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168). Coincidentemente, é nesse mesmo artigo que nos deparamos com a primeira ocorrência
Em suas primeiras reflexões, Freud postula que em sua origem a neurose obsessiva
está associada a uma vivência precoce da sexualidade, na qual a participação da criança tem
algo de ativo, no sentido de que as sensações primárias que ela experimenta são agradáveis
(ibid., p. 178). Trata-se, de todo modo, de um gozo excessivo para os padrões infantis, e
externo, via sedução por um adulto, por exemplo; na verdade, a criança experimenta as
sensações sexuais em si mesmas como se viessem do exterior, na medida em que não tem
responsabilidade nem controle sobre elas (daí porque se pode falar num núcleo histérico – no
obsessivo com o objeto de desejo, encarado invariavelmente, daí em diante, como fonte
potencial de demasiada satisfação e por conseguinte como algo a ser eludido. O que fora
vivido como prazer retorna como desprazer: sentindo-se responsável pela sensação excessiva
de gozo, o obsessivo nutre sentimentos de culpa e vergonha. A forte atração pelo gozo
mescla-se à defesa contra ele. O trauma inicial é recalcado e os afetos a ele conectados
1
Pesquisador de pós-doutorado em Psicologia Social no Instituto de Psicologia da USP, com bolsa FAPESP.
1976a, p. 90). O fenômeno de deslocamento, aqui, é análogo ao que ocorre no sonho. É a
tanto, ele lança mão da segunda tópica, proposta três anos antes. No período de latência (que
libido. A particularidade da neurose obsessiva é que ela consiste numa forma excessiva de
levar adiante esse processo: nela “verifica-se uma degradação regressiva da libido, o supereu
formações reativas sob a forma de consciência, piedade e asseio” (FREUD, 1976c, p. 138). A
regressão da libido consiste no fato de que, embora a organização fálica já tenha sido
eu. Os sintomas desenvolvidos pelo obsessivo, ao mesmo tempo que cumprem finalidades
pois nos próprios dispositivos que visam combatê-lo, processo “que se aproxima cada vez
mais de um fracasso completo da finalidade original de defesa” (ibid., p. 141). Surgem novos
supereu, num processo sem fim. Resulta daí “um eu extremamente restringido, que fica
passe da condição de ser o falo (imaginário, φ) da mãe à de ter o falo (simbólico, Φ) a partir
da identificação com o pai. No obsessivo, algo falha nesse processo, e ele fica, num plano
inconsciente, preso à identificação com o falo, sem lograr possuí-lo. É o que comenta Lacan
(1966, p. 632) a propósito de um paciente obsessivo seu: “Para nosso paciente, de nada serve
ter esse falo, já que seu desejo é de sê-lo”. Há, portanto, na neurose obsessiva, uma
e por tabela de seu próprio desejo – e como “significante do gozo” (ibid., p. 823), não possuir
o falo quer dizer que o acesso do sujeito ao desejo e ao gozo é obstaculizado.”O que, em seus
obsessivo é que ele se regra sempre para evitar o que o sujeito vê, com frequência muito
claramente, como a meta e o fim de seu desejo” (LACAN, 1986, p. 67). É esse aspecto
Quando vemos um obsessivo bruto, no estado de natureza, tal como ele nos chega ou parece
nos chegar através das observações publicadas, encontramos alguém que nos fala acima de
tudo com todo tipo de impedimentos, de inibições, de barragens, de temores, de dúvidas, de
interdições (LACAN, 1998, p. 411).
O que o obsessivo teme é ser eclipsado pelo gozo, apagar-se como sujeito. “Há
portanto no obsessivo esse temor da afânise que sublinha Jones” (LACAN, 2001, p. 306). O
termo “afânise”, que significa desaparecimento em grego, foi introduzido na psicanálise, por
Ernest Jones, para designar o desaparecimento do desejo sexual. Em Lacan (1973, p. 189),
ele acaba assumindo outra acepção: o de desaparecimento ou fading do sujeito. Essa ameaça
existência, ela o está de maneira mais dramática ainda na neurose obsessiva, em que se trata
não somente da relação do sujeito a seu sexo, mas ao fato mesmo de existir” (LACAN, 1994,
p. 391). De acordo com Lacan (1981, p. 196), “a estrutura de uma neurose é essencialmente
uma questão”; para o obsessivo, a questão central é fundamentalmente existencial e pode ser
obsessivo? Para Lacan, o obsessivo tem como pai alguém que não se revela à altura de seu
papel. O tema aparece em “O mito individual do neurótico”, de 1953, que se debruça sobre o
caso do Homem dos Ratos, o mais famoso paciente obsessivo de Freud: “O pai foi suboficial
no início de sua carreira, e continuou bastante ‘suboficial’, com a nota de autoridade, mas um
pouco derrisória, que isso comporta. Uma certa desvalorização o acompanha de maneira
percebidos como falhas do pai são replicados na vida do paciente e adquirem grande
importância no agravamento de seus sintomas: o fato de ele não ter reembolsado um colega
militar que liquidara sua dívida de jogo, e o fato de ele não se ter casado com uma moça que
o atraíra por ela ser pobre. O malogro de uma relação simbólica, mediada, com o pai, abre
Em todo obsessivo, homem ou mulher, vocês veem aparecer sempre em um momento de sua
história o papel essencial da identificação ao outro, um semelhante, um camarada, um irmão
um pouco mais velho, um camarada contemporâneo, que, em todos os casos, tem para ele o
prestígio de ser mais viril, de ter a potência. O falo aparece aqui não sob sua forma simbólica,
mas imaginária (LACAN, 1998, p. 487).
É o caso do capitão cruel para o Homem dos Ratos. Ou do pai da horda primordial, enquanto
vive: “Totem e Tabu é um produto neurótico (...). É ao testemunho que o obsessivo contribui,
com sua estrutura, para que a relação sexual se revele como impossível de formular no
objeto de seu desejo adquira valor essencial de significante dessa impossibilidade” (LACAN,
1958-1959, 22 de abril de 1959). O desejo impossível pode assumir a forma de duas atitudes
que passam a ser divididas em dois grupos a partir do final da fase edipiana: a mãe, que se
mulher santa e pura como modelo, e de outro a neutralização dele, tendo a prostituta como
modelo. “Toda a esfera do amor, nessas pessoas, permanece dividida em duas direções
personificadas na arte do amar tanto sagrada tanto profana” (FREUD, 1970, p. 166). No caso
do Homem dos Ratos, a polaridade é entre “mulher rica ou mulher pobre” (LACAN, 1979, p.
300). Não é por acaso que a atitude diante da mulher funciona como parâmetro na obsessão:
o papel ativo da criança na experiência originária de gozo já sugeria a Freud (1976b, p. 178)
claramente indicada no lado direito do matema que, no Seminário VIII, Lacan (2001, p. 299)
propõe para a obsessão: A φ (a, a’, a’’, a’’’,...). Outra forma de evitar a afânise e realçar o
aspecto impossível do desejo é amar alguém que seja inacessível, ou esperar de eventuais
lo, fazendo vistas grossas a sua verdadeira natureza, a suas imperfeições, e comprometendo
com isso sua humanidade. Trata-se aqui de neutralizar o desejo do Outro, como forma de
neutralizar seu próprio desejo. Qualquer indício do desejo do Outro intimida o obsessivo, que
evita o encontro com ele: o “desejo no Outro (...), no obsessivo, é essencialmente recalcado”
que, debatendo-se com seu próprio desejo, prolonga seus esforços ao engajar-se na
A inibição do obsessivo, sua evitação do desejo, não implica em inação. Desde cedo
se instala no obsessivo uma compulsão para executar determinados rituais e regras, que ele
próprio concebe e adota, e em torno dos quais sua vida passa a estruturar-se. A função deles é
evitar o encontro do obsessivo com seu próprio desejo e, por conseguinte, prevenir o gozo.
Rituais e regras são variantes da lei, impõem um sacrifício destinado a negar o desejo e o
incessante, como a dedicação ao trabalho dos workaholics. Numa análise do filme Vestígios
do dia (The remains of the day, direção de James Ivory, 1993), Salecl (1996, p. 184) mostra
típico obsessivo. Durante toda a sua vida, Stevens trabalha na casa de Lord Darlington,
aparente dialética entre trabalho e tempo livre mascara o inevitável sacrifício do último: “No
obsessivo, o trabalho é poderoso, sendo levado a cabo para liberar o tempo do grande véu que
será aquele das férias – e a passagem das férias se revela habitualmente como mais ou menos
“Quando ele tenta sair de sua posição emboscada de objeto oculto, é necessário que ele seja o
objeto de nenhum lugar. De onde essa espécie de avidez quase feroz no obsessivo, de ser
aquele que está em toda parte para não estar justamente em nenhuma” (LACAN, 1961-1962,
21 de março de 1962). Ou seja, para evitar o ato como materialização do desejo, multiplica-se
o movimento, mas trata-se de um movimento que não permite ao sujeito sair do lugar.
Haroldo de Campos (1977, p. 146): “Bichos-da-seda se obsedam até a morte com seu fio”.
vida: um mesmo movimento tem como faces simétricas a produção do fio de seda e o
consumo do fio vital, tal como no obsessivo a ação anda de mãos dadas com uma
desvitalização do sujeito.
para libertar-se de suas obrigações e ocupar o lugar deste – noutras palavras, ele aguarda a
morte do senhor para enfim poder gozar. “Que espera o obsessivo? A morte do senhor. De
que lhe serve essa espera? Ela interpõe-se entre ele e a morte. Quando o senhor estiver morto,
procrastina. Procrastinar (que vem do latim “cras”, amanhã) implica evitar a todo custo o
encontro com seu desejo, entendido como um risco fatal que a cada momento se recoloca e
precisa ser eludido: “Para o obsessivo, a morte é um ato falhado” (LACAN, 1974-1975, 18
de fevereiro de 1975) – pode-se entender aqui que a morte é evitada via procrastinação, que o
obsessivo morre aos poucos para evitar a morte. Sua postura é a de não correr riscos, evitar
tomar decisões, suspender a ação, aguardar o momento ideal que nunca chega: “É sempre
para amanhã que o obsessivo reserva o compromisso com seu verdadeiro desejo” (LACAN,
obrigações, não se revolta. Sua performance intelectual faz as vezes de conteúdo erótico.
lugar do Outro, de onde se vê jogando. Ou seja, nesse jogo “ele mesmo não é mais que um
espectador, a própria possibilidade do jogo e o prazer que ele tem nele residem aí” (ibid., p.
27). Na prática, ele transfere o gozo para o Outro (como aquele que vive para deixar uma
obra e/ou um nome para a posteridade) ou, mais provavelmente, para a versão degradada
dele, seu dublê ou rival, o substituto imaginário do pai. De toda forma, enquanto alguém
responsável por suas ações, ele não goza. “Tomem o obsessivo, e olhem efetivamente o que
se passa no fim de seus comportamentos complicados: não é ele quem goza” (LACAN, 1958-
O que o obsessivo não percebe, entretanto, é que o senhor já está morto, e que por
A história fundamental do obsessivo é que ele está inteiramente alienado em um senhor, cuja
morte espera, sem saber que este já está morto, de modo que não pode dar um passo. (...)
Quanto mais coisas ele se concede, mais é ao outro, a esse morto, que as concede, e se acha
eternamente privado de toda espécie de gozo da coisa (LACAN, 1978, p. 253).
O obsessivo tampouco percebe que ao Outro “o une a mediação da morte” (LACAN, 1966, p.
morto, ele já está, de fato, morto. “À medida que ele tenta, nas vias que lhe são propostas,
(LACAN, 1998, p. 411-412). Ele troca a vida, representada pelo desejo e pelo gozo, por
rituais e interdições automatizados e internalizados que fazem dele uma espécie de robô ou
de zumbi.
Não somente a obra do sujeito lhe é extorquida por um outro, o que é a relação constituinte de
todo trabalho, mas o reconhecimento pelo sujeito de sua própria essência em sua obra, onde
esse trabalho encontra sua razão, não lhe escapa menos, pois ele mesmo ‘não está aí’, ele está
no momento antecipado da morte do senhor, a partir da qual ele viverá, mas esperando a qual
ele se identifica ao senhor como morto, por conta do que ele próprio já está morto (LACAN,
1966, p. 314).
Na sua procrastinação, o obsessivo termina por perder irremediavelmente o bonde do desejo,
ele “antecipa sempre muito tarde”, chega sempre depois da “hora da verdade” (LACAN,
toda forma, secretam por si mesmas uma modalidade oblíqua de gozo, que em última análise
Referências