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A História do Movimento Psicanalítico

Quando se fala em psicanálise, logo se pensa em relações entre pais e


filhos, complexo de Édipo e claro, em sexualidade. Quem nunca ouviu
expressões como “fulano é um neurótico”, “beltrana é uma histérica”, “deixa de
paranóia”, ou ainda, “ai, acho que eu tenho complexo de Édipo”, “tudo é culpa
da mãe”, sem contar a clássica “Freud explica”. O fato é que estas expressões,
utilizadas corriqueiramente pelo senso comum, são fruto de uma longa e
exaustiva observação clínico-teórica empreendida pelo médico vienense
Sigmund Freud há quase dois séculos. Se hoje nos deparamos com tais
conceitos em nosso dia-a-dia, seguramente é porque em sua origem eles
foram embasados e divulgados amplamente, a despeito daqueles que sempre
ao se depararem com novas idéias, primeiramente as refutam e procuram
desmascará-las. Mas como tudo começou?

A psicanálise foi criada por Sigmund Freud no final do século dezenove,


e suas bases abalaram o mundo e a sociedade da época. No entanto, a força
de suas idéias e de seu trabalho clínico foram contundentes para que a
psicanálise ganhasse o respeito e a aceitação necessárias, não apenas por
parte da comunidade médica, como também de outros segmentos acadêmicos.
Quando Freud escreveu o artigo sobre a história do movimento psicanalítico,
em 1914, sua intenção era mostrar à sociedade da época, os postulados que
faziam parte da psicanálise, bem como demonstrar que algumas teorias
criadas por alguns de seus discípulos, a saber, Adler e Jung, eram
incompatíveis com a teoria psicanalítica, e, portanto eles deveriam denominar
as mesmas com nomenclaturas, diferentes.

O primeiro período do movimento psicanalítico vai até 1902, época em


que Freud trabalhou sozinho, e por conta disso, conseguiu extrair algumas
vantagens. Não precisava ler determinadas publicações, nem realizar embates
com adversários de suas idéias; não precisava se preocupar com reuniões,
datas e encontros inconvenientes. Com isso ganhava tempo para burilar suas
teorias e refinar sua prática clínica. De 1902 a 1910, a psicanálise ganha
espaço em outros contextos e meios acadêmicos. Neste período inúmeros
acontecimentos culminaram em algumas deserções.

A primeira grande parceria de Freud foi com Joseph Breuer (1842/1925),


um médico austríaco que desempenhou um papel muito importante nos
primórdios da psicanálise. Freud e Breuer escreveram o livro “Estudos sobre a
histeria”, no qual narraram o caso clínico de Anna O. Para realizar este
tratamento eles se valeram do método catártico. O referido método,
desenvolvido por Breuer, buscava acessar os sintomas dos pacientes
histéricos a partir de fragmentos do seu passado. Estes fragmentos estariam
associados a cenas, fatos e emoções – na maioria das vezes traumáticos –
que haviam sido esquecidos. O objetivo da intervenção era fazer com que o
paciente rememorasse e revivesse essas experiências através de um estado
hipnótico. A catarse pode ser definida como uma descarga de emoções e
afetos represados. Freud e Breuer divergiam quanto à etiologia do transtorno
psíquico da histeria. Para Breuer a explicação estaria apoiada numa
abordagem fisiológica, diferentemente de Freud, que destacava a importância
dos elementos psíquicos e da sexualidade na gênese dos processos
neuróticos. Além disso, Freud percebeu que a intervenção através da hipnose,
nem sempre garantia o sucesso do tratamento, gerando muitas resistências e
provocando o retorno deslocado de alguns sintomas extintos. Dessa forma,
Freud abandona a hipnose e inicia efetivamente sua “talking cure”, ou seja, a
cura através da conversa. Outros personagens importantes foram Charcot e
Chrobak, ambos considerados por Freud como “mestres”.

As idéias de seus mestres, embora não diretamente, foram muito


importantes para que Freud percebesse a importância da sexualidade para o
psiquismo humano. Charcot era um psiquiatra que desenvolvia um pioneiro
trabalho de hipnose com histéricas e Chrobak era um renomado ginecologista
que mantinha relações sociais com Freud. Quanto à etiologia sexual das
neuroses, inúmeros fatores se somaram às pesquisas de Freud, tanto com
relação à técnica quanto com relação aos resultados esperados de uma
análise, e alguns destes fatores são: a descoberta da transferência, o uso das
associações livres de ideias, o reconhecimento da sexualidade infantil, a
utilização dos sonhos como a “via régia para o inconsciente”, a representação
dos chistes, lapsos e atos falhos para os pacientes, a resistência, os
mecanismos de defesa, a teoria do recalque – considerada “a pedra angular da
psicanálise” por Freud – e muitos outros conceitos estabelecidos.

Freud estrutura a etiologia das neuroses postulando a chamada teoria


da sedução. Esta teoria dá conta de que entre a criança e o adulto ocorre um
assédio sexual, sem a excitação consciente por parte da primeira, devido a
insuficiência de condições somáticas de excitação para consumar o ato. Na
puberdade, a cena traumática da infância ganha outra representação, seguida
de uma excitação sexual que impele o indivíduo a estabelecer o recalque de tal
lembrança.

Freud, em 1897, abandona essa teoria, julgando-a inverossímil, e


apresenta uma nova, intitulada “Complexo de Édipo”, significando que os
sintomas não estariam associados a fatos reais, mas sim a fantasias. Criou
então o conceito de realidade psíquica, permeada por fantasias, às quais, por
sua vez, proporcionariam a representação ligada à vida sexual. Freud, por ser
judeu, estava preocupado com o fato de que a psicanálise pudesse ser
associada unicamente a uma teoria judaica, o que fez com que investisse em
um de seus discípulos, C. G. Jung, homem mais jovem, sem laços com o
Judaísmo e que naturalmente ocuparia seu lugar depois de sua morte. Freud
não imaginava que, em suas palavras “esta seria a escolha mais infeliz
possível”. Desse modo, Freud resolve fundar a IPA (Associação Internacional
de Psicanálise) cujo objetivo era “promover e apoiar a ciência da psicanálise”.
Jung foi nomeado presidente da associação. Mas as ideias de Jung não são
aceitas por Freud e os dois rompem relações em 1913.Finalmente Freud
arremata sua visão histórica da psicanálise declarando que “os homens são
fortes enquanto representam uma idéia forte; se enfraquecem quando se
opõem a ela”.

Mas como se encontra a psicanálise hoje? Alguns movimentos tem


obtido maior espaço no âmbito didático, como por exemplo a psicanálise
Kleiniana, baseada nas teorias de Melanie Klein, a Winnicottiana, inspirada no
trabalho de Donald Winnicott, a Lacaniana, representada pelo trabalho
hercúleo realizado por Jacques Lacan, responsável pelo resgate das idéias
freudianas, e muitas outras embasadas em psicanalistas do calibre de Wilfried
Bion, Françoise Dolto e Juan David Nasio. Embora existam inúmeras
ramificações e propostas teóricas dentro do ensino em psicanálise, a nossa é ir
ao encontro das idéias originais de Sigmund Freud, buscando externalizar seu
cabedal e contribuir para a construção de um mundo mais justo e ético.

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