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Curso: Lacan - Estruturas e

Clínica Psicanalítica

A Estrutura Psicótica Aula #7

A foraclusão (Verwerfung): “envolve a rejeição radical de determinado elemento da


ordem simbólica (isto é, da linguagem), e não de um elemento qualquer: ela envolve o
elemento que, em certo sentido, lastreia ou ancora a ordem simbólica como um
todo." (Fink, p. 91).
Costumo pensar o termo foraclusão em dois sentidos:
a) Foraclusão como como conceito emprestado do direito, algo como “fora do prazo”;
ou ainda, “tarde demais”; no “episódio a bolsa ou a vida”, o sujeito é aquele que não
quis perder nada e agora pagará com todo o seu ser. A falta não foi subjetivada, o
elemento simbólico que faria contorno em torno da falta, e que criaria um furo. Ao
rejeitar o simbólico, o sujeito não faz contorno ao furo, configurando um buraco sem
borda, “cair para sempre”. Esse furo pode estar protegido por uma camada
imaginária e levar o sujeito por muito anos a não se dar conta do que há por baixo de
seu imaginário, mas numa situação de ferida narcísica, o que poderia vir para suturar
o furo, não está lá. O simbólico, com seu duplo sentido, e com isso sua característica
de flexibilidade, que vem no socorro de todas as feridas narcísicas, não aparece
aqui… como se o sujeito dissesse: estou quebrando, rápido me deem o simbólico,
preciso subjetivar a falta… e alguém responderia: agora é tarde demais.
b) Foraclusão como inclusão de fora; uma maneira importante de pensar, pois Lacan
insiste na necessidade de incluir o sujeito Psicótico no laço social com o Outro.
Contrariando práticas excludentes dos "loucos”, dos “doido varridos” para os
hospitais psiquiátricos afastados dos grandes centros, ou mesmo os centrais que
ainda assim carimbam o estigma da loucura. Loucura entre aspas, pois Lacan chama
assim, mas também em outros momentos ele se refere a três normalidade: neurose,
psicose e perversão. Como são estruturas, e estrutura não muda, não teria sentido
chamar qualquer uma delas de doença.
Indico como sugestão de leitura “O alienista” de Machado de Assis, em que mostra um
modelo de classificação de saúde mental que no fim revela que o único doente da
história é o que exclui-se de toda loucura

“E o ser do homem, não somente não pode ser compreendido sem a loucura, como não
seria o ser do homem, se não trouxesse em si a loucura, como o limite de sua liberdade”.

(Jacques Lacan: Propos sur la causalité Psychique, in “Écrits”, Paris, Seuil, 66, p. 176).

A ideia de “incluída de fora” fica muito claro quando retomamos o texto do caso Aimeé,
que em primeiro lugar ela aparentemente ataca a atriz, que figura como seu duplo, sua
rival ideal no espelho, e no segundo momento, em que Lacan monstra que a
identificação que ela busca com o Outro da lei, momento em que é presa.
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No caso Aimée temos um belo exemplo da passagem de um outro a um Outro, alias


nome de um dos seminários de Lacan. Um processo que poderíamos pensar como a
passagem da “alienação” para a “separação”, um processo disponível a passagem de
todos os sujeitos, mas que nem sempre ocorre, e também um modelo, uma matriz no
que acontece na situando analítica, finalizado, ou que nunca acaba, mas que se alcança, a
travessia da fantasia, sequencialmente:

Outro/$ objeto a/ $ $/objeto a

Ou ainda, também chamado de “corte no espelho”. Mas esse pontos retomaremos nas
aulas futuras, o que nos interessa aqui está nesse lugar de alienação, que Lacan nos
explica com o exemplo do “A bolsa ou a vida”: num assalto o assaltante apresenta duas
alternativas:

A) Entregue a bolsa - e com isso terá perdido uma parte de seu objeto de gozo/usufruto
B) Te mato - e na sequência levo sua bolsa e com isso tudo será perdido.

Moral da história: quem não topa perder nada no futuro perderá tudo! Pensando dentro
de nosso curso:
Quem “topa" perder uma parte do seu gozo, ou seja quem “topa" ser castrado (que em
Freud pensamos na castração do pênis/falo e em Lacan pensamos em castração do gozo)
poderá entrar para o “Clube dos Castrados”, dos faltando, DAQUELES QUE UTILIZAM A
LINGUAGEM PARA FALAR DE SUAS FALTAS. E falar do que falta, uma coisa no lugar de
outra, é uma forma metafórica de falar. Diferente daqueles que não toparam a castração
e falam de maneira concreta, ao pé da letra, que inclusive nem aparece como pergunta
em análise.
Os faltantes/falantes dentro de um conjunto, em que fazem laço social, e aqueles que
não fazem parte, incluídos do lado de fora; a linguagem concreta que não faz sentido
para os faltantes - papo de louco?
No extremo podemos pensar no crime das irmãs Papin, que para evitarem
“observações"arrancam os olhos das patroas - um crime REAL, ou como Ed Gein que
literalmente arrancou a pele do rosto da mãe para fazer dele ela, o que nos leva às
discussões do começo do curso, ao falar de estrutura, em que na Psicose, a criança É o
Falo e sequer questiona esse lugar, nem de ser e muito menos de ter; esses dois últimos
deixamos para a perversão e a neurose, respectivamente.

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Tudo é uma questão de linguagem?

Mais uma vez a compreensão das estruturas não pode se limitar aos sintomas clássicos
para fechar um diagnostico, e sim nossa escuta sobre o posicionamento do sujeito diante
do Outro e o uso da linguagem. Na Psicose, o Nome-do-Pai está excluído, ou em
francês, aproveitando a sonoridade que a língua permite, o Nom-du-Pere: o Não-do-Pai.
Mais uma vez, não estamos falando do pai de carne e osso, o pai real, e sim do pai
imaginário e, principalmente o pai simbólico, pai como metáfora, a metáfora que
substitui o desejo da mãe. A metáfora paterna como ponto de amarração de todos os
significantes que vem para tentar dizer o que escapa, e diferentemente de cada palavra
isolada, sem amarração em uma “pedra única da metáfora”, mantendo cada palavra em
um nível de significado, palavra que não alcança a outra e quando alça não gruda, ou se
gruda é a partir de parâmetros completamente alheios ao grupo dos sujeito faltantes, a
escrita muitas vezes sem sentido, ou a concatenação das ideias feitas por Schreber.
Essa estrutura metafórica, possibilitada pela amarração de todos os significantes a uma
mesma “pedra fundamental” o nome do pai, possibilita ao neurótico tentar domar a
linguagem, usá-la, enquanto na Psicose o sujeito que é usado por ela, de acordo com
Lacan: “Se o neurótico habita a linguagem, o psicótico é habitado, possuído pela
linguagem” - (Lacan, Seminário 3).
Essa ideia ainda pode ser explorada na fuga para a sanidade e normalidade de alguns
sujeito psicóticos “não desencadeados” que utilizam a linguagem de forma imaginária e
não simbólica, e o rigor e formalidade é uma forma de não deixar o aparecimento do
sentido antitético que é inerente a qualquer palavra.
Ainda sobre essa dimensão imaginaria da linguagem, podemos pensar que “o
importante é que o imaginário continua a predominar na psicose, e que o simbólico, na
medida em que chega a ser assimilado, é imaginarizado: é assimilado não como uma
ordem radicalmente diferente, que reestrutura a primeira, mas assimilado simplesmente
por imitação de outras pessoas” (Fink, p. 102) e ainda “graças à imitação, o psicótico
pode aprender a falar como outras pessoas falam mas a estrutura essencial da linguagem
não é integrada da mesma maneira” (p. 103)

Alucinação

Muitas vezes atribui-se o fenômeno da alucinação à estrutura psicótica, mas Fink (2018)
afirma que no sentido mais lato, a alucinação não é decorrente do fracasso da função
paterna, afinal esta é a primeira via de satisfação para o bebê (confira na Interpretação
dos Sonhos, Cap. 7 parte C - por exemplo). Assim a alucinação se configura como uma
forma típica de pensamento do processo primário e que este presente nas três estruturas:
neurose, psicose e perversão. E completando com uma afirmação de Miller: “… quando
se encontra um elemento como alucinação, ainda é preciso fazer perguntas mais exatas
para distinguir as diferentes categorias estruturais”. (Fink, p. 95).

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Para nos ajudar nesse sentido, Fink (idem) demonstra uma forma de alucinação mais
específica, “alucinações psicóticas - o que chamarei de alucinações autênticas - das vozes
e visões corriqueiras relatadas por tantos não psicóticos” (p. 95) - como um paciente que
viu sua ex-mulher no corredor e “acreditou na visão -, mas não confiou nela” (p. 96)
Retomem o artigo de Freud, A perda da realidade na neurose e na psicose…

Retomando nossa primeira aula, sobre RSI e o Nó Borromeano, lembre da articulação em


que o S está faltando, mantendo o sujeito numa relação de vida e morte com o espelho,
ou o TUDO ou NADA, sem os “talvez" que só o simbólico pode introduzir, criando assim
a possibilidade da Dúvida, e assim: “A certeza é característica da psicose, ao passo que a
dúvida não o é” e ainda “o sujeito tem certeza quanto à mensagem (o conteúdo que foi
visto ou ouvido) e à identidade do destinatário: ele mesmo” (Fink, p. 96).

Os "tipos" de psicose

Assim como a neurose tem seus tipos clínicos (histeria e neurose obsessiva) a psicose
também pode ser pensada dentro de três tipos, paranoia, esquizofrenia e melancolia; e é
mais fácil pensar nesses modelos dentro de uma proposta feita por Freud em Introdução
ao Narcisismo:

Autoerotismo ———————— Narcisismo ———————-Amor de objeto

A Metáfora-Paterna é o que possibilita a passagem do "narcisismo" ao "amor de


objeto”, ou seja, quando falamos de Psicose o cenário está antes do “amor de objeto”.
Na sua forma mais narcísica, a Psicose Paranóide figura como central; aquela que desliza
do narcisismo ao autoerotismo, a Esquizofrenia; e a regressão ao autoerotismo, em que
há a perda do eu, temos a Melancolia (para saber mais confira o livro Psicose e Laço
Social de A. Quinet). Agora podemos incluir outra passagem do livro de Fink, em que
afirma que o lugar do corpo real na neurose é essencialmente morto (p. 110) pois foi
codificado por significantes, e nos poucos pontos que isso não acontece, o pedaço real
funciona como zona erógena, mas assim temos um buraco real circunscrito e na psicose o
corpo real (principalmente quando falamos de uma perda da estrutura do eu (ego), e a
falta de codificação simbólica mantém o corpo completamente “aberto ao gozo,
inundado e invadido.
Esse “controle pulsional” via codificação simbólica ainda tem como elemento extra o
superego, que o impede de agir de forma direta e eficaz - o sentimento de culpa sempre
presente; e que na psicose, a agência critica impeditiva de certas ações, não atua por
muito tempo e assim “… o psicótico é mais propenso à ação imediata, e é atormentado
por pouca ou nenhuma culpa quando manda alguém para o hospital, mata alguém,
estupra alguém ou pratica algum ato criminoso. O psicótico pode manifestar vergonha,
mas não culpa. A culpa exige recalcamento: só é possível sentir culpa quando se sabe ter

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desejado secretamente infligir danos, ou ter comprazido em fazê-lo. Na psicose, nada é


recalcado, de modo que não há segredos guardados para si mesmo.” (Fink, p. 111)

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