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8/28/2016 IX Congresso da AMP

ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE
IX Congresso da AMP • 14­18 abril 2014 • Paris • Palais des Congrès • www.wapol.org

TEXTOS DE ORIENTAÇÃO

A clínica e o real
por Graciela Brodsky

Na alocução pronunciada por
Lacan por ocasião da criação
da Seção Clínica de Paris[1],
encontramos uma definição do
real que merece ser
comentada. Na época, Lacan
proferia o Seminário L'une­
bévue, título que se pode
traduzir como Uma­
equivocação e que é um jogo
de palavras homofônico com o
termo alemão Unbewusste.
Assim, no momento em que
Lacan torna sua a Seção
clínica, ele se encontra em
pleno questionamento sobre o
inconsciente freudiano. Há dois textos importantes que acompanham esse período: Televisão e
Prefácio à edição inglesa do Seminário 11 que fecha os Ostros escritos.

No intercâmbio que segue seu discurso de abertura, em resposta a uma questão, Lacan define a
clínica psicanalítica como: "o real enquanto ele é impossível de suportar". Trata­se de uma frase
frequentemente comentada, mas que demanda algumas precisões. Em primeiro lugar, corrige
algo que Lacan havia formulado alguns anos antes: o real é o impossível. Dizer que o real é o
impossível é muito diferente de: o real é o impossível de suportar.

O real como impossível se refere a um real que surge de um impasse da formalização, que não
cessa de não se escrever e que, no momento mesmo em que aparece como um paradoxo, como
produto e resto do simbólico – do qual depende ­, não cessa de escapar da máquina significante.

O impossível de suportar é outra coisa. O real como impossível de suportar se separa da escrita
lógica e matemática. "Suportar" faz surgir, no cerne da formalização impossível, a dimensão da
carga, do peso e até mesmo do sofrimento. Em resumo: para suportar, é preciso um corpo.

Então, para quem o real é impossível de suportar? Primeiro para aquele que chamamos, de
maneira imprópria, o paciente, pois, para ele, o impossível de suportar se apresenta como uma
urgência, como um transbordamento do corpo ou do pensamento.

J.­A. Miller comenta essa referência em um artigo antigo intitulado: "Lacan clínico", cuja versão em
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castelhano se encontra em Matemas II. Trata­se de uma conferência na qual ele sustenta que o
sintoma só toma forma clínica quando ele é impossível de suportar e que, enquanto isso, nos
viramos com ele[2]. Isso não quer dizer que não haja sintomas, mas trata­se de um estatuto do
sintoma que não é clínico. Essa é uma indicação preciosa, pois ela indica haver um estatuto
clínico do sintoma e um estatuto do sintoma que não é clínico. Em L'une­bévue, por exemplo,
Lacan diz de si mesmo: "sou um histérico quase perfeito, ou seja, sem sintomas"[3] e, no
Seminário 5, ele visa o mesmo ponto: "Lembrei­lhes como Dora viveu até o momento em que se
descompensou sua posição de histérica. Ela estava muito à vontade, exceto por alguns pequenos
sintomas, mas que eram justamente os que a constituíam como histérica [...]"[4]. Se quisermos
avançar na distinção entre o sintoma clínico e aquele que não o é, poderemos hipotetizar que isso
antecipa algo concernente ao sinthoma como maneira de saber fazer ali, de se virar com o real,
de "acostumar­se" (se faire au réel) com o real tal como o artesão se acostuma com a matéria que
ele trabalha.

Esse sinthoma é algo que se encontra no final da análise ou ele é operante desde o começo, sem
que o sujeito o saiba? Tendo a pensar que o sujeito deve encontrar um jeito de se arranjar com o
traumatismo de lalíngua (que o deixa sempre desamparado e sem recursos), o que não espera a
análise para se produzir. Mas esse estatuto do sinthoma, como nos precisa Miller, não é clínico.
Ele se torna um sintoma clínico quando esse arranjo não mais se sustenta e os signos do real
reaparecem, impossíveis de suportar.

Para o analista, a clínica é também o real como impossível de suportar que caminha de mãos
dadas com a clínica como uma tentativa de ordenar o real, de encontrar­lhe uma lei e de
simbolizá­lo. Toda classificação é isto: uma tentativa de ordenar o real, de emoldurar o impossível
de suportar, o impossível da prática da psicanálise. Se classificamos os sintomas, se tecemos nós
e delineamos esquemas, se escrevemos fórmulas e traçamos grafos, é por fazermos a
experiência cotidiana – por vezes insuportável – de que no real não há classes, mas apenas
peças soltas, esparsos disparatados[5], como disse Lacan.

Quem conhece Ernst Lanzer ? Ele nasceu em 1878 et morreu, como muitos outros, durante a
Grande Guerra. Parece que seu verdadeiro nome era Paul Lorenz, ou que o verdadeiro nome de
Paul Lorenz era Ernst Lanzer. Na realidade, não está claro se se tratava da mesma pessoa ou se
eram duas. Foi recebido por Freud durante nove meses. Não sabemos como sua família o
chamava, se era como Ernst ou Paul, mas, para nós, isso dá no mesmo. Falamos dele desde
1909 e ele foi, ele é, ele será sempre para nós: "O Homem dos ratos". Não está na natureza dos
homens gozar do suplício dos ratos, mas, uma vez encontrado esse gozo contingente, não cabe
mais para ele nem nome do pai nem estado civil.

Aí está do que é feita a clínica lacaniana, disso decorre a dificuldade da apresentação de casos.
Como apresentar um caso que capte algo do mais singular de um sujeito e que, a partir da
contingência de um encontro, permita ler um programa de gozo cuja repetição, que se apresenta
como necessária, demonstra, por fim, que ela é, para o sujeito, a solução encontrada para tratar o
real como impossível de suportar?

Provavelmente, só se consiga isso com uma clínica que se elabora a partir dos testemunhos.
Lacan tentou fazê­lo apoiando­se em dois dispositivos aparentemente muito dissemelhantes: a
apresentação de doentes e o passe. Nos dois casos, o real, mais do que se demonstrar, se
imagina por sua ressonância.

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Tradução: Vera Avellar Ribeiro

1. Lacan J., « Ouverture de la Section clinique » + Questões e respostas, texto estabelecido por J.­A. Miller, Ornicar ? n° 9,
abril 1977, p. 7­14.
2. Miller J.­A., « Lacan clinicien » Colloque d'Ottawa [mai 1984], in : Matemas II. Buenos Aires, Manantial, Los ensayos,
1994, p. 127.
3. Lacan J., Le Séminaire, livre XXIV, « L'insu qui sait de l'une­bévue s'aille à mourre », lição de 14 de dezembro de 1976,
Ornicar ?, Paris, Lyse, n°12/13, dezembro 1977, p. 7 a 10.
4. Lacan J., O Seminário, livro 5: as formações do inconsciente, Rio de Janeiro, J.Z.E., 1999, p. 409.
5. Lacan J., "Prefácio à edição inglesa do Seminário 11", em Outros escritos, Rio de Janeiro, J.Z.E., 2003, p. 569.

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