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SIGMUND FREUD (1856-1939)

O psicanalista Luiz Tenório Oliveira Lima, principia sua análise sobre Freud refletindo:
o que distingue um recém-nascido humano de outros bebês mamíferos? Nessa idade, a
cultura humana nada significa para o filhote de homem. Ambos precisam ser alimentados
e protegidos pela mãe. Os bebês mamíferos se contentam em satisfazer suas
necessidades biológicas. No entanto, por que a criança humana, mesmo bem alimentada,
é capaz de sugar uma chupeta por horas, mesmo sem sair nenhum leite dela? Porque, além
de suas necessidades biológicas o homem nasce com a capacidade de sentir prazer em
várias partes de seu corpo. Os mecanismos pelos quais o homem experimenta esse prazer
são o ponto de partida da teoria de Freud, que vai além, e mostra que a maneira como
satisfazemos ou reprimimos nosso prazer define quem somos. O prazer, e não a
reprodução, são o sentido de nossa sexualidade.
Freud desenvolveu suas ideias entre o final do
século XIX e grande parte do XX, marcando definitivamente o
pensamento contemporâneo. No século XX, a corrente
artística surrealista buscava, justamente, criar uma arte a
partir do inconsciente, transpondo as barreiras entre sonho e
realidade, eliminando as barreiras da censura. O pensamento
de Freud foi incorporado pelo ocidente: sem nunca lê-lo,
falamos abertamente de traumas, complexos, inconsciente e
desejos reprimidos. Hoje muitas pessoas vulgarizam o
pensamento freudiano, realizando análises simples e
Sigmund Freud, por Max Halberstadt, em equivocadas sobre “traumas de infância”. Seus
1922
pensamentos, discorrendo abertamente sobre a sexualidade
infantil, o complexo de Édipo e a repressão dos desejos sexuais, chocaram profundamente
a sociedade de sua época (e choca até hoje), fazendo com que esse médico de Viena fosse
bastante impopular. A hipocrisia social, negando, por exemplo, que as crianças fossem
capazes de ter prazer sexual, não conseguia encarar de frente as descobertas de Freud.
Freud foi estudante da Faculdade de Medicina de Viena desde 1873. Em sua época,
a medicina via a mentalidade humana como mero reflexo do funcionamento do organismo

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físico, quer dizer, todo o comportamento das pessoas seria apenas fruto da atividade
cerebral, do sistema nervoso.
Dedicando-se a pesquisa de laboratório, Freud passou a estagiar com o francês Jean
Martin Charcot, um neurologista com métodos poucos ortodoxos, que abriu a mente do
estudante. Charcot tratava pacientes histéricas com sintomas diversos, como paralisias,
cegueiras, ataques convulsivos, desmaios, etc. Enquanto outros médicos buscavam uma
origem puramente orgânica desses problemas, Charcot hipnotizava suas pacientes,
conseguindo com isso muitos sucessos. Se, com a hipnose, os sintomas da histeria
deixavam de existir, a origem desses problemas não ora orgânica, mas psicológica,
concluía Freud. Seria possível, assim, explicar esses problemas sem recorrer à existência
de uma alma ou causas orgânicas. A partir dessa observação, Freud iniciou seus estudos.
Devido à oposição que sofreu, Freud começou a publicar seus pensamentos apenas a partir
dos 50 anos.
Trabalhando com o médico Josef Breurer, Freud continuou seus estudos com
pacientes histéricas, e, a partir da hipnose, concluiu que seus sintomas tinham origens em
problemas relativos à sexualidade, resultantes da repressão de desejos e fantasias
experimentados na infância. Uma paciente foi particularmente importante nos estudos de
Freud: Ana O., uma judia rica de Viena, com 21 anos. Desde a morte de seu pai, Ana teve
alucinações e acesso de tosse, que depois se tornaram paralisia e distúrbios de visão e
linguagem. Ela não conseguia mais falar alemão, misturando várias línguas, até se fixar no
inglês. Quando seus sintomas se agravaram, Ana passou a ter múltiplas personalidades e
foi internada num sanatório. Submetida ao tratamento hipnótico, ela mencionou fantasias
sexuais com o pai. No entanto, em estado de consciência a paciente não tinha recordação
desses desejos. A rememoração dessas lembranças traumáticas em estado hipnótico (o
chamado processo de catarse) curou a paciente. Muitas outras pacientes tratadas por
Freud também relataram, em estado de hipnose, casos em que fizeram sexo ou foram
seduzidas por pais e tios. Esses casos estariam na origem dos traumas das pacientes.
Inicialmente, Freud ficou espantado, e achou que Viena fosse um centro do incesto. Porém,
com o tempo, ele percebeu que essas histórias eram meras fantasias na mente das
pessoas; não existiram de fato. Para que se produzisse um trauma, não era necessário um
fato concreto, mas apenas um desejo.

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Visto isso, os estudos de Freud com pacientes histéricas levaram-no a formular um
modelo para explicar o funcionamento da mente humana. Assim, Freud constatou que
muitas neuroses e histerias teriam origem nas experiências perturbadoras vividas na
infância. Por exemplo, uma criança, ao ver a mãe grávida, poderia ter um impulso de dar-
lhe um soco na barriga, por desejar o pai, se for menina, ou a mãe, se for menino. A
repressão desse desejo poderia estar na origem de uma paralisia de um braço. Visto isso,
Freud constatou que deveria haver uma força que mantinha as lembranças indesejáveis
encobertas e escondidas: a repressão (quando vem de fora) e o recalque (o desejo reprimido
internamente, pelo próprio desejo).
Do mesmo modo, deveria haver uma instância de nossa mente que não é percebida
por nós, embora nos mova o tempo todo. Um plano de nossa consciência para o qual iriam
todos os desejos negados, reprimidos. Um lugar para o qual mandaríamos todos nossos
desejos que consideramos repulsivos. Esse plano ou instancia foi chamado de
inconsciente. A todo o momento, esses pensamentos reprimidos tentariam vir à tona, e os
problemas psíquicos de muitas pessoas teria origem nessa repressão: o ato de banir tais
pensamentos desagradáveis se tornava insustentável. Numa palestra, em 1909, nos EUA,
Freud ilustrou esse processo. Ele imaginou no auditório em que palestrava um indivíduo
que perturbava os outros conversando, rindo e batendo os pés no chão. Por irritar os
demais, dessa forma, alguns homens fortes colocariam o indivíduo porta afora, no corredor.
O indivíduo, portanto, seria reprimido, e a palestra continuaria. Para impedir que o indivíduo
volte, os homens fortes o colocariam cadeiras na porta. O auditório, dessa forma, seria a
consciência, ao passo que o corredor representava o inconsciente. Uma coisa era certa: o
indivíduo tentaria entrar novamente na palestra. Para muitos artistas, a inspiração e o
talento seriam uma expressão do inconsciente. Ao pensar o Inconsciente, Freud retira o
homem do centro de si mesmo, acaba com o primado da consciência.
O inconsciente estaria presente em todo o cotidiano das pessoas. Atos involuntários,
lapsos de memória, trocadilhos e sonhos sempre teriam um sentido, ligado ao inconsciente.
Para Freud, esse sentido é sempre sexual. Um momento em que nossos desejos ou
pensamentos reprimidos viriam à tona seria no chamado Ato Falho, ou seja, quando
dizemos ou fazemos coisas sem intenção, que expressam nossos pensamentos
reprimidos. Por exemplo, um sujeito vai cumprimentar o amigo no aniversário e diz: “Meus
pêsames”, para se corrigir, em seguida diz “me desculpe, não foi intencional”. Isso significa
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que, embora não deseje voluntariamente a morte do inimigo, nutre uma hostilidade
inconsciente em relação a este.
Outra ação do inconsciente comum é a projeção, ou seja, o indivíduo odeia no próximo
aquela característica que reprimiu em si mesmo. Por exemplo, pessoas que tem problemas
em relação a sua sexualidade frequentemente se irritam com pessoas fissuradas em sexo.
Do mesmo modo, como Freud mostra em A Interpretação dos Sonhos (1900), o sonho
representava o desejo inconsciente do sonhador, uma maneira do inconsciente falar com a
consciência. Por meio de imagens recentes, geralmente do dia anterior ao sono, o sonho
expressa um significado profundo, geralmente ligado aos traumas dos primeiros anos de
infância. O sonho é uma obra de arte que
produzimos naturalmente todas as noites,
cheio de símbolos, significados e intenções.
No livro Sybil, por exemplo, uma mulher com
múltiplas personalidades conta a psicanalista
sobre um sonho no qual era perseguida por
uma alface; após o tratamento, ela revela que,
em seu inconsciente, estava reprimida a
Seu divã, hoje no Museu Freud em Londres
lembrança de ter sido estuprada por um
militar.
É comum dizer que Copérnico tirou o homem do centro do universo com o
heliocentrismo; Darwin tirou o homem do centro da natureza com a ideia de seleção
natural; Marx tirou o homem do centro da história com a ideia de materialismo histórico;
Freud tirou o homem de si mesmo quando pensou o Inconsciente.

Freud mostrou ao mundo contemporâneo as motivações inconscientes das ações de


cada um, mas é preciso notar: longe de tirar a responsabilidade de cada indivíduo pelos
seus atos, Freud queria que os homens, com ajuda da psicanálise, enfrentassem seus
próprios dramas e tensões pessoais, superando a si mesmos. Uns analistas, junto ao
paciente, explorariam a mente do último, buscando trazer à luz as experiências de sua vida
que motivaram o distúrbio. Mais para frente, Freud deixou de usar a hipnose (perigosa) e
passou a usar as próprias palavras para a cura (talking cure) pois ela tem a potencialidade
de unir elementos dispersos na consciência.
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Além do inconsciente, outra descoberta fundamental de Freud foi a sexualidade
infantil. A hipótese de Freud era que a mente adulta era moldada na infância, de acordo com
nosso amadurecimento sexual, o desenvolvimento de sua libido no ser humano. A libido
era a energia corporal expressa nos instintos sexuais. Quer dizer, ao longo da infância,
acriança experimenta uma série de sensações, que formam sua sexualidade e tem
influência determinante em sua vida adulta. E esse desenvolvimento da libido, para Freud,
era o traço fundamental que diferenciaria o homem dos outros animais. Nosso
amadurecimento sexual teria três fases: oral, anal e genital.
 Fase Oral da Criança: na fase oral a criança teria prazerem sugar e morder, como faz
com a chupeta e o seio da mãe. Nesse momento, a criança não diferencia fantasia e
realidade
 Fase Anal da Criança: na fase anal, a criança descobre as fezes e a urina,
experimentando o prazer de segura-los ou soltá-los. Assim, ao longo da infância,
experimentaria o prazer pelo ânus, pelo tato, pela visão. A criança experimentaria outras
sensações de prazer e desprazer sentido e causando dor, se escondendo, etc. Todo esse
processo é visivelmente percebido pelos pais da criança. Do mesmo modo, as situações de
prazer e desprazer que experimentaria nas manifestações de amor e carinho seriam
determinantes para a vida adulta. A criança nessa fase inicial é apenas id, quer dizer, é
regida pelo princípio do prazer, sem nenhum valor moral ou censura ética às suas ações
(ao longo da vida, o homem desenvolve o ego, que afina as vontades do homem com a
realidade ao seu redor). Os acontecimentos e problemas nesse desenvolvimento ficariam
presentes no inconsciente e determinariam muito do caráter da pessoa da vida adulta. Quer
dizer, se uma pessoa tem um impulso incontrolável por beber, comer ou fumar,
provavelmente ela se fixou na fase oral. Quando uma criança mexe com seus órgãos
genitais e seu pai a reprime com um tapa, por exemplo, estaria construindo na criança o
sentimento de culpa, típico da cultura cristã.
 Fase Genital da Criança e Complexo de Édipo (5,6 anos): a fase final do
amadurecimento sexual da criança é a fase genital, a partir de quando a criança começa a
se transformar em pessoa, dona de uma personalidade própria. Nessa fase, o menino
percebe que possui um pênis, e a menina que não o possui. Assim, para caracterizar esse
último período do amadurecimento sexual, Freud lembra a tragédia grega, cheia de amor,
ódio, posses, rivalidades, desejos de destruição. É o chamado “Complexo de Édipo”. Antes
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do período edipiano, todos seríamos “bissexuais”. Então acontecem várias coisas na vida
psíquica da criança as quais, é preciso ressaltar, ocorrem apenas no plano da
representação e a saúde mental (ou a doença) se organiza, e o homem entende-se como
ser social. Nesse momento, a criança, se é menino, tem o desejo de ter a mãe só para si;
quer possuí-la, e sente que para isso deve afastar o pai do caminho, destruí-lo, como a um
rival. Se menina, a criança tem a fantasia de ser penetrada pelo pai e ter um bebê dele.
Todas as crianças humanas sentiriam esse desejo sexual pelo pai. Mas como esse desejo
se resolve? Esse desejo, segundo Freud, é reprimido na criança: o menino teme ser castrado
pelo pai, e a criança teme perder o amor da mãe. Nessa fase, quando o menino vê o pai
como rival, de certo modo, incorpora-o, introjeta a figura paterna em sua mente, seus
valores, um modelo de homem e ser-humano - tal processo é representado pelas
comunidades indígenas na antropofagia. O resultado desse processo é a formação do
caráter do sujeito e o superego, espécie de polícia interna de nossa mente, aprovando e
(com mais frequência) censurando nossas ações de acordo com os padrões morais de
uma sociedade, incorporados pela criança. Passamos, assim, a aprender a viver em
sociedade, o que podemos ou não podemos fazer diante dos outros seres humanos, dados
que dependem da cultura. O superego faz com que os padrões morais e éticos de uma
época sejam introjetados em nossa mente, parecendo a nós naturais. É o superego que nos
diz internamente que tão ação é suja ou imprópria, reprimindo. Para Freud, a menina, por
sua vez, não se identificaria tão intensamente com os pais e, por isso, ela não introjetaria
tão fortemente a cultura e as regras de sua sociedade, sendo mais livre. A menina, por não
ter pênis, não tem medo de ser castrada, mas aceita sua castração, sente-se inferior por
não ter um pênis como o do menino.
A repressão aos desejos incestuosos seria completamente natural e saudável para a
espécie humana, dando condições para que os indivíduos se reproduzam e formem novas
famílias. Na história, como Freud defende em Totem e Tabu, a solução para o dilema
edipiano foi a criação do tabu do incesto. Após a criança reprimir esse desejo pelos pais,
no entanto, ele permanece no inconsciente, influenciando (inconscientemente) cada
momento da vida do homem, até a sua morte. A partir de então, nos tornamos amnésicos
de nossos amores pelos nossos país. Por trás de todos os nossos padrões de conduta,
ações profissionais e aventuras amorosas, estaria essa tragédia psicológica de nossa
infância. Acontecimentos nessa fase de formação da sexualidade poderiam ocasionar
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neuroses e histerias na vida adulta. A chamada perversão do adulto é quando os impulsos
sexuais triunfam sobre o homem, que não consegue reprimi-los. O sadismo, o masoquismo
e o exibicionismo estariam relacionados a isso. Já a neurose é o sintoma inverso da
perversão. A pessoa neurótica tem medo de realizar seus desejos sexuais, normais e
naturais, achando que suas ações são
perversas, pois concretizariam o desejo
incestuoso que sentiu pelo pai ou pela mãe. Ela
teria medo, por exemplo, de tirar a roupa para o
parceiro. Dessa forma, para curar neuroses
provenientes de traumas de infância, o analista
procuraria libertar o indivíduo de tal sujeição
aos padrões infantis de conduta.
Em cada pessoa, todo esse processo
acontece de uma maneira diferente: ele
depende da herança genética de cada um, sua
cultura, religião, sua classe social, sua
educação e seu relacionamento com os pais,
familiares, professores e colegas na escola.
Anatomia da personalidade psíquica.

Por que o adolescente não deve ser privado de emoções? Por que não
podemos "pular fases?
 "Eu digo ao infantil, mas que muitas vezes é sentido pelo sujeito como
infantilóide, criancice, algo narcisicamente humilhante para um ego que se vê
adulto e que se obriga a separar a sensação da emoção, arriscando a deixar de
lado a criança que fomos com todas as necessidades afetivas que são julgadas
perigosas e incômodas, ao invés de integrá-las progressivamente. Se
mantivermos essas necessidades fora do campo da consciência, devemos nos
perguntar se não vamos facilitar o retorno em bumerangue, em um adulto, das
crianças que fomos, em relações passionais que aparecem muito tarde ou em
relações pedofílicas. Tudo isso é uma não integração do infantil ou de perversões,
e não se pode esquecer que a adolescência é o momento em que devemos fazer
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a ligação entre a criança que fomos e o adulto que vamos ser" Jammet, Entrevista,
p. 142.
Finalmente, em O Mal-Estar na Civilização (1930), diante de um mundo abalado pela
1a Guerra Mundial e a ascensão do nazi-fascismo, Freud passa a relacionar sua psicologia
com a cultura e a sociedade da época. Apesar de todas as conquistas (anticoncepcionais,
divórcio, etc.) a sexualidade, longe de proporcionar o bem-estar ou a felicidade, foi
instrumentalizada e pelo mercado. Diante dessa insatisfação, os homens tendem a
transferir todas suas frustrações a outrem, dando margem à intolerância: aí surge a
transferência do ódio coletivo para o negro, o judeu, o homossexual, a mulher e, quem sabe,
o burguês. O indivíduo que não se responsabiliza por si próprio, está sujeito a causar danos.
A saída para esses problemas para o homem desenvolver a própria personalidade, lidando
com suas tensões.

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