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A lógica das entradas em análise

Éric Laurent

As três conferências a seguir foram ditadas no Ateneo


Veneto de Veneza nos dias 18, 19 e 20 de março de 1994
e publicadas no nº 16 da Revista “La Psicoanalisi”

I
As questões éticas se impõem também ao final de análise quando se valora sua
incidência na experiência analítica. O ensino de Laca é o que permite situar, nessa
perspectiva, um problema que pode parecer técnico e ligado à aplicação do princípio
terapêutico freudiano.
Início e conclusão do tratamento – temas do Congresso de Turín e do VII Encontro
Internacional de Paris, respectivamente – não se contrapõem. Lacan os coloca sob a
mesma perspectiva afirmando que a análise termina de acordo com o início que teve.
Assim como toda a infância do sujeito pode estar resguardada pela mais ínfima
recordação infantil, encontramos também, no après-coup da conclusão da análise, que
tudo já estava lá desde a primeira sessão.
É uma maneira de compreender a metáfora freudiana do jogo de xadrez – o mais
lógico dos jogos, pelo menos no Ocidente- para designar a colocação em ato e a conclusão
da experiência analítica. Qualquer pessoa que tenha jogado um pouco de xadrez sabe que
a escolha entre diversos tipos de abertura, ofensiva ou defensiva, depende da maneira com
a qual se quer jogar o final da partida. É preciso impor a própria lógica ao outro jogador
antecipando, no final, sua estratégia.
Ter escolhido uma metáfora lógica corresponde a uma característica da psicanálise
que Freud indica em “O método psicanalítico de Freud”[1], quando ao falar em terceira
pessoa, ele apresenta seu descobrimento a um público vasto.
Freud levanta a diferença, ainda atual, entre a psicanálise e as outras formas de
psicoterapia, pelo fato de que a eficácia terapêutica da primeira não se apoia sobre o poder
da sugestão. As formas de psicoterapia reconhecidas no estado italiano (familiar,
cognitiva, comportamental ou sistêmica) se inspiram na receita ou no conselho do
médico; a psicanálise, ao contrário, escolhe não exercer o poder de sugestão, o poder da
ordem, do conselho, da direção.
Nenhuma sugestão, assim diz Freud, senão uma lógica na direção de que é preciso
“deixar-se levar”, expressão utilizada por ele mesmo.

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Como obter então esse “deixar-se levar”? Se esta lógica é aceitável para quem
vem pedir uma análise é porque, desde o início, tanto o paciente como o analista estão
submetidos à lógica da associação qualificada por Freud de “livre”. É uma referência
irônica ao associacionismo da psicologia universitária da época; ironia que nos escapa
porque não temos o mesmo corpus de referência: o associacionismo de Wundt que foi
imposto, forçado e cujas consequências sofreram todos os laboratórios universitários da
época.
Em outras palavras, o cognitivismo dominante se contrapõe a um significante
novo, a associação livre, que Freud formula como “...comunicar tudo aquilo que ocorra
ao seu pensamento, ainda que se julgue secundário, impertinente ou incoerente”.
Freud exige sobretudo que “...não excluam da comunicação nenhuma ideia, nem
nenhuma ocorrência, por parecer-lhes vergonhosa ou dolorosa de comunicar”.[2]
É a primeira formulação dos preceitos técnicos de Freud.
Sublinhemos, por hora, que a primeira intervenção de Lacan no campo da
psicanálise foi feita para refutar a significação dominante nos anos 50 segundo a qual este
abandono daria lugar, quase automaticamente, à revelação do inconsciente graças a uma
espécie de automatismo funcional. A análise das resistências, que aponta para sua
progressiva redução, se desenvolve a partir dessa sensibilidade técnica. Lacan opõe a ela
um ponto fundamental: o horizonte de verdade sob o qual se desenvolve a obra de Freud
que cobre o campo de incidência da natureza do homem, suas relações com a ordem
simbólica, o advento de seu sentido desde as instâncias mais radicais da simbolização do
ser.
Não é por um mecanismo de liberação funcional, quase biológico, que se advém
a um sentido que toca a instância mais fundamental da simbolização. Esta é uma primeira
resposta à questão de como começam as análises. Em outras palavras, as análises
começam quando a verdade é posta em jogo nas relações de cada um com a ordem
simbólica, através do percurso do sentido dos símbolos. Esta é a primeira perspectiva que
Lacan levanta em “Intervenção sobre a transferência” de 1950, onde, a propósito do caso
Dora, coloca o começo da análise no plano da afirmação da verdade. Nesse primeiro
colocar à prova, Freud não se mostra hipócrita quanto ao pai de Dora: “durante as sessões
do tratamento, Dora criticou repetidas vezes amargamente seu pai, dizendo que era pouco
sincero, pensava apenas na sua própria satisfação e possuía o dom de representar as coisas
tal como lhe convinha, críticas que ficavam piores especialmente naquelas ocasiões nas
quais o pai se sentia mal e saía precipitadamente para B...”[3].
Freud, que havia tratado o pai de Dora e que tinha sido consultado dois anos antes
por causa das perturbações relacionadas com o sintoma histérico da jovem, não recua na
afirmação da verdade dessa descrição: “em geral não era possível defender o pai contra
essas acusações e se via facilmente qual delas era a mais justificada”[4]. Freud, pois, não
se escuda no sigilo profissional para evitar julgar o pai e retém como verdadeiro o juízo
de falsidade de caráter.

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É a partir de quando se coloca em jogo a verdade que os sintomas psicanalíticos
podem ser diferenciados dos sintomas médicos e reconhecidos em sua peculiaridade: para
nós o sintoma analítico supõe, pelo que tem de fundamentalmente imaginário, a
representação fragmentada do corpo introduzida na combinatória potente da linguagem.
Estão juntas, verdade e combinatória, nessa sobredeterminação mínima
representada pelo duplo sentido que não pode instalar-se senão através da linguagem que
gera os equívocos. No caso de Dora o equívoco conduzirá em direção à tosse e a afonia
assim como ao significante estruturado no traço de falsidade do pai, afortunado na medida
em que tem dinheiro, mas desafortunado pois impotente.
A colocação em jogo da verdade e do equívoco parece paradoxal já que em
âmbitos diferentes do nosso, por exemplo na filosofia da lógica, a verdade se põe em jogo
através de uma redução do equívoco. Em seu texto inaugural de 1892, “Sentido e
significado”, Frege distingue o equívoco do sentido, para isolar a unicidade do referente.
O exemplo princeps é o seguinte: “estrela da manhã” e “estrela da tarde”; a primeira
“estrela, visível pela manhã, e a última, à tarde, são, na realidade, o mesmo corpo celeste.
A verdade dos enunciados que se referem ao planeta [Vênus] implica a redução do
equívoco.
O discurso analítico, ao contrário, instaura ao mesmo tempo equívoco e verdade,
uma vez que é o equívoco que permite tomar o sintoma na combinatória da linguagem.
Tomemos, por exemplo, um sujeito obsessivo que vem lamentar-se de chegar
sempre tarde em suas obrigações e em sua vida em geral, sem entender por que certos
sonhos que aparecem durante as entrevistas preliminares com o analista tem um conteúdo
incestuoso em relação à sua tia. Com grande surpresa se pergunta: por que a tia? Há uma
homofonia na língua francesa entre l’attente e la tante [“a espera” e “a tia”]. Partindo
desse primeiro movimento, que é o conjunto de verdade e equívoco, o sujeito é
introduzido no lugar onde opera a potência combinatória da linguagem e de onde se
pergunta qual é o gozo da espera. Resta saber como nós conseguimos que o sujeito
consinta a dar lugar a esta verdade que fala pela sua boca para advir o sentido.
O termo “assentimento” é utilizado por Lacan em referência ao cardeal
Newman[5]. No “Ensaio para uma gramática do assentimento” de 1870, Newman
interroga o assentimento ao qual estava ligado como militante da persuasão, além de
cardeal convertido à Igreja anglicana (o Cisma preocupa a Igreja anglicana até o final do
Renascimento). Pode-se ironizar sobre o assentimento de Newman, mas permanece como
um grande mistério frente ao qual não se deve fechar os olhos. O encontramos também
naquelas escolas analíticas que utilizam a metáfora do contrato e da aliança terapêutica.
Por que obtemos o assentimento? E antes de obtê-lo por que estas entrevistas
preliminares? Durante as entrevistas o sujeito recusa admitir a verdade e só ao final
consente a isso.
A aliança com um profissional é uma perspectiva na qual se tenta obter do sujeito
que se faça objeto, que fale de si como se se tratasse de outro. As terapias cognitivas,

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comportamentais, sistêmicas, recorrendo cada vez com mais frequência a instrumentos
técnicos tendem a que o sujeito fale de si com destacada objetividade.
Por exemplo, o biofeedback nas escolas comportamentais, onde a imagem de si se
objetiva – observando a si mesmo ou aos membros da família no vídeo – é utilizada para
incentivar ou promover a representação de si à distância.
Ou melhor, a objetivação do corpo através do imaginário; os órgãos visíveis, por
exemplo, na curva das funções cardíacas, nos gráficos da pressão arterial e em todas as
formas possíveis de colocar a si mesmo em imagens. São imagens que fascinam e que o
progresso tecnológico alimenta de forma desmesurada, a ponto de colocar em perigo os
sistemas de saúde dos países civilizados pelo custo da enorme quantidade de ecografias
inúteis produzidas por pura fascinação da representação de si.
Há todo um campo no qual a objetivação de si pode ser considerada uma via de
terapia que determina certo número de efeitos incontestáveis e não podemos qualificá-las
simplesmente de ineficazes. O ensino de Lacan, que segue a orientação de Freud renuncia
a essa possibilidade, à eficácia da objetivação, em nome de outra perspectiva. Não se trata
de uma nova objetividade (embora se possa falar de uma nova realidade), mas de obter
uma nova subjetividade, uma nova subjetivação.
Em “Função e campo da fala”, escrito dois anos depois de “Intervenção sobre a
transferência”, no comentário sobre o início da análise do Homem dos Ratos, Lacan põe
a análise em uma nova perspectiva dialética, correlacionando-a a um aspecto deixado de
lado nesse texto. Sobre a base das primeiras sessões do Homem dos Ratos, publicadas em
torno desses anos e das quais não dispunha em 1951, Lacan examina uma crítica segundo
a qual Freud não haveria sido um terapeuta rigoroso e que era preciso superá-lo para
permitir um progresso da psicanálise. Essa crítica estava baseada no fato de que Freud
haveria aceitado dar explicações ao Homem dos Ratos quando ele na segunda sessão lhe
confiou seu fantasma secreto, transgredindo com isso a regra de não responder à demanda
do paciente.
Lacan demonstra como Freud obteve o relato do fantasma do Homem dos Ratos
aplicando exatamente as consequências de seu horizonte de verdade. Releiamos a
passagem de Freud:
o capitão contou que lera sobre um castigo particularmente terrível
implantado no Oriente… Aqui ele se interrompe, levanta-se e pede-me
para poupá-lo da descrição dos detalhes. Asseguro-lhe, então, que eu
mesmo não tenho nenhuma inclinação à crueldade, que certamente não
gostaria de atormentá-lo e que naturalmente não lhe poderia dar de
presente algo que eu mesmo não possuísse. Da mesma forma, ele
poderia pedir-me que lhe desse dois cometas de presente. Disse-lhe
ainda que a superação de resistências era um mandamento do
tratamento que não podemos absolutamente ignorar. (No início da
mesma sessão, eu lhe apresentara o termo “resistência”, ao ouvi-lo dizer
que, se tivesse de comunicar a sua experiência, teria muitas coisas a
superar dentro de si.) Prossegui dizendo-lhe que o que devia acontecer
é que eu faria o que pudesse para adivinhar totalmente alguma coisa do

@lacanempdf
que fosse insinuado por ele. “Será que estaria se referindo a
empalamento?” “– Não, isso não, mas o condenado era amarrado” –
(expressava-se de modo tão confuso que eu não consegui adivinhar de
imediato em qual posição) – “e punham uma vasilha emborcada sobre
seu traseiro, depois introduziam nela ratos [Ratten] que iam” – ele
voltara a se pôr de pé, deixando transparecer todos os sinais de pavor e
resistência – “penetravam lá dentro”. “Dentro do ânus”, permiti-me
completar. Em todos os momentos mais importantes do relato, percebe-
se nele uma expressão facial composta de elementos muito peculiares,
que somente posso interpretar como horror diante do seu prazer,
ignorado por ele mesmo.[6]
Me parece que a tradução de Lacan, “o horror de um gozo ignorado”, é mais eficaz
que a tradução do texto freudiano na edição francesa, escolhida simplesmente para ignorar
a de Lacan.
Continuo a leitura de Freud: “Com todas as dificuldades, ele continua seu relato:
‘Naquele momento, fulminou-me a ideia [Vorstellung] de que isso aconteça com uma
pessoa que me é muito cara’”. A observação clínica da máscara de gozo do Homem dos
Ratos permite a Freud situar imediatamente todo o paradoxo da questão psicanalítica: o
fato de que ao mesmo momento em que o sujeito oferece com seu relato a verdade do que
sente, prova com isso, diz Lacan, um gozo ignorado. Nesse texto Lacan sublinha antes de
tudo que a satisfação está situada no plano imaginário e a verdade sobre o eixo simbólico;
essa satisfação particular no imaginário não é ignorada por Freud, que não escolhe a
vertente sedutora. “O efeito atual da repetição desse relato não escapa a Freud, e nem, por
conseguinte, a identificação do psicanalista com o ‘capitão cruel’ que fez esse relato
entrar vigorosamente na memória do sujeito, nem tampouco, portanto,a importância dos
esclarecimentos teóricos cujo penhor o sujeito requer para prosseguir em seu
discurso”.[7]
Nos introduzimos aqui no paradoxo da cena analítica: no momento em que se
efetua o advento de sentido que tem efeitos de verdade, esse sentido assume a conotação
de um gozo, e toda a questão está nesse enodamento de entrada. Como a correspondência
entre “l’attente” e “la tante” que assinala que para esse sujeito o gozo e o sentido em jogo
(jouis-sense) se encontram imediatamente enodados. Em outras palavras, para nós não é
possível jogar a verdade contra o gozo, o contrapondo a ela como faz sempre a filosofia.
O título do recente encontro em Madrid “o verdadeiro, o falso e o resto na
experiência analítica” representa, no fundo, um modo de tratar o mesmo tema do
Congresso de Turín, “como se iniciam as análises”. A dimensão do verdadeiro e do falso
se instaura no mesmo momento em que nos encarregamos do resto de gozo.
Tanto no caso do Homem dos Ratos, como no caso Dora, no momento do advento
da verdade aparece uma carga de gozo pelo fato de que o sujeito deixa falar, pela sua
boca, a verdade. Deixar falar a verdade pela sua boca permite a Dora sistematizar os
sintomas que tem a ver com a afonia. Para o Homem dos Ratos deixar falar a verdade diz
respeito aos temores em relação à mulher amada; o cúmulo desse sentimento indizível é
o que Lacan define como “implicar o sujeito em sua mensagem”. Para nós a verdade se

@lacanempdf
enoda com o sujeito pela carga de gozo que comporta, e aqui nos separamos do tratamento
pré-psicanalítico da verdade que põe em contraposição verdade e gozo. Na conferência
de encerramento das Jornadas de Madri, Miller colocou toda a história da filosofia na
perspectiva dessa contraposição entre verdade e gozo, verdade e potência, sublinhando
que a verdade teve sempre uma errância de impotência. Essa oposição tinha sido intuída
já por Nietzche quando se rebelou contra a impotência da verdade, ou a impotência a que
conduz a verdade.
Enquanto todo o movimento da história da filosofia se alinhava com a verdade
contra o gozo, seu recurso à “vontade de poder” representou a luta contra o prestígio da
verdade para encarar a questão feminina e suas próprias dificuldades em relação ao desejo
feminino.
A psicanálise confirma, assombrosamente, que desde o início da experiência
analítica, verdade e gozo são inseparáveis; nós os encontramos ao final da análise e isso
corresponde ao seu caráter interminável. No início temos uma espécie de aposta pela
verdade contra um gozo embaraçoso; a análise não termina porque há um gozo que
consiste em dizer a verdade. Lacan nos anos 70 sublinha que as análises duram porque há
um gozo interno ao próprio processo analítico, uma implicação do sujeito na mensagem
da própria verdade que aparece, até o momento em que se coloca em ordem as
coordenadas da experiência analítica. É nessa perspectiva que os convido a reler “A
direção do tratamento”, que é para nós um clássico do início da análise. É um texto do
final dos anos 50 no qual Lacan indica que a retificação subjetiva é outro modo de dizer
da implicação do sujeito em sua própria mensagem como pressuposto indispensável ao
desenvolvimento da análise.

Quando Dora se queixa de “ser...”, Freud está de acordo com essa afirmação. “No
tratamento psicanalítico, quando surge uma sequência de pensamentos corretamente
fundamentada e incontestável, há certamente um momento de embaraço para o médico,
que o doente aproveita para perguntar: ‘Mas isso tudo é verdadeiro e correto, não é? O
que o senhor está querendo aí modificar, agora que eu lhe contei?’”[8]. É precisamente
esse “o que você está querendo mudar” que Lacan interpreta com a ajuda do conceito
hegeliano da “bela alma”. A “bela alma” não é uma alma estúpida, pelo contrário, é uma
figura extremamente rigorosa e reta do luteranismo prussiano. Hegel demonstra que a
“bela alma”, impecável e justa, participa da desordem que denuncia. Não podemos
esquecer que a queda da posição da “bela alma” não é simplesmente uma demonstração,
uma oposição, é uma lição de filosofia moral que se obtém apenas sob a condição de que
o sujeito se implique em sua própria mensagem. Não podemos alcançá-la simplesmente
em nome da verdade; mas só podemos chegar a ela se depois de ter obtido o enodamento
entre gozo e verdade, vier se colocar em jogo um gozo ignorado pelo sujeito.

O gozo ou o sentido do gozar do qual fala Lacan nos anos 60 se escreve de modo
diferente de jouissance: no momento que aparece se transforma em jouis-sense. Em certo
sentido a retificação subjetiva, a primeira metáfora que queremos obter para começar a
psicanálise, pode ser escrita da seguinte maneira:

@lacanempdf
verdade
________

gozo

Se trata, na realidade, de colocar em jogo as relações do sujeito com o simbólico


e equivale a:

A
_________

gozo

Podemos também escrever substituindo o gozo ignorado do sujeito por um efeito


de sentido de gozar, sem efeito de verdade:

jouis-sense
____________
jouissance

Esta é a grandeza do título de um filme de Visconti, “Senso” que liga o sensual ao


sentido completamente vazio da história ridícula de uma mulher que destrói sua vida por
um gigolô de meia-tigela, um rapaz inconsistente.
A oscilação incessável desse caminho em direção ao gozo sob o fundo de um sem
sentido absoluto da história desse casal, mostra a diferença entre o filme e o livro que
Visconti usou para baseá-lo[9]. Se trata de obter uma primeira substituição nessa dupla
forma, que permita integrar os diferentes modos com os quais Lacan, no exame dos casos
de Freud, localiza o momento do início, coisa difícil de situar.
Nessa primeira conferência quero destacar que o analista não pode confiar apenas
em colocar em jogo a verdade, mas ele tem que colocar imediatamente em jogo também
o resto que acompanha a verdade. Esse resto se encarna no uso correto da resposta do
analista à demanda do sujeito: seu não responder introduz uma significação da verdade
como horizonte ou limite da significação, mas ao mesmo tempo, por meio do silêncio,
introduz o laço entre verdade e morte, entre verdade e cadaverização de sua posição.
Em “Função e campo da fala” Lacan assinala o sentido mortal que revela na fala
um centro externo à linguagem, ao qual dá a forma topológica do toro, cuja exterioridade
periférica e central constituem uma região única do gozo apresentado pelo analisante. O
analista responde através da introdução de um ponto que podemos qualificar como vazio
e ao redor do qual o discurso desliza. É esta a introdução do lugar da referência última à
linguagem: a morte, como aquilo que naquela época designava o poder da combinatória
da linguagem. O silêncio do analista representa o objeto em sua inércia e ao mesmo tempo
em sua consistência lógica. O silêncio do analista não é um silêncio de abstenção. Nos
anos 50 Lacan fala de um silêncio de pacto, não de contrato, que chama um “dom

@lacanempdf
simbólico da palavra, prenhe de um pacto secreto”[10]. “Prenhe” é um termo escolhido
por Lacan para designar os fantasmas de gravidez anal do Homem dos Ratos. O silêncio
analítico de Freud – que pode muito bem incluir recomendações técnicas, mas que se
mantém fundamentalmente como silêncio quanto à verdade – é um silêncio ativo e o
encontramos junto à inércia do que escapa à verdade e se instaura na consistência lógica
desse objeto.
Para descrever a entrada em análise, Lacan escolheu usar a metáfora do bridge,
não somente porque ele jogava mais bridge do que xadrez, mas também porque o jogo de
bridge é o que permite entender a substituição entre a morte e o morto. De fato, no bridge
pode-se jogar com um parceiro ausente quando, terminada a volta das declarações, um
dos componentes das duplas, que se chama “o morto”, vai deixando suas cartas sobre a
mesa. Temos a figura do assentimento, isto é, da morte assinalada na pura combinatória
das cartas deixadas sobre a mesa. A grandeza desses jogos reside na domesticação da
morte que aparece sob a rubrica da significação do horizonte da morte, ou como puro
poder da combinatória. É por isso que o dom simbólico da palavra, o pacto analítico
através do qual começam as análises, é, de maneira indissociável, a máscara da inércia
que resiste à verdade e ao poder da combinatória: os três enodados juntos.

II

As três respostas que demos ontem à pergunta “Como se iniciam as análises?” se


referiam à implicação subjetiva que assinala a introdução de um espaço novo; ao
inconsciente e ao seu resto (o isso, ça).
Retomemos o ponto da implicação subjetiva. Vejamos como Lacan no segundo
capítulo de “A direção do tratamento” interroga o lugar e a função da interpretação em
psicanálise. O título do capítulo é “Qual é o lugar da interpretação?”, mas outro tipo de
título fica oculto: a psicanálise começa com uma primeira interpretação, qual?
“A direção do tratamento” foi escrito em 1958 em um contexto caracterizado por
um interesse exclusivo pela análise das resistências. O texto clássico desses anos é o de
Greenson (psiquiatra de Marilyn Monroe), o qual Lacan não considerou para nada,
preferindo polemizar com o trio annafreudiano: Hartmann, Kris e Loewenstein, que
deram a base da corrente da Ego Psychology. Lacan, de fato, se refere a Kris quando
indica qual é o lugar da interpretação na perspectiva da análise das resistências e frente à
denúncia da insuficiência de Freud em nome dos progressos obtidos pela Ego Psychology.
Para sublinhar a brecha entre a origem freudiana e o estado da técnica psicanalítica, ele
relê mais uma vez Freud como o fez ao longo de todo seu ensino. O caso Dora e o Homem
dos Ratos são, pela primeira vez, colocados um frente ao outro para destacar as
características comuns ao início da análise. “Há muito tempo tenho enfatizado o processo
hegeliano dessa inversão das posições da ‘bela alma’ quanto à realidade que ela
denuncia... Mas aqui se detém o caminho a percorrer com o outro”[11].
Esse texto se apoia sobre o esquema L, esquema fundamental até o grafo do
desejo, que aparecerá no texto de 1960, “Subversão do sujeito e dialética do desejo”.
Pode-se sustentar, de fato, que em “A direção do tratamento” encontramos a articulação
entre o esquema L e o grafo do desejo.

@lacanempdf
O primeiro movimento do processo hegeliano em Freud consiste em fazer um
percurso junto ao outro imaginário, revelando então a lamentação de quem fala.
Em seguida, se insere outra coisa que Lacan enfatiza afirmando que Freud
renuncia a um poder (ao que se deve esse primeiro movimento); o tema fundamental de
“A direção do tratamento” é precisamente a negação do poder. Faz um tempo, para indicar
o que é e como se caracteriza o desejo do analista, Miller afirmava que este consiste em
escolher sempre a via da renúncia ao exercício do poder para fazer atuar outra coisa. Isso
poderia constituir um teste para os analistas.
Essa renúncia ao poder é o que Lacan qualifica em “Televisão” como a posição
do santo. Não somente na tradição cristã o santo é aquele que renuncia, por exemplo, à
pregação, ou à direção de consciência, para escolher a vida do silêncio e da oração. Em
alguns de seus seminários Lacan se refere ao Tao para fazer entender o não-atuar, que
não é de forma alguma uma posição de passividade. A fascinação ocidental pela atividade
torna difícil entender o que é a renúncia para além de um processo propriamente técnico.
O santo que se retira da ação sabe utilizar o que um filósofo francês chamava de “a
propensão das coisas”. Reencontramos aí um eco da crítica heideggeriana da ação técnica:
a usura de todas as matérias, inclusive a matéria prima “homem”, em benefício da
produção técnica e da possibilidade absoluta de fabricar tudo, está secretamente
determinada pelo vazio total no qual estão suspensas a essência e o estofo do real. Na
perspectiva da reflexão heideggeriana: é o isolamento frente a todas as ações cujo objeto
é isolar a causa secreta, melhor dizendo, o lugar da causa, o vazio no qual o ser está
suspenso. Esse estofo do real requer o que para Lacan é o estofo do sujeito: o fantasma,
palavra utilizada também por Heidegger para indicar a tela colocada sobre o vazio.
A arte do psicanalista, seu Tao, é fazer aparecer o vazio secreto do qual toda
atividade está suspensa, cada ação com um objeto que o analisante coloca sobre o eixo
imaginário. Enquanto para o filósofo o vazio é a verdade concebida como aleteia,
privação, como esquecimento do esquecimento, para o psicanalista o vazio que deve
revelar-se é o gozo secreto que está em jogo, o lugar do gozo ausente no universo dos
nomes próprios e em primeiro lugar, no universo de todas as ações com um objeto, que
aponta para obter o sinal do desejo do Outro. Para Heidegger, querer conseguir, por parte
do sujeito, um signo do lugar do Outro, mas além de todos os objetos, é a busca da vontade
da vontade.
Entre o processo hegeliano - Lacan chama de retificação subjetiva- e a renúncia
ao exercício de poder, o vazio secreto aparece em dois momentos.
O primeiro: a queda das ilusões acerca de si mesmo faz aparecer o lugar do Outro
e a demanda que parte da implicação subjetiva do sujeito, em seu próprio gozo,
permanece no eixo imaginário. No segundo momento, o vazio de gozo aparece partindo
do eixo simbólico: é o gozo que falta ao universo dos nomes próprios que designam
exatamente o lugar do Outro sobre o eixo simbólico. “Digo que é numa direção do
tratamento que se ordena, como acabo de demonstrar, segundo um processo que vai da
retificação das relações do sujeito com o real, ao desenvolvimento da transferência, e
depois à interpretação, que se situa o horizonte em que a Freud se revelaram as
descobertas fundamentais que até hoje experimentamos, no tocante à dinâmica e à
estrutura da neurose obsessiva”[12]. Essa é a perspectiva na qual se orienta. Devemos

@lacanempdf
entender essa afirmação lacaniana como o significante que deve interpretar-se somente
quando a análise já desenvolveu boa parte, ou está perto do final. Isso apresenta de entrada
certa dificuldade.
A primeira tem a ver com a transferência, que para Lacan é o surgimento do sujeito
suposto saber. Me lembro do escândalo que essa definição epistêmica, que não parte da
afetividade, suscitou. É uma concepção que não é facilmente transmissível a quem não se
dedicou a um estudo preciso dos textos de Lacan, exceto se estudou teologia, porque o
amor a Deus tem muito a ver com o que não se sabe e não se pode saber e que é, assinalo,
o inconsciente.
Desde o começo de seu ensino Lacan afirma a necessidade do amor de
transferência: em “Intervenção sobre a transferência” enfatiza o prestígio que Dora
haveria atribuído a Freud se ele tivesse interpretado seu amor pela Sra. K. É a
interpretação preliminar que provoca o amor, é a interpretação justa que faz surgir o
sujeito suposto saber e que provoca o amor. Definir a transferência a partir do sujeito
suposto saber permite evitar duas armadilhas: que o analista se faça de sábio, enchendo o
analisante com o uso do saber; a aparição do sujeito suposto saber produz um efeito de
verdade e comporta a suspensão do saber. É coerente com a recomendação freudiana de
suspender todo saber preliminar ao início do caso.

No início do tratamento, quando o paciente chega à consulta com o analista, o


saber trabalha e o cansa. É um sujeito obrigado ao trabalho do saber, constrangido ao
esgotamento sintomático que provoca a demanda. No caso Dora é o esgotamento da
demanda dirigida ao pai, e para o Homem dos Ratos o esgotamento da crise obsessiva
que o leva a Freud,
A primeira coisa a se fazer é levar esse saber à posição de verdade tirando-o do
lugar do trabalho, isto é, colocá-lo no lugar da preguiça (a expressão é de Miller).

A partir desse momento é possível reconstruir o saber. Há uma expressão muito


na moda para buscar uma análise: “Gostaria de fazer um trabalho você”. A perspectiva
luterana que subjaz aí, segundo a qual cada coisa, para estar justificada, deve desenvolver-
se de acordo com a modalidade de trabalho, está contrariada, porque antes de tudo a
análise não é um trabalho. É um trabalho do analisante, mas supõe um ato preliminar que
não consiste em deitá-lo sobre o divã, mas em fazer aparecer o vazio total sobre o qual
está suspensa a essência (e as ações próprias baseadas nas identificações do Eu). Esse
processo hegeliano como processo da interpretação pode escrever-se como saber em
posição de verdade. “É também que essa retificação é dialética, e parte dos dizeres do
sujeito para retornar a eles...”[13]. Isso parece contradizer a distinção entre retificação e
interpretação, mas, ela se esclarece escrevendo retificação e interpretação como os dois
eixos do esquema L.

@lacanempdf
Busquemos agora a quarta resposta à pergunta: “Como começam as análises?”.
Poderíamos responder: quando aparece o gozo vazio que sustenta a ação do
sujeito. A divisão do sujeito posta em obra por si mesma é o que Lacan expressa da
seguinte maneira: “partir dos dizeres do sujeito para retornar a eles”. A língua italiana
enfatiza o equívoco entre godimento (gozo) e “yo miento” (eu minto) que permitiu Lacan
interrogar o conceito e o uso analítico da identificação. No Seminário 9, a relação entre a
identificação, o vazio e o lugar do sujeito mais além de qualquer identificação, parte do
exame do paradoxo do mentiroso.
É preciso, antes de tudo, conceber o “eu penso” como paradoxo estruturado da
mesma maneira que o “eu minto”, paradoxo estoico inventado para complicar a tese dos
aristotélicos sobre o universal. Aristóteles reduziu cada forma de juízo a um quádruplo
formado pela afirmativa universal, as proposições negativas universais, a particular
negativa e a afirmativa; todas se deduzem da admissão preliminar de um universal, de um
todo. Por que os estoicos inventaram, para complicar a relação do sujeito com o universal,
a figura do cretense Epimênides que afirma que todos os cretenses são mentirosos?
Separando o enunciado da posição do enunciador, resulta um paradoxo que denuncia a
identificação de Epimênides no registro do universal: se todos os cretenses mentem, onde
identificar Epimênides, o cretense? Não se pode decidir sobre a natureza de seu enunciado
e é por isso que a relação do traço universal com a identificação está no coração da questão
psicanalítica. O belo título do filme de Antonioni,“Identificação de uma mulher”, assinala
um problema: se uma mulher é inconsistente, ou seja, não pode ser reduzida a um traço
universal, como pode ser definida? O paradoxo do mentiroso interroga esse ponto mesmo:
a inconsistência do Outro e a identificação.
Com a afirmação do cristianismo se esvai o gosto dos antigos pelo paradoxo. São
Paulo, de fato, referindo-se a Epimênides, escreve em uma de suas epístolas que os pagãos
sabem que o que dizem é falso; e mais, um dos seus filósofos diz que ele mesmo mente.
Surpreende a total ausência do gosto pelo paradoxo em São Paulo, que era um dos
apóstolos mais inteligentes, mas, no fundo, é compreensível, porque para ele a verdade já
estava em outro lugar e tomava ao pé da letra o fato de que Cristo é a verdade e o caminho.
No caminho da verdade a possibilidade do paradoxo é menor e o problema não é o
universal, a causa aristotélica, o lugar da verdade é agora o lugar da encarnação e da
palavra como tal e foi a escolástica, muito tempo depois, que descobriu toda a importância
do paradoxo.
Um texto de Alexandre Koyré sobre Epimênides, publicado em 1947 – que Lacan
leu com Kojève, compatriota e amigo de Koyré – revela que a estrutura desse paradoxo é
comum a vários outros. Por exemplo, o paradoxo do barbeiro que faz a barba de todos os
homens que não fazem a própria barba. O barbeiro faz sua barba sozinho? Como ele pode
ser definido?
Sua estrutura consiste sempre em definir um todo que compreende certo número
de elementos e pode carregar a afirmação, com um movimento auto reflexivo, sobre um
desses elementos, um dos elementos do conjunto carrega um juízo sobre todos. Para
suprimir o paradoxo é preciso proibir os juízos que tem a ver com o todo. Em outros
termos o juízo: “todos os cretenses” deve ser proibido a Epimênides, porque são perguntas

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que não podem colocar-se com validez e certos verbos não podem ser conjugados em
primeira pessoa.
O esquema do paradoxo é o da causa de si, ou melhor ainda, é o do suicídio. É
uma bela definição para um lógico, que pode se aproximar da definição lacaniana do
suicídio, válida para a neurose e para a psicose: atacar em si a própria causa. Koyré
distingue a contradição do sem sentido, o “eu minto” de Epimênides é da ordem do sem
sentido porque na realidade nenhum conceito se aplica a si mesmo, assim como o conceito
de cretense não pode ser aplicado a um elemento de todos os cretenses: há uma hiância
entre o “cada” e o “um”. Esse tipo de paradoxo apareceu com toda sua força quando a
lógica moderna se ocupou dos conjuntos infinitos; eu apontei o impacto que teve Russel
com seu paradoxo sobre a lógica dos conjuntos de Frege.

Considerações análogas são feitas por Lacan partindo do “eu penso”, que funda a
identificação preliminar do sujeito; seu “eu penso” é uma declaração falsa, porque o “eu
penso” – que parece coexistir a ele e através do qual, pensando com todos os outros se
identifica ao Outro- é na realidade um vazio do sujeito, é o sujeito enquanto faltando a
todo pensamento. O “eu penso” não tem mais sentido do que o “eu minto”, porque é
impossível de situar e demonstra (e nisso está o interesse que Lacan vê na análise dos
paradoxos) o ilusório da reflexividade; esse lugar de x mostra uma espécie de estado zero
do sujeito, preliminar a qualquer identificação.
Coloquei o índice zero por necessidade do nosso percurso, mas Lacan o escreve
sem índice. É interessante, de todo modo, distinguir um estado preliminar no qual o “eu
penso” faz surgir um vazio ocupado por um “eu sou”: “sou aquele ou aquela que usa o
colar, que tem ou não tem o falo, que se sustenta sobre um fantasma, por exemplo:
escópico, que foi o guardião da mentira familiar”. Mas longe de definir meu ser, essa
primeira identificação define o sujeito enquanto assegura o “todo” da identificação:

“eu sou”(preliminar); “eu penso”; “eu penso”;


-------------------- -----------------
“eu sou” “eu sou”

“Eu penso” faz aparecer um “eu sou” de gozo, mas retroativamente, onde era
“eu”? Onde era esse “eu” que não podia ser no “todo” do pensamento? O “eu sou”
preliminar (que é um x vazio) reenvia a um “eu penso” que sobrepassa um “eu sou”, mas
como “eu sou” volta a entrar nos pensamentos é uma identificação da qual temos uma

@lacanempdf
iteração sucessiva que se distancia sempre mais da matriz de partida e de todo modo
mantém sempre sua recordação, a memória.
O estado zero do sujeito, preliminar à sequência do “eu minto”, é idêntico ao
estado de “eu gozo”; Lacan faz valer essa equivalência, e utilizando um jogo de palavras
da língua francesa reformula o imperativo Jouis! (goza!) ao qual o sujeito responde j’ouis
(escuto), produto dessa ordem de divisão.
O “eu penso”, então, é preliminar e mostra, em estrutura de paradoxo, um lugar
vazio no qual se enodam o traço da possibilidade de representação e o lugar do gozo
preliminar. Esse é o ponto designado como o lugar da função do nome próprio, e a análise,
procedendo através das cadeias associativas, inclui sempre essa função do nome próprio.
É para Lacan o ponto radical que é preciso supor na origem do inconsciente enquanto
arcaico, na origem do inconsciente enquanto falante; para que o sujeito possa ser
alcançado só é possível avançar deslizando continuamente nos enunciados e elidindo-se
do nome disso que se é.
O recurso à metáfora dessa série é o momento no qual Lacan se separa de uma
concessão dialética da evolução do tratamento e, comentando a análise do pequeno Hans,
apresenta o tratamento como uma exploração sistemática, uma série.
Com o uso da série Lacan faz um primeiro matema que permite entender como
um desenvolvimento psicanalítico pode ser concebido fora de um desenvolvimento linear
e, no entanto, pode ter um limite, qualquer que seja a repetição ou a iteração
(compreendida a infinita ou suposta infinita). Obviamente há uma certa dificuldade para
admitir e situar corretamente as séries infinitas com limites que no século XVII foram
representadas pelo jogo das proposições de Leibiniz sobre a mônada e dos cálculos de
Newton segundo os quais um deslocamento ao infinito pode ser considerado como um
tamanho limitado e manejável.
A vantagem da metáfora da série está no fato que implica a possibilidade da
repetição infinita sem que essa seja uma evolução, ao mesmo tempo que permite um
deslocamento do momento original que faz possível reencontrar, ao final, seu termo de
partida: o “eu sou”. Não mais um universal que terminaria por incluir a si mesmo.
A fórmula do fantasma que Lacan indicou a propósito de um personagem da corte
de Luís XIV que se vestia de mulher era: “Sou o que pensa quando sou vestido de
mulher”, é a definição do “eu penso” ligada ao fantasma. A saída da análise é um “eu
sou” transparente ao pensamento do fantasma, porque o estado produzido pela destituição
subjetiva permite despojar-se da ilusão do “eu penso”. É um “eu sou vestido de mulher”
e a partir daí o sujeito deduz uma certeza sobre sua própria ação que não supõe nenhuma
reflexividade do “eu penso”.
Podemos, então, considerar por que uma psicanálise começa não somente ao
colocar em causa a identificação imaginária, mas também um universal da identificação
simbólica.
O lógico americano Peirce – de maneira diferente dos estoicos, mas igualmente
crítico em seu enfrentamento do universal aristotélico – nota que nenhuma definição de
uma totalidade a priori pode impedir a indagação pragmática. Peirce inventa um
quadrante retomado por Lacan, dividido em quatro casas, dentro das quais faz jogar as

@lacanempdf
quatro grandes propostas aristotélicas: a universal afirmativa, negativa, e a dos
particulares.

A ideia de Peirce é que nas casas 1 e 4 cada traço é vertical e isso se verifica
perfeitamente, ainda que na segunda não haja traços. O fato de que não haja traços não
impede que cada traço seja vertical. Para demonstrar deve-se considerar simplesmente
(deixo de lado o resto) que a universal afirmativa seja perfeitamente compatível com uma
ausência de identificação. Partindo daqui temos uma espécie de todo, para o qual cada
ponto de uma área não realiza a definição daquilo que faz o todo dessa área. Temos uma
totalidade na qual certa área, de fato, é um vazio em vez de ter uma definição positiva.
É, precisamente, a relação do “todo” do universal com suas realizações que
introduz uma separação entre a existência e o juízo universal. Como o “eu minto”
desenvolvia uma existência que devia escapar do universal introduzindo um resto, da
mesma maneira, essa definição do universal pode incluir uma área na qual não existe.
Esse novo estatuto do “todo” é um dos pontos essenciais da lógica contemporânea.
Hillary Putnam, um filósofo americano muito divertido e original, que foi diretor
do departamento de lógica de Harvard, põe em questão o estatuto da necessidade em um
artigo muito sério que leva o título de uma conhecida canção de amor: “It ain’t necessarily
so”. De acordo com Putnam, não é necessário que o universal aristotélico seja definido a
priori para poder incluir a possibilidade da existência; ao contrário, é possível definir as
existências que escapam à definição da universal positiva, que podem, não obstante, estar
incluídas na mesma série.
Esse simples quadrante permite perceber o que afirma o teorema de Gödel,
segundo o qual, seja qual for o enunciado ou o teorema existente em um sistema formal,
pode-se sempre descobrir verdades que não podem ser demonstradas no interior do
sistema. Se admitimos que um traço vertical é um teorema ou traço de saber, para
encontrar o conjunto de todas essas verdades é preciso incluir uma zona na qual a
existência, em nome de tal saber já definido, não se verifica.
Nossa concepção de sujeito prevê a possibilidade de passar dos teoremas do
existente, de seu sistema fantasmático, a uma existência nova, a um encontro. Dizer que
o fantasma é um axioma do sujeito, reduzindo todas suas ações a um axioma ou a uma
série de axiomas, pode levar a uma falsa consequência. Ao ter, de uma vez por todas, os
possíveis teoremas do sujeito, não restaria senão dizer: “Ora, eu sou assim” e com isso a
análise não levaria a nenhum descobrimento. É absolutamente necessário correlacionar a
afirmação segundo a qual o fantasma é um axioma do sujeito, com o fato que o universal,
o para cada um, não pode reduzir-se ao conjunto dos enunciados dedutíveis a priori.
Apoiando-se sobre o que da existência escapa ao universal, deve-se permitir ao sujeito

@lacanempdf
sair do universal de seu fantasma. É através da crítica do “eu penso", à maneira da
universal aristotélica, que o atravessamento do fantasma, essa auto aplicação do fantasma,
se faz logicamente possível.
Putnam sustentava que seu interesse pelos jogos de linguagem de Wittgenstein
não residia na ruína de todos os conceitos convertidos em puros semblantes, mas que o
jogo de linguagem não queria dizer outra coisa além disso: não é necessariamente o
universal que deve estar presente em todas as realizações nas quais se manifesta e não
temos necessidade de buscar a essência de um conceito conforme à uma definição a
priori. Lacan propõe uma concepção da experiência psicanalítica baseada nessa ideia
moderna do “todo” que constitui o universal aristotélico com uma lista de meros exemplos
que, obedecendo a certos teoremas, deixam sempre a possibilidade de espreitar a verdade.
Encontramos de partida a extração de gozo - o lugar vazio do “eu sou” que permite
ao sujeito a perda fundamental que o libera do erotismo e o precipita na cadeia das
significações - no desdobramento total do “todo”. Todos os enunciados, todos os
enunciados fantasmáticos, resguardam até o final esse lugar do vazio que secretamente
organizava todas as identificações imaginárias e simbólicas do sujeito.
Espero ter conseguido demonstrar que a retificação subjetiva, a interpretação e a
travessia do fantasma têm a mesma estrutura.

III

Nas conferências anteriores abordamos a problemática do início da análise


seguindo a orientação dos nexos reais e simbólicos: na primeira, a implicação do sujeito
em seu próprio gozo e na segunda, a articulação do gozo com o vazio do estado inicial do
sujeito.
Hoje veremos como o algoritmo do estado inicial do sujeito permitiu a Lacan
isolar o algoritmo do início da análise indicado na Proposição.
Em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache”, Lacan enfatiza que no
sujeito implicado em uma análise “Não subsiste… senão aquele ser cujo advento só é
apreendido ao não ser mais”[14], é um modo de indicar a separação de um lugar original
que não seria acessível sem uma primeira identificação; o ser que já não é mais cai sob a
barra.
A partir desse lugar perdido, Lacan indica a lógica do processo analítico: “mas
esse lugar do sujeito original, como haveria este de encontrá-lo na elisão que o constitui
como ausência? Como reconheceria ele esse vazio como a Coisa mais próxima…”[15].
O termo “coisa” se refere ao aforismo freudiano da falta essencial do sujeito, segundo a
qual o descobrimento do objeto é sempre o redescobrimento do objeto perdido, o
reencontro do lugar perdido do sujeito. Indicando na “coisa” o lugar original do sujeito,
Lacan relaciona o vazio do sujeito com a falta de objeto e indica com isso o lugar da
articulação (que se converterá em borda, uma vez elaborado o instrumento topológico).
Impossível, então, reencontrar esse lugar que não é senão um corte, uma elisão, e
essa frase mostra de maneira interessante que o termo elisão pode ser sinônimo de corte.
Se o horizonte da análise é definido a partir da reconquista desse lugar inicial, o
caminho é o de “encontrar ali as marcas de resposta que tiveram o poder de fazer de seu

@lacanempdf
grito um apelo”[16]. É preciso ressaltar os termos, porque essas marcas são os
significantes mestres da mãe que transformará o grito em um apelo dirigido ao Outro que
até esse momento não estava inscrito na cadeia significante. Por exemplo, um paciente se
lembra que quando criança gritava tanto que seus pais não se falavam há anos, desde
quando a mãe, ao interpretar esse grito, lhe deixa uma marca, lhe dizendo: “tem o diabo
no corpo”. O paciente passou a vida demonstrando que isso era verdade. Sofria de uma
doença psicossomática da pele, uma psoríase muito reativa e sensível, que permaneceu
para ele como uma espécie de marca mais além do significante.
Na marca se inscreve a onipotência da resposta do Outro materno em transformar
o grito em apelo, onde significante e marca se encontram indissoluvelmente ligados. É a
marca que Lacan incentiva seus alunos a encontrar na famosa “Nota italiana” sobre o
passe, a marca mais além das identificações.
Há uma espécie de genialidade nas deformações morfológicas identificatórias nos
retratos do pintor Francis Bacon, onde as marcas sobre o corpo estão circundadas de
traços que ilustram ou interrogam esta ação do significante sobre o corpo. A representação
de Édipo feita por Bacon é um modo de poder deduzir que “assim ficam circunscritas na
realidade, pelo traço do significante, as marcas onde se inscreve a onipotência da
resposta”[17] e onde podemos ver a marca clara do traço significante.
O deslocamento da análise, o deslocamento do sujeito nas cadeias significantes
que guardam para ele o rastro do poder transformado em significante mestre, retoca o eu
e a ilusão do eu até o momento da virada pela qual Lacan se interessa no texto citado.
Mais do que uma virada, se trata de uma inversão, dado que se fala da oscilação do
espelho. Se isso nos interessa é porque, como mostra a "Observação sobre o relatório de
Daniel Lagache”, o êxito do processo - quando o lugar inicial se revela como o do corpo
real, do corpo autoerótico, do corpo sempre perdido que não haveria conhecido aquela
primeira marca que inscreve o Outro - permite ao sujeito recuperar suas flores. As flores
desse esquema têm muito a ver com as flores de Psique que Lacan comenta em seu
seminário sobre “A transferência”, isto é, com a relação entre o falo e o ramo de flores
que figuram no quadro encarregado a Masson (vocês podem vê-lo no álbum publicado
por Judith Miller com a carta que Lacan enviou a André Masson para agradecê-lo pelo
quadro recebido no dia antes do seminário).
O ramo de flores posto entre as mãos da mãe da paciente, no caso clínico
apresentado por Graziella Vannini, ressalta esse lugar e essa função que não está indicado
em nenhum vocabulário de símbolos e que pressupõe um lugar da língua na qual o mito
individual se une ao uso do ritual. Assim, o ritual essencial da confraternidade de San
Roque previa que seu chefe oferecesse um ramo de flores a Doge, em ocasião de sua
visita. O ramo de flores recuperado no corpo é um modo de descrever o último tempo, no
qual a perda da entrada se recupera através de um gozo reencontrado. É por isso que
Lacan pôde sair do modelo escópico dos anos 60 e falar de um saldo cínico, vale dizer,
de um gozo permitido que surge no mesmo momento em que advém o recobrimento do
corpo real e do corpo imaginário. Mas o corpo morto está para sempre perdido e é a
dissolução do que para Lacan era a ilusão do eu. Lacan escreve: “...a própria presença,
especular, do indivíduo no outro, ainda que encubra sua realidade, desvela sua ilusão do
eu com respeito a uma consciência do corpo como que congelada”[18], a expressão

@lacanempdf
francesa “comme transie” (como que congelada) está baseada no prefixo “trans”, o
transpassado, o que passou além, tanto é assim que nas tumbas medievais “transido” era
um dos nomes do corpo representado sobre a tumba. Nessa figura retórica da consciência
do corpo como transpassada, Lacan assinala um paradoxo: a recuperação final de um
gozo é acompanhada de uma perda fundamental em relação ao vivente e, depois dessa
perda do corpo, resta somente o que pode ser alcançado através de uma borda. Mais tarde
ele chamará de “mais-de-gozar” que, como a mais-valia, é o que resta quando tudo é
retirado.
No entanto, “o poder do objeto a ... faz com que entre na categoria das vaidades
seu reflexo nos objetos a' da concorrência onivalente”[19]. Essa frase pode comentar o
quadro dos dois embaixadores de Hans Holbein que ilustrou a capa do Seminário XI.
Nesse quadro aparece, em anamorfose, o objeto representado pela caveira que,
contrapondo-se aos objetos da abundância sobre as prateleiras, permite apreender o corpo
como morto. Miller colocou em evidência que para poder ver, saindo do quarto, o
particular anamórfico, é preciso já tê-lo visto como mancha entre os outros objetos do
mundo. A saída da análise tem como metáfora a saída do quarto e consequentemente a
aparição da dissolução do corpo que anula a ilusão do eu e permite atravessar o plano das
identificações. Ao entrar em análise o sujeito deve ter dito que algo do gozo não andava,
não entrava em seu mundo.
Como se iniciam as análises? Uma quinta resposta é quando se apresenta ao
analista uma coisa disforme, branca, da qual ninguém pode descrever a forma. É sobre
esse ponto que a análise pode se servir, um ponto no qual se enodam contemporaneamente
o não representável no campo das representações e das identificações. A partir desse
ponto podemos compreender a dificuldade do que Lacan define como nome próprio e a
relação entre nome próprio e marca, a letra que aparece nessa marca.
No sonho da paciente da doutora Vannini aparecia um “pão branco”, mas vocês
podem pensar também em todos os pacientes que vieram a vocês pedir uma análise: toda
vez se reencontra essa presença, em um sonho, em qualquer fenômeno já visto, inclusive
em algum episódio de confusão obnubilatória. Se encontra sempre o rastro de um objeto
que não tem lugar no mundo do sujeito e é nesse rastro que se apreende a afinidade entre
o nome próprio e a marca. Esse ponto, que designa diretamente o significante como
objeto, o significante e seu gozo, é o lugar que demonstra que está ali para ser lido antes
que o significante o identifique, e que é o resto da ação do significante, sua marca, sua
letra.
Na “Proposição de 9 de Outubro de 1967” Lacan apresenta o algoritmo do início
da análise que transforma o da alienação do início. Para entender como Lacan escreveu o
significante da transferência e um sujeito embaixo da barra definido por uma série de
identificações, é preciso uma etapa preliminar, isto é, a escrita que evidencia
impecavelmente o movimento de alienação:

@lacanempdf
É uma escrita verdadeiramente minimalista, reduzida, domesticada, que apresenta
toda a referência retórica preliminar necessária, na qual o estado original, o do corpo real,
o lugar evanescente do sujeito, se reduz à instalação do sujeito na cadeia significante,
dividido entre o significante mestre, que o faz desaparecer e o segundo ao qual se fixa.
Escrevamos o algoritmo da transferência comentando o que Lacan escreve:

“Reconhecemos na primeira linha o significante S da transferência, isto é, de um


sujeito, com sua implicação de um significante que diremos ser qualquer, ou seja, que
supõe apenas a particularidade no sentido de Aristóteles (sempre bem-vindo) e que, em
virtude disso, supõe mais outras coisas. Se ele é denominável por um nome próprio, não
é por se distinguir pelo saber, como veremos” [20].
Nesse pequeno parágrafo inocente encontramos concentradas todas as
dificuldades: a articulação significante do nome próprio, sua particularidade e sua relação
com o saber. O tom é tão alusivo como para permitir uma discussão ainda depois de 30
anos.
Qual é o ponto? Temos uma função do significante, esse estranho significante da
transferência, que implica um significante qualquer, pelo qual esperaríamos um
significante sem particularidade. Pelo contrário, diz Lacan, o qualquer supõe toda a teoria
da particularidade. Mesmo sendo um nome próprio, como relacioná-lo com o saber? A
articulação se verifica no momento em que o sujeito que se apresenta na frente de vocês
tem um saber inconsciente que o faz trabalhar:

O algoritmo descreve a oscilação do saber inconsciente que está a princípio numa


posição de trabalho – (poderíamos dizer numa posição normal) -; num segundo tempo se
desloca sob a barra, no lugar que mais tarde será chamado o lugar da verdade, designando
o lugar vazio do sujeito. Esse sujeito é o nome de todos os significantes que o designam
e ao mesmo tempo se exclui dessa totalidade constituída – segundo o tipo de lógica que
já vimos- e ali está a título de significação de reserva sob a barra.
Se apresenta um fenômeno misterioso pelo qual, a partir da transferência, o sujeito
se dirige ao lugar desse significante que se exclui de qualquer indicação do significante.
E é interessante que abaixo encontremos letras e em baixo números. A indicação através
de uma letra ressalta, de fato, a relação da letra com o nome próprio. É diferente em
relação aos signos das identificações sucessivas que podem estar assinaladas por uma
numeração.

@lacanempdf
Essa escrita, pouco usada por Lacan, desenvolve o lugar do sujeito, que
anteriormente chamamos o lugar original indicado com o índice zero. Deveríamos ter
indicado mais precisamente com uma letra. Com essa notação Lacan mostra que se o
sujeito é nomeável com um nome próprio, que não se distingue mediante o saber.
Como articular o nome próprio com o saber que ainda está a ser descoberto e que,
por agora, está por baixo da barra? Fazendo aparecer ao início da análise - através da
retificação subjetiva ou da interpretação - o vazio da coisa, a coisa branca em meio às
identificações. Emerge, então, esse lugar do nome próprio, esse significante que é
qualquer porque não recebeu ainda seu índice e que funciona, com efeito, como nome
próprio. O analista enquanto significante qualquer começa por ocupar o lugar do nome
próprio, isto é, da marca que o sujeito recebe do significante.
O que é o significante da transferência? Seria um significante mestre ou um
significante localizável? Sobre isso houveram debates muito animados no âmbito
lacaniano. Que uso se pode fazer dele? Se o significante qualquer é o lugar do nome
próprio poderíamos então dizer que o significante da transferência é a demanda, é o
significante que marca quando nos dirigimos ao Outro. Para poder perguntar o porquê -
(“por que sou assim?, “por que me fizeram isso?”) - deverá haver um rastro de significante
do Outro no sujeito. Qual é meu nome próprio?
Nesse ponto do vetor da primeira linha de cima pode se escrever a instauração de
uma demanda que mantém uma certa relação com o saber.
Vejamos agora a particularidade em Aristóteles em relação a um ponto estudado
e desenvolvido por São Tomás de Aquino. É interessante, como já lembrei, que no seu
ensino Lacan refuta constantemente o universal aristotélico em todas suas formas, como
ao colocar em questão a concepção freudiana do pai - um pai para todos os filhos -
fundada sobre o universal aristotélico.
Como explicar então essa homenagem a Aristóteles? Em Aristóteles o universal
não funciona sempre. Aubenque, um filósofo francês, escreveu um tratado sobre a
prudência em Aristóteles onde ressalta um âmbito da ação, sobretudo no campo da
decisão humana, na qual a verdade lógica do discurso, (isto é, a dimensão em que o logos
pode desenvolver o universal), não funciona.
Lacan tomou em conta essa vertente em Aristóteles, e Miller mostrou como, nessa
perspectiva, pode haver um universal do homo philosophicus, mas não do homo prudens,
o do homem de ação que não tendo uma essência, mantém o nome próprio. O que existe
dos homens prudentes é somente a lista dos homens prudentes de Atenas e mesmo
faltando o saber para nomear sua essência de homens prudentes, podem ser reconhecidos
e designados por outros homens através do processo democrático. Aristóteles põe em
evidência um campo no qual nome próprio e saber não coincidem e onde o nome próprio
resiste e designa um resto, uma particularidade que não pode ser colocada na conta de
outro: uma lista de homens prudentes feita por homens totalmente diferentes. Miller
colocou isso em evidência a propósito da lista dos analistas desejada por Lacan: os A.E.
- analistas da Escola – que não podem ser reduzidos a um critério, a um traço
identificatório universal, mas antes formam parte de uma lista heterogênea. Essa
perspectiva é muito útil para ler o parágrafo sobre o início da análise, onde vemos instalar-
se um nome próprio no discurso analítico:

@lacanempdf
No lugar do significante qualquer (assinalado por uma letra e não por um índice)
encontramos o nome próprio do sujeito que é sua divisão; e sob a barra o saber na forma
mais reduzida, o saber liberado de sua suposição. Finalmente, no lugar da demanda
encontramos que aquilo que causa a transferência e a saída da transferência não é mais a
demanda, mas a resposta, a resposta de gozo: e, portanto, o que me divide. O que é
precioso no algoritmo do início é a articulação entre nome próprio e saber. “Abaixo da
barra, embora reduzida ao palmo supositivo do primeiro significante, o s representa o
sujeito resultante, que implica dentro dos parênteses o saber, supostamente presente, dos
significantes que estão no inconsciente, significação esta que faz às vezes do referencial
ainda latente na relação terceira que o liga ao par significante-significado” [21].
Vejamos como Lacan força o algoritmo saussuriano (significante sob o
significado) introduzindo, pois corresponde a uma necessidade da psicanálise, o que
jamais podemos pressupor, a saber, o referente: a significação de um referente ainda
latente. De fato, somente se admitirmos que a significação deva estar disjunta do
significado poderemos justificar a operação psicanalítica.
“Vemos que, embora a psicanálise consista na manutenção de uma situação
combinada entre dois parceiros, que nela se colocam como o psicanalisante e o
psicanalista, ela só pode desenvolver-se ao preço do constituinte ternário, que é o
significante introduzido no discurso que se instaura, aquele que tem nome: o sujeito
suposto saber, esta uma formação não de artifício, mas de inspiração, como destacada do
psicanalisante”[22].
A “formação” é um modo de indicar o que Lacan ressalta de maneira retórica no
curso do Seminário “A transferência”: o analista retém uma significação, é o depositário
das identificações do sujeito em seu gozo. Entendido como ambiguidade de gozo e
sentido. É difícil não se apoiar nesse termo uma vez que Lacan o indicou, porque é visível;
uma maneira de separar-se dessa escrita e escrevê-lo como fizemos antes: essa
significação retida, da qual o psicanalista é o depositário, é com efeito o referente oculto,
o referente que é o gozo propriamente dito. O linguista se contenta em ter significação e
significado, porque deve esvaziar a língua de sua significação de gozo. É essa a operação
linguística propriamente dita que J.C. Milner descreveu tão bem em sua obra “O amor da
língua”, evidenciando que o linguista ama a língua sob a condição de esvaziá-la de toda
significação de gozo. O analista, ao contrário, não ama a língua porque se faz depositário
do gozo-sentido, provocando o amor de transferência.
Isso é possível criando esse depósito de reserva que não está no lugar do analista,
mas entre analista e analisante.

@lacanempdf
Essa significação retida surge conjuntamente como saber e gozo e como expressão
do sujeito suposto saber; é o nó, ou melhor, o nome da hipótese através da qual o nome
próprio é interrogado e interrogável pelo saber.
Isso representa uma superação da concepção anterior de Lacan segundo a qual a
análise operava desde um lugar de verdade enquanto que agora nesse lugar saber e nome
próprio se relacionam entre si.
A introdução de um novo par ordenado afirma uma vez mais a questão da aposta
da psicanálise. Até aqui era a verdade o que mediava, repartia, distribuía os enunciados,
era difícil integrar o resto da operação, mas, uma vez que se parte da articulação do saber
e do nome próprio (e não de um traço universalmente verdadeiro ou falso), se passa dos
enunciados decidíveis ou indecidíveis, universais ou existenciais. Não se trata mais de
valorar o desenvolvimento da análise a partir da oposição entre verdade e gozo, mas do
que é decidível na relação entre saber e nome próprio.
É aqui que podemos apreender o que levou Lacan a poder formular o enunciado
enigmático segundo o qual o desejo do analista tem a ver com o transfinito.
Esse enunciado assinala que o desejo do analista e o analista devem considerar-se
na modalidade do todo que supõe a crítica feita a Gödel no campo da lógica sobre a crítica
dos enunciados universais nos quais o existencial poderia enunciar propriedades infinitas.
A lógica contemporânea por trás dos enunciados mais gerais constata que depois da
introdução dos números transfinitos de Cantor é muito difícil dizer a qual infinito se
referiria uma quantificação que tivesse a ver com todos os conjuntos. A contribuição de
Gödel é ter dissolvido a ilusão de uma completude absoluta; se Hilbert tinha razão – e seu
programa de dar conta de todas as matemáticas a partir de um número limitado de ações
tivesse se realizado – haveríamos obtido uma mecanização completa das matemáticas.
Gödel deixou claro também que as matemáticas resistem muito bem aos
paradoxos e que no fundo elas são problemas epistemológicos mais importantes que a
completude e a consistência. A distinção entre a verdade e a prova permite renovar a
concessão platônica ensinando a possibilidade do descobrimento de um objeto novo mais
além de todos os teoremas anteriormente conhecidos. Esse lugar da exceção e do
descobrimento possível que Lacan descreve, por exemplo, em sua lógica da sexuação,
quando afirma que existe um x que não obedece ao universal da castração e que, portanto,
parece introduzir um estranho lugar da exceção. A reflexão de Gödel aponta para a
exceção sempre possível.
É a refutação de um universal que excluiria o descobrimento e a exceção. Nesse
sentido, um lógico pode dizer que o progresso científico não é axiomático, mas conceitual
de uma teoria incompleta. Por exemplo, à teoria da castração, que não dá conta da
exceção, deveria ser agregado um novo princípio para reabsorver a exceção em seu
próprio interior, mas não é possível fazê-lo de modo algum, porque desde a teoria de
entrada, as manipulações metateóricas que o permitiriam são inacessíveis. Isso faz que os
lógicos e os matemáticos contemporâneos rejeitem, ao mesmo tempo, o horizonte da
completude axiomática e, pelo contrário, aceitem o dever conceitual de fornecer a prova
da necessidade do objeto matemático.
Ao lado das verdades eternas das matemáticas estão as verdades mais transitórias,
não reutilizáveis, cuja existência foi negligenciada, pois o interesse se dirigiu

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exclusivamente aos fundamentos e à universalidade. Dizer que o desejo do analista tem a
ver com o transfinito é dizer com outras palavras que o desejo do analista comporta a
renúncia ao poder de acrescentar sempre novos axiomas para poder dar conta dos
paradoxos do desejo e do gozo. No interior de uma teoria considerada como um conjunto
infinito de enunciados é possível que esse infinito seja um nome e seja manejável no
interior da operação analítica. Sobre esse argumento há um artigo de Miller que comenta
como para o psicanalista é o transfinito que constrói o marco do saber essencial para o
espaço e para o modo no qual opera o psicanalista. Nós lacanianos colocamos mais o
acento na lógica, mas não nos enganemos; a perspectiva é uma perspectiva contra o
logicismo: o fato que o Outro exista “constitui essencialmente a margem que todo
pensamento evitou, saltou, contornou ou encobriu, todas as vezes em que aparentemente
conseguiu apoiar-se num círculo, fosse ele dialético ou matemático. Por isso é que de
bom grado levamos aqueles que nos seguem aos lugares em que a lógica é perturbada
pela desencadeada disjunção entre o imaginário e o simbólico, não para nos
comprazermos com os paradoxos que ali se geram, nem com nenhuma pretensa crise do
pensamento, mas, ao contrário, para lhes reduzir o falso brilho à hiância que eles
apontam”[23].
Ora, se lhe interessa a lógica e os paradoxos que ela gera, o psicanalista, por sua
posição, deve combater e refutar o universal. Cada estrutura da particularidade do sujeito
e do sujeito do gozo é um universal, seja ele puramente da razão, deve ser confrontado
com a objeção psicanalítica. A tentativa de Habermas é a de reabsorver a particularidade
do gozo na ação comunicacional contra o obstáculo da certeza do ato analítico, que
permite ao sujeito reencontrar a parte perdida da causa que o divide para sempre, que não
se reabsorve na razão universal, para configurar uma lista consistente e completa como
Hilbert haveria gostado muito. Terminarei citando o grande poeta Mallarmé:

(Uma constelação / fria de esquecimento e de desuso / não tanto / que ela não
enumere / sobre alguma superfície vacante e superior / o choque sucessivo / sideralmente
/ de um contar total em formação)
O que é essa lei? É a combinação do lugar do Outro enquanto feminino. Se
preferirem, é a Parca. Mallarmé mais do que Valery é o poeta da causa, oprimido pelo
peso do universal. O seu último texto, “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”[24],
não abole nunca o assunto, mas sua obra tenta colocar-se no mesmo plano do assunto,
restaurando o lugar do acaso num mundo sempre ameaçado de cair sob os golpes da

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mecânica universal. Mallarmé é o Gödel da poesia, que tentou utilizar todos os recursos
da língua para fazer valer seu ódio pela enumeração sobre uma superfície vazia e superior,
por um contar total em formação.
Uma psicanálise deveria conduzir a esse mesmo ponto, ou seja, a poder viver a
própria vida abandonando esse afã de uma superfície vazia e superior, seja a do céu e das
estrelas, seja a de qualquer ideal cansativo, o do universal da ciência: viver a própria vida
sem ter nada a ver com “um contar total em formação”.

Debate

Chiara Mangiarotti – Gostaria que retomasse o algoritmo do início da análise e do


sujeito suposto saber. Você disse que sob a barra está o referente latente e sobre a barra
está o significante qualquer encarnado no analista que se faz depositário das
identificações do sujeito que vão construir o referente latente. Agora gostaria de saber
como este referente latente embaixo da barra passa para cima no discurso do analista
como objeto a, no desejo encarnado do analista.
Por outro lado, você disse do significante da transferência como demanda que o
sujeito dirige ao significante qualquer do analista para saber quem ele é.
Se se trata de um significante e de um significante particular do sujeito, me parece
que não pode ser somente uma demanda, mas deve se identificada com um significante
preciso.

Éric Laurent – O que se coloca em jogo é justamente como o significante passa debaixo
para cima.
Em cima encontramos o significante da transferência assinalado com o índice de
uma letra e temos a significação do sujeito suposto ao significante ao qual Lacan,
modificando o algoritmo de Saussure, agrega o terceiro termo do triângulo semântico,
significante, significado, referente. Buscando esclarecer essa passagem de Lacan, eu disse
que no lugar marcado ou indicado como o do analista há um nome próprio na medida que
ele escreve uma marca, ou seja, algo da ordem de uma letra e não do significante. A aposta
não está em fazê-lo equivaler a ela, mas sim examinar como no processo analítico essa
marca, esse nome próprio pode ser alcançado pela via do saber. Por isso dei o exemplo
do quadro “Os embaixadores”. Mas podemos tomar Bacon, que teve a formidável ideia
de representar Édipo como um homem com o pé enfaixado circundado de uma cerca e
em suas costas uma porta assinalada com uma flecha que se abre sobre o fundo preto.
No quadro de Holbein o jovem espectador vê a caveira ao sair do quarto. No
quadro de Bacon a porta indica o percurso que o espectador deve seguir: é o lugar de onde
sai a mãe que o deixou ali com seu pé enfaixado e sua homossexualidade.
Esse é o apoio que encontro no Seminário XI: o nome próprio é a mancha de
partida.
O que é isso? Quero interrogá-lo com o saber. O trabalho analítico consiste em
apresentar o nome próprio ao analista e interrogá-lo. O analista encarna esse lugar e retém
a significação que de maneira retórica equivale a dizer: interroguemos juntos o que a
mancha quer dizer e vejamos como esse nome próprio pode ser descrito. Lacan está

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interessado em todas as teorias do nome próprio independentemente da descrição que dele
se possa dar e criticou Russel e sua teoria dos nomes próprios ainda antes de haver
conhecido a crítica lógica feita por Kripke em “Meaning and Necesity” que faz valer, a
partir de uma perspectiva contemporânea e lógica, a crítica da redução do nome próprio
como índice absoluto. Pelo qual pode-se dizer que Sócrates, como nome próprio, é muito
diferente de todas as descrições que foram feitas: o homem cujos discursos foram escritos
por Platão, o homem condenado a morte por Atenas.
Russel, diferentemente, tendia a reduzir o nome próprio através da descrição ou
através do puro demonstrativo.
Os dois termos não podem ser invertidos, o saber não chegará a reabsorver
inteiramente o nome próprio, porque no final da análise entre saber e identificação resta
um impossível: não me reconhecerei no saber que tenho de mim mesmo. Menos mal,
porque caso contrário viveria segundo a modalidade de “um contar total em formação”.
Há outro aspecto em que o saber que opera no registro de funcionamento normal
do inconsciente, o lugar do trabalho, oscila para baixo. Para que se produza a oscilação é
preciso que o analista ocupe esse lugar, então o que estava em cima se desliza para baixo.
Proceder à lenta enumeração das identificações não permite fazer equivaler a marca e o
saber. Para concluir, para decidir, para que o sujeito encontre seu nome e se autorize,
sempre é preciso um salto conclusivo. É o paradoxo de Aquiles e a tartaruga que Miller
falou recentemente. Você acha que te respondi?

Chiara Mangiarotti – Sim, mas lhe perguntei também sobre como o objeto a de latente
passa para o plano superior.

Éric Laurent – Certo. Vamos admitir que a primeira operação consiste em instalar ao
mesmo tempo o gozo e o gozo-sentido. É o artifício analítico que permite reencontrar o
gozo através desse sentido-gozado retido; eis que agora aparece de repente, como sucede
no Homem dos Ratos. Portanto o que a análise torna eficaz é a supressão disso, é o mesmo
que dizer que o objeto a se encontra acima, dizer que o sujeito suposto ao saber está
suprimido. Conjuntamente com o desenvolvimento da psicanálise podemos isolar o “Eu
sou aquele ou aquela que goza dessa maneira”; a referência latente se separa e se torna
atual. Ao se tornar atual não se inscreve mais no lugar da significação, mas ocupa o lugar
de um significante impossível, impossível de isolar, portanto, em uma função.
Sua pergunta é muito importante em relação ao significante da transferência. Dizer
que o objeto a está no lugar do semblante equivale a dizer que o objeto a é a prova do
fantasma, o estofo do sujeito. O sujeito pode descobrir, por exemplo, que sua identificação
mais importante é a de um animal assassinado por um pai açougueiro e desde o dia em
que tremeu frente à dor do animal experimentou em qual registro se ofereceu durante toda
a vida como uma vítima frente os golpes do Outro.
Mishima descreve sua identificação fundamental como São Sebastião atravessado
pelas flechas. Descobre seu corpo fragmentado, sua homossexualidade e fará de tudo para
inventar um suplício de São Sebastião num código japonês sublimando em sua obra sua
própria posição sexuada e realizando finalmente seu fantasma de maneira perversa e
extraordinária.

@lacanempdf
Se ele tivesse feito uma análise haveria encontrado esse texto: “sou aquele que
quer inventar um São Sebastião japonês e toda minha vida será isso”. Por que o objeto
resiste ao significante? Justamente por isso Mishima mobilizou toda a força da língua
japonesa e todos os recursos da sublimação linguística, mas não deixa de restar nesse
jovem homem uma paixão irredutível, mortífera, extremamente ativa: um resto que não
admite jamais ser extirpado. No lugar da significação latente estará o resto que escapa ao
significante.
A propósito do “Homem dos miolos frescos” Lacan fala do símbolo daquele que
vive a ideia, e todos nós vivemos do resto que anima nossas ideias. Nossos pensamentos
não valem nada, o que fazemos para viver e o que escapa a nossos pensamentos, assim
como aquilo que não permitimos viver sobre “o contar total em formação” de nossos
pensamentos. Do mesmo modo, o significante da transferência indica um significante
particular, mas mais profundamente é uma espécie de possibilidade originária para o
significante: produz a neurose. De fato, é um significante encarnado em um vivente que
produz o sintoma neurótico, na medida em que já é uma demanda que tem a ver com o
sexo. Podemos dizer que o significante da transferência é o primeiro significante mestre.
Por exemplo, no caso apresentado por Francesa Duro, a trabalhadora se apresenta: “sou
uma trabalhadora ou uma preguiçosa? Sou digna ou indigna?”. Eis aqui um significante
que é endereçado ao Outro, mas o que está dentro, no fundo, é a pergunta da neurose: sou
homem ou mulher? E o significante da transferência está em primeiro lugar, portanto,
pode ser especificado, mas em sua profundidade ele designa mais precisamente uma
possibilidade do significante: a possibilidade que designa o termo da neurose. Esse é o
ponto de vista de Lacan. Em 1909 Ferenczi havia chamado de transferência a sucessão
das identificações e Melanie Klein, retomando essa perspectiva, enfatiza que para escapar
da angústia, do núcleo da angústia, o sujeito se identifica tendo como operador o não da
negação, que permitirá dizer: “não sou isso, não sou aquilo”. Permite assim passar de uma
identificação a outra e depois espalhar-se sobre o mundo. É o que Lacan retoma quando
afirma que a neurose é uma demanda e que o desejo é um movimento que não se fixa ao
significante, mas o subjaz. Nesse sentido o significante da transferência é a questão da
neurose, “quem sou eu?”, mas é também o vetor do desejo que como função e vetor existe
na neurose: impedido, impossível, insatisfeito.
Poderíamos dizer que o significante da transferência é para o desejo o que o
fantasma é para o gozo. É o que assinala o lugar na cadeia significante e ao mesmo tempo
lhe escapa.

Texto não revisado pelo autor


Tradução para o português: Arryson Zenith Jr.

Texto original em espanhol extraído de: Revista Freudiana, nº15, Escuela Europea de
Psicoanálisis, Catalunya, 1995, p. 4-45

@lacanempdf
Referências:

1 - S. Freud, "El método psicoanalítico de Freud", em: Obras Completas, Biblioteca


Nueva, Madrid, 1 973, pag. 1003-1006.

2 - Ibid., pag. 1004

3 - S. Freud, "Análisis.fragmentario de una histeria", en: op.cit., Tomo I, pag. 950.

4 - lbid., pag. 950.

5 - J. Lacan, "La ciencia y la verdad", en: Escritos 1, Siglo Veintiuno Editores, 1979, pag.
347.

6 - S. Freud, "Análisis de un caso de neurosis obsesiva", en: op.cit., Tomo 11, pag. 1 446.

7 - J. Lacan, "Función y campo de la palabra y del lenguaje en psicoanálisis", en: Escritos


1, op. cit., pag. 1 09.

8 - S. Freud, "Análisis fragmentario de una histeria", en: op. cit., Tomo I, pag. 950.

9 - C. Boito, Senso, Venezia 1866.

10 - J. Lacan, "Función y campo de la palabra y del lenguaje en psicoanálisis", en: Escritos


1, op. cit., pag. 1 09.

11 - J. Lacan, "LA dirección de la cura y los principios de su poder", en: Escritos 1, op.
cit.; pag. 228.

12 - Ibid., pag. 230.

13 - Ibid., pag. 233.

14 - J. Lacan, "Observación sobre el informe de Daniel LAgache", en: Escritos 2, op. cit.,
pag. 300.

15 - lbid., pag. 301.

16 - Ibid., pag. 301.

17 - Ibid., pag. 301.

18 - Ibid., pag. 303.

19 - Ibid., pag. 303.

@lacanempdf
20 - J. Lacan, "Proposición del 9 de octubre de 1967", en: "Momentos cruciales de la
experiencia analítica", Manantial, Buenos Aires, 1 987, pag. 13 .

21 - lbid., pag. 13.

22 - Ibid., pag. 13.

23 - J. Lacan, "Subversión del sujeto y dialéctica del deseo en el inconsciente freudiano",


en :Escritos 1, op. cit., pag. 333.

24 - Citado en: Julia Kristeva, LA rivoluzione del linguaggio poetico, Marsilio, Venezia
1979, pag. 299.

@lacanempdf

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