anteriormente e representa a tradição de uma linhagem oral diferente. A visualização da linhagem
meridional é a seguinte:
Imaginem em frente a vocês uma grande e maravilhosa nuvem nas cores do arco-íris, que surge do
terreno, sobre o qual tem várias flores de lótus. A flor central é a maior e sobre ela senta-se Buda
Shakyamuni. À sua direita e à sua esquerda, na mesma altura, sentam respectivamente Maitreya e
Manjushri – cada um em uma flor de lótus. Atrás de Maitreya e Manjushri, sentam os mestres
pertencentes respectivamente às Linhagens das Ações Extensas e da Visão Profunda. Eles formam
duas filas e sentam um atrás do outro, circundando Buda Shakyamuni, de modo que estes últimos
mestres dessas duas linhagens sentam-se um ao lado do outro. Cada um deles senta sobre uma flor
de lótus. De frente para Buda, mas num nível ligeiramente mais baixo, senta seu mestre - aquele de
quem vocês receberam os ensinamentos. Não é necessário visualizar a Linhagem do Tantra, a
Linhagem da Verdade Absoluta e Relativa.
Visualizem os Budas no alto no espaço na parte superior da nuvem, à direita e à esquerda dos
mestres. Embaixo dos Budas sentam-se os Bodhisattvas, os Shravakas, os Pratyekabudas e os
protetores do Dharma. Embaixo de seu mestre tem três flores de lótus multicoloridas. Sobre a flor
de lótus central ergue-se Mahakala (de seis braços) sobre um disco de sol. Ele aparece na forma de
Kurukellejnana que é o detentor do Dharma do escopo superior. À sua direita está Vaishravana, em
pé sobre uma flor de lótus e um disco lunar. Ele é o detentor do Dharma do escopo intermediário.
À esquerda de Mahakala, em pé sobre um disco lunar e uma flor de lótus encontra-se Yama
Dharmaraja, o detentor do Dharma do escopo inferior.
Os motivos pelos quais devemos considerá-los detentores do Dharma dos três escopos são os
seguintes: o aspecto Kurukellejnana de Mahakala é na realidade Avalokiteshvara, a encarnação da
compaixão de todos os Vitoriosos, que surge na forma de um protetor. Se vocês estão praticando as
meditações do escopo superior, desenvolverão rapidamente amor e compaixão confiando neste
protetor. No escopo intermediário, precisa praticar principalmente os três adestramentos superiores,
principalmente o adestramento da moralidade.
O Maharaja Vaishravana prometeu a Buda de preservar, entre as Três Cestas, particularmente o
Vinaya, e entre os três adestramentos, o adestramento superior da moralidade. Confiando neste
protetor do Dharma, desenvolverão no seu continuum mental estes aspectos do caminho.
Dharmaraja Yama ensina a todos os seres a impermanência e a lei de causa e efeito. Confiando
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Introdução
neste protetor do Dharma, desenvolver-se-ão facilmente as realizações que resguardam ao escopo
inferior, que vale dizer a compreensão da impermanência, da causa e efeito, etc.
Desse modo, um praticante pode compreender com qual protetor do Dharma pode recorrer
enquanto prossegue ao longo do caminho. Manjushri ensinou ao grande Tsong Khapa, a fim de que
ele pudesse obter rapidamente a iluminação, como identificar o seu mestre com a divindade mais
apropriada aos diversos estágios do desenvolvimento espiritual. A este respeito existem
inumeráveis aspectos tão profundos que não é oportuno discuti-los agora. Os protetores do Dharma
mencionados devem ser visualizados ao lado das linhagens de mestres e embaixo dos Budas,
Bodhisattvas e Arhats. Os detentores do Dharma dos três escopos deverão ser visualizados na
mesma altura da assembléia das divindades. Como tomar refúgio já foi explicado. Explicações
posteriores darei em seguida.
Na gloriosa tradição Sakyapa é ensinada uma instrução chamada “pedido de refúgio”, na qual se
recita : “Tomo refúgio nos Gurus e nas Três Jóias. Por favor, concedei-me a vossa energia
inspiradora”.

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