Você está na página 1de 67

SOCIEDADE DE EDUCAÇÃO DO VALE DO IPOJUCA

MANTENEDORA DA FACULDADE DO VALE DO IPOJUCA- FAVIP


CURSO DE PSICOLOGIA

ROSEMARY DA SILVA ALVES SOBRINHO

A PSICANÁLISE LACANIANA: A QUESTÃO DO SUJEITO


NA PSICOSE

CARUARU-PE
2010
ROSEMARY DA SILVA ALVES SOBRINHO

A PSICANÁLISE LACANIANA: A QUESTÃO DO SUJEITO


NA PSICOSE

Monografia apresentada ao Curso de psicologia,


da Faculdade Vale do Ipojuca - FAVIP, como
requisito para obtenção da graduação em
Psicologia. Orientadora: Profª. Msc. Anna
Barreto Campelo Carvalheira Chaves

CARUARU-PE
2010
A474p Alves Sobrinho, Rosemary da Silva.
A psicanálise lacaniana: a questão do sujeito na psicose /
Rosemary da Silva Alves Sobrinho. -- Caruaru: FAVIP, 2010.
65 f.
Orientador (a): Anna Barreto Campelo Carvalheira Chaves.
Trabalho de Conclusão de Curso (Psicologia) -- Faculdade do
Vale do Ipojuca.

1. Psicanálise. 2. Sujeito de desejo. 3. Psicose. 4. Estamira. 5.


Clínica das psicoses. I. Título.
CDU 159.9(10.2)

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário: Jadinilson Afonso CRB-4/1367


ROSEMARY DA SILVA ALVES SOBRINHO

A PSICANÁLISE LACANIANA: A QUESTÃO DO SUJEITO


NA PSICOSE

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de


Psicologia da Faculdade do Vale do Ipojuca, como
exigência para obtenção da graduação em
Psicologia.
Orientadora: Anna Barreto Campelo Carvalheira
Chaves

Aprovado em: 07/07/2010

_____________________________________________
Profª. Anna Barreto Campelo Carvalheira Chaves (Orientadora)

_____________________________________________
Prof. Getúlio Amaral Júnior - FAVIP

_____________________________________________
Prof. José Daniel da Silva- FAVIP
DEDICATÓRIA

A Deus, ao meu avô João Joaquim da Silva (In


memoriam), a minha irmã Tereza Cristina (In
memoriam), a Fernanda Lavour (In
memoriam), aos meus Irmãos (ãs) e Sobrinhos
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por me dá forças para chegar


até aqui. A Adailton Alves por toda dedicação,
confiança e investimento neste sonho. As
minhas grandes amigas Darlane R. Barbosa,
Juliana Pontes, Anne Izabelle, Elisângela
Albuquerque, Isolda de Marilak, Andréa Lins e
Andreza Laís que foram minha companheiras
nesta investida e caminhada. Aos meus
professores e mestres, em especial, minha
orientadora Anna chaves, meu Analista Getúlio
Amaral, Ana Barreto, Suely Emília e a
Coordenadora do Curso de Psicologia Socorro
Santos, por toda confiança, apoio e carinho
para comigo. Aos meus pacientes e alunos que
consolidaram ainda mais minha paixão pela
psicologia. E por fim, a Ig. Fonte da Vida e a
todos de que dela fazem parte, pelas orações e
carinho.
"Temos que descansar temporariamente de nós,
olhando-nos de longe e de cima e, de uma distância
artística, rindo sobre nós ou chorando sobre nós:
temos de descobrir o herói, assim como o parvo,
que reside em nossa paixão pelo conhecimento,
temos de alegrar-nos vez por outra com nossa
tolice, para podermos continuar alegres com nossa
sabedoria.”
Nietzsche
RESUMO:

A psicose é um tema fascinante e a questão da existência do sujeito de desejo nessa estrutura


em uma perspectiva psicanalítica ainda é alvo de várias discussões. Há uma polêmica na
afirmativa da presença do sujeito de desejo na psicose. A escolha deste tema pode causar
surpresa e levantar questionamentos que visam problematizar tal assunto, mas a questão
sustentada neste trabalho não será esgotada, também não há pretensão de se instaurar uma
verdade absoluta sobre este tema. O conceito de sujeito apresentado é de um ser de desejo, de
falta (incompletude), permeado pelo Campo da linguagem e significantes inscritos pelo Outro.
A psicose seria o resultado da não inserção da simbolização e da metáfora paterna, um ser
assujeitado ao desejo do Outro, ser sem falta alguma, habitado pela verdade, nele o
inconsciente é a céu aberto. A importância deste trabalho é refletir o lugar do sujeito na
psicose, a fim de contribuir para a clínica além da loucura (doença/patologia) e assim, poder
propor um lugar de existência ao psicótico e não apenas de objeto do Outro. O objetivo deste
trabalho foi o de Rever em que parâmetros se encontram o sujeito na psicose e, então,
Analisar se é possível a existência do sujeito de desejo na psicose através de uma perspectiva
lacaniana. Como objetivos específicos, o que se propôs foi à investigação do conceito de
sujeito de Freud a Lacan; Compreender a Psicose através de uma perspectiva Lacaniana e
analisar as acepções sobre o sujeito na psicose. O presente estudo é qualitativo de caráter
descritivo e explicativo. É uma revisão bibliográfica na qual foram utilizados como
referencial os seguintes teóricos: Freud, Lacan, e outros psicanalistas renomados no Brasil e
no exterior. Também trata-se de uma pesquisa documental por fazer uso de material áudio
visual – recortes do documentário Estamira: “tudo que é imaginário tem, existe e é.” . Como
fonte para estudo de caso. A genialidade dos psicóticos e as riquezas presentes em seus
discursos desconexos, dizem do que são, e são sujeitos! A psicanálise é aquela que está ai,
pronta para acolher a demanda do psicótico, pois aposta e acredita neste como sujeito de
possibilidades, de capacidades, e de tecer caminhos diversos para se estabilizar e fazer valer a
suplência paterna. A psicose nos indaga, quebra paradigmas, impõe constantes reformulações
e, como já dizia Lacan, não devemos retroceder diante dela.

Palavras-chave: Psicanálise; sujeito de desejo; Psicose; Estamira; Clínica das psicoses.


ABSTRACT:

Psychosis is a fascinating topic and the question of the existence of subject of desire in this
structure in a psychoanalytic perspective is still subject of much discussion. There is a
controversy in affirming the the presence of a desiring subject in psychosis. The choice of this
theme can cause surprise and raise questions that seek to discuss this matter, but the issue
supported this work will not be exhausted, there is no intention to establish an absolute truth
on this subject. The concept of subject presented is of a being of desire, of lack (being
incomplete), permeated by the Field of language and signifiers inscribed by the Other. The
psychosis was the result of the failure to include the symbolization and the paternal metaphor,
a being subjugated to the desire of the Other, a being without any fault, inhabited by the truth
and whose unconscious ia an open sky. The importance of this work is to make a reflexion
about the subject's place in psychosis, in order to contribute to the clinic beyond the madness
(disease / pathology) and thus able to propose a place of existence to psychotic and not just
another object. The aim of this study was to review the parameters that are the subject in
psychosis, and then analyze whether it is possible the existence of the subject of desire in
psychosis through a Lacanian perspective. As specific objectives, which was proposed to
investigate the concept of self from Freud to Lacan; Understanding psychosis through a
Lacanian perspective and analyzing the meanings of the subject in psychosis. This qualitative
study is descriptive and explanatory. It is a literature review in which were used the following
theorists: Freud, Lacan, and other psychoanalysts renowned in Brazil and abroad. Also it is a
documentary research by making use of parts of the audio visual material – the documentary
Estamira: "Everything that is imaginary exists and is." as a source for case study. The
psychotics' brilliantness and the riches found in his disjointed speeches, say what they are, and
they are subjects! Psychoanalysis is one that is there, ready to accommodate the demand of
the psychotic, for bet and believe in this as a subject of opportunities, capabilities, and to
make different paths for stabilizing and enforcing the paternal substitute. Psychosis asks us,
breaks paradigms, requires constant reformulations and, as Lacan said, we should not kick in
front of her.

Keywords: Psychoanalysis; subject of desire; Psychosis; Estamira; Clinic of psychosis


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO …………………………………………………………………................. 09

1 CAPÍTULO: O Sujeito de Freud a Lacan........................................................................ 18

1.1 O sujeito em Freud ........................................................................................ 18

1.2 O nascimento do sujeito do desejo em Lacan ............................................... 24

2 CAPÍTULO: A Psicose de Freud a Lacan ....................................................................... 32

1.1 A psicose na teoria Freudiana ....................................................................... 32

1.2 A psicose em Lacan ...................................................................................... 38

3 CAPÍTULO: O Surgimento do Sujeito na Psicose ......................................................... 45

3.1 Análise do Caso Estamira: O delírio e suas possibilidades .......................... 45

3.2 A psicanálise e a Clínica diferencial da Psicose ........................................... 52

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 59

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 62
9

INTRODUÇÃO

"Eu não escrevo o que quero, escrevo o que sou...


Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo
altere qualquer coisa. Não altera em nada...
Porque no fundo a gente não está querendo alterar
as coisas. A gente está querendo desabrochar de um
modo ou de outro..." (Clarice Lispector)

Ao eleger o tema, A questão do sujeito na psicose, o que se pretende é uma


articulação entre a teoria psicanalítica e sua clínica, ou seja, trabalhar a estrutura clínica da
psicose como um campo privilegiado para se pensar as questões do sujeito tal como a
psicanálise o concebe. A proposta deste trabalho é fazer um percurso sobre os conceitos de
sujeito de desejo dentro do campo da psicose em uma perspectiva lacaniana.
Em certo sentido a escolha deste tema, pode causar surpresa e levantar
questionamentos que visam problematizar tal assunto, mas a questão aqui sustentada, não será
esgotada, também não há pretensão de se instaurar uma verdade absoluta sobre o problema e a
hipótese deste trabalho.
O conceito de sujeito, aqui apresentado, é de um ser de desejo, de falta
(incompletude), permeado pelo Campo da linguagem e significantes, inscritos pelo Outro
(mãe, pai, família, sociedade, cultura etc). Na psicanálise o sujeito do inconsciente é esse
alguém, que se constitui através do ato, da linguagem e da relação com o outro.
A psicose foi conceitualizada como algo fora da instância Real e dos “discursos dos
laços sociais” (discurso do mestre, discurso do universitário, discurso da histérica e o discurso
do analista), um ser assujeitado ao desejo do Outro, ser sem falta alguma, habitado pela
verdade, nele, o inconsciente é à céu aberto. Não há o furo estruturante no psiquismo,
essencial para fazer emergir o sujeito.
Lacan foi um dos primeiros autores a utilizar o termo sujeito psicótico. Mas como
visualizar um sujeito na psicose, se nela não há falta, não há desejo e nem discurso? Se não há
sujeito na psicose, como poderá a psicanálise atendê-lo na clínica? Embora, a presença do
sujeito na psicose seja visto por muitos autores, como algo complexo de se vislumbrar, não
quer dizer que ele não esteja lá. O psicótico é habitado por aquilo que constitui o sujeito, o
Campo da linguagem.
10

É por meio da linguagem, que o sujeito da psicose irá se defender do aprisionamento


do Outro, via suplência do Nome- do- Pai. É importante destacar, que nem sempre a
linguagem funciona como suplência e nem é o único caminho para a suplência paterna, é
apenas um dos meios para que isto ocorra.
De acordo com Pequeno (2000, p.3): “A afirmação de que o psicótico não é sujeito
está fora de moda, pois ela como que o destitui da condição humana e vem assim reforçar
todo tipo de confinamento e exclusão”. Portanto, há de se pensar nas possibilidades que o
sujeito psicótico tem, através das diversas formas de linguagem para fazer emergir o sujeito, e
assim, poder ser enxergado e tratado como tal. Pensar assim, é compreender uma forma de
atender o psicótico na clínica diferencial das psicoses.
O desejo de estudar e escrever sobre a temática do sujeito na psicose surgiu a partir
das disciplinas: Teorias e Técnicas Psicanalíticas e Tópicos Emergentes em Psicologia
Clínica, ambas, ministradas pela professora/Mestre Anna Carvalheira Chaves, também
orientadora deste trabalho.
A psicose é um tema fascinante e a questão da existência do sujeito na psicose, em
uma perspectiva psicanalítica é alvo de discussões. Há uma polêmica, na afirmativa da
presença do sujeito do desejo na psicose. A importância deste trabalho é refletir o lugar do
sujeito na psicose, a fim de contribuir para clínica além da loucura (doença/patologia) e do
lugar de Objeto.
De acordo com Fernandes1:

[...] descartar o psicótico deste lugar de sujeito, como querem determinadas teorias,
não se coloca para psicanálise. A psicanálise aposta no sujeito, aposta no fato de
que onde há linguagem há sujeito, há desejo e que portanto, há possibilidades de
construção, de fazer história, ainda que um pouco mais capenga aqui do que ali,
ainda que na psicose esta história seja mais afastada da realidade material, não
possa ser compartilhada socialmente, não faça laço social. Mas também na
neurose, quantas vezes não falamos de coisas que não existem. (“Informação
verbal”, FERNANDES, 1999).

A Psicose é vista por alguns críticos da Psicanálise, como uma estrutura impossível
de se analisar. Mas na realidade, o que se observa é que o olhar da psicanálise na atualidade
com relação ao psicótico, é um olhar para o sujeito, e não para as impossibilidades descritas
por seus críticos. Sendo assim, a partir da reflexão de uma clínica das psicoses e para as

1
Texto extraído de apresentação oral apresentado no fórum psicanálise e saúde mental pelo projeto de
extensão da UFPB, em 03 e 04 de dezembro de 1999 no estado da Paraíba.
11

psicoses, o presente texto, se concentra na investigação das possibilidades de construção de


sentido que o sujeito encontra para se estruturar. Neste caminho se destacará a função que a
linguagem (falada, escrita, corporal, artística, do surto ou delírio) poderá desempenhar nas
psicoses, seja ela na clínica ou para além desta.
A priori, cabe aqui mais uma vez descrever e ressaltar que o caminho à ser tomado
por este trabalho, não é o de se afirmar uma verdade única e absoluta, mas o de possibilitar a
quebra de paradigmas preconceituosos a respeito da psicose e da própria psicanálise. Deve-se
entender o universo da psicose e suas vicissitudes numa perspectiva ampla, pois o psicótico
não deve continuar sendo visto unicamente como um objeto do Outro, um ser assujeitado,
onde a falta – falta, que é tomado pelo gozo do Outro, e que o Outro deseja nele e por ele.
Precisa ser reconhecido como um sujeito de possibilidades, que apesar de não “ter o discurso”
(FERNANDES, 1999), usa da linguagem, da criação e do delírio para buscar uma solução
apaziguadora e estabilizadora. Dessa forma, é possível para o psicótico barrar o gozo do
Outro, utilizando destes tipos de criações para suplência do Nome-do-Pai. Sendo assim,

O fora-do-discurso da psicose aponta para uma impossibilidade lógica, estrutural,


portanto real, de fazer o psicótico entrar completamente na dança dos discursos, ou
seja, de circular pelos laços sociais, participar alternadamente de um ou de outro,
dialetizar suas relações, cortar com uns e reatar com os laços sociais e com isso dar
conta da metabolização do gozo. (QUINET, 2006, p.52).

Lacan nos convoca a não recuar e nem desistir diante da clínica das psicoses, e nem
da problemática da questão do sujeito na psicose. Segundo Pequeno (2002, p.46): “O campo
do sujeito é coextensivo à psicanálise. Reconhecer no psicótico um sujeito é, portanto,
condição essencial para abordá-lo pela psicanálise.”. É nesta condição essencial citada a
cima, que se entende como fundamental o desenvolvimento do texto em questão.
A problemática que envolve a possibilidade da existência do sujeito de desejo e da
linguagem na estrutura da psicose tem sido alvo de algumas reflexões, dentre outros
psicanalistas, Fernandes (2006), ao afirmar que a

Questão que se coloca em várias discussões relativo ao estatuto do sujeito na


psicose no campo da psicanálise lacaniana, parece-nos, antes de tudo, uma
problemática de extrema importância para se pensar à proposta de um tratamento
para este tipo de „estrutura clínica‟, ou até, mais importante em nossa opinião, a
condição de uma possibilidade, não da ética do desejo, mas da ética da alteridade,
ou melhor, da diferença. (FERNANDES, 2006, p.01).
12

Desta maneira, é preciso pensar na possibilidade “da questão do sujeito na psicose.”


Portanto, se há em algum momento um sujeito na psicose, como ele se apresenta? De acordo
com Fink (1998): Lacan em sua teoria acredita, que o sujeito é estruturado como uma
linguagem, pensando desta forma, e dentro de um conceito utilizado pelo próprio Lacan sobre
o termo o Sujeito Psicótico, podemos refletir que se há um lugar da linguagem na psicose,
seja ela escrita, falada ou não, possivelmente, haverá na psicose uma tentativa de suplência do
Nome-do-Pai, até então foracluído, para uma reorganização da função estabilizadora que
estrutura o sujeito.
O objetivo deste trabalho é o de Refletir em que parâmetros se encontram o sujeito
na psicose e, então, analisar se é possível a existência do sujeito de desejo na psicose através
de uma perspectiva lacaniana. Como objetivos específicos, o que se propôs, foi a investigação
do conceito de sujeito de Freud a Lacan; Compreender a Psicose através de uma perspectiva
Lacaniana; Analisar as acepções sobre o sujeito na psicose.
O presente estudo é qualitativo de caráter descritivo e explicativo. É qualitativo por
que esse campo de pesquisa é basicamente aquela que busca entender um fenômeno
específico em profundidade, e tem como objetivo principal interpretar o fenômeno que
observa. Ao invés de estatíst icas, regras e outras generalizações, a qualitativa
trabalha com descrições, comparações e interpretações, é mais participat iva, é
subjet iva e, portanto, menos controlável e objetiva.
É descritivo por que este tipo de pesquisa ajuda a, obter informações do que já existe,
a fim de poder descrever e interpretar a realidade, ou seja, há uma necessidade de descobrir o
que acontece e conhecer o fenômeno, procurando interpretá-lo e descrevê-lo.
Explicativa, por ser a continuação de uma pesquisa descritiva, esta, identifica os
fatores que determinam um fenômeno, e exige que este esteja descrito e detalhado. A pesquisa
explicativa, tem como objetivo: registrar, analisar e interpretar os fenômenos que são
estudados. É o tipo de pesquisa, que aprofunda o conhecimento, pois explica a razão e a causa
desses fenômenos.
É uma revisão bibliográfica, na qual foram utilizados como referencial os seguintes
teóricos: Freud (1996), Lacan (2008), Fink (1998), Quinet (2002, 2006, 2009), Soler (2007),
Cabas (2009), Elia (2007), Longo (2006), Petri (2009), Pequeno (2000, 2002), entre outros
psicanalistas renomados no Brasil e no exterior. Também é de uma pesquisa documental, por
fazer uso de material áudio visual – documentário em DVD/ recortes do documentário
Estamira: “Tudo que é imaginário tem, existe e é.” Como fonte para estudo de caso.
13

O objeto de estudo deste trabalho é a “estrutura clínica” da psicose dentro de um


viés psicanalítico lacaniano. Freud o pai da psicanálise, após a descoberta do inconsciente foi
o grande percussor e revolucionário na questão da divisão das estruturas clínicas, ele as
dividiu da seguinte forma: Neurose, Psicose e Perversão. Porém, seus estudos foram mais
aprofundados na estrutura da Neurose e Histeria. Foi só a partir de Lacan psicanalista francês
contemporâneo, que fez uma releitura de todo trabalho Freudiano, que houve maior
aprofundamento nos estudos sobre a psicose e também sobre o sujeito.
Ao contrário do que pensam os críticos da psicanálise, ela não entende o sujeito
como algo pronto, determinado, estruturado e acabado, destituído do contexto social e
cultural. O sujeito é algo em construção e não acabado!
A constituição do sujeito ocorre da relação com o outro, dos significantes e suas
cadeias, principalmente do Campo da Linguagem. A psicanálise lacaniana afirma, que o
inconsciente sem a linguagem é um imenso vazio, portanto, acredita que o inconsciente é
estruturado como uma linguagem. Elia (2007), concorda com ela, ao dizer que:

Toda produção do campo do sentido e da ordem simbólica, seja ela falada ou não.
Um gesto, uma expressão do rosto, do corpo, uma dança, um desejo, tanto quanto
uma narrativa oral, serão produções simbólicas regidas pelos significantes, e assim,
ditas verbais por estarem na dependência do verbo significante, e não por serem
expressos por via oral. Não “existiria, portanto, o „não verbo‟ no campo simbólico,
e menos ainda „pré-verbal‟. (ELIA, 2007, p.21).

A psicanálise não exclui a constituição do sujeito dos laços sociais e culturais, pelo
contrário, ela acredita que o contexto social tem grande participação nesta constituição. Como
bem descreve Elia (2007):

Para psicanálise, portanto, o sujeito só pode se constituir em um ser que,


pertencente à espécie humana, tem a vicissitude obrigatória e não eventual de
entrar em uma ordem social a partir da família ou de seus substitutos sociais e
jurídicos (instituições sociais destinadas ao acolhimento de crianças sem família,
orfanatos etc.). Sem isso ele não só não se tornará humano [...], como tampouco se
manterá vivo: sem a ordem familiar e social, o ser da espécie humana morrerá.
(ELIA, 2007, p.39).

A afirmação anteriormente citada não quer dizer que a psicanálise e sujeito do desejo
são reduzidos unicamente à uma sociologia culturalista exagerada, mas sim, que há o
reconhecimento destes lugares para formulação constitucional do ser.
14

O sujeito Lacaniano é o sujeito do desejo e da falta, do encontro com Outro. Mas,


afinal, que desejo e falta são esses? Para Petri (2009, p. 29): “[...] um desejo se constrói a
partir do desejo do Outro. Noutros termos, alguém deseja só porque outro alguém antes o
desejou e, assim fazendo antecipou-o como um ser desejante”. Dessa forma, o desejo do
Outro (mãe, família, sociedade, cultura etc.) se engendra no sujeito, e quando esse novo
sujeito se depara com a separação do seu desejo, até então alienado ao desejo do Outro, vê-se
frente à incompletude, e então a falta surge, tornando o novo sujeito em ser desejante na busca
de uma completude impossível. É a instância do Nome-do-Pai (Lei) que faz essa separação do
desejo do Outro para o desejo do sujeito, à instância paterna, funciona como uma parede que
barra o gozo do Outro, deixando o sujeito livre para desejar. Segundo Fink,

Somos alienados na medida em que somos falados por uma linguagem que
funciona, de certa forma como uma máquina, um computador, ou um dispositivo de
gravação/montagem com vida própria; na medida em que nossas necessidades e
prazeres são organizados e canalizados em formas socialmente aceitáveis pelas
demandas de nossos pais (o Outro como demanda); e na medida em que nosso
desejo surge com o desejo do Outro. (FINK, 1998, p.10).

Quando o Nome-do-Pai barra o gozo do Outro, possibilita o surgimento do sujeito,


via metáfora paterna, e assim, ocorre uma forma de furo estruturante no psiquismo. É este
furo, que se denomina como incompletude ou falta fundante, é está falta, que faz emergir o
sujeito e o desejo. De acordo com Fink,

O sujeito – falta-a-ser – é visto, portanto, como consistindo numa relação com o


desejo do Outro, ou com uma postura adotada com relação a esse desejo,
fundamentalmente emocionante, porém ameaçador, fascinante e, no entanto,
esmagador ou revoltante. Embora uma criança deseje ser reconhecida pelos pais
como merecedora do desejo deles, esse desejo é ao mesmo tempo hipnotizante e
mortal. A existência precária do sujeito é sustentada por fantasias construídas para
mantê-lo na distância exata daquele desejo perigoso, equilibrando delicadamente a
atração e a repulsa. (FINK, 1998, p. 10 e 11).

É através deste discurso, que se pode pensar as psicoses. Mas como pensar em um
sujeito na psicose, se nele, não há falta e nem desejo?
O termo psicose surgiu em meados do século XIX, para substituir o termo loucura,
que estigmatizava o “dito louco”, essa foi uma tentativa de definir a doença num viés
psiquiátrico, pois até então, o “louco” era visto como um “habitar de demônios”, ou seja,
como um ser possuído. Segundo Roudinesco e Plon,
15

A palavra surgiu na frança em 1869. Retomado por Freud como um conceito a


partir de 1894, o termo foi primeiramente empregado para designar a reconstrução
inconsciente por parte do sujeito de uma realidade delirante ou alucinatória. Em
seguida, inscreveu-se no interior de uma estrutura tripartite, na qual se deferencia
da neurose, por um lado, e da perversão por outro. (ROUDINESCO E PLON, 1998,
p.62).

A psicose seria um afastamento da realidade, ou seja, um prejuízo do contato com a


realidade. Neste sentido, o psicótico vive em uma “realidade” própria, na qual escreve sua
história, ainda que de forma desconexa. Ele é livre do mundo real em que habita, e cria para si
um mundo fora do real.
Como foi dito anteriormente, das três estruturas que Freud descreveu, a que ele mais
se aprofundou em seus estudos, foi a neurose, com os casos de histeria. No que diz respeito à
definição conceitual do termo sobre a psicose ele se manteve afastado, mas não totalmente, a
prova disso, é o caso Schreber2 em seu famoso texto sobre a paranóia.
Alguns críticos de Freud acreditam que ele negligenciou as psicoses, por não ter se
envolvido, e recuado em empregar o termo. Diziam que ele estava atrasado para o seu tempo.
É nesse ponto que Lacan (2008), parece concordar com os críticos de Freud: “Nisso, como
acontece, Freud não está em absoluto de acordo com o seu tempo. Estará muito atrasado?
Estará muito avançado? Aí está a ambigüidade. Á primeira vista, ele está muito atrasado”.
(LACAN, 2008, p.12).
Lacan assim, como na questão do sujeito, aprofundou suas investigações no que
concernem as psicoses. Ele revelou as grandes implicações até então negligenciadas nesta
estrutura, ou seja, ele veio reconstituir essa concepção formulando um novo conceito.
O grande diferencial entre o sujeito psicótico e o sujeito neurótico, se estabelece
através do operador denominado “Nome-do-Pai”. O Nome do pai é quem limita e ordena o
funcionamento da cadeia de significantes, ou seja, faz o corte e promove o surgimento da
castração simbólica no sujeito, impondo-lhe limites como o próprio superego da obra
freudiana. É esta lei que estrutura o psiquismo através da falta, que faz emergir o desejo.
Portanto, o Nome-do-Pai (lei) é algo presente nas neuroses, mas nas psicoses, existe a
ausência desta lei, que também é conhecida como, Metáfora Paterna. Segundo Buchaúl,

2
Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia.
(O caso de Schreber) de Freud Vol. XII. 1911-1913
16

Metáfora paterna tem como agente o pai, este significante simbólico, com sua lei
vai interditar e vetar o gozo absoluto do desejo do sujeito impossibilitando a
plenitude, ao tempo que liga o sujeito à vida, e a vida do sujeito falante é a sujeição
à lei. Tal submissão à lei promove o gozo fálico e cria o desejo, é onde o sujeito se
coloca numa busca incessante pela completude impossível. (BUCHAÚL, 2008,
p.37).

A ausência da metáfora paterna nas psicoses deixa esta estrutura à vagar pelo mundo
sem direção, a mercê do desejo do Outro, havendo dessa forma, a quebra das cadeias
simbólicas dos significantes. “O sujeito entra num estardalhaço por sentimentos de perdição
e errâncias. Lacan vai chamar isso de processo de foraclusão do Nome-do-Pai, onde a lei é
chamada, mas não responde.” (BUCHAÚL, 2008, p.37). Dessa forma, a função paterna é
foracluída, e com isso não há simbolização da separação primordial do sujeito em relação ao
Outro. Assim, o psicótico fixa-se numa posição de objeto (falta-a-ser), ficando fora do
discurso fálico (discurso do mestre, discurso do universitário, discurso da histérica e o
discurso do analista). Pires (2005), cita que:

como conseqüência desta foraclusão, da não simbolização da castração, percebe-se


uma ausência de metaforização que impossibilita o psicótico de se estabilizar no
discurso, assim, ele fica fora do discurso, não conseguindo „escutar‟ aquilo que o
outro diz além das palavras. [...]. Para sobreviver ao caos o sujeito psicótico busca
escapatórias. Ele tenta estabelecer uma cisão subjetiva entre ele e o grande Outro,
que não foi alcançada simbolicamente de forma artificial, [...] através da
construção da metáfora delirante. (PIRES, 2005, p. 1 e 2).

A psicose é uma estrutura inabitável pelo recalque, pela simbolização, pelo desejo,
pelo real, pelo discurso e pela falta. É uma estrutura desvelada, sem véu, sem máscara, que
tem a verdade e não a pede ao Outro, mas em contra partida, ela é habitada pelo campo da
linguagem, o psicótico é o mestre da linguagem! Como bem descreve Elia (2007):

Como ser de linguagem, o sujeito humano se constitui de um campo, um território,


um universo, que contém e subsume o sujeito, mais do que um domínio de uma
função, isto é algo de que o sujeito pode dominar ou não. Assim, mesmo que alguém
não faça uso da função da fala – como os autistas ou alguns psicóticos
esquizofrênicos em condições subjetivas cuja gravidade faça com que sua relação
com a linguagem se caracterize pela mais completa fragmentação e
desconcatenação de sua fala – ainda assim, estará no campo da linguagem, na
medida em que é ser falante, que se constitui em um mundo de linguagem. (ELIA,
2007, p.22).

O psicótico faz uso da linguagem por diversas vias e caminhos, seja, através da fala
desconexa e cheias de neologismos, ou até mesmo, por meio da escrita, da dança, da música,
da arte, do teatro, do surto e de toda sua criatividade. O que importa é que a linguagem está
17

presente nesta estrutura e, pode funcionar ou não, como forma de suplência da metáfora
paterna.
Lacan ao utilizar o termo sujeito psicótico, levanta diversos questionamentos sobre a
questão, acende várias discussões e problematiza o assunto, por outro lado, a posição dele
possibilita uma nova maneira de entender e atender as demandas de tal estrutura. “Rompe”
com os paradigmas preconceituosos que rotulam os psicóticos como: doentes, dementes,
casos e objetos, como se fossem meros “animais” sem cura. Apesar de não haver “cura” para
as psicoses, existem sim, possibilidades de estabilização apaziguadora. Neste sentido, o uso
da linguagem no delírio “poderia” funcionar como sustentação e suplência paterna.
O psicótico sai do lugar de exclusão e passa a fazer parte de um contexto, no qual ele
tem um lugar de sujeito, por está habitado pela linguagem e através da mesma, tenta fazer
valer a suplência para impedir o aprisionamento do Outro.
É esta tentativa de suplência que se vê no filme de Estamira, dirigido por Marcos
Prado (2006). Estamira é diagnosticada como psicótica, trabalha em um lixão e lá, faz
aparecer sua criatividade e linguagem através de ideias delirantes para barrar e impedir o
Outro, é preciso surtar para tentar sair das garras daquele que a aprisiona e sufoca, é a forma
que ela encontra para sanar o sofrimento. Sobre este caso e suas peculiaridades será retomado
com mais detalhe posteriormente, no terceiro capítulo.
A psicanálise Lacaniana, a partir de um olhar para o sujeito psicótico proporciona a
estes uma clínica diferenciada, na qual todo tipo de fala e linguagem é valorizada, seja ela
verbal ou não. Quando se pensa em um sujeito na psicose, pensa-se no conceito de sujeito
lacaniano. Eis aqui o ponto central que este trabalho se propôs analisar. Saber onde e de que
forma o psicótico é reconhecido como sujeito através da linguagem via suplência paterna, já
que a mesma é condição constituinte para o sujeito.
O primeiro capítulo deste trabalho faz um percurso desde o sujeito cartesiano, e o
sujeito do Inconsciente de Freud, até o nascimento do sujeito do desejo lacaniano.
O segundo capítulo trás um recorte da história da loucura e da paranóia. Logo após, é
dado um breve passeio sobre a visão de Freud a respeito da Paranóia e das psicoses, e por fim,
toda conceituação e paixão de Lacan no que tange as psicoses.
No terceiro capítulo faz-se um breve recorte do caso Estamira e as acepções do
sujeito presentes neste modo de estruturação através do delírio como tentativa de reconstrução
deste lugar, além da descrição da clínica psicanalítica das psicoses.
Este é um trabalho que não tem a pretensão de finalizar seus estudos e investigações.
Mas continuará sendo o alvo de estudos futuros.
18

1 CAPÍTULO: O SUJEITO DE FREUD A LACAN

1.1 O Sujeito em Freud

“Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como


várias pessoas,
Quanto mais personalidades eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as
tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas
elas,
Quanto mais unificadamente diverso,
dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo.
Mais completo serei pelo espaço inteiro a fora”.
(Álvaro Campos).

O que se pretende neste capítulo é fazer uma articulação do sujeito no pensamento


freudiano e o conceito do sujeito estabelecido em Lacan. Dá-se aqui a preferência ao termo de
sujeito apresentado pela psicanálise, do sujeito do inconsciente, da linguagem, da falta e do
desejo. Pois o sujeito aqui descrito não é o sujeito pensante, da razão, da consciência, da
objetividade, do concreto, da gramática, mas sim, o sujeito do inconsciente. Embora, Decartes
tenha dado uma origem filosófica ao conceito de sujeito, como um ser que é da consciência,
soberano e absoluto, não será deste conceito que tratará este texto, apenas irá se fazer um
breve passeio pelo pensamento Cartesiano, afim de nortear e diferenciar o sujeito da Razão e
o sujeito do Desejo. Para Bastos,

O „eu sou‟ em Decartes é a proposição que anuncia para o sujeito a certeza de si,
uma presença a si e que está isenta de qualquer conteúdo representativo. A certeza
de si é entendida ao mesmo tempo como sendo a própria certeza do sujeito. Essa
proposição em que o pensamento está qualificado como o pensamento do sujeito
constitui também o seu ser. [...] A certeza do „penso‟ vai implicar imediatamente, o
„eu existo‟, sendo a realidade substancial do ser pensante [...]. (BASTO, 2006,
p.47).

O Sujeito Cartesiano é fundado em sua certeza e é reduzido a um pensamento. Este


ser é estruturado na consciência onde os pensamentos estão qualificados como racionais,
objetivos, e ausente de qualquer representação primitiva que o estruture, pois é algo
substancial e plenamente consciente. A impressão que se tem é a de que o sujeito de Decartes
19

não suportaria o inconsciente, descrito mais a frente em Freud e Lacan. Ele apresenta um
sujeito ausente e distinto de qualquer função psíquica, o qual é o pensar que lhe permite
existir e resignificar sua existência em si. De acordo com Menezes,

Se „existo onde penso‟, asseguramo-nos na certeza de um sujeito pensante. Um „eu‟


consciente de si, na falsa segurança de que existimos onde pensamos. Nesta verdade
que durou alguns séculos, o sujeito do saber, o „eu‟ da consciência, concebe que seu
pensamento é controlador de todas as coisas, e que através desse elemento
fundante, é possível conhecer o real e chegar à verdade. (MENEZES, 1996, p.263)

Belo sonho este dos racionalistas, onde a verdade não passará de uma doce ilusão.
Bom seria se a realidade do sujeito em busca da tão sonhada verdade não tivesse gerado
tamanha angústia pelo vazio que existia diante do saber do não saber o sentido da verdade do
existir. A partir de então começa a descentralização do sujeito pensante para um novo
conceito de sujeito. Para Elia,

O sujeito se desdobra, movimento pelo qual se coloca no ato de conhecer, é suposto


a este ato, mas não mais como mero correlato do objeto conhecido. [...] A aparição
do sujeito no cenário do pensamento se fez através da angústia e da incerteza em
relação ao que se dera até então como um mundo mais ou menos compreensível
para o entendimento do homem. (ELIA, 2007, p.13).

Surge então a psicanálise, que não se desfaz do sujeito pensante. Mas que segundo
Bastos (2006, p.43), declara: “O sujeito é também o do pensamento, mas inconsciente”. Ou
seja, ele é pensante mais não da ordem da consciência como enfatizava os racionalistas, e sim,
um ser pensante do inconsciente. Dessa forma o sujeito do pensamento objetivo racional e
consciente deixa de ser soberano e dá lugar a um sujeito do pensamento inconsciente.
Foi a partir da crise do sujeito Cartesiano que houve um corte epistemológico na formação
racionalista do ser pensante. Com este corte surgiu um golpe que veio a ferir a tradição cartesiana de
um sujeito ao qual se acreditava ser absoluto e centralizador de todas as coisas, e assim, o pensar seria
a única realidade constituinte. Dessa forma: “Freud veio destruir nossa ilusão de que a
consciência constitui o centro de nós mesmos. Com ele nasce um problema novo: o da
consciência como mentira, ou da mentira da consciência, pois a questão da consciência é tão
obscura quanto à do inconsciente.” (JAPIASSU, 1989, p.36 apud MENEZES, 1996, p. 263).
A psicanálise reconhece que foi a partir de Decartes que surgiu a primeira noção de
sujeito, mas também reconhece que foi a partir do mesmo que se fez necessário a quebra dos
paradigmas racionalistas para o surgimento de um novo conceito de sujeito.
20

Foi através da descoberta do inconsciente freudiano, que fez advir e nascer uma nova
noção de sujeito, sujeito este, que é constituído pelas representações psíquicas primitivas, no
qual a verdade não é absoluta, a certeza e a soberania são inexistentes. Para Bastos (2006), é
necessário diferenciar:

[...] o sujeito Cartesiano do sujeito inconsciente, no ponto da sua relação ao real.


Embora o Cogito Cartesiano não se relacione ao real, ele institui-se como real,
como substâncias. O sujeito do inconsciente enquanto o do desejo e o que procede
do nada, do sempre o mesmo, sem nenhuma consistência substancial, sendo ele fora
do mundo, fora do significante. É o que está longe de qualquer captura teórica e de
qualquer análise discursiva. (BASTOS, 2006, p.49).

No artigo “As neuropsicoses de defesa” em 1896, Freud reconhece e revela de forma


clara o mecanismo psíquico de defesa como inconsciente. Mas é a partir do texto “A
interpretação dos Sonhos” datado de 1900, que se funda o inconsciente de uma vez por todas,
o sonho foi o caminho para a descoberta do inconsciente, e a partir de então, Freud em 1912
escreveu um nota sobre o “Inconsciente em Psicanálise”, e em 1915 sai a publicação do seu
escrito “O inconsciente.”
O inconsciente designa a parte mais arcaica do aparelho psíquico, os quais são
reconhecidos como conteúdos ausentes em um determinado momento da consciência. É
constituído por conteúdos recalcados aos quais são recusados o acesso ao pré-consciente e
consciente. Neste contexto a psicanálise é marcada pela descoberta do inconsciente, pois a
mesma revela e revoluciona a concepção de homem e a nova noção de sujeito. Segundo
Baratto (2006):
Freud defende a tese da existência de processos psíquicos inconscientes,
demonstrando que a equivalência convencional entre psíquico e consciente é
completamente inadequada e calcada numa superestima outorgada à consciência.
Com a descoberta do inconsciente, ele opera uma verdadeira revolução. [...] De
fato, ao afirmar que o inconsciente pensa, Freud desaloja a consciência de seu
lugar de centro, alterando assim o privilégio conferido aos pensamentos
inconscientes. (BARATTO, 2006, p.75)

A priori, Freud mostra que o psiquismo não é reduzido à consciência e que o mesmo
nos permite compreender os processos sobre a existência do sujeito. A descoberta freudiana
veio revelar que os processos de pensamentos inconscientes se constroem à margem da
consciência e dela independem ou se submetem.
“Freud coloca em cena a concepção de um sujeito dividido não centrado em torno
da consciência. O que ele descobre é a ausência de um eixo á volta do qual os processos
21

psíquicos se ordenam. O sujeito é descentrado, isto é, carente de um centro ordenador.”


(BARATTO, 2009, p.75).
Nesta perspectiva o sujeito é um ser desbussolado, e desnorteado, longe de ser
centrado e ordenado como afirmava Decartes com o sujeito pensante. Dentro desta lógica o
sujeito do inconsciente deve ser pensado como alguém desejante.
A psicanálise ao falar do sujeito preocupa-se em não cair nas armadilhas simplistas,
banalizadoras de uma noção ou de um conceito pronto e pré-determinado, tal atitude seria
uma ingenuidade perigosa. Com tal afirmação não se quer negar a existência de nenhum tipo
de noção do sujeito, mas de ter o cuidado ao se explicitar tal questão.
Segundo Elia (2007, p.10): “Como categoria nocional elaborada teoricamente,
designada por uma palavra que lhe dá sua unicidade, precisão e rigor, é claro que sujeito é
um conceito: é isso que faz com que essa categoria integre o corpus teórico da psicanálise,
constituindo-se, aliás, como uma das categorias teóricas mais essenciais deste corpus.”
Freud embora seja o pai da psicanálise, não se aprofundou, nem elaborou o conceito de sujeito
na teoria analítica, tal como fizeram alguns pensadores, filósofos e a própria ciência de sua
época. Ele apenas limitou-se em acolher as noções presentes nestas correntes. Para Cabas
(2009):
[...] Freud nunca constituiu uma teoria – menos ainda uma filosofia – sobre o tema.
Ao elaborar sua experiência, ele parece nunca ter sentido a necessidade de produzir
uma definição explicita. Limitou-se a acolher as noções presentes na filosofia de seu
tempo - de um eu, de si - mesmo [...] elaboradas pela dialética de Herbart, Wundt e,
sobretudo, Bretano. (CABAS, 2009, p.13).

Em toda obra freudiana, a noção de sujeito é uma referência presente, porém,


implícita. Freud destaca que dentro do fundamento psicanalítico, o que concerne é a
concepção de criatura humana. O humano como um ser de desejo, estruturado por uma falta
fundamental. O sujeito do inconsciente é um ser essencialmente da falta, da incompletude, ou
seja, desejante. Freud inaugura sua concepção através do desvelamento do inconsciente
presente na criatura humana, esse processo se desvenda a partir da análise dos sonhos. Os
sonhos para psicanálise é a „busca pela realização dos desejos inconscientes‟.
O sujeito da psicanálise não se restringe apenas a um conceito, mas ao estatuto de
sujeito. Cabas (2009, p. 16): “O estatuto do sujeito na teoria analítica é tão singular, tão
particular e preciso [...].” O termo, sujeito, não integra como expressão o vocabulário
freudiano. “Freud nunca se referiu à dimensão da subjetividade com essas palavras, e nem
com esses termos, e muito raramente empregou a expressão sujeito” (CABAS, 2009. p.21).
22

Esta afirmação revela sem qualquer sombra de dúvidas que as expressões subjetividade e
sujeito
não fazem parte do quadro de conceitos, termos e formalizações construídos no vocabulário
presente na obra freudiana. “Ele empregou a palavra sujeito uma única vez na
„Metapsicologia‟ e, mais exatamente, quando aborda o estudo das vicissitudes da pulsão [...].
Neste contexto, utiliza um termo que já é, em sim mesmo, pouco comum e ainda de maneira
heterodoxa.” (CABAS, 2009. P.22)
O fato é que em toda obra freudiana existe apenas um único parágrafo no qual é
citado de forma explicita e clara a noção de sujeito. O mais interessante é que a obra freudiana
é reconhecida como referência que cita e introduz o sujeito de forma absoluta, necessário para
qualquer noção do ser humano. De acordo com Cabas (2009):

A Verdade é que o parágrafo é bem claro. Mais do que isso. Muito preciso.
Sobretudo porque situa a função do sujeito em relação à pulsão, dando a entender
que os avatares da subjetividade estão referidos às exigências e às imposições da
satisfação pulsional. Por esse viés desconsidera a tradição idealista. Uma tradição
na qual a influência do platonismo faz conceber o sujeito como um ponto ideal.
Uma idéia de si. Uma idéia. Mas também deixa de lado a tradição romântica. Uma
tradição para a qual o sujeito é um ímpeto, digamos vital, uma turbulência
passional. No fim, deixa claro que o sujeito freudiano não é nem idéia e nem
representação. [...]. (CABAS, 2009, p.24 e 25).

É necessário reconhecer, portanto, que um parágrafo é pouco quando se leva


em conta a extensão e dimensão de toda obra freudiana. “Por certo é que, a cerca do sujeito –
da questão do sujeito -, Freud só deixou um linha.” (CABAS, 2009, p.25).
O inconsciente foi sem qualquer hesitação, o ponta-pé inicial para a construção e
formulação da noção de sujeito, pois, para Freud, o que era utilizado até então, como noção
fundamental, era a noção de criatura humana/ ser humano/ humanidade, como o EU e o ISSO.
Este trabalho não se propõe há um aprofundamento sistemático na noção de sujeito e,
nem tão pouco, acirrar uma crítica as formulações freudianas. O que se pretende é esclarecer
que o sujeito tal como a psicanálise o concebe na atualidade, não foi introduzido nem por
Decartes, nem tão pouco por Freud. Apesar, de entender que o sujeito é um tema freudiano
em decorrência da descoberta do inconsciente. Segundo Pequeno (2000):
[...] o sujeito é um tema freudiano, não é um termo que Freud tenha alcançado à
condição de conceito. Ao contrário, faz dele um uso apenas esporádico e assim,
para se referir ao que virá a ser o conceito, é forçado a permanecer em um nível
mais descritivo, mais próximo do fenômeno: O sonhador, o neurótico, o psicótico, a
criança, o primitivo, o eu. Ou seja, a rigor o conceito de sujeito em psicanálise não
é de Freud e sim de Lacan. ( PEQUENO, 2000, p.3).
23

Foi somente a partir de Lacan que o termo sujeito foi introduzido de forma explicita
e mais definida na teoria psicanalítica. Jacques Lacan foi psicanalista e autor francês de
grande notoriedade, reconhecido pela contribuição que proporcionou a psicanálise e aos
psicanalistas contemporâneos. Ele fez uma releitura da obra freudiana e retoma os
fundamentos nela propostos. Este grande psicanalista trás à luz conceitos, termos e noções
que não estavam explícitos na obra de Freud. Lacan não só, se aprofundou em alguns termos
como também, os aprimorou. Ele trás o conceito da consciência, descrito pela psicologia,
filosofia e lógica, para contrapor com o sujeito do inconsciente e do desejo, para isto,
modificou a teoria saussuriana do signo lingüístico, ou seja, mostra a supremacia do
significante.
Para Roudinesco e Plon (1998, p. 742): “‟Um significante é aquilo que representa o
sujeito para outro significante‟. Esse sujeito segundo Lacan, está submetido ao processo
freudiano da clivagem (do eu)”.
Lacan acredita que quando alguém nasce encontra no Outro o campo da linguagem e,
assim, inicia suas primeiras significações. O outro, funciona como um espelho para criança, e
através deste, a criança irá se identificar e ir se estruturando como uma linguagem.
24

1.2 O nascimento do sujeito do desejo em Lacan

Lacan percebe que a linguagem é fundamental e estruturante para concepção de


criatura humana, a linguagem funcionaria como um campo de desvelamento de uma dimensão
inconsciente e determinante. Petri (2009), afirma que:

A linguagem é o elemento fundamental na constituição do ser humano, que é por


definição um ser falante. É a linguagem humana que nos distancia do reino animal,
uma vez que difere da dos animais por não se resumir apenas um código que serve à
comunicação e que se adquire com a maturação do organismo e o desenvolvimento
das diversas funções corporais. (PETRI, 2009, p. 28 e 29).

A linguagem é algo pré-existente a cada novo ser que chega ao mundo. A criança
(filho) chega ao mundo inacabado, incompleto e extremamente prematuro de qualquer
significação da linguagem. A criança é este sujeito em construção e constituição psíquica, é
aquele enquanto ser desejante que se percebe em uma “falta-em-ser”. O nascimento do sujeito
ocorre a partir da introdução da linguagem e do acolhimento que inicialmente pode ser
realizado pelos pais. Para Petri (2009, p. 29): “Ao se curvar à linguagem, cada novo ser
perde assim sua própria possibilidade de plenitude em si mesmo em nome da ordem maior
que o obriga a ir ao encontro com o outro para além da mera afetividade comunicativa, [...]
com a introdução da criança na esfera propriamente humana instala-se a dimensão
psíquica.”
São os pais que criam condições para constituição da criança enquanto ser desejante,
ou seja, a priori é a relação parental primária que antecipa o Outro desejante como aquele que
é semelhante ao bebê, que funciona como via de acesso para representação simbólica do
mundo; pois, a criança chega ao mundo desprovida de uma carga pulsional satisfatória, para
sustentar sua sobrevivência enquanto ser existente no mundo. “É o encontro desse novo
organismo ainda inacabado com a linguagem já encarnada nos agentes responsáveis pelo
seu acolhimento, em geral os pais, que cria as condições para a constituição de seu
psiquismo, introduzindo-o no campo pulsional.” (PETRI, 2009, p. 29).
A pulsão seria a mola propulsora vivenciada no corpo, dos cuidados, do acolhimento,
e da falta dos adultos (cuidadores) que permanecem ao lado do bebê, ou seja, esse outro
instala e articula a pulsão no organismo da criança, permitindo que o mesmo, adentre no
universo da linguagem e da cultura, possibilitando dessa forma, resplandecer e nascer um
25

novo sujeito. O nascimento dá ao sujeito a primeira perda, o primeiro corte e a primeira


castração, é como se de alguma forma ocorresse à primeira morte. A este novo sujeito resta
apenas ir em busca de construir formas nas quais se tornem possível sua existência frente ao
mundo e a vida.
Neste momento de sutura surge uma ferida a ser cicatrizada, que causa grande
desorganização estrutural, ou seja, ocorre uma verdadeira desbussolação desse ser que chega
ao mundo. Os pais, são assim, responsáveis à serem a bússola decisória na formação de uma
instância estruturante e significante na vida da criança enquanto sujeito, permitindo dessa
forma, que a angústia primária do nascimento, seja uma angústia instauradora e constitutiva.
Segundo Petri (2009, p. 29):

Esse Outro primordial ao desempenhar a função básica de promover-lhe sustento e


proteção, exerce mesmo a própria revelia o papel de interpretar necessidades
emergentes em gritos inicialmente desarticulados alcançando-os assim ao estatuto
simbólico da linguagem: antes que possa falar, o sujeito é falado pelo Outro.

O outro cuidador (mãe) é o primeiro agente da linguagem, é a mãe (cuidador) que


possui a chave para proporcionar possibilidades e condições para o nascimento do novo
sujeito. O adulto ocupa-se e apropria-se da criança, assim como das demais tarefas e
obrigações, mas o que diferencia esta relação de cuidado, é que os cuidadores assumem uma
posição de implicação desejante, pois o que transforma a criança em sujeito é o desejo. Este
desejo se constrói a partir do desejo do Outro, pois os elementos constitutivos da estrutura da
criança, ainda não estão fixados de modo estável. É através da rede dos laços da linguagem,
que os discursos se organizam e assim se produz o sujeito. Portanto, é por meio dos tropeços e
atos falhos da linguagem que o sujeito anuncia seu desejo, sua falta, e assim, denuncia o que
até então estava recalcado. São essas tentativas de satisfação de um desejo reprimido, que o
inconsciente deixa como rastros visíveis. Para Menezes (1996):

Para que o desejo se volte para um objeto não natural, é necessário que se volte
para outro desejo. Aqui o desejo seria um vazio, pois é „desejo de desejo‟,
parafraseando Caetano, „Eu desejo teu desejo‟. Neste momento, o „desejo que visa
outro desejo‟ só é possível numa comunidade humana. O homem também visa a
objetos, mas enquanto objeto de desejo de outro, por isso Hegel diz que: o desejo
humano volta-se para o objeto na medida em que estes se constituem como objeto
do desejo de outros homens. (MENEZES, 1996, p.264)
26

Neste viés, o objeto só será reconhecido através da linguagem. “Para a psicanálise o


desejo é imaterializável, pois ele não visa ao objeto, mas outro desejo, por isso o vazio. O que
o desejo humano deseja é permanecer desejando.” (GARCIA ROSA, 1991, p.111 apud
MENEZES, 1996, p. 264). É uma longa caminhada a fim de compreender a busca incessante
humana pelo objeto que seria capaz de preencher o vazio existente pela falta fundante.
É impossível a criança estabelecer uma noção de desejo, se as relações primárias e o
contato com a linguagem, não fossem bem estabelecidas. A linguagem funciona, como uma
ferramenta norteadora do inconsciente que está velado. Por isto, a mãe precisa se separar em
determinado momento desta criança, para que ela possa se constituir. De acordo com Petri
(2009):
[...] Num primeiro momento desse circuito desejante que engendra um novo sujeito,
no qual outro cuidador coincide com o Outro, a criança encontra-se de certo modo
alienada e totalmente à mercê das palavras e significações alheias que articulam na
verdade o desejo desse Outro, para, em um segundo momento, separa-se dele
visando constituir um lugar próprio de enunciação. (PETRI, 2009, p.29).

A perspectiva lacaniana acreditava que o sujeito só poderia ser concebido por meio
do campo da linguagem e a mãe, é este primeiro mediador a encarnar uma ordem significante
e não significativa, ela transmite algo primordial, que trata-se de uma estrutura significante e
inconsciente.
A mãe ao falar com a criança, transmite para, a mesma, o som da linguagem que
penetra o campo simbólico dela, e neste estágio, a criança ainda não se enxerga alienada ao
desejo, e ao corpo da mãe, um ser totalmente assujeitado ao desejo materno. Eis então, uma
relação simbiótica que necessita da intervenção paterna, para que esta relação, não se torne
algo desestruturante para a criança. Petri (2009), afirma que:

As funções de mãe e pai: mãe na medida em que seus cuidados levam a marca de
um interesse particularizado, ainda que pela via de suas próprias faltas, e pai na
medida em que seu nome é o vetor de uma encarnação da lei do desejo. Em outras
palavras, são necessários o desejo da mãe, por meio do qual a criança se aliena
como objeto, e o Nome-do-Pai, significante que barra o desejo da mãe abrindo a
possibilidade afetiva para o surgimento de um sujeito na operação nomeada de
Metáfora Paterna. (PETRI, 2009, p.30).

Os pais transmitem a falta, a partir de suas próprias funções subjetivas, a falta é uma
lacuna/ vazio estruturante para o psiquismo, ela configura-se como uma incompletude
inerente à condição humana. Para que a falta se instaure, é preciso que a mãe falte- a- ser, é
necessário que a mesma, permita a inserção do Nome-do-Pai/ Lei/ Castração, para que haja o
desasujeitamento da criança. “O desencontro inaugural é inevitável, advém do fato de a mãe
27

falhar na sua matriz inicial presença/ausência, ou seja, não comparecer junto à criança no
exato momento em que era esperada, mas antes ou depois. (PETRI, 2009, p.32).
A constituição do sujeito, só se efetiva por meio do que a criança reproduz a partir
daquilo que recebeu nas relações primárias essenciais. O processo de apropriação de
linguagem, não é algo do qual cada ser vivencia de forma singular e subjetiva, “quase como
se o sujeito para adquirir a linguagem seja adquirido por ela.” (PETRI, 2009, p.30).
O sujeito dentro de uma perspectiva lacaniana está constituído e fundamentado em
instância lógica e não cronológica. Dessa forma, o sujeito do inconsciente, é atemporal, não
tem idade e nem cronologia fechada e determinada.
Com o passar do tempo, o sujeito enfrenta vários impasses subjetivos que podem
ocasionar transformações na sua leitura e ação no mundo e na organização de elementos
essenciais para constituição psíquica. (PETRI, 2009).
A mãe é sem dúvidas o Outro primordial e o bebê é o objeto sujeito à necessidade.
Neste sentido, a mãe enquanto objeto desejante do bebê, se oferta em forma de matriz
simbólica articulando assim, sua presença e ausência.
Petri (2009, p. 32) afirma que: “A criança vive uma primeira experiência de
satisfação nesse momento mítico do encontro com o leite/ seio materno, numa relação
ilusoriamente homeostática com a mãe”. Neste momento, é como se a criança vivenciasse a
possibilidade de se tornar um com a mãe; como em um encontro de plenitude com este Outro.
Para que tal situação se reorganize, faz-se necessário a inserção de um terceiro na relação dual
mãe/bebê. É o terceiro que permite a aparição do Falo e dos significantes do desejo materno.
É preciso que a criança se desvencilhe do jogo, a qual está alienada ao seio materno,
funcionando como aquele que é aprisionado ao desejo materno.
O bebê, sai do lugar de Falo da mãe, para se tornar um sujeito de desejo, a partir da
dialética da frustração, dos desencontros com a mãe, este episódio, ocorre por meio do jogo
da castração na relação com o pai, exigindo por parte da criança uma reordenação dos
elementos significantes. Longo (2006), afirma que:

[...] o pai intervém e priva tanto a mãe quanto a criança do falo. É importante
ressaltar que se trata do pai como uma função; as ocupações da mãe, seu trabalho
ou alguém que ocupe o lugar do pai poderão assumir a posição do pai biológico
para cumprir o segundo tempo do Édipo, que significa o encontro com a Lei do pai.
Em outros termos, o pai tem o Falo, a mãe não tem o Falo e seu filho não é o Falo.
O terceiro tempo é o da identificação com o pai: nesse momento opera-se a entrada
na ordem simbólica – a ordem da linguagem onde há necessariamente três
elementos: eu-tu-ele, ou seja, pai-mãe-criança. (LONGO, 2006, p.51).
28

O Pai aparece para operar a castração liberando a criança do desejo voraz da mãe.
Este posicionamento é necessário, pois a castração apazigua os conflitos e desgastes da
alienação materna, o pai como figura da Lei fornece uma estrutura que regulamenta a
instauração da Lei. Dessa forma, legitima a incompletude que até então não havia, pois
enquanto a criança se via presa como objeto fálico da mãe, havia uma sensação de plenitude e
completude. O bebê é invadido pela falta que estrutura o psiquismo, não apenas uma falta na
qual existe um vazio a ser preenchido, mas essencialmente por uma falta simbólica.

A mãe, como Outro primordial, só pode propiciar as condições necessárias para a


criança realizar essa nova organização se estiver marcada ela mesma pela falta que
move o desejo. Se esse Outro falha nesse momento, deixa a criança sem elementos
para lidar com o impasse colocado. É aqui que entra o pai nesse tempo da
constituição, um pai simbólico, um nome tributário do desejo da mãe. A função
paterna é assim veiculada pela palavra da mãe: O pai, sendo o que dá referência à
mãe, não precisa ser necessariamente o genitor, nem mesmo um homem
concretamente presente, mas uma instância que leva a mãe a desviar seu desejo em
outra direção. (PETRI, 2009, p.33).

É aqui que ocorre a estruturação do sujeito pois a castração através da função


paterna, possibilita a ressignificação das perdas anteriores, e permite a quebra da ilusão da
plenitude e completude materna, ampliando as vivências sociais e o circuito de trocas do
sujeito com Outro em busca do falo, e é a partir de então, que se pode falar em sujeito do
desejo e do inconsciente.
O caminho a ser percorrido pela criança enquanto sujeito em construção, findará na
adolescência, iniciando assim uma nova fase em busca do objeto de desejo. A psicanálise
afirma que, a castração é fundante para organização psiquíca, pois a mesma possibilita o
espaço de entrada do gozo ao desejo. Esta via de acesso ao gozo, deve. “[…] ser aberta pelo
sujeito na infância e percorrida vida afora.” (PETRI, 2009, p. 34).

Na infância, o sujeito experimenta renúncias sucessivas ao gozo que serão


ressignificadas da castração em diante. Ao sucumbir á castração, o gozo do corpo
tem que passar pelo significante, sendo, assim, redimensionando em jogo fálico.
Esse esvaziamento de gozo ressignifica todas as perdas anteriores em relação ao
falo, significante da falta como universal a todos os seres falantes, o qual divide o
campo da sexuação em duas metades não complementares, a do homem e a da
mulher. Entre o homem e a mulher há, então, o muro da linguagem. (PETRI, 2009,
p. 34).

A formação e a realização de um sujeito ocorrem através da linguagem, da falta e da


existência do confronto com seu próprio desejo inconsciente. Essa redundância entre a falta e
o desejo, se faz necessário por serem esses componentes, o cerne em questão, no que diz
29

respeito ao sujeito. “Perante o desejo, o sujeito faz uma escolha entre a responsabilidade e a
culpa. A culpa é sustentada pela sujeição aos ideais morais, diante do que o sujeito capitura
em face do desejo a responsbilidade, por outro lado, consiste em responder pelo desejo
inconsciente.” (PETRI, 2009, p. 35).
Lacan em seu retorno a Freud revela conceitos até então não explicitados, ele
observa que Freud valorizava a fala, as palavras e o modo de linguagem dos pacientes, pois
através deste meio emergia o sujeito e seus conteúdos inconscientes. “No final da década de
1950 e começo de 1960, Lacan buscou definir o sujeito da forma mais precisa possível, e
parecia manter firme uma esperança de que um significante de um sujeito poderia ser
encontrado nos enunciados, isto é, no que é dito.” (FINK, 2009, p. 57). Por este motivo, que a
psicanálise Lacaniana afirma, que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, e é por
meio dela que se caminha em direção a revelação do inconsciente, do desejo existente no
sujeito. De acordo com Longo (2006):

A Língua é que vai fornecer o instrumento de um discurso, no qual a personalidade


do sujeito se libera e se cria para, então, atingir o Outro. É a na linguagem e pela
linguagem que o homem se constitui como sujeito; a subjetividade e a consciência
de si só podem ser atingidas por contraste, ou seja, o eu diante de um tu, falando de
um terceiro elemento, ele (pessoa ou assunto). A linguagem é a única possibilidade
de subjetividade. (LONGO, 2006, p. 51 e 52).

A linguagem aqui descrita não é apenas a verbal, mas também às diversas formas de
expressões que funcionam como linguagem. É por meio destas espressões de linguagens, que
se adentra no mundo com todas suas vicissitudes, e assim, o sujeito funciona com um efeito
da linguagem, e se constitui a partir da mesma.
Lacan foi fortemente influenciado por Saussure para desvendar a estrutura da
linguagem. Dessa influência surgem conceitos linguísticos, como signo, significado e
significante, juntos, formam um conjunto inseparável, onde um, não existe sem o outro, como
se estivessem circunscritos. Embora, Lacan reconheça o algoritmo saussuriano e até tenha se
utilizado destes, ele faz questão de diferenciar o significante da linguística saussuriana e para
a psicanálise. Entre o significante e o significado da psicanálise não há nenhuma relação com
os conceitos saussurianos.

Para Lacan a definição de significante é diferente de Saussure, cujo objeto de


estudo era a linguagem e não o inconsciente. No âmbito do estudo de Lacan, a
definição de significante para a psicanálise _ „o significante é o que representa um
sujeito para outro _ significante‟ _ é crucial para a conceituação de sujeito. Ela
pode ser abordada na relação entre sujeito e saber inconsciente; entre sujeito e
lógica; entre sujeito e castração. (LONGO, 2006, p. 47).
30

Fazendo um breve retorno à questão da castração, porque aqui se faz necessário


enfatizar, que a castração é um corte ou uma barra estruturante que é inserida como Lei
(instância paterna) na vida do sujeito, já na infância, ela funciona como um corte na relação
mãe/bebê, e o que era alienação, agora, passa a ser separação, e a criança, daí começa a
adquirir a subjetividade, entrando, com tudo, no mundo essencial da linguagem.
O Significante é algo que representa o sujeito e se repete em cadeias em sua história
desde o passado até o presente, é o que marca e circunscreve a sua passagem. O Outro é um
significante que vem de fora e dentro de uma ordem simbólica e representa o sujeito em uma
vasta série de significantes. Não há outro ingresso para o sujeito, se não, pela posição que ele
integra no campo do discurso, e através deste, entra no caminho da linguagem por meio de
suas formações (lapso, chistes, sonhos e sintomas), revelando assim, as instâncias
inconscientes e se mostrando um ser de desejo e Falta. O sujeito não é uma realidade
constituída, pronto e acabado, com já foi citado neste capítulo anteriormente, ele vai se
constituindo durante o decorrer da vida, pois o sujeito do desejo é uma função, por ser o
desejo puramente inconsciente e, portanto, sendo assim, o sujeito é um ato3.

A psicanálise não desconsidera que tenhamos um organismo e que este é regido por
leis naturais e biológicas (O que seria louco), nem afirma que as vicissitudes deste
organismo não afetam o sujeito (o que seria impróprio). Ela evidencia e formaliza,
como, aliás, é de sua vocação fazer, o que todo mundo sabe pela experiência, mas
disso não tira, em geral, nenhuma conseqüência: que a experiência que temos de
nosso organismo, de suas exigências, proezas, debilidades ou doença, nós só a temos
através do campo das significações, do sentido, ou seja, pelo fato de que, por sermos
falantes, somos marcados pela linguagem, pelo significante, mesmo no mais extremo
nível de intimidade que possamos estabelecer com nossos órgãos e com o nosso
corpo. (ELIA, 2007, p. 47).

Por fim, Elia (2007), afirma que, o que Lacan formula enquanto noção de sujeito, é a
de um sujeito como efeito de linguagem, um sujeito que surge do enlaçamento pulsional, e
das relações com outro e com o mundo. Dessa forma, advém o sujeito do desejo, do
inconsciente. Um sujeito “completo” de faltas, faltas estas que levam o sujeito em busca do
objeto desejado (falo), é a tentativa de encontrar no outro e nos pares, esse algo a mais que o
complete. É uma busca constante para preencher o vazio. Essa procura pela completude dura
toda vida e vai estruturando o sujeito ao redor do vazio. É com este vazio que o homem deve

3
O termo o sujeito do ato psicanalítico se impõe como sujeito de linguagem, feito e efeito de palavras.
Fink (1998).
31

se haver durante sua existência, pois entre o homem e o mundo, há um muro, o muro da
linguagem, da falta e das relações com o outro. Nesse momento, há o que os teóricos
lacanianos descrevem como interdição, a ordem humana funda-se assim, a partir de uma
interdição/ barra através da Lei.
Por isso, Fink (1998), declara que, Lacan elaborou a teoria do sujeito e esta
funcionou como uma de suas peças chaves. O sujeito lacaniano passeia / habita entre a
“linguagem e o gozo” (FINK, 1998), o sujeito é pontual, é evanescente e vislumbra um mais
além, ele não é uma forma e nem um mito. E dentro deste viés, a psicanálise introduz o sujeito
no campo social e cultural, não o isolando destes contextos como acreditam seus críticos.
Elia (2007, p. 72) diz que: “[...] o sujeito foi à peça chave, fundamental, não como
parte do desenho, mas como instrumento mesmo do ato de desenhar. Assim, do desenho
lacaniano, a categoria de sujeito não é a forma, mas o compasso”.
E neste compasso, o sujeito ressurge à cada instante, como um ser de
responsabilidades, desvinculando-se da sua suposta “morte” ou inexistência como
acreditavam alguns. Lacan (citado por FINK, 1998) restitui o sujeito e desmitifica a “Morte
do Sujeito”, ele trouxe vida ao mesmo através do nascimento do sujeito lacaniano.
Lacan (FINK, 1998), grandiosamente inaugura não só o novo conceito de sujeito,
como também, o conceito de psicose ou psicoses, como queira! A psicose é mais uma noção
que Lacan (2008), se dedicou e esmiuçou a luz da psicanálise. A psicose, assim como, a
noção de sujeito, não foi detalhada nos escritos freudianos, exceto, pelo caso de Daniel Paul
Schreber. E é sobre a psicose que se tratará o capítulo seguinte.
32

2 CAPÍTULO: A PSICOSE DE FREUD A LACAN.

2.1 A psicose na teoria Freudiana

“Tem o gênio à loucura por vizinha;


A parede que os separa é bem fininha”.
(John Dryden)

Antes de adentrar no mundo e conceitos da psicose, é necessário fazer um breve


passeio sobre a “loucura”, termo utilizado anterior à psicose.
Na idade antiga, a “loucura” era reconhecida como uma manifestação divina,
considerada uma doença sagrada, o dito louco foi tido como aquele que tinha acesso direto a
Deus, funcionava como um portador de presságios e profecias celestiais. O louco ocupava
lugar de privilégios e respeito perante a sociedade.
Na Grécia antiga acreditava-se que a loucura, fosse um tipo de doença mental, que
tinha características específicas e peculiares, podendo ter causa definida, como algo orgânico,
por exemplo. Dessa forma, defendia-se que o tratamento deveria ser à base de banhos,
purgativos, alimentação especial.
Na idade média, os loucos começaram a serem escurraçados das cidades para campos
distantes, ou entregues para mercadores. Nesta época, também haviam barcos “Naus” que
levavam os loucos/ insanos de um lugar para outro, e assim, eles iam errantes e vagando de
cidade em cidade dentro desses barcos, que mais pareciam, carregar bichos (animais =
porcos), do que seres humanos. Poucos loucos conseguiam a proteção familiar, pois a maioria
deles, eram acorrentados, exorcizados e outros, queimados nas fogueiras como bruxos ou
possuidores de demônios.
Durante todo percurso histórico, os loucos foram concebidos sob várias formas e
visões. Foi a partir do século XVIII que começaram a surgir os primeiros asilos, que
funcionavam como abrigos sub-humanos, nesses lugares, os loucos vagavam de forma
incoerente, e os mais exaltados e agressivos eram imobilizados de maneira cruel e desumana.
Um desses lugares, de aprisionamento de loucos, tornou-se conhecido como “casa de
detenção-Hotel Dieu de Paris e a Torre dos loucos de Caen na França. De acordo com Vieira
(2007):
33

A loucura, porém, não está somente ligada as assombrações e aos mistérios do


mundo, mas ao próprio homem, às suas fraquezas, às suas ilusões e a seus sonhos,
representando um sutil relacionamento que o homem mantém consigo mesmo. Aqui,
portanto, a loucura não diz respeito à verdade do mundo, mas ao homem e à
verdade que ele distingue de si mesmo. (VIEIRA, 2007, p.04).

A loucura foi tomando cada vez mais, o lugar de exclusão e isolamento, pois para
muitos, era mais apropriado esconder e mascarar a loucura, do que deixá-la à mostra e
entender a verdade e o sentido da mesma. A sociedade acreditava que isolando os loucos,
impediriam a contaminação dos cidadãos pelo mau (demônios), que alguns religiosos da
época, afirmavam que os insanos possuíam.
Foucault (1997), descreve que, no renascimento, existiu uma concepção trágica da
loucura, na qual apesar de haver uma diferença simbólica à loucura, se representava no
universo da verdade. E após este período, o que surgiu foi à marginalização social.
A loucura é conceituada como furor, mania, delírio, fúria, insanidade, alienação,
frenesi, ou por termos mais populares (pejorativos e preconceituosos) como doidos, malucos,
birutas, tantã. O louco é tido como um ser da desrazão. As imagens descritas pelo senso
comum a respeito da loucura são: a extravagância, perda do juízo, perturbação de
pensamento, falta de domínio nas paixões e descontrole. Na visão cartesiana, acreditava-se
que a loucura fosse inerente ao próprio pensamento. No entanto, é necessário o
reconhecimento de que é difícil conceber a verdade da loucura, independente da razão que o
pensa.
Sobre todas as questões advindas a respeito da loucura, a partir das querelas,
paradigmas, crises de pensamentos, a respeito da mesma, até o ato da psiquiatria, é o que dá
conta o livro de Michel Foucault (1926-1984), intitulado História da Loucura na Idade
Clássica. Para Roudinesco e Plon (1998, p. 479): “Este livro não pretendeu fazer a história
dos loucos ao lado das pessoas sensatas, perante elas, nem tampouco a historia da razão em
sua oposição à loucura. Tratava-se de escrever a história da separação incessante, mas
sempre modificada entre elas”.
Saindo do discurso histórico a respeito da loucura, o que se pretende agora, é fazer
um breve passeio sobre a nosografia da paranóia, termo que vem substituir temporariamente o
termo loucura.
A palavra paranóia designa loucura, em um sentido da exaltação e do delírio, na
psiquiatria, o termo foi introduzido em 1842 por jonhann Christiam Heinroth (1773-1843),
contudo, vale ressaltar, que o termo paranóia é um empréstimo tomado ao grego clássico – “a
34

paranóia não designa uma doença da alma, mas o arrebatamento de um delírio”


(KAUFMANN, 1996, p. 390).
Em 1845, Kraepelin substitui a nosografia que deu o nome de delírio de perturbação
do espírito, para a palavra paranóia, dessa forma, ele introduz ordem e clareza na confusão
que existia nas nosografias anteriores. Ele dividiu a paranóia em três tipos de psicose: a
paranóia, a demência precoce e a loucura maníaco-depressiva, ou a psicose maníaco-
depressiva.
A paranóia é caracterizada por um delírio sistematizado, nela incluem o delírio de
perseguição, a erotomania, o delírio de grandeza e o delírio de ciúmes. Por estes aspectos o
paranóico se toma por profeta, imperador, grande homem, inventor, etc.
Para Kaufmann (1996, p. 391): “as idéias delirantes devem ser classificadas ao lado
da idéias obsessivas, sendo ambos os distúrbios puramente intelectuais; a paranóia se situa
ao lado do distúrbio obsessivo na qualidade de psicose intelectual.”
No tocante, as vésperas do surgimento da psicanálise, Kraepelin destaca em cerca de
50 páginas do tratado de psiquiatria os elementos clássicos da sintomatologia destinada a
servir como base da paranóia, que também será o pivô de todas as discussões posteriores. É
neste aspecto que servirá como referencial precioso para marcar o início das investigações
freudianas. “Assim, mais precisamente, segundo o princípio de explicação admitido por
Freud em sua generalidade, essas pessoas se tornam paranóicos porque não podem tolerar
certas coisas. „É necessário ainda‟, ele acrescenta „que seu psiquismo tenha uma disposição
para isso. ‟” (KAUFMANN, 1996, p.391).
Foi a partir de 1911 no âmbito de grande discussão a respeito das doenças mentais,
que Freud, preocupado em aprimorar o campo psicanalítico neste meio, foi levado a dá uma
definição a paranóia (psicose), que seria ponto de referência para os teóricos posteriores. Para
Freud, não se tratava apenas de constituir uma nova nosografia psiquiátrica, como pretendiam
alguns, mas de dar à psicose um lugar que permitisse articulá-la no caminho estrutural da
psicanálise. Foi exatamente em 1911, que Freud, concretizou seu célebre estudo dedicado à
análise das memórias de Daniel Paul Schreber.
“Assim, na terminologia freudiana clássica, a paranóia tornou-se o modelo
paradigmático da organização das psicoses em geral.” (ROUDINESCO E PLON, 1998, p.
573).
Freud (1924) no artigo Neurose e psicose, discorre sobre as psicoses como uma
nosografia sua. Contudo, é necessário esclarecer que ele não se aprofundou nos estudos das
psicoses, embora tenha algumas referências em seus escritos, a respeito da paranóia seu maior
35

interesse estava voltado para os estudos das Neuroses. Não se pode dar unicamente a Freud, a
denominação da psicose, mas também é preciso reconhecer que, como pai da psicanálise, foi
o precursor nas investigações neste sentido.

Uma vez inserida a psicose nos quadros da psicopatologia freudiana, faz-se


necessária defini-la, ou seja, caracterizá-la metapsicologicamente. Nesse mesmo
texto de 1924, Freud enuncia essa necessidade e inaugura a busca dessa definição
[...]. Essa busca orientará a investigação das questões que dizem respeito à psicose.
Uma vez que a pesquisa desse mecanismo gira muito em torno do problema da
castração, os textos que versam sobre o complexo de Édipo e o de castração cujos
contornos teóricos só neste momento começam a ser precisados, estarão
diretamente implicados na elucidação do conceito de psicose.” (SIMANKE, 2009,
p.174)

Retornando aos estudos do caso Schreber, é necessário destacar que as memórias de


Daniel P. Schreber foram de sua própria autoria e publicadas em 1903, sendo amplamente
discutidas no meio psiquiátrico, mas foi só a partir de 1910, que Freud se viu atraído por dar
atenção a este caso. E em 1911 ele publica o artigo “NOTAS PSICANÁLITICAS SOBRE
UM RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UM CASO PARANÓIA (DEMENTIA
PARANOIDES).”
Nas notas autobiográficas de Schreber, Freud descreve as dificuldades que apresenta
à investigação analítica a respeito da paranóia. “[...] Para médicos que, como eu, estão
ligados a instituições públicas. Não podemos aceitar pacientes que sofram desta
enfermidade, ou, de qualquer modo, mantê-lo por longo tempo, visto não podermos oferecer
tratamento a menos que haja alguma perspectiva de sucesso terapêutico.” ( FREUD, 1996,
p.21).
Freud, até então, acreditava que o tratamento da paranóia só seria possível em
circunstâncias excepcionais, pois a sua visão diante desta “doença” ainda era bastante
superficial, ele acreditava que o diagnóstico da paranóia nem sempre era uma questão
simples, mas mesmo diante das incertezas, ele se encarregava de tratar os pacientes por algum
tempo. “Independente disto, naturalmente, vejo muitos casos de paranóia e de demência
precoce e aprendo sobre eles tanto quanto outros psiquiatras o fazem a respeito de seus
casos; mas em geral isso não é suficiente para levar a quaisquer conclusões analíticas.”
(FREUD,1996, p. 21)
O doutor em direito Daniel Paul Schreber, é alguém que Freud nunca viu ou
conheceu. Schreber, escreveu sua própria história clínica. Dr. Schreber sofria de paranóia
(dementia paranoide). Este caso instigou a curiosidade do pai da psicanálise, e sem dúvida, foi
36

através dos estudos e investigação das peculiaridades apresentadas neste caso, que os segredos
e incógnitas da paranóia foram se desvendando para Freud.

A investigação psicanalítica da paranóia seria completamente impossível se os


próprios pacientes não possuíssem a peculiaridade de revelar (de forma distorcida,
é verdade) exatamente aquelas coisas que outros neuróticos mantêm escondidos
como segredo. Visto que os paranóicos não podem ser compelidos a superar suas
resistências internas e desde que, de qualquer modo, só dizem o que resolvem dizer,
decorre disso ser a paranóia um distúrbio em que um relatório escrito ou a história
clínica impressa podem tomar o lugar de um conhecimento pessoal do paciente.
(FREUD, 1996, p.21).

Os paranóicos revelam os segredos e mitos a seu respeito, e é aí, que está à grande
diferença entre eles e os neuróticos. A paranóia permite ao sujeito, contar sua história, seja
ela, falada, escrita, pintada, ou desconexa e desorganizada, como no delírio por exemplo.
Freud (1996) descreve o Dr. Schreber como: “homem de dotes mentais superiores e
contemplado com agudeza fora do comum, tanto de intelecto quanto de observação –
contraditou os esforços levados a efeito visando a coibi-los de publicar suas memórias [...].”
(p.22).
O Pai da Psicanálise faz a co-relação da paranóia com o complexo de Édipo, o
narcisismo, e a não inserção da castração. É a impossibilidade da inserção de ordem
estruturante na paranóia que faz eclodir a fuga da realidade, para construção de um mundo
“imaginário”, nele presente como delírios e alucinações. Há literalmente uma desconstrução
do mundo externo, que faz com que desmorone o mundo subjetivo, isto ocorre na modalidade
de comprometimento da realidade e causa as confusões alucinatórias. Dessa forma, a
realidade em virtude da impossibilidade da manutenção de uma fantasia de desejo desaparece!
É uma catástrofe que atinge a realidade que desvaneceu-se, ou seja, é uma degenerescência ou
desagregação mental em face da destruição do mundo externo.
O delírio na paranóia seria a tentativa espontânea de “cura”. “Será nesse processo
silencioso, que apenas pode ser inferido a posteriori, que Freud situará a especificidade da
repressão paranóica: afastamento da libido, de coisas e pessoas anteriormente amadas. [...].
O sujeito adoece em virtude de um amor objeto que se recusa a abandonar, o que marca bem
a oposição.” (SIMANKE, 2009, p. 161).
No delírio, o paranóico reconstrói um mundo próprio, não tão esplêndido, que o faz
voltar à viver dentro dele, ou seja, ocorre uma tentativa de restabelecimento e reconstrução.
Para a psicanálise, “o paranóico é fundamentalmente um intérprete, que em tudo vê
sinais que se referem a sua pessoa. O acaso que ele contesta, conspira contra ele. Nada
37

acontece por acaso, tudo adquire sentido, e esse sentido se refere a ele.” (QUINET, 2002,
p.07).
Freud chamava a paranóia de psicose intelectual, na qual podem ocorrer fenômenos
delirantes, fantasias megalomaníacas de redenção do mundo 4. Apresenta o delírio de
perseguição, a erotomania, o delírio de ciúmes. Na paranóia o narcisismo é absoluto, a
verdade impera, não admite erros e a falta. Tamanha presunção chega ao delírio de grandeza,
se acha o centro do mundo e dos olhares, está na mira dos outros, há espiões e perseguidores
por toda parte do mundo, todos falam dele, como se a traição fosse algo eminente.
“Não se trata, portanto, de uma psicose em não há sentidos, como na dissociação
esquizofrênica, na qual impera o non sense. A paranóia ao contrário é o império do sentido,
de um sentido que no fim das contas dirigi-se contra o sujeito.” (QUINET, 2002, p. 07).
Nos escritos freudianos, há referência de outro caso, no qual há uma hipótese de
paranóia: “O caso do homem dos lobos”, mas este, só foi investigado como possível caso de
paranóia, posteriormente pelos pós-freudianos. De fato, não havia na teoria freudiana aporte
suficiente para uma conclusão mais específica acerca da psicose.
Freud (1911) se confessa sem elementos para pensar a especificidade da paranóia a
partir do complexo paterno de Schreber. Ele não atualizou e nem retomou ao caso Schreber a
partir de desenvolvimentos teóricos posteriores. Todavia, permanece como exemplar para
interpretação psicanalítica da psicose, tendo sido com frequência, retomado por outros
psicanalistas e sofrido variadas reinterpretações.
Schreber, “o paciente de Freud que mais repercussão alcançou nos meios
psicanalíticos e fora deles.” (SIMANKE, 2009, p.155)
De fato, a psicose passa a receber um olhar e uma leitura mais específica e
diferenciada a partir de Lacan. Não há dúvidas de que Lacan aprimorou e enriqueceu o
conceito da psicose e tantos outros, dando à psicanálise a possibilidade de uma clínica
diferencial das psicoses. E é sobre a psicose na visão lacaniana, que se desdobrará o tópico a
seguir.

4
Termo referido no texto: Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia.
(O caso de Schreber) de Freud Vol. XII. 1911-1913.
38

2.2 A psicose em Lacan

Jacques Lacan, psiquiatra francês por formação, desenvolveu os estudos da paranóia


e do campo das psicoses de forma geral, bem diferente de Freud.
Lacan sempre foi fascinado pelo campo da loucura, e não pelo campo das
psicopatologias tidas comuns. A paranóia foi para ele, sem dúvida, um modelo de loucura do
paradigma em geral. Havia por parte do grande psicanalista francês, um encantamento pela
lógica do discurso paranóico. Eis aí, a grande diferença entre ele e Freud.

Enquanto o mestre vienense sempre procurava levar a loucura quer para o quadro
das neuroses, quer para o de uma concepção da psicose que escapava ao discurso
psiquiátrico, Lacan fez exatamente o contrário. Havendo abordado o freudismo pelo
caminho da clínica psiquiátrica de inspiração francesa e alemã, sendo ele mesmo o
grande clínico da psicose [...]. (ROUDINESCO E PLON, 1998, p.574)

Lacan (2008) tomou caminhos diferenciados no cerne das psicoses, escreveu a


história de Schreber em seu terceiro seminário consagrado às psicoses, datado de 1955-1956.
Entretanto, diferente de outras escolas de psicanalistas, Lacan conservou o que havia de
essencial da teoria freudiana, acrescentando o que não estava tão claro em Freud,
desvendando dois conceitos cunhados por ele: “A foraclusão e o Nome- do- Pai”, foi só a
partir desses conceitos que se originou a clínica lacaniana das psicoses.
A história clínica das psicoses, está totalmente ligada ao nascimento do sujeito,
descrito no primeiro capítulo deste trabalho.
É necessário que a mãe se afaste da relação simbiótica com o filho, a fim de que não
se torne uma mãe psicotizante, fazendo de sua cria um objeto continuo.

A constituição de um sujeito desde a infância ordena fatores que entrelaçam o


destino deste corpo ao desejo de uma mãe, bem como, o modo de como essa mãe
poderá compor a partir de seu corpo as intenções que orientam suas pulsões, as
circunscrições determinantes a permitir que este „segundo conjunto‟ se torne algo
mais que um simples „acidente biológico‟, permitindo que a clivagem ofereça um
enlace entre ego e inconsciente passível de reconhecimento póstumo. (COSTA;
TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2009, p.27).
39

Sabe-se que se não houver a presentificação da função paterna desde o início, na


mãe, ocorre o risco inadiável da psicotização. Dessa maneira é preciso que ambos (mãe e
filho) renunciem ao investimento narcísico construtor da simbiose mãe/bebê.
“Na psicose a díade mãe-filho, fechada enquanto célula narcísica, não permite a
entrada da lei e a criança continua com uma ligação de dependência, sendo completada e
completante”. (OLIVEIRA; CARVALHO, 1994, p.32 apud COSTA; TURNA; OLIVEIRA;
QUEIROZ, 2009, p.28).
Ao ter sua cria ou ao falar sobre ela, a mãe pode trazer sobre seu filho suas fantasias
para o registro simbólico, impedindo dessa forma, que ele surja enquanto sujeito do seu
próprio desejo. É dessa forma que ocorre o estádio do espelho, que na psicose se apresenta
quando o Eu é a imagem semelhança do desejo da mãe no filho.
“O espelho materno que ordenaria a passagem de um corpo vivido em pedaços em
direção a uma estabilidade na psicose, vai em direção a constituição de um corpo
fragmentado.” (COSTA; TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2009, p.28).
A forma de calar o desejo do filho é não permitir que ele surja. Isto ocorre quando há
um aprisionamento da criança de forma tão invasiva e sufocadora por parte da mãe, que para
onde o filho tentar correr, não conseguirá escapar. “Já que sua mãe se encontra psicotizante
entranhada em suas vísceras.” (COSTA; TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2009, p.30).
“A mãe” coloca o filho em uma redoma de cristal em função de uma super-proteção
esmagadora, por causa do lugar a ser ocupado pelo filho modelo e idealizado, gerando nesse
filho uma dessubjetivização radical.
“Na mãe idealizante, é o filho que receberá a carga esmagadora de assemelhar-se
ao filho modelo. Filho inteligente, filho bem-comportado, que não fala, que não existe [...],
ou seja, o futuro psicótico.” (MANNONI, 1992, p. 202 apud COSTA; TURNA; OLIVEIRA;
QUEIROZ, 2009, p.29).
Quando a mãe do psicótico aprisiona o filho e o coloca na posição de seu objeto de
desejo, foi porque houve uma incapacidade da inserção da lei na esfera da díade mãe-filho.
Não havendo a introdução do Nome-do-Pai nessa relação. O Outro deita e rola, faz do sujeito
um psicótico, um ser assujeitado e alienado ao seu desejo.

Segundo Lacan (1985), a psicose se caracteriza como uma fixação da imago do


sujeito que vem a impedir o prosseguimento do desenvolvimento subjetivo. Dessa
forma, as identificações aprisionarão o sujeito em uma dinâmica dual, afastando-o
da direção de cura a dois, onde o modo psicótico de um geralmente a mãe, vem
provocar a psicotização do outro. (COSTA; TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2009,
p.31).
40

Na psicose, o Outro reina absoluto, o psicótico é tomado e invadido pelo gozo do


Outro, e é o Outro quem o persegue e o maltrata. Com a função do pai foracluída o psicótico
fica a mercê dessa perseguição, tornando-se a caça ao invés do caçador.
“A mãe do psicótico carece de „ferramentas‟ afetivas para proteger seu filho de sua
historicidade inconsciente que assola brutalmente esta relação, a não ser dando o máximo de
si. O problema é que o máximo sempre conduzirá ao mínimo no outro extremo da linha.”
(COSTA; TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ, 2009, p. 31)
Com a lei foracluída, o sujeito psicótico passa a ser dominado pelo gozo desvairado,
sem limites. Como não há a falta e nem o vazio fundante nesse modo de estruturação, ocorre
aquilo que Fink (1998), chama de uma ordem subvertida do sujeito, não como um caos ou
uma desordem total, passível de desistência por parte da psicanálise, mas como uma ordem
que trás motivos e interesses cada vez mais aguçados pelas psicoses.
A foraclusão sem dúvida, trás perdas imensas para o sujeito, mas isto não quer dizer,
que não exista mais nenhuma esperança na reorganização da psicose.

Lacan definiu a foraclusão como uma falha, uma ausência no nível do Outro: a
ausência de um significante, o „Nome-do-Pai‟, e de seu efeito metafórico. Esse
acidente, diz ele, confere à psicose „sua condição essencial, com a estrutura que a
separa da neurose‟. O termo „condição‟ implica que a foraclusão não é um
fenômeno. Não faz parte do observado: é uma hipótese causal. É a hipótese pela
qual Lacan designa a causalidade significante da psicose. [...]. Se a foraclusão não
faz parte do fenômeno, não é pela foraclusão que se diagnostica a psicose. Não
identificamos a foraclusão mais seus efeitos. (SOLER, 2007, p.12).

A metáfora paterna indica o efeito metafórico do significante Nome-do-Pai, que por


sua vez, contribui para entrada na função fálica e possibilita a captura do sujeito na
significação. Mas no caso da psicose não existe a metaforização e nem a presença do
significante S2 (Nome-do-Pai). Desta maneira se tem a problemática da captura do sujeito e a
falta da simbolização.
Lacan (2008), reconhece que, o inconsciente freudiano é o lugar do grande Outro, o
qual é a instância do significante e sua cadeia. “Essa cadeia se desenvolve segundo ligações
lógicas cuja influência sobre o que há por significar, ou seja, o ser do ente, se exerce pelos
efeitos de significante descritos por nós como metáfora e metonímia.” ( SOLER, 2007, p.15).
A psicose seria o resultado na falha da capacidade integradora do ego. As funções do
ego, de equilíbrio e contenção se encontram prejudicadas e desorganizadas, pela não inserção
da simbolização e da metáfora paterna.
41

A psicose apresenta um sujeito não inscrito na função fálica, oferece um acesso


quase que superficial pela falta e aos efeitos dessa função fálica. O valor do falo é igual ao do
Nome-do-Pai, porém o falo, não é um órgão e nem a imagem deste, ele é um significante que
se produz na falta de outro significante com uma função para o falante. O falo seria o modo
feminino de gozo, símbolo que instala a divisão dos sexos e dos gozos, funciona como
mediador responsável pelo corte e pela castração simbólica
Na castração, o ser enquanto falante permanece assujeitado à Lei de proibição do
incesto, abrindo mão de ser o objeto primordial do desejo da mãe. Dessa forma, deve-se
pensar o falo com um objeto perdido, que tê-lo ou não, ninguém poderá sê-lo, nem a mãe,
nem o pai e nem a criança. O falo é uma representação psíquica, cuja função é a de promover
questionamentos tanto no homem, quanto na mulher sobre o sexo.
A foraclusão é o fracasso do recalque, ou seja, não existe o interdito, há uma
anulação do conteúdo a ser recalcado. A foraclusão antecede o recalque, assim, o conteúdo
foracluído não pode ser reenvocado, pois nunca houve na psicose a distinção entre
significantes e significado. Portanto, não houve de forma alguma a simbolização.

A foraclusão é um neologismo que se utiliza em português para designar que não há


inclusão, que o significante da lei está fora do circuito, sem deixar, no entanto, de
existir, pois o que esta, pois está foracluído do simbólico e retorna no real.
Foraclusão não é propriamente uma tradução do termo francês forclusion proposto
por Lacan para equivaler ao termo freudiano Verwerfung. É antes uma
interpretação. (QUINET, 2009, p. 15).

Dessa forma, o sujeito psicótico não inscrito na função fálica, apresenta a foraclusão como a
falta de registro que o impossibilita de simbolizar e entrar no real de forma satisfatória, pois o
que não é simbolizado, ressurge no real, do lado externo como delírio.
Para Quinet (2009, p. 15): “A foraclusão, portanto, remete à noção da Lei e de sua
abolição. Na gramática francesa, o termo forclusion é também utilizado como uma das
formas de negação. A foraclusão se aplica a um fato que o locutor não considera como
fazendo parte da realidade, ou seja, algo que desconsidera completamente.”
O fato do psicótico não simbolizar, não metaforizar, não recalcar, o faz um ser de
inconsciente a céu aberto, no qual há um emaranhado de informações e discursos de Outros,
essas informações vagam sem nenhuma logicidade, não existem encontros metodológicos e
estruturados nestes conteúdos a vagar, mas existe sim, uma desordem cheia de neologismos e
desencontros lógicos.
42

O psicótico não esquece, e é essa impossibilidade de esquecer e de recalcar, que faz


com que, o inconsciente nesse modo de estruturação seja nomeado como: inconsciente a céu
aberto. E então, se “enlouquece”, por não conseguir esquecer!
O inconsciente a céu aberto na psicose é sustentado por uma linguagem de alcance
reduzido. Como mestre da linguagem o psicótico funciona como uma “máquina” falante,
habitado por discursos desarticulados da realidade. O Real aparece como um lugar de
reconstrução, assim sendo, ele tenta através da linguagem, reconstruir de forma estranha no
registro do real uma metáfora paterna, e dessa forma, vai arrumando vias de acesso a
suplência do Nome-do-Pai.

A foraclusão do Nome-do-Pai implica a não travessia da epopéia edipiana, uma vez


que o sujeito não é submetido à castração simbólica, não havendo, portanto,
possibilidade de a significação fálica advir. E por não ter acesso ao falo,
significante que lhe traz efeito de significação sob seu sexo, o sujeito se encontra
numa problemática fora-do-sexo, pois, não tendo essa referência, ele não se situa
na partilha dos sexos. O psicótico é sujeito ex-sexo. (QUINET, 2009, p.15 e 16).

Portanto, na psicose não há diferença se ele é homem ou mulher, ele é o que ele
quiser! Pois, não havendo uma relação com a castração e com o significante o Nome-do-Pai
que está ligado à inserção do significante super-egóico, também não há uma definição sexual
nesse tipo de estrutura.
O Outro coloca o psicótico na posição que assim desejar, fazendo deste, uma
marionete em suas mãos. Portanto, o psicótico não tem espaço para desejar, justamente por
não ter a contingência do gozo. Ele vivencia suas questões como se não fosse ele próprio.

O gozo, enquanto tal não se deixa aprender totalmente, ele está sempre
extravasando, transbordando, escapando. O gozo vasa como no tonel das danaides
que contendo um furo, as obriga a enchê-los sempre sem jamais o completarem. [...]
Não há limites para o gozo; ele não se deixa reduzir ao sexo, pois não se deixa
aprisionar pelo significante fálico. O que não quer dizer que seu campo seja
estruturado. (QUINET, 2006, p.27).

O campo do gozo na psicose opera e é conceitualmente estruturado pela linguagem.


É por esta exacerbação do gozo, que o psicótico é o que quiser ser, ele é homem, ele é mulher,
ele anda nu e sem nenhum pudor, pois, não tem como frear os impulsos do gozo. É através
destas revelações que Lacan acredita que o psicótico carrega o Objeto a (objeto pequeno a)
no bolso. O objeto a é o supereu. “[...] responsável pelo mal-estar da civilização. O objeto a
é o rebotalho da civilização que retorna na sua modalidade de supereu como a voz que
critica e o olhar que vigia. [...]” (QUINET, 2006, p. 27 e 28).
43

Portanto, o psicótico é um homem livre por natureza, porque ele não obtém o
controle e a vigilância presentes no Objeto a, e é por não haver a presentificação deste na
psicose, que ele surge no campo da realidade através do olhar ou como uma voz.
Ao se fazer um retorno ao Outro na psicose, o que é percebido e destacado pela a
psicanálise a respeito deste Outro, é o reconhecimento deste como o tesouro dos significantes,
já que o significante S2 (Nome-do-Pai) está foracluído, e o S1 é apenas simbólico. O S1 só é
inscrito através do S2. Dessa forma, não existe uma simbolização do S1, há na verdade o que
se chama de uma falha no significante S 1, ou seja, ocorre uma retroação e repetição do S 1. É
como se o S1 fosse uma letra solta que foi inscrita, mais ainda não é uma palavra formada, é
por este motivo que não existe uma amarração dos significantes, como também, não há na
psicose o controle sobre o gozo que é desenfreado.
O Nome-do-Pai, seria o significante primordial para barrar o gozo e fazer com que o
sujeito na psicose se estabilize, mas não é pela inexistência deste significante que o psicótico
desiste de buscar soluções no real para apaziguar e se organizar enquanto ser, mesmo que uma
vez dentro do real ele poderá ser engolido pelo mesmo.

No campo do gozo, o Um do significante (S1) Só existe como significante do


transbordamento, significante do excesso e do fracasso, que apesar de mestre, não o
domina. Ele é o significante do encontro marcado e faltoso com o sexo, o
significante do trauma que se repete ao longo da vida do sujeito. E o S2 o
significante binário, é o saber definido como meio de gozo, como aparece no
discurso do mestre. Assim, no campo do gozo, o significante não se refere ao gozo,
mas é causa deste [...]. (QUINET, 2009, p. 28).

A grande questão que se instaura é, de como é possível encontrar o sujeito lacaniano


na psicose? Como percebê-lo inserido como sujeito, se ele não deseja e não tem a inscrição do
Nome-do-Pai? É bem verdade que o psicótico é um ser completo, o qual acredita ter sido
chamado para ordenar o mundo como salvador pleno. O psicótico não faz perguntas, pois, ele
já possui todas as respostas, ele não procura o “suposto-saber,” porque ele detém o saber, ele é
absoluto, é habitado pela verdade, é o dono do mundo, o senhor e mestre da linguagem
É através da linguagem que o psicótico se apresenta enquanto sujeito. É através das
diversas formas de linguagens, que ele tenta de todas as formas, apaziguar o acorrentamento
do grande Outro. Não há como duvidar que a linguagem, seja uma das formas de
estabilização da psicose, essa se manifesta de variadas maneiras, ou seja, no delírio, na
alucinação, na arte, na escrita, no dito, no não dito, nas expressões corporais, na música, no
teatro, etc. A alucinação e o delírio aqui descritos são nomeados por Quinet (2009) de forma
particular como um distúrbio de linguagem.
44

[...] aquilo que especifica a alucinação psicótica é o fato de ela ser verbal. Trata-se,
pois, da alucinação do verbo e não do distúrbio ligado aos órgãos do sentido como
sua classificação parece sugerir: alucinações auditivas, táteis, etc. [...] É por não
ser auditiva, por situar-se em outros registros que os alucinados não a confundem
com outros ruídos ou falas não alucinadas, e que mesmo os psicóticos surdos-
mudos de nascença podem alucinar. Para estes a alucinação é verbal sem ser
auditiva. (QUINET, 2009, p. 16).

É mediante o instrumento da linguagem que o psicótico encontra a possibilidade de


articulação com o campo dos discursos, que uma vez instaurados, faz-se necessário e
fundamental no campo do gozo. É através do instrumento da linguagem, que o sujeito
psicótico pode adentrar no campo dos discursos dos laços sociais. “[...] o discurso é como
aquilo que o real determina. Assim, todo laço social é um discurso determinado pelo gozo e
sobre o gozo. O laço social é uma estrutura discursiva da dominação gozo. [...]. Trata-se de
um discurso sem palavras. [...]. É um discurso que não precisa, portanto da fala para estar
atuando [...].” (QUINET, 2006, p.30).
É nas relações dos laços sociais, que se estabelece o sujeito na psicose, um sujeito de
capacidades, capaz de criar e articular caminhos para se desvencilhar das armadilhas do
Outro. Surta-se em prol de uma “cura”, delira em busca da metáfora paterna, cria e recria no
Real formas de reorganizar-se enquanto sujeito, são caminhos que perpassam pela linguagem
afim de se vivenciar a suplência paterna. Lacan enfatiza que o sujeito psicótico é inscrito na
linguagem e não na fala propriamente dita. “um dizer é aquilo que, não sendo propriamente
da ordem da fala, funda um fato. Os discursos fundam fatos, que são os laços entre as
pessoas.” (QUINET, 2006, p.30).
Alguns teóricos e campos avessos à psicanálise, não acreditam na interpretação
psicanalítica da psicose. A psicanálise em resposta aos seus opositores, convida os analistas e
amantes da clínica a não recuarem diante das psicoses.
Enfatiza-se, mais uma vez que, não há como não existir um sujeito na psicose para a
psicanálise, pois dessa forma, seria praticamente impossível de se trabalhar com o psicótico
suas questões na clínica lacaniana. A psicanálise concebe o sujeito psicótico e, portanto,
acredita na existência deste.
É sobre as acepções do sujeito na psicose e suas diversas possibilidades de
estabilização, de reorganização, e de suplência para ocupar este lugar, que abordará o terceiro
e último capítulo. Para exemplificar melhor e fundamentar tal temática será feito um breve
estudo sobre o caso Estamira, como também, sobre a clínica das psicoses.
45

3 CAPÍTULO: O SURGIMENTO DO SUJEITO NA PSICOSE

3.1 Análise do Caso Estamira: O delírio e suas possibilidades.

“Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual...
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Maluco total
Na loucura real...
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez...”
( Raul Seixas)

O sujeito na psicose é um tema alvo de várias discussões e dúvidas. Este capítulo, se


propõe a apresentar a história de Estamira que de forma substancial retrata o surgimento do
sujeito na psicose, através da várias formas de expressões da linguagem, como o delírio, a
linguagem propriamente dita, a arte, etc. Dessa forma, o que se pretende é a desmistificação
da não existência de um sujeito da linguagem e do desejo presente neste modo de
estruturação.
Estamira: A ordenadora do mundo. A história de Estamira foi retratada a nível
nacional, através do documentário produzido pelo diretor Marcos Prado (2004-2006), que tem
como Título: “Tudo que é imaginário tem, existe e é.”
Estamira é uma mulher de 63 anos (até a data do então documentário), que vive
recolhendo seu sustento no lixão do aterro Sanitário do Jardim Gramacho, na Baixada
Fluminense no Estado do Rio de Janeiro, há mais de 20 anos.
Estamira, convida a todos à adentrarem em sua história, e assim, perceberem que ela
não se restringe apenas a um mero Objeto do Outro, mas através de seu delírio, da sua forma
única de se expressar pela linguagem errante e pelo trabalho de ordenadora do lixão, ela se
inscreve enquanto sujeito de possibilidades.
Estamira é diagnosticada como psicótica. Aos 12 anos de idade, foi levada ao
prostíbulo pelas mãos de seu próprio avó materno, o qual, também foi seu abusador
46

(estuprador). Saiu do prostíbulo aos 17 anos para casar-se, depois passou a ser traída pelo seu
marido, e separou-se deste. Após um breve momento de estabilidade (reorganização
emocional), casou-se novamente e foi morar no Rio de Janeiro, este segundo marido, além de
também traí-la, obrigou-a internar sua própria mãe, que também portava sofrimento psíquico,
em um hospício (Hospital Pedro II). Depois de vários momentos conturbados com seu
segundo marido, Estamira sai de Casa e toma providências para tirar sua mãe do hospital
psiquiátrico.
Estamira, foi uma mulher muito religiosa, até o dia em que foi estuprada depois de
adulta pela segunda vez. Durante o estupro, gritou por socorro e para que Deus a ajudasse,
mas diante de seus apelos desesperadores por ajuda, seu algoz e estuprador de forma
dissimulada, e cheio de cinismo, a contestava dizendo, que Deus não existia e que, portanto,
não a ajudaria. Depois deste acontecimento, ela passou a ter delírios e alucinações
persecutórias, ou seja, se dizia perseguidas pelos agentes do FBI, se achava observada, e que
as pessoas que se aproximavam dela possuíam uma câmera escondida para lhe filmarem, e
assim, causa-lhe mal. Estamira, parece ter encontrado uma trajetória escape de tamanho
sofrimento via alucinação.
Estamira indigna-se contra Deus, que não cuidou dela e nem do mundo, ela não
suporta que o citem perto dela, pois, acredita que Ele permitiu que tudo ficasse ao contrário,
por isto, se refere a Deus como “poderoso ao contrário”. Diante da revolta ao Deus do
“abandono”, ela se diz comunista e que, portanto, quer mais igualdade entre as pessoas.
Estamira trás consigo um discurso desconexo, mas eloqüente e cheio dos
neologismos. Sua voz é o fio condutor da narrativa de sua história de vida. Mergulhada na
pobreza, carrega marcas das diversas violências sofridas.
A vida desta mulher está carregada de significações e significantes, um destaque para
seu próprio nome, ESTAMIRA: ESTA- QUE-MIRA/ ESTA-MIRA= OLHAR QUE TUDO
VER, ESTAR- AQUI, ESTAR- ALI, ESTAR EM TODO LUGAR, ELA ESTÁ EM TUDO
QUANTO É CANTO. “Ninguém vive sem ela”. Eu sou a ESTAMIRA! O nome Estamira
marca o seu lugar de sujeito, pois nomear é reconhecer! Talvez por isto, ela insista tanto em
repetir seu próprio nome, mesmo que sempre na terceira pessoa, pois, o nome uma vez
reconhecido, faz a vida resistir e resignificar.
Estamira retrata a impotência e desamparo do homem a mercê do “Trocadilo” (face
perversa de Deus). Ela revela o quanto pode narrar (falar sobre) sua vida e resisti, mesmo no
meio dos escombros e dos detritos. Estamira se sustenta no testemunho de sua experiência.
47

Após vivenciar uma longa trajetória de sofrimento e descaso, Estamira encontrou


uma forma de resignificar via alucinações e delírio. Embora demonstre momentos de lucidez,
como ela diz: “eu sou perturbada, mas sou lúcida! Eu sei distinguir a perturbação da lucidez,
mas também pudera, eu sou a Estamira!” Ela renasce enquanto sujeito, das montanhas de
lixo, sobrevoados por urubus. É do lixo do mundo, do descaso e da alienação que brota ali,
também a Estamira, corpo estranho num mundo que a exclui, que utiliza seu próprio lixo (seu
ser) como montanha de exclusão para ordenar o mundo, fazendo deste seu lugar de criação,
enquanto sujeito singular.
É no lixão que Estamira é a “poderosa”, lugar que “domina”. O lixo é para ela,
extensão de si mesmo. Diz Estamira: “O lixo? Isso aqui é um deposito de restos, ás vezes só
restos, e ás vezes vêm também descuidos, restos e descuidos”! Nesse discurso, ela trás alguns
dos traços de sintomas sociais dos tempos atuais, e do Outro. Pois, quem é, o resto e o
descuido, se não ela mesma? Seria um absurdo não reconhecer esta realidade.

Nasce ali também Estamira de sua tarefa, reveladora das verdades do mundo. [...]
do lixo do mundo, do descaso e da alienação. O corpo estranho num mundo que a
exclui, utiliza o próprio lixo do mundo, montanha imensa de exclusão para ordenar
o mundo, fazendo dela lugar de criação. Organiza o espaço e se organiza. Dá
significação aos objetos, ganha significado. Da periferia do mundo ao coração do
mundo. Reinventa sua vida, se inventa, cria e recria, brinca de criador. A dureza do
lixão, com seus odores azedos, fumaças poluentes não afasta sua tarefa. Ao
contrário, é ali, entre os detritos e cadáveres que encontrará sua chance de
salvação. (JACINTHO, p. 1e 2).

Estamira se apresenta como um espelho que revela fragmentos de sua vida e suas
revoltas contra o mundo e contra o “Trocadilo”. Nada, no entanto, parece desviar Estamira de
sua tarefa de redentora do mundo, e de sua trajetória para estabilização e organização
apaziguadora, e assim, se fazer emergir como sujeito. Estamira declara: “Minha missão além
de ser Estamira, é mostrar a verdade, capturar a mentira e tacar na cara”. A Senhora da
verdade! Ela se mostra como a reveladora das verdades do mundo, pois, não se vê como uma
pessoa comum, ela é especial! Ela se basta, ninguém é tão importante quanto ela mesma
(como é próprio da psicose). Por isto, ela diz que homens, são seres comuns. Mas ela
(Estamira), pode ver o além dos aléns, e os comuns, só podem ver o que lhe são permitidos.
“Ela é a visão de cada um, ninguém pode viver sem ela”, porque ela taca na cara as
verdades e as mentiras da vida e do Outro. Trás na sua linguagem um conteúdo rico e real,
sabe o valor que tem o dizer, e se sustenta em grande parte em suas palavras que restauram a
potência de verdade do significante.
48

Algumas significações e significantes são impostos, por isso, são tão presentes na
construção da história do sujeito. A verdade para Estamira, faz parte de seu ser. É algo que
ela carrega como marca do grande Outro, assim, como seu nome. Em Estamira, as palavras
não se esgotam quando remetem uma significação, vão sempre além do que se esperam. Nos
delírios apresentados por Estamira, as palavras têm sempre um som desconhecido e
desconexo, mas sem perder o valor das significações.
O delírio de Estamira funciona como uma defesa contra o real assustador. Diante
disso, o “Trocadilo” se apresenta como um significante do esforço para colocar o ponto do
basta no Gozo. Assim, a palavra no delírio passa a ter um peso e um sentido. E é aqui que o
sujeito psicótico se apresenta. “Estamira para todos e para ninguém é o olhar que tudo pode
ver.”
A palavra na psicose adquire uma dimensão de salvação e de força, que surge para
revelar, essa é a posição singular de Estamira que pode recuperar um estatuto, para aquilo que
foi rejeitado e eliminado, o estatuto de sujeito.
O pensamento dessa mulher, faz distinções importantes e extraordinárias entre
trabalho e sacrifício, entre ser ruim e perverso, entre sofrimento psíquico (doença mental) e a
perturbação, entre o homem ímpar e a mulher par, entre os espertos e os espertos ao contrário,
entre o além e o “além dos aléns”.
Essa catadora de lixo de baixa estatura, desvela os horrores de sua vida, as mazelas
dos homens, através de suas palavras. Ela dá significação aos objetos, reinventa sua vida, se
inventa e recria, brinca de criadora e salvadora do mundo. É nesse lugar de criatividade e
reinvenção, que se encontram as condições de verdade do sujeito.
Estamira brinca com a realidade, cria fantasias que lhe permita suportar os
sofrimentos e a não inscrição da Lei do significante Nome-do-Pai, por isto, ela opera nesse
espaço de criar e constrói nele, um mundo imaginário, tornando extraordinária a realidade. Ao
fantasiar, Estamira se possibilita uma sensação de liberdade, a qual teve de renunciar, em
razão da realidade. Ela recusa-se a aprisionar-se ao Outro, não aceita dopantes
(psicofármacos) que a robotizem, mostra seu desejo de criar, a partir de seu universo. “A
criação e toda abstrata, a água é abstrata, o fogo é abstrato, a Estamira também é abstrata.”
(ESTAMIRA, 2006).
O “Trocadilo” significante que se repete no discurso delirante de Estamira, para
nomear o encontro suportável com o Outro gozador. Segundo ela: o “Trocadilo” faz as
pessoas viverem a ilusão de acreditarem em coisas que não existem”. Ela ainda acrescenta:
“Não tenho raiva de homem nenhum, tenho é pena. Raiva e nojo tenho é do Trocadilo, do
49

esperto ao contrário.” E mais: “Trocadilo, safado, assaltante de poder, esperto ao


contrário”.
A história de Estamira se reconfigura pelo ato de seu relato, ou seja, pelo verbalizar,
pelo falar. Assim, ela surge do meio das cinzas como uma Fênix e recria um mundo só seu,
com a força das palavras.

Estamira busca o controle e institui um mecanismo acionado pelo que ela chama de
controle remoto. Em momentos de crise ela se vê ameaçada em seu controle e ai
presenciamos uma fala enigmática, com sons incompreensíveis. Não sabemos o que
estar dizendo, mas neste contexto, talvez o mais importante seja como o diz. A voz
adquire sua potência de pura voz, e assim, esta mulher tenta narrar o inarrável. Sua
voz grita junto com trovões. (SOUSA, 2007, p. 54).

Em Gramacho (o grande macho de Estamira) o vento forte, a chuva, os raios, os


trovões, o lixo, o mau cheiro, a sensação de frio e calor, podem construir uma imagem de
insegurança para os homens comuns e simples, mas não para a redentora do mundo, Estamira!
Em Gramacho, ela se encontra como ordenadora do mundo, pois é ali que ela se faz sujeito,
separando os objetos descuidados para fazê-los existir enquanto objetos de valia, ela separa o
lixo e os restos dos descuidos, aproveita e faz uso dos descuidos, dando à estes, um valor e
um lugar, ordena o que para ela está fora da ordem natural das coisas. Assim, o objeto de
descuido, ganha um lugar, antes inexistente, passa a ocupar lugar de valor, deixa de ser
simples objeto e passar a existir como aproveitável. É o próprio retrato simbólico de Estamira,
pois é lá em Gramacho, que ela deixa de ser objeto de desejo do Outro, para se fazer existir
como sujeito de desejo.

Num esforço de expressar o impossível de ser dito, Estamira constrói uma


linguagem própria. Seu corpo é invadido pelo controle remoto, oriundo do Outro,
isso faz com que ela sinta dores nas costelas e em tudo quanto é lugar. [...].
Estamira define o aterro onde trabalha como sendo lugar destinado aos restos e ao
descuido. Cotidianamente, lá ela junta separa e cozinha os restos. Os transforma
em outra coisa. E com isso, a ela é possível uma estabilização, por meio de uma
extração do objeto do lixo. Ela se identifica com os restos e ali é possível ser livre e
autêntica. No Gramacho, Estamira encontra um lugar para aterrar suas lágrimas, e
vivenciar a angústia proveniente do Trocadilo, do esperto ao contrário, decorrentes
do encontro com o real: A desilusão amorosa. [...] apesar da frustração de ser
trocada por outra [...]. Apesar do sofrimento da troca e perda do Idílio (marido),
Trocadilo: „eu te amo, mas você é indigno, incompetente, otário, pior do que um
porco sujo... Nunca mais encostarás em mim‟. Diz Estamira em lágrimas. E assim,
ela se inventa e constrói texturas de um lugar para ser feliz e cumprir a sua missão:
revelar a verdade e somente a verdade. (NÓBREGA, 2008 , p. 91.).
50

Esta é Estamira! É o comandante a conduzir seu cometa. “Eu tenho em minha


cabeça um cometa (comandante).” (ESTAMIRA, 2006) Ela tenta por vários meios, comandar
e conduzir seu destino, reunindo seus restos e descuidos para sair da beira do mundo e
encontrar um lugar, só seu, no qual o Outro não se faça seu comandante esmagador, e assim,
ela possa resignificar cada vez mais como sujeito.
Estamira é essa que dá nas mãos os mistérios da psicose, ela dá uma aula sobre esse
modo de estruturação. Neste caso, é possível visualizar todas as características e
peculiaridades presentes na psicose. Dessa forma, fica impossível negar a existência e
acepções do sujeito na psicose, pois ele, se apresenta nas diversas tentativas de suplência
paterna, através das alucinações e delírio.
Dentro de uma perspectiva lacaniana, é possível afirmar que existe sim, um sujeito
nas psicoses. Este sujeito está representado pelo significante foracluído ou alucinado. Para a
psicanálise o sujeito na psicose está “ali literalmente no discurso alucinatório”, é mais
conhecido como um sujeito mais o ponto de interrogação. Sua reação a ausência de
significante é de forma enigmática através de diversas identificações e personagens via
delírio, é uma significação que não remete a nada, mas diz respeito ao sujeito. Pois, na psicose
o sujeito não faz a mediação simbólica entre o que é dele e o que é do outro.
O delírio na psicose é uma tentativa de reconstrução, mesmo diante de um discurso
desarticulado da realidade, sabe-se que é através deste, que se apresenta uma reconstrução,
mesmo que de forma estranha, no registro do Real. O lugar vazio até então, deixado pelo
elemento foracluído, passa a ser ocupado pelo delírio. Portanto,

A metáfora delirante é uma tentativa de reconstrução do simbólico e funciona como


intermediação (ainda que também precária) entre o sujeito e o outro: [...] Ela seria
uma tentativa de operar o corte, dar um basta na tendência mortífera (de fusão com
o semelhante) pela via da palavra. (BENETTI, 1993, p.25 apud PIMENTA, 2005,
p.65).

O sujeito na psicose aparece no delírio, a partir tropeços na fala (neologismos e


discurso desconexo), ou seja, pelo modo como ele constrói e como dirige sua fala ao outro
pelo delírio. É aqui, que Estamira se faz revelar como sujeito, pela direção do seu delírio ao
Trocadilo. Dessa forma, pode-se afirmar sem sombras de dúvidas, que o psicótico é marcado
pela linguagem, essa sua relação com ela, se dá de forma bem particular.
Diante da não presentificação da falta e do objeto, a única saída para o sujeito
psicótico é surtar. Surta-se para não morrer diante de tamanho sofrimento, a saída delirante
constrói outra realidade que não seja tão mortífera, como a que vive. O Delírio, além de um
51

momento de construção, também é um momento de sujeito! A metáfora delirante é caminho


encontrado para que o sujeito possa se salvar. “O delírio paranóico consegue sustentar uma
significação para o sujeito”. (CALLIGARIS, 1989, apud PIRES, 2005).
Para Calligaris (1989): A alucinação auditiva é uma expressão no real da voz do pai.
E o delírio seria a forma de significação da presença da função do pai simbólico. A
psicanálise, aposta em um sujeito implicado na própria construção do delírio é na própria
dinâmica do discurso delirante que se encontram possibilidades de resgatar o caminho sobre o
qual faz emergir o sujeito.
Deve-se atentar, para a questão da verdade que se encontra presente no delírio, pois,
o que importa é a verdade que aí, se presentifica. A verdade no delírio desvela-se
radicalmente como lugar do sujeito. ”Assim, o delírio inscreve-se como „missão‟, na qual o
sujeito é lançado a produzir um saber para dar conta do real desencadeando
desmoronamento da ordem simbólica em que está imerso, ao preço de alijá-lo, geralmente,
do laço social”. (SCHAUSTZ, 2001, p.89).
Não cabe ao analista, julgar o delírio, mas perceber qual demanda está contida nele, e
assim, acolher-lo do lugar do não saber. E é sobre está peculiaridade e sobre a clínica
psicanalítica das psicoses, que tratará o tópico a seguir.
52

3.2 A psicanálise e a Clínica diferencial da Psicose

A clínica psicanalítica das psicoses é aquela que não tem recuado diante desse modo
de estruturação. É aquela que tem investido e acreditado no sujeito psicótico. É essa que tem
um olhar que não perpassa pela patologia, pois, não acredita que a psicose seja uma doença à
ser silenciada. Não acreditando em uma doença, também não acredita em uma possível cura,
assim, uma vez psicótico, para sempre psicótico. Entretanto, a psicanálise investe e propõe
vias diversas de estabilização, nas quais o sujeito psicótico possa conviver com as
peculiaridades do seu modo de existir sem que isto acarrete tanto sofrer.
As maiores dúvidas em relação à clínica individual psicanalítica das psicoses surgem
a partir das seguintes questionamentos: Como receber o psicótico na clínica individual, se ele
não entra em análise e nem tem o insight? Como acolher a demanda se o psicótico é dono do
saber e já possui todas as respostas? Frente a estas questões, surge à preocupação de como o
analista atuará diante das implicações dessa estrutura e principalmente ao se deparar com o
surto e a crise instalada.
O primeiro erro dos críticos da clínica psicanalítica individual com psicótico seria o
fato de enfatizarem que a psicanálise não daria conta do processo, e que dessa forma, seria
necessário apelar para outras áreas de conhecimento. Que bela lei do engano! Não houve na
obordagem psicanalítica, alguém que se dedicou mais aos estudos, investigações e análise das
psicoses, se não o próprio Lacan. A contribuição de Lacan neste contexto foi, de grande
importância para a atualidade, ele sempre demonstrou um fascínio e grande interesse pelas
questões da “loucura”. A psicose foi sem dúvida, aquela que mais aguçou a curiosidade deste
psicanalista, além de ser uma das responsáveis por sua inserção na psicanálise.
As vicissitudes presentes na clínica das psicoses, chamam os fascinados por esse
modo complexo, misterioso e ao mesmo tempo, encantador de estruturação, para o desafio
possível de acolher a psicose de forma diferencial. Não há nesse caso por parte da psicanálise
uma auto-afirmação, um egoísmo, uma prepotência ou a pretensão de um agir de forma
isolada a outros saberes. A psicanálise reconhece a importância da multidisciplinaridade. Ela
não tem nenhuma pretensão em ter respostas prontas e únicas para tal questão, não há a
intenção de desdenhar dos outros conhecimentos. Mas o que não se pode admitir, é que se
desfaçam de tudo que Lacan trouxe de contribuição para este campo até hoje, e de forma
irresponsável, afirmem que a psicanálise nada tem a dizer a respeito das psicoses. Reconhecer
é imprescindível, pois, sabe-se que ela tem muito a contribuir e a dizer sobre esta questão.
53

A psicanálise primou, desde suas origens, por aquilo que não se destacava em
determinado contexto ou época. Suas investigações e descobertas, sempre foram alvos de
várias discussões e polêmicas, mas isto nunca abateu e nem desanimou o pai da psicanálise
(Freud), Lacan ou seus precussores. Ao contrário, Freud não se preocupou com tais questões
ou até mesmo com um possível reconhecimento científico da psicanálise, pois, a
cientificidade não era o alvo, afinal de contas, a psicanálise é subjetiva é aquela que analisa o
imensurável, o não quantificável: O inconsciente.
Em uma breve digressão, é importante ressaltar que a compreensão psicanalítica a
respeito das psicoses é necessária. A psicanálise parte do pressuposto de que o psicótico é um
sujeito com voz, capaz de dizer sobre si e produzir. Portanto, a psicose não é doença a ser
tratada ou curada, pois, é aquele modo de estrutura de uma produção plena de sentidos, que
possui lugar de existência subjetiva. No âmbito do sujeito, possibilita ao psicótico, o lugar de
contornos, amarrações e inscrição desse ser no mundo em que vive, e assim, viabilizem uma
localização, ou seja, cria meios para que o psicótico possa tecer redes e ter um lugar de existir.
A psicose não pode ser silenciada como um incômodo, como deseja a psiquiatria
tradicional. A psicanálise luta contra a pulverização do sujeito, dos sintomas e do descarte da
subjetividade presentes na psicose. A posição do psicanalista é de apostar no outro e em sua
subjetividade. E é esta clínica, que se faz presente no acolhimento ao psicótico, a clínica do
sujeito e para o sujeito.
Retomando aos questionamentos em relação ao atendimento individual das psicoses,
há que se destacar, que a preocupação com o surto e com a crise psicótica, é algo da qual a
psicanálise não recua e nem teme, pois, é diante da crise que o psicótico revela seu
sofrimento, e ao analista, cabe acolher este sofrimento. É através da crise e do surto que se
revelam os mistérios terrificantes das psicoses, mas se o surto ocorre durante o processo
analítico, há de se investigar se isto se deu devido às vicissitudes transferenciais ou contra-
transferenciais.
A crise psicótica é aquela que paralisa, impõe ou rompe com a realidade do sujeito,
como bem recorta Cassorla (1999) do texto de Resnik (1989, p.50):
54

A crise psicótica esgarça a trama tecida pelo tempo, irrompe, rompe, paralisa,
impõe seu tempo, sua realidade, seu princípio de „irrealidade‟. A psicose nos
defronta com o problema da ruptura: o diálogo interior entra em crise, está cindido,
feito em pedaços, fragmentados, desmantelado, disperso. A experiência psicótica de
um mundo que explodiu em pedaços é a exteriorização de um cataclismo interior, de
um tempo apocalíptico que viola as barreiras do exterior; há um momento em que é
difícil „situar‟ os fragmentos, saber se estão „dentro‟ ou „fora‟; alguns, ligados à
função lingüística, continuam seu discurso autônomo e dismórfico, mas „em outro
lugar‟, em outros espaços, em outros tempos, em outros „mundos‟ [..].

Se o evento do surto psicótico ocorre durante a análise ou em pacientes que já vem


em surto para análise, deve- se, levar em consideração os aspectos existentes nesse processo,
pois, por mais perturbado que o paciente esteja, existem alguns aspectos não psicóticos,
através dos quais o analista poderá ter acesso e intervir a fim de possibilitar que o sujeito se
estabilize.
Não nos esqueçamos, também, que o surto pode constituir-se num momento ímpar
propiciador de re-articulação de elementos, num nível mais evoluído, ou ser o
resultado de uma crise evolutiva como costuma ocorrer com adolescentes. [...].
Psicanálise de psicóticos é poder entrar em seu mundo perturbado, e deixar que
esse mundo nos penetre. Mergulhar profundamente num espaço „onespacial‟ ou
infinito, num tempo interminável ou comprimido, num mundo em que não existem
referenciais coerentes, permeados de violências e morte impensáveis, nos seria
totalmente impossível se não tivéssemos vivido experiências similares [...]. O
desafio do analista será entrar em contato profundo com a loucura que permeia o
trabalho da dupla, confrontando e por vezes deixando que se misturem aspectos
psicóticos do paciente com os dele mesmo, sem que enlouqueçamos. (CARSSORLA,
1999, p.2).

Dessa forma, entende-se que o psicanalista para entrar em contato com o mundo psicótico,
deve deixar-se invadir primeiro pelos aspectos deste, claro que de forma controlada, pois, esta
atuação, só será possível se houver uma cisão sadia, ou seja, uma parte se permite entrar no
mundo do psicótico, e a outra apenas observa o que acontece nesta estrutura.
A clínica Lacaniana das psicoses, se implica na escuta desse outro, estando
disponível para encontrar com este, assim, ouvi-lo, possibilita que encontre um lugar, mesmo
que o encontro com este, soe estranho. A clínica também aposta na fala do psicótico, com esta
postura, o sujeito sente-se a vontade para apresentar suas verdades. Verdades estas, que na
maioria das vezes, se apresentam nas construções delirantes. O Delírio pode ser apresentado
como uma forma de criação de um lugar de existência, é como se fosse uma versão de si e de
sua história, por isto que é imprescindível, que o delírio seja levado com toda consideração
pelo analista.
O analista ao apostar no sentido, faz a legitimação daquilo que o psicótico tem a
dizer, permitindo assim, que ele crie um lugar verdadeiro como sujeito. Através desta posição
a priori abre-se um leque de possibilidades para que o psicótico aceite adentrar no “mundo”
55

do tratamento analítico, mas o lugar a ser ocupado pelo sujeito psicótico, dependerá do lugar
que o outro (o analista) sustentará a seu respeito, ou seja, é aquele lugar de aposta e de
articulação. A psicanálise aposta no sujeito e na verdade que ele trás de sua condição.
Acredita que existe alguém, ali, capaz de desejar e de “construir” um psiquismo, de
relacionar-se e fazer laços sociais
A clínica das psicoses é essa clínica possível, demandada pelo sujeito, a prática
psicanalítica é chamada à introduzir o sujeito, introduzir na sua lógica inconsciente,
implicando-o em sua história, no seu gozo e no delírio que este, constrói para se sustentar e se
conter. Portanto, é necessário deixar o psicótico falar da vida que ele se faz protagonista,
revelando assim, a fixação do gozo, onde se condensa seu sintoma. Dessa maneira, a psicose é
a estrutura da linguagem, entretanto, cabe ao analista, proporcionar o sentido da análise para o
sujeito, colocando-o diante dos significados e significantes que marcaram e marcam sua vida
e o seu discurso. Essa é a possibilidade que se encontra para que o psicótico possa se nortear
na realidade.
É através das significações, que o sujeito constrói pela identificação imediata com o
Outro e sua realidade. O Outro, funciona como espelho no registro imaginário, pois, lhe
faltam referências simbólicas que lhe diga quem ele é. É neste sentido que Lacan descreve em
seu III seminário- As psicoses (1956), que este modo de estrutura, funciona como um
banquinho de três pernas, neste caso, o sujeito, pode até se equilibrar sobre este banquinho,
mas de forma precária e instável, ou seja, falta-lhe estabilidade segura. Sendo assim, o
psicótico procura identificações que lhe sirvam de bengala e lhe possibilitem maior
estabilidade.
É fundamental que o psicanalista não desista do atendimento inicial ao psicótico,
pois nessa fase inicial, poderá vir a fracassar frente aos desafios presentes na estrutura. Às
vezes, as sessões podem ser marcadas por certo vazio inalcançável da repetição, diante disto,
qualquer diálogo que o analista tente manter, pode vir a fracassar. Assim, se faz necessário
que o analista renuncie ao seu saber, buscando equilíbrio entre o tudo e o nada. O nada pode
ser dito pelo sujeito e o tudo, se perde por especificamente nada faltar.
O sujeito psicótico geralmente é levado à clínica por um terceiro, mas deve-se
atentar, que se este, continua indo, cabe ao analista identificar qual é sua demanda enquanto
sujeito, dando-lhe a oportunidade de falar o que quiser e se quiser.
Para Tolentino (2009, p. 4): “Quando nos referimos à clínica das psicoses, nos
referimos à transferência, não diferente de qualquer outra clínica, já que existe uma relação
56

com o saber. Na análise com o psicótico o saber equivale ao gozo, ou seja, o sujeito do
suposto saber equivale ao sujeito suposto gozar.”
É preciso que o analista utilize da técnica da manobra de transferência na clínica das
psicoses, como tentativa de barrar o gozo do Outro que invade o psicótico. Para que isto
ocorra, é necessário que o analista saiba exatamente qual lugar ele ocupa para o sujeito. O
psicanalista precisa se portar diante da psicose como aquele que diz não ao gozo, situando-o
como sujeito e não como objeto, buscando justamente emergir no sujeito a falta no
significante Nome-do-Pai, este significante que lhe falta, seria a ponta do iceberg no
atendimento ao sujeito psicótico.
Com esta afirmação a cima, não há nenhuma pretensão em se afirmar que possa
haver algum meio de fazer surgir o significante Nome-do-Pai, como possibilidade de cura
absoluta, pois, se assim o fosse, seria uma promessa de cura, e definitivamente esta promessa,
até o momento não existe. O que se afirma são tentativas de estabilização via suplência
paterna. Como bem descreve Quinet (2009):

O incurável para o neurótico é a falta, que equivale à própria divisão do sujeito,


assim como a foraclusão do Nome-do-Pai é incurável para o sujeito psicótico [...]
No caso da psicose, não é possível manter a promessa de eficácia terapêutica tal
como entendida para o neurótico, devido à foraclusão do Nome-do-Pai – o analista
não pode prometer inserir o sujeito na norma fálica (NPo – Фo). Em outros termos,
não há como transformar um sujeito psicotico em um neurótico. A foraclusão do
Nome-do-Pai é incurável, o que não quer dizer que não haja efeitos terapêuticos na
análise com o psicótico [...]. ( QUINET, 2009, p.100).

Mas uma vez é preciso enfatizar que o analista tenha o entendimento de qual lugar
ele ocupa nesse processo, para que dessa forma, possa intervir de modo adequado no sentido
de facilitar a elaboração enigmática das psicoses e, assim, poder atentar para demanda e
acolhê-la.
A demanda na psicose está diretamente ligada a foraclusão, o ponto de partida da
demanda pode ser descrito como significação em suspenso. O psicótico não leva nenhuma
questão como demanda para análise, ele leva as respostas, pois sempre tem a resposta já que
nada lhe falta. Outra forma de demanda é a ideia delirante que se apresenta ao analista, a fim
de torná-lo testemunha, ou para que o mesmo, avalize as significações presentes neste. A
demanda então, se apresenta como um pedido ao analista de fazer barreiras ao gozo do Outro.
O delírio prenuncia outra realidade na qual existe a exigência do significante. Lacan
orienta a escutar o discurso do sujeito com cuidado, já que é através desse discurso, discurso
delirante que o psicotico se dirige ao analista.
57

De acordo com Meyer (2004):

É importante deixar claro que tal discurso se torna mais aparente ou até presente
quando há certo desencadeamento da crise. No entanto, nós psicanalistas, seja no
consultório particular, seja na instituição, também recebemos psicóticos fora de
crise, portanto, sem a presença do discurso delirante articulado e claro. De
qualquer forma, devemos aceitar o que ele diz, mesmo que seja incomunicável e sem
sentido para nós, uma vez que há ai uma relação especial com a linguagem, o que
determina outra forma de se relacionar com o mundo. (MEYER, 2004, p.122).

É através de um viés mais amplo que se deve pensar a transferência na clínica com
psicóticos. A transferência é algo que está implicada na clínica, pois, se existe transferência na
psicose, é porque existe uma relação com o saber. Para isto, o analista precisa deixar o lugar
de suposto saber diante da psicose, se colocando no lugar do suposto não saber. Pois como já
foi visto anteriormente, na psicose, há um sujeito do suposto saber que lhe indaga, mas há de
se destacar que este , não é suposto à um terceiro, ele é encarado e presentificado. O saber
que dele se deduz não falta, ao contrário, na psicose não há suposição, há certeza. Dessa
forma, o psicanalista é interpelado como um saber sem um sujeito suposto.
Na clínica da psicose, é preciso operar a partir de um esvaziamento de um saber
sobre o paciente. A posição do analista de sujeito suposto, não saber é favorável para não
proporcionar uma relação intrusiva de transferência, e evitar assim, oferecer ao psicótico
elementos que permitam que ele coloque o analista como o Outro absoluto, fazendo com que
o psicótico permaneça a ser um objeto.

[...] Lacan, a partir da noção de secretário do alienado, propões que o analista se


coloque na posição de testemunha da relação do sujeito com o Outro, silenciando
para dar vazão às construções que o psicótico pode fornecer a cerca de suas
experiências. Desta forma o analista daria ao psicótico, a partir de um certo
apagamento de si próprio a possibilidade de estar na presença de um sujeito
suposto não gozar, podendo então, representar um vazio onde o sujeito vai colocar
seu testemunho.( SOLER, 1991, p.147apud MENDES, 2005, p. 23).

Na posição de testemunha, o analista opera se silenciando na orientação do gozo, ele


funciona como um secretário às vezes discreto e outras nem tanto. Secretariar o alienado além
de testemunhar a relação do psicotico com o Outro, mas também, ao mesmo tempo fazendo
oposições a posição desse Outro gozador. Nesse sentido, a transferência funciona como uma
possibilidade em direção ao tratamento pelas vias da estabilização, através do esvaziamento
no gozo desse Outro.
Quando se fala que o lugar do analista é de reserva e silêncio no tratamento da
psicose, esta postura não pode ser confundida como um lugar de mutismo ou negligência. O
58

silêncio aqui ressaltado, é aquele que incita o psicótico a dirigi-se ao analista de forma, mais
explicita suas associações. Assim, o analista se faz guardião do limite do gozo.

O trabalho clínico com a psicose, desta forma, deve caminhar na direção de acolher
ou até produzir um possível endereçamento, criando condições para que o sujeito
que muitas vezes parece não estar lá, possa encontrar um espaço de existência.
Para que isto seja possível, é preciso acompanhar o psicótico na criação de meios
para barrar o Outro, sendo este trabalho o que Lacan chamou de secretariar,
quando aconselhou a ser secretário do alienado. [...]. O psicanalista ao ocupar o
lugar de secretário, para além de afirmar a posição de sujeito de testemunha aberta
do discurso do Outro, pode ajudá-lo a construir um sentido para isto que ele
testemunha. Assim, seu papel é ativo, o que significa não apenas registrar o que a
testemunha relata, mas tornar seu testemunho „ao pé da letra‟. (MEYER, 2008,
p.309 e 310).

Certamente pode parecer uma grande ousadia falar de clínica das psicoses, mas é
importante compreender que esta, é a clínica do sujeito. Lacan investiu nesta clínica, e cabe
aos amantes desta, ressaltarem sua importância no que se refere à psicose. Pois, o saber do
sujeito psicótico aliado a um não saber do analista, é responsável pela realização da clínica
das psicoses. Clínica esta, que abre as portas para as palavras do sujeito, que oferece uma
escuta ativa possibilitando ao sujeito um alívio e a liberdade. Uma clínica que acredita na
capacidade criativa do sujeito psicótico, que não rotula, não exclui e aposta na existência de
um sujeito nesse modo de estrutura. É uma clínica que possibilita a inclusão no laço social, e
que não faz promessas de cura e nem de silenciar os sintomas que dizem do sujeito, mesmo
que para isto, enfrente várias lutas, dificuldades, críticas e rejeições decorrentes de seus
críticos, ou até mesmo diante das próprias limitações. A clínica lacaniana da psicose é
diferencial porque não recua diante da estranheza e das complexidades desse modo de ser.
59

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“É melhor escrever errado a coisa certa do que


escrever certo a coisa errada... Se eu pudesse viver
a vida novamente, eu a viveria como a vivi porque
estou feliz onde estou” (Rubem Alves).

A construção desse trabalho foi um presente apaixonante, foi um filho gerado com
muito amor e dedicação, falar de psicose é falar de algo que encanta, é acreditar que não há
impossibilidade quando se deseja. Este que aqui vos apresento, é o filho que nasceu e está
pronto para vida.
Este é um daqueles momentos dos quais deixam uma sensação de realização e
satisfação, proporcionando que o desejo de um grande sonho possa ser concretizado através
deste trabalho.
Explicitar os pressupostos que norteou a realização deste trabalho de conclusão de
curso, é estabelecer uma ligação direta com algo que trás fascínio, atração e que proporciona
aventura, tempestades e desafios. Estudar a questão do sujeito na psicose, é também se
colocar na posição de sujeito desejante, de um sujeito que fez suas próprias escolhas e que foi
em busca de realizações singulares.
Não há como fazer conclusões deste trabalho, porque este é um tema que terá
continuidade em pesquisas futuras, ele não finda aqui, apenas continua, continua. Sabe-se que
nem tudo foi possível pesquisar e apresentar, muitos elementos presentes no texto, poderão
melhor ser trabalhados em outro momento. Essa pesquisa bibliográfica é, portanto, o resultado
de uma inquietação devido às peculiaridades da linha pensamento presente na psicanálise
elaborada por Freud e apresentada por Lacan. Tal inquietação foi o que permitiu elaborar este
trabalho.
A que se pensar em considerações, pois, concluir significa fechar algo e na psicose
nada se fecha, sempre há novas descobertas, novos enigmas, novos mistérios. A própria
psicanálise não se apresenta como uma conclusão para todas as respostas a respeito desta e de
outras temáticas. A psicanálise é aquela teoria que convoca os interessados por ela a se
debruçar em conceitos, sem se deixar vencer pela alta complexidade presentes nestes, assim, é
como se cada momento de complexidade aguçasse ainda mais o desejo de ir em busca de
mais compreensão, ou seja, aprender e apreender.
60

Após as investigações, houve a compreensão de que para psicanálise Lacaniana,


existe sim, um sujeito na psicose. Não há como pensar a clínica das psicoses sem antes vê-los
e concebê-los como sujeito. O sujeito na psicose se apresenta pela linguagem, linguagem esta,
presente principalmente nas ideias delirantes. O delírio é o lugar de onde se apresenta o
sujeito de desejo. Desejo de construir vias de estabilização e lugar de existência.
Na perspectiva da psicanálise orientada pelo ensino de Lacan o que se propõe são
possibilidades de construção do laço social na psicose através da clínica do sujeito, sempre
apontando, que a resposta só é possível por meio da linguagem que é desvelada no não
dito/do dizer do sujeito. Nessa perspectiva, a transmissão supõe uma falta da falta no Outro,
sob a forma de um desconhecimento no próprio dito, revelando uma semelhança entre o dito e
o dizer, entre a herança e transmissão. A linguagem pode vir a funcionar como um ponto de
ancoragem para o gozo, é o que se pode notar no caso de Estamira comentado no terceiro
capítulo deste trabalho. A clínica da psicose revela que, após um desencadeamento da
linguagem através das idéias delirantes, o sujeito se dedica a um trabalho na tentativa de
reconstruir a realidade, um lugar para viver, cujas fronteiras e possibilidades são delimitadas
como marcas singulares, ou seja, é o próprio trabalho de Estamira no lixão que proporciona
sua reconstrução como sujeito.
Há de se destacar que a clínica das psicoses apresenta dispositivos essenciais para o
atendimento ao sujeito psicótico para que ocorra o processo de estabilização. No dispositivo
de consulta, há encontros regulares entre o paciente e o analista que maneja a transferência.
Esse dispositivo constitui, por vezes, uma modalidade de suplência a partir da qual o analista
pode sustentar a construção singular a qual o sujeito vem-se dedicando.
Buscar em Lacan e em seus precussores, a compreensão para a temática das psicoses,
possibilitou não apenas um crescimento pessoal, como também, proporciona um avanço no
tange a clínica, pois, aqueles que de alguma forma não acreditavam ou não acreditam que a
clínica individual psicanalítica possa atender a complexidade da psicose, este trabalho pode
servir de suporte teórico para desmistificar tal questão. Assim também, como a questão do
sujeito na psicose.
Este trabalho é uma forma de reflexão para quebra de paradigmas. Paradigmas que
excluem, que segregam, rompem e rotulam o psicótico. Há quem defenda que a “loucura”
deveria ser tratada a base de correntes, descaso, isolamento, medicação, internação, etc. Para
essas pessoas, as alteridades não são respeitadas, é como se o psicótico não merecesse ser
tratado com dignidade, humanidade, como se não fizesse parte do contexto social, e por isto,
não tenha direitos de um sujeito cidadão. A estes, dedico este trabalho, pois, como já dizia
61

alguns, de perto ninguém é normal, ou seja, quem é mais louco, o psicótico ou quem o
segrega? Quem disse que ser “normal” é ser especial? Quem comete mais barbaridades, o dito
“normal” ou o louco?
A genialidade dos psicóticos e as riquezas presentes em seus discursos desconexos,
dizem do que são, e são sujeitos! A psicanálise é aquela que está aí, pronta para acolher a
demanda do psicótico, pois aposta e acredita neste como sujeito de possibilidades, de
capacidades e de tecer caminhos diversos para se estabilizar e fazer valer a suplência paterna.
Os objetivos deste trabalho foram alcançados através de todo aporte teórico
encontrado na psicanálise, bem como a problemática em questão. Pois, não há hipótese de um
sujeito para Lacan, ele foi o primeiro a afirmar, apostar e acreditar na presença do sujeito na
psicose. Dessa forma, não há dúvidas que para a Psicanálise lacaniana, existe um sujeito de
desejo nesse modo de existir psicótico.
Para o andamento e conclusão desta pesquisa, houve referencial teórico satisfatório
para descrever sobre a conceituação de sujeito, sobre a psicose e a sua clínica, esses estudos
foram concretizados a partir de Freud a Lacan. No que diz respeito às dificuldades que
surgiram durante o percurso da pesquisa, a priori é importante frisar, que a maior dificuldade
foi sem sombra de dúvidas, a complexidade presente nos textos pesquisados, pois,
anteriormente, tivemos pouco contato com a teoria lacaniana, este foi com certeza o maior
desafio, mas também, foi o desafio mais enriquecedor para a soma de conhecimentos. Além
das dificuldades das leituras dos textos, teve outro fator que gerou certa inquietação, a questão
do tempo de duração da pesquisa que impossibilitou maior aprofundamento, assim, como a
inserção da análise de mais um caso clínico no trabalho.
A psicose indaga, quebra paradigmas, impõe constantes reformulações e, como dizia
Lacan, não devemos retroceder. Desde o começo, tenta-se deixar claro que não há intenção de
esgotar este tema, ou de afirmar uma verdade única a este respeito, muito pelo contrário.
Tentamos margear algumas questões. Margear, contornar, fazer borda. Pois, no fim, sempre
haverá um resto. Até porque o estudos da psicose é algo que não cessa. A clínica lacaniana
não é uma construção fixa e imutável, ela se transforma em comunhão com o sujeito, está
sempre se atualizando e avançando para novos desafios. Esta é clinica diferencial, pois, não se
estagna, não retrocede, seus olhos estão fitos para além das querelas ao seu respeito.
Doravante, é a clínica dos desafios e paradigmas.
62

REFERÊNCIAS

- BARATTO, Geselda. A descoberta do inconsciente e o percurso histórico de sua elaboração.


Universidade Regional de Blumenau-SC. Revista Ciência e Profissão. v. 29. n.1. Brasília,
mar. 2009.
Disponível em: < http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932009000100007>. Acesso em: 21 fev. 2010.

- BASTOS, Claudio Rosa. O sujeito no primeiro ensino de Lacan: Lacan e o


descentramento do cogito cartesiano. 2006. 129p. Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006.

- BUCHAÚL, Suéllen Pessanha. De Freud a Lacan: Uma análise sobre a clínica da psicose.
Revista perspectivas online. v.2, n.7. 2008. Disponível em:
<http://www.perspectivasonline.com.br/revista/2008vol2n7/volume%202(7)%20artigo3.pdf>
Acesso em: 22 mar. 2009.

- CABAS, Antonio Godino. O sujeito na psicose de Freud a Lacan: da questão do sujeito ao


sujeito em questão. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed. 2009.

-CALLIGARIS, Contardo. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses.


Porto Alegre. RS: Artes Médicas. 1989.

-CARSSORLA, Roosevelt M.S. Psicanálise e Surto Psicotico: Considerações sobre


Aspectos técnicos. Revista Brasileira de Psicanálise. v. 32. n. 4. 1998.
Disponível em:< http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php?pid=S1414-
98932004000100009&script=sci_arttext>. Acesso em: 02. mai. 2010.

-COSTA; TURNA; OLIVEIRA; QUEIROZ. A psicose e a sua mãe. Revista


Ciência e Vida Psique. ano IV. n.38. São Paulo, 2009.

- ELIA, Luciano. O conceito de sujeito. Coleção Passo a Passo. 2.e.d. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed. 2007.

- ESTAMIRA: Tudo o que imaginário, existe e é. Filme de Marcos Prado. 2004. Gênero:
documentário. Duração 121 minutos.

- FERNANDES, Felipe Paiva. Acepções sobre o sujeito na psicose em Antonin Artaud.


Psicologia - Redepsi - O seu Portal de Psicologia. 24. dez. 2006. Disponível em:<
http://www.redepsi.com.br/portal/modules/smartsection/makepdf.php?itemid=365>. Acesso
em: 22. Mar. 2009.

-FERNANDES, Regileide de Lucena. A psicose nas estruturas clínicas. Trabalho


apresentado no fórum psicanálise e saúde mental, promovido pelo projeto de extensão
da UFPB. Assessoramento aos serviços de atendimento a pacientes Psicóticos: uma
alternativa psicanalítica ao programa de reformulação da assistência em saúde mental do
Estado da Paraíba na UFPB, em 03 e 04. Dez.1999.
63

- FINK, Bruce. O sujeito lacaniano: entre a linguagem e o gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed.1998.

-FOUCAULT, Michel. A História da Loucura na Idade Clássica. São


Paulo: Perspectiva, 1997

-FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-
1913). Obras completas de Sigmund Freud. v. XII. Edição Estandarte brasileira. Rio de
Janeiro: Imago, 1996.

-________. A Perda da Realidade na Neurose e na Psicose (1924). Obras completas de


Sigmund Freud. v. XIX. Edição Estandarte brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

- JACINTHO, Antonio Carvalho da Ávila. Da exclusão à construção do mundo:


Estamira e os tesouros do lixo. Disponível em:
<http://www.fundamentalpsychopathology.org/8_cong_anais/TR_428.pdf>. Acesso
em: 22. Mar. 2009.

-KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de psicanálise: o legado de


Freud a Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 1996.

- LACAN, Jacques. O seminário livro 3: as psicoses. 2.Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2008.

- LONGO, Leila. Linguagem e Psicanálise. Coleção Passo a Passo. Rio de Janeiro.


Jorge Zahar, 2006.

- MENEZES, Deise Miriam Rossi. Tecer-se do sujeito: Entre a transcendência e a


contingência. Texto apresentado no I Simpósio Multidisciplinar da USJT. ano II, n.7,
1996. Disponível em: <http://www.deiserossi.pro.br/meus_escritos/tecerse.pdf>. Acesso em:
04. mar. 2010.

-MENDES, Aline Aguiar. Tratamento na Psicose: O laço social como alternativa ao


ideal Institucional. Mental, ano II. v.3. n.4. Barbacena- MG. Jun. 2005. Disponível
em: < http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/mental/v3n4/v3n4a02.pdf>. Acesso em: 15.
abr.2010.

-MEYER, Gabriela Rinaldi. Sujeito na psicose. Psicologia em Revista. v. 10. n.15.


Belo Horizonte – MG. jun.2004. Disponível em: <
http://www.pucminas.br/imagedb/documento/doc_dsc_nome_arqui2004121311515
6.pdf> . Acesso em: 25. out .2009.

-________. Algumas considerações sobre o sujeito na psicose. Revista Ágora.


Estudos em teoria psicanalítica. v. XI. n. 2. Instituto de Psicologia UFRJ. Rio de
Janeiro. Jul/dez.2008.
Disponível em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-
14982008000200009>. Acesso em: 20. jun.2009.

- NÓBREGA, Karynna. Entre os restos e o descuido: um lugar para ser feliz? Anais das
Mesas simultâneas do XVII Encontro Brasileiro do campo freudiano. Psicanálise e
64

Felicidade Sintoma, efeitos terapêuticos e algo mais. (Org.): Cristina Duba, Ondina Machado
e Tatiane Grova. Imagem da capa Felipe Mello e Richard Vignais. Escola Brasileira de
psicanálise EBP. Rio Othon Palace Hotel. Rio de Janeiro 21 a 23 . nov 2008. .

- PEQUENO, Ângela Andrade . Os demônios do gozo: uma contribuição para a psicanálise da


esquizofrenia. Revista ágora. v.1. n.1. jan/dez. 2002. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/agora/v5n1/v5n1a04.pdf>. Acesso em: 20. set.2009.

-_________. Sujeito e Psicose. 2000. 135p. Tese de Doutorado. UFRJ/ Instituto de


Psiquiatria. Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPUB. Rio de Janeiro, 2000.

-PIMENTA, Shirley. A construção da metáfora no delírio psicótico. Revista da


Sociedade de Psicologia do Triangulo Mineiro, SPTM.v.9.1. n.1.jan/jun. 2005.

- PETRI, Renata. O sujeito do desejo inconsciente. O homem e o impacto da ciência.


Revista educação e psicologia. O nascimento do sujeito. Edição especial. v. 1. Mar/abr.
2009.

- PIRES, Mariana Lorentz. Diferencial ente esquizofrenia e paranóia. Universidade do Rio


Grande do Sul Instituto de psicologia 2. Porto Alegre. RS. 8. dez. 2005. Disponível em:
<www6.ufrgs.br/psicopatologia/Esquizofrenia_mariana.doc>. Acesso em: 22. De mar. 2009.

- QUINET, Antonio (org.). Na mira do Outro: a paranóia e seus fenômenos. Rio de Janeiro:
Rios Ambiciosos, 2002.

- _________. Psicose e laço social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

-_________. Teoria e Clínica da Psicose. 4.Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

- ROUDINESCO; PLON. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998

- SCHAUSTZ, André. O Lugar Do Delírio Na Direção Do Tratamento Da Psicose.


Dissertação de mestrado, Universidade de estudo do Rio de Janeiro, Instituto de
psicologia, Rio de Janeiro, Out. 2001.

-SIMANKE, Richard Theisen. A formação da teoria freudiana das psicoses. São


Paulo: Edições Loyola, 2009.

-SOLER, Colette. O inconsciente a céu aberto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007

-SOUSA, Edson Luiz André de. Função: Estamira. Estudos de Psicanálise. n.30. Salvador-
BA. ago. 2007.
Disponível em: <http://pepsic.bvs-psi.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-
34372007000100007&lng=pt&nrm=>. Acesso em: 8. set. 2009.

- TOLENTINO, Débora Gabriele de Jesus. A clínica da Psicose: As possibilidades


e os limites de uma clínica com sujeito psicótico. 07. jul. 2009.
65

Disponível em: < http://www.artigonal.com/psicologiaauto-ajuda-artigos/a-clinica-


da-psicose-as-possibilidades-e-os-limetes-de-uma-clinica-com-sujeitos-psicoticos-
1020099.html>. Acesso em: 15. mai. 2010.

- VIEIRA, Priscila Piazentini. Reflexões sobre a história da loucura de Michel Foucault.


Revista Aulas. Dossiê Foucault. n.3. dez.2006 – mar. 2007. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/~aulas/pdf3/24.pdf>. Acesso em: 04. mar. 2010.

Você também pode gostar