Você está na página 1de 3

LENDO FREUD #08 - Os três tipos de ciúme

Freud tem uma teoria sobre o ciúme que ele apresenta no artigo “alguns mecanismos
neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo (1922) que se encontra no volume
XVIII que é o mesmo volume que se encontra um texto clássico e importante que é o texto
“além do princípio do prazer” no qual Freud coloca o conceito de pulsão de morte.

Nesse artigo “alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo”


Freud inicia o texto falando sobre o ciúme e ele nos apresenta três categorias de ciúme.

“O ciúme é um daqueles estados emocionais, como o luto, que podem ser descritos como
normais. Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a inferência de que ele experimentou
severa repressão e, consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida
mental inconsciente. Os exemplos de ciúme anormalmente intenso encontrados no trabalho
analítico revelam-se como constituídos de três camadas. As três camadas ou graus do ciúme
podem ser descritas como ciúme (1) competitivo ou normal, (2) projetado, e (3) delirante”.
(p. 237)

Sabemos que quando se perde uma pessoa querida, um familiar, emprego, um


relacionamento se experimenta um conjunto de reações muito complicadas e dolorosas que
chamamos de luto, mas não entendemos o luto como algo patológico mas sim como algo
normal e natural que sucede um episódio de perda. Da mesma forma, o ciúme é um fenômeno
normal e que não deve ser encarado necessariamente como patológico. Podemos incluir
também nessa série de estados emocionais normal a ansiedade também, hoje em dia muitas
pessoas dizem que sofrem de ansiedade mas na verdade a ansiedade em si é um estado
emocional normal, o excesso de ansiedade que é problemático.

Se alguém parece não possuir o ciúme justifica-se a inferência de que ele experimentou severa
repressão. Pessoas que dizem não sentir ciúme e que dizem que esse sentimento não faz
parte de sua vida, Freud diz que nessas pessoas (se elas não estão mentindo) isso é sinal que
elas estão reprimindo esse sentimento, não é que o ciúme não exista mas elas não permitem
que esse sentimento se faça presente na vida consciente delas.

E consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente. Se


a pessoa reprime o ciúme, o ciúme lá do inconsciente vai dominar a vida dessa pessoa porque
é isso que acontece com tudo que reprime, quando reprime um determinado conteúdo da
consciente aquele conteúdo vai pro inconsciente e lá do inconsciente ele passar a dominar a
vida de maneira indireta e simbólica porque justamente no inconsciente não há forças capazes
de relativiza-lo, enquanto na consciência o sujeito consegue discutir consigo mesmo e pensar
se aquele sentimento é adequado ou não, quando se reprime e manda pro inconsciente essa
discussão/debate/relativização não acontece, então se reprime o ciúme ele passa a dominar a
vida ainda que não se perceba isso.

Ciúme competitivo ou normal é o ciúme que a maioria das pessoas experimenta


inevitavelmente em seus relacionamentos tanto amorosos quanto com seus amigos ou
familiares.

“Não há muito a dizer, do ponto de vista analítico, sobre o ciúme normal. É fácil perceber
que essencialmente se compõe de pesar, do sofrimento causado pelo pensamento de perder
o objeto amado, e da ferida narcísica, na medida em que esta é distinguível de outra ferida;
ademais, também de sentimentos de inimizade contra o rival bem-sucedido, e de maior ou
menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar por sua perda o próprio ego
do sujeito.” (p. 237)

Quando experimenta ciúme o que tem em jogo? Se tem a perspectiva, se imagina que possa
perder o objeto amado e que aquela pessoa que ama pode vir a se interessar/se vincular com
outra pessoa e me deixar. Tem o medo da perda do objeto.

E da ferida narcísica na medida em que esta é distinguível de outra ferida. Freud está dizendo
que além do sofrimento que advém do medo de perder o objeto se tem também um
sofrimento que deriva do fato de que ao imaginar que o objeto pode me deixar eu estou
reconhecendo que não sou suficiente para esse objeto, estou reconhecendo portanto que sou
faltoso e que não sou capaz de completar e satisfazer plenamente o objeto. Isso é algo bom,
de fato a consciência de que não somos tudo para o outro é muito boa, é um aspecto que faz
parte do psiquismo saudável. Quando nós caímos nessa ilusão de que somos tudo pro outro
que a situação fica problemática, saber que não tenho o objeto capaz de satisfazer plenamente
o outro, só que é sofrido. Então a presença universal e inevitável do ciúme nas relações
evidencia que tanto eu quanto o outro continuamos apesar da relação sendo seres desejantes.

Quando reconheço que minha namorada/esposa pode vir a se interessar por outra pessoa e
sinto ciúme o que estou reconhecendo? Estou reconhecendo que não sou capaz de preencher
completamente a falta do outro, que não tenho esse poder porque a falta é constitutiva, o
outro é inevitavelmente/estruturalmente incompleto e que não posso completa-lo e ao
mesmo tempo estou reconhecendo que o outro é um ser desejante e que portanto se quero
manter o amor do outro, se quero que o outro continue a me amar preciso trabalhar pra isso,
esse é um tipo de amor adulto.

A forma de amor adulta depende do trabalho da conquista e esse trabalho acontece quando o
outro não vai me amar apenas por quem eu sou, não me amar incondicionalmente e que para
o outro continue a me amar preciso fazer o trabalho de conquista-lo e reconquista-lo e que o
ciúme normal é o indicativo de uma saúde em um relacionamento, é um indicativo de que
tenho a consciência de que não sou tudo pro outro e tenho a consciência de que o outro
continua sendo um sujeito desejante. Esse é o ciúme normal que é um sofrimento que decorre
do receio/medo de que o outro possa me deixar e se interessar por outra pessoa.

Ademais, também de sentimento de inimizade contra o rivas bem-sucedido. Então se de


repente eu acho que a pessoa que está comigo pode estar interessado pelo outro além de ter
medo de perder o amor e se sentir inseguro também fico com raiva da pessoa que imagino
que possa ser meu rival.

E de maior ou menor quantidade de autocrítica, que procura responsabilizar por sua perda o
próprio ego do sujeito. A pessoa que sente ciúme começa a se criticar e pensar “o que estou
fazendo de errado? Onde estou falhando fazendo com que o outro se interesse por um
terceiro, o que estou deixando a desejar?” Isso evidentemente mantido num certo limite é
saudável para um relacionamento porque faz com que não nos acomodamos, faz com que a
gente permanece constantemente pensando como se pode garantir e manter o amor do
outro, porque esse amor não é incondicional, esse amor demanda conquista então a
autocritica pode ser muito saudável pra um relacionamento dentro de um certo limite porque
se o sujeito fica o tempo todo se criticando, se achando a pior pessoa do mundo porque
imagina que o outro pode estar se interessando por um terceiro isso já entra em um campo
mais patológico.
“Embora possamos chama-lo de normal, esse ciúme não é, em absoluto, completamente
racional, isto é, derivado da situação real, proporcionado às circunstâncias reais e sob o
controle completo do ego consciente; isso por achar-se profundamente enraizado no
inconsciente, ser uma continuação das primeiras manifestações da vida emocional da
criança e originar-se do complexo de Édipo ou de irmão-e-irmã do primeiro período sexual.”
(p. 237)

Se for analisar do ponto de vista racional o ciúme de fato ele não faz muito sentido porque se a
pessoa está comigo e eu sinto ciúme dessa pessoa em relação a um terceiro, se ela quisesse
ficar com esse terceiro ela já teria ido, se ela está comigo é justamente o sinal de que não
preciso ter esse medo. Então racionalmente o ciúme não faz muito sentido.

Porque ele não é racional? Por achar-se profundamente enraizado no inconsciente, ser uma
continuação das primeiras manifestações da vida emocional da criança e originar-se do
complexo de Édipo ou de irmão/irmã do primeiro período sexual. As primeira expressões do
nosso ciúme foram produzidas no campo das relações com nossos pais, no complexo de édipo.
Ali que fomos confrontados pela primeira vez com essa dimensão da falta, justamente a partir
do momento em que a criança percebe que ela não é tudo pra mãe e percebe que a mãe é um
sujeito desejante e que a mãe deseja o pai, nesse momento que a criança experimenta o
ciúme do pai, é a primeira expressão do ciúme.

As primeira manifestações do ciúme brotam da nossa vida infantil. Então no final das contas
quando estou com receio de que minha namorada/esposa/marido possam me deixar e
escolher um terceiro o que está em jogo é a reprodução/recenação/repetição daquela
primeira cena de ciúme, daquela primeira configuração que deu origem ao ciúme na minha
vida que é a relação com meus pais. Esse ciúme evoca aquele ciúme primário, por isso que não
dá pra compreender direito do ponto de vista racional porque está enraizado no inconsciente,
no complexo de édipo.

Você também pode gostar