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Como uma pessoa se torna neurótica? Essa foi uma das principais perguntas que
Sigmund Freud procurou responder ao longo de sua elaboração teórica na
Psicanálise. Inicialmente, o médico foi levada a crer, com base nos relatos de seus
pacientes, que as neuroses eram causadas por experiências de abuso sexual
ocorridos na infância. Freud, no entanto, sustentou essa tese por pouco tempo.
Considerando a baixa probabilidade de que houvesse um número tão grande de
abusadores na sociedade de sua época, o pai da Psicanálise passou a acreditar
que pelo menos boa parte das supostas memórias de abusos relatadas pelos
doentes seriam, na verdade, fantasias infantis.
Para sustentar essa hipótese, Freud precisaria explicar como crianças seriam
capazes de imaginar cenas de sedução sexual. De fato, a sociedade europeia do
fim do século XIX acreditava que as crianças não tinham desejos sexuais. Como,
então, seria possível que o paciente neurótico quando criança tivesse criado em
sua imaginação uma fantasia de abuso sexual?
Freud responde essa pergunta com uma de suas principais obras, os “Três Ensaios
sobre a Teoria da Sexualidade”. Na segunda parte desse livro intitulada justamente
“A Sexualidade Infantil”, o autor descreve, fazendo referência a diversos outros
pesquisadores, a multiplicidade de formas de prazer sexual que a criança
experimenta. Nesse texto, o médico demonstra, por exemplo, que as chamadas
“preliminares” do ato sexual adulto, isto é, o olhar, o toque, o beijo etc. são
modalidades de satisfação sexual que já estão presentes na infância. Freud
evidencia também que apego, ciúme, rivalidade, dentre outros sentimentos típicos
do erotismo adulto, já estão presentes na relação da criança com seus primeiros
objetos de amor, a saber: seus pais e, eventualmente, seus irmãos.
Assim, ao esclarecer que a sexualidade já está presente em nós desde a infância,
Freud se vê munido das bases necessárias para sustentar sua nova teoria de que
as neuroses estariam mais associadas a fantasias sexuais infantis do que
necessariamente a abusos sexuais reais. Por outro lado, ao abrir as portas para a
abordagem das fantasias de seus pacientes, Freud acabou sendo levado
novamente da dimensão da imaginação para o campo da realidade. Com efeito,
embora as narrativas dos doentes contivessem claros elementos fantasísticos,
isto é, criações imaginárias derivadas do desejo e não da realidade, havia sempre
por detrás delas determinadas experiências reais que pareciam estar na origem
das próprias fantasias.
É a partir dessas observações que Freud irá propor o conceito de FIXAÇÃO como
um elemento crucial para a compreensão de como a neurose se desenvolve. A
fixação constitui-se no apego inconsciente do sujeito à memória daquelas
experiências infantis traumáticas. É como se a pessoa resistisse a esquecer
aquelas situações, trazendo-as constantemente de volta ao presente ao invés de
abandoná-las no passado.
Nesse sentido, a segunda teoria freudiana para explicar a gênese das neuroses
poderia ser descrita esquematicamente mais ou menos da seguinte forma: (1) O
sujeito se fixa a alguma experiência traumática real – (2) Graças à sexualidade
infantil, o indivíduo constrói uma fantasia básica por meio da qual ele consegue
“gozar” com o trauma – (3) O processo educacional força o sujeito a reprimir essa
fantasia que passa a lhe parecer nojenta, detestável, absurda etc. – (4) Reprimida
no Inconsciente, na adolescência e na vida adulta a fantasia passa a dominar
subliminarmente a vida do sujeito, podendo chegar a um domínio quase completo
pela via dos sintomas e outras manifestações patológicas (neurose).
Nota-se, portanto, que, nessa segunda teoria das neuroses, a chamada “teoria da
fantasia”, Freud enfatiza a dimensão do SUJEITO na gênese do adoecimento
neurótico. Na primeira teoria, que ficou conhecida como “teoria da sedução”, não
há espaço para o sujeito: o adoecimento seria tão-somente o resíduo de uma
experiência de abuso, ou seja, o indivíduo seria inteiramente passivo nesse
processo. Com a teoria da fantasia, Freud passa a trabalhar com a ideia de que
nós não vivenciamos o trauma passivamente, mas respondemos a ele, tentamos
dominá-lo, buscando torná-lo uma experiência verdadeiramente nossa ao invés
de apenas um episódio que aconteceu conosco.