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Freud: um moralista que descobriu caminhos de liberdade

Maurício Knobel (analista e psiquiatra psicanalítico)*


(Jornal "Folha de São Paulo", Folhetim, 23 de setembro de 1979)

Interessado na histeria, Freud começou a aprofundar-se nos problemas mentais. Percebia que
existia algo a mais na mente humana do que aquilo que era revelado nas conversas diretas
com os pacientes. Seus estudos sobre a histeria o levaram a colocar seriamente a existência do
inconsciente - negado até hoje por muitos cientistas que só aceitam como científico o que se
pode medir, como afirma Kelvin. O inconsciente não pode ser medido, evidentemente.

Ouvindo os pacientes, Freud começou a juntar detalhes, dados sobre a existência do


inconsciente. Registra, por exemplo, o que se chama de atos falhos.

O exemplo clássico do ato falho registado por Freud, diz respeito ao presidente de um senado
que, num certo dia, tinha uma sessão muito difícil. E este homem começou a sessão dizendo:
"dou por encerrada a sessão". Isto representava o desejo inconsciente de que aquele trabalho
acabasse bem rápido.

E Freud registrou inúmeras situações deste tipo. Há até uma grande quantidade de piadas
baseadas em atos falhos. Por exemplo: por que todo mundo ri quando alguém cai? Não é uma
situação para risos, mas acontece que o ser humano tem uma. agressividade inconsciente
muito forte que leva a este tipo de expressão.

Sempre estudando a histeria, Freud começou a verificar que há alguns tipos de parálises
histéricas (paralisias) que realmente não eram neurológicas, que na tinham explicações
neurológicas e nenhuma lesão como causa. Neste tipo de parálises o histérico não sentia dor,
mas não podia mexer o que estava paralisado. Isto era, então, uma afecção psicológica
determinada por motivos inconscientes, e que eram facilmente tratáveis com a hipnose. Se a
paralisia fosse neurológica o tratamento teria que ser outro, pois não haveria cura pela
hipnose.

Freud e os sonhos

Outra observação importante de Freud refere-se aos sonhos, que ele considerou como
acontecimentos normais do indivíduo.

Ele viu que os sonhos não são meramente causais, mas são determinados pelo inconsciente,
pela necessidade que se tem de liberar o que não se consegue no dia-a-dia. Esta foi uma teoria
realmente revolucionária, pois até então ninguém acreditava que os sonhos fossem
acontecimentos normais. Mesmo hoje há muitos médicos, neurologistas, psicólogos que não
aceitam o valor dos sonhos.

Há 15 anos atrás continuava-se negando o que Freud tinha observado: todo indivíduo sonha.
Negava-se isto de forma categórica e autoritária.

Até que a neurofisiologia, nos anos 60, fez uma descoberta que se chamou Movimentos
Oculares Rápidos, onde se comprovou o sonho quando as pessoas dormiam: durante o sono,
há momentos em que, pelo mexer das pálpebras, evidencia-se estes movimentos oculares
rápidos. Se neste momento a pessoa for acordada ela conta que - e o quê - estava sonhando.
Portanto, neurofisiologicamente conseguiu-se provar que toda pessoa durante a noite tem de 5
a 7 sonhos, e pode até nem lembrar disto no dia seguinte. Mas, não lembrar não quer dizer que
o sonho não tenha existido.

Ele provou que o homem não é dono de si mesmo

Freud descobriu os sonhos quando, ao estudar os fenômenos do inconsciente, procurou


estimular as pessoas a lembrarem do seus sonhos, e muitas começaram a lembrar do que
tinham sonhado. Ele observou, a partir disto, que os sonhos são realizações inconscientes do
desejo, carregadas de simbolismo. O inconsciente é uma força enorme dentro indivíduo,
muitas vezes determinante de sua conduta. Este foi um dos grandes ensinamentos que Freud
nos deixou .

Alguém comparou esta descoberta do Freud - chamando-a de tão revolucionária quanto - com
a do Galileu Galilei provou que o homem não era o centro do Universo, que a Terra não era o
centro do Universo, e sim o Sol. Freud provou que também nós não somos tão donos de nós
mesmos quanto pensamos, pois não controlamos o inconsciente.

Continuando com o estudo das histerias, Freud também descobriu que a sexualidade humana
é um fenômeno importantíssimo. Bem cedo na vida surgem os "problemas sexuais", porque
vivemos uma cultura de supressão violenta da sexualidade......

Então, imagine-se o que foi isso no período Vitoriano em que Freud viveu, onde a repressão
sexual era brutal. Pesquisando ele notou que todo mundo tinha problemas sexuais, uns mais
outros menos. E daí, mais do que qualquer outra pessoa até então, ele começou a falar muito
mais livremente sobre sexo.

Em 1905 ele escreve "Três Ensaios sobre uma Teoria Sexual", um dos livros clássicos, onde
ele principia a estudar a sexualidade da criança, do adolescente e do adulto, e toda a
importância que tem a repressão da sexualidade. Ora, tudo isto, provocou uma reação tão
violenta contra Freud que ele precisou isolar-se do meio científico para continuar trabalhando
com as pesquisas e com os discípulos.

Portanto, um dos aspectos do pensamento freudiano é tirar do homem essa imagem de que ele
pode fazer o que quer. Porque o inconsciente pode levá-lo a fazer o que não deseja, sendo
contrário ao seu próprio pensamento consciente, já que o peso do inconsciente é formidável.

Tudo que acontece fica registrado no inconsciente. Não se pode apagar o que aconteceu,
pode-se esquecer. E o acumulo de situações marcantes irão atuar oportunamente. Cada pessoa
responde a uma série de situações sociais gerais, mas também às micro situações sociais, ou
seja, dela mesma, de seus pais, da família. Não se pode comparar, por exemplo uma pessoa
que sempre teve pai com outra que nunca teve pai, As reações são muito diferentes.

Veja-se: toda a problemática sexual que se desenvolve em relação aos pais, aos irmãos, aos
ciúmes, à masturbação, aparece muito cedo na vida.
Um detalhe, entre parêntesis: há poucos anos, relativamente, pesquisadores não da linha
analítica observaram que as crianças começam a se masturbar-se - se não existir interferência
- a partir dos 6 meses de idade. Isto observou-se claramente no menino porque percebeu-se a
ereção do pênis. E a criança continua mexendo, mexendo, até relaxar e mesmo dormir. Uma
perfeita masturbação!

Por outro lado, numa observação pessoal e de outros autores também, às vezes, ao sermos
informados sobre crianças que com a babá conseguem dormir muito bem e com a mãe não,
procuramos falar com a babá. E algumas confessam como sabem fazer o menino dormir. E só
masturbá-lo um pouquinho. Isto não é bom para a criança por não ser uma estimulação
procurada espontaneamente. E artificial, deixa marcas.

Os homens, e mulheres são seres sexuados. Até hoje nas escolas estuda-se a reprodução dos
mosquitos, por exemplo, mas não a reprodução humana, como se esta espécie não tivesse
aparelho reprodutor. Freud colocava isto como um absurdo, como uma expressão cultural,
social, de repressão da genitalidade. Freud também afirma que o homem é um pouco escravo
do seu inconsciente, e o que ele procurou foi a liberdade do indivíduo, preocupado em que
cada pessoa conseguisse conhecer-se com todas as coisas sujas, feias, ruins que carregamos
dentro do nosso inconsciente. Coisas estas, fruto de uma cultura de mentiras, ocultamentos, de
distorção de todo tipo e que marcam nossas vidas desde os primeiros dias de existência.

Sigmund era moralista de chamar atenção

Os gregos antigos já falavam no inconsciente: o que Freud conseguiu foi fazer uma clínica do
inconsciente, uma compreensão aplicada ao campo filosófico. Ele colocou como hipótese que
existe um aparelho psíquico, ideal, não-material.

Nós nos relacionamos com o mundo externo e também com o nosso mundo interno. Esta
aparte do aparelho psíquico é o ego. Grande parte do ego é inconsciente.

O id sentado no esquema freudiano, inconsciente ligada à parte mais primitiva, mais biológica
do indivíduo chama de instinto, ou pulsões, que obriga o indivíduo a determinadas condutas:
procura do alimento, do prazer, da sexualidade. O id, então, procura satisfações instintivas.

O super ego, que também é inconsciente, é tudo aquilo que o sujeito incorporou dentro de seu
inconsciente com instâncias psíquicas, sociais, sociais, familiares. Por isso dizemos que o
super ego é a instância vigilante do ego. Daí, fica visto que faz as coisas, afinal não é tão livre,
porque é escravo da realidade externa, limitando-a, e da realidade interna, que vigia nossos
atos e desejos. O sentimento de culpa, por exemplo. é um conflito entre o ego e o super
ego. Movido pelo instinto que exige satisfações, o ego desempenha um determinado ato, que
depois, ou ao mesmo tempo, é julgado pelo super ego.

Complexo de Édipo

A palavra complexo não é de Freud, é de Jung, que foi discípulo de Freud durante certo
tempo. Na realidade complexo é um conjunto de situações mais ou menos estruturadas que
determina um certo tipo de conduta. O complexo de Édipo, o único que tem vigência
atualmente na teoria analítica freudiana, é a base da teoria.
Este complexo baseia-se no conceito de que a vida do indivíduo é um problema triangular que
precisa ser resolvido. Colocado em termos simples, é a procura de identificação do indivíduo
com o pai, do próprio sexo, e com poder amar a mãe. Algo assim como: "se amo a minha
mãe, meu pai pode não gostar de me sentir como rival". Ou ainda: "eu sinto que meu pai é um
rival no amor de minha mãe". Isto tem um significado profundo que pode extrapolar-se em
outras situações da vida.

Mas existe o que se chama "a resolução normal do complexo de Édipo" que é a formação do
super ego. Ou seja: chega o momento em que se entende que não é possível "deitar" com a
própria mãe. Muitas crianças a partir dos 3, 5 anos, dizem naturalmente que amam mais ao
pai, que gostariam de casar com o pai. Isto é normal. Depois, isto acaba, mas ficam
incorporados o amor e a proibição.

No desenvolvimento da pessoa incorporam-se estas proibições culturais que fazem parte do


aparelho psíquico do inconsciente. Se, no entanto, há situações conflitivas no
desenvolvimento do complexo de Édipo, estes conflitos serão mais graves depois. Pais que
batem em crianças podem provocar uma fantasia do tipo "meu pai pode ser meu inimigo", e
esta fantasia aproxima-se muito da realidade podendo converter-se em "meu pai é meu
inimigo". Como será a vida desta criança, quando homem? Pode tornar-se agressivo, tímido.
Ter problemas na esfera sexual, etc.

Um dos problemas comuns da sociedade atual - resultante da não-resolução normal do


complexo de Édipo - é a Patologia do Executivo manifesta em doenças cardíacas,
gastrointestinais, etc. O executivo vive em permanente stress. Pergunta-se: como é a vida
íntima deste homem? Qual o nível de culpa que tem? Por que esta ambição terrível de
triunfar, triunfar, triunfar?

Não será que ele precisa impor-se diante da figura interna de um pai muito exigente? E por
que e para que, ele chega a se prejudicar organicamente? O exemplo dos executivos ulcerosos
porque comem mal e trabalham demais até precisarem de cirurgia. O que os leva a esta
voracidade? Não serão conflitos relacionados às primeiras fases da vida, quando não
conseguia tudo que queria? Muitas pessoas resolvem seus conflitos na própria vida. Outros
têm manifestações de agressividade, hostilidade, violência e apresentam até doenças físicas.

Freud disse que todos sonham. E riram dele

O pensamento freudiano, baseia-se na liberdade individual. Por isto é tão significativo que o
pensamento de Freud, seus livros, tenham sido condenados por todos os regimes ditatoriais...

Por um ou outro motivo, ele é acusado de ser excessivamente individualista, pois não
interessa a regimes autoritários uma teoria que respeita tanto o indivíduo, que põe o Estado a
seu serviço, e não o contrário.

Por outro lado, é curioso que alguns setores da sociedade rejeitem o pensamento freudiano e a
psicanálise acusando-o de materialista porque ele lida com a biologia, com a realidade interna
do sujeito, com essa luta pela realização sexual, realização individual, pelo prazer. Então, para
uns ele é um materialista comunista. Para outros, um reacionário individualista. O que
demonstra, para os que o estudam a sério, que é preciso ter muitas coisas certas para ter
inimigos tão poderosos.
Fico surpreso quando dentro da minha linha de especialidade, vejo autores que, para
colocarem alguma teoria ou hipótese, levam página e páginas tentando demonstrar que a
teoria freudiana é falsa. É correto afirmar que a pobreza, a miséria, é um fator que causa a
doença mental. Só que isto em nada contradiz a teoria freudiana, pois ela mesma afirma que
tudo marca a vida do indivíduo - logicamente, as más condições de vida são fatores
etiopatogênicos de doenças.

Possivelmente, uma outra extraordinária contribuição do pensamento freudiano foi levar


muitos cientistas das áreas de educação, sociologia, ecologia, a refletiram um pouco mais
sobre o que existe além do visível, no inconsciente. Na História da Humanidade, por exemplo,
o que levou e leva alguns sujeitos a determinadas atitudes? É só ideologia ou algumas vezes
são psicopatologias disfarçadas de ideologias, que em alguns casos até são bem sucedidas?

Um exemplo típico dessa realidade foi Hitler e outros do seu tempo que foram estudados por
um psicólogo, Gustav Gilbert. Gilbert foi psicólogo Tribunal de Nuremberg e, estudando os
seguidores do nazismo, achou patologias severíssimas em todos eles. E estas foram pessoas
bem sucedidas num determinado espaço de tempo, num certo momento social, o que não quer
dizer que suas atividades foram fruto de uma ideologia correta, mas sim de uma violência
interna, de uma agressão brutal que precisaram expressar. E conseguiram exprimi-la
inteligentemente sob a forma de sistema social teórico. Vemos tantos doentes mentais
construindo teorias e sistemas para a salvação da Humanidade. Mas esta salvação só existe se
conduzida por eles.

O respeito á individualidade, á liberdade individual, base do pensamento freudiano, por outro


lado mostra um aspecto curioso na sua vida pessoal. Ele foi vitoriano na conduta, de uma .
moral que chama atenção, rígido nos costumes - apesar de sua própria teoria - exigente com
seus discípulos. Um deles, Ferenczy - psicanalista famoso que chegou a ser ministro de
Educação da Hungria comunista - escreveu a Freud relatando o caso de uma mulher que
tratava no consultório, mencionou que esta mulher precisava muito de amor e carinho (coisa
que acontece com muitos pacientes). A resposta de Freud foi violenta. Ele disse:

"Você é terapeuta, psicanalista. Sua função é procurar entender e ajudar esta mulher a
entender essa necessidade de amor e carinho. E não dar este amor. Onde você vai colocar o
limite? Hoje é um beijo, e amanhã"?

O terapeuta tem uma função definida, com limites. De um beijo pode-se chegar às relações
sexuais. Por que dar um e não outro? Ou se é terapeuta ou amante - este era o conceito rígido
de Freud. Nunca expressou nada, mesmo postulando o sexo livremente, que se possa chamar
de uma "loucura sexual". E aí é importante entender o que é o Pan-sexualismo freudiano, que
nem é tão "pan" como se pensa.

O pan-sexualismo de Freud não é tão pan quanto se pensa

Freud percebeu que existe uma energia instintiva no sujeito, energia biológica, pulsões como
se pode chamar, que levam o indivíduo a uma série de desenvolvimentos libidinais. Libido no
sentido de vida. Então, ele fala de uma fase oral, fase anal, etc, que são as primeiras fases da
vida. e que permitem a sobrevida do indivíduo. A criança precisa alimentar-se oralmente, seja
através dos pais ou de seus substitutos, senão morre, pois o elemento humano é muito
dependente.
Essas fases evoluem, chegam à maturidade, onde é dominante a genitalidade, que afinal é a
sobrevida da espécie. Então, da sobrevida individual há um processo de desenvolvimento que
leva à sobrevida da espécie. Isto nada tem de sinistro ou esquisito, mas demonstra a
honestidade de Freud em poder observar os fenômenos que se produzem na evolução do
sujeito.

Estudando, pesquisando, trabalhando diretamente coma histeria e a hipnose (no começo de


sua atividade com Charcot) Freud fez descobertas que, na época, lhe custaram o convívio com
a vida acadêmica.

Certa vez ele apresentou um trabalho, uma comunicação científica na Sociedade Médica de
Viena, falando da histeria masculina. A gargalhada foi geral! Um dos catedráticos chegou a
dizer que aquilo era um absurdo porque a histeria, como nome indica, é doença feminina,
do histeron, que em grego quer dizer útero. Um homem não poderia ter histeria. Veja-se que
conclusão simplória. Freud insistiu, mas o desprezo dos colegas foi tamanho que ele viu-se
obrigado a não assistir às reuniões científicas. Esta foi uma razão a mais para o seu
isolamento. Ele acabou provando que existem homens histéricos. Hoje sabemos que existem -
às vezes até mais que as mulheres.

Como seus estudos avançavam sempre, ele começou a perceber que o que conseguia com a
hipnose, conseguiria também fazendo com que o paciente não perdesse o controle de si
próprio, e que pudesse estabelecer associações sem nenhum artificial (no caso, a hipnose). E
que, além disso, a produção era similar à da hipnose. Levava um pouco mais de tempo. Mas o
paciente ao fazer associações, recebia de Freud explicações, e o paciente continuava
procurando lembrar-se de outros fatos, novas associações, mais explicações. Depois de algum
tempo estes pacientes apresentavam melhoras sensíveis.

O protótipo dos casos de terapia freudiana é o famoso caso Dora. Esta paciente apresentava
diversas patologias, rejeitava água, não podia caminhar, etc. Com a técnica terapêutica que
vinha aperfeiçoando, Freud conseguiu mobilizar o inconsciente desta mulher, e chegou à
realidade de que o problema de Dora, provinha dela ter presenciado a sedução feita pelo pai à
mulher de um amigo dele. Ela era criança e isto a impressionou fortemente. Dora ficou curada
e tornou-se uma das primeiras assistentes sociais do mundo.

Trabalhando intensamente, Freud conseguiu demonstrar o que chamou de Método Catártico,


que significa liberação, catarse. Levou anos só ouvindo os pacientes, ligando fatos, e
mostrando em cada caso as correlações entre situações infantis e situações atuais, e em como
se ligava o trauma infantil ao comportamento adulto, já de forma transformada. Tudo isto foi
sendo trabalhado até aperfeiçoar-se o método psicanalítico que é baseado em fazer consciente
o inconsciente, e, chegado este momento, o sujeito tem condições e capacidade para escolher
melhor o que fazer com sua vida. Tem mais liberdade, portanto. Isto tudo significou para
Freud 5 anos de trabalho.

Freud começou a trabalhar por conta própria em hospitais com pacientes indigentes, e no
consultório com clientes de classe economicamente alta. Lidando basicamente com o aspecto
individual, ele não deixa de colocar, permanentemente, a influência dos fatores sociais.
Considero que um menino de favela vai ter situações desde as biológicas até as traumáticas
iniciais, muito mais sérias do que outro que nasce num lar cheio de amor, compreensão,
facilidades econômicas, que não tem, privações, pai bêbado ou desconhecido.
Muitos afirmam como coisa nova que a sociedade adoece as pessoas. Ora, este foi um dos
primeiros critérios de Freud e que se chama "Séries Complementares", ou seja cada indivíduo
tem uma sucessão de séries complementares. Tem a constituição biológica e os
acontecimentos dos primeiros anos de vida. Isto é uma série complementar. Logo depois ele
tem predisposição a qualquer tipo de situação, tem as primeiras situações traumáticas da vida
e das quais vai depender.

Há o fator desencadeante da doença mental, que é outra série complementar. Retomando o


exemplo do menino da favela, no desenvolvimento de suas séries completares ele está mais
vulnerável a qualquer acontecimento tornar-se fator desencadeante da doença mental, do que
outro mais privilegiado, com mais condições para se defender.

O fator social sempre foi considerado por Freud como elemento importantíssimo. Em alguns
estudos ele chegou a colocar critério sobre estruturas e organizações da sociedade. Por
exemplo., a sociedade só cria estruturas rígidas por se sentir fraca como é o caso do fanatismo
religioso, dos exércitos brutalmente repressivos. Estas são instituições que Freud considera
doentes e que levam a sociedade a adoecer.

Nos últimos 20 anos o pensamento freudiano criou métodos psicoterápicos de base analística
que podem ser praticados em hospitais, serviços públicos, etc, acessíveis a pessoas de
qualquer nível sócio-econômico.

No final das contas, o pensamento de Freud é um longo discurso de liberdade

Existe muito de preventivo no tratamento psicanalítico. O próprio Freud e muitos de nós


psicanalistas, consideramos que o método é necessário demais a pessoas que têm de lidar com
pessoas. Os médicos, os professores, a família, o preparo do homem e da mulher jovens para a
família, o policial e, se possível, os políticos, são pessoas que teriam grandes benefícios
preventivos no conhecimento de si próprias. Mesmo os terapeutas precisam conhecer-se.
Como um médico pode ter preconceitos e rejeitar um cliente homossexual, ou alguém que
mantém relações extra-maritais, ou mesmo um criminoso? O gerente de uma indústria, por
exemplo. Se ele fosse levado a entender que está lidando com pessoas e não com peças de
máquinas, ele até conseguiria uma produção muito maior.

Há um livro de um psicanalista inglês, Elliot Jaques, (Equitable Payment) que lida com este
problema do ponto de vista psicanalítico, e que mostra que se consegue administrar bem uma
empresa regulando bem os salários (o pagamento justo), mas não só os salários devem ser
considerados, mas também a gratificação do indivíduo que sabe o que está fazendo e porque
está fazendo. Isto torna o homem muito mais produtivo, mais satisfeito, impedindo-o de
tornar-se o homem-máquina caracterizado pelo Carlitos no famoso "Tempos Modernos". Isto
não se consegue com slogans e propagandas.

Freud já havia colocado que a satisfação no trabalho é uma base da felicidade e realização
humanas. Qualquer um das profissões que mencionei acima seria largamente beneficiada com
a psicanálise preventiva, tornando consciente o que sufoca o inconsciente e que atrapalha
tanto a nossa vida, nossa produtividade e até a vida dos que dependem de nós.

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* Tem mais de 300 trabalhos publicados e vários livros, tratando, principalmente da
adolescência e infância. Foi Presidente do Colégio Internacional de Medicina
Psicossomática, fundador da APPIA na argentina é Membro de Honra da Sociedade de
Psiquiatria Mundial.

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