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Papéis de Psicanálise . -
v.l, ri.l (abr. 2004) -. - Belo Horizonte : Instituto de Psicanálise
e Saúde Mental de Minas'Gerais, 2004.
V.
Anual
ISSN: 1806-3624
CDU: 159.964
. ■ CDD: 150. 195
Coordenação Editorial
Márcia Rosa
Cristina Drummond
Conselho Editorial
Antônio Beneti
Sérgio Laia
Elisa zMvarenga
Francisco Paes Barreto
Lázaro Elias Rosa
Lilany Vieira Pacheco
Revisão
Luciana Lobato
Diretoria do IPSM-MG
Secretaria do IPSM-MG
DOSSIER
COMO O SEXO CHEGA ÀS CRIANÇAS?
• O trauma, a linguagem e o sexo 15
Sandra Maria Espinha Oliveira
• O outro sexo 53
Inês Seabra de Abreu Rocha
•Devastação 67
Maria Rita de Oliveira Guimarães
CLÍNICA
CORPO E SINTOMA
J • Corpo e sintoma : 85
Vicente Palomera
• A menina-anjo . 95
Cristiana Pittella de Mattos
• A menina-homem . 99
Ana Lydia Santiago
• A construção de um corpo . 103
Lúcia Mello
ESTUDOS
PÓS-FREUDIANOS
• Um pequeno homem-galo ......................... 119
Sandor Ferenczi
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PALAVRAS ALADAS
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Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais se debruça
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sobre temas escolhidos e apresenta, para um público
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Freudiano e à Associação Mundial de Psicanálise.
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< Interlocutor para temas que nos inquietam, tais como “a
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i‘. escrita em psicanálise”, “a epistemologia do caso clínico”
etc., (A Almanaque encontra-se no seu número nove.
A seguir, o Instituto se insere no horizonte midiático
de nossa época e reserva um espaço na sua homepage para
uma revista virtual, Instituto on-line, dal publicação, cujo
segundo número está previsto para agosto de 2004, lhe
permite a ousadia de ir além dos endereços de sua mala-
direta e se abrir ao desconhecido. Com esse trabalho de
difusão da psicanálise, o Instituto insere as suas produções
no espaço da Cyber Cidade.
Com os Papéis de Psicanálise trata-se de possibilitar a
circulação daquilo que se ensina e se pesquisa nas
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atividades do Instituto, na sua Seção Clínica distribuída nos
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Núcleos de Investigação da Psicose, da conexão Psicanálise
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A série Papéis de Psicanálise, que ora se inicia, guarda
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algo de sua situação de origem — atividades de
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apresentação de seminários, discussão de casos clínicos,
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constituído pela passagem do registro oral ao escrito.
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Esperamos que, tal como pombos-correios, elas lhes
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tragam boas leituras.
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Lacan utiliza em seus textos dos anos 70, momento de seu
ensino em que ele desenvolve uma nova leitura do
inconsciente, enfatizando, para além da decifração do
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' '.F inconsciente, para além do simbólico da linguagem, o que
nele há de real, ou seja, de gozo. O inconsciente já não é
apenas estrutura de linguagem, mas encontro com o gozo.
Lacan chama de sexuação a maneira como cada sujeito vai
subjetivar seu sexo. Por isso, utiliza o termo sexuação no
Instituto m Psicanáiise f Saúdf Mental de Minas Gerais
Pápeis oe Psicanálise v.l w.l abr. 2004
Cristina Drnmmond
Coordenadora do Núcleo de Psicanálise
com Criança do IPSM-MG
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exterioridade central a partir da qual em seu centro uma não relação”. É porque
pode-se distinguir dois sentidos em que o a relação sexual não cessa de não se
trauma pode ser tomado: escrever, que o trauma se constitui
a) Como “um buraco real interno propriamente como trauma sexual. Aqui,
ao simbólico”, ou seja, como o que o analista está
prefigura o real em “exclusão interna
ao simbólico”; ele próprio no lugar do trauma [...]
“o analista c traumático” [...] tanto
b) Como “um buraco do simbólico como o é a própria linguagem. Ele
no real”, ou seja, a linguagem como real, pode ocupar esse lug^r do insensato,
como “parasita, fora do sentido do pois sua formação o levou a reduzir
o sentido do sintoma a seu núcleo
vivente”.
mais próximo de uma contingência
Esses dois movimentos estão fora de sentido.(LAURENT,2002.)
presentes na psicanálise. Em um primeiro
sentido, nós temos o amor, pelo qual uma Essa segunda via deixa o sujeito
análise tem seu início. Uma análise começa aberto às contingências dos encontros
pelo recurso ao Outro, ao sujeito suposto por vir.
saber, que recobre a hiância do Outro, ou Inconsciente, fantasma, sintoma são
seja, recobre o fato de que o saber não é as vias pelas quais cada um inventa uma
todo. Trata-se do que E. Laurent isola maneira de suprir esse buraco no real, mas
como um tratamento do trauma pelo é no núcleo de gozo do sintoma que se
sentido, que faz passar o real do gozo ao demonstra a
simbólico, ao significante, quer dizer, ao
Um fálico do inconsciente. A “inscrição do maneira pela qual o que pode ser
elaborado do gozo, o objeto a, [...] se
trauma na particularidade inconsciente de aloja como causa no outro sexuado,
um sujeito, fantasma e sintoma, é no parceiro sexuado, no parceiro
curativa”, diz Laurent. sexual. (CARRO et al,2002:38.)
Mas, há essa outra vertente que ele
isola e que intervém, não na relação dos Ou seja, que se demonstra como
significant.es entre si, mas na relação ao o sexo pode advir como Outro. Aí, algo
analista como objeto. Aqui, por não se apresenta como a “hora da verdade”.
poder passar ao significante, o gozo se O ser sexuado, o sexo verdadeiro de um
recupera sob a forma do objeto mais-de- sujeito, é definido pelo seu modo de
gozar: seio, fezes, olhar, voz. E nesse gozo. Sexuação é o termo que Lacan
sentido que Lacan diz que o analista tem opõe à tese freudiana que define o sexo
que ter mamas. Uma análise isola não pela identificação edipiana. O sexo não
somente os significantes mestres do é definido por nenhuma identificação
sujeito, seus ideais, mas também os traços do sujeito, mas pelo gozo que o
que marcam seus objetos, suas escolhas caracteriza e que implica o trauma da
de gozo. Nesse segundo sentido, o que castração.
uma análise pode prometer ao sujeito é A não-relação sexual é uma resposta
um traumatismo, ou seja, a certeza de traumática do Outro que deixa o sujeito
que a perda de gozo é irreparável e que embaraçado com sua vida e com seu sexo
esse Outro, que peio saber foi suposto e estimula a pergunta “O que é isso?” a se
conter o objeto, não existe. O sujeito reproduzir, ou seja, faz falar e, falando,
deve, aí, fazer o luto da satisfação que homens e mulheres se reproduzem.
ele retirava de sua própria análise, o luto
Ora, diz Lacan, o fim do gozo — é o
do objeto que o analista presentificava e que nos ensina tudo que Freud
que, sem saber e em silêncio, ele articula sobre o que ele chama [...]
consumia. Aqui, o movimento vai do pulsões parciais — o fim do gozo é
lateral àquilo a que ele chega, isto é,
simbólico ao encontro de um real que
que nós nos reproduzimos.
uma psicanálise deve assegurar. (LACAN, 1985:163.)
Nessa abordagem, a própria
linguagem é traumática “por comportar
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! 1 1 Papeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Éric Laurent
0 TRAUMA AO AVESSO*
A generalização do trauma
O sentido clássico foi especialmente estendido para
além dos limites recebidos até então nos anos 80. A
extensão do termo se justifica por um fenômeno que se
situa na interface entre a descrição científica do mundo e
um fenômeno cultural que a excede.
Na medida em que a ciência avança em sua descrição
de cada uma de nossas determinações objetivas, desde a
programação genética até a programação do meio
ambiente, passando pelo cálculo cada vez mais preciso dos
riscos possíveis, a ciência faz existir uma causalidade
programada. O mundo, mais que um relógio, aparece
como um programa de computador. E a nossa maneira
atual de ler o livro de Deus. Na medida em que apenas essa
causalidade é recebida, surge o escândalo do trauma que, ele
sim, escapa a toda programação. É na medida em que nos
beneficiamos de uma melhor descrição científica do mundo,
que tomam consistência a síndrome de stress pós-traumático,
ligada à irrupção de uma causa não programável, e a
tendência a descrever o mundo a partir do trauma.
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Mimas Gerais
Pápeis de Psicanálise v.l u.l abr. 2004
A análise como narração e a análise como doador de sentido ou àquela daquele que
instalação restitui o sentido recalcado.
O analista sabe, assim, que ele opera Com os filósofos da linguagem e
com materiais frágeis. A análise não é um contra as abordagens cognitivas, nós
sabemos que a linguagem faz outra coisa
ajuste da metáfora ou do relato da vida de
cada sujeito. Não é o “relato que conviria” do que codificar uma experiência do
vivente. Ela é um código a mais na
no lugar da história que não existe, uma
vez recuperado o dossier perdido sob o multiplicação dos códigos sensoriais, o
código da visão, da audição, do afeto etc.
recalque. A análise parece muito mais, nessa
perspectiva, com uma instalação precária Mas, diferentemente da abordagem
filosófica da relação intersubjetiva, que
como aquela que se encontra agora em
todos os nossos museus ou quando das pode ter um filósofo americano
grandes cerimônias da comunidade contemporâneo como Donald Davidson, o
psicanalista sabe que não é um “mundo
artística, chamadas de bienais. Eu vi, há
pouco, no Whilney Museum, uma dessas comum” e compartilhado que é a
referência última da linguagem. O que nos
instalações. Tratava-se de uma sala onde o
é comum é, sobretudo, a referência ao
artista, John Leanos, tinha reconstituído
uma espécie de pseudo- exposição traumatismo linguageiro, o que realmente
arqueológica consagrada à cultura de faz obstáculo à constituição de um mundo.
O que é comum a toda relação
Azlleclan. Essa cultura teria sido centrada
não sobre o sacrifício sangrento, como os intersubjetiva é a não-existência da relação
sexual, falha na qual virão se inscrever os
antigos Maias, mas sobre a castração ritual.
objetos fragmentados do gozo.
O título da instalação era Remembering
castration. E o que resta quando a castração Se nós conjugamos esses dois
não quer mais dizer nada de trágico para sentidos do trauma, o trauma é mais um
processo do que um acontecimento. Ele
nossa cultura. Brinca-se então com o
passado de um mundo no qual teria existido acompanha para sempre o sujeito.
É preciso manter juntos os dois
a significação ritual de uma tal operação. A
pontos de vista sobre o direito e o avesso
instalação inteira é uma espécie de operação
frágil sobre o que nos resta de sentido em do trauma, que nós escrevemos.
torno do falo. Mais vale conceber a análise
assim do que como uma metáfora narrativa
cheia de sentido., O analista, nessa segunda
posição, se situa além ou aquém de uma
concepção terapêutica do sentido.
Na primeira posição, a da
reparação do sentido, o analista é mais
evidentemente terapeuta. Mas, na
segunda posição, ele percebe o próprio
E o que faz a originalidade da
sentido como um objeto perigoso. Ele
psicanálise, no conjunto das terapias do
pode produzir “overdoses” que o tornam
trauma por meio da palavra. O recurso
inoperante. É, assim, impossível
generalizado às psicoterapias pós-
interpretar mais as “aranhas” de Louise
traumáticas, próprias à nossa civilização,
Bourgeois do que ela própria o fez. Será nos dá novos deveres e novas
preciso, então, ao analista, medir, para responsabilidades. E a ocasião de fazer
cada sujeito, até onde ele pode escutar a singularidade do discurso
apresentar os dois pólos de sua ação. psicanalítico numa experiência clínica
Isso depende evidentemente dos compartilhada. É tanto mais necessário
“traumatismos” exteriores que o porque sabemos que o mundo, depois de
analisante sofreu. Mas, é preciso, no 11 de setembro de 2001, nos conduzirá,
entanto, que o analista saiba que ele não sem dúvida alguma e para nossa
pode reduzir sua posição àquela de um infelicidade, a intervir depois de um
Instituto »F Psicanálise e Saúde Mektai de Miras Gerais
28 Pápeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
dos encontros do sujeito com o desejo e o gozo para interpretar essas primeiras experiências
do Outro. Esses encontros, contingentes, têm para evitar que esse gozo continue
efeitos sobre as identificações do sujeito e sobre puramente real e insuportável e possa ser
a estrutura de seu fantasma. encarnado por ela. Freud já apontara que a
Aqui, retomamos a idéia de que o “atividade do órgão” existe antes mesmo de
processo de sexuação tem um sentido se associar aos complexos de Edipo e de
estrutural e um sentido contingencial. Por castração ou à representação da cena
um lado, a necessidade de pertencer a um primária. Desse trabalho epistêmico, ao qual
sexo não é dada de princípio, mas se elabora o sujeito é compelido, resultam as
pela relação com o falo que é uma elaborações de saber, que são as teorias
conseqüência da intrusão da linguagem. Por sexuais infantis. Essas teorias têm um aspecto
outro, há um processo^de subjetivação do simbólico, inconsciente e imaginário que
que é dado pela estrutura, e aqui temos as busca recobrir o real ao qual se faz referência.
respostas particulares do sujeito, de As teorias sexuais infantis são, por um lado,
assentimento ou não do que vem do Outro. interpretações da criança sobre o gozo de
E por isso, porque o sujeito tem responsa seu órgão e, por outro, se elaboram a partir
bilidade sobre sua sexuação, que a psicanálise dè perguntas sobre seus pais. (O que eles
pode ter efeitos sobre ele. Senão, ela não seria querem? O que sou para eles? Como eles
mais do que uma adaptação do sujeito ao gozam?) Na fantasia do coito sádico, por
real. Em uma análise, a criança terá a ocasião exemplo, vemos a criança criar uma cena
de se deparar com suas escolhas e se que busca dar um conteúdo imaginário acr
defrontar com suas próprias condições de real que é a ausência de relação sexual entre
gozo que orientam seu desejo. Há, portanto, os pais. O sujeito interpreta tanto seu gozo
uma possibilidade de uma maior adequação que ele pode situá-lo em seu corpo, ou seja,
entre ambas. encarnando-o assim como o gozo do Outro.
Inicia-se um processo no qual a criança
O encontro com o sexo elabora teorias a partir de seu gozo, e çssas
Nossa pesquisa, então, buscou fantasias passam a agir sobre seu gozo.
referências teóricas e clínicas para tratar Lançamos mão, em nossa pesquisa,
dos impasses do sujeito em seu processo de casos clínicos nos quais o sexo anatômico
de sexuação. causava problemas parao sujeito, casos em
Vimos, com Freud, que o que é que, diante do encontro com o sexual,
percebido pela criança nem sempre pode sempre estrangeiro, quer venha do outro ou
se impor ao inconsciente. Assim, a visão de de seu próprio corpo, o sujeito se via às voltas
que a mulher não é portadora de pênis, a com dificuldades para simbolizar esse real.
comprovação de que todos os homens são O caso Hans é paradigmático para
mortais e até mesmo o resultado de um nós, no que se refere aos impasses da
exame de paternidade podem ser falseados criança para metaforizar o encontro com
pelo inconsciente. Este se apoia em outra o real do sexo enquanto gozo do órgão. O
prova de verdade, uma prova que afeta o sujeito encontra um drama que o divide:
mais íntimo das razões do sujeito. o gozo provoca nele o que Lacan chamou
Vimos ainda que o inconsciente tem de um “esquartejamento pluralizante”, que
uma dificuldade estrutural para responder fraciona a unidade de seu corpo que até
à excitação e às sensações corporais que então se organizara em uma unidade
invadem o sujeito desde a infância. O sexo especular, a partir da identificação com o
chega às crianças como um encontro com falo imaginário (i(a)). E a introdução do
um gozo real que deverá ser interpretado. real no imaginário.
A criança se coloca a trabalho diante desse Em um primeiro tempo, Hans
gozo, buscando interpretá-lo com os interpreta o gozo do órgão com os
recursos de que dispõe. significantes que lhe são disponíveis em seu
As primeiras sensações genitais da mundo. Assim, ele diz que seu pipi pula e
criança são muito perturbadoras porque ela morde como um cavalo. Vemos, no
não pode nem identificá-las nem localizá-l^s. entanto, que esses significantes são sempre
O órgão genital pode inclusive parecer estar insuficientes para dar sentido a esse gozo
fora do corpo. A criança recorre à linguagem que Lacan chama de hetero, isto é,
Instituto pç Psicanálise e Saude Mental de Minas Gerais
Pâpeis de Psicanálise v.l n.1 ahr. 2004
O
homem. Assim, cada sujeito deve fazer uma escolha forçada
para se inscrever do lado homem ou do lado mulher, nos
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representar a falta que regula a sexualidade, que o sujeito se
porá na via da sexuação. E na construção dessa lógica que
encontramos muitos sujeitos em um impasse.
“Quero ser uma menina” — O que poderia ser uma
tal demanda por parte de um menino?
l-.Sil-l.-C c-' PsiCAI.ALiSF F S A I. n ■ M ‘ NI A l DF M IN S G F R AI S
Para esclarecer essa questão, que penso a porta do banheiro e me diz que tinha pensado
não ser própria a uma determinada estrutura, que ali havia um buraco no qual ele poderia
mas apontar para o cerne de uma resposta cair. Temos aqui então colocados pelo sujeito a
para a criança que, às voltas com a subjetivação mãe, o pai, a criança e a falta que aparece no
de seu sexo, encontra problemas para regular registro do falo imaginário, ou ainda como real,
o gozo pela via simbólica, gostaria de discutir já que a articulação com o falo simbólico parece
dois fragmentos de duas análises que tiveram para ele problemática. Ele diz que quer fazer
início a partir dessa demanda. um desenho para mim. E o olhar do analista
Não preciso dizer que se trata de uma que ele busca de início capturar, a partir de
demanda que, certamente, angustia os pais e suá habilidade em desenhar. Primeiro uma
que recebe, por parte deles, uma resposta paisagem que ele sabe fazer muito bem e
pedagógica. A imputação à criança de depois uma pintura. Pinta um vestido longo.
homossexualidade, esboço freqüente de Cai um pingo de tinta fora do vestido e ele me
feminização, por parte dos pais, da família e diz que aquilo “era um buraquinho, mas que
até mesmo da escola, encabeça uma série de não ia nem ligar pra elé”. Mais uma vez aqui
acusações que aludem a um gozo desenfreado. aparece a falta como algo que ele sabe que
existe, mas que mesmo assim... ele encobre.
Ser menina — uma solução imaginária Vai misturando as tintas sobre o desenho e
André tem cinco anos e seus pais se quando pergunto o que era aquilo, me diz que
queixam de seu comportamento bastante ele era um homem que não queria contar nada
efeminado, muitas vezes rebolando, para uma menina curiosa.
“desmunhecando” e falando de forma Um dia canta uma música como se íòsse
enfatuada. Eles se sentem bastante em outra língua: “assombraumanautiesó”, a
incomodados, pois não querem que seu filho que eu pergunto: “o que assombra uma noite
seja discriminado. O pai lhe diz só?” Ele continua cantando e desenha nuvens
constantemente que esse não é um e fumaças saindo de plantas no meio da noite.
comportamento de homem e busca corrigi-lo. A partir de então se mostra bastante silencioso,
André é um menino criativo e tem muitas vezes fazendo mímicas para se
um irmão dois anos mais novo. comunicar. Parece que sobre o que acontece à
Quando o vejo pela primeira vez, ele noite André não quer falar.
me diz que tinha vindo para resolver um Gosta de fazer máscaras, óculos com
problema, mas que nãò queria me contar o os quais ele se fantasia para enganar a mãe.
que era. Diz-me que seu pai estudou no Vai dessa maneira contornando esse objeto
colégio perto de meu consultório. olhar que para ele é privilegiado. Como em
uma mascarada, ele brinca de sér o falo.
Ele estudou, depois ficou adolescente,
depois estudou medicina, casou, saiu Busca se sentar confortavelmente, fazendo
um neném da barriga da mamãe, dois uso de todas as almofadas, quase que como
nenéns e ele foi estudar sobre mamas. em um trono, e me dá ordens. Passa a querer
Fala que tem uma semente na barriga levar sempre seus desenhos para a mãe.
da mãe que cresce e vira neném. Tem um Em uma ocasião, desenha ele
cordão que vai alimentando o bebê até ele mesmo, confortavelmente deitado em cima
crescer e que depois é cortado. Como o bebê de úma montanha, à beira da praia. Estão
sai, sua mãe é que sabe. presentes seus pais, tios, seu irmão e uma
Se André não formula a questão de tia que traz seu filho agarrado nela.
sua posição subjetiva da mesma maneira que Termino a sessão e digo que aquele
seus pais, podemos observar que ele me diz desenho do filho agarrado na mãe iria ficar
que seu pai tem o olhar dirigido não para a comigo. Ele fica transtornado, começa a
mulher, mas para a mãe, e que a questão da chorar e a berrar que aquele desenho era
separação entre a criança e a mãe fica sob a para sua mãe. Dirijo-me à sua mãe e lhe
jurisprudência da mãe. Ele se apresenta digo que tenho certeza de que ela poderia
como um sintoma do casal, sendo que a / ficar sem aquele desenho. Ela responde
questão da assunção subjetiva de seu sexo que sim, mas ele continua enfurecido. A
está articulada à castração materna. tentativa aqui é a de fazer vacilar sua
André me pergunta o que há atrás identificação com o falo, fazendo incidir a
daquela porta. Digo que ele pode olhar. Abre falta sobre a mãe.
____________________ Dossier
Como o sfxo chega às crianças:
parece dar um contorno a seu corpo, às No final do ano passado, a mãe chega
vezes, sua dificuldade em lidar com ele bastante assustada, dizendo-me que Bernardo
aparece de forma mais clara. Ao voltar de lhe havia dito que queria fazer uma operação
férias, por exemplo, conta-me que um dia para virar mulher. Aqui podemos pensar que,
havia ficado enjoado, vomitando, que a mãe por faltar a máscara do pai simbólico, surge
ligou para a médica e essa figura do gozo ilimitado que é A mulher.
Bernardo me diz que sua mãe lhe havia dito
— sabe o que eles inventaram agora?
Um remédio que não se toma pela que aquilo era uma bobagem, e que ele ficara
boca, mas pelo bumbum. Mamãe pôs pensando que ela tinha razão, já que ele não
com luvas, é claro. teria mais como fazer xixi. Digo-lhe que
No dia seguinte, ele continuava deveríamos falar mais sobre isso.
passando mal, mas não disse nada para não Em um sonho, ele e os primos estavam
ter que tomar mais daquele remédio — Já brincando de procurar prêmios escondidos
pensou se eles inventarem üm remédio de no jardim. Quando ele levanta um pano
enfiar no pinto?” pensando em encontrar esse objeto precioso,
Relata-me que sua mãe teria que o que ele encontra é uma pantera. Sua
fazer uma operação à laser naquele lugar estratégia é fingir de morto, e, quando a
de ter neném. Ele antes queria ser pantera sai, ele corre para pegar uma
médico, mas depois pensou que eles mênininha no colo e salvá-la da pantera. Entra
mandam os mortos para a faculdade de com as crianças na casa e lá tampam todos os
medicina para os estudantes abrirem. Ele buraquinhos para ela não entrar. Quando
acha isso muito nojento: pensam que não tem mais perigo, saem da
casa, mas a pantera volta e pede a ele que lhe
— Imagina um médico abrindo a
perereca para operar uma mulher. dê tudo de valioso, senão ela iria comer todos.
É horrível ter que ver aquelas coisas, Ele pega umas coisinhas, brinquedos,
olhar lá dentro. dobraduras de papel dourado, salva os colares
Pensou também em ser advogado, da mãe e entrega tudo dizendo que era ouro.
como o pai, mas desistiu dessas duas A pantera lhe pergunta se ele estava querendo
profissões. Prefere mesmo é ser músico, enganá-la. Ele diz que vai procurar outra coisa
que todo mundo gosta e ainda pode e encontra uma varinha mágica com a qual
ganhar muito dinheiro, para comprar transforma a pantera cm um carneiro com
vários objetos para a mãe ou para o pai: dez filhotes, e, em seguida, em formigas, que
presentes, enfeites, um carro. ele mata com inseticida.
Lacan, que insistiu tanto em demarcar Nesse sonho, aparece de forma mais
o momento do desencadeamento na psicose, clara que esses objetos preciosos não são
mostrou-nos como ele é mais difícil de ser de grande valia para regular a boca
precisado em relação às crianças e que a devoradora do Outro. Mesmo assim, é essa
posição psicótica da criança deve ser buscada a sua estratégia, interpor entre ele e o
em sua relação com o fantasma materno. Se Outro objetos para que não seja preciso
não encontramos em Bernardo um desenca- oferecer o real de seu corpo. .
deamento, buscamos referências para Assim, se, para André, o querer ser
determinar sua estrutura. O que falta a esse uma menina se verificou ser uma forma de
sujeito não é o uso das riquezas da língua, se mascarar de falo da mãe, para Bernardo,
mas uma articulação regulada de seu ser de querer ser uma menina é uma resposta ao
gozo com o campo da linguagem. Assim, se gozo transexualista desregulado que o
ele não apresenta fenômenos de imposição, invade. O tratamento, tal como a posição
tais como alucinações, em algumas ocasiões, do analista, de forma diferente, buscaram
alguns fenômenos de borda, marginais em uma nova articulação com o gozo para cada
relação ao conjunto de questões que ele traz, um desses sujeitos.
podem ser observados. Por exemplo, ao
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
chegar à análise, ele disse à mãe que iria
■ í
a uma ginecanalista. Uma vez, ao LACAN, Jacques. "Nota sobre a criança". In: Outros escritos.
Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003
desenhar um capeta, o fez com uma capa
preta, perguntando-me se eu não sabia MILLER, J-A. Os seis paradigmas do gozo. Opção Lacaniana,
São Paulo, n.26/27, abril 2000.
que ele chamava capeta porque usava
LAURENT, Éric. "Répondre à I' enfantde demain". In: Archivesde
uma capa preta. Psychana/yse - LesmiHè et une fíctions de /'enfant, aAgalma, Paris.
Cristiana Pittella de Mattos
É o que Frèud ensina em seus Aqui, não podemos mais nos referir
“Três Ensaios sobre a sexualidade” ao universal da frase — “quero ser uma
(1905), ao ampliar o conceito de menina” —A e B tentam solucionar, cada
sexualidade, partindo desse conceito- um a seu modo, cada um como pode, esse
chave: a pulsão. Tomando as análises dos problema real.
processos perversos e da evolução da Essas crianças demonstram, cada
sexualidade infantil, Freud vai destacar uma a seu turno, o que tentam
o extraordinário polimorfismo das solucionar: trata-se do problema da
manifestações da sexualidade no incidência do significante que produz e
homem. faz barra ao gozo.
Essas crianças ensinam que a
entrada do homem na linguagem — a A solução de A: “quero ser uma menina”
incidência do significante — produz gozo. Essa questão “do que se é” é
E o gozo fraciona o corpo da criança —
formulada, como dissemos, a partir do
são as marcas de gozo, a multiplicidade de
batimento do Outro materno, do lugar do
Sl, isso que Freud chamou do
Outro da linguagem. E, se o sujeito
polimorfismo pulsional.
encontra no Outro o significante do NP,
A criança está à mercê de toda
ele poderá dar um sentido, uma
presença e ausência do Outro iriaterno,
circunscrição ao gozo. Esse sentido é um
que propicia satisfação, insatisfação, frio,
sentido fálico, ou seja, o gozo é coordenado
calor, claro, escuro, canta, silencia, olha e
ao falo enquanto significante.
se vira... deixando, assim, marcas
A criança, portanto, vai identificar
psíquicas. A falha se apresenta, nessa
o desejo da mãe direcionado ao falo: o
presença e ausência, como primeira
desejo da mãe é o falo que se presta a
apreensão do simbólico — que Lacan
localizar e dar uma proporção ao gozo.
nomeou de “esse Outro caprichoso”.
Então, para responder à questão do
O simbólico se constitui a partir da
que ela é, para responder à questão do ser,
experiência dessa presença e ausência que
a linguagem propicia. E essa falta a criança se identifica ao falo, encontrando
assim um lugar no Outro.
fundamental, castração imposta pela
Podemos dizer que a criança diz:
linguagem, que permite ao humano
perguntar-se sobre o que é, perguntar-se “sou isso”, o que o Outro quer. Em um
primeiro momento, a criança se identifica
sobre o sentido de sua existência.
com a imagem, a partir dàs interpretações
E essas duas crianças mostram que
que ela dá ao desejo do Outro, o que já
a questão do sexual é uma questão de
existência. Essa questão, de saber o que lhe permite uma condensação do gozo.
Essa identificação, essa localização
se é, se encontra situada para o sujeito
do gozo pelo falo, só é possível porque,
anteriormente à questão do reconhe
como tão bem demarcou Cristina a partir
cimento da diferença sexual. Ela é
anterior à simbolização de sua anatomia, da fala de A, o sujeito está articulado às
coordenadas que são próprias à
ao fato de se ter ou não o pênis.
E é porque estamos diante desse
estruturação edípica.
problema real, libidinal, que podemos Temos o pai,
perguntar o que somos. O que sou nessa
que estudou para ser adolescente,
história? Qual o sentido desse gozo? Somos para se casar, para ser pai e...
forçados a responder a essa questão, para continua estudando sobre as mamas,
fazer uma circunscrição e dar uma solução os “mamás”.
à experiência do gozo.
Cristina, enquanto analista, São significantes que orientam o
possibilita, - no tratamento dessas sujeito, e eles advêm do modo como esse
crianças, que esses dois sujeitos possam pai escolheu sua parceira: “a mãe tem o
encontrar uma solução para isso de que saber”. Esse pai ama uma mãe e é nela
elas falam, e que é a nossa questão: o real que ele supõe um saber: um saber sobre
do gozo. como o bebê sai. Temos a crianÇa que,
Como o sexo chega às crianças
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
que a pulsão implica, portanto, o lugar do como resposta que é na interação dos
Outro, reduzindo assim a psicanálise a instintos com o meio ambiente, e que cabe
uma psicologia do desenvolvimento, sendo ao ambiente, aos pais, aos educadores,
esse mobilizado pelo jogo de frustrações promover o governo da pulsão.
ou gratificações maternas, que constitui Nem naturalista, nem tampouco
uma espécie de gatilho dos fatores ambientalista, Lacan foi buscar uma
pulsionais constitucionais. Os analistas de concepção estrutural da sexualidade, o qué
crianças acreditaram na chance de permite uma outra leitura dos “Três
verificarem as hipóteses sobre a pretendida Ensaios”.
evolução pulsional na análise de crianças.
Por exemplo, essa prática poderia se O falocentrismo segundo Lacan
prestar a evidenciar muito bem os Para Lacan, o desenvolvimento
progressos da etapa pré-genital à genital, pulsional se ordena na dialética da
a passagem das relações de objeto parcial demanda de amor e da experiência do
às relações com o objeto total, ou quaisquer desejo, nascida na relação da criança com
outros índices da maturação do sujeito, a mãe. Essa dialética se encontra na base
segundo uma perspectiva geneticista do falocentrismo da vida sexual. O
Além da vertente naturalista, outra desenvolvimento pulsional, que está
vertente de leitura dos “Três Ensaios” submetido à dialética da demanda e do
remete aos defensores do papel do desejo no seu âmago, coloca em jogo o
ambiente na vida sexual, os ambientalistas, encontro com o falo. O encontro do desejo
que, tanto quanto os naturalistas, do Outro faz surgir o objeto que falta,
incorreram no mesmo desconhecimento aquele que, em última instância, a criança
da especificidade do fenômeno analítico, demanda à mãe e que, justamente, é o que
embora se tivessem enveredado por outro ela não tem. Podemos ler, com Lacan, a
descaminho. Podemos identificá-los com a primazia do falo no desenvolvimento
posição culturalista, que, apesar de pulsional, isto é, sua interpretação do
reconhecer a importância da relação do falocentrismo freudiano:
homem com a. linguagem, trataram-na
como fenômeno de comunicação social e O falocentrismo produzido por essa
de efeito apenas utilitário. Foram dialética é tudo o que ternos a reter
aqui. Ele é, bem entendido,
incapazes, portanto, de articular o social
inteiramente condicionado pela
ou o cultural com o estrutural, o que intrusão do significante no psiquismo
certamente os teria situado menos do homem e estritamente impossível
distantes de Freud na leitura da questão de deduzir de qualquer harmonia
preestabelecida do dito psiquismo
do sexual. Sob a égide da influência do com a natureza que ele exprime.
papel do ambiente na determinação do (LACAN,1958/1998:561.)
desenvolvimento da sexualidade,
preconizaram a conjunção da psicanálise Destaco, nesse parágrafo citado,
com a educação sexual, ou seja, uma duas passagens: “a intrusão do significante
educação que viesse a atenuar, até mesmo no psiquismo” e a suposta “harmonia
a anular, a dimensão traumática do preestabelecida do psiquismo”. A intrusão
encontro com o sexual.. Trata-se de do significante no psiquismo, com suas leis
privilegiar o Outro enquanto realidade e próprias, submete todo sujeito ao jogo dõ
não como lugar evocado pelo recurso à significante, cujo fundamento é o perpétuo
palavra. A psicanálise com crianças, dessa deslizamento do significado sob o
maneira, se reduziu a uma pedagogia da significante e do significante sobre o
vida sexual, mais do que a uma psicologia significado. O significante é introduzido
do desenvolvimento. Podemos citar Anna pela demanda. O desejo é a
Freud como representante dessa vertente impossibilidade de uma palavra que
de leitura do sexual. Se perguntássemos a estabeleça um acordo, uma adequação
um seguidor de Anna Freud como o sexo entre significante e significado. Então,
chega às crianças, certamente teríamos temos que
a incidência concreta do significante Quando anulamos qualquer outra
na submissão da necessidade à coisa, seja ela imaginária ou real, por
demanda que, recalcando o desejo isso mesmo a elevamos ao grau, à
na posição de desconhecido, dá qualificação de significante. (LACAN,
ao inconsciente sua ordem. 23/04/1958/1999:356.)
(LACAN,1959/1998:717.)
O privilégio do significante falo requer
O caráter intrusivo do significante no que o apreendamos na sua afinidade com o
psiquismo significa, primeiramente, que o significante e com a barra existente entre
que é da ordem do sexual, aprendido significante e significado, o que justifica que
segundo a lógica do significante, vem do Lacan o tenha empregado como um
Outro, e sempre arbitrariamente. algoritmo. Como algoritmo, quer-se dizer
Diferentemente do que pensaram os pós- que o falo é o significante da operação de
freudianos, a castração não pode ser significantização, isto é, ele corre no fundo
deduzida simplesmente do desenvolvimento de qualquer assunção significante, de onde
das fases da libido. Ela implica radicalmente decorre sua afinidade com a barra. A barra
a ação da linguagem sobre a vida. é um dos modos de elevar à dignidade de
Ao contrário dos ideais da significante tudo o que não é significante, o
genitalidade, Freud constatou um paradoxo real. A elevação de um objeto ou de uma
intrínseco à assunção de seu sexo pelo imagem à condição de significante implica
homem, uma vez que a assunção do sujeito que esse objeto ou imagem sejam
a uma posição sexual supõe uma condição dessubstantivados, desimaginarizados, ou
de ameaça e até de privação. Em “O mal- negativizados, na operação metafórica, quer
estar na civilização” (FREUD, 1930.), dizer, implica que o gozo seja castrado. O
encontramos indicações do problema de falo tem, para Lacan, o privilégio de ser o
uma desarmonia essencial e não contingente próprio significante da barra, que só pode
na sexualidade humana. Assim sendo, sem desempenhar seu papel enquanto velado,
eliminar o problema do desenvolvimento da isto é, não disponível no Outro.
sexualidade, ao contrário, reconhecendo-o, Como exemplo do emprego do falo
mas articulando-o com a estrutura de como algoritmo, temos que a geração, a
linguagem do inconsciente, podemos dizer, reprodução, o ser vivente do sujeito, o gozo
com Lacan, que a sexualidade sofre a sexual estão para serem significantizados
incidência sincrônica do falo sobre a e que todas essas coisas reais são elevadas
diacronia do desenvolvimento. Há, por um à função de significante graças ao falo.
lado, no que diz respeito à genitalidade, em Porém, resta algo do real que não se reduz
um dado momento do desenvolvimento ao simbólico com o significante falo.
infantil, um salto que comporta uma No que diz respeito ao nosso tema,
evolução, uma maturação; por outro lado, o falo e a diferença de sexos, interessa-nos
há o Édipo, complexo que promove a pensar a função do falo na significantização
assunção do próprio sexo. Para escrever o do gozo sexual para ambos os sexos, o que
desenvolvimento nessa perspectiva lacaniana viabiliza a subjetivação da posição sexual
da estrutura, encontramos uma fórmula do sujeito. Como conseqüência da intrusão
proposta por Geneviève Morei, em El goce do significante, o gozo deixa de ser aquele
sexual (MOREL,1992-93:18.), que articula o do ser vivente, isto é, aquele que Lacan
desenvolvimento à castração: chamou de gozo puro, prévio, e que se
deixa reduzir ao significante, o que o
desenvovimento transforma em gozo fálico, sexual. Temos,
~(p portanto, uma operação que transforma a
“coisa sexual”, isto é, a falicização do gozo.
Sc as coisas, inclusive as coisas do De uma parte, o falo é um significante que
sexo, se relacionam com a ordem do logos, ordena, no inconsciente, o que é desejável
visto que a linguagem as penetra e as para o sujeito, isto é, o que é possível ser
subverte, o falo é o significante da anulação ordenado segundo as leis da Outra cena;
da coisa: de outra parte, Lacan o contrasta com o
EH Instituto de Psicanálise e
Pápeis de Psicanálise v.l n.1
Saúde Mental
abr. 2004
de Minas Gerais
significante, já que nem tudo da libido é sexual é incompatível com uma estrutura
capturado pelo significante. Nem toda sem fenda, sem falta, sem divisão. Essa é
libido é mortificada pelo significante, o que uma das conseqüências da correlação falo-
está na base da articulação do falo ao gozo, castração, na qual podemos fundamentar,
questão que se apresenta de modo mais com Freud, a tese da divisão entre a
contundente na teoria lacaniana do falo, no realidade sexual dó inconsciente e a pulsão,
início dos anos 60. Nesse momento, podemos que aí só se inscreve parcialmente.
identificar o paradoxo do significante falo, isto
é, sua interface entre significante e gozo. De
uma parte, enquanto -cp, ele negativiza o gozo, NOTA
imagem desejada; por isso é que ele é FREUD, S. "Três Ensaios sobre a teoria da sexualidade" (1905).
igualável ao -1 da significação, In: Strachey Ed. ESB. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1976 (Edição
produzida acima, do gozo que. ele standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud, V.7).
restitui, pelo coeficiente de seu
enunciado, à função de falta de . História de uma neurose ihfantii.Àvw Strachey Ed.
significante (-1). (LACAN,1960/1998:837.) Rio de Janeiro: Imago, 1976 (Edição standard brasileira das
obras psicológicas completas de Sigmund Freud, V.17).
pelo significante, no intervalo da cadeia . Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. In:
Strachey Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard
significante. A fantasia é a estrutura com a brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, V.10).
qual o sujeito pode manejar a presença real . "Algumas consequências psíquicas da distinção
do desejo, que remete a certa positividade do anatômica". In: Strachey Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
(Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
gozo, e que fantasmaticamente o neurótico Sigmund Freud, V.19).
tenta ordenar. . "Sexualidade Feminina". In: Strachey Ed. Rio
Se, então, perguntássemos a Lacan, de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, V.21).
como o sexo chega às crianças, certamente,
. Conferência XXXIII, "Feminilidade". In: Strachey
teríamos como resposta que o sexo chega
Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976. (Edição standard brasileira
às crianças no encontro com o falo. Isso quer das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, V.22).
dizer que a incidência da função sexual no LACAN, J. As psicoses, O Seminário, livro 3. Rio de Janeiro:
desenvolvimento infantil é essencialmente Jorge Zahar Editor, 1985.
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Homem dos Lobos. Entretanto, uma série de outros casos
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de fobia infantil recebeu o comentário de Freud,
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especialmente em Totem e Tabu. Encontramos, nesse artigo,
A' ® t AS . primeiramente, uma história clínica relatada por Karl
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®®®®®:Á®1®; Abraham, de uma criança que sofria do medo de vespas.
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O caso de uma outra criança, um menino de nove anos
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que sofria de uma cinofobia, atendido pelo Dr. M. Wulff,
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infância. E, por fim, o caso do pequeno Arpád, cujo relato
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se deve a Ferenczi. Vamos retornar o caso Arpád, de
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pelo caso atendido por Helene Deutsch. São crianças que
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revelam, cada uma a seu modo, um interesse inusitado
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■■ por galinhas. O estudo comparado desses dois casos indica
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diferentes respostas da criança ao encontro com a
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experiência infantil de gozo, a saber, a resposta fóbica e a
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resposta perversa.
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A A..A-® A®®®S®,A® Para além da clínica, é patente o interesse teórico de
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Freud pelas fobias em diversos momentos de sua obra.
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Seu estudo sobre o assunto se desenvolveu, produzindo as
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XA®®a®®< ®®®®A- seguintes articulações: 1) fobia e a sexualidade infantil em
1909; 2) fobia e o pai em 1913; 3) fobia e o binômio falo-
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perturbações, e eu mesmo sou de opinião que estas
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podem mostrar não ser de natureza uniforme.
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A A A A As®-®-s». .. (FREUD,1913/1976:155.).
EH ItJSiiiuTG de Psicanálise e Saúde Mental oe Minas Gerai;
Pápeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
carência do pai real. O que especifica o Àrpád parece ter construído sua escolha de
recurso fóbico é que com ele supre-se a objetos, que foi expressa no seguinte
carência do pai com o significante, como, por enunciado endereçado à esposa do vizinho:
exemplo, o significante cavalo e sua função
para o pequeno Hans. A maneira de um vou me casar com você, com sua
totem, o cavalo de Hans e toda a análise do irmã, minhas três primas e com a
seu medo revelaram uma atitude típica do cozinheira; não, com a cozinheira,
não; em vez dela, casarei com minha
complexo de Edipo. Sintomaticamente, ele mãe. (FREUD,1913/1976:158).
deslocou os sentimentos ambivalentes
endereçados ao pai para o animal. Freud Ao contrário do que se passou com
comenta a operação de deslocamento que Hans, o interesse desse garoto pelas galinhas
sustentou o sintoma: não se baseou diretamente no conflito
edípico, não se sustentou através do mesmo
... alguns casos de fobias desse tipo tipo de deslocamento descrito anterior
dirigidas no sentido de animais
maiores mostraram-se acessíveis à mente, e nem tampouco se valeu do registro
análise e revelaram assim seu do simbólico como resposta à questão do
segredo ao investigador. Era a gozo. Enquanto que o interesse de Hans por
mesma coisa em todos os casos: cavalos se inscreveu em uma formação do
quando as crianças em causa eram
inconsciente, isto é, em um sintoma, para
meninos, o medo, no fundo, estava
relacionado com o pai e havia Àrpád, ali onde deveria estar o sintoma
simplesmente sido deslocado para o fóbico, encontramos uma identificação.
animal. (FREUD,1913/1976:155.) Segundo Freud, o interesse pelo animal
totêmico, nesse caso, ancorou-se nos
Porém, a carência paterna poderá impasses do narcisismo do sujeito, isto é, na
ser suprida com outros recursos, precondição narcisista do complexo de
precisamente com o recurso da imagem, e Edipo. Com Lacan, diríamos, portanto, que
não do significante. Isso vai fazer o que está em jogo é a prevalência do registro
fundamentalmente a diferença entre fobia do imaginário como resposta à questão do
e perversão, como poderemos ver, gozo, o que é característico da perversão. O
comparando os dois casos, o do peqúeno que vemos é a total identificação do menino
Hans e o do pequeno Àrpád. com o animal totêmico.
O pequeno Àrpád, aos dois anos e A cena vivida no galinheiro não teve
meio de idade, tentara, certa vez, urinar no para Àrpád o valor de castração imaginária.
galinheiro, e uma galinha dera uma bicada Conforme afirma Bernard Nominé,
na direção do seu pênis. Quando voltou ao
mesmo lugar, um ano depois, ele préprio o significante fóbico e o fetiche
transformou-se em uma galinha. Seu único designam duas posições distintas do
interesse era o galinheiro e o que lá se sujeito frente à castração: causa de
horror para Hans, já que ilão é
passava, tendo trocado o falar humano por simbolizada, causa de gozo para
cacarejos e cocoricós. Dessa maneira, Àrpád, já que a negou e a converteu
gratificava a sua curiosidade sexual, cujo em uma cena imaginária.
objeto real era a vida familiar humana. (NOMINÉ,1997:65.)
Algumas frases eram significativas de sua
localização subjetiva, tais como “meu pai é As duas faces do elemento fóbico:
galo”, ou “agora sou pequeno, sou um significante e objeto
frango”, ou “quando ficar maior, serei uma O caso relatado por Helene Deutsch,
galinha e quando for maior ainda, serei um comentado por Lacan, na lição de 07/05/
galo”. Em uma ocasião, disse também que 1969 do seminário De um Outro ao outro,
gostaria de comer um pouco de “fricassée nos trouxe vários avanços. Algumas
de mãe”, por analogia com o fricassée de considerações substanciais sobre a teoria
frango. Era muito generoso em ameaçar da fobia foram viabilizadas pela
outras pessoas com a castração, tal como ele reformulação do conceito de falo e pelo
próprio fora por ela ameaçado, por causa aparecimento do conceito de objeto “a”.
das atividades masturbatórias. De acordo Nos anos 60, Lacan fez do falo uma
com a observação da vida no galinheiro, função 0(x) cujo valor se funda na existência
, I Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas GeraJJ_______
I Pápeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
da exceção paterna. Uma vez que esse lugar desaparição do desejo”. A fobia ancora o
da exceção não se encontra assegurado pelo sujeito no campo do desejo, mediante a
pai na fobia, é o sujeito que corre o perigo ameaça de um gozo devastador. A fobia
de ocupá-lo. A fobia, portanto, enquanto debela a angústia que decorre da presença
função simbólica, é definida como um do objeto, quando, precisamente, o sujeito
obstáculo a essa situação. A função simbólica se vê no abismo cavado pelo desvestimento
da fobia advém da função O do significante imaginário do objeto “a”. No exemplo
falo. Trata-se de um significante especial que citado, vemos como tudo transcorreu bem
tem o papel bem de assegurar a com o menino, enquanto ele pôde manter
estabilização de certos estados, como o seu valor narcisista, isto é, seu valor fálico
estado de angústia. O elemento fóbico para a mãe, ao se identificar à galinha
transforma a angústia em medo localizado, querida, a algo do tipo fazer-se a galinha
constituindo um ponto de estagnação, um dos ovos de ouro de sua mãe. Esse engano,
pilotis, como nos diz Lacan, em torno do característico da dialética imaginária da
qual se agarra aquilo que vacila, desde a relação mãe-criança, foi, de repente,
irrupção de uma crise, mediante a rompido, quando seu irmão maior o tomou
experiência infantil do gozo. Se, por um por detrás e o manteve prisioneiro, dizendo-
lado, a fobia constitui um prejuízo ao
lhe: “eu sou o galo, tu és a galinha”. Essa
desenvolvimento da criança, pòr outro, ela
cena constituiu o fator desencadeante e
defende o sujeito de uma angústia
traumático, que promoveu a instalação da
impossível de suportar.
fobia de galinhas.
Então, vejamos o que se passa na
O que é particular desse caso e que
relação do sujeito ao Outro. A castração
é uma questão freqüente nas fobias é o
introduz a passagem do Outro da
problema da discordância fundamental
demanda ao Outro do desejo, quando se
entre a imagem do corpo e o objeto “a”
articulará para o sujeito a questão do seu
sexo. A pulsão sexual é o que introduz um que a imagem reveste. Podemos localizar,
desacordo no diálogo da mãe com o filho. nessa história clínica, a crise que se instalou
Se esta até então se colocava como para o menino, a partir da vacilação da sua
intérprete das demandas, quando emerge identificação imaginária no circuito do
o desejo, ela não responde. Ao encontro desejo materno, com a conseqüente
com a castração materna, com o desejo do presentificação do objeto “a”. O
Outro, respondem os efeitos sintomáticos significante fóbico foi extraído da imagem
do complexo de castração. A narcísica que revestia o objeto. Através
presentificação do desejo sexual, a dele, o sujeito tentava restaurar a disjunção
presença real do falo, coloca para o sujeito entre i e a, na qual a angústia pode afetar
um impossível de suportar em relação ao o corpo. Enquanto objeto, a galinha passou
qual o sintoma neurótico traduz o manejo então a causar a repulsa do sujeito, ali onde
possível do símbolo i>. O significante fálico houve o encontro com o gozo.
funciona enquanto <t>, pois vem no lugar
do significante faltoso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Aqui é na vanguarda, bem à frente FR E U D, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos. Rio
do furo, da hiância realizada no de Janeiro: Imago, Strachey Ed., 1976. (Edição standard brasileira
intervalo onde ameaça a presença das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, V.10).
real, que um único signo impede
________ . Totem e Tabu. Rio de Janeiro: Imago, .Strachey Ed.,
o sujeito de se aproximar.
1976. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
(LACAN,1961/1992:256.)
completas de Sigmund Freud, V.13).
♦
xa>\ t 11 ta • A criança como sintoma: a tese de que a criança se
• gA»<Art •- #«
. S| #.•'<
oferece ou oferece seu sintoma em resposta ao que há de
♦ • *- e -# • ■«. ♦ » «
rifo# Ag» 4.4
sintomático na estrutura familiar;
O i.ama» a# ♦«««
• O sintoma da criança: que viria a particularizá-la,
saias trazendo sua resposta ao que há de sintomático na
o:sr.»4iLis«.exf
...... |4ir0rÍ^W-84ftS|.,4 estrutura familiar.
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Lacan também anota que, se o sintoma da criança diz
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respeito à subjetividade da mãe, a criança pode vir como
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Na análise de Lacan do romance familiar freudiano,
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encontramos um sujeito que responde com um sintoma
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àquilo que se articulou como um fantasma sobre a
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sexualidade da mãe. gg gg g- gg gg g gg g gg gg gg 4 g ggg g gg. gg gg gg gg gg g ggg ggg gg gg- g ggg ggg g g ggg gg gg gg ggg
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Dizer que a mãe é “certíssima” contribuiria para lidar
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com a incerteza da paternidade. Porém, a questão que se
coloca é que, se há uma certeza acerca da maternidade, não
há tanta com relação ao gozo da mãe, ou a seu desejo.
Para Freud, o sujeito vai formular uma questão que
se dirige ao pai, a seu gozo, e outra, que se dirige à
sexualidade da mãe, a seu desejo: trata-se de construir uma
versão gelo romance familiar, g g gg gg gg gg gg g gg gg g g g g g gg gg g gg gg g gg g gg g g gg gg ggg ggg
Em uma versão, Freud refaz o fantasma da prostituição,
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A#® AA4AA«AA que remete à infidelidade da mãe, novamente a seu desejo. O
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sujeito a se ver às voltas com seu próprio desejo.
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No caso de Paty, cinco anos, a mãe a apresenta em dois
tempos: em uma primeira entrevista, chega aos prantos e diz
que estava absolutamente chocada com o que havia
acontecido. Consegue, com dificuldades, contar que o motivo
que a trazia ao tratamento era um acontecimento traumático
— havia encontrado a filha, de cinco anos, fechada em um
armário, quase despida, com seu primo de s'ete anos.
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de;Minas Gerais
Pápeis dé Psicanálise v;l n.1 ásr. 2004
SMS w
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais_______
e alto, a dizer que não quero que ela dê o LACAN, J. Nota sobre a criança.,In: Outros Escritos. Rio de
Janeiro:'Jorge Zahar, 2003
desenho para o seu pai. Digo-lhe que
posso ver que ela, uma menina de cinco
anos, gosta muito de seu pai. Ela
concorda, pára de chorar, e termino a
Maria de Lourdes Motta Machado
Assim, Diogo chegou, sem nenhum Moisés. Com um discurso confuso, diz que
estranhamento, como se já nos dormiu lá na casa dele. Pergunto como é
conhecêssemos há muito tempo. lá. “Sujo”. Em uma outra vez, mostra-me
Mexe desordenadamente nas peças seu tênis e diz que ele é de sua mãe. Diz
do quebra-cabeça, perguntando: “Encaixou? que sua mãe é cheirosa. “Como assim?”
Encaixou?” Ao que eu respondo: “Eu que te “Porque eu gosto dela”. Em outra ocasião,
pergunto, encaixou?” A partir de então, mostra-me a meia, dizendo que ganhou de
passa a utilizar a mesma frase: “eu que te aniversário. “Quem te deu a meia?” “Todo
pergunto”, em outras situações. Identifica mundo”. “Quem estava na festa?” “Todo
pedaços de partes do corpo, mas não sabe mundo”. “Como, se eu não estava lá?”
relacionar as partes entre si. Gansa-se e pega “Todo mundo do Palmital”.
um livro, pedindo-me para contar histórias. No início do tratamento, pude
Peço que ele me conte. Vê as figuras, mas só constatar que Diogo realmente apresenta
as identifica como mulher, homem, avô, Não uma grande deficiência na fala. Em muitos
encadeia a história. Diz que não sabe amarrar momentos, é bastante difícil compreendê-lo
sapato. Sua mãe e Rose é que amarram. e repito o que ele diz para certificar-me se o
Desamarra o nó dos seus sapatos e pede que entendi corretamente. Apesar de apresentar
eu amarre. Digo-lhe para ele mesmo certa coerência na fala, ele muda
amarrar, encerrando a sessão. Ele sai da sala bruscamente de assunto. Sempre me chama
e, ostensivamente, põe o pé na cadeira para de tia, e quando pergunto se sou sua tia, ora
sua mãe amarrar. ri, ora diz que sim, ao que respondo que não.
Em outra sessão, Diogo diz que está Segundo sua mãe, Diogo chama todo mundo
virando homem. “Tá deixando de ser de tia, ainda não foi alfabetizado, conhece as
criancinha”, digo-lhé. A mãe tem dito a toda letras, mas tem muita dificuldade de escrevê-
hora que ele está “virando homem.” “O que las. Mesmo no desenho, apresenta um traço
o homem faz que criança não faz?” “Homem bastante infantilizado.
trabalha, tem barba”. Pega minha mão e Diante desse quadro, levanto a dúvida
mostra a barba. Diz que quer ser motorista. diagnóstica: debilidade ou psicose? Ou seja,
Certo dia, Diogo, ao entrar na sala, como nos traz Anny Cordié, estaríamos diante
pede que eu amarre seu tênis, pondo o pé de um bloqueio das operações intelectuais
em minha direção. Digo-lhe que ele mesmo ligado a um interdito de saber ou diante de
amarre. Ele tenta, faz uma primeira laçada, uma impossibilidade radical de integração do
diz que não é assim, desmancha. Digo-lhe saber? E ainda, haveria algo da ordem de uma
que é o primeiro nó. “Não, não é”. Ele fala lesão devido à microcefalia? Diogo, até o
que a mãe dele é quem dá o nó, é difícil. momento, não apresenta nenhum fenômeno
Proponho que ele aprenda a dar o nó. Fala elementar. Mas seu discurso, às vezes,
que não quer. “Por que você não quer”? apresenta fuga de idéias e ele têm uma
“Porque não, tem a escola, tem a Rose”. dificuldade muito grande de se posicionar no
Mostra-me o dedo com mercúrio. Pergunto- tempo e no espaço.
lhe o que era. “Eu comi a unha”. “Por quê?” A mãe me traz a sua dificuldade para
“Pra comer”. “E o que aconteceu com o lidar com algumas atitudes de Diogo: ele, às
dedo?” “Estragou”. Diz que vai tirar o dedo vezéfc, se masturba, e ela lhe diz que ele não
fora, “para crescer outro”, explica-me. Nessa pode fazer assim, no meio da casa, até que
seqüência, ele começa a puxar o forro da com ela pode. Questiono se realmente pode.
poltrona, enrolando-se nele. Pergunto-lhe o Conta que ele só deixa que ela o limpe e que
que estava fazendo e ele me diz: “Estou sem muitas vezes ele fica sujo até ela chegar. Outras
controle”. Convido-o a falar do que estaria vezes, ele a espera para poder evacuar. Até os
tirando-lhe o controle. E continua: “Vou 10 anos de idade, Diogo tinha medo do vaso
rasgar o pano, estragar”. Digo-lhe que aqui sanitário e de dar descarga; hoje, ele ainda
ele não pode estragar e levanto-me para que tem nojo de suas fezes.
ele possa ir embora. Ele se espanta e se Em outra sessão, Diogo conta-me que
acalma. Começa a tirar a camisa e olha para assistiu ao Faustão no domingo, com sua mãe.
o tênis. Lembro-lhe da proposta de que possa “Aonde minha mãe vai eu vou atrás, para
aprender a dar o nó sozinho, afinal, como ficar junto dela, eu gosto dela.” Ele quer ficar
ele mesmo disse, ele estava crescendo. junto de sua mãe, “para não perder o lugar”,
Certa vez, pergunta-me se eu havia diz ele. “Ela cuida de mim, faz meu lanche”.
reparado na bermuda dele. “Quem te deu Chamo a sua atenção para o fato de que é
a bermuda?” “Tanto faz”. “Ah, a pessoa se possível ele mesmo cuidar de suas coisas e
chama tanto faz”? Ele ri e diz que foi o continuar gostando de sua mãe.
Em outro momento, Diogo traz duas “Ela te falou?”, novamente, questiono.
balas Icekiss. Uma, ele me dá, a outra, ele “Ela pensou.”
chupa. Embrulhando a bala, há uma figura “E você sabia o que ela tava
de um menino e de uma menina, eles se pensando?”, sigo indagando.
tocam e desse contato saem faíscas. Diogo “É. Sabia que ela vai dar um beijo
diz que eles estão namorando. “Eu vou dar na minha boca?”
um beijo”. “Em quem ?” “Adivinha?” “Eu “Você está interessado nessa história
não tenho bolinha de cristal”. Ele ri e diz: de beijo?”
“Na Renata”. “Quem é Renata?”
Todos os homens se interessam. Tem
Eu fui ao baile e dancei forró. Meu uma menina que não tira os olhos de
cinto me deu sorte. Sonhei com a mim. Ela tá com ciúme de mim. Nós
Renata... estava dando um beijo nela. gravamos um CD, Sandy e Júnior. Nós
Ela também estava sonhando comigo. cantamos no palco: espero que vocês
gostem. Minha mãe queria que eu fosse
no palco para dançar, mas eu não quis,
“Como é que você sabe?” “Eu sei, eu sou forte. Eu não quis, ia ficar com
porque tava”. vergonha. Eu fui no show, foi uma
Nessa época, Diogo fala algumas vezes surpresa, muita surpresa. Eu fui no
de sua vontade de ser motorista: “É o meu banheiro dos homens. Eu imito a Sandy.
sonho”. Explica-me o que é preciso fazer para Quando escuto, fico pensando na
cuidar do ônibus, deixá-lo arrumado, lavado, Graciela. Sabe o que ela falou? “Eu te
amo”. Ela sorriu, ela gosta de mim, ela
cheirosinho. Ele está ficando mais velho,
fica de olho no meu pão, ela não tira os
mostra-me o braço, depois a perna, um olhos de mim. Só não entendi uma
machucado e também seu “muque”. Fala do coisa. A Graciela tava na aula. A outra
bigode e da barba que estão nascendo. Em tá desesperada porque vou casar com a
outra sessão, diz que ia tirar carteira de Graciela . A outra — Alessandra — mora
identidade. Digo-lhe que nela iriam constar lá no prédio perto de casa, fica me
olhando. A Graciela tá doidinha comigo.
os nomes de sua mãe e de seu pai. Mãe:
Ela tá querendo me beijar, porque ela
“Adelair”, pai: “vô Quintilho”. “Mas ele é seu tá correndo atrás de mim... eu sei que
avô, não é seu pai”. Ele insiste que o avô é seu ela tá querendo... eu trago o lanche para
pai. Faz referência aos ônibus, que cada um ela. Ela tá amando, ela tá querendo
tem seu número. Digo-lhe que a identidade alguma coisa, porque ela tá querendo
pode falar dele, e, então, ele demonstra sua ficar perto de mim. Dei uma caninha
referência às duas pintas que tem na testa —- para ela, de coração. A gente tava
tranquilo se amando no corredor, aí ela
elas mostram que ele é o Diogo.
falou essas palavras: “eu te amo”.
Diogo começa a me dizer que quer
ser cantor e gravar um CD e que está
“Por que ela te falou essas palavras?”
ensaiando os passos de Sandy e Júnior. Além
disso, Diogo começa a falar de seus amores. Por causa do meu pão com salsicha.
Algo da ordem de um delírio parece [.. J Vou ficar com os dentes juntinhos
configurar-se em torno desses temas. Passo (referindo-se ao seu aparelho de
a relatar fragmentos de sessão: dentes). Sabe para quê? Para beijar a
Sandy. Ela gosta de mim, porque ela
Eu tô apaixonado, tão apaixonado que quer me ensinar a dançar. Ela quer
não posso falar, é tão romântico, o ficar pertinho de mim... Eu acordei
coração apaixonado. igual ao Júnior. Eu soma cara do
Sabia que eu estou namorando? A Júnior. Eu sei que eu sou eu, mas sou
gente foi conversando. É bom a cara dele. Eu sou irmão dele, eu sou
namorar, é bom para a saúde. gêmeo, cu tenho a voz dele. A Sandy
Eu parto o lanche para mim e para ela, sabe quem eu sou. Ela sabe quem é o
e aí ela me dá um beijo. Ela me ama. verdadeiro Júnior, sou eu. Aquele lá é
O que vai conversando é segredo só meu... meu amigo. Nós somos gêmeos. O
Ela tá me enganando... tá andando com Júnior me ligou, ele tem meu telefone.
outro menino. Ela tá me traindo. Eu converso com ele no CD ao vivo.
Ela tá com outro rapaz, é da escola, Vou gravar um CD com a Sandy. A
chama Cláudio. Eu vou dar um soco c Sandy está atrás de mim, tô achando
vou preso. Como é que eu vou fazer? que ela tá querendo namorar comigo.
Não tenho dinheiro para pagar, como Tô achando que ela tá pensando que
eu vou arrumar? Quero saber como ela eu sou o Júnior de verdade. Ela
adivinhou meu nome. Como ela sabe sempre me manda um CD, ela me
que eu sou o Diogo, como ela sabia que ama. A outra — Alessandra — ela
eu sou eu? Eu tô diferente. Cortei o apareceu aqui. Não entendi nada...
cabelo. Ela pensou que eu fosse o Júnior. Será que eu tô sonhando... cocei o
EH Instituto de Psicanálise
Pápeis de Psicanálise v.l N.l
e Saúde Mental
abr. 2004
de Minas Gerais
olho e ela sumiu... depois passou organizador de seu discurso. Sobre seu pai
correndo para lá e para cá... fico ele nada quer saber, nem mesmo o registro
confuso... Tô achando que ela tá de seu nome. Assim, como fazer, neste
agarrada em mim. Uma vez ela
apareceu no colégio, eu fiquei tão
momento em que ele se confronta com o real
feliz... eu tava enfeitiçado por ela... ela do sexo? E interessante o fato trazido por
tava toda bonita, toda cheirosa^ eu fui sua mãe, ao dizer que Diogo tem molhado a
atrás dela, eu chamei... Alessandra, cama e que ele insiste em dizer que é xixi...
Alessandra... ela não respondeu. Mas, continuemos:
(Sobre a Graciela): Eu tô sabendo de tudo. Todo mundo tá
atrás de mim, todo mundo tá querendo
Eu tô achando que ela tá sonhando
me tocar porque eu sou cantor e eu já
comigo. Eu tô sonhando com ela, ela
tô grande. Eu vou cantar de verdade.
tá sonhando comigo. Ela me ama, ama
Eu vou lançar um CD. Tô pensando
mesmo, eu sei que ela me ama. Eu sei
nela e ela pensa em mim.
que ela tá querendo alguma coisa. A
Alessandra apareceu na escola — tô “Como é que você sabe?” “Porque eu
achando que ela tá grudada em mim. tô sentindo o perfume dela. Eu faço cócegas
Ela apareceu assim... vupt. As meninas nela e corro. Brinco de bater... um pouquinho.
começaram a agarrar... as fêmeas.
Eu não tava irritado”.
Professora é uma onça, ela avança em
qualquer pessoa. O amor é forte “Com o que você fica irritado?”
demais... eu não sabia. Ela pegou o Com minha mãe e quando chutam a
amor e foi atrás de mim. A Alessandra. minha mochila, quando minha mãe
Ela foi me agarrar. Eu levei meu pão. quer que eu vá para o Palmital, para
Eu não paro de pensar na Graciela... a casa de meu pai. Outro dia ... tava
na hora do recreio ela corre atrás de chorando no banheiro... ele bateu
mim... tá querendo me agarrar, me em mim... peguei um chiclete
encher de beijinhos, eu vou esconder escondido. Eu acho que ele tá de
dela. Eu tô fixado por outra... ela toda olho em mim. Eu deixei minha mãe
cheirosa, muito bonita, ela não pára namorar. Ela vai engravidar, vai
de me procurar. Ela tá desesperada, nascer a Sandy e eu vou ser o Júnior.
ela tem ciúme, ela não deixa eu casar A Alessandra tá a fim de mim.
com a Graciela. Não precisa ficar com
ciúme, eu não vou comer ela toda não, “Como você sabe?“
eu não vou apavorar ela não... eu não Eu sei... chegou na janela. Também
sou tigre, eu não tenho pêlo. [...] Eu tá colada em mim. Ela me acha bonito.
tô com poder da Sandy e Júnior. Eles Ela não me reconheceu... Eu tava
vão sair da Globo. Eu vou ficar no diferente. Eu tava com perfume. [...]
lugar deles. A Sandy foi na minha Eu tô sempre atrás da minha mãe.-Eu
escola. Por causa da cartinha que eu tô colado nela... porque eu quero.
mandei para ela. Eu senti o cheiro do Minha mãe me deu um beijo na boca...
perfume dela. A Alessandra foi na el$ errou (da bochecha para a boca).
minha aula, atrás de mim. Ela tá com Ela é casada.
ciúme. Ela tá fixada por mim porque
eu ando bem cheiroso. “E a mulher de seu pai”.
“Quem te fala que você é cheiroso?” Ela tá solteira agora. Mas tá namorando.
Mas eu quero ela... à noite ela faz o que
“Minha mãe”. eu quero... ela fala para eu tomar banho,
Ao que parece, Diogo permanece no lanchar, primeiro. Eu estou
primeiro momento da alienação, marcado conquistando as garotas.
por significantes que são do registro materno,
“E como você faz para conquistar
o Outro primordial. E impressionante como
as garotas?“
ele faz uso do significante “cheiroso”, como
ele está impregnado pelo odor materno. Sua Com pão. A Graciela fica me batendo...
mãe, certa vez, me havia dito que Diogo estava me dá pão, me dá pão... A gente distrai
um pouquinho, as mulheres distraem
melhorando, que estava tomando banho
a gente, os homens distraem com as
sozinho, se arrumava, passava perfume, ficava mulheres, as mais bonitas. Ela foi me
todo cheiroso. Podemos dizer de uma ver. Nós marcamos um encontro.
alucinação olfativa, em que o objeto sempre Fiquei no portão... ela me disse que
aparece revestido com esse significante, tava com saudade, ia me encher de
“cheiroso”? beijinho. Abri o portão, perguntei: alô,
tem alguém aí... que estranho. Será que
Por outro lado, parece não haver um
eu tô louco... Eu tô distraído. Todo
significante que instaure sua separação do mundo pensa que eu tô louco, minha
campo materno e que lhe sirva como professora fala que eu tô louco.
Samyra Assad
determinada distância, ainda que precária, homem que ela escolheu para ser pai do
entre o sujeito e o Outro. Ou seja, um apelo seu filho, ou seja, casou-se, ainda que não
ao simbólico, um apelo à separação entre apaixonada, por estar na hora de casar...
o corpo e o objeto que não foi extraído do Tornou-se, assim, uma mãe toda, em que
campo do Outro, ou, como nos diz Di a parte mulher ficou esquecida, ou, até
Ciaccia, uma tentativa de mesmo, anulada.
Outro' aspecto relevante que
efetuar essa divisão que o separe da podemos citar seria aquele que se refere à
posição de objeto do fantasma do própria subjetividade da mãe, que faz de
outro (materno) e aquilo que o faça
existir através da representação
seu filho um objeto do seu fantasma, ou,
significante. Na criança psicótica o até mesmo, uma extensão do seu corpo,
A corpos é o campo no qual se quando vemos que todo o cuidado
manifestam os fenômenos psicóticos, higiênico em relação a ele, até hoje, com
mas é também o campo no qual atua
toda intervenção destinada a idade de 15 anos, depende dela. Ou ainda,
desprender esse corpo do gozo. (DI o que ela quis dizer ao falar que seu filho
CIACCIA,1987:79.) já é homem, quando este vai dormir em
seu quarto? E mais, o que significaria ela
Como Diogo demonstra essa invasão dizer que ele poderia se masturbar na
de gozo, ilustrando-nos como o sexo chega condição de ser em sua presença?
à criança psicótica, já que entendemos por Certamente, essas questões apontariam
sexual uma operação do sujeito com a para a natureza da relação da criança
linguagem? Pela via da linguagem é que um psicótica com a mãe, nessa dimensão
delírio poderá conotar como o sexual estrutural que nos diz de uma ausência da
adquire um contorno nessa construção, na metáfora paterna, na medida em que há o
medida em que uma dupla é aí constituída, impedimento de um pai ou uma inscrição
com chances de se depurar e reduzir o delírio que metaforize o desejo da mãe, para que
em uma formulação final estabilizadora. a exclusividade do seu olhar sobre a criança
O que sobrevém, no caso, não seria seja, no mínimo, barrada. Um par bizarro
o aparecimento do sexual e sim uma se forma entre a criança e a mãe.
coisificação, uma divisão no concreto. Sua Porém, algo da função paterna é
atividade de masturbação resulta, evocada nos atendimentos. Como? Quais
incontestavelmente, num xixi; o amar os efeitos que ocorreram? E o que
implicará em fornecer um pão com passaremos a observar em seguida, a partir
salsicha, o gostar estará ligado a um cuidar. das entrevistas com a criança.
O lugar do Outro e as relações de troca
operar-se-ão no registro do real. “Estou sem controle”
Algo estranho se apresenta quando
“Vinte e quatro horas vai ser pouco para Diogo se apropria da fala do Outro para
você se ocupar do í)iogo” se referir a si próprio. Ele repete,
Esse é o prenúncio deflagrado pelo incessantemente, a frase da analista: “eu
médico, ao constatar uma microcefalia em que te pergunto”. A pergunta, impossível
Diogo; exatamente aquilo que se sucederá de ser formulada pelo sujeito ao se dirigir
na vida da relação entre a mãe e a criança, ao Outro, por não estar separado deste, é
e não sabemos ao certo se isso veio de substituída por uma metonímia
encontro ao lugar da criança no fantasma automática, não encadeando uma
materno, ou seja, a criança realizando o história. Os significantes passam a ser
objeto no fantasma da mãe, tal como nas emitidos sem nenhuma representação, o
“Duas notas sobre a criança” que Lacan chama de enxame de
(LACAN,1998:5-6.), que Lacan endereça a significantes (SI, SI, SI...).
Jenny Aubry, para dizer daquilo que Negando-se a aceitar esse lugar do
configura estruturalmente a psicose. Outro para o sujeito, a analista acentua o
O fato é que essa mãe não encontrou que ele mesmo poderia fazer, como, por
o significante do seu desejo no corpo do exemplo, amarrar os sapatos, o que,
Instituto üe Psicanálise e Saúüe Mental de Minas. Gerais
Pãpeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
sua medicação (Meleril), sua mãe lhe SOLER, C. Artigos Clínicos. Salvador, Fator, 1991.
disse que seria boa para ele ficar com a SOLANO-SUAREZ, E. A clínica dos nós, texto traduzido,
publicado no Correio n. 41, dez/2002, Revista da Escola
voz bonita- para cantar. E, assim, Diogo Brasileira de Psicanálise.
toma, ainda que irregularmente, os VERÍSSIMO, L. F. Verificar, a mãe do Freud. São Paulo: L&PM,
remédios, na tentativa de ser cantor. Será 1987. Recorte extraído da apresentação do livro Psicanálise a
educação: sexualidade por 7dx\\a Ferreira, organizado por Eliene
que sua solução será cantar a voz do Nery, Belo Horizonte, Mazza, 2000.
Outro, ou seja, ser o Júnior amado pela
Sandy? Ser cantor implicaria em uma
suplência em relação ao Pai que faltou
para amarrar o nó entre os registros
imaginário, simbólico e real? Estaria essa
solução na vertente de um projeto
artístico, para o qual o analista, em sua
orientação de gozo, poderia dirigir um
incentivo?
Parece que o incentivo, nesse caso,
à identificação com o cantor Júnior,
poderia trazer um outro recurso diferente
do empuxo-à-mulher, que, de uma forma
incipiente, é trazido na tentativa de se
“imitar a Sandy” no banheiro dos homens,
ou, até mesmo, talvez, no “perfume”...
Deslocar o objeto voz, no sentido de o
sujeito adotar a voz do Júnior, talvez possa
formar uma solução.
Se entendemos por solução, na
psicose, uma nova forma de amarração,
talvez poderíamos conceber que uma
demanda de significação na psicose pode
ser a de uma nova amarração — não mais
dos sapatos, mas aquela que implicaria em
uma suplência do Nome-do-Pai. Disso
extraímos nossa aposta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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profundo” ou ainda “dano”, “prejuízo”, até mesmo o de
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uma destruição causada pelo homem com violência,
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repentmamente. (BOUSSEYROUX, 1999:129.) Nosso “ < '
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uma grande desgraça; devastar é tornar deserto;
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mantém, para este trabalho, um sentido análogo ao de
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devastação: “catástrofe”. (FREUD, 1931:275.) “A transição i
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catástrofe”, nos diz Freud. Se, em Lacan, lemos ravage e
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- dessa ligação, a psicanálise estabeleceu como parte da
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subjetividade feminina. Para Freud, a “compreensão
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1 interna dessa fase primitiva” “foi uma surpresa”, e a
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metáfora que usa é suficiente para dar conta do elemento
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descoberta, em outro campo, da civilização mino-miceniana
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por detrás da civilização grega”. (FREUD., 1931:260.)
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Freud. Há uma pré-história à qual não se tem acesso pela
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residuais” — pré-história indecifrável, portanto, mas já
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outra. Nessa travessia, da pré-história à história edipiana,
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que foi, para o sujeito feminino, sua ligação com a mãe.
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ocorreria a partir da puberdade, quando a sexualidade já
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adquiridas no decorrer da vida.
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Instituto de Psicanálise e Saúde M ental de Minas Gerais
Pápeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
Freud nos fala que são três as Hoje não mais me satisfaria com a
vicissitudes da pulsão sexual: se a relação afirmação de que, no primeiro
período da infância, a primazia dos
entre todas as disposições diferentes órgãos genitais só foi efetuada muito
persistir e fortalecer-se na maturidade, o incompletamente ou não o foi de
resultado será uma vida sexual perversa; modo algum. A aproximação da vida
o resultado pode ser diferente, se alguns sexual da criança à do adulto vai
dos componentes que tenham força muito além e não se limita
excessiva na disposição forem submetidos unicamente ao surgimento da
escolha de um objeto. (FREUD, 1905/
ao processo de recalque. A terceira
1972:180.)
alternativa é possibilitada pelo processo de
sublimação, que permite que excitações de
determinadas fontes da sexualidade A característica principal dessa
encontrem uma saída e uso em outros organização genital infantil consiste no fato
campos. de, para ambos os sexos, entrar em
consideração apenas um órgão genital, o
A disposição sexual perversa
masculino. O que está presente é unia
multiforme da infância pode assim primazia do falo.
' ser considerada a fonte de várias de O menino percebe a distinção entre
nossas virtudes, na medida em que, homens e mulheres, mas, no início, não
através da formação reativa, vincula essa diferença aos seus genitais.
estimula o desenvolvimento delas.
Presume que todos bs seres humanos e
(FREUD,1905/1972:246.)
animais possuem um órgão como o seu e
essa parte do corpo, excitável e tão rica em
Entre os fatores que exercem sensações, se torna uma fonte de pesquisas.
influência sobre o desenvolvimento sexual, No transcorrer dessas pesquisas, a criança
encontramos: a precocidade que se chega à descoberta de que o pênis não é
manifesta na interrupção, encurtamento comum a todas as pessoas:
ou terminação do período infantil de
latência; fatores temporais relativos à Uma visão acidental dos órgãos
seqüência e à duração; a susceptibilidade genitais de uma irmãzinha
das primeiras impressões; e a fixação. proporciona a ocasião para essa
Não poderíamos deixar de falar do descoberta. (FREUD, 1905/1972:181.)
conceito de libido desenvolvido por Freud
nos “Três ensaios”. A criança reage às suas primeiras
impressões da ausência do pênis rejeitando
Definimos o conceito de libido como o fato e acreditando que ainda assim o vê.
uma força quantitativamente A contradição entre sua observação e sua
variável que poderia servir de concepção é encoberta com a idéia de que
m e d i d a d o processo e das
transformações que ocorrem no
o pênis ainda é pequeno, mas vai crescer,
campo da excitação sexual. chegando depois à conclusão de que ele
(FREUD, 1905/1972:223.) esteve lá e foi retirado. A falta de um pênis
é vista agora como resultado da castração.
Ele atribui a ela um caráter Nesse momento, a criança se defronta com
qualitativo, distinguindo a libido do ego a tarefa de chegar a um acordo sobre a
da libido do objeto. Afirma ser a libido de castração com relação a si própria.
natureza masculina. O uso do termo Contudo, ela não efetua pronta
masculino se refere aqui ao caráter ativo mente uma generalização de que as
atribuído à pulsão. mulheres não têm pênis. Apenas pessoas
desprezíveis do sexo feminino perdem seus
Sobre a organização genital infantil genitais como uma punição. Mulheres a
quem ela respeita, como sua mãe, retêm o
No texto “Sobre a organização pênis por longo tempo.
genital infantil: uma interpolação na teoria Só quando a criança retorna à
da sexualidade”, Freud refaz / seu questão da origem e nascimento dos bebês
pensamento quanto à descrição da e conclui que apenas as mulheres podem
diferença entre a vida sexual da criança e dar-lhes nascimento é que a mãe perde seu
do adulto: pênis.Teorias são construídas para explicar
a troca do pênis por um bebê. Em tudo
Pápeis oe Psicanálise y.l n.1 abr. 2004
isso os órgãos genitais femininos jamais O menino não consegue imaginar uma
parecem ser descobertos, razão pela qual pessoa desprovida desse órgão, do qual
a criança elabora a teoria de que o bebê obtém prazer. Se o intimidam com a
nasce através do ânus. ameaça de cortar-lhe o pênis, o efeito dessa
No estádio da organização pré- “ameaça, de castração” é proporcional ao
genital sádico-anal, não existe ainda valor atribuído ao órgão. Já as meninas
masculino e feminino, e sim a antítese desenvolvem um vivo interesse por essa
entre ativo e passivo. No estádio seguinte, parte do corpo masculino, seguido pela
existe a masculinidade, mas não a inveja.
feminilidade. A antítese é entre possuir um Como a explicação de que o bebê se
órgão genital masculino e ser castrado. E forma dentro do corpo da mãe não é
somente na puberdade que a polaridade suficiente para a pergunta sobre a origem
sexual coincide com masculino e feminino. dos bebês, parece lógico que o pai tenha
alguma coisa a ver com isso. O pênis
Sobre as teorias sexuais das crianças , desempenha algum papel nesses
misteriosos acontecimentos, mas a teoria
Freud, no texto “Sobre as teorias
de que a mãe possui um pênis torna-se um
sexuais das crianças”, diz do seu espanto
obstáculo a que a criança descubra a
quanto ao fato de a criança não tomar a
existência da vagina. O malogro de seus
existência dos dois sexos como ponto de
esforços intelectuais a leva a rejeitá-los e
partida de suas pesquisas sobre os
esquecê-los.
problemas sexuais. A ignorância da vagina também permite
O desejo da criança por esse tipo de à criança acreditar na segunda de suas teorias
conhecimento surge, quando ela é sexuais: “O bebê precisa ser expelido
surpreendida pela chegada de um novo como excremento, numa evacuação.”
bebê ou mesmo observando outras (FREUD,1905/1972:222.) Mais tarde, as
famílias. A perda experimentada ou explicações encontradas são de que o bebê sai
temida dos carinhos dos pais e o pelo umbigo ou pelo corte na barriga.
pressentimento de que terá que dividir A terceira das teorias sexuais surge
seus bens com o recém-chegado despertam quando a criança testemunha uma relação
suas moções e aguçam sua capacidade de sexual entre os pais, adotando uma
pensamento. A criança começa a refletir e “concepção sádica do coito.” (FREUD, 1905/
pergunta: “de onde vêm os bebês?, cuja 1972:223.) Ela o encara como um ato imposto
forma original certamente era: “de onde violentamente pelo participante mais forte ao
veio esse bebê intrometido?” Ela então mais fraco. Com essa nova teoria, ainda não
dirige essa pergunta aos pais ou a quem é possível à criança obter o elo que faltava
cuida dela. Se estes dão respostas evasivas, para solucionar o problema dos bebês. -
a criança começa a desconfiar dos adultos A questão da natureza e do conteúdo
e a suspeitar que eles escondem algo do estado do casamento relacionada com o
proibido. Com isso, ela experimenta o seu problema insolúvel da origem dos bebês
primeiro conflito psíquico que logo pode também atrai a atenção da criança. Ela
transformar-se em uma dissociação responderá, de diversas formas, a essa
psíquica entre o conjunto das concepções questão, entretanto, todas elas têm em
consideradas boas, mas que cessam a comum o fato de que a criança vê no
reflexão, e o outro conjunto, resultado do casamento uma promessa de prazer e
trabalho de investigação da criança, acredita que esse prazer esteja relacionado
considerado como o conjunto das opiniões com uma ausência de pudor. A explicação
recalcadas e inconscientes. Forma-se assim encontrada por Freud com maior
o complexo nuclear de uma neurose. freqüência foi que “os casados urinam um
A primeira teoria deriva do em frente do outro”. (FREUD, 1905/
desenvolvimento das diferenças entre os 1972:225.) Para ele, as teorias infantis a
sexos., Consiste em atribuir a todos, respeito do casamento têm grande
inclusive às mulheres, a posse de um pênis. significação na sintomatologia das neuroses.
Dossier
Como o sexo chega ás crianças
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
único e mora com sua mãe chamada impacto. Ela passou, então, a exibir o pênis
Maria. O pai dele morreu com uma do filho, como uma curiosidade, a todos que
bala na cabeça, quando ele tinha
nove anos. Ele achava que o pai era visitavam sua casa. Daniel não escondia sua
um homem trabalhador, honesto e satisfação durante essas sessões de exibição.
alguém que ajudava a família. O pai Ele também não escondia sua prática
morreu assassinado por um bandido
masturbatória, cuja freqüência, desde essa
que quis roubá-lo. O menino ficou
traumatizado, pensando o tempo época, aumentava a cada dia. Essa exibição,
todo no pái. A mãe ficou chorando e em um primeiro momento, posta em cena
nunca mais teve outro namorado. pela própria mãe, foi, em seguida,
Vivia só com o filho, que também não
tinha namorada, porque a mãe não fortemente reprimida por ela mesma, que
deixava. passou a considerar tanto a exibição quanto
a masturbação inadequadas.
De fato, na vida real, Daniel era No curso do tratamento, as sessões
muito apegado à mãe, era o filho preferido, que se seguem àquela em que Daniel
era tão amado quanto o fora seu próprio comentou seu desenho, contando a história
pai. Sua mãe foi casada uma primeira vez, do menino Felipe, vão ser caracterizadas
teve três filhos e ficou viúva. Algum tempo pelo relato de episódios nos quais ele reage
depois, teve Daniel, fruto de um com muita violência às provocações dos
relacionamento temporário com um colegas. Em cada um desses relatos, havia
homem casado. O pai de Daniel foi o único sempre um menino detido por uma
amor da vida dessa mulher, qué desejou gangue e espancado violentamente por
muito viver com ele, porém, ele preferira Daniel, com correntes, pedras ou skates. E
a esposa. Quando Daniel estava com um preciso levar-se em conta, nessa fantasia,
ano de idade, sua mãe envolveu-se com a identificação de Daniel ao agressor, para
um outro homem, de quem se separou se alcançar o desdobramento da figura do
logo após ter dado à luz um quinto filho. pai, que já se faz presente na história do
Desde o nascimento desse irmão caçula, menino Felipe: o pai ideal — honesto e
Daniel não manteve nenhum contato com trabalhador — aparece de início, mas, por
o pai. Ao contrário desse homem, Daniel não ceder ao bandido algo que lhe era
permaneceu ao lado da mãe e respondeu valioso, ele vai encontrar a morte de forma
a seu amor diferenciado, tornando-se um bárbara. Nessa construção, Daniel situa o
filho muito carinhoso e, também, ponto, na cadeia de sua história, em que
extremamente ciumento — chegou ao algo se interrompe. A morte do pai do
ponto de impedir, de forma agressiva, que menino, quando ele tinha nove anos,
sua mãe mantivesse qualquer assinala o momento em que o sujeito se vê
relacionamento com outro homem. só, em face da mãe amada, uma mulher
Para a mãe, Daniel era muito extremamente interessada no órgão sexual
semelhante ao pai, tanto fisicamente do filho:
quanto em relação ao caráter, tímido e
tranqüilo. Por outro lado, considerava que, O menino ficou traumatizado,
pensando o tempo todo no pai. A
se o filho não conversava na escola e vivia
mãe ficou chorando e nunca mais
voltado para o sexo, era porque, nas suas teve outro namorado.
palavras: “Quando eu era pequena, era
muito calada, mas gostava muito de sexo. O que parece ser um acontecimento
Meu pai era muito mulherengo”. traumático, que marca a incidência da
O interesse dessa mulher por sexo vai língua sobre o corpo de Daniel, é o
localizar-se, precisamente, no órgão sexual exibicionismo do pênis. A exibição
do filho. Até os sete anos de idade, chamava- introduz o real do gozo da mãe sobre o
lhe a atenção o pequeno tamanho do pênis órgão do filho, e este responde com o
de Daniel. A partir dessa data, o crescimento fetiche. O roubo das lingeries, dois anos
inesperado e surpreendente desse órgão, mais tarde, é o signo de que se tornou
que atingiu, a seu ver, a proporção do pênis necessário, para esse sujeito, construir um
de um homem adulto, causou-lhe forte mais-além do véu, ou seja, uma relação
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Instituto ot Psicanálise e Saúdl Mental de Minas Girais
Pápfis de Psicanáiisf v.l N.l abr. 2004
contar sua história, o que o reenviou à Cf. LACAN, J. "D'une question preliminaire à tout traitement
possible de la psychose". In: Écrits. Paris: Seuil, 1966.
casa de sua mãe. Mais uma vez, fugiu de (Traduzido para o português com o título "De uma questão
lá, sem, contudo, abandonar o preliminar a todo tratamento possível da psicose''. Escritos.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998).
tratamento, estabelecido como medida
LAURENT, Éric. "Responder al nino dei manana". Carretei,
socioeducativa. Procurou o pai, que já Madrid, n.4, oct. 2001.
tinha constituído outra família, mas este
MILLER, J-A. "Os seis paradigmas do gozo". Opção Lacaniana,
o acolheu, com a condição de que ele se São Paulo, n.26/27, abr. 2000.
comportasse como homem. Do pai,
ganhou uma segunda pasta, que substitui
a primeira. Nesta, como já mencionado,
ele arquivou, cronologicamente,
documentos dos diversos lugares por
onde passara. Surpreendentemente, o
documento que encerrava essa série era
sua certidão de nascimento. “Eis minha
história”, dizia, “um dia, vou contá-la ou
escrever um livro. Se eu morrer, já tenho
uma história”. Na pasta nova, guardou
uma dentadura velha do pai. Explicitou:
“Eis uma lembrança de como meu pai é
mulherengo. Ele perdeu os dentes em
uma briga por causa de mulher”. Nessa
pasta, guardou, também, um bipe e um
telefone celular, para poder ligar-se ao
pai, via Embratel, Telemar e Telemig
Celular...
De posse dessa segunda pasta,
Clemente realizou alguns trabalhos e
mostrou-se animado para estudar. Receia
não dar conta de parar de usar drogas ou
de fazer pequenas bobagens, mas
continua a esforçar-se. Pode-se considerar,
a respeito desse caso, que os seis anos
passados na rua tiveram a função de
fornecer significantes para o sujeito dar
forma à sua existência. A pasta de
documentos constitui sua ficção, pois
foram as instituições, por onde Clemente
passou, nesse espaço de tempo, que
humanizaram minimamente sua condição
no mundo.
NOTAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CORPO E SINTOMA
Vicente Palomera
CORPO E SINTOMA
___________ Clínica
J1 Corpo e sintoma
NOTAS
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NT - tutoyable, no original.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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o sexo chega à criança sob ,o modo de uma invasão de gozo,
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avô de Magnólia, o que fazia com que a Ela vai conseguir localizar, no
mãe de Magnólia fosse deixada nas casas percurso do tratamento, que foi nessa
de vizinhos para sua mãe trabalhar e, em ocasião em que se encontrava só, trancada,
uma dessas ocasiões, ela fora violada, fato que ela começa a conversar, a falar sem
jamais reconhecido por sua própria mãe. parar com algumas amigas (nomeadas por
Veremos como essa significação — um outro de imaginárias), com as quais
mulher abandonada, violada -— veiculada no estabelecia uma certa alteridade: “elas e
discurso familiar, nessas duas gerações, eu”. Essas amigas, por vezes, são reais,
retorna no real para Magnólia, dada sua fazem-lhe acusações e recriminações.
impossibilidade em significar algo de seu ser Será através delas que algo do sexual
e de seu sexo. Uma das últimas tentativas começará a ser abordado, e isso ela o fará,
mais recentes da mãe (Magnólia já estava em de acordo com sua estrutura — ela se
tratamento) de fazer com que o pai de interessará pelos encontros e intrigas
Magnólia a reconheça como sua filha e amorosas dessas amigas.
assuma responsabilidades (colocando o Na puberdade, conhece uma amiga,
nome dele nos documentos e dando uma uma menina de programa, com quem ela
pensão a ela) — será a ocasião em que assiste a um filme pornográfico. Decide
Magnólia intensifica suas auto-agressões e então ser uma menina de programa, como
retorna a falar dos episódios de violação, sua amiga. Ela então vai dizer ao padrasto
começando a importunar funcionários de sua intenção de tornar-se uma garota de
uma rede de TV (queria conhecer os astros) programa e este a espanca.
e a achar que está ficando negra como o pai. Após esse episódio, Magnólia inicia
outros, delirantes, em que homens que se
Magnólia e seu outro aproximam dela (seja para ajudá-la), ou
Magnólia explica-me as condições mesmo ela própria (começa a falar de si
de seu nascimento, tal como me foi para eles, abraça-os), tornam-se aqueles
relatado por sua mãe, repetindo-as como que vão abusar de seu corpo.
um papagaio. Recorre também à escrita, Magnólia vai falar sem cessar dessas
ao fazer e ler seu diário, na tentativa de histórias em que é violada (estuprada,
fixar algo. Tenta escrever uma história de disseram-lhe), obrigada a fazer aquilo
sua vida, para ser publicada em uma “nojento”, “que um homem colocou aquilo
revista, dando o testemunho de antes e que faz xixi nela”, que a forçou a fazer “coisas
depois de conhecer Jeová Deus. que ela não sabe bem o que é”, revelando
Ela vai estruturar seu nascimento um impossível de suportar e significar.
delirantemente, em uma ladainha que Os outros, os vizinhos, os colegas, a
demonstra não ter encontrado no Outro xingam de “prostituta, vagabunda de
algo que apaziguasse sua angústia mortal. zona” quando ela passa. Eles lhe batem na
Isso será causa de uma série de cara e mandam fazer coisas, ao que ela
acusações por parte dela, de não ter sido obedece imediatamente.
cuidada, da falta de amor e afeto dessa mãe Nessas histórias que conta
que abusou desse corpo, revelando um ininterruptamente, Magnólia demonstra
Outro que goza dela: ser tragada pela linguagem como um
objeto. É com essas histórias que ela tenta
foi trancada cm um quarto escuro de construir um Outro que nunca existiu. Um
quatro aos oito anos sendo tratada Outro localizado fora do corpo — paranóia
como um animal; sua mãe batia a — para o qual ela é um objeto: seja de
cabeça dela na parede e a enfiava ho
vaso, ela tirava meu sangue... — abandono, seja de violação; um objeto de
mostra-me a deformação. gozo do Outro. Assim, ela consegue barrar
um pouco as vivências esquizofrênicas, de
Suas reivindicações já geraram por desorganização pulsional no corpo.
parte dela denúncias no Conselho Tutelar, A literalidade das palavras muitas
pedidos de aposentadoria, cie benefícios, vezes a faz cometer atos, tais como, por
ou mesmo de publicação em sua religião exemplo, “tomar detergente para
(evangélica) do relato de sua experiência. desinfetar-se desses estupros”.
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gl.-/. '■
Pápeis de Psicanálise v.l n. 1 abr. .2.004
Não aceita que Deus tenha inventado disse que ela só voltará para o céu se
“isso” que um homem e uma mulher fazem, cumprir a missão que lhe é destinada.
o que a leva a brigar com ele diversas vezes. Ele não lhe revelou todas elas, mas
Ela diz que não aceita, que “ijsso” não existe. serão 10.
Por diversas vezes, procura sua A primeira é ensinar sua mãe a
ginecologista para verificar se é virgem. Em amar, e a última tem a ver com seu
uma dessas ocasiões em que estava tomada padrasto e seu irmão. Há, portanto, um
pelos episódios de estupro, fica perturbada, longo trabalho a fazer, que deverá ser
pois pensa que estaria grávida e, após mantido assintoticamente.
exame negativo, fica comprovada a sua As pessoas mudam quando a
certeza: “isso não existe”. conhecem, aprendem a amar. Entre
Magnólia, como não dispõe do aqueles que cuidam dela, está sempre
Nome-do-Pai para nomear o desejo da mãe procurando um signo de que realmente
e regular algo da inexistência da relação gostam dela — ao impedirem que se façam
sexual, inventa sua teoria da transmissão: coisas ruins com ela, ao recebê-la em
“Deus enviou um anjo, que colocou um tratamento etc., conclui que é porque a
algodão na barriga da mulher”. amam, a desejam, suportando adiar sua
A necessidade de falar com essas volta para o céu. Outro ponto que lhe
amigas e dessas amigas, assim como das possibilita adiar esse ato é o argumento por
histórias de violação, foi diminuindo no ela enunciado de que “como anjo não
decorrer do tratamento, embora, em alguns poderia cometer tal ato”.
momentos, isso retornasse intensamente. Tal como a agressão, ela é
Primeiramente, ela falava sem cessar para empurrada a abraçar e, às vezes, a beijar o
qualquer um, envolvia e mobilizava todos à outro. Esse amor, no entanto, frágil que é,
sua volta (na rua, nos ônibus, nas pode reenviá-la à posição de objeto a ser
instituições por onde vagava), gerando uma espancado, violado. Aqueles que se
indignação em torno daqueles que a aproximam dela tornam-se “tios”, mas
escutavam. Pouco a pouco, pôde direcionar muitos se tornaram os que a violaram ou
essa falação àqueles que a atendiam. abusaram de seu corpo. Em relação
Magnólia então utiliza o dispositivo àqueles que a tratam, no entanto, ela tenta,
institucional, cada vez mais em sua vida, seja a todo o tempo, classificar seu amor,
comigo em diversos atendimentos diários, diferenciando-os: como pai, mãe...
seja com aqueles que a acompanham. Essa invenção significante — “anjo”
A medida que vai conseguindo — parece-nos ser uma tentativa de regular
abordar algumas questões sobre seu corpo a relação sexual que não existe. Enquanto
— mudanças corporais, cheiro, excreções, anjo, ela pode ser meio humana. A única
“misturação” (menstruação), sexo — e sobre mulher que não gosta de espelhos.
a origem, ela vai diminuindo a necessidade Enquanto anjo e meio humana, ela
dessa falação, e uma nova significação vai pode estar entre os humanos, pois ela
emergindo que poderá, assim, dar um deveria vir disfarçada. Essa é uma das
sentido à sua existência. funções da toalha/capa que utiliza — um
“disfarce de suas asas”. Essa toalha
Uma solução para ser amarrada ao pescoço não só lhe dá uma
Na impossibilidade de regular seu ser vestimenta para seu corpo, mas parece
e seu sexo falicamente, ou seja, através da também indicar algo da ordem do
metáfora paterna, nomear algo da incidência semblante.
da linguagem sobre o corpo, Magnólia vai No lugar da significação fálica que
inventar. Ela inventa ali onde o desejo da lhe falta vem o “anjo”, o que lhe dá uma
mãe não se colocou e, ao fazer essa invenção, existência especial junto aos humanos. E
ela tenta localizar-se no significante. por meio dessa nova significação que o
Ela é um ser “especial”: um anjo, ou sujeito se inventa, que lhe é permitido, por
melhor, meio anjo, meio humana. Ela tem vezes, temperar os efeitos intrusivos de um
encontros com o anjo Gabriel e esse lhe gozo não circunscrito pelo falo.
Ana Lydia Santiago
A MENINA-HOMEM
Introdução
o
caso que eu e Lúcia iremos apresentar e comentar,
esta noite, é o de uma adolescente de 13 anos de
idade, paciente internada em situação de crise no CPP-
Centro Psicopedagógico-FHEMIG, onde foi acompanhada
pela Residente Trícia Nogueira, que tem como Preceptora a
Dra. Maria Goretti Lamounier. Tanto a construção como o
comentário desse caso tiveram como suportes o material
produzido no âmbito da atividade da “Apresentação de
Pacientes com crianças e adolescentes” do NPPcri, realizada
iilliStl na Residência de Psiquiatria da Infância c da Adolescência
do CPP Esse material constitui-se de:
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A menina-homem '
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»♦ » • Essa conjunção “menina-homem” — que escolhemos •
filiB para identificar o caso dessa adolescente — exprime, de
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uma maneira surpreendente, a forma como esse sujeito se
tfitiíSIí apresenta no dia-a-dia. Ao entrar na sala para a entrevista,
Í®g a primeira imagem dela que temos diante dos olhos é a de
uma menina, alta, magra e esguia, penteada com duas
maria-chiquinhas trançadas e amarradas com gominhas
coloridas: Esse ar pueril logo contrasta com o seu modo de
uso da linguagem. A menina assenta-se diante da
entrevistadora e começa a responder às questões que lhe
são formuladas usando um tom de voz extremamente
grave, que é produzido pela contração dos lábios e a
a pronúncia das palavras com a boca praticamente fechada.
Dessa maneira, consegue a entonação de voz de um
* e » homem. Suas frases são todas formuladas no masculino,
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como, por exemplo, quando diz: “Eu estou vivo”. Durante
toda a entrevista, ela não se equivoca sequer uma vez no
...
_________ Clínica
Corpo e sintoma
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’) *'■ pensamentos que se formam na mente de do nascimento de um bebê na família,
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Neném e nunca falham. Esses pensamentos rompe o eixo imaginário a—a’ que
coincidem com a realidade exata e, por isso sustentava a relação desse sujeito com o
mesmo, nunca dizem mentira. UUyxyyyy;. Outro materno. É possível supor a
15 i A certeza da paciente manifesta-se emergência de um interesse de algum
á 2
,i *■ em relação a essa comunicação telepática modo particularizado da mãe de L.N.P.
com pessoas eminentes, que acontece, por esse bebê recém-chegado. O desvio
não apenas no plano do pensamento, do olhar materno em direção a um outro
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mas também por meio de idéias do além objeto é radical para o sujeito, no
que são grafadas e têm a função de sentido de fazer com que este deixe de
orientar sua nova existência. Assim,. existir. Desalojada, por um breve
.; - Neném também desenvolve sua momento, do lugar de objeto do Outro
comunicação por meio dos livros que materno, L.N.P. reage com o mutismo:
'escreve. Um deles, dedicado à Xuxa e pára de falar e, depois de um período
Sasha, será de grande utilidade para prolongado de silêncio, passa a emitir
Neném e para Xuxa também, que se apenas grunhidos, tal como um bebê
tornará sua tutora. Por tutora entende- balbuciando. L.N.P. adota, também, um
se um tipo dc mãe, com o poder de comportamento bastante regressivo,
decidir sobre o destino de sua vida. Xuxa agindo como se fosse um neném de
orientar-se-á pelos escritos desse livro — verdade.
que revelam a pessoa que advém com o É na medida em que não há um
nome de Neném — para decidir sobre o significante fálico para responder a esse
seu futuro. acontecimento de castração, ou seja, na
medida em que a metáfora paterna
Experiência de corpo: regressão tópica ao fracassa, que se assiste a uma disjunção
estágio do espelho do simbólico e do imaginário. O gozo,
A sintomatologia que justifica o supostamente localizado, temperado
encaminhamento dessa paciente para o pela significação fálica, encontrar-se-á,
tratamento está associada à sua então, disperso em diferentes
transformação corporal. L.N.P. torna-se localizações voluntariamente dolorosas
violenta cada vez que alguém se dirige a do corpo. Os sujeitos psicóticos dão
ela por seu nome próprio. Ela testemunho dessas experiências
transformou-se em “Neném”, um “homem dolorosas no corpo. Segundo Jacques-
de verdade”. Não quer mais usar calcinhas, Alain Miller, esse ponto é o que permite
nem roupas de mulher. Sua mãe lhe a Lacan postular que o defeito da
costura umas cuecas para mediar o metáfora paterna se traduz por um
problema, mas este aparece também na buraco no campo do imaginário. Os
escola, quando os colegas a chamam por acontecimentos de corpo isolados como
seu nome, no meio familiar e na afetando o corpo são todos reportados
vizinhança. ao que Lacan chama de regressão tópica
Essa atitude agressiva emerge ao estágio do espelho. Trata-se de uma
apenas quando a paciente está com 12 regressão local, ou seja, uma regressão
anos. Contudo, os dados relatados por no espaço e não no tempo.
ela, durante a entrevista, nos permitem O sujeito não se comporta como
localizar o desencadeamento de seu um neném porque regrediu ao tempo em
quadro psicótico quatro anos antes, no que era neném, mas é seu corpo que se
momento preciso do nascimento de um transforma na imagem global de um
primo. Durante os oito primeiros anos neném homem. É no texto “Uma questão
de vida, L.N.P., que é filha caçula, preliminar” que se encontra essa
permaneceu como a mais jovem da referência de Lacan à regressão — talvez
família. O fato, totalmente contingente, a única vez que ele faz uso desse conceito
NST T L r0 üÇ P 5 I Ç A AJ A II 5 F F S_A_J DL M C I, F A L Dl IVl I N A S G L p A1 S
A CONSTRUÇÃO DE UM CORPO
O elemento nuclear
Eric. Laurent, em Estabilizaciones en las psicoses
(LAURENT, 1989:7-52.), elabora resenha comentada sobre o
desenvolvimento das teses lacanianas sobre essa clínica e indica
que, de 1936 a 1976, a cada 10 anos, houve uma reformulação
no ensino de Lacan sobre o enigma das psicoses. Na
diversidade dessa produção, Laurent informa que
uma existência, e pelo caminho da escrita, LAURENT, E. EstabHizaciones en tas psicosis. Argentina:
Manantial, 1989.
talvez um sintoma que conduza à
MILLER, J. A. “Biologie lacanienne et événement des corps".
estabilização. Sobre essa questão, relembro In: La Cause Freudienne, Revue de Psychanalyse,- n.44.
Lacan, quando diz que a estabilização Paris,2002.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A antomia e o destino de uma mulher: A [i(a)].O fato é que, para ser investido, o
mulher e uma solução edípica objeto deve estar em conformidade com
A criança — menino ou menina — o eu, diz Freud, em “Sobre o narcisismo:
ocupa uma posição junto à mãe diante da uma introdução”. Investir de uma
falta, em uma relação permeada de imagem narcísica, que julga ocultar a
conflitos, muito, longe de uma fusão falta sentida pela mãe. Contudo, é justo
paradisíaca. Os conflitos internos da mãe aí que se instala uma brecha no Outro
vêm à baila com o nascimento de um filho. materno — a idéia é simples: se a criança
Manifestações, as mais diversas, de se identifica com a criança imaginária,
discordância entre o que se esperava do que responde à falta da mãe, só pode
filho — a sua cria imaginária, idealizada situar a mãe como faltosa do que ela julga
— e o que nasce — “real demais” — são ter que preencher. E, então, a
recorrentes: estranheza, susto, desinteresse problemática da castração que se esboça.
radical, depressão, delírios pós-parto. O E, detidamente, podemos acompanhar
fato é que o nascimento do pequeno ser Freud em sua construção da sexualidade
desperta do sonho, é um acesso ao objeto, e das diferenças impostas pelas
encontro com o real. conseqüênciás psíquicas da diferença
As reações enlouquecidas, nos dias anatômica dos sexos. Prescreve Freud
que se seguem ao parto, constatadas em três saídas diante da descoberta cia
algumas mulheres, diante da mínima castração, a saber: a escolha da neurose,
imperfeição do bebê, não são raras, e o complexo de masculinidade e a
podem ser notadas exemplarmente no feminilidade — que é determinante da
caso da mãe de Felipe. Ela “intuiu que renúncia do amor da menina por sua
havia algo errado”, antes mesmo de mãe, do seu voltar-se da mãe para o pai.
ouvir o anúncio dos médicos de que ele Lacan mantém esse esquema
ficaria um tempo no hospital. O proposto por Freud, mas indo além em
problema detectado — uma hipospádia. suas soluções, equacionando a vertente do
O médico enuncia: “é homem mesmo, ser o falo — no lugar do ter ou não ter
mãe”. A mãe interpreta. Sai escondida, freudiano — à questão sobre a função do
registra o filho apenas em seu nome e filho, reafirmando a idéia de que este
trata de eliminar os vestígios do risco tampona a falta, responde ao lugar do
de o pai pôr-se a falar, contar para os desejo — o que não significa estar situado
outros. Decidida, ela se dedica a como objeto causa do desejo da mulher,
esconder, tamponar o que se propondo o órgão viril do parceiro como
transformara em seu aterrorizante podendo vir a ocupar a função de
segredo. Um segredo do seu corpo, semblante fálico.
talvez: homem com um “probleminha”. Retornando ao nosso ponto de
A leitura que quero sustentar, nesse investigação: a menina diante do desejo
caso, permitir-me-á fazer um recorte, não originário do pênis, frustrado pela mãe,
percorrendo o tratado da psicanálise sobre dirige com esmero seu apelo ao pai. Tal
a sexualidade feminina, as contribuições anseio pelo pênis, nostalgia da “falta a
lacanianas e seus avanços, mas localizando ter”, nostalgia de algo que jamais tivera,
um crucial aspecto na tentativa de uma como nomeia Lacan, só estabelece uma
escuta dessa mãe “Felipiana”. posição feminina, se é substituído pefo
A mãe de Felipe preocupa-se, desejo de um filho. A equivalência
porque, para ela, o “filho homem” tem simbólica de “filho - pênis” deverá
uma função especial na economia psíquica, estabelecer-se, e, ainda, um outro giro, em
um lugar preciso na sua solução edípica. que um sólido objetivo se instala — pela
Uma condição se impõe ao desejo vertente de um desejo, “deliciosamente
da mãe, qual seja: a de que ela revista a feminino”, dizia Freud, o desejo do pênis,
criança de um imaginário, permitindo, surge o desejo de ter um filho do pai. Para
ao mesmo tempo — reconhecê-la e Freud, importa mais o “um filho”, e
suportá-la — enquanto abjeto “a”, menos o “do pai”. Logo, se o que Freud
113
tentei fazer xixi em pé e consegui!...” “ À Maria Aparecida Farage, por ter dado voz ao caso Felipe
— tê-lo acolhido e feito circular no espaço ético — da supervisão
afirma categoricamente que não quer e do ensino e pesquisa do Núcleo de Psicanálise com Criança —
fazer xixi sentado porque homem que faz IPSM/MG. Que o traço do Felipe tenha transmitido sua coragem.
xixi dessa forma é bicha. Questionado Hipospádia é uma malformação congênita, caracterizada
sobre o que é ser bicha, responde, sem pela abertura anormal do orifício por onde sai a urina (meato
urinário), em diferentes locais na parte de baixo (face ventral)
nenhuma dúvida: “homem que não quer do pênis, ou mais raramente na bolsa escrotal. Na maioria dos
ser homem; homem que gosta de casos, é acompanhada por uma alteração da pele (prepúcio)
que.recobre a glande (cabeça do pênis), sendo que o prepúcio
homem”. passa a ter o formato de um capuz.
2. No decorrer da mesma sessão, Em alguns casos, ao ficar ereto, o pênis apresenta
curvatura para baixo, em direção à bolsa escrotal. 75% dos
utiliza a palavra bicha novamente e, dessa casos são da forma distai, cujo tratamento cirúrgico é menos
vez, define: complicado e tem probabilidade de sucesso na primeira cirurgia.
A idade ideal para a cirurgia é entre os seis e 18 meses de vida.
A correção cirúrgica é tecnicamente difícil, existem
Ué, quando o homem nasce ele é mais de 300 técnicas disponíveis. 0 tratamento cirúrgico visa:
criança, quando ele é grande é permitir que o paciente urine em pé, melhorar estética, evitar
homem, quando ele vai ao show e consequências psicológicas de órgãos genitais malformados,
permitir que no futuro tenha função sexual normal. Existem
um homem tira a camisa, aí ele vai e
complicadores frequentes, dentre eles, 20 a 40% necessitam de
quer namorar com ele, ele se veste outras operações devido a vazamentos (fístula), estreitamentos
de mulher, é igual ao Lacraia, ele é (estenose) ou necrose na nova uretra, infecções urinárias.
homem, não é mulher. E homem que Normalmente, as cirurgias complementares para efetuar as
virou mulher! correções dessas complicações devem ser feitas com intervalo
de, no mínimo, seis a nove meses. 0 resultado final parece o de
uma circuncisão e ocorre 12 meses após a cirurgia, mas sofre
No momento lógico seguinte, ele modificações, melhorando seu aspecto durante a puberdade.
Merece ser destacada a diferença existente entre a
começa a exigir o troco. Sempre, mesmo deformação (defeito na forma) e a malformação (defeito morfológico)
quando não teria nada para receber, de um órgão. No caso de Felipe, as cirurgias fracassadas, os
adiamentos e o que se prolonga também nos efeitos subjetivos sobre
quando brinca no jogo com o analista, em
essa criança, em função desse adiamento, não são situações que se
que ele tem dinheiro para comprar as desenvolvem sem problemas. E, entre outras questões, merece
coisas - quero troco! atenção o atendimento oferecido pela rede pública de saúde.
Lacan reconta uma história dos ““ Devo essa construção a uma pergunta, sempre insistente,
em Ana Lydia Santiago: "o que o caso ensina?"
chistes freudianos muito engraçada em 0
Eu na teoria de Freud e na Técnica da
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Psicanálise, O Seminário, Livro 2:
ANDRÉ, S. O que quer uma Mulher? Rio de Janeiro: Zahar, 1986.
... numa padaria, [um homem]
ANSERM ET, François. "A ambiguidade sexual". In: A clínica
pretende que não tem nada com que da origem, a criança entre a medicina e a psicanálise. Rio de
pagar — ele estendeu a mão e pediu Janeiro: Contra Capa, 2003.
um doce, ele devolve o doce e pede
BROUSSE,M.H. (Org.). El cuerpo em psicoanálisis. Seminário de
um copo de licor, ele o toma, pedem- Investigación. Espacio de investigación Madrileno. Escueia Lacaniana
lhe que pague o copo de licor e ele de psicoanálisis dei Campo freudiano, Madrid, 2001.
diz — dei um doce no lugar. — Mas
DRUMM0ND, Cristina. "Quero ser uma menina: uma aplicação
este doce, o senhor também não da psicanálise". Opção Lacaniana, São Paulo, n.34, Out. 2002.
tinha pagado. — Mas não o comi. Há
troca. Mas, como pode a troca ENIO, Leão. VIANA, Marcos Boãrato. (Org.) Pediatria
ambulatorial. Belo Horizonte: Coopmed, 1989.
começar?(LACAN, 1987:294.)
FREUD, S. Algumas conseqüências psíquicas da distinção
anatômica entre os sexos. Rio de Janeiro: Imago, 1969, (Edição
Cada um se introduz, clandesti standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund
namente, fraudulentamente, no balcão Freud, V.19).
das trocas. Foi preciso, diz Lacan, que, ___________ . "Sexualidade feminina". Rio de Janeiro: Imago,
1969. (Edição standard brasileira das obras psicológicas
em um dado momento, algo entrasse na completas de Sigmund Freud, V.21).
roda da troca, e era preciso que a troca
____________ . "Sobre o narcisismo: uma introdução". Rio de
já estivesse estabelecida. Se existe Janeiro: Imago, 1969. (Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, V.14).
psicanálise, é porque continuamos
pagando pelo cálice de licor que bebemos LACAN, J. O eu na teoria de Freude na técnica da psicanálise.
0 seminário, Livro 2. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.
com o doce que não tínhamos comprado.
_ _____ . "A significação do falo". In: Escritos. Rio de Janeiro:
Há um troco nas negociações e transações Jorge Zahar, 1998. p.692-703.
na economia do gozo em jogo — o jogo MILLER, J. -A. Elementos de biologia lacaniana. Belo
entre Felipe e um analista. Há um troco. Horizonte: Publicações Curinga-EBP/MG,2001.
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POS-FR EU DIANOS
Sandor Ferenczi
UM PEQUENO HOMEM-GALO*
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U pesquisas psicanalíticas me mostrou o caso de um
menininho suscetível de nos interessar.
Tratava-se de um menino com então cinco anos, o
pequeno Arpad, que, segundo os dizeres unânimes de seus
próximos, tinha tido até a idade de três anos e meio um
desenvolvimento mental e físico perfeitamente regular e
tinha sido uma criança inteiramente normal; ele falava
correntemente e dava provas de inteligência em suas proposições.
Bruscamente, sobrevém uma mudança. Durante o
verão de 1910, a família vai para uma estância de águas
austríaca na qual ela já havia passado o verão precedente e
alugou um alojamento na mesma residência. Desde a
chegada, o comportamento da criança mudou de modo
singular. Anteriormente, interessavam-lhe todos os
acontecimentos que podem atrair a atenção de uma
criança no interior e no exterior de uma casa; desde então
seu interesse não se dirigiu senão a uma única coisa: o
“galinheiro” que se encontrava no quintal da casa de
campo. De madrugada, ele se precipitava para perto das
aves, contemplava-as com um interesse infatigável e imitava
seus gritos e suas maneiras, chorando e gritando quando o
forçavam a se afastar do lugar onde ficava o galinheiro.
Entretanto, mesmo longe do galinheiro, ele só fazia “gritar
cocoricó” e “cacarejar”. Ele se corhportava assim durante
horas sem se cansar, não respondendo às perguntas senão
com seus gritos de animais, e sua mãe se pôs seriamente a
temer que a criança desaprendesse a fala.
Essa bizarrice do pequeno Àrpad persistiu durante as
férias todas. Em seguida, quando a família voltou para
Budapeste, ele recomeçou a utilizar corretamente a
linguagem humana, mas sua conversação versava quase que
exclusivamente sobre os galos, as galinhas e os frangos, no
máximo sobre as gansas e os patos. Sua brincadeira habitual,
que ele repetia inumeráveis vezes por dia, era e continuou
sendo a seguinte: ele moldava galinhas e galó§ amarrotando
papel-jornal e os colocava à venda, depois ele pegava um
objeto qualquer (em geral, uma pequena escova fina), que ele
batizava de faca, levava sua “ave” para debaixo da torneira'(aí
onde a cozinheira tinha realmente o costume de degolar os
frangos) e cortava o pescoço de seu frango de papel.
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais
Pàpeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004 \
Ele mostrava como o galo sangrava por causa dos toques voluptuosos que ele
e imitava com perfeição, com o gesto e com praticava sobre seus órgãos genitais. A
a voz, a agonia da ave doméstica. resposta, dada, aliás, de maneira mal
Quando se vendiam frangos no agradecida, foi que, de fato, a criança
quintal, o pequeno Àrpad não ficava no gostava de brincar atualmente (aos cinco
lugar, ele corria para a porta, entrava e anos) com seu pênis, que o puniam até
saía, e não tinha sossego enquanto sua mãe freqüentemente e que não era também
não comprasse um. Ele desejava “impossível” que alguém o tenha
manifestamente assistir à sua degolação. ameaçado um dia, “para se divertir”, de
Entretanto, ele tinha muito medo dos castração; aliás, era exato que Àrpad tinha
frangos vivos. esse hábito desagradável há “bastante
Seus pais várias vezes perguntaram tempo”; quanto a saber se ele já o tinha
à criança porque ela tinha tanto medo de durante aquele ano de latência, não
galo e Àrpad contava sempre a mesma podiam me dizer nada.
estória: um dia ele foi ao galinheiro e Poderemos ver pelo que se
urinou no seu interior; foi então que um seguirá, que efetivamente Àrpad não
frango ou um capão de penas amarelas (às escapou posteriormente dessa ameaça;
vezes, ele diz marrons) veio morder seu podemos então reter como verossímil a
pênis, e Ilona, a empregada, tratou de seu hipótese segundo a qual foi a ameaça
machucado. Em seguida, cortaram o sofrida no meio tempo que provocou um
pescoço do galo, que “morreu”. estado emocional tão intenso quando ele
Ora, os pais da criança efetiva reviu a cena de sua primeira experiência
mente se lembram desse incidente que terrificante na qual a integridade de seu
teve lugar por ocasião do primeiro verão pênis havia, da mesma maneira, sido
passado na estância de águas, quando ameaçada. Naturalmente, não podemos
Àrpad tinha apenas dois anos e meio. Um excluir uma outra possibilidade, a saber,
dia, a mãe escutou o pequeno dar gritos que mesmo esse primeiro pavor teve um
terríveis e ela soube pela empregada que caráter tão excessivo por vir na
ele tinha um medo medonho de um galo seqüência de uma ameaça de castração
que havia tentado abocanhar seu pênis. anterior e que a emoção ao rever o
Como Ilona não estava mais a serviço da galinheiro deve ser tomada por conta do
família, foi impossível estabelecer se crescimento da libido que se produziu
Àrpad tinha sido realmente ferido nesse meio tempo. Infelizmente, foi
naquele momento ou se (como sua mãe impossível reconstituir melhor essas
se lembrava) Ilona lhe havia feito um circunstâncias e nós devemos, por
curativo apenas para tranqüilizá-lo. conseguinte, nos contentar com a
O que é notável nessa estória é que probabilidade dessa relação causal.
-a ressonância psíquica desse aconteci Meu exame pessoal da criança não
mento sobre a criança tenha aparecido revelou nada de surpreendente ou
depois de um período de latência de um anormal. Desde que ela entrou em minha
ano inteiro, quando da segunda estadia sala foi precisamente entre o grande
na casa de campo, sem que nada no número de bibelôs que lá se encontravam
intervalo tenha passado que possa um pequeno galo tetraz de bronze que
explicar aos próximos do pequeno o atraiu sua atenção; ele o trouxe para mim
retorno súbito de seu medo das aves e seu e me perguntou: “Você pode me dar?” Eu
interesse por elas. No entanto, eu não me lhe dei papel e um lápis com o qual ele
deixei parar por essas denegações e fiz à logo desenhou (não sem destreza) um
roda do pequeno uma questão galo. Então eu o fiz me contar sua estória
suficientemente justificada pela com o galo. Mas ele já estava cansado e
experiência psicanalítica, a saber, se quis voltar para seus brinquedos. A
durante esse período não se tinha investigação psicanalítica direta não era
ameaçado a criança — como acontece então possível e eu tive de me limitar a
freqüentemente — de lhe cortar o pênis fazer anotar as proposições e os
comportamentos significativos da criança testemunham, na maior parte, um prazer
por essa senhora que se interessava pelo pouco corrente em fantasiar torturas cruéis
caso e que podia, enquanto vizinha e nas aves. Sua brincadeira típica — a
conhecida da família, observá-la durante imitação do estrangulamento de frangos
horas. No entanto, eu mesmo pude me — já foi mencionada; eu devo ainda
assegurar de que Arpad possui uma acrescentar que em seus “sonhos de aves”
grande vivacidade de espírito e mesmo ele vê geralmente frangos e galos “mortos”.
não deixa de ter dons; é verdade que sua Contarei agora literalmente algumas de
atividade mental e seus talentos estão suas proposições características:
singularmente centrados sobre a gente
emplumada do lugar onde fica o Eu gostaria de ter, diz ele um dia
bruscamente, um galo vivo depenado.
galinheiro. Ele cacareja e faz cocoricós de Ele não teria asas, nem penas, nem
maneira magistral. De madrugada, ele rabo, só unia crista e ele deveria
acorda toda a família — um verdadeiro poder andar.
Chanteclair — ao som de um vigoroso
cocoricó. Ele tem o sentido musical, mas Ele brinca na cozinha com um
não canta senão canções em que tratam frango que a cozinheira acaba de matar.
de galinha, frango e de outras aves De repente, ele vai ao cômodo vizinho,
domésticas; em particular, ele adora essa pega na gaveta do armário um ferro de
canção popular: frisar c grita: “Agora eu vou furar os olhos
cegos desse galo morto”. O momento em
Para Debreczen eu devia ir, um peru que se degola a ave é geralmcnte uma festa
eu devia aí comprar. para ele. Ele é capaz de dançar “horas”
E depois: Vem, vem, vem, meu
pintinho!, e também: em volta do cadáver dos animais, tomado
Sob a janela há dois pintinhos dois por uma excitação intensa.
galinhos e uma franguinha. Alguém lhe pergunta, mostrando-
lhe o galo degolado: “Você gostaria que ele
Ele também sabe desenhar —já foi acordasse?” — ME como! Eu mesmo o
feito menção a isso — mas ele desenha degolaria imediatamente”.
exclusivamente pássaros com grandes Ele brinca freqüentemente com
bicos, e isso não sem uma grande batatas e cenouras (que ele qualifica de
habilidade. Vemos também em que frangos), brincadeira que consiste em
direções ele busca sublimar seu potente cortá-las em pequenos pedaços com uma
interesse patológico por esses animais. faca. Ele quer a qualquer preço jogar no
Seus pais, .vendo que suas interdições não chão um vaso decorado com galos.
produziam nenhum efeito, finalmente No entanto, seus afetos com
tiveram que se acomodar com suas respeito às aves não se compõem
manias e consentiram em lhe comprar simplesmente de ódio e de crueldade,
como brinquedos diversos pássaros de eles são nitidamente “ambivalentes”.
material inquebrável com os quais ele se Muito freqüentemente, ele abraça e
entrega a todos os tipos de jogos acaricia o animal morto, ou ainda,
imaginários. cacarejando ou piando sem parar, ele
Em geral, Arpad é um menino “alimenta” sua gansa de madeira com
alegre, mas muito insolente, se batem nele milho, como ele viu a cozinheira fazer.
ou o chingam. Ele chora raramente, e Um dia, ele jogou de raiva sua boneca
nunca pede desculpas., Fora esses traços de inquebrável (uma galinha) no fogareiro
caráter, há nele sinais indiscutíveis de ' porque ele não conseguia rasgá-la, mas
verdadeiros traços neuróticos; ele é foi logo retirá-la, limpou-a e acariciou-a.
medroso, ele sonha muito (com aves Os animais de seu livro de imagens
naturalmente) e tem freqüentemente um sofreram por outro lado uma sorte
sono agitado (pavor noturno?). menos feliz: ele os rasgou em pedaços e
As proposições e ações de Arpad naturalmente não pôde ressuscitá-los, o
anotadas por minha correspondente que o chateou bastante.
Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais
Pápeis de Psicanálise v.l w.l abr. 2004
para tranquilizar a criança, ela lhe diz que ‘-Num grande número de análises e de sonhos de neuróticos,
descobrimos atrás de uma forma animal a figura do pai. Ver
não lhe fariam nenhum mal e que, aliás, Freud: "Análise de uma fobia num menino de cinco anos" e
todas as crianças faziam o mesmo. Ao que Mãrchenstoffe in trãumen.
0 caso do jovem Àrpad (que eu publiquei num primeiro
Àrpad respondeu, indignado: “Não é
número da revista Zeitschrift für ãrztliche Psychoanalyse) é
verdade! Nem todas as crianças! Meu papai reutilizado pelo professor Freud numa de suas obras recentes.
Seguindo a demonstração de Freud, nós podemos admitir que
nunca fez isso!”
Instituto de Psicanálise f Saúde Mental oe Minas Gerais
[ Pápeis de Psicanálise v.l n.1 abr. 2004
Coordenação Editorial
Márcia Rosa
Cristina Druinmond
Conselho Editorial
/
Antônio Beneti
Sérgio Laia
Elisa Alvarenga
Francisco Paes Barreto
Lázaro Elias Rosa
Lilany Vieira Pacheco
Revisão
Luciana Lobato
Diretoria do IPSM-MG
Secretaria do IPSM-MG
O paciente não se lembrava mais de irmão mais velho. Resultou disso uma
ter estado doente nos cinco ou seis briga entre os dois irmãos porque nosso
primeiros anos de sua vida. As primeiras jovem amigo não queria de forma alguma
dificuldades neuróticas só apareceram ser uma galinha. Mas ele teve que ceder a
durante o período de latência, em reação seu irmão mais forte, que continuava a
a um acontecimento traumático. Eu queria apertá-lo na mesma posição. Tomado por
novamente insistir aqui sobre o fato de que uma raiva desmesurada, ele se pôs a chorar
esses acontecimentos traumáticos podem e berrar: “Mas eu não quero ser uma
certamente provocar o desencadeamento galinha!”
de uma neurose, mas que eles são muito A partir desse momento, o
raramente a única e última causa da menininho começou a perder uma grande
doença. No tratamento analítico, eles são parte de sua liberdade de movimento. Ele
indicadores, limites, marcos que conduzem se sentia obrigado a fazer grandes desvios
a fontes inconscientes mais profundas às para evitar as galinhas, o que, numa
quais eles devem seu efeito, às vezes, sua fazenda, não se passava sem dificuldades.
origem. Não era ainda o medo das galinhas que o
A experiência traumática de nosso levava a evitá-las assim, mas o medo dos
paciente constituía tanto o clichê de sua ataques sádicos de seu irmão mais velho,
neurose púbere posterior quanto o de sua que, lembrando dessa brincadeira e dos
perversão e, no estudo desse caso protestos do pequeno contra o fato de ser
extremamente interessante e instrutivo, eu uma galinha, o gozava cada vez que uma
colocarei esse acontecimento no centro e galinha aparecia gritando: “É você!”
na base de nossa reflexão. Pois, para a Enquanto no princípio ele evitava as
análise, ele era o ponto de partida que gozações de seu irmão, pouco a pouco, ele
conduzia não apenas aos estádios começou a evitar as galinhas. Foi assim que
posteriores de seu desenvolvimento como a angústia devida às zombarias do irmão
também aos tempos pré-históricos de sua se transformou em medo de animais
infância desaparecidos sob amnésia. A inofensivos com os quais ele tinha até então
análise mostra quase sempre que tais se relacionado bem. Cada vez que ele
acontecimentos — quer eles tenham ou queria sair de seu quarto, uma pessoa de
não soçobrado na amnésia — não têm confiança devia prender as galinhas no
efeito patogênico senão na medida em que galinheiro e vigiar para que nenhuma
um terreno favorável lhes preexiste. estivesse nas paragens. Era preciso todas
A experiência de meu paciente essas precauções para que o menininho,
nunca havia sucumbido à amnésia, mas ele ainda apavorado, ousasse sair da casa. Com
não tinha tido acesso à significação mais o olhar inquieto, ele estava sempre
profunda desse episódio para o espiando com medo de que o bicho-papão
desenvolvimento de sua vida psíquica. O — sob a forma de uma galinha —
laço entre o acontecimento aparentemente aparecesse em seu carripo visual. Quando
inofensivo e as dificuldades neuróticas ele avistava uma, era tomado por uma
posteriores não pôde, por isso, ser grande angústia. Esse entrave à sua
estabelecido, senão com a análise. liberdade durou mais ou menos dois anos.
Num quente dia de verão, o Depois, a fobia desapareceu totalmente e
menininho de sete anos brincava com seu a análise revelou que esta liberação tinha
irmão, já adulto, no quintal da fazenda em coincidido com a partida de seu irmão, que
que ele havia nascido e crescido. Ele deixou a casa da família para estudar.
brincava no chão, agachado, quando seu Durante a puberdade, nosso
irmão mais velho saltou bruscamente sobre paciente se tornou particularmente difícil
ele por trás, o agarrou fortemente pelo de educar e, depojs de um incidente
tronco e gritou: “Eu sou o galo e você é a- desagradável com a governanta francesa,
galinha”. foi enviado para uma escola da cidade. Ele
Tratava-se manifestamente de uma se instalou na casa de um professor ao qual
agressão sexual lúdica da parte de seu ficou muito ligado. Quando, depois de
_________________________________________________________________Estudos
PÔS-FREUDIANOS| 127
vários meses ele voltou para casa para Depois veio uma fase em que a
passar as férias, foi novamente tomado pela educação empreendida por sua roda
fobia de galinhas — depois de uma parecia coroada de sucesso. O menininho
interrupção de seis anos —, de sorte que abandonou suas “porcarias”, se tornou
apenas ousava deixar seu quarto. muito limpo e deu a impressão de ter
A fobia diminuiu progressivamente, renunciado aos prazeres anais. Começou
ele foi pouco a pouco sarando, por a se masturbar e podia parecer que ele
conseguinte, mas ele se desviou então do tinha assim conseguido passar do estádio
sexo feminino e se tornou, como eu lhes anal ao estádio genital. Mas a análise
disse, um homossexual manifesto. revelou que a masturbação não visava, por
Consideremos agora um pouco outras vias, senão as sensações de
mais de perto a história de sua infância prazer anal. Em suas manipulações
antes do acontecimento traumático. Dos masturbatórias, ele sabia se pegar de tal
três filhos, ele era de longe o mais novo forma que, no lugar de encostar com o
e o perfeito “chuchuzinho” da mamãe. dedo na parte posterior, ele encostava seu
Era inseparável de sua mãe, sempre na pênis sobre o períneo na parte da frente e
barra da sua saia, e a acompanhava em obtinha assim sensações anais. Suas
todas as suas ocupações. Acontecia que fantasias permaneciam centradas sobre sua
as galinhas, muito tefhpo antes da cena mãe, a quem ele representava munida de
com seu irmão, tinham desempenhado um pênis: nesse jogo, seu próprio pênis
um papel importante em sua atividade era um órgão que pertencia à mãe, assim
fantasmática. Sua mãe se ocupava com como o havia sido seu dedo em suas
um interesse particular do galinheiro. O fantasias anteriores. Nessa fase, ele tinha
pequeno tomava ativamente parte nisso, certamente uma posição passivo-anal, mas
se regozijando quando um ovo era posto a escolha de objeto era heterossexual. Foi
e olhava com interesse sua mãe tocar as o acontecimento vivido com o irmão que
galinhas para controlar a postura dos marcou uma virada na escolha de objeto.
ovos e a incubação. Ele próprio gostava Com essa agressão, a posição passivo-anal
muito de ser tocado por sua mãe e, predisponente à homossexualidade já
quando ela lhe dava banho, o lavava ou tinha tomado uma orientação homossexual
lhe dispensava outros cuidados, ele lhe e o irmão tinha sido colocado no lugar da
perguntava freqüentemente, para se mãe. O jogo com o irmão tinha plenamente
divertir, se ele também iria botar um ovo ativado sua disposição homossexual
e se ela não queria controlar isso com o passiva. A análise mostrou que desde antes
dedo. Se o prazer do tocar, no início, se desse acontecimento, observando o galo
ligava aos órgãos genitais, ele deslocou que saltava sobre uma galinha, nosso
em seguida, progressivamente — talvez paciente tinha-se identificado com esta e
por relação com o tocar das galinhas — que, se ele havia protestado com tanta
essas sensações de prazer para a parte emoção contra o ato de seu irmão no jogo
posterior. Tocava seu ânus, retinha suas do galo e da galinha, era precisamente
fezes ou ainda botava ovos fecais porque rejeitava conscientemente esse
perfeitamente formados em todos os papel passivo que ele desejava
cantos do quarto, muito feliz em fazer inconscientemente. A cena com seu irmão
esse dom de amor à sua mãe e muito tinha, para ele, a significação do ato sexual
espantado em não vê-la acolher esse dom entre o galo e a galinha, ou seja, entre seu
com a mesma satisfação de quando ele irmão e ele, e seu grito: “Eu não quero ser
vinha das galinhas. Nessas brincadeiras, uma galinha!”, tinha como conteúdo real:
ele próprio tinha um papel duplo: era a “Eu nego meu desejo homossexual
mãe que o tocava, o apalpava e introduzia passivo”. A fobia de galinhas, tal como
seu dedo e a galinha tocada que botava mostrou a análise, não era senão a
o ovo. Esse jogo anal tinha, em grande seqüência dessa tendência à denegação.
parte, caído na amnésia e só voltou à Eu gostaria de mencionar aqui um
memória no curso da análise. outro elemento desse acontecimento
^1 Imstituto oe Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais
H Pàpeis oe Psicanálise v.l n.1 ab». 2004
ocorrido com o irmão. O paciente contou paciente, a sensibilidade ao ser tocado era
em análise, sem fazer ainda o laço com o provavelmente deslocada dessas partes do
acontecimento, que tinha em torno do corpo para a zona que, na cena com o
tronco uma zona tão coceguenta que a irmão, tinha desempenhado um papel
mínima coisa, experimentando uma correspondente ao destino da libido, que
roupa, ou ao menor contato com essa zona, tinha passado da mãe para o irmão.
ele era tomado de risos loucos Eu tenho a impressão de que essa
incontroláveis e que quando ele brincava forma de excitabilidade da pele, com
antigamente com seus colegas, ele morria reações afetivas particulares e tão
de rir quando tentavam fazer cócegas nesse desenvolvidas em nosso paciente, tem a
lugar. Na análise, essa hipersensibilidade mesma origem em toda cócega. E, com
pôde ser ligada à cena com seu irmão. efeito, notável que, na maioria dos
Quando dessa cena fatídica, seu irmão o indivíduos, as regiões coceguentas típicas
havia mantido enlaçado por trás nesse sejam aquelas que têm a prevalência nos
nível do corpo que pertencia à zona cuidados e nas limpezas da primeira
coceguenta. Esse abraço, como nós infância. Parece que a essas regiões do
sabemos, tinha provocado uma satisfação corpo se amarram lembranças de prazer
a seus desejos libidinais passivos. Mas ligadas ao erotismo da pele, vividas na
simultaneamente foi despertada uma primeira infância e recalcadas na
violenta defesa contra essas tendências seqüência. A cócega é, portanto, ao mesmo
passivas. O riso provocado pelas cócegas tempo, revivescência e recusa do prazer.
era a expressão da satisfação, a Voltemos a nosso paciente. A cena
reminiscência do que tinha sido prazeroso com seu irmão significava para ele
nesse acontecimento, mas era um riso que, uma cena de sedução homossexual,
por causa da defesa, se tornava desprazer, acontecimento para o qual ele estava há
um prazer já recusado, de alguma muito tempo preparado e predisposto em
maneira, uma espécie de prazer triste. suas fantasias inconscientes. Sua luta
Pelo que nosso paciente podia se consistia numa defesa contra a realização
lembrar, a cena.com o irmão não se desse desejo, defesa contra sua própria
acompanhava de sensações de cócegas, homossexualidade passiva que se
mas nosso paciente guardou a lembrança manifestava na fobia das galinhas.
física na zona do abraço que, despertado Reflitamos no conjunto do processo
pelos contatos posteriores, levava cada vez e lembremos dos dois casos exemplares de
à descarga alegre — o riso — e ao mesmo fobia animal: a fobia dos cavalos do
tempo à defesa como outrora no grito: “Eu “pequeno Hans” e a fobia do lobo na
não quero ser uma galinha!” “História de uma neurose infantil”
Ele tinha sido vencido no combate (Freud).
com seu irmão, e é como lembrança de sua O pequeno Hans tinha recalcado a
submissão passiva, depois de ter pulsão hostil contra o pai, ele tinha
renunciado a se defender que apareceram deslocado suas tendências agressivas
suas síncopes posteriores, quando lhe contra o pai para um objeto animal
faziam cócegas. Acrescentemos que, em apropriado e esperava no presente a
suas relações com sua mãe, o paciente já vingança do poderoso animal, ou seja, uma
tinha tido fortes sensações de prazer agressão contra sua pequena pessoa. A
quando ela o tocava. Esse prazer de ser angústia era nele um sinal de alarme
tocado — seu erotismo da pele era diante de seus perigos interiores, angústia
visivelmente muito desenvolvido — da qual o conteúdo era: “Se você quer
concernia também outras partes do corpo matar seu rival, seu pai, você será castrado
que eram objeto de cuidados e da atenção por ele”, e o perigo da castração era
de sua mãe. Esses lugares enxugados, exprimido pelo conteúdo: “Você será
portanto, tocados, quando se faz a limpeza mordido pelo cavalo”>E característico que
das crianças, se encontram sob o queixo, esse perigo ameaçador seja jogado no
nas axilas e nos calcanhares. Em nosso mundo exterior.
O pequeno Homem dos Lobos O paciente também solicitou seus favores,
também projetava um perigo interior no mas foi despachado porque ele era muito
mundo exterior. Nele, no entanto, o perigo jovem. Ele não aceitou muito facilmente
residia na relação homossexual passiva essa recusa. Num acesso de raiva, agrediu
com o pai (contida no desejo inconsciente a governanta por trás e tentou violentá-la
de ser comido pelo pai). Nele também o nessa posição. Depois de uma violenta cena
perigo interior foi deslocado para um familiar, foi decidido que o rapaz irritável
animal. Mesmo que o processo seja mais deixaria a casa.
complicado, sua angústia também Esses acontecimentos da puberdade
correspondia, como o mostra Freud, à revelam que o paciente já tinha estado
angústia de castração. A castração, que é anteriormente em rivalidade com seu
para Hans uma ameaça de vingança e de irmão. A mãe tinha provavelmente
castigo, se torna, no pequeno Homem desempenhado um papel nessa rivalidade,
dos Lobos, a condição da satisfação e a análise trouxe índices sobre o fato de
inconscientemente desejada. Para ser que, em sua vida fantasmática, as
amado por seu pai como o é a mãe, é observações do galo e da galinha se ligavam
preciso sacrificar seu órgão genital a seu pai e à sua mãe. Temos também a
masculino. impressão de que o homenzinho não tinha
O que se passa no presente com a suportado se ver recusado por sua mãe e
fobia de galinhas de nosso paciente? Ele que era por essa razão que ele tinha
partilha com os dois outros, o pequeno operado essa inversão para uma posição
Hans e o Homem dos Lobos, o fato de feminina. Verdadeiramente, se esse
deslocar o perigo interior para o mundo processo de inversão se realizou tão rápido
exterior. Mas, nele, o mecanismo de e tão facilmente, era porque uma forte
projeção funciona de outra maneira. Ele disposição anal o havia preparado. Essa
isola essa parte de sua personalidade que primeira organização edipiana normal, tal
é portadora de sua posição passiva em como nós a colocamos acima, permanecia
relação ao irmão. A galinha, à qual eleja uma simples hipótese fundada sobre certos
havia se identificado anteriormente, índices sem que a análise tenha podido
corresponde precisamente a essa parte prová-la com certeza. De imediato, a
dele mesmo isolada e projetada no análise descobriu que a relação com a mãe
exterior. A galinha é, de alguma forma, o tinha uma forma pouco viril: de um lado,
espelho de sua tendência feminina. Cada ele se identificava com ela, e, de outro, ele
vez que ele se vê nesse espelho, ou seja, esperava dela uma satisfação anal. Dessa
quando ele vê uma galinha, ele é tomado relação ele passou diretamente para a
de angústia diante de suas próprias relação com seu irmão, e seu pai não teve
tendências pulsionais que devem ter nele em nenhum momento um papel decisivo
também a mesma conseqüência que no na análise.
pequeno Hans e no Homem dos Lobos: a O acontecimento com a governanta
castração. foi decisivo para seu destino posterior. A
Lembremos que sua analidade recusa que ele suportou da parte da
primitiva trazia uma disposição à mulher reforçou suas tendências
homossexualidade passiva: seu irmão, homossexuais. Ele voltou à escola,
atacando-o por trás, não faz mais do que sublimou aparentemente sem dificuldades
mobilizar e consolidar essa disposição. neuróticas, mas toda a sua conduta traía
A angústia das galinhas desapareceu de nitidamente tendências passivas. ’
maneira característica quando o irmão Aos 16 anos, em visita a seus pais,
deixou a casa — prova de que o perigo teve um novo acesso fóbico. Ele deixou
real para seus desejos libidinais se precipitadamente a casa e voltou à cidade.
situava, na realidade, em sua relação No dia de seu retorno, conheceu um belo
com seu irmão. rapaz, se dirigiu para ele de um modo
Durante a puberdade, o irmão teve extraordinariamente agressivo, lhe contou
ç uma ligação com a governanta francesa. suas aventuras homossexuais (que ele
Institui? de Psicanaiise e Sauoe MrxTAL de Minas Gerais
130-M Papeis oe Psicamàlise v.l n.l abr. 2004
nunca tinha tido) e seduziu ativamente o tenha terminado por uma reversão para a
rapaz, também homossexual. A partir heterossexualidade e que, se eu acreditar
desse momento ele teve toda uma série de nas notícias que recebo de tempos em
experiências homossexuais análogas, nas tempos dele e de seu modo de vida
quais desempenhava sempre o papel do exterior, o paciente permaneceu
sedutor ativo. heterossexual.
E preciso compreender como se A solução terapêutica se revelou,
passa essa mudança súbita em seu nesse caso, tão interessante, que eu não
comportamento: fugindo anteriormente posso impedir-me de lhes reportá-la
de sua própria passividade, ele tinha, ém rapidamente.
sua angústia, recalcado toda moção O paciente veio à análise insistindo
homossexual e preferido antes tomar vivamente sobre sua auto-satisfação. Era
medidas fóbicas do que sofrer a irrupção um rapaz de tipo feminino narcísico,
dessas moções. Mas a libido homossexual para quem a única forma possível de
refreada podia se impor com uma relação de objeto consistia em investir
condição: que ele assumisse o papel ativo suas capacidades de amor limitadas num
e não passivo em sua homossexualidade. objeto semelhante a ele. No momento em
Para fazê-lo, ele deveria se identificar que tinha começado sua análise, ele se
com a mãe sedutora e não com a mãe dizia “apaixonado” por um comediante.
seduzida. Ele atingia assim dois objetivos. Esse comediante, o tipo mesmo da
Primeiramente, ele podia manter sua escolha de objeto narcísica, era a
atividade, ele não tinha necessidade de encarnação de todas as qualidades que o
renunciar à sua virilidade nem ao órgão paciente desejava encontrar em si
viril. Em segundo lugar, depois de ter mesmo. Ele queria ser comediante, o
feito uma escolha de objeto narcísica, ou homem amado o era. O ser amado era
seja, estabelecer relações amorosas com terno como uma mulher e generoso
jovens que se parecessem com ele, ele como um homem, pronto a todos os
podia, por meio desse desvio, sacrifícios e, entretanto, preocupado em
identificando-se com os outros, gozar manter sua personalidade, etc. Ao
passivamente da experiência. mesmo tempo, o paciente devotava uma
Mas o último choque que tinha igual admiração à sua própria pessoa, era
liberado sua homossexualidade foi o tão satisfeito e arrogante como se ele
seguinte: quando de sua última visita a sua tivesse realmente todas essas qualidades
casa, ele tinha ficado sabendo que seu que ele pretendia encontrar naquelq que
irmão era um homossexual manifesto. Essa ele amava.
descoberta provocou o despertar de sua Na análise, essa soberania narcísica
fobia. Mas, ao mesmo tempo, desde seu foi um pouco abalada. Ele abandonou a
retorno à cidade e sob o efeito dessa notícia, análise, mas logo escreveu cartas
ele abandonou a angústia de sua própria desesperadas, suplicando-me para retomá-
homossexualidade e — identificando-se lo, pois estava, dizia ele, completamente
com seu irmão — torna-se homossexual “perturbado”. Na sua volta, ele teve o
ativo. Ele só tinha que dizer para si mesmo: seguinte sonho: ele apaga a luz de
“Eu não preciso mais temer a agressão de cabeceira (ele já está sonhando) para
meu irmão porque eu próprio me tornei dormir. No mesmo instante, sente uma
o agressor”. pressão em seu pescoço, um aperto em sua
As perspectivas terapêuticas de uma garganta, uma forma pesada aperta todo
tal análise, na qual o analisante aceitou seu corpo, tenta lhe esmagar o peito. Ele
sua perversão estando inteiramente se defende, as duas formas se mordem em
convencido de estar com boa saúde e não sua luta, caem da cama no chão e
se submetendo ao tratamento senão pela continuam os socos, arranhões, gravatas,
demanda de seus próximos, são etc. Ele consegue alcançar o interruptor,
extraordinariamente desfavoráveis. E acende a luz, vê nesse instante uma forma
muito surpreendente que “essa” análise feminina vestida de preto passar
furtivamente e sabe então que ela é a produto final de um processo muito
instigadora do combate. Ele sente suas complexo. Sua “posição feminina” era
forças desaparecerem na luta e sabe que certamente precocemente determinada
vai morrer. Na pessoa de seu adversário por disposições (relação anal com sua mãe,
reconhece um rapaz de suas relações. Ele etc.), mas o resultado final era devido a
diz: “Eu me suicidei” e pensa então: “Isso um ódio violento contra o pai ou o irmão,
é o que eu mereço”. Ele sabe muito bem grande e potente (a mulher na origem do
que o outro o matou e, no entanto, afirma combate no sonho). Na luta, ele devia
que é um suicídio. Finalmente, ele se diz: submeter-se reconhecendo sua fraqueza
“E muito nobre de minha parte levar a (combate galo-galinha), e de inimigo, no
culpa”, e acorda. início, transformar-se em amoroso
Toda esta cena de luta no sonho impotente.
lembra, em sua interpretação analítica, a O sonho mostrava, no entanto,
cena de Os Elixires do diabo, de E.T.A. claramente, que essa luta entre ele e o
Hoffmann", na qual Médard e Victorin, “outro” continuava em sua vida interior.
encarnações da divisão do eu, lutam um O “outro” nele, que o maltratava e acabava
contra o outro. O paciente vive a analogia por matá-lo era a parte sádica de sua
e me reconhece na silhueta feminina do personalidade, e, ao mesmo tempo, seu
sonho como a instigadora de seus conflitos próprio juiz, declarando: “Ele não merece
surgidos na análise. Ao “rapaz” ele nada melhor”, dava sua sentença e o
associou seu encontro na véspera com um condenava ao suicídio.
homem de seu conhecimento que ele Vemos aqui a crítica interna reinar
sabia ser um homossexual sádico como déspota e supomos, então, com
agressivo que atormentava e explorava razão, que ela foi a causa justificadora do
seus objetos. O paciente o desprezava retorno da agressão sobre ele próprio.
absolutamente e evitava sua companhia. Ora, a posição masoquista que resultava
Na conversação, esse “rapaz” lhe havia disso se tornava perigosa para o eu, pois
dito que ele não andava bem, que sofria ela o ameaçava novamente da perda da
de depressão e de angústia. Dois virilidade, tal como havia feito o desejo
pensamentos atravessaram o espírito do libidinal feminino original. Nós já
paciente. Um era: “Isso é o que você reconhecemos na fobia a defesa contra
merece”, e o outro: “Como eu”. esse perigo, mas compreendemos agora
Essas associações traíam nitidamente que a fuga fóbica valia também como
sua identificação com o rapaz. Enquanto castigo que comportava novamente o
que, até agora, ele se colocava no mesmo perigo de castração. O castigo e a
plano de seus parceiros amorosos que satisfação do desejo libidinal feminino
correspondiam a seu ideal do eu consciente tinham as mesmas conseqüências fatais e
e se sentia assim semelhante a eles na deviam em seguida ser rejeitadas pelo eu,
admiração narcísica de si mesmo, o sonho como isso se produzia, aliás, com os
traía uma identidade mais profunda, mecanismos fóbicos.
recalcada, reemergindo no presente sob a Em nosso paciente, o combate
influência da análise (a mulher interior tinha-se resolvido no curso do
instigadora), com o que era mau, sádico e tempo numa série de compromissos
agressivo nesse homem. No sonho, ele aparentemente bem-sucedidos e o
descarregava toda a sua raiva e paciente tinha compensado sua
agressividade contra o inimigo que o desvirilização psíquica com um narcisismo
atacava, contra o parceiro sádico que era soberano. A análise relançou o combate
também seu duplo, seu eu recalcado e até as raízes mais profundas do conflito.
compensado. A paz interior foi abalada, o muro de
O quadro aparentemente claro e proteção narcísica ruiu, e o processo de
transparente de sua posição passiva se cura pôde então começar.
complica aqui. O que nós tínhamos Lembrem da paciente que sofria de
descoberto em sua fobia se mostrou ser o uma fobia de gatos. Nós vimos que uma