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Curso: Lacan - Estruturas e

Clínica Psicanalítica

Curso: Lacan - Estrutura e Clínica Psicanalítica

Estrutura histérica e lógica fálica:

Os traços estruturas da histeria, ou seja, a dialética do desejo dentro do jogo


fálico, se ancora na dialética do “ter”. Dentro da narrativa fálica tem-se: “é
efetivamente porque o pai é reconhecido pela mãe como aquele que lhe “faz
lei”que o desejo da mãe se revela à criança como um desejo inscrito na dimensão
do ter (…) esse pai conduz inevitavelmente a criança para o registro da castração"
(Dor, p. 65).
O jogo histérico está na questão do passo a dar na conquista do falo, mas o falo
está com o Outro (pai), porém este tem que oferecer a prova de “está com ele”,
por isso o histérico interroga e contesta a atribuição fálica, “de um lado, o pai tem
de direito o falo e é por esta razão que a mãe o deseja junto a ele; por outro lado,
o pai só o tem por dele privar a mãe” (Dor, p. 66), caracterizando assim os
histéricos como militantes do ter.
Como militantes do ter a dinâmica é de "apropriar-se do atributo fálico que o
sujeito se estima injustamente desprovido”, assim a histeria na mulher a faz
“bancar o homem” (com seu duplo sentido) e na histeria do homem
“atormentando-se na busca de sua virilidade”, apesar das diferenças, o fantasma é
o mesmo: a confissão implícita de que o sujeito não o poderia ter”. (idem).

Os traços da estrutura histérica

Normalmente a histeria é associada à conversão, ou formação de sintomas


fóbicos, mas “(…) esses sinais clínicos permanecem sempre insuficientes para a
determinação rigorosa de um diagnóstico” (Dor, p. 68). Mesmo sendo dividida em
três quadros: de conversão, de angústia e traumática; com suas características
específicas, a economia do desejo histérico permanece a mesma nos três, e a
intervenção terapêutica “terá eficácia apenas se conseguir desmobilizar a
economia neurótica do desejo (…) para além da manifestações periféricas, os
sintomas. (p. 69) - SINTOMAS PODEM FUNCIONAR COMO DEPISTAMENTOS
O histérico por se sentir injustamente privado irá buscar aquele suposto a tê-lo,
criando uma alienação subjetiva ao desejo do Outro e nesse sentido “(…) o
histérico não interroga a dinâmica do seu desejo senão junto ao Outro, que é
sempre suposto deter a resposta ao enigma da origem e do processo do desejo
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em questão” (p.69). Aqui localizamos o fenômeno da identificação com o outro,


nessa alienação, como por exemplo “(…) uma mulher histérica pode identificar-se
com facilidade a uma outra mulher se esta última é supostamente a que conhece a
resposta ao enigma do desejo” (idem), confira no caso Dora e sua identificação
com a Sra. K. Essa identificação é uma cegueira, contaminada excessivamente de
imaginário. Essa identificação ocorre por colocar o outro no lugar de Senhor
(lembrem-se da dialética Senhor-Escravo do Hegel), “(…) estes histéricos se
colocam em cena, de preferência, como defensores incondicionais das ideias, das
convicções, das opções do outro" (Dor, p. 71). MAS é um Senhor sobre o qual
possa reinar (Lacan, Seminário 17).

Os restos do ser

Outro traço estruturante da histeria está relacionada a dialética do “ser”, ou pelo


menos aos seus restos. “Em todo sujeito histérico persistem, de forma mais ou
menos invasora, os vestígios de uma queixa arcaica que se desenvolve sobre o
fundo de uma reivindicação de amor concernente à mãe”, não tendo sido amado
o suficiente pelo Outro, "amor de menos” (Seminário 11), e assim o histérico se
configura como um objeto desvalorizado e incompleto, o que reflete em sua
identidade: “Esta identidade é sempre insatisfatória, frágil, ou, dito de outra
forma, parcial, em relação a uma identidade plenamente realizada, ou seja,
ideal” (Dor, p. 72)
Essa busca de se configurar simetricamente ao desejo do Outro revela a tentativa
de “tornar-se o objeto ideal do Outro que o histérico supõe jamais ter sido” (p. 73)
e com isso seu desejo permanecerá para sempre insatisfeito nesses esforços a
serviço da identificação fálica, o que é chamado de “narcisismo fálico do
histérico”(p.73), isso tentar frustrar a questão do “ter”, que seria o encontro com a
falta.
Esse lugar do histérico frente ao outro, uma forma de sedução, é mais da ordem
da identificação do que da ordem do desejo, por isso o segundo movimento
frente ao Outro colocado no lugar de Senhor é apontar suas falhas de dominação.
Nessa via da identificação com o objeto da falta do Outro, a problemática é a
mesma em homens e mulheres; porém na via do sexo do sujeito teremos uma
diferenciação naquilo que se refere ao ter e ao não-ter.

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A mulher histérica

A questão da relação com o sexo é governada pela dimensão do falo, no homem


está na dimensão de “eu não tenho o falo” e na mulher “eu não sou o falo”. ”Ser
suposto ter o que o Outro não tem” (Dor, p. 75) essa é a posição do histérico,
assim a mulher histérica pode encontrar, junto ao homem, o que ele não tem. E
assim, sendo o falo do outro, é uma forma de recusar a falta.
A relação com o sexo é determinada por um certo número de registros da
realidade, amplificados sob forma de um ideal, “(…) em nome desse ideal, parece
evidente que o cuidado de perfeição vai mobilizar a mulher histérica sem
descanso” (Dor, p. 76), buscando isso em esteriótipos culturais e ideológicos,
principalmente na relação entre o "belo e o feminino”. O cuidado com o belo é
um constante perseguidor, outra coisa é ver como o belo vem a encaixar-se no
feminino ao preço de suplantá-lo” (idem). Mas curiosamente essa preocupação
com a beleza aparece por seu modo negativo, de insuficiência: não sou o
bastante; sou feia; não sou inteligente, eu não sei de nada, sou ingênua; etc.
Existe ai uma “sempre e secreta esperança de chegar a atingir este auge da
perfeição” (idem). Assim:

“(…) a histérica é o juiz mais tirânico desta ascensão pelo lado do ideal da
perfeição. Nada será belo o bastante para neutralizar o rastro das imperfeições,
para apagar os vestígios dos defeitos. Esta exigência despótica, inevitavelmente,
chama as manifestações sintomáticas, onde a mais impressionante é a indecisão
permanente da histérica em relação a qualquer coisa” (p. 77)

Esse paradoxo nunca resolvido, de sua convicção permanente da imperfeição e


sua esperança em relação ao Ideal, levará a um movimento duplo, de um
encorajamento narcísico e na sequencia uma retirada depressiva de insuficiência.
No momento do encorajamento narcísico, aquilo que ela utiliza como mais
atraente é justamente aquilo que lhe falta, classicamente a sexualidade
evidenciada em suas provocações com esse teor, mas que se revelam a sua
impotência sexual, como o brilho vermelho do rubi, que é dessa cor por não
absorver justamente o que aparece como sua marca mais evidente e atraente.
Esse brilho atrairá homens e mais homens, diante de sua queixa que nenhum a faz
gozar, claramente lançando um desafio de que essa queira ser o primeiro a
conseguir. Essa cena é claramente vista no filme “Beleza americana”. Ou na
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música “Eclipse oculto”: “mas na hora da cama nada pintou direito, é minha cara
falar, não sou proveito sou pura fama”.

Essa dúvida poderia ser resumida na clássica pergunta: “o que é uma mulher?”,
que pode inclusive levar a um suposto movimento homossexual de uma mulher
em relação a outra, onde na verdade existe uma aproximação para saber como é
ser mulher, o que é ser uma mulher, ou ainda: o que há nessa mulher que
consegue atrair o desejo dos Outro? (dos homens inclusive). Claramente
percebido na aproximação e interesse de Dora pela Senhora K, detentora do
desejo de seu pai (de Dora) e do Sr K. Sra K mostrava ser aquilo que a mãe de
Dora não era, uma mulher que nem o pai de Dora se interessava, fechada ali na
sua “psicose da dona de casa” (Freud, O caso Dora). Seria algo como “vampirizar
esta outra” (Dor, p. 80).

Ainda considerando o duplo movimento, esse interesse pela mulher marca o lugar
da histérica dentro de relações triangulares, muitas vezes entrando no meio de um
casal, identificada com a mulher ideal do homem, baseado no que existe na
parceira, somado ao que falta nela, e claro, obviamente não sustentando esse
lugar. Aqui está a marca do desafio contudo sem levá-lo até o final, o que
caracterizaria a transgressão.
Esse desafio pode aparecer em relações em que a mãe coloca o filho nesse lugar
de “homem"e pede que ele decida entre ela e a esposa, “quem corresponde ao
seu desejo?” (Veja o exemplo no texto de Fiorini).

A histeria masculina

Freud foi ridicularizado quando apontou que a histeria poderia ocorrer não só nas
mulheres, mas também nos homens, e mesmo nos tempos atuais, parece haver
essa dificuldade (alias, dentro de algumas abordagens “psi"sequer a histeria é
considerada existente.
“Do ponto de vista da sintomatologia clínica, a histeria masculina não consegue se
distinguir da histeria feminina” (Dor, p. 86). Por exemplo, no “dar a ver” da mulher
histérica aparece no homem como “dar a ver o corpo inteiro” (p. 87), como uma
forma de “desejo de aparecer, de agradar”, levando a inevitável tendência de
seduzir o Outro:
“(…) a sedução se constitui como o suporte privilegiado de uma negociação de
amor. Para certificar-se de ser amado por todos, o histérico oferece seu próprio
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amor sem se poupar. Trata-se, estes claro, de um amor de fachada, na medida em


que o homem histérico é incapaz de se engajar além da sedução. Já que não
pode renunciar a ninguém, importa-lhe antes de tudo receber o amor de todos.
Todavia, querer ser amado por todos é sobretudo não querer perder nenhum
objeto de amor. Encontramos ai um dos componentes preponderantes da histeria:
a insatisfação” (Dor, p. 87).
Essa insatisfação aparece, dentre tantas outras formas - não aproveitar o que
possui; a carreira do outro seria melhor; etc - na sua "incapacidade de gozar ou de
não tirar o proveito do que ele tem em prol da lamentação pelo que não tem”(p.
88). Assim, um grande traço de estrutura da histeria masculina é o fracasso ou o
comportamento fracassado e mesmo quando consegue obter o que queria do
outro “apressa-se em fracassar” (idem) - a síndrome do fracasso…

A dinâmica da síndrome do fracasso

“De um lado, uma tendência ostensivamente mobilizada pelo histérico de mostrar


sua ambições, eus dons, sua potencialidades de êxitos. De outro, uma tendência
vitimista que consiste em imputar à realidade exterior o fracasso da realização da
primeira tendência (…) a partir do momento em que o histérico obtém a garantia
de que a promoção de seu desejo é virtualmente realizável, ele se torna
imediatamente inapto a assumí-la. Resulta daí o estabelecimento de estados
ansiosos, depressivos, até mesmo neurastênicos, idênticos ao que encontramos na
histeria feminina” (Dor, p. 89)
Dor ainda traz estratégias de supercompensação desse fracasso no alcoolismo e
na prática dos tóxicos, com esses elementos ele tenta “aparecer como um homem
lá onde precisamente o histérico se queixa de jamais poder sê-lo” (Dor p. 89).

A relação com o sexo no histérico masculino

A relação com o outro feminino é alienada à imagem de uma mulher idealizada e


inacessível, e com isso muitas vezes a evitação desse encontro, ou, a parada no
ponto de sedução. O que pode levar inclusive a uma encenação homossexual,
algo tranquilizador que o impede de saber da diferença sexual.
Manter o o objeto feminino à distância também aparece na manifestação somática
da impotência ou da ejaculação precoce, reforçando a ideia de “compulsão ao
fracasso”, alimentado por sua confusão entre desejo e a prova de virilidade. “Para
a histeria masculina, apenas aquele que tem o domínio absoluto do falo pode
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assumir o gozo feminino, quer dizer, dominá-lo (…) do mesmo modo, ele
inconscientemente identifica-se com a parceira feminina e goza por ejaculação
precoce, como imagina gozar uma mulher, sucumbindo ao pode fálico”(Dor, p.
93). Essa virilidade pode aparecer em corpos atléticos que se tornam verdadeiros
substitutos do falo, o corpo inteiro como um grande falo (confira em Dor p. 92).
Mas mais uma vez o encontro é impossível, inconscientemente ainda se encontra
preso à mãe, e seus fracassos revelam que nenhum mulher pode mobilizar seu
desejo.

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