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Capítulo 2

O não-todo: a sua lógica e topologia

Convidado a falar neste laboratório de investigação sobre o não-todo que é a Associação


L'Asphère, proponho reexaminar, mais uma vez, as declarações de Lacan sobre o não-todo,
referindo-se a alguns avanços recentes em matemática, relativos em particular à hipótese do
continuum e à função que assume em certas sequências de inteiros o - 1.

A introdução de Lacan da barra de negação Ɐ do quantificador universal data de 19 de maio


de 1971. É a sessão do seminário De um discurso que não fosse semblante na qual, para
expressar logicamente que não é como "toda mulher" que os "seres mulheres", diferente dos
"seres homens", podem ser inscritos na função fálica, e, portanto, para dizer que não há mais
"todas as mulheres" do que o feminino universal, Lacan coloca, pela primeira vez, no
quantificador universal uma negação que não diz que não há nenhuma, mas que o que há não
forma um todo. Esta é uma inovação em relação à forma como a negação é escrita na lógica
das proposições quantificadas, onde o não-universalmente p1 é equivalente à existe o não-p,
cujo Lacan quer se ver livre.

Pan-talonnada2 de Aristóteles

Na sessão seguinte, a 9 de junho de 1971, Aristóteles foi chamado a depor. Segundo Lacan,
seria fácil, ao reler Aristóteles, detectar qual relação com a mulher identificada à histérica lhe
permitiu estabelecer, o cito, "a sua lógica em forma de pan", "toda aquela pan-talonnada da
primeira grande lógica formal", "o que coloca as mulheres do seu tempo numa posição muito
boa, pelo menos, elas eram estimulantes para os homens". Isto também pressupõe que a mulher
histérica seja muito bem capaz de apoiar a quantificação universal, ao contrário de uma mulher
que, segundo Lacan, é solidária do um "não mais do que um" que a abriga na lógica do sucessor
do Peano3. É assim, por mais que "a histérica não seja uma mulher" que Lacan procura para
este papludun4, onde cada uma se institui uma lógica fora do todo, fora do universo. Daí a

1
Essa afirmação não possui alcance universal, ou em outros termos, não há universalidade do enunciado. Ela
pode representar, no quadro designado por Apuleio, a posição O na qual está a afirmação “Alguns dizem não”
que é justamente o local onde Lacan situa o não-todo fálico.
2
Pantalonnada é uma palavra em francês que significa “farsa cômica”; ou “demonstração hipócrita de um
sentimento”.
3
Giuseppe Peano (1858-1932) foi um matemático e linguista italiano.
4
Neologismo lacaniano que faz homofonia com pas-plus-d’um (não mais que um).

Tradução de uso exclusivo da Oficina de Leitura do Fórum do Campo Lacaniano de Salvador coordenada por
Daniela Batista e Juliana Sperandio sobre o livro de Michel Bousseyroux “O risco da topologia e da poesia:
expandir a psicanálise”
noção de não-todo ou não-todos que Lacan procurará primeiro em Aristóteles quando ele
define a particular afirmativa na sua acepção máxima, como se costuma dizer "alguns A são B
mas não todos", não sendo estes "alguns" extensíveis a uma totalidade. Encontramos também
em Analíticos Anteriores 5 uma formulação da máxima particular negativa que diz "A não
pertence a algum B" e que Jacques Brunschwig acredita significar "A não pertence a todo B”6.

Lacan teve conhecimento da excelente análise dada por este grande Aristotélico, professor de
História da Filosofia Antiga em Paris I, no artigo que escreveu em 1969 para o número 10 dos
Cahiers pour l'analyse sobre a particular em Aristóteles7. Brunschwig mostra que Aristóteles
finalmente optou sem sombra de dúvida pela interpretação mínima do particular, a de pelo
menos um sem limitação, o que não exclui que todo A seja B, o único adequado para
estabelecer as provas da sua silogística modal.

Tanto que a particular mínima, que se tornou a lógica particular legítima, "acabou por matar e
enterrar a particular máxima", o que de outra forma teria transformado o quadrado lógico
tradicional, que os lógicos, desde Apuleio o representa com o deixis esquerdo do universal
afirmativo, notado a, e, em baixo, o particular afirmativo, notado i, e o deixis direito do
universal negativo, notado e, em baixo o particular negativo, notado o. Brunschwig desenha
assim o quadrado lógico do "pelo menos e no máximo" das particulares máximas: a e o, e e i,
a e i, bem como e e o são contraditórios (linha dupla), enquanto a e e e i e o são equivalentes
(linha com setas).

5
Terceiro livro do Organon.
6
A tradução perde a expressão pas à tout. No original: “A n’appartient pas à tout B ».
7
Nota do autor: J.Brunschwig. “La proposition particulière et les preuves de non-concluance chez Aristote »,
Cahiers pour l’analyse, n. 10, La formalisation, Paris, Seuil, 1969.

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Sendo os lugares das particulares permutáveis devido à sua equivalência lógica, também se
pode colocar a negativa em i e o afirmativo em o. Isto é o que Le Gaufey faz no Pastout de
Lacan para apresentar o quadrado lógico das fórmulas de sexuação, com o pourtout (para todo)
no a, a exceção que se encontra abaixo no i, a ausência de exceção que se encontra no e no
lugar da universal negativa e o pourpastoute (para não-toda) que se encontra no o no lugar do
que Aristóteles havia rejeitado, o "alguns mas não todos" da sua particular afirmativa máxima,
este particular que para as necessidades da sua lógica modal Aristóteles acabou por "liquidar",
diz-nos Brunschwig.

Tal como é apresentado, posto em relação com os outros quantificadores, o pastout aqui entra
em contradição com os dois universais, que são aliás equivalentes, tal como Peirce o tinha
compreendido bem. Note-se também que esta escrita dos quantificadores não corresponde à
dos lógicos, embora Robert Blanché já tivesse colocado, já em 1966, uma barra de negação
sobre o único quantificador universal para escrever o negativo particular. Além disso, ao
decidir escrever o universal negativo com a dupla negação sobre o quantificador existencial
que diz que não há exceção, Lacan dá um passo conceitual ainda mais importante do que
quando escreve o pastout, como notou Le Gaufey. Pois trata-se para Lacan de quebrar a
consistência espelhada do quadrado lógico da máxima, na medida em que ela dá lugar a uma
simetria das relações entre os deixis, e, portanto, entre Homem e Mulher, o que equivale a
reescrever a relação, ou, mais precisamente a não relação sexual que está em causa entre estes
deixis.

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À la marelle de la sexuation

O fato é que as relações de contradição e equivalência deste quadrado lógico da máxima não
se adequam às fórmulas de sexuação. Em 3 de março de 1972, em O saber do psicanalista,
Lacan diz que elas não são de forma alguma traduzíveis em termos da lógica das proposições,
que não se trata de fazer de um a negação do outro, mas sim o obstáculo ao outro. A relação
entre o todo e o não-todo não é de contradição mas de "obstáculo", tal como nada no lado
direito contradiz a exigência que Lacan diz ser "desesperada" pelo "l’hommoinzin8" que existe
no lado esquerdo, pois se a suspensão da função fálica pode dar alguma esperança de que haja
alguma chance de relação sexual com aquele que assim escaparia à castração, o desespero é
que não há ninguém em frente, à direita, para fazer uma relação com ele, o lugar de A mulher
que lhe responderia permanece desesperadamente vazio.

No entanto, Lacan construiu o seu próprio quadrado lógico de sexuação. A única relação de
contradição que ele então mantém é a que existe entre o tudo e a exceção. Entre o "não-todo"
e o "não há exceção" não há contradição, mas uma indecidibilidade. E entre o todo e o não-
todo existe uma lacuna. Lacan a apresenta no final do O saber do psicanalista, em 1 de junho
de 1972. Se trata mais precisamente de um gráfico formado por quatro linhas retas que se
cruzam em forma de losango e que as setas se ligam de acordo com uma sequência em que,
um pouco como a amarelinha9, a gente move a pedra da função fálica de 1 a 8, estando cada
quantificador associado a uma das quatro modalidades onticas do necessário, do possível, do
contingente e do impossível.

8
L’hommoizin faz equívoco sonoro com “au moins un” que significa pelo menos um.
9
Jogo infantil o qual crianças desenham no chão quadrados numerados e depois jogam uma pedra nos números
específicos para irem avançando até o topo, ou número mais alto.

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A sexuação é construída a partir do necessário. Este é o ponto nº 1: é necessário que a função
fálica seja suspensa, é necessário que ela seja "de fato excluída" por pelo menos um:
Se é necessário que P, se P, o mito do Pai, é necessário, então P existe. A partir daí, empurramos
a pedra da amarelinha para o ponto 2 da existência, que de lá existe um dizer não, depois
descemos ao ponto 3 do possível que tudo: Não há tudo, não há universal que não se
reduza ao possível, aqui ao possível da castração como não podendo ter lugar, uma vez que a
única definição do possível é que ele pode não ter lugar ("é possível que eu esteja em Corinto"
continua a ser verdade mesmo que eu não esteja ou não estarei um dia). Mas o fato de todos os
homens estarem sujeitos ao possível da castração contradiz então o necessário que de um dizer
teve lugar esse não do pai. Este é o ponto de parada nº 4 a partir do qual fazemos ricochete ao

lado direito da sexuação, ao ponto nº 5, onde Lacan coloca a figura , a contingência das
não-todas como excluídas da necessidade da exceção para depois situar no ponto de parada nº
6 a falha que separa da universalidade o não-todo, o objeto a, que aqui é definido como o que
falta para fazer uma relação entre "todo homem" e "toda mulher".

A partir daí, volta-se ao que Lacan coloca no ponto n° 7 e que deve permitir, diz ele no final
da sessão de ...Ou pior, de 10 de maio de 1972, "que o analista ouça um pouco mais longe do
que através dos óculos do objeto a". É uma questão de subir à altura da impossibilidade de que
a mulher seja toda, onde a estrutura deixa vazio o lugar de A mulher que não quer saber da
castração, a fim de cair de volta - este é o ponto nº 8 - num ponto do indecidível que deixa o
quantificador da não-existência longe o suficiente do não-todo para que a partir daí possamos
voltar ao 1, a esta maldita necessidade de que haja Um que não se importa!

A hipótese de Cantor refutável pela W-lógica de Woodin: o real das


mulheres é não-todo

A hipótese de A Mulher é tão indecidível (não provável, nem refutável) quanto a hipótese do
contínuo parecia ser até 2001 - 2001 Odisseia do espaço contínuo, poderia dizer! - quando a
sua refutação foi anunciada na revista Notices American Mathematical Society. Recordemos
que Paul Cohen inventou em 1963 um método genérico que, utilizando a chamada relação
forcing, demonstra que o sistema ZFC (ou seja, a teoria dos conjuntos como construída a partir
dos axiomas de Zermelo-Fraenkel somado ao axioma de escolha) não prova a hipótese
contínua de HC (Gödel já havia mostrado em 1940 que a ZFC não refuta HC, ou seja, que a
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negação de HC não pode ser demonstrada a partir dos axiomas da ZFC). Estes dois resultados,
de Gödel e Cohen juntos, tornam a hipótese do contínuo indecidível, independente da ZFC,
sem resolver a questão do infinito que ela coloca.

Em O saber do psicanalista, na última lição de 1 de junho de 1972, Lacan coloca o indecidível


sob o seu quantificador existencial negativo. Se, à esquerda das fórmulas da sexuação, há de
fato o Um que está do lado do pai, isso não implica que, à direita, o que é negado esteja marcado
com um zero. Pelo contrário, como explica Lacan, é apropriado expandir o seu campo ao "que
existe ali entre o Um e o Zero", um infinito de pontos correspondendo cada um a um número
real, infinidade que Cantor demonstra ser maior que o do conjunto N de inteiros, cujo infinito
atual À0 é contável, e que ele designa por À1, o menor dos cardeais maiores que À0 , para tirar
daí a sua hipótese do contínuo. "É por isso, diz Lacan, que a virgo não é contabilizável. "A
virgem, aquela que ainda não se tornou nãotoda [pastoute], não é mais contável do que as
companheiras virgens de Santa Úrsula, das quais, segundo a Lenda Dourada de Jacques de
Voragine, não sabemos ao certo se eram 11.000 ou 10.011, e das quais Apollinaire imaginou
o gang band10.

Em que consiste, então, a hipótese do contínuo (HC) apoiada por Cantor em 1890? Sejamos
precisos e concisos. Ela equivale a dizer que À0 é imediatamente sucedido, num único limite
e sem perdas por À1, que é, portanto, o conjunto das suas partes, então (o número de partes de
um conjunto de tamanho n sendo 2n) 2À0 = À1. O Cantor estava certo ou errado? Tivemos de
esperar pelos resultados de Gödel e Cohen para... não decidir: é indecidível. Nota-se que eles
não dizem que a hipótese do contínuo é absurda ou desconhecida, mas apenas que o sistema
ZFC é incompleto, que os seus axiomas não permitem uma análise completa do real
matemático. Gödel chegou mesmo a pensar, na década de 1970, que a teoria estabelecida
deveria ser abandonada e substituída por uma teoria de conceitos para fundar uma matemática
axiomaticamente completa. Pois, esta incompletude da ZFC agrava a questão da teoria do
infinito e ela não deixou de abrir porta às tentativas de pensar em estabelecer a teoria dos
conjuntos com novas ferramentas, acrescentando novos axiomas de base capazes de alargar o
seu universo de modo a obter finalmente a “boa” estrutura do contínuo.

10
Expressão que faz referência à uma orgia sexual.

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Assim, ao acrescentar ao ZFC um axioma de determinação projetiva (o axioma DP)
conseguimos, em 1984, encontrar uma completude da estrutura H1 de À0. Também pensamos
em enriquecer o ZFC com objetos monstruosamente grandes, chamados conjuntos
hiperinfinitos, acrescentando aos seus axiomas um axioma de existência de grandes cardinais.
E, acima de tudo, para a estrutura H2 de cardinalidade À1, os recentes trabalhos de um
matemático da Universidade de Berkeley, W. Hugh Woodin, publicados em 2001, permitiu um
avanço que vai além do resultado de Cohen. Patrick Delornoy11 relatou sobre isso no seminário
Bourbaki de 2003. Woodin inventou uma nova lógica, chamada W-lógica, que lhe permite
construir uma hipótese, a W-conjectura, que, se verdadeira, implica que a hipótese do contínuo
seja "essencialmente falsa"! É falso que entre N e R não haja nada, nenhum outro tamanho
infinito, como acreditava Cantor.

Um dos problemas mais difíceis da matemática contemporânea encontrou assim a sua solução,
que é negativa: Cantor está errado. Dizer que a hipótese do contínuo é falsa é sugerir, como
Cohen já havia feito em 1966, a possibilidade de que o contínuo não tenha cardinalidade, ou
pelo menos que esta cardinalidade não corresponde ao segundo tamanho À1 de infinitos. Não,
o infinito não encontra no contínuo o seu Outro do Outro. A refutação da conjectura de Cantor,
que diz que toda parte infinita de R - eu preciso bem que falo de toda parte infinita - está em
bijecção, em correspondência com N ou R, isso significa precisamente que não toda [pas toute]
parte infinita de R está em bijecção com N ou R. Para que o R não seja um todo: o R, o real
dos números, é nãotodo. Isso leva-nos de volta a Lacan e à hipótese de A Mulher, que é tão
falsa como a do contínuo. O real das mulheres é tão nãotodo quanto o real dos números (o
contínuo) e é esse nãotodo do seu real que refuta a hipótese de A Mulher que, para fundar a
existência de um segundo sexo, faria a relação sexual com O Homem.

Não há segundo sexo ou Godel está certo: a inacessibilidade do 2

O 2 (esse do 2À0) não é o escabelo do salto para o Héteros. Não há segundo sexo. A ordenação
se interrompe na primeira, que Éric Zemmour reivindica de forma machista12. Quanto ao sexo
que Lacan diz Eteroz, ele é inacessível. Tão inacessível quanto À0, o infinito contável da

11
Nota do autor: P. Dehornoy, « Progrès récents sur l’hypothèse du continu, d’après Woodin », Astérisque, n.
294, Séminaire Bourbaki, 2004.
12
É. Zemmour, Le premier sexe, Denoël, 2006.

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sequência de inteiros, cujo signo Lacan faz corresponder ao nãotodo em Os não-tolos erram,
do dia 19 de Fevereiro de 1974, para lhe opor ao Um do todo. Entre o todo e o nãotodo, há
uma falha que Lacan chama em ...Ou pior, no dia 10 de maio de 1972, "a falha da
inacessibilidade". O primeiro transfinito, o À0 ao qual Cantor remete tudo o que é
contabilizável, é inacessível. É esta falha que Lacan coloca entre o todo e o nãotodo e que
separa os detentores [tenants du désir] do desejo dos que invocam o sexo [appelants du sexe].
Mas devemos saber que esta inacessibilidade já começa no finito, logo no início da numeração,
a partir do número 2. 2, o número que poderia dar a chave do sexo, cria problema na sua
ascensão a partir daqueles que o precedem: em 1 + 1 já existem 2 números. E é nisto que a
lógica demonstra a falha sexual da não-relação sexual que faz com que o todo e o nãotodo não
formem nem dois todos/nem dois sexos [ni deux tout ni deux sexes]. A falha da inacessibilidade
do sexo é uma falha puramente lógica. É esta falha, que a lógica faz aparecer no real da
construção dos números, que tenta tapar o S2 do saber inconsciente. O que é inacessível não é
o objeto a da fantasia, mas sim o inconsciente real, o 2 do saber S2. Inacessibilidade que o
torna, como Outra, real. Lacan apoia isso, se servindo das palavras do grande lógico Kurt
Gödel.

Foi efetivamente Gödel que introduziu este conceito de inacessibilidade num artigo que
escreveu em 1947 intitulado "What is Cantor’s continumm problem?" e que foi traduzido em
1992 por Jean Largeault no Intuitionnisme and Théorie de la demonstrarion13. Gödel pensa
que a hipótese do contínuo é falsa em si mesma (em 1970, compensada pela sua paranoia, ele
vai pensar que ela verdadeira). Isto leva-o a dar duas definições da inacessibilidade de um
número finito e de um número transfinito. Cito: "Um número cardinal infinito m é inacessível
se for igual ao seu caráter de co-finalidade, ou seja, ao número menor n tal que m é a soma de
n números m. É inacessível se cada produto (e, portanto, também cada soma) de menos de m
números < m é < m”. Segundo esta definição, “À0 é inacessível, e, no que diz respeito aos
números finitos, 0, 2 e nenhum outro”. Gödel dá esta outra definição de inacessibilidade
aplicável a números finitos: "m é inacessível se (1) uma soma qualquer inferior a m números
< m é < m, e (2) o número dos números < m é igual a m." Esta definição se harmoniza com as
definições dadas para os transfinitos e para números finitos que atribui 0, 1, 2 como inacessível.
O início dos números é confirmado como sendo inacessível de 0 à 2.

13
K. Gödel, « sur la nature du problème du continu de Cantor », dans J. Largeault, Intuitionnisme et théorie de
la démonstration, Paris, Vrin, Coll. « Mathesis », 1992, p. 525-526.

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Para os números finitos, a acessibilidade começa apenas no 3 (como o nó borromeano - e
também o Deus da verdadeira religião -) e ela continua para toda a sequência de inteiros. Existe
assim uma falha na geração de inteiros que torna o 2 inacessível pela soma de menos de dois
números inferiores à 2. E é esta falha no finito que se reproduz no presente infinito. Tal como
o À0, o 2 é inacessível, e mesmo altamente inacessível, ainda que isso desagrade Alain Badiou
em Conditions14 que, por não ter lido Gödel, não suporta mais o 2 inacessível e acredita que
Lacan está errado! Badiou quer acreditar que o gozo feminino é um mergulho, fora do campo
da função F, no abismo do infinito atual de Cantor. De acordo com ele, as mulheres mergulham
no atual infinito quando elas gozam. Certamente, elas mergulham num buraco, um abismo
rodeado pelo real. O que Lacan diz, e que parece escapar à Badiou, é que este real deve ser
apreendido do real matemático, o qual é nãotodo. A sua leitura de ...Ou pior, o conduz a afirmar
que este infinito é "apenas uma função de inacessibilidade" e que, portanto, eu cito "o gozo
feminino, ou segundo gozo" - pois ele quer acreditar num segundo gozo - é "um ponto de
inacessibilidade para o gozo fálico", tanto que o gozo feminino é apenas uma ficção do
inacessível. Daí o julgamento de Badiou: "ao contrário de nós", Lacan não precisa do axioma
da existência do infinito para explicar o gozo feminino, basta-lhe que este ponto virtual de
inacessibilidade funcione para o finito. Dizendo isto, Badiou reduz o gozo feminino ao gozo do
Outro não barrado, que é precisamente este ponto virtual de inacessibilidade sobre o qual a
fantasia se alimenta! Com a sua suposta falha de inacessibilidade, Lacan permaneceria assim
pré-cantoriano, recusando o atual julgamento da existência ao infinito - o que Badiou recusa, e
que se mostra muito mais cantoriano do que ele. Lacan não é cantoriano, diz ele: "Mesmo na
lógica do gozo, a real existência do infinito atual cobre mais do que lhe serve. Ele convoca o
infinito apenas para o revogar. O infinito deve permanecer esta ficção operativa, que aponta
para o abismo ou para a linha de falha onde o sujeito se constitui. "

Sim, confirmaremos, quanto à lógica do gozo feminino, Lacan não é cantoriano. Ele não
acredita na hipótese de Cantor, e muito menos na sua aplicação ao gozo feminino. Badiou
censura Lacan por ter invocado o infinito de À0 apenas para reduzir a sua inacessibilidade à do
finito 2, o que não é falso. Lacan é, acima de tudo, godeliano. Ele lê Cantor com Gödel e a
correção que este imenso lógico faz à sua hipótese. Ele até antecipa o resultado do Woodin.
Badiou não acha que está dizendo tão bem quando escreve como uma reprovação que "a

14
A. Badiou, (1992). « Sujet et infini », dans Conditions, Paris, Le Seuil, coll. « L’ordre philosophique ».

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doutrina lacaniana do sujeito é essencialmente finita”. Pois Lacan não situa o além do gozo
feminino no infinito, mas como ultrapassando o infinito compacto do contínuo fálico por uma
sobreposição de aberturas finitas e contabilizáveis uma por uma. É por isso que, do lado do
nãotodo, há aquele que se conta sem ser... posto em sintonia com o infinito. Por não ter uma
visão correta desta topologia da "cama à dois", Alain Badiou volta a uma teoria da
acessibilidade do Dois, "surgida pela partição do Um", a partir da qual o amor procederia
genericamente, na condição de inventar, segundo ele, ao lado da função fálica, uma "função da
humanidade", H(x), fora do sexo, dividida da Fx, através da qual Badiou imagina que pode, e
cito, "trazer de volta o quantificador universal às mulheres". Esta é uma proposta filosófica,
mas que a psicanálise não pode apoiar.

Topologia feminina: onde o finito ultrapassa o infinito e o Outro é contado


sem ser

É tempo de vir para a topologia do nãotodo. Temos de esperar até à estreia de abertura do Mais
ainda, dia 21 de novembro de 1972, para que Lacan nos dê a sua arma secreta para nos defrontar
com o que Jean-Claude Milner chama "as armadilhas do todo". Não que se trate, como Milner
propõe, de distinguir o conjunto limitado do conjunto ilimitado. É uma questão de aprender
com a topologia geral a distinguir os conjuntos fechados, que incluem os seus limites, dos
conjuntos abertos, que excluem os seus limites. Esta exclusão topológica do limite é o que as

figuras escrevem. O Outro é um espaço tão aberto que, ao excluir o seu limite,
é idêntico ao seu interior, e, portanto, ao furo do recalque originário.

Para dar conta da estrutura topológica própria do que ele chama o espaço do "enlaçar-se",
Lacan apela à noção de espaço topológico tal como definido como um conjunto com uma
estrutura topológica por Nicolas Bourbaki no seu livro de Topologie Générale publicado em
1971. Lacan refere-se a ela explicitamente no início do Mais Ainda. O método Bourbaki
consiste em proceder por definições e axiomas a fim de reconstruir, passo a passo, as estruturas
de todas as matemáticas. Em Topologie Générale, o Bourbaki parte da definição de conjuntos
abertos, depois dos conjuntos fechados, para introduzir as noções de interior, aderência,
delimitação, limite, subespaço e especialmente o filtro. Este último é o instrumento topológico
inventado em 1937 por um dos matemáticos do grupo Bourbaki, Henri Cartan, a fim de melhor

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construir um limite e generalizá-lo aos espaços não metrizáveis [métrisables]15. A partir daí,
Bourbaki chegou aos conceitos fundamentais de espaços separados e espaços compactos. Um
espaço compacto C é definido como verificando, entre outras coisas, o chamado axioma Borel-
Lebesgue que diz o seguinte: "Qualquer cobertura aberta de um espaço topológico X quase
compacto ou compacto contém uma cobertura finita de X.

Este é o axioma que Lacan declara na página 17 do Mais Ainda16 para explicar o que constitui
a propriedade mais singular do gozo feminino, que ele qualifica como suplementar. O espaço
topológico do gozo sexual fálico é dito por Lacan como delimitado, fechado e, portanto,
compacto. Ele contém o seu limite, que é de fato aquilo o que ele chama de uma falha, uma
falha paradoxalmente muito compacta, que corresponde, a um espaço métrico compacto e
segundo o teorema de Bolzano-Weierstrass, ao fato de que para qualquer sequência de pontos
de um espaço métrico compacto, existe pelo menos um ponto de acumulação para o qual ele
converge. Este "pelo menos um ponto de acumulação" é estritamente topológico da função de
exceção como limite Φ do encontro com o corpo do Outro, isso que o paradoxo de Zenão
mostra que nunca será alcançado. Mesmo que Aquiles siga a tartaruga, esta última está sempre
à sua frente, porque terá sempre passado para outra vizinhança. Aquiles só poderá ultrapassar
a Briseida, porque as aberturas dos seus passos só podem cobrir o espaço compacto do encontro
sexual tomando a sua infinita intersecção. O que Zenão não viu, e o que Lacan acrescenta, é
que os passos de Briseida também são cada vez menores, e que ela não terá mais sucesso do
que Aquiles para atingir falicamente o limite onde o seu supereu empurra o encontro em direção
ao infinito. Mas, ao contrário de Aquiles, a sua contingência do nãotoda permite aproveitar
esta oportunidade topológica que a estrutura lhe oferece com este complementar dos fechados
que Lacan prefere chamar de suplementar.

Se seguirmos a hipótese da compacidade, o espaço X do "enlaçar-se" -, acredito que classifica-


lo como X lhe cai bem -, por ser compacto, admite, segundo o axioma Borel-Lebesgue, uma
cobertura aberta de X, tão infinita quanto os passos de Aquiles, mas da qual podemos extrair
uma subcobertura finita de abertura. Esta subfamília finita de aberturas constitui o espaço do

15
Dentro da topologia e da matemática, um espaço metrizável é um espaço topológico que há uma métrica
(homeomórfico para um espaço métrico). Sublinhamos que a palavra “métrisable” não é sinônimo de controlável,
o que seria em francês “maîtrisable”, mas aqui trata-se de uma palavra de uso específico da topologia para se
referir a espaços que podem ser definidos como regulares.
16
Lacan, J. (2008). Mais-ainda. 3ª edição. Rio de Janeiro: Zahar.

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gozo suplementar Jsuppl17. Nós podemos inscrever a estrutura topológica na linha numérica R
cujos elementos são os números reais, na medida em que é necessário e suficiente que uma
parte de R seja fechada e delimitada para ser compacta. A é a parte de R formada pelo
intervalo compacto [- a, a] onde a sequência infinita de fechamentos fálicos converge para o
seu ponto de acumulação Φ, essa sequência infinita de fechamentos fálicos é recuperável pela
união de um número finito de intervalos abertos. Entre estes espaços abertos suplementares -
que nós reduzimos a ]O1[, ]O2[, ]O3[ e ]O4[ -, pode acontecer que exista um, aqui o aberto
]O3[, que por si só cubra a falha Φ e, portanto, o infinito que se acumula na sua vizinhança. A
infinitude fálica é assim ultrapassada por uma finitude de Uns ou Umas que nada têm a ver
com o Um fantasmático da união que faz acreditar na corrida depois do gozo do corpo do
Outro.

Fig.4 Cobertura do infinito compacto de A pelo finito do nãotodo.

Insistimos no fato de que é este carácter finito da cobertura que nos permite colocar o Um.
Bourbaki define o finito da seguinte forma: um cardeal F é finito se a ¹ a+1. Ao contrário de
conjuntos infinitos, no finito o resultado da enumeração, o numeral, é independente da relação
de ordem, do ordinal. A nãotoda deve ser tomada Uma a Uma, como faz Don Juan. Mas nada
afirma que entre aquelas que ele já teve, há o O3 aberto do que recobre o Φ da sua castração. É
por isso que a lista de Don Giovanni permanece aberta. Amanhã de manhã, diz Leporello,
haverá mais dez. Mille e tre o cardinal dessas conquistas na Espanha. Se acrescentarmos as
outras, as italianas, 640, as alemães, 231, as francesas, 100, e as turcas, 91, isso faz mais 1.062!
Mas, o importante não é que elas sejam isto ou aquilo, daqui, dali ou de lado nenhum, o
importante é que elas contam. O que importa sobre uma mulher é que ela "conta a si própria

17
Jsuppl é uma abreviação utiliza pelo autor de « jouissance supplementaire » (em francês) que poderia ser
traduzido por « gozo suplementar » em português.

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expandir a psicanálise”
sem ser", diz Lacan, sem ser isto ou aquilo que lhe dá o ser como objeto de fantasia. E o que
mais conta é o "Uma a menos" que ainda não está listada e que permanecerá sempre sem ser,
impossível de somar porque só conta como a Outra, a Outra de amanhã, a Outra da noite
seguinte, a súcuba ideal para cobrir de sua Abertura o quadrado branco do gozo que não é
necessário, onde o homenzinho empurra, mancando de um pé só, o disco do pequeno a sem
nunca aceder ao paraíso d’eux Deux18.

Este corpo em que acreditamos e que não existe

Nós não iremos, não todos, para o céu! A topologia do conjunto do nãotodo corrige o Polnareff!
O paraíso é quando uma mulher cobre, graças à sua abertura infernal, a acumulação da função
de exceção. Isto deixa em aberto a questão do furo por onde afunda o impossível de dizer. E
quanto à topologia deste furo de gozo feminino que Lacan relaciona com S(Ⱥ)? É aqui que a
topologia do nó borromeano toma o lugar da topologia dos conjuntos. A planificação do nó
R.S.I. permite a Lacan apresentar uma topologia diferencial do furo do gozo fálico e do furo
do gozo do Outro barrado. Esta topologia diferencial também procede de uma sobreposição, a
de dois dos círculos do nó delimitando o campo do qual o terceiro é excluído. O gozo fálico é
o furo aberto pelo campo de sobreposição, fora do corpo, do simbólico pelo real. Enquanto
J(Ⱥ), o gozo de A barrado, é o furo aberto pelo campo da sobreposição, fora da linguagem,
fora do simbólico, do real pelo corpo. É este furo que Lacan chama de "furo verdadeiro" da
estrutura, pois atesta que não existe um Outro do Outro e que o gozo do Outro do Outro não
existe. O lugar do Outro que suporta a roda do simbólico, o Outro do simbólico, o Outro da
linguagem, é sem garantia. Se houvesse um Outro do Outro simbólico, ele daria consistência
ao gozo como sendo então o gozo do Outro do Outro. Mas para o Outro do simbólico nada é
contraposto, a única oposição possível do simbólico é um furo. Lacan designa-o como o furo
do gozo do Outro barrado, relacionando o barrado ao masculino do Outro. Portanto, não é o
gozo do Outro que é barrado, é o Outro que é barrado e que corresponde a um gozo diferente
do fálico. Certamente, não há gozo do Outro do Outro. O que não impede que haja um gozo
do abismo aberto pela ausência do Outro do Outro, um gozo que só tem consistência lógica
na condição, como no teorema de Gödel, de que o Outro seja incompleto, S(Ⱥ) sendo o matema

18
O autor se utiliza nesse trecho de palavras que possuem o mesmo som em francês: “d’eux” e “deux”. O
primeiro (d’eux) significa “deles” e o segundo (deux) seria equivalente ao número “dois” em português.

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desta incompletude. É deste verdadeiro furo que deixa o Outro sem um Outro, que deixa Deus
sem Deus, que os místicos gozam.

Fig.5. O verdadeiro furo do gozo do Outro barrado

Gozar daquilo que tem um corpo e que não existe, como Lacan definiu o grande Outro "se
acreditamos nele” não é uma antilogia para os místicos: é o mistério do corpus Christi, como
o corpo do Outro, que acreditamos não existir. O Deus dos místicos é um Deus-pavé19 atirado
no lago dos infinitos.

O ao menos um e o teorema de Goodstein

Os místicos não apreciam o bom Deus, mas do bom pavê. Aquele do teorema de Goodstein.
As sequências de Goodstein são construídas a partir de um inteiro aleatório chamado
"semente", que incha, cresce por uma operação chamada dilatação, para números gigantescos
(maiores que o número de átomos no universo!), de modo que estas sequências parecem tender
para o infinito. Só que, como cada dilatação é subtraída do resultado em 1, apenas um pequeno
1, este fator (- 1) é curiosamente suficiente para fazer com que a sequência diminua ao ponto
de sempre acabar sendo reduzida a zero após um número finito de iterações. Este é o teorema

19
O autor faz uso da expressão francesa “jeter le pavê dans la mare” que significa iniciar uma conversa que
estava empacada, lançar o sujeito tabu na roda de conversa, revelar um escândalo ou ainda perturbar uma situação
tranquila. Na sua tradução literal, entretanto, a frase seria “jogar um tijolo/pedra em um pequeno lago”. Dito isso,
a analogia feita pelo autor ao falar de um Deus-pavé pode nos remeter à um Deus que perturba a calmaria do lago
dos infinitos.

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de Goodstein. Notavelmente, este teorema é impossível de provar por recorrência (ou seja, no
finito) e esta impossibilidade foi demonstrada em 1981 por Laurence Kirby e Jeffrey Paris: eles
mostraram precisamente que o teorema de Goodstein (ou seja, qualquer série de Goodstein é
redutível a 0) não é demonstrável pela recorrência na aritmética de Peano, ou seja, na estrutura
do finito (N, +, F) constituída por inteiros, adição e multiplicação - o que confirma uma das
propriedades do teorema de Gödel. Para demonstrar o teorema de Goodstein, é necessário
introduzir ali uma operação de "superdilatação" que utiliza ordinais transfinitas. Daí o
paradoxo: para provar a finitude destas sequências de Goodstein, é inevitável apelar para o
infinito!

Elas crescem [croissent], crescem, estas sequencias, elas coassent20, coassent, como na fábula
de La Fontaine, mas há esta pedra [pavé] do (- 1) no lago dos sapos que, no final, as reduz a 0.
Reuben Louis Goodstein está certo com seu teorema: o Outro sexo entra na corrida da perereca
para desfrutar do corpo do Outro como o (- 1) que sempre acaba reduzido ao vento do efeito
xoxo do seu inchaço.

Isso se aplica ao teorema de Goodstein e ao Outro sexo. Se aplica, no que ele demonstra, como
para o Outro que é uma mulher para si mesma, na medida em que é do ângulo da Um-a-menos
que ela deve ser tomada. Mas esta função de (- 1) e seu efeito de esvaziamento sobre o espaço
fálico do enlaçamento não pode ser demonstrado, como no teorema de Goodstein, sem passar
pelo infinito, enquanto este teorema diz respeito a uma propriedade do finito.

Quanto ao resultado de Kirby e Paris, leio nele uma matematização do real em jogo no que
Lacan diz na página 130 do Mais-Ainda, quando ele coloca a questão de fazer do Um-a-menos
que é o Outro como não somado ao Um "algo que se mantém, ou seja, que se conta sem ser”.
Se entendermos esse "sem ser" como um sem ser que depende da aritmética e de sua própria
estrutura, isto se torna claro. Uma mulher que conta, que conta como (- 1), que conta, portanto,
como o Outro barrado, é uma mulher que se conta sem ser... arithm-êtrisable21!

20
As palavras « croissent » et « coassent » têm a pronúncia muito parecida no francês. Entretanto, sobre o
significado equivalente em português das palavras, “croissent” significa crescer, enquanto que “coassent”
significa emitir gritos, ou sons e palavras desagradáveis. Esse último significante faz, ainda, uma referência direta
às “mares”, onde vivem sapos que produzem os tais gritos.
21
Arithm-êtrisable é uma expressão que indica algo que pode ser contado sem ser, ou seja, só existe a partir da
lógica. Arithm vem de l’arithmétique e êtrisable de être + réalisable/métrisable, que corresponde à aritmética +
ser + realizável.

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Daniela Batista e Juliana Sperandio sobre o livro de Michel Bousseyroux “O risco da topologia e da poesia:
expandir a psicanálise”
Na medida em que ela age em função da lua de (-) noite escura do Outro sexo, uma mulher é
aquela pedra [pavé] de Deus (godstein!) que faz pluf! no espaço infinito de gozo onde
“flutuamos da îlot phallique22, em que se subtrai [retranche]” tão bem que, como Vladimir
Mayakovsky tão apropriadamente disse, "tampouco um homem, mas – uma enodamento em
pantalon”23 que se evapora.

Tradução:

Daniela Batista danielabatista2@gmail.com


Juliana Sperandio julianasfaria@icloud.com

22
Expressão utilizada por Lacan no texto O Aturdito: Bref on flotte de l’îlot phallus à ce qu’on s’y retranche de
ce qui s’en retranche. Essa expressão indica o deslocamento entre as fórmulas masculinas da sexuação
e que seria o ilôt phallus, até o lado feminino do não-todo .

23
Como já foi mencionado, a palavra « pantalon » quer dizer « calça » em português, porém lembramos que
esse capitulo 2 é marcado pelo jogo de palavras do autor em “Pan-talonnade de Aristóteles” (revisitar nota de
rodapé n°2 do capitulo 2 do livro).

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